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Temas Bésicos de Psicologia Coordenadora: Clara Regina Rappaport Para fins didaticos, OTRBrasil, Cuislogagtons-Publicacto ‘Camara Brasileira do Livro, SP ‘Trinca, Valter, Tis2d __Diagnéstico psicolégico: pratica clinica / Walter ‘Trinca e colaboradores. — Séo Paulo; EPU, 1984. (Temas bisicos de psicologia; v. 10) Bibliogratia. 1 Psicodiagnéstico I. Tituto, 861416 opps?.92 ‘Indices para catélogo sistemético: Diagnéstico psicolégico: Psicologia clinica 157.92 Psicodisgnéstioo: Psicologia clinica 157.92 i WALTER TRINCA Organizador DIAGNOSTICO PSICOLOGICO A. Pratica Clinica €PU, EDITORA PEDRGOGICR € UMIVERSITRRIA LTDA. SOGIEDADE UNFICADA PAULISTA DE Sumério Preficio geral da Colegio .......6..00.c0000ceee er 1. Contato geal do dingndstion psicol6ico (Mariia Anco- naLopes) .... 0+ or 1.1, © termo “diagndstico” .... 1.2. A Psicologia Clinica ¢ as abordagens reicodieenée ticas . Teoria © prética ... Bibliografia 2. Proceso diagnéstico de tipo compreensivo (Walter Trinca) BA, Tnlieduglo «1. sei gnniusisanersasane 2.2. Fatores esiratrantes do processo compreensivo . 213) Outros uspectos ... 0. . 2.4, Bibliografia ....2.... 5. Refereneiais te6ricos do processo diagnéstico de tipo com- preensivo (Walter Trinea) ..... 7 3: 3 3. 3. Introdugao « Processos intrapsiquicos . Desenyolvimento € maturagao Dinamica familiar .....- 6 see ee ee Relagéce psicélogo paciente . habe XI . xu 5.6. Teovias que fundamentarn os tees pslcoigicos «32 7.3. Estudos sobre a integragio de contedidos no pro- 7, BUNGEE 5 caucnsusene va si 33 4 cess0 diagnéstico .. 86 7.4, Formas de pensamento clinico em *iagndstico da 4. A relacio psicélogo-cliente no psicodiagnéstico infantil personalidade ....... 87 (Tania Maria José Aiello Tsu) onconcooeene til 7.5. © pensamento clinico ¢ as condicées bésicas para 2 | © seu funcionamento ........eceeveeeeeeeesee 89 4.1. Introdugio 34 ! Ti. BBG sacs Seaxerevsnes es ciara t 3 4.2. Definicfo de cliente . eee 34 1G fone ae Cea 8. 0 sérmino do prosessopssodagnénico (Snia Regina Jur epistemoldgico 42 belini) 3 4.5. A relagdo psicélogo-cliente do ponto de vista técnico 44 8.1. Introdugfo ....-. eres 95 4.6. A relagdo paloSlogoclicate do ponto de vista ético 48 8.2, ‘Racamintianentos 96 4.7, Bibliografia Perera serene 50 8.3. Consideragdes gerais sobre 0 informe psicolégico 97 8-4. Supestes para composifo do informe piclipleo 9° 5. Frossdlmenia cou’ wild 0 Palsodiegnatho 8.5. Bibliografia ...sescscevss cons sees 101 (Gilet. SAFE) ceccscewuarimninmaoneitne SE 5.1, Introdugéo .... ste : St 9. Bibliografia geral ea 10 5.2. © jogo de rabiscos 52 5.3. © procedimento de desenl 08 e ester seers SD 5.4. © ludodiagnéstico ..... 37 4 5.5. A entrevista verbal com a crlanga se 60 5.6 Testes psicaldgicos usuais no p 62 5.7. Bibliografia .... 5.045 ea 5 6. Entrevistas clinicas (Mary Dolores Ewerton Santiago) .. 67 7 6.1. Introdugdo eee Te 67 6.2. A importincia de. ‘un marco referencial na estru- turagdo da entrevista ‘ te 68 6.3. A selago psicogepanente naa entrevista psicolé- vee - & 6.4. . seceraneaene BE 6.5. AS entrevistas subscqiientes | cs 6.6. As entzevistas devolutives 5 6.7. Bibliografia .......... mmatanims EL 7. © pensamento clinico ¢ a integracio dos dados no diagnés- tea picolilco (Ana Mavis ‘Thapé ‘Trinen © Hllabeth Becket)... eeeceeeecsseeseeeee . an Be \ 7A. Introdugdo .... ewmmmswamees | 7.2. Estudos sobre indieadores de fe Integragfo nos testes | projetives oo... " a3 \ var Ix Contexto geral do diagnédstico psicoldgico Marilia Ancona-Lopez 1.1. O termo “diagnéstico” 1.1.1, Sentido amplo e restrito A palavra diagndstico originase do grego diagndstikds © signt- fica discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de. Com- preendido dessa forma, o diagnéstico ¢ inevitével, pois, sempre que explicitamos nossa compreenséo sobre um fenémeno, realizamos um de seus possfveis diagnésticos, isto é, discernimos nele aspectos, carac- terfsticas e relagdes que compdem um todo, o qual chamamos de conhecimento do fendmeno.