You are on page 1of 13
(9) Preconceito e discriminagao, esteredtipos e estigmas Digitalizado com CamScanner Ana Paula Comin de Carvalho Em nosso dia a dia, é muito comum owvie mos piadas sobre mulheres, negros, portugueses, judeus, deficientes fisicos, entre outros grupos sociais. Por meio do humor, expressam-se varias formas de preconceitos exis- lentes em nossa sociedade, que reforgam ou, muitas ve7e | justificam as desigualdades de tratamento ¢ oportunit des entre as pessoas. No entanto, dificilmente se adota Uma atitude reflexiva sobre esses fatos. Digitalizado com CamScanner ™~ Neste capitulo, trataremos do preconceito, aborda cd s lando nificado, as prineipais formas de sua manifestaes ‘Stacao, ates Cos Mecanismos de sua Manutencs, cao, seu si seus componer os também a sua relagio com a diseriminags, Gio importany Discutiremy los de outras categorias correlatas eos sentid esteredtipo e estigma social. (9-1) Mas, afinal, o que é 0 preconceito? No seu sentido usual, o preconceito implica um julga- mento prematuro e inadequado sobre determinada coisa ou ainda uma opiniao formada sem reflexao. Do ponto de vista sociolégico, grande parte dos autores se reporta 4 definigao forjada pelo psicdlogo norte-americano Gordon William Allport (1954), em seu livro A natureza do precon- ceito (The nature of prejudice). Segundo esse autor, 0 precon- ceito pode ser definido como uma atitude hostil contra um individuo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente. Como existem varios grupos em nossa sociedade que se encontram nessa condicao desprivilegiada, temos mut tos tipos de preconceitos. Entre eles, destacam-se: * Opreconceito sexual, quese referea determinado género- em geral o feminino — ou a uma identidade sexual cons derada desviante (como a dos homossexuais); + O preconceito racial, que se dirige aos grupos defini icas dos em fungao de caracteristicas fisicas ou fenotipi supostamente herdadas (como os negros); al Digitalizado com CamScanner 0 preconceito étnico, que se reporta as coletividad, . ee ‘fades nituralmente diversas, que podem ou no aprese r Gerimne fisicas fol ‘sentar caracteristicas fisicas ou fenotipicas distintas (como ; : 05, cigano’ oO preconceito social, que diz. respeito ao sentimento d, le avers a pessoas de classe distinta (como os pobres Outra forma de preconceito bastante relevante é 9 etnocentrismo. le geralmente nao se testringe a uma ati- aude positiva de um individuo a respeito da sua propria ociedade ou cultura, mas envolve também alguns senti- mentos de superioridade em relacao a outros grupos, Durante muito tempo, os europeus Ppensaram que as suas sociedades estavam no patamar mais desenvolvido da escala evolutiva, enquanto as demais encontravam-se em estagios primitivos de civilizacao, j4 que nao possufam a mesma organizagao e costumes que os deles. Esse é um exemplo classico de etnocentrismo. Segundo o socidlogo americano Robin M. Williams Junior (1996), os dados de intimeras pesquisas realizadas sobre os varios tipos de preconceito permitiram o estabe- lecimento de alguns consensos sobre o tema: * embora seja um fendmeno generalizado, ele nao € universal; _ ela socie- + o preconceito nao é monopélio desta ou daquela soci dade, desta ou daquela cultura; : endem 0s preconceitos em relagio a diferentes grupos a andar juntos; écie de seus : adade e espécie de seus 0s individuos variam na intensidade e espe reconceitos; _ = ortamentos discrimt 0s preconceitos encorajam comp oe pb as politicas P Licas, natérios ¢ as orientacdes dadas ft gerados » sao por el a0 mesmo tempo em que sao Pe Digitalizado com CamScanner + preconceilos ¢ comportamento nao sio necessa - f Mente congruentes, situacbes especificas podem afetar conga. ravelmente a conduta, apesar