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O CONCEITO DE HEGEMONIA NA LUTA CONTRA O RACISMO NO BRASIL: A FUNGAO Dos NEABs DOL: 10.12957/synthesis.2014.119669 Ce daaneulae Resumo: 0 presente artigo busca tragar algumas considerag6es sobre a fungio da intelectuatidade negra dos Nicleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) na luta contra o racismo no processo de transformacao da educagao brasileira no contexto democratico atual, em particular no ensino superior, no perfodo pés-Lei 10,639/2003, sob a luz das categorias politicas do pensador militante comunista italiano Antonio Gramsci, em particular o conceito de hegemonia. Apesat de preliminar, trata-se de um estudo desenvolvido no ambito do Laboratério de Estudos Afro- Brasileiros e Indigenas da Universidade Federal Rural do Rio de Janciro (Leafro/UFRRI) visa demonstrat a importancia do uso dos principais conceitos gramscianos para uma compreensao politica mais profunda da luta contra o racismo no Brasil. Palavras-chave: Intelectualidade Negra. Nicleo de Estudos Afro-Brasileiros. Ensino Superior. Racismo, Hegemonia. ‘The concept of hegemony in the fight against racism in Brazil: the role of NEABs Abstract: This article explains some considerations on the role ofthe black intelligentsia from the ‘Afro-Bravilian Studies Centers (NEABs) inside the fight against racism in the transformation of Brazilian education process in the current democratic context, particularly in higher education, post-Law 10.639/2003 period, under the light of the political categories of the thinker and Italian militant communist Antonio Gramsci, with focus on the concept of hegemony. Although preliminary, this isa study developed in the Afro-Brazilian Studies Laboratory and Indigenous Federal Rural University of Rio de Janeiro (Leafro / UFRRJ) and aims to demonstrate the importance of using key gramscian concepts for a deeper political understanding of the fight against racism in Brazil Keywords: Black Intelligentsia. African-Brazilian Study Center. Higher Education, Racism. Hegemony. “Doutor em Cigncias Sociais pela UERI e Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRV/IM/DI ‘Coordenadar do Laborato de Estudos Afro-Brasiletos Indfgenas (LEAFRO/UFRRJ). Lider do Grupo de Pesquisa Parim&nio material e Cultura Ao-Brasleira - (GPICALG0) - olaiefernandes@ gmail.com 1 ConsiDeRAGdEs INICIAIS ‘Se quiser chegar pido, vi sozinho, Mas, se aquiserirlonge, v&com muitos.” (Provérbio Africano) ISYNITHSS, Rio de ane, v0.7, 0°2, 2014p. 191-208 ‘Cademnos do Centro ée Ciencias Sociais da Universidade do Estado do Rio de Tanciro 191 Desde a promulgagao da Carta Magna de 1988, 0 Brasil vem passando por uma série de mudangas politico-institucionais decorrentes do processo de transigao do regime politico, de uma ditadura militar para uma democracia em moldes liberais. A mobilizacio e a participagao de diferentes segmentos € setores da sociedade brasileira sao marcas instituintes desse processo. De I para cé, muitas coisas aconteceram em um cenério marcado pelas contradigdes politicas na relagao Estado e sociedade, perfazendo movimentos de avangos ¢ retrocessos no que diz respeito & democratizacio de ambos. Do ponto de vista das politicas publicas, sobretudo aquelas relacionadas as éreas sociais como satide, educagao, assisténcia social, entre outras, temos tido um processo rico e ao mesmo tempo desafiador sob a perspectiva da incluso social. Quest6es relacionadas & participagao politica e social em proceso deliberativo, isto €, na tomada de decisdes de governo exigidas por atores politicos diversos (ativistas politicos, movimentos sociais, instituigdes multilateras, governos, dentre outros), foram apresentadas com diferentes sentidose significados dependendo do grupo € do contexto social em que foram demandadas, implicando assim visoes concorrentes de democracia, No que diz respeito as relagdes raciais e & problemética do negro ou afro-brasileiros,' especificamente, tais| questées foram apresentadas na perspectiva da justiga social € dos direitos humanos, voltadas para a implantagao de politicas para a promogao da igualdade racial. O problema é que tudo isso ocorre no contexto de uma sociedade liberal-conservadora, plural, estratificada, hierarquizada, marcada por contradigdes e conflitos, cuja principal caracteristica hist6rica tem sido a persisténcia do racismo nas suas variadas dimensdes ¢ formas. Importante ressaltar que o compromisso assumido pelo Estado brasileiro em combater as desigualdades sociorraciais e promover a igualdade racial recente e€ responde a presses do movimento social negro nacional ¢ da comunidade internacional. Nos tltimos dez anos, medidas foram tomadas no sentido de instituir politicas de agao afirmativa® como objetivo 192 de promover e incentivar politicas de reparagio, reconhecimento e de valorizagao do negro e sua cultura na sociedade brasileira, Isso representa uma mudanca histérica e significativa que vem produzindo um intenso debate sobre a adogao de politicas puiblicas com recorte étnico-racial na sociedade como um todo. Daf, oestabelecimento de bases legais ¢ institucionais, para a construgdo dessas politicas mediante a existéncia de mecanismos legais ¢ especificos, tais como: 4) Lei 10.678/2003 -cria a Secretaria de Politicas de Promogao da Igualdade Racial - SEPPIR; b) Lei 10,639/2003 e, posteriormente, Lei 11.645/ 2008, que modifica as Leis de Diretrizes ¢ Bases da Educacdo Nacional (LDB), Lei 9.496/1996, incluindo no curriculo oficial da rede de ensino puiblico e privado a obrigatoriedade da temitica Hist6ria e Cultura Afro- Brasileira e Indfgena; ©) Lei 11,096/2005 - criao Programa Universidade para Todos (PROUND que permite a concessio de bolsas integrais e parciais pelas instituigdes privadas de ensino superior para estudantes de baixa renda que sejam negros, indigenas ou tenham estudado 0 ensino médio em escolas piblicas; 4) Lei 12.288/2010- cria o Estatuto da Igualdade Racial; ©) Lei 12.711/2012 - dispée sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituigGes federais de ensino técnico de nivel médio para estudantes de escolas piblicas, negros ¢ indigenas, conhecida como “Ieide cotas” Outros mecanismos normativos como diretrizes, decretos, resolugdes ¢ portarias foram criados para efetivar essa legislagio nos diferentes niveis de governo (federal, estaduais e municipais). Se, por um lado, 0 conjunto dessa legislacao significa avango no sentido do reconhecimento oficial da situagao trégica vivida pelos afro-brasileiros no pafs ¢ demonstra um compromisso dos governos como nunca antes demonstrado na nossa histéria, com ‘combate as desigualdades ¢ inclusio