\ Para chegarmos a esse conhecimento, utilizamos processos de observasdes, de avaliagdes e de interpreta- Bes que se baseiam em nossas percepoGes, experiéncias, informagdes adquiridas ¢ formas de pensamento. B nesse sentido amplo que a compreensic de um fendmeno confundese com o diagndstico do mesmo. Em sentido mais restrito, utiliza-se 0 termo diagnéstico para referit-se & possibilidade de conhecimento que vai além daquela que © senso comum pode dar, ou seja, 4 possibilidade de significar a rea- lidade que faz uso de conceitos, nocGes ¢ teorias cientificas. Quando procuramos ler determinado fato a partir de conheci- mentos especificos, esiamos realizando um diagnéstico no campo da ciéncia ao qual esses conhecimentos se referem. Uma folha de papel pode ser compreendida através de um estudo do material que a compée, de sent custo, da sua utilidade social ou de sen surgimento 1 histérico, dependendo dos conhecimentos colocados a servico da busca de compreensao. Evidentemente, nem todos os conhecimentos podem ser aplicados a todos os fatos. Conhecimentos de Algebra di- ficllmente nos seréo dtels para a compreenstio da Hist6rla do Brasil € vice-versa. Se, porém, 0 objeto de estudo de diversas ciéncias for © mesmo, seré possivel aplicar a esse objeto os conhecimentos de todas esses ciéncias. Por exemplo, ao estudar um animal utilizando conhecimentss da Zoclogia, entiqueceremos esse estudo recorrendo a Bivligia. 1.1.2. O diagndstico psicotdgico A Psicologia se insere no conjunto das Ciéncias Humanas. Uti- lizamos seus conhecimentos pata a compreensto de qualquer fend- meno humano, Esse mesmo fenémeno poderé também ser objeto de estudo de outras ciéncias, 0 que permitiré integrar conhecimentos, enriquecendo nossa compreensao. Porém, ainda que empréguemos dados de outtas ciéncias, ao tratarmos das fung6es do psiedtogo, esta- remos sempre nos referindo ao conjunto de fendmenos possiveis de serem estudados pela Psicologia e ao conjunto de conhecimentos psi- colégicos que se desenvolveram a partir do estudo desses fendmenos, De fato, 0 objeto de estudo, os conhecimentos ¢ métodos utilizados caracterizam nosso trabalho, delimitam nosso campo de competéncia © permitem que se desenvolva nossa identidade profissional. Seq Os conhecimentos dentro do campo da Psicologia, como de qual- quer outra ciéucia, nfo se agrupam indiscriminadamente, Constituem € estilo constitufdos em teorias das quais decorrem os procedimentos e as técnicas. Na hist6ria da Psicologia encontramos intimeras teorias que-defi- nem de forma diferente seu objeto de estudo ¢ o método @ utilizar. Algumas tomaram métodos emprestados das ciéncias naturais, defi- nindo em funcao dos mesmos o fendmeno a estudar, e algumas bus- caram criar métodos priprios. Mesmo a clnesifieacso da Psicalogia como ciéncia humana, ou como ciéncia natural, e 0 teconhecimento da existincia de teorias psicolégicas foram e sio muitas vezes ques- tionados pelos estudiosos do conhecimento. Porém, estas so as or- ganizagdes do conhecimento que encontramos no atual estégio do desenvolvimento da Psicologia. Sdo as que estudamos, frente As quais nos posicionamos e com as quais trabelhamos. Neste livro trataremos do diagnéstico psicolbgico. O diagnéstice psicolégico busca uma forma de compreenséo situada no ambito da Psicologia. Em nosso Pafs, é uma das fungSes exclusivas do psicé- Jogo garantidas por lei (Lei n° 4119 de 27 8 1962, que dispde sobre a a formacdo em Psicologia e regulamenta a profissiio de psledlogo). Outras fungdes exclusives so a orientago e selegao profissional, orientagdo psicopedagégica, solucio de problemas de ajustamento, ditegao de servigos de Psicologia, ensino ¢ superviséo profissional assessoria € pericias sobre assuntos de Psicologia. Quando nos dispomos 2 realizar um psicodiagnéstico, presumi- mos possuir conhecimentos teéricos, dominat procedimentos ¢ téc- nicas psicoldgicas. Como so muitas as teorias existentes, e nem sem- pre convergentes, a atuacio do psicélogo em diagndstico, assim como nas outras fungdes privativas da profissdo, varia consideravelmente. Em outras palavras, € porque a atuaco profissional depende de uma forma de conhecimento, método de estudo e procedimentos utiliza- dos — considerando que na Psicologia estes so muitas vezes incl pientes —, que se encontram muitas concepgoes ¢ estruturacoes dife- rentes do diagnéstico psicolégico. O préprio uso do termo varia, de acordo com essas concepgées. Encontra-se, muitas vezes, ao invés de “‘diagndstico psicolégico”, a utilizacdo dos termos “psicodiagndstico”, “diagndstico da personalidad", “estudo de caso” ou “avaliagio psicoldgica”. Cada um desses termos ¢ utilizado preferenclalmente Por grupos de profissionais posicionados de formas diferentes diante da Psicologia. Assim, antes de nos propormos a atuar profissionalmente, seré interessante explicitarmos sobre que fenémenos pretendemos’ atuar, sual sergio 0s referenclals tedricos, os métodos e procedimentos @ utilizar, 1.2, A Psicologia Clinica e as abordagens psicodiagnésticas © termo Psicologia Clinica foi utilizado, pela primeira vez, em 1896, referindo-se 2 procedimentos diagnésticos utilizados junto a clinica médica, com uigas deficientes fisicus © mentais. O inte- resse por esse diagndstico surgiu a partir do momento em que as doencas mentais foram consideradas semethantes as doencas fisicas. Passaram, entdo, a fazer parte do universo de estudo da ciéncia, € no mais da religifo, como anteriormente, quando eram consideradas castigos divinas ou possessdes. Pareadas com as doengas fisicas, foi necessério observar as doengas mentais, verificar sua existéncia como entidades espectficas, descrevé-las ¢ classifies-las. Dessa forme, a par da Psiquiatria, ativi- dade médica destinada a combater a doenga mental, desenvolveuse a Peicopatologia, ou scja, o ramo da ciéncia voltado ao estudo do 3 comportamento anormal, definindo-o, compreendendo seus aspectos subjacentes, sua etiologia, classificacZo e aspectos sociais. Do mesmo modo, a par do desenvolvimento da Psicologia, isto é, do estudo sis- temético da vida psiquica em geral, desenvolveu-se a Psicologia Cli- nica, como atividade voltada A prevencao e ao alfvio do sofrimento psiquico. 1.2.1. A busca de um conhecimento objetivo A forma de atuacao inicial em psicodiagnéstico refletiu a pos tura predominante, na época, entre os cientistas. Estes consideravam possfvel chegar-se 20 conhecimento objetivo de um fenémeno, zando uma _metodologia baseada em observacdo imparcial e experi- mentagao, Esta postura, na qual a confirmagao de hipsteses se be- seia em marcos referenciais externos, conhecida em sentido amplo como postura positivista, predominou principalmente no continente americano, Dentro dessa orientagio, desenvolyeram-se o modelo mé- dico de psicodiagnéstico, 0 modelo psicométrico e 0 modelo beha- viorista. 2) © modelo médico O trabalho em diagnéstico psicolégico junto aos médicos marcou © infcio da atuagdo profissional. Houve uma transposigac do modelo médico pare o modelo psicoldgico. Este adquiriu algumas caracic- risticas: enfatizou os aspectos patoldgicos do individuo, usando como quadros referenciais as nosologias psicopatolégicas e enfatizou uso de instrumentos de medidas de determinadas earecteristcas do in- lividuo. No campo da Psicopatologia, multiplicaram-se as tentativas de estabelecer diferencas entre desordens orgénicas, endégenas, e desor- dens funcionais, exégenas, procurando-se estabelecer relagses entre as mesmas ¢ 05 distérbios de comportamento. Estabeleceram-se, tam- bém, relagdes de causalidade entre os distiirbios orgénicos © os dis- ttirbios psicolégicos, principalmente nas areas da Neurologia e da Bioquimica. Na procura do estabelecimenio de quadros classifica. térios das doengas mentais, precisos e mutuamente exclusives, bus- couse organizar s{ndroines sintométicas que caracterizassem esses quadros e pudessem ser observadas. ‘Os comportamentos considerades patoldgicos passaram a ser des- critos detalhadamente. Elaboraram-se testes para determinar e detec- tar 03 processos psiquicos subjacentes, inclusive detectar tendéncias patolégicas. O objetivo desses testes, na pratica, era fornecer infor- magSes aos médicos que as utilizavam, como subsidios para deter- 4 minar os diagnésticos psicopatolégicos. Procuravam-se também, nos testes, sinais Ue distdrbios orginicos que, pareados aos dados sinto- méticos, justificassem pesquisas médicas mais aprofundadas. As dificuldades encontradas nessa abordagem ligavam-se ao fato de que 0s quadros sintométicos nem sempre se adequam ao quadro apresentado pelo sujeito. Além disto, os mesmos sintomas podiam ter muitas vezes causes diversas ¢, vice-versa, as mesmas causas podiam provocar diferentes sintomas. Do