de atitudes generalizaday (9.2) == Componentes do preconceito Conforme Williams Junior (1996), as manifestagdes do preconceito podem ter componentes cognitivos, afetivos e comportamentais. O primeiro componente diz respeito ideias e crencas negativas sobre membros de um grupo social. Elas colaboram para a configuragao do segundo, isto é dos sentimentos de desprezo, ddio e medo em rela- do a esses individuos. A dimensio afetiva do preconceito gera, por sua vez, a predisposicao para agir de forma discriminatéria em rela- co a integrantes de determinada coletividade. Vejamos 0 esquema a seguir: Figura 9.1 ~ Componentes relacionados ao preconceito COMPONENTES CoGNITIVos (ideias e crengas negativas) COMPONENTES AFETIVos (sentimen- PRECO! vee tos de desprezo, ddio e medo) COMPONENTES COMPORTAMENTAIS (predisposigao em diseriminat) Digitalizado com CamScanner 95. vee segundo Allport (1954), 0 preconceito pode te far da _jego das pessoas que se sentem e agai das f Jue se sentem explorad frustt a8 © optim; if i imi- jnsenio podem manifestar asta raiva contra quy : a a “quem deve. Desse modo, elas acabam destocando s ; iam ». Sua hostilid r lade 7 ra aqueles que estio mais abaixo na escala social. Uy a social . Um amplo disso & 0 reccio que a classe média tem, ¢ exe '™ geral, das P' Por outro lado, como aponta Williams Junior (1996), a competigao econdmica entre grupos étnico/raciais esti. © preconceito, assim como as lutas pelo Poder poli. essoas pobres. mula tico ou pela conquista de presti e deferéncias sociais, Em situagoes de crise econémica, os imigrantes passam a ser vistos com preconceito pela populacao do pais em que ce encontram, pois se considera que eles esto tomando 0 trabalho dos nacionais. (9.3) Diferenciando preconceito e discriminacao )Embora sejam conceitos correlacionados, preconceito inquanto © discriminagao nao tém 0 mesmo significado) preconceito corresponde a um juizo de valor antecipado, a discriminagao 0 ato de estabelecer diferencas, distingoes € separacées, Em outras palavras, ela éa materializacao do preconceito,{ im preconceito em rela- Contudo, nem sempre quem te! Je, mas quem so a um grupo discriminara um membro de m preconceito em discrimina alguém obrigatoriamente te Nesse Telagdo a coletividade & qual esse sujeito pertence: | Digitalizado com CamScanner sentido, para eliminar as praticas discriminatérias, oy Pelo menos diminui-las, precisamos entender © atuar sobre og Das cau preconceitos, jf que eles geradoras delas, ms Junior (1996), estudos tém De acordo com Wil 148 demonstrado que preconceito e discriminagao reforcam-oe mutuamente. O aumento das hostilidades, dos esteredti- de distanciamento social leva pos negativos ¢ das atitudes 4 intensificagao da discriminagao, incluindo a exclusio e a segregagio imposta. Por sua vez, 0 aumento da discrimi. nacio leva a um preconceito mais profundo, | A discriminagao gera e reforca 0 preconceito enquanto 0 preconceito cria uma base ideolégica para a discrimina- so € sua racionalizagéo. Dito de outro modo, o precon- ceito corresponde as ideias e crengas que respaldam aces e praticas em relacéo a determinados individuos e grupos sociais. Essas aces e praticas produzem novos preconcei- tos e fortalecem os ja existentes. Figura 9.2 — DistingBes entre preconceito e discriminagio 4 PRECONCEITO (ideias e crengas) DISCRIMINAGHO (ages e praticas) —_— © socidlogo norte-americano Cohen (1980) aponta que 0s métodos de discriminagao mais evidentes ao longo da historia foram 0 aniquilamento, a expulséo e a segteg?