social do negro [SYN|THESIS, Rio de Tneto,voL7, 272, 2014 p. 191-204 cadernos do Cento de Ciéncias Sociis da Universidade do Estado do Rio de Hani na sociedade brasileira, por outro lado, a criago de todo aparato de normas e leis revela a luta institucional contra o racismo que se arrasta a0 longo do perfodo democratico, resultado de uma longa correlacao de forcas politicas que tensionam nossas instituigdes politicas (poderes legislativo, executivo e judicisrio) a sociedade civil como um todo, Trata-se de uma batalha travada de forma permanente e cotidiana nos diferentes espacos institucionais ¢ éreas das politicas pilblicas em um contexto de democratizagao repleto de contradigées, ambiguidades, ¢ ainda inconcluso, onde aspectos caracteristicos da vida politica institucional estao presentes, como 0 clientelismo, 0 nepotismo, o fisiologismo ¢ uma cultura politica autoritéria E no campo da educagio que essa batalha tem -aiores implicagées préticas e pedagégicas. Partimos do pressuposto que a Lei 10,639/2003 complementada pela Lei 11.645/2008 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educagao das Relagdes Etnico- Raciais e para o Ensino de Histéria e Cultura Afro- Brasileira ¢ Africana (Resolugio CNE/CP 01/2004) formam o primeiro conjunto positivo de normas legais © apontam para uma revisdo da educago no pais na perspectiva de uma educagio para as relagdes étnico- raciais que visem valorizar as histérias ¢ as culturas dos povos africanos e airo-brasileiros, apontando para conteiidos ¢ metodologias que pedagogicamente uma revisao histérica do papel dos(as) negros(as) na formagao social, econdmica e cultural da sociedade brasileira. (FERNANDES: MACHADO, 2014) © presente artigo busca tragar algumas cconsideragées sobre a func&o da intelectualidade negra dos Nicleos de Estudos Afro-Brasileiros naluta contra © racismo no processo de transformagao da educagao brasileira no contexto democritico atual, sobretudo orientam ‘no ensino superior, no periodo pés-Lei 10639/03, & luz das categorias politicas do pensador e militante ‘comunista italiano Antonio Gramsci, em particular 0 conceito de hegemonia. Apesar de prelinminar,trata- se de um estudo desenvolvido no ambito do Laboratério de Estudos Alro-Brasileiros e Indigenas ISYNITHESIS, Rio de Jane v0.72, 2014 p, 19-208 (Cadernos do Cento de Cinias Sova da Universidad do Estado do Rio de Tanto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Leafro/UFRRJ) e visa demonstrar a importincia do uso dos principais conceitos gramscianos para uma compreensao politica mais profunda da luta contra 0 racismo no Brasil, Refletir sobre a importancia da atuagao dos intelectuais negros(as) no campo da educagao brasileira, especialmente no espago académico, de produgio € difusio do conhecimento cientifico, no Ambito do ensino superior brasileiro, parece oportuno ¢ justificével para uma melhor compreensio sobre 0 papel e a funcio desses intelectuais na luta contra 0 racismo em nosso pais. Para tanto, a analise dessa atuagao a luz do conceito de hegemonia, no sentido dado pelo intelectual Antonio Gramsci (1891-1937), parece interessante para lancarmos pistas num cendrio de luta a nosso ver contra-hegeménica. Partimos do pressuposto de que a educasio é locus ptivilegiado de formagao humana, carregado de tensio ede conflito, onde se trava uma luta cotidiana contra © racismo e as desigualdades sociorraciais. Neste sentido, o espaco escolar é visto como um campo de luta onde as priticas politicas e ideol6gicas devem ser consideradas na proposigao de projetos que visam a transformagao desse espago, Neste contexto, queremos aqui destacar a fungdo dos Nicleos de Estudos Afro-Brasileiros nas suas diferentes denominacées ¢ equivaléncias, enquanto centro de ptodugao de conhecimento ¢ de formagao de um tipo de intelectual coletivo engajado na luta contra 0 racismo no meio académico. 2. AHEGEMONIA EM ANTONIO GRAMSCI: FUNGAO Dos INTELECTUAIS ORGANICOS CONTRA+HEGEMONICOS Refletir sobre a importincia da atuago dos(as) intelectuais negros(as) no campo da educagao brasileira, particularmente no espaco académico, de produgdo ¢ difusio do conhecimento cientifico, no Ambito do ensino superior brasileiro, parece oportuno ¢ justificdvel para uma melhor compreensao sobre a atuagao desses intelectuais na luta contra o racismo em nosso pais, isto é, na luta pela transformagao social Para tanto, o uso das categorias politicas formuladas 193 por Antonio Gramsci (1891-1937), em especial 0 conceito de hegemonia, nos parece titil e promissor para uma melhor compreensao politica da dinamica do racismo nas suas varias dimensdes (pessoal € institucional) no contexto de uma sociedade plural, estratificada, hierarquizada ¢ marcada por contradigoes e conflitos como é a sociedade brasileira. Trata-se de compteender o racismo como ideologia dominante € difundida em toda a sociedade. He gemonia € um dos conceitos-chave da andlise politica de Gramsci registrada nas paginas dos “Quaderni del edrcere”. O termo deriva da palavra grega egemonia que significa diregao suprema, otiginalmente relacionado a acepeao politico-militar com dois sentidos diametralmente opostos: dominio ou lideranga. Servia para indicar 0 poder absoluto dos chefes dos exércitos (egemédnes condutores), passando posteriormente a designar a supremacia do estado-nagao ou de uma comunidade politico-territorial no sistema internacional € nas ‘des entre estados, guias, Nateoria marxista, a palavra hegemonia passoua fazer referéncia as relagdes entre as classes sociais, entre os partidos politicos, entre as instituigdes e os apatelhos piblicos ¢ privados, usada em dois sentidos: a) restrita apenas & dimensao politica cujo significado acentuava o aspecto coativo, a forga ea submissio; b) posteriormente, ampliada para a dimensio cultural, adquiriu um significado que privilegia os aspectos de persuasio, de direeao, de legitimagao e de consenso intelectual e moral, Foi Antonio Gramsci quem promoveu uma inflexao tedrica filoséfica, no ambito do marxismo, reconceituando o termo hegemonia como capacidade de diregao intelectual, moral e cultural, em virtude da qual a classe ou grupo dominante, ou aspirante a0 dominio, consegue ser accito como legitimo ¢ obtém oconsenso da maioria da populagdo diante das metas impostas & vida social e politica de um pafs. Com isso, Gramsci possibilitou uma vis4o mais coerente € precisa da luta politica no capitalismo contemporineo marcado pelo fendmeno da industrializagao, urbanizagao, pluralismo politico, supremacia do 194 ‘mercado e manutengdo das desigualdades sociais. ‘Convém sinalizar que Gramsci era um pensador que viveu em um tempo de transformagao