ponto de vista do psicélogo, a grande énfase nos aspectos psicopatolégicos deixava em segundo plano caracteristicas néo-pato- égicas do comportamento das pessoas, limitando 0 estudo e 0 co- nhecimento sobre individuo Apesar deseas dificuldades, utilizam-sc até hoje classificagdes psicopatolégicas, principalmente no que se refere aos grandes grupos nosolégicos. Convém lembrar que, dentro da Psicopatologia, ha dife- rentes classificagdes, e estas obedecem a diferentes critérios. A uti lizagio de critérios classificat6rios justifica-se, porém, pela busca de uma Tinguagem comum. b) © modelo psicométrico © desenvolvimento dos testes foi, aos poucos, estabelecendo um campo de atuagao exclusive para o psicélogo e gatantindo sua iden lade profissional, embora precéria, jé que condicionada & autori- dade do médico a quem cabia solicitar esses testes e receber os resultados dos mesmos. Na atuacSo, foi com o uso de testes, principalmente junto a criangas, que os psicdlogos ganharam maor autonomia. Nesse tra- balho, esforgavam-se por determinar, através dos testes, a capacidade intelectual das criancas, suas aptidoes © dificuldades, assim como sua capacidade escolar. Esses resultados, com o tempo, deixaram de ser obrigatoriamente entregues a outros profissionais. Utilizados pelos prdprivs psicdlogus, serviain agura pura orieutar pais, profes: sores ou os préprios médicos. Na utilizaco dos resultados dos tes- tes, torou-se menos importante detectar distirbios ¢ classificé-los psicopatologicamente, mes sim estabelecer diferencas individuais ¢ orientagdes especificas. ‘A visao de homem subjacente ao modelo psicométrico implicava e exisiéncia de caracteristicas genéricas do comportamento humeno. Essas caracieristicas, de ordem genética e constitucional, eram con- sideradas relativamente imutiveis. Os testes visavam a identificé-les, classificd-las e medi-tas, Entre as teorias da Psicologia que procura- ram expliciter essa visio, encontram-se a Tipologia, a Psicologia das o Faculdades e a Psicologia do Traco, cada uma delas definindo um conceito de homem e indicando uma forma de diagnosticé-lo. © desenvolvimento da Psicologia nessas diregdes foi bastante influenciado por acouleciumentos hisiéricus, prinvipalmente nos Es- tados Unidos. Neste pafs, durante a Segunda Guerra Mundial at buiu-se & Psicologia a fungio de selecionar individuos, aptos ou ndo para 0 exército, e avaliar os efeitos da guerra sobre os que dela retornavam. Foi destineda maior verba as pesquisas psicolégicas ¢ proliforaram os testes. Estcs foram amplamente difundidos no Brasil. ) © modelo behaviorista Enfatizando a postura positivista, desenvolveram-se as teorias hehavioristas, Estas, partinda do principio de que o homem pode ser estudado como qualquer outro fenémeno da natureza, inclufram a Psicologia entre as ciéncias naturais e transportaram seus métodos para o estudo do homem. A fim de poder eplicar 0 método das cién- cias naturais, necessitavam de um objeto de estudo observavel e mensurfvel, ¢ declararam o comportamento observavel como a finica objeio possivel de ser esiudado pela Psicologia, Consideraram que 0 comportamento humano nfo decorre de caracteristicas inatas e imutiveis, mas 6 aprendido, podendo ser mo- dificado. Passaram a estudé-lo, preocupando-se em alcangar as leis que © regem e as varidveis que nele influem, a fim de ee poder agir sobre ele, mantendo-o, substituindo-o, modelando-o ou modificando-o. Os behavioristas criaram formas préprias de avaliagio do com- portamento a ser estudado. Néo utilizaram o termo “‘psigodiagnés- tico”, valendo-se dos termos “levantamentos de repertério” ou “and lises de comportamento”. 