- S40. O aniquilamento diz respeito ao processo pelo qual os Digitalizado com CamScanner > osde um grupo rantes de outro. Um exemplo d ) deliberadamente ass; inados 80 foi Oo extermi- 1s durante a Segunda Guerra Mundial member sor ines nid dos judeu eg refere-se as situagdes em que um sro Aexpu 149 a oul -o de suas terras, de maneira expulse tro de Y que os seus par- sao forgados a viver noutro local. Tomemos como ticipes fy , exemplo a colonizagao dos Estados Unidos. Ela implicou a ida forgada de muitas tribos indigenas de seus territériog eno A segregacao ocorre quando os membros de um grupo posterior aldeamento destas em reservas indigenas. si0 obrigados a estabelecer residéncias separadas e a usar infraestrutura diferenciada dos demais. No geral, as casas, escolas, hospitais e hotéis sao inferiores aqueles disponi- veis a outras coletividades. Esse era 0 caso da Africa do Sul durante a vigéncia do sistema do apartheid. Apés a Segunda Guerra Mundial, conforme observam os psicdlogos Marcus Eugenio Oliveira Lima e Jorge Vala (2004), aconteceram mudangas significativas que desesti- mularam a manifestacao explicita de preconceitos. Nessa época, emergiram os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, as mobilizagdes politicas pela libertagao ao de Direitos ape- das antigas colénias europeias € a Declara¢ Humanos. Contudo, 0 preconceito nao desapareceu, farcada e indireta. nas ae ‘4S passou a se expressar de maneira dis por consequen- Iss we dicta A Pe So tornou mais dificil a sua identificagao & “a, 0 seu combate. Digitalizado com CamScanner (9-4) Mecanismos de manutengao ed do preconceito Seqquno Williams Junior (1996), uma vez formado um pre- conceito como um complexo conjunto de crengas, valores ¢ sentimentos, cle pode difundir-se e tornar-se normativo numa populagao por meio da socializagao e do confor- mismo. Por meio da doutrinagao e do exemplo, as criancas aprendem os preconceitos como parte do repertério cul- tural, 0 qual é absorvido em familia e em outros grupos a que pertencem. Quando tais preconceitos passam a ser normativos, isto é, viram regras, as expectativas e as exigéncias das autoridades e dos seus pares criam pressdes e induces ao conformismo. Desse modo, uma tradigao cultural de pre- conceito pode adquirir grande forga e persisténcia. E por essa raziio que muitas agées de combate aos dife- rentes tipos de preconceito se desenvolvem no ambiente escolar, pois este é um dos principais espagos em que acon- tecem a socializagao dessas crencas e ideias e o constrangi- mento social, a fim de que os individuos as aceitem como validas. Digitalizado com CamScanner (9.5) rsteredlipos € estigmas join das formas de preconceite que j4 abordamos amos, @ xis- @M Por meio de as que se manifest ° tem oultas esteredtipos e stigmas. | Mas 0 que sao esteredtipos e estigmas? De acordo com Seyferth (1993, P. 175-204), o5 esteredti- pos sio elementos de discriminagao extremamente eficazes, atribuidos a qualquer pessoa que possua algum sinal ou = tenha atitudes ou comportamentos que os préprios estered- tipos evidenciam. Se uma mulher tem cabelo loiro e comete qualquer equivoco, imediatamente ela & rotulada de “loira burra’, por exemplo. Segundo Cohen (1980), os estereétipos s6 podem ser reduzidos se os diferentes grupos puderem interagir em condigdes de igualdade, sem que nenhum detenha posi- a0 de autoridade sobre 0 outro. Sé assim eles poderiam aprender mais um sobre o outro e descobrir que os rétulos com que se identificavam eram equivocados. Segundo 0 sociélogo canadense Ervin Goffman (1975), © termo estigma foi criado pelos gregos e dizia respeito a um conjunto de sinais corporais que se constituiam como indicativo de algo extraordindrio sobre o status moral de quem os apresentava. Essas marcas eram feitas com cortes ou fogo no corpo i avo, criminoso “avisavam que o seu portador era um escravo, indicar depre- °u traidor, Com o tempo, o termo passou a SS ; > o estigmatizado “G80 