social numa perspectiva revolucionéria nas primeiras décadas do século XX, e que o seu pensamento estava voltado para a elaboragao de um caminho concretoe especifico para a revolugao socialista nos paises de civilizagao ocidental, particularmente na Itélia, Nesse cenério, enquanto Marx ¢ Lenin deram maior énfase a0 aspecto puramente politico do conceito hegemonia, em que o essencial é a agao politica como derrubada, pela violéncia, do aparelho do Estado, Gramsci, de forma diferente, sem subestimar o aspecto coercitivo, apontou a importancia da cultura e da ideologia na agdo para a transformagao social Segundo Hall ‘Gramsci é um dos pimeirs “Yericos marisa das condigdes Districas que dominaram a segunda metade do séeulo XX, ‘oferecendo uma enorme contibuigdo sobre questéescuturais ‘cnacionais populares 8 fans da sociedade civil no equilxio inconstante das relapSes entre as forgas da sociedade, reas _eralmente ignoradas da anlise de conjunturae da politica [oséculo XX}, (2003p. 299.300), Sob este ponto de vista, para melhor compreensio da ideia de hegemonia no pensamento grasmciano, & fundamental considerar 0 cenério de luta politica pela transformagao social nas sociedades capitalistas contemporaneas, onde a hegemonia deixou de ser apenas uma modalidade necesséria ao exercicio do poder para a classe dominante, passando também a ser um pré-requisito estratégico para qualquer classe ‘ou grupo revolucionsrio, Em outras palavras, é preci considerar um cenério de luta revolucionéria. Neste sentido, Gramsci promoveu uma anélise socio- historica das diferentes formagGes sociais, em particular da sociedade italiana do inicio do século XX, e apontou a importincia da cultura na tuta politica, enriquecendo a teoria marxista ao acrescentar © nivel cultural aos nfveis politico e econdmico & anise. Ao considerar as particularidades das formagGes [SYN|THESIS, Rio de Tneto,voL7, 22,2014, p 191-204 cadernos do Cento de Ciéncias Sociis da Universidade do Estado do Rio de Hani sociais do Ocidente, isto 6, as sociedades capitalistas contemporaneas, Gramsci verificou que o poder esta distribuido em varios lugares ao mesmo tempo (policéntrico), nao se concentra em um s6 lugar € std diluido entre o Estado (sociedade politica) ¢ a sociedade civil, distintamente do que aconteceu nas sociedades do Oriente. Nessas condigdes, a Iuta politica ocorre em toda a sociedade, em todos os espagos de poder disponiveis. Trata-se de uma luta ‘que nao se desenvolve apenas pelo puro poder politico ou pelo puro poder econdmico, mas como uma Tuta pela hegemonia, pela diregio moral, ideol6gica e cultural, Baseado neste raciocinio, Gramsci afirma que a luta politica nao pode se limitar apenas a uma uta fisica ¢ violenta, apenas & conquista do poder politico, isto é & conquista do Estado. & preciso, segundo ele, conquistar a consciéncia das pessoas, ganhar a “batalha das ideias”, fazer uma “revolugio no cotidiano”, Trata-se, portanto, de uma uta contra, ‘a apropriagao privada, ou elitista, do saber eda cultura No fundo, o que ele quer dizer 6 que a tuta é pela hegemonia! ‘Ao conceito de hegemonia na andlise politica de Gramsci esto associadas outras trés importantes categorias: sociedade civil, ideologia ¢ intelectual orginico. A sociedade civil é o lugar onde ocorre a luta pela hegemonia, é 0 espago de conflito de interesses mediante persuasio, 60 lugar de construcio do consenso, Em contraface, a sociedade politica é 0 Estado no sentido restrito do termo, lugar da forga, coergio ¢ dominagao. Ambas, formam o que chama de Estado ampliado (sociedade politica + sociedade civil) e representam dois momentos da superestrutura ideol6gica do bloco histérico. Para ele, a sociedade civil é a maior parte dessa superestrutura ¢ retine 0 conjunto dos organismos privados e onde o grupo dominante exerce sua hegemonia em toda a sociedade. Ele nao entende a sociedade civil como © conjunto das relages econdmicas, como pensava Marx, mas sim que ela cumpre uma fungao social no ambito da cultura ¢ da hegemonia, Por isso, na medida em que constitui 0 espago de dominio da ideologia, a sociedade civil é um campo extremamente vasto. SYNTHESIS, Rio de Jani, vol 72, 2014p, 191-208 (Carnes do Cento de Cinias Sova da Universidad do Estado do Rio de Tanto Para Gramsci, a ideologia é a concepgao de mundo da classe dirigente que se “manifesta implicitamente na arte, no diteito, na atividade econdmica, em todas as manifestagbes da vida individual ¢ coletiva”. Sao “organicas” quando estio vinculadas a uma classe fundamental, inicialmentelimitada ao nivel econdmico dessa classe, se propaga quando a hegemonia se desenvolve sobre todas as atividades do grupo dirigente. A economia, as ciéncias, as artes, dentre outros, sao aspectos da ideologia do grupo dominante que cria uma ou vérias camadas de intelectuais que se especializam em cada um desses aspectos. Por isso, 0s diferentes aspectos da ideologia, qualquer que seja sua aparente independéncia, constituem as diversas partes de um mesmo todo: a cancepgdo de mundo da classe fundamental. Neste sentido amplo, a ideologia inclui todas as atividades do grupo social dirigente, mesmo aquelas atividades que parecem menos ideol6gicas, como as ciéncias. Na andlise politica de Gramsci, a ciéncia € um ramo da ideologia, integra uma superestrutura € forma uma categoria hist6rica (PORTELLI, 1997). Segundo Portelli, ‘Gramsci dstingue “a ideolopia cieatitica”, isto 6, as teorias ientficas do método de investigagéo experimental, que suravessam numerosas crises. Oprdpriométodo deinvestigagio no totalmente independent da superesitura “Os principais nstrumentos do progresso cienifico sto de ordem intelectual (poltica), metadologica".e Engels tnharazsoao eserever que 6s “instrumentos intelectuas no surgiram do nada, ndo sio Jnatos no homem. e sim adguitidos, desenvolveram-see se desenvolvem hstoricamente (1997, .23) Como concepgao do mundo da classe ditigente, a ideologia € difundida por toda a sociedade em todos os niveis, mas nfo é homogénea. Sua difusio varia conforme as camadas sociais. Na cipula da sociedade, entre as camadas dirigentes, a concepgao de mundo mais elaborada e atinge o nivel da filosofia; no nivel mais baixo, ela se fragmenta em forma de folclore. Entre esses dois nfveis extremos, situam-se 0 senso comum ¢ areligiao. 