1.2.2. A importincia da subjetividade Paralelamente a essas tendéncias, desenvolveu-se uma nova fot ma de conhecimento que repercutiu consideravelmente na Psicologia. Desde 0 inicio do séoulo, alguns filésofos insurgiram-se contra a visio de ciéncia que considerava posstvel uma total separacio entre © sujeito © 0 objeto de estudo. Para esses fildsofos, todo 0 conhe- cimento € estabelecido pelo homem, nao se podendo neger # parti- cipagdo de sua subjetividade. Dessa forma, nfo € possivel admitir como valida uma psicologia positivista, objetiva e experimental. O homem néo pode set estudado como um mero objeto, fazendo parte do mundo, pois o préprio mundo nao passa de um objeto intencional para o sujeito que o pensa. Desse modo, os métodos das ciéncias 6 naturais nfio poderiam ser transpostos para as ciéncias humenes, j4 que estas possuem caracterfsticas especificas Esta forma de penser foi marcante para a Psicopatologia e para a Psicologia. No campo deste éltima, dou origem & Psicologia Feno- menoldgico-existencial e & Psicologia Humanista. Todas essas corren- tes afirmam que a consciéncia, a vida intencional, determina © € determinada pelo mundo, sendo fonte de significagéo ¢ valor. Sa lientam 0 caréter holistico do homem e sua capacidade de escolha autodeterminagio. Partindo dessa posigéo frente ao homem e & ciéncia, inémeras escolas surgiram e encararam de formas diversas a questo do psi- codiagnéstico. 4) © Humanismo As cortentes humanistas, evitando posigées teducionistas a0 lidar com o homem, procuraram manter uma visio global do mesmo e compreender seu mundo e seu significado, sem as referéncias teé- ricas anteriores, Insurgiram-se contra o diagndstico psicoldgico, cri- ticendo seu aspecto classificatério ¢ 0 uso do individuo através. dos testes, Procuraram restifuir ao ser humano sua liberdade ¢ condigdes de desenvolvimento, repudiando © psicodiagnéstico e considerando-o tum verdadeiro leito de Procusto. Para os humanistas, os procedi- mentos diagndsticos sfo artificiais. Constituem-se em racionalizagSes, acompanhadas de julgamentos baseados em constructos teGricos que descaracterizam 0 set humano. Esses psiodlogos nao s¢ ‘utilizam de diagnésticos e de testes, considerando que, através do relacionamento estabelecido com 0 cliente, durante a psicoterepia ou aconselha- mento, alcangam uma compreensio do mesmo. b) A Psicologia Fenomenolégico existencial Algumas correntes da Psicologia Fenomenolégico-existencial re- formularam a visio do psicodiagnéstico. Para estes psicélogos, os dados obtidos em entrevistas e/ou em testes podem ser dlcis e tra zer informagies a respeito das pessoas, ajudando-as no caminbo do. autoconhecimento. Esses dados devem ser discutidos diretamente com ‘5 clientes, estabelecendo-se com os mesmos as possfveis conclusées. ‘Apesar de empregarem testes ¢ informagées derivadas de diferentes correntes do conhecimento psivoldgico, utilizam-nas apenas como r0- i Procusto, na Mitologia Grega, era um salteador. Atacava os ‘os matava, forgando-os a se deitarem mum leito que nunca so ajustava 90 seu tamanho. Cortava as pernas dos que excediam a medida e esticava os gue naa a atingiam a cursos ou estratégias @ serem trabalhadas com os clientes. O psico- diagnéstico € considcrado mais do que um estudo e avaliagdo. Sa- Tienta-se 0 scu aspecto de intervencao, diluindo-se os limites que se- param 0 psicodiagnéstico da intervengdo terapéutica. ©) A Psicandlise Decorrente da mesma postura que nfo considera posstvel a completa objetividade, assim como nfo aceita a completa subjetivi- dade e atribui significaggo particular a todo comportamento humano, desenvolveu-se a Psicandlise. Sua influéncia, sentida inicialmente na Europa, fez-se notar no continente americano, principalmente no pe- riodo da Segunda Guerra Mundiel, quando houve uma grande imi- gracdo de psicanalisias europeus. A Paicandlise prové uma revolucfo na Psicologia, explicitendo 0 conceito de inconsciente e explicando, através de processos intrapsi- quicos, os diferentes comportamentos que procura compreender. Através da ética psicanalitica, rediscutem-se a determinagao psiquica, a dinémica da personalidade, revéem-se os comportamentos psicopa- toldgicas, sua origem e prognéstico. Embota, desde o inicio, os estudos psicolégicos tenham se preo- cupado em definir ¢ conhecer a personalidade, foi a Psicantlise que propos 0 complexo mais completo de formulagSes sobre sua forma- 0, estrutura e funcionamento. Entre os psicanalistas, desenvolve- Tam-se varias escolas, que se diferenciam pela énfase colocada em Giferentes aspectos da personalidede, e pelas explicagdes sobre 0 desenvolvimento das mesmas. Todas concordam quanto aos con- ceitos psicanaliticos fundamentais, Apesar das diferencas entre as correntes psicanaliticas, sua influéncia na pratica do psicodiagnéstico foi a mesma. Acentuou-se © valor das entrevistas como instrumento de trabalho, o estudo da personalidade através da utilizagdo de observagdes © técnicas proje- tivas € se desenvolveu uma meior consideracio da relago do psi- eélogo e do cliente com a instrumentalizagéo dos aspectos .transfe- rencials e contratransferenciais. Enfim, a Psicandlise desenvolveu ins- trumentos diagndsticos sutis, que permitem verificar o que se passa com 0 individuo por detrés de seu comportamento aparente. 