daquele que o possui, a ponto de estigi Digitalizado com CamScanner construir estrat para esconder, 9 maximo possivel, as marcas sociais que o fazem menor dentro da sociedade em que vive. ‘ara esse autor, O es Ma so jal consiste numa severa rejeigdo de caracteristicas fisic 8 OU CONVicgSes pessoais que se opdem as normas culturais predominantes e geral- mente levam & marginalizagaio daqueles que as possuem. Apesar de as caracteristicas sociais especificas que se tornaram estigmatizadas variarem através do tempo e do espago, existem trés formas basicas de estigma, que podem ser encontradas na maioria das culturas e épocas: + deformacées aparentes ou externas, tais como defeitos fisicos; + desvios de conduta, como vicios em drogas e alcool; + grupos étnicos ou religiosos desviantes do padrao dominante, assim como os judeus na Alemanha nazista. Goffman analisou, em sua obra Estigma: notas sobre a manipulagao da identidade deteriorada, os sentimentos da pessoa estigmatizada sobre si propria e a sua relago com 0s outros ditos “normais”. Esse autor explorou a variedade de estratégias que os estigmatizados empregam para lidar com a rejeicao alheia e a complexidade de tipos de infor- magao sobre si prdprios que eles projetam nos outros. O socidlogo evidenciou a construgao da carreira moral do estigmatizado como composta por diferentes fases. Na Primeira fase, a pessoa estigmatizada aprende e incorpora © ponto de vista dos “normais’, adquirindo, portanto, as crengas da sociedade mais ampla em relacao A sua identi- dade e uma ideia geral do que significa possuir um estigma particular. Na segunda, a pessoa aprende que tem um estigma Particular e, depois, passa a conhecer detalhadamente as Digitalizado com CamScanner consequéncias de possui-lo. Por fim, 0 esti i cura manipular sua identidade a fim de ee pro- sociedade. Ter menos em Oestigma carmen um papel central na produca ena reproducao das relacées de poder e de ¢ Pro se ‘ontrole em todos 0s sistemas sociais. Ele fa - z com que alj alguns grupos 153 sejam desvalorizados e com que outros se sintam superi e iperio- res de alguma forma. Em ultima anilise, portanto, J », esta- 0 e discriminagiio, mos falando de desigualdade social. Preconeé (.) Ponto final Neste capitulo, vimos que 0 preconceito é uma atitude hos- til contra um individuo que pertence a um grupo social mente desvalorizado. Conhecemos as principais formas de preconceito - sexual, racial, étnico ¢ social. Tratamos dos trés componentes do preconceito: cognitivos, afetivos € comportamentais. Diferenciamos preconceito de dis- criminagao, mostrando que 0 primeiro se refere a cren- po social, € 0 cdo e dife- ao do gas e valores negativos em relagdo a um gruj segundo diz respeito a agdes e praticas de distin 6 mecanismos de manuten conformismo. Por fim, to dirigido a determina- a como uma espécie de numa contundente Tenciagao. Apontamos 0: fala- preconceito: a socializacao e 0 mos sobre 0 esteredtipo, atribul das pessoas e grupos, que funcioné rétulo, e o estigma social, que consist® ieiga i icg jis que Tejeicdo de caracteristicas fisicas 4 conviegdes pessoais 4 predominantes e que geral- possuem. Se opdem as normas culturais daqueles que aS mente levam a marginalizacao Digitalizado com CamScanner Indicaga@o cultural CRASH = No limite. Diregado: Paul Haggis. Produgao: Bob Yari Productions. EUA: Imagem Filmes, 2004. 115 min. 154 Esse filme apresenta uma trama que envolve histérias © personagens ligados entre si pelos desentendimentos raciais, oriundos do preconceito e da crenca em esteredti- Pos e estigmas sociais. Atividades 1. Com base na leitura do capitulo, defina o que é preconceito. 2. O que é discriminacao? 3. O que é estigma social? Digitalizado com CamScanner

You might also like