195 Na sociedade civil, a ideologia se materializa sob tués aspectos distintos, porém complementares. No primeiro, como ideologia da classe dirigente abrangendo todos os ramos da ideologia, como as artes, a cigncia, a economia, o direito, dentre outros. No segundo, como concepgdo do mundo, difundida em todas as camadas sociais para vinculé-las& classe ditigente, se adaptando aos grupos, em diferentes graus qualitativos:filosofia,religiao, senso comum, folclore. No terceito e Gltimo aspecto, aideologia se materializa como direcao ideol6gica da sociedade. Neste iiltimo aspecto, ressaltamos trés niveis essenciais onde a sociedade civil se articula, a saber: a) ideologia propriamente dita, isto é, concepgao de mundo, valores; b) estrutura ideolégica, isto é, organizagdes ¢ instituigdes que criam e difundem a ideologia (igrejas, sistema escolar, imprensa, outros); ¢) material ideol6gico, isto 6, instrumentos téenicos de difusto da ideologia (meios audiovisuais, jomnais, livros, bibliotecas etc). Através da ideologia o grupo social estabelece sua hegemonia e se consolida como lideranga moral, politica e intelectual em toda a sociedade, Neste sentido, cultura ¢ educagao sao imprescindfveis para aconstrugio ¢ consolidaglo dessa hegemonia, Ambos os conceitos aparecem de forma abrangente no pensamento politico de Gramsci. O primeiro, como expressao da concepeio de vida de um povo ¢ compreende todas as manifestagdes humanas, desde as formas mais simples as mais complexas. E 0 terreno das préticas, representagdes, linguagens, costumes coneretos de qualquer sociedade historicamente specifica, incluindo as formas contradit6rias do senso comum que enraizam ¢ ajudam a moldar a vida popular. Em outras palavras, 6 0 modo de “ver e ser numa determinada sociedade (HALL, 2003). Materializa-se nas expressbes artisticas, nos valores, nos costumes € nos comportamentos coletivos. O segundo conceito, educagao, € entendido como omeio pelo qual a ideologia ou concepgao de mundo hegem@nicas sao difundidas em toda.a sociedade. Em Gramsci, toda relagio de hegemonia € necessariamente uma relagio pedagégica, nio 196 existente apenas nas escolas, mas em toda a sociedade no seu conjunto ¢ em todo individuo com relagao ‘aos outros. Para ele aesvolae as instituigdes religiosas dde massa (Igreja) so as principais responsdveis pela organizagio da cultura e dos meios de comunicagio de massa. E na vinculao entre cultura e educagao que aparece a importincia dos intelectuais no pensamento politico de Gramsci. Trata-se de um grupo social aut6nomo, criado na prépria classe, com uma fungio social de porta-vor. dos grupos ligados 20 mundo da produgao, assumindo a fungéo de unificar os conceitos para criagao de uma nova cultura, que nao se reduz apenas & formagao de uma vontade coletiva, capaz de adquirir 0 poder do Estado, mas também a difusio de uma nova concepeio de mundo ¢ de comportamento. Os intelectuais assumem o papel de instrumentos de construgo e consolidagao de uma vontade coletiva, de um consenso social do bloco histérico ao qual estao ligados. Apesar de reconhecer a existéncia de diferentes tipos de intelectuais nas formagdes sociais histéricas do Ocidente, Gramsci destaca 0 tipo intelectual organico distinguindo-o do tipo tradicional e dos nao intelectuais. O intelectual organico € proveniente da classe social que busca a ascensio ao poder. E um. especialista, organizador e homogenei classe, procura dar coeréncia interna a concepgio de mundo de interesse da sua classe. O tipo de intelectual tradicional é proveniente das classes sociais que foram dirigentes © hegeménicas ““independentes” do grupo social dominante devido a0 sentimento de continuidade histérica e sua dor da sua se autodeclaram especializagao, como os eclesidsticos, administradores, fil6sofos, militares, cientistas, que favoreceram a monarquia. Em relagao aos nfo intelectuais, Gramsci diz.que a diferenga est na capacidade de claboragio critica da propria realidade hist6rico-social que os intelectuais organicos possuem, Para Gramsci, todos ‘os homens sao intelectuais, pois ndo hé atividade humana da qual se possa excluir toda intervengao intelectual, isto €, nao se pode separar o pensar € 0 agir. [SYNITHESIS, Rio de nero, voL7. 2° 2, 2014 191-204, cadernos do Cento de Ciéncias Sociis da Universidade do Estado do Rio de Hani A questio fundamental colocada por Gramsci é a fungdo desses intelectuais na sociedade, Para ele, pertence aos intelectuais a funcdo educativaexercida ‘em todos os espagos da sociedade onde atuam. Eles sto os responsaveis pela organizagao da cultura ¢ difusdo da concepgao de mundo do grupo social a que esto vinculados. Cumprem papel fundamental na formagao ideol6gica hegeménica na perspectiva da emancipagao humana. Segundo Gramsci, toda classe ou segmento social que busca ascender a0 poder possui seus intelectuais orgénicos. As classes burguesa ¢ trabalhadora possuem seus intelectuais organicos, para manter a hegemonia, no caso da primeira; e empreender uma luta contra-hegem@nica, no caso da segunda, Para ele, a principal funcao dos intelectuais organicos contra-hegeménicos & a formagao de uma nova moral ¢ uma nova cultura, Importante lembrar que para Gramsci o objetivo final das lutas organizativas, no seu momento histético, & o socialismo. Em suma, hegemonia em Gramsci refere-se a0 processo através do qual as classes ou grupos dominantes se legitimam pela aceitagao generalizada da forma de funcionamento da sociedade, de acordo com a sua visio de mundo e valores aceitos pela maioria da sociedade. Para tanto, se faz necessétio interligar, tanto no plano coletivo quanto no individual, os aspectos centrais da percepeio (0 pensar, o sentir) eda construgao material do mundo (o agit) para que uma forma de organizagao da vida social seja hegem@nica, sem excluir o aparato de coergio (0 Estado). Tal aceitagdo generalizada na sociedade confere &s classes dominantes a situagio de dirigentes, Importante observar que a nogdo de hegemonia em Gramsci nao deve ser compreendida como algo estético, A hegemonia ¢ historicamente construfda € permanentemente mantida pelos grupos dominantes, porém sua dindmica possibilita abertura de espagos para construges contra-hegem@nicas, para os grupos subalternizados que devem organizar e sistematizar uma concepeao de mundo coerente, difundide por um projeto coletivo de transformagao social. Para Hall (2003, p. 302) os conceitos de Gramsci ISYNITHESIS, Rio de ani, v0.7, 0°2, 2014p 191-208 (Cadernos do Cento de Cinias Sova da Universidad do Estado do Rio de Tanto podem servir para repensar algumas teorias ¢ paradigmas existentes na anélise do racismo e de outros fendmenos sociais correlatos, possibilitando compreender 0 modus operandi do racismo em sociedades complexas, ¢ a melhor forma de combaté- lo. As categorias do pensamento politico de Gramsci podem ser importantes para uma andlise mais detalhada do papel e fungao dos intelectuais negros, no Brasil, em particular aqueles que atuam diretamente na