1.2.3. A procura de integracio Todas as abordagens em Psicologia, que surgitam e foram se desenvolvendo ao longo do tempo, t8m seus equivalentes atusis. Isto quer dizer que, hoje, entre os psicslogos, encontramos aqueles que atuam a partir de conceitos do homem e da ciéncia positivistas, feno- 8 menol6gico-existenciais, humenistas ¢ psicanaliticos. Estas seriam as grandes tendéncias encontradas em Psicologia. Podemos dizer que, apesar de apresentarem diferencas fundamentais, muitas vezes se interseccionam, nao sendo sempre possivel delectar as fronteiras ontre as mesmas. Apeser dos diferentes marcos referenciais, a conceituagao de cada uma dessas tendéncias é muito ampla e cada uma delas apre- senta indmeros desdobramentos, de tal forma que, na prética da Psi- cologia e, portanto, na prética do psicodiagnéstico, temos, como j4 foi dito, varias formas de uluacSo, muitas das quais nao podem ser consideradas decorrentes exclusivamente de uma ou de outra dessas abordagens. Em outras palavras, quando olhamos concretamente pera a Psicologia Clinica, verificamos grandes variag6es de conhecimentos @ aluages. Alguns podem ser agrupados em blocos razoavelmente organizados, outros sio ainda muito empiricos © com desenvolvi- mento bastante incipiente. Na transcorrer da historia da Psicologia, algumes teorias colégicas provocaram grande entusiasmo por parte dos profissionais. Parecia que sanariam as dificuldades internas desta ciéncia e preen- cheriam as lacunas de conhecimento, além de proverem na de inetru- mentos efetivos de atuagio. Em alguns momentos, isto aconteceu com mais de uma teoria. Estas teorias, desenvolvendo-se as vezes em di- regdes diferentes, criaram em certos periodos verdadeiras disputas entre profissionais, que procuravam provar a maior ou menor quali- dade de suas propostas. O fato é que nenhuma teoria, até agora, mostrou-se suficiente para responder a todas as questées colocadas pela Peicologia. © que se nota hoje, na maioria dos psicdlogos, jé nfo é uma acirrada batalha no sentido de fazer prevalecer sua posiglo, mas sim ura postura critica diante do conhecimento psicolégico, ¢ a procura de uma integragdo entre as diverses conquistas até agora realizadas cm seu campo, Este processo de integragio reflete-se também no tra balho de psicodiagnéstico, ‘Atualmente, todas as correntes em Psicologia concordam, embora partindy de pressupostos © métodos diferentes, que, para s¢ com- preender o homem, € necessério organizar conhecimentos que digam respeito A sua vida bioldgica, intrapsiquica e social, no sendo pos- sivel excluir nenhum desses horizontes. Em relagio aos aspectos biolégicos do sujeito, ao realizarem o psicodiagnéstico, os psicélogos se preccupam com os fatores de desenvolyimento e maturacio, com especial atenao & organizago neuroldgica refletida no exercicio das fungdes motoras, A avaliagao dessas fungdes ocupa um local de im- porlincia no psicodiagnéstico infantil (ao lado da avalia¢ao cogni- tiva), pois esta diretamente ligada ao pragmatismo ¢ a0 sucesso ¢s- colar, Ainda, nesta avaliagdo, cabe ao psicélogo perguntar-se sabre 9 possiveis causas orginicas subjacentes A queixa apresentada, Caso suspeite da existéncia de distirbios fisicos, deve remeter o cliente a0 médico. Evitard, deste modo, os riscos da “psicologizagao”, isto é, fornecer explicages psicolégicas a dietiirbios de outra origem. A ava- iagdo dos processos intrapsiquicos, principalmente da estrutura ¢ Gindmica da personalidade, constitui-se no cerne do psicodiagnés- tico. F ao redor dela que se organizam os demais dados. A relagao do cliente com 0 psicdlogo, assim como os papéis familiares © sociais, valores © expectativas, nfio deixam de ser considerados. A maiot responsabilidade do psicélogo, porém, reside no trabalho de integragdo desses dados, j4 que a divisio dos mesmos nio passa de um attificio para permitir um trabalho mais sistematico, Apesar da busca de integraciio, sabemos que um psicodiagnés- tico, por mais completo que seja, refere-se a um determinado mo mento de vida do individuo, e constitui sempre uma hipstese diag néstica. Isto porque a Psicologia, como qualquer outra ciéncia, nao pode ser considerada um corpo de conhecimentos acabado, com- pleto e fechado. 