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A procura de dragoes: ensino e pesquisa em antropologia (Comunicagao apresentada no Simposio "Por uma Politica Cientifica para as Ciencias Sociais", ANPOCS, 19-21 agesto de 1988, Teresopolis, Rio de Janei ro). » “garam nao sé professores bem intenctonados-como estudantes in GiaearERAMPESSIVETD Esta € uma conclusao a que ha muito che teressados mas atanitos. MNBRpenieneialdencaunpoldependepuenere G@URERAGSD 2 houve poca em que se pensava que bastava _apren der a fazer censos, um mapa, genealogias, coletar historias de vida, dHOtSNOSIMimponderaveis"NeMNUMEGTSRYO) escrever os mitos e seguir a risca os manuais que -- no velho estilo brita nico dos "Notes and Queries" -- pretendiam ajudar o etnografo @ entender o mundo’ em que vivia o *nativo" . (AISTUSSSNGeIQUEIND ra possivel ensinar a fazer pesquisa de campo -- Malinowski e— -Evans-Pritchard estdo entre os que seriamente tentaram -- es vaiu-se com a critica @ busca do nativo exdtico. Este estado de coisas, hoje, nao é mais causa de desesperanca, mas uma rea Vidade que se explora nos seus aspectos positivos e negativos €, nao raro, torna-se o fio condutor da etuografia que resulta da pesquisa. . Em contraste com a pesquisa de campo, a idéia de que ensino da antropologia poderia ser questionado nunca flores ceu. Na verdade, os antropdlogos podem se vangloriar de esta rem entre aqueles que melhor e com mais consenso partilhem an cestrais e linhagens comuns, através dos quais iniciam os estu Gantes quer estejam no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglater ra, ma Australia, no Japao ou na india. Um curso de historia e e teorta antropolégica pode variar no que diz respeito ao pe- riodo contemporaneo e as figuras locais mais significativas, Mas ha de se ler Surkheim, Mergen, Hauss=frazer, Malinowski, Boas, Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard, Lévi-Strauss. Resolvido o problema tedrico, talvez tenha chegado a hora do ensino, quando se reconhece, como o féz _Evans-Prit-__ chard ha mais de trinta anos, que @aUSimples"eapacidadeMlinteD _lectual e preparagao técnica, por si sés, nao fazem um bom an (GEPOPEMGTS. se o ensino prepara o estudante para a pesquisa,co mo entender a seguranga que parece predominar no ensino e a an siedade que ronda a pesquisa ? Talvez valha a pena perguntar- se 0 que os estudantes aprendem, além das informacoes sobre as brigas de galo em Bali, a importancia do irmao da mae nas tribos sul-africanas, o kula dos trobriandeses, os mitos Kwa- kiutl, a nominagao Sanuma, os espiritos tailandeses, ou mesmo © bizarro simbolismo do pangolim entre os Lele africanos. Ensinar antropologia nao @ apenas transmitir um acer vo de informagdes sobre o exdtico, caso no qual a antropologia nao seria mais que um grande armazem de informacoes, um dicio- nario de estrenhas peculiaridades. @iRSESSSENNEISNUENNSRINBEOD tar no estudante a descoberta de que, atras do exotico, existe uma outra alternativa, uma outra possibilidade da que nos @ dp (@aB Ao aprender sobre mitos e ritos de povos estranhos, apreen de-se um@@EHOSUESPECHFIED! Tentamente, como do resultado de um processo de iniciacéo, o estudante passa a reconhecer a ra cionalidade do outro, o respeito 4 alteridade, o relativismo das sociedades e das ideologias, a auséncia de distingao funda mental entre os primitivos e os modernos, a ‘horizontalidade das praticas humanas, a afinidade entre a ciancia e a magia, entre a magia e a religiao. (@aMeternalprocuraldol™poneondelvyeD “atsctplina fotogrética, mas artesans}, interpretative © micros _ cépica, que Tiga o particular mais miniisculo ao universal nats: | einen ! == a comecar pe To que chamamos de “reTigiao”, ‘"filosofia™, “| ee ereeeeeeeer ener > “senso comum", etc. No inventario das possibilidades humanas, © pro cesso histarico do chamado