educagao brasileira, especialmente nos meios académicos, através dos imimeros centros de ensino, estudos e pesquisas, como os micleos de estudos afro- brasileitos 3.Os NUcLeos pe Estupos AFRO-BRASILEIROS E A FUNGAO DOS INTELECTUAIS NEGROS ‘A insergio de negros(as) nas universidades brasileiras, no campo da pesquisa cientifica ¢ da ptodugao do conhecimento, faz parte da histéria das lutas sociais dos movimentos sociais negros na empreitada pela superagao do racismo, em prol do direito & educagao ¢ a0 conhecimento. A quase inexisténcia de negros no ambiente universitsrio, em particular na condigao de pesquisadores edirigentes, € visivel e confirma a Iégica perversa da exclusio social do sistema educacional brasileiro, denunciada pelos movimentos e organizagSes negras por todo 0 pais nesses 117 anos p6s-Aboli¢ao. A presenga de grupos de pesquisadores negros no meio académico brasileiro é fendmeno recente e tem sido objeto de algumas reflexdes ainda incipientes sobre o assunto. Historicamente, os negros sempre estiveram excluidos do ensino superior, pois havia fortes barreiras raciais que impediam que negros ¢ negras almejassem a carreira académica ¢ até mesmo ingressassem nas universidades, antes mesmos dos anos 1970 (CARVALHO, 2005-2006), ‘As andlises desenvolvidas pelos estudos académicos que investigavam as relagdes raciais no Brasil, até os anos setenta do século passado, eram amplas sobre a situagao do negro no pais ¢ nao privilegiavam a questo educacional. A partir dessa década foram criadas, sob pressio de militantes ¢ 197 pesquisadores negros, condigées para exigir urgéncia de modificagdes no setor educacional brasileiro. Como resultado desse processo tivemos a intensificagao € maior frequéncia de pesquisas que passaram a denunciar as desigualdades sociorraciais ¢ as discriminagdes a que estava submetida a grande maioria dos afro-brasileiros no pais, com énfase nos, prejufzos desse grupo no interior do sistema educacional (PINTO, 1987). Um levantamento informal sobre docentes negros nas universidades brasileiras, consideradas referencias no cenério nacional, realizado por Carvalho, constatou que os negros no ultrapassam 1% dos docentes em nenhuma delas. Com esse diagnéstico, 0 autor denuncia que a inexisténcia de um censo racial oficial € um forte indicio da resisténcia da comunidade académica a se defrontar com sua condigao racial privilegiada, pois ‘4 condigio de exclusio racial extema na docénciasupetior deve ser lomada em conta na hora de reflesimnos sobre o¢ ‘modelos de interpretasio das relagdes racisis no Brasil Paradoxalmeate fl justamentedesse ambiente seregado que sairam todas as torias que negam aexisténcia de segregacio saci no Brasil. (CARVALHO, op. cit p. 9), A partir dos anos de 1980, no contexto de uma conjuntura marcada pela mobilizagao e participagao social em prol do proceso de democratizagao do pass, comega a florescer uma geragdo de intelectuais negtos, @ maioria oriunda do Movimento Negro, que a0 concluir a p6s-graduaco ingressa no meio académico como pesquisadores, especialmente nas universidades piblicas. Ainda que minima, a presenga de negros pesquisadores passa a ser sentida nos circulos intelectuais brasileiros ¢ no campo do conhecimento académico ao longo dos anos de 1990. Segundo Santos (2008), os intelectuais negros surgem como um novo grupo de professores portadores de uma ética da convieedo do antirracismo, adquitida ou incorporada dos Movimentos Sociais Negros, e de um ethos académico- cientifico ativo, posicionando-se em prol da igualdade 198 racial ede politicas de promogio dessa igualdade no ambiente universitétio e fora dele. O perfilea trajetéria desses professores universitérios os distinguem daqueles intelectuais existentes no meio académico brasileiro até entao, pois negro ‘origem ou ascendéncianegra que soferamou sofrem nfléncia ietaouindzeta dos Movinmentos Sociais Negros, adguiindo ‘ovincorporando deses uma ica da convicsio antirracismo 4s) intelecaais so em realidade os(as)intelectuais de gue, associada e em interagio com uma ética académico- cientfica adquirida ot incorporada dos programas de p= ‘radvagio das universidades brasileiras, produz nestes(as) ineleetuais um ethos aeadémico ative que orienta as suas pesquisas, estudos, agbes, bem como as suas alividades rofissionais de professores(a)univesitiiosas). (SANTOS, op cit,p. 1), Para este autor a interagao entre uma ética da conviegto antirracista ¢ um ethos académico &a marca desse novo tipo de intelectual. A primeira ¢ adquirida diretamente na militincia orgénica em alguma entidade ow organizagao negra, ou, indiretamente, por meio de contatos e dislogos com ativistas dos movimentos sociais negros. Ela se soma com 0 conjunto de conhecimentos fomecido pela formagao académica A interatividade ¢ construida na articulago entre 0 espago académico ¢ 0 espago do movimento social, ¢ orienta a conduta desses intelectuais que intervém na produgdo do conhecimento cientifico, em particular no campo das relagdes raciais, mediante uma produgio que questiona, revisa ou desconstréi conhecimentos colonizadores, eurocéntricos ou brancocéntricos, segundo Santos. Para este autor, o mais importante é a insergao de negros no meio académico, enquanto docentes ¢ pesquisadores possibilitam que esses intelectuais atuem como sujeitos de seu proprio conhecimento cientifico e ocupem lugares de destaque no cenério académico local € nacional, nas associagées de pesquisa, na formagdo de professores ¢ em érgios de gestio governamental (federal, estaduais ¢ municipais), o que tem proporcionado a produgio de [SYNITHESIS, Rio de nero, voL7. 2° 2, 2014 191-204, cadernos do Cento de Ciéncias Sociis da Universidade do Estado do Rio de Hani ‘um tipo de conhecimento diferente daquele até entio roduzido nas universidades brasileiras. Seguindo esta linha de taciocinio, Gomes (2010) coloca que a insergdo dos diferentes grupos étnico- raciais nas universidades brasileiras resulta da pressio dos movimentos sociais de carter indenitirio e de seus sujeitos sobre o campo da producao académica (negtos, indigenas, mulheres, homossexuais, outros) Esta insergdo em relagdo aos intelectuais negros tem significado uma mudanga do olhiar da ciéncia sobre a realidade brasileira. Isso porque, através de seus estudos, esse grupo tem tratado a temética étnico- racial com maior seriedade nas pesquisas académicas € oficiais € provocado uma possivel inflexto do conhecimento cientifico sobre as relagdes raciais no contexto das desigualdades sociorraciais do pais. Além disso, esses intelectuais assumem a questo racial como uma questio social e politica demandada na Juta antirracista no interior das universidades para toda a sociedade, Suas pesquisas com a temética étnico- racial privilegiam parcerias com os movimentos sociais, extrapolando a tendéncia hegemdnica, no campo das cincias humanas e sociais, de produir conhecimento sobre esses movimentos e seus sujeitos e produz um conhecimento articulado as vivéncias desses sujeitos nos (¢ com) os movimentos sociais. Portanto, a presenga desses intelectuais negros no meio universitério tem desencadeado um outro tipo de produgao do conhecimento, segundo a autora (GOMES, 2010, p. 492-4) Organizados coletivamente esses intelectuais tém se articulados dentro e fora das universidades mediante a criagio de grupos, centros, micleos ¢ associagdes cientificas articulando a militéncia politica com a produgao do conhecimento sobre a realidade étnico- racial. Esses grupos se organizam e se autodenominamn com diferentes nomes nos espagos académicos, desde meados dos anos noventa do século passado. Os Niicleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) ¢ a Associagdo Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), ctiada a partir do ano 2000, si exemplos: concretos da atuagdo organizada desses intelectuais enquanto sujeitos coletivos. Através desses espagos ISYNITHESIS, Rio de Jani v0,7, 2, 2014, p 191-204 (Carnos do Cento de Cinias Sova da Universidade do Estado do Rio de Tanto os intelectuais negros buscam mapear, problematizar, analisar e produzir conhecimento com o objetivo de dar visibilidade a subjetividades, desigualdades, silenciamentos ¢ omissdes em relagao a determinados grupos sociorraciais e suas vivéncias. De acordo com a tiltima atualizagao realizada pela ABPN existem atualmente 112 grupos organizados de intelectuais negros registrados em intimeras instituigdes de ensino, a maioria nas universidades pablicas ¢ com a denominagao de Niicleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs)’. Porém, podemos chamar a atengao para a organizagio desses grupos também em instituigdes de ensino técnico e médio em nfvel federal e estaduais Isto € um fendmeno recente e pode ser explicado pela demanda gerada pela Lei 10.639/2003, que alterou o Artigo 26A da Lei de Diretrizes e Bases da Educagao (LDB) tomando obrigatério o ensino da Historia da Africa e da Cultura Afro-Brasileira nas escolas piiblicas e privadas em todo o pais, ampliada em 2008 para os povos indigenas pela Lei 11.645, A existéncia e multiplicagdo desses micleos respondem as lutas e reivindicagdes do Movimento Negro Brasileiro, ¢ que historicamente sempre pautaram a necessidade do aprofundamento do debate sobre as questdes raciais ¢ a importancia de ampliaga0 dos espagos politico-institucionais ¢ académicos para negros(as). De uma maneira geral, os NEABs ganharam forma e forga p6s-Marcha 1995 no contexto das reivindicagdes do Movimento Negro Brasileiro por agdes afirmativas, numa conjuntura onde ativistas negros em diferentes espagos institucionais, entre os quais se destacam as universidades publicas ¢ érgios do governo federal, empreenderam movimentos distintos, porém complementares, no combate a0 racismo ¢ a discriminagao racial. Um desses movimentos ocorreu ao longo do processo de preparagao ¢ participagao br ileira (representantes do governo brasileiro ¢ do movimento negro nacional) na III Conferéncia Mundial contra 0 Racismo, Discriminagao Racial, Xenofobia ¢ Intolerancia Correlata, em 2001, na cidade de Durban, na Africa do Sul. Durante esse processo, os NEABs se proliferaram por todo o pais, concomitantemente com 199 a constituigdo de outros espagos e/ou foruns académicos onde a questio étnico-racial passou a ser discutida, debatida, demandada ¢ pesquisada, como © Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros (COPENE), Associagao Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) ¢ 0 Cons6rcio Nacional dos NEABs (CONNEABS).* Institucionalmente, os Néicleos de Estudos Afro- Brasileiros transformaram-se em locus privilegiados de formagao, aglutinagao, articulagao, debates, propostas de estudos de pesquisas de negros(as) ¢ no negros que atuam academicamente com atematica das relagdes raciais e cultura afto-brasileira e suas interseogdes no campo da educagio ¢ cultura, Em outras palavras, os NEABs constituiram-se polos de formacao politica onde se concentram ¢ circulam os intelectuais negros no sentido antes definido por Santos. Além disso, outros pesquisadores se posicionam em prol da igualdade racial e de politicas de promogao dessa igualdade no ambiente universitirio. Atuando coletivamente nos NEABs, os pesquisadores negros estdo sendo capazes de: a) chamar a atengao para a diversidade, 0 crescimento numérico ¢ a qualidade da produsao académica relacionada i situagao dos afro-brasileiros; b) denunciar a persisténcia de barreiras ea auséncia dos meios materiais de suporte a0 desenvolvimento de pesquisas pretendidas pelos(as) pesquisadores(as) negros(as); ©) congregar © lagos pesquisadores(as) negros e nao negros que tratem da problemitica racial, direta ou indiretamente, ou se identifiquem com os problemas que afetam a populagdo negra e, principalmente, estejam interessados em seu equacionamento nao apenas te6rico; fortalecer entre 4) rever, recriar,ressignificar a participagao dos negros(as), bem como sua experiéncia coletivadistinta na histéria passada e presente do Brasil; ©) intensificar a luta amtirracista com a adogao de cotas para negros nos diferentes espagos institucionais, 200 em particular nas Instituigdes de Ensino Superior (ES); 4) pontuar uma agenda de estudos e pesquisas diversificada: Agdes Afirmativas ¢ Movimentos Sociais; Relagdes Etnico-Raciais, Género ¢ Diversidade; Processos Indentificat6rios, Relagdes Raciais e Educasao Escolar; Construgio de Identidade Negra no Brasil; Violéncia ¢ Questio Racial; Infancia Negra ¢ Educagao; Educagao ¢ Africanidades; Relagdes Etnico-Raciais nos Curriculos da Educagio. Bisica; Literatura e Outras Expressbes Artisticas Afro- Diasporicas; Representagio do Negro; Meméria, Patrimdnio e Tdentidade Negra; Cultura e Histéria da Africa e da Diaspora; Movimentos Sociais Negros; Poder, Cultura e Politica na Perspectiva das Relacdes Etnico-Raciais; Educagao, Género ¢ Diversidade; Cultura, Memsria ¢ Historia das Populagdes Negras; Artes, Literatura ¢ Linguagens; Convunidades ‘Tradicionais, Religiosidades e Territorialidades; Africa € Africanidades na Didspora; Direitos Humanos ¢ Satide da Populagio Negra; Politicas Piblicas de Implementagao das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Bducagao das Relagdes Finico-Raciais; Raga, Poder e Desenvolvimento. Os trabalhos desenvolvidos pelos NEABs nos campos da pesquisa, do ensino ¢ da extensio, no interior das universidades por todo 0 pais, os distinguem dos demais espagos académicos e os caractetizam como sujeitos coletivos ativos no campo educacional e cultural na luta ideol6gica contra 0 racismo. Através de suas atividades os NEABs esto se tornando cada vez mais espagos de formagao e de produgao de conhecimento contra-hegeménico numa sociedade altamente estratificada, preconceituosa ¢ desigual como a brasileira Através desses espacos académicos os intelectuais negros atuam politicamente dentro ¢ fora das universidades em conexdes com diferentes grupos sociais ¢ Srgios governamentais, Academicamente, atuam na produgao de conhecimento cientifico pautado em andlise ¢ leitura critica, a partir da vivéncia étnico-racial forgando didlogo com a ciéncia, [SYN|THESIS, Rio de Fneto,voL7, n° 2, 2014, p 191-208 cadernos do Cento de Ciéncias Sociis da Universidade do Estado do Rio de Hance principalmente com as ciéncias humanas ¢ sociais. No processo de construgao desse conhecimento tensies sao geradas, pois os estudos promovidos por cesses intelectuais (a) enriquecem e problematizam as andlises até entio construidas sobre 0 negro e as relagées raciais no Brasil, (b) ameagam territérios historicamente demarcados dentro do campo das ciéncias sociais e humanas, ¢ (c) trazem elementos novos de anilise € novas disputas nos espagos de poder académico. Através de seus estudos, os intelectuais negros se posicionam politicamente na luta contra o racismo ¢ as desigualdades sociorraciais, desafiando a “ciéncia a entender as imbricagses das, dimensdes socioecondmicas, culturais e politicas & nao hicrarquizé-las”, ¢ questionam a “visio de conhecimento cientifico desconectada da realidade social e politica do pais e das demandas colocadas pelos movimentos sociais ¢ diferentes setores da sociedade”. (GOMES, 2010, p. 499-502) Dentro desses micleos, os intelectuais negros travam cotidianamente batalhas constantes ¢ permanentes ¢ enfrentam grandes desafios no meio académico, dentre os quais se destaca 0 combate ao racismo institucional. Concordamos com Gomes (2010, p. 495-6) no que diz respeito a alguns desafios enfrentados por esses intelectuais na produgao académica no interior das universidades, tais como: (1) abrir o olhar da ciéncia e de grupos que ocupam, espago de poder ¢ decisio no campo da pesquisa cientifica, para que enxerguem a realidade social para além do sociveconémico ¢ compreendam o peso da cultura, das dimensdes simbélicas, da discriminagao, do preconceito, da desigualdade racial, de género ¢ de orientagao sexual na vida dos sujeitos sociais; (2) fazer entender que nao hé como hierarquizar desigualdades, o que significa afirmar que toda ‘qualquer forma de desigualdade precisa ser superada, Neste sentido, para a autora, o papel desses intelectuais tem sido: (a) questionar a ciéncia ea universidade, por dentro e por fora, indagando a produgao do conhecimento académico ¢ o lugar cocupado pelo “outro”, pelo diferente e pelas diferengas nessa producdo, por um lado, (b) questionar a relagao ISYNITHESIS, Rio de Jani, v0.7. 0°2, 2014p 191-204 (Cadernos do Cento de Cinias Sova da Universidad do Estado do Rio de Tanto entre a universidade, a ciéncia, a produgao, 0 reconhecimento ¢ a distribuigao desigual do conhecimento na universidade, por outro. Desta forma, a autora acredita na capacidade desses intelectuais em redefinir a propria ciéncia e a universidade na perspectiva da democratizagio de ambas eda sociedade numa visto de democracia que efetive a igualdade de direitos e, dentre estes, 0 diteito adiferenga. ‘Nao temos diivida da importincia desses micleos como centros de uma intelectualidade negra, docentes © pesquisadores, compromissada com a luta antirracista ¢ a promogao da igualdade racial no pats, e que vem contribufdo para uma producao académica especializada. No entanto, precisamos atentar para uma leitura mais aprofundada da atuagao dessa intelectualidade, o perfil de sua produgao ¢ os desafios a serem enfrentados ndo apenas no ambiente académico, mas em outras esferas da vida social. No meio académico, esses intelectuais se concentram em maioria no campo das ciéncias humanas, sobretudo na educagao e nas ciéncias sociais, o que significa que ainda nao foram capazes de atingir quantitativamente as outras grandes éreas do conhecimento cientifico (Ciéncias Exatas ¢ da Terra, Ciéncias Biolégicas, Engenharias, Ciéncias da Satie, Ciéncias Agrérias e Ciéncias Sociais Aplicadas).’ ‘A questo que se pode colocar é como atingir todas essas dreas num ambiente institucional restrito € presidido pela meritocracia, como sao as universidades. Nestas, os intelectuais negros, individualmente ou em grupo, convivem com uma contradi¢ao, De um lado, precisam responder as exigéncias de uma produtividade ¢ titulagao com base em critérios forjados pelo meio académico, condigdo para a sua insergao, permanéncia ¢ reconhecimento na busca da lado, carregam o compromisso politico da luta antirracista e a necessidade de produzit conhecimentos que questionem a I6gica cientifica que orienta toda produgao académica nas grandes dreas do conhecimento cientifico. académica"; de outro 201 A.ConsiDeRAGOES FINAIS Interpretara atuagao da intelectualidade negra nos Nucleos de Estudos Afro-Brasileiros & luz das categorias preconizadas no pensamento politico de Antonio Gramsci, em particular categoria hegemonia, 6, no minimo, desafiador, além de prematuro. Isso porque esses niicleos constituem uma fase muito recente da Iuta contra 0 racismo no Brasil, oriunda de uma conjuntura politica de democratizagao do Estado brasileiro, Isso significa que a experiéncia desses micleos na realidade educacional do pais, sobretudo no ensino superior, ainda é bastante desconhecida da sociedade brasileira em geral e no préprio campo educacional, Mesmo assim, os NEABs constitufram um espaco institucional especifico de formagio de uma intelectualidade negra que vem contribuindo para a produgao e difusio de um tipo de saber que questiona oconhecimento hegem@nico que da base & ideologia racial brasileira, Neste sentido podemos dizer que esses, micleos atuam como sujeitos coletivos na luta pela hegemonia na produgao do conhecimento produzido no ambito universitério, Nao resta divida que a presenga desses nticleos no ambiente universitétio proporciona a existéncia de coletivos de intelectuais que tém produzido conhecimento sobre a temética €tnico-racial, articulados em parcerias e na convivéncia pessoal ecoletiva, pautando a questi racial na agenda académica como questdo social e politica como nunca houve na historia da educagao superior deste pats. A participagdo desses coletivos de intelectuais negros tem sido importante na construgZo de um novo pensamento social e na ago em espagos para o debate sobre o racismo. Em outras palavras, a atuagaio desses intelectuais negros nas universidades, através desses nticleos, tem contribuido para outra visdo das relagdes raciais no Brasil, daquela até entio predominante. Por meio da literatura, da produgao académica, de artigos na mprensa, de letras de misica e de boletins dirigidos Amilitancia e a sociedade em geral, a questo étnico- racial nao pode ser mais ignorada pelo Estado e pela sociedade brasileira 202 © problema a ser colocado € que 0 meio académico tem sua propria dinamica de funcionamento ¢ cumpre fungao primordial como centro de formagao do pensamento cientifico que dé sustentagdo a uma ciéncia eurocéntrica nas vérias Areas do conhecimento académico. Neste cenétio, os NEABse grupos semelhantes atuam dentro do campo difusor da ideologia racial dominante, O racismo como ideologia dominante esté difundido por toda a sociedade, inclusive dentro da universidade, enquanto sistema de valores culturais que impregna, penetra, socializa e integra todo o sistema social. ‘Considerando que na luta pela hegemonia, direca0 moral, politica e cultural, a questao fundamental colocada por Gramsci é a fungao dos intelectuais orginicos na sociedade, podemos dizer que os NEABS funcionam como uma espécie de intelectual coletivo ¢ organico na luta contra 0 racismo institucional a partir do ambiente universitério, Um sujeito coletivo capaz de exercer, por exceléncia, a fungao educativa sobre a problemética étnico-racial e difundi-la para toda a sociedade a partir do ambiente educacional, sobretudo das universidades. Para tanto, € preciso que © conhecimento produzido seja contra- hegem@nico ¢ extrapole o meio académico ¢ o ensino superior. Acreditamos que através da educagao é possivel atingir toda a sociedade, sem abrir mio de outros espagos onde esta fungao possa ser exercida. 0 problema a ser colocado, seguindo o raciocsnio de Gramsci, € que a principal fungao dos intelectuais organicos contra-hegeménicos éa formacao de uma nova moral ¢ uma nova cultura no contexto de um processo de transformagao social e que busca criar as condigGes para a emancipagao do grupo social. Este, talvez, seja o maior desafio na luta contra 0 racismo no Brasil, na sua fase atual: articular projetos politico-educacionais que apontem nao apenas as necessidades de mudangas institucionais, mas, sobretudo, apontem os eaminhos para a transformagao € superagao do racismo, Para tanto, a competéncia epistemolégica ou conhecimento teérico ¢ 0 comprometimento politico-pedagégico devem formar condigdes que viabilizem esse projeto de emancipagio [SYNITHESIS, Rio de Janeiro, voL7. 2° 2, 2014 191-206 Ccadernos do Cento de Ciéncias Sociis da Universidade do Estado do Rio de Hani (MARGAL, 2012) Ainda carecemos de estudos e debates mais aprofundados, académicos ou nao, sobre as possibilidades concretas de projetos coletivos nessa diregao. Mas, acreditamos que a existéncia de uma intelectualidade negra nas universidades ¢ em outros, centros de formagao, articulados com outros sujeitos coletivos existentes na sociedade brasileira que lutam contra 0 racismo ¢ combatem as desigualdades sociorraciais, podem contribuir para isso. Cabe observar que mudangas institucionais so importantes. € necessarias, mas nfo suficientes para uma transformagao no nivel exigido pata a superagao do racismo, E preciso ganhara batalha das ideias! Notas Expicarivas ‘-Termo aqui utlizado para designat os descendentes da diéspora africana nascidos no Brasil (SISS, 2001), * As agdes afirmativas sio um conjunto de politicas pblicas € privadas de cardter compulsrio, acultaivo ou Voluntéio, concebidas para combater a diseriminagio de raga, géner0 ofc. visando comigir os efeitos presentes da discriminago praticada no passado. Portanto, as politicas de asdes afimasivas sd formas de intervengaa politica com o objetivo de eliminar a diteriminagdo ou implementar mecanismos de isriminago positiva” nas rela eonémice, cultural educacional, entre outeas), com vistas a combater as diversas formas de desigualdades sociais. (GOMES, 2001; SISS, 2001) Os 112 nicleos registrados na ABPN estio distibuidos em Instinaigdes de ensino em 24 dos27 estado braslerosecobrem lodas as regides saber: Brasilia (2), Goids (3), Mato Grosso ), Mato Grosso do Sul (3), Paré (6), Tocantins (2), lage @), Bahia (6), Ceara (2), Maranhao (3), Paratba (2) Pernambuco (5), Piauf (1), Rio Grande do Norte (2). Sergipe (1), Parané (6), Rio Grande do Sul (15), Santa Caterina (7), Espitito Sant (3), Minas Gerais (10), Rio de Janeiro (15), io Paulo (8). Como exemplo da varacao de nomes desses grupos, Estudos Afto-Brasileitos cIndigenas, Nicleo de Estudos e Pesquisas em Africanidades e Braslidades. ‘Niiclea de Apoio & Pesquisa em Estudos Iaerdisciplinares sobre o Negro Brasileiro, Centro de Estudos Africanos, ‘Laboratéio de Estudos Afco-Brasileizas, denise ouzos, 6es sociais(tabalho, politica lagoas temos Nicleod 4 A Assosiagao Brasileira de Pesquisedores Negros (ABPN) fot constituda no ano de 2002 no II Congresso Brasileiro de ‘Pesquisadores Negros (COFENE), realizado nacidade de Si0, Carlos, em Sie Paulo, como abjtivo principal de congregare fortalecer lagos entre pesquisadores que tratem da ISYNITHESIS, Rio de Jani vol7.°2,2014,p, 191-204 (Cadrnos do Cento de Cinias Sova da Universidad do Estado do Rio de Tanto problemlica racial, dreta ou indiretamente, ou se identfiquem com os problemas que afetam a populagio negra e, rincipalmente estejam interessados em seu equacionamento 10 apenas teérico. O CONNEAB foi concretizado no I Congresso Brasileto de Pesquisadores Negros (COPENE), ‘ne Maranho, com o objetivo principal de desenvlver ages aravés de atividades de ensino, pesquisa extensio, de carter {nterinstracional emvultdisciplinar voltadas para avaiasio.¢ avompanhamento da implementagio do Parecst CNEICP 003/ 2004 eda Resolusdo CNE 001/2004 que tratam des Diretizes CCurriculares Nacionais para a Edueasio ¢ Relagées Etico- Raciise Easing de Histri da Attica e Cultura Aeo-Brasleira, entre outros. * Classificapo segundo o Conselho National de Deseavolvimento Cientifico e Tecnolégica — CNPg, Disponivel em: < hip: nts/10157/186158/TabeladeAreasdo REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CARVALHO, JJ.0 confinamento racial no mundo académico, Revista USP, Sio Paulo, n.68, p- 88-103, dez/jan/fev, 2005- 2006, GOMES, J.B, Apdo afirmativa eo prine(pio consttucional de ‘qualdade- 0 dieito como instrument detansformaso social. ‘Acxperiéncia dos EUA. 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