1.3. Teoria e pratica E muito importante conhecermos a situaglo na qual se encontra Psicologia, por dois motivos. Primeio, porque sabeude dos pro- blemas de conhecimento com os quais nossa profissio se depara, no podemos deixar de lado questées de Filosofia e de Epistemologia, que nos impediréo de cair numa atuacdo acritica e alienada, isto 6, uma atuagio na qual se utilizem, indiscriminadamente, diferentes con- ceitos, nogées © préticas, scm explicité-los ¢ scm definit nossa po- sigéo frente aos mesmos. Em segundo lugar, porque conhecendo es dificuldades que a Psicologia encontra, podemos compreender com maior facilidade como estas se refletem na prética, e encontrar for- mas de atuago, junto aos clientes, que nos permitam agix com segu- ranga © trangiilidade. A relacio entre a pritica e a teoria em diferentes citneias e, portanto, também em Psicologia, é uma das questées que ocupa 03 estudiosos. Para alguns, a prética deve decorrer estritamente de uma postura e métodos tedricos. Para outros, o importante é a explici- tagiio do sinturvio de conceitos ¢ nogécs no qual o sujcito sc apdia, sem que, obtigatoriamente, esse cinturgo esteja organizado antetior- mente em uma teoria, O fato € que a pratica e a teoria se alimentam mutuamente. Uma nao se desenvoive sem a outta, niio podendo haver desyinculagéo e nem subordinacao total entre elas. A incompreenséo dos aspectos implicados nessa relagiio pode levar a uma desqualil 10 cagio do trabalho pritico do profissional, por parte daqueles que se consideram produtores do conhecimento, ou a uma atuagio desvin- culada da teoria e que se, descaracterizaria como prética profissional. Por outro lado, a total subordinagio da pritica A teoria & restritiva ¢ improdutiva para ambes. 1.3.1. A prdtica do psicodiagnéstico Na pritica de Psicologia Clinica visa-se, basicamente, a aliviar 0 sofrimento psfquico do cliente. Na prética do psicodiagnéstico, 0 ob- jetivo € organizer os elementos presentes no estudo psicoldgico, de forma a obter uma compreenséo do cliente a fim de ajudé-lo, Na concretizacio dessa pratica, muitas atuagdes baseiam-se em solugdes pragméticas, mais do que em solugdes decorrentes de uma aborda- gem tedrica, Isto porque, na pratica, entram em jogo novas di- menses. ‘Ao atuar em psicodiagnéstico, 0 psioslogo esta atendendo a ob- jetivos definides teoricamente. Esté aplicando conhecimentos te6- ticos, validando-os ou modificando-os, As observagdes._decorrentes dessa aplicagéo, se pesquisadas ¢ informadas, traréo subs{dios uteis a revisdes e reformulagSes (eSricas. Est também cumprindo sua fun- gf0 profissional de ajudar o cliente. Desempenhando essa fungio, afirma o papel do psicélogo, preserva o espaco da profissin e atende a necessidade da mesma. Além desses objetivos, inerentes profissio, 6 psicélogo estard servindo a outros designios que decorrem das con- digées sociais e organizacionais onde atua, Estas condigdes determi- nam 0 contexto no qual vai se desenvolver a atuago. Assim, a0 rea- fizarmos um psivodiapudstico, tendo definido para nés mesmos ae questdes ligadas ao conhecimento psicolégico © & prética profissio- nal, devemos considerar 0 contexto no qual essa atuagio est4 in- serida. 1.3.2. O contexto da atuagio © maior desenvolvimento dos modelos de psicodiagnéstico atuais deu-se em consultdrios privados, no atendimento a uma clien- tela socialmente privilegiada. A valorizagio do psicélogo como pro- fissional liberal contribuiu para a preferéncia pela atwacao auténoma, em detrimento da atuago em instituigGes. Nestas, a mera transpo- sigo dos modelos de psicodiagnéstico utilizados em consultérios, ‘mostrou-se ineficiente. A situagfo passou a incluir, além do psicélogo e do cliente, um tercciro elemento, a instituigio, que modificou a ui estruturagio do trabalho. Nem sempre a instituigio, os psicdlogos 8 clientes apresentam necessidades e objetivos coincidentes. A atuacdo em psicodiagnéstico prevé o conhecimento das ne- cessidades do clicntc. Questées élices propdem ao psicdlogo 0 co- nhecimento ¢ a elaboragao de suas proprias necessidades ¢ desejos, a fim de que os mesmos néo interfiram no trabalho profissional, pre- Judicando-o, Consideramos necessério que as influéncias institucio- nais sejam reconhecidas também. O psicélogo, a0 atuar em creches, hospitais, presidios ¢ outras organizagSes, cncoutrase freqiientemente sob orientagio estranha aos interesses de sua profissio. Apeser da regulamentacio prever, como funsio exclusiva do psicdlogo, a dire- go de servigos de Psicologia, essa regulamentagdo nem sempre respeitada, O psicélogo é muitas vezes pressionado a servir primor- dialmente aos intereseee da instituicdo. Esta, através de cegulameutos internos ou de poder burocratico, determina 2 quantidade de tra- dalho a produzir, local, tempo e recursos a serem usados. A pré- pria utilizagfo dos resultados do trabalho, por parte da instituigao, pode ser contrétia aos interesses do psicdlogo ¢ do cliente. Pres. sGes de mercado e questées trabalhistas limitam a autonomia do profissional. Além da influéncia das condigtes organizacionais, a demanda da atuag0 profissional € claramente influenciada por condigdes sociais. Essa demanda pode ser verificada mais facilmente em ser- vigns institucionais, dado o grande afluxo de pessoas aos mesmos. Ao examinarmos as caracteristicas gerais da populagéo que procura esses servicos, podemos reconhecer alguns determinantes socials. A maioria pertence a segmentos populacionais desvalorizados social- mente, por néo constitufrem forga produtiva. A procure do servigo psicalgico decorre de encaminhamentos de tercsiros, verificando-se raramente @ busca espontinea. A expectativa, nesses casos, & de adequago répida as exigéncias exteriores. © profissional nem sempre encontra a seu dispor as técnicas mais adequadas 20 caso em atendimento. A maiotia das técnicas % disposigio foi desen: volvida em outros patses, e 0 acesso is mesmas depende de sua di- vulgacio ¢ comercializacdo. A obtengdo de certos materiais implica em alto custo financeiro. Nessa situagio, com poucos instrumentos disponiveis, 0 psicodiagnéstico pode transformarse na repetigdo es- tereotipada de uma seqiiéncia fixa de testes, que nem sempre seriam os escalhidos pelo profissional, ou os que melhor setviriam ao cliente. , © reconhecimento das influéncias organizacionais ¢ sociais as quais 0 psicdlogo esté submetido é importante, na medida em que Ihe permite compreender melhor a fungao social que a profissdo std desempenhando ¢ com a qual o profissional esté sendo conivente. Permite também que este colabore, efetivamente, na produgiio e di. 12 vulgagio de téenicas formes de trabalho voltadas & nossa reali- i jica_€ cultural. . Se ae nfo § {cil trabelhar om psicodiagnéstico, Pode mos, porém, utlizar todos us vonhecimentos © recursos « nosso, dix por, de forma ctiativa e coerente, se lembrarmos que conheci- mento € contingent, as técnicas no séo regras imutéveis, ¢ toda sis- tematizagao € provisria © pass{vel de reestruturagao. 1.4. Bibliografia 0, A. M.-F, Gomes. Pseotagnéstico: uma convenlncia ou uma ne Cont. dade Monogrtia. Univerade Peder do Rio do Taneio, 1982 ischer, Constance. Individualized Assessment and Phenomenological Pey- Fiche Sao lounal of Personality dscsrment, 43(2), 1979. Japiassu, Hilton, Introdugto a Bplstemologia da Psicologia. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1977, Jaspers, Katl. Pelevpailogta General. Duenos Aires, Ed, Bola, 1971, Korchin, Sheldon 1. Modem Clinical Psychology. New York, Basic Books ‘ine,, Publishers, 1976. i Palcolotle ¢ Intute. Novas Formas de Atendl Macias i Sato, Comer Mitra, 1984 Mello, Syvia Later, Poicolopa e Profisdo em Sto Paulo, Sio Paulo Atia, ins Merleau-Ponty, M. Clncias do. Homen ¢ Fenomenolosa. So Paulo, Six tava, 1973 adler, Oxcn, (Org) Problemas Epitemoliioos de ta Pocoogla. México ‘Boral "hile, 197. °, « Arzeno, M. B, G. Lat Técnlas Projectvas y el Pro- Oa pModlagndsico, Bias Alses, Ed. Nuova Vision, 1376, Rotter, Julian B. Psicologia Clinica. Rio de Tanciro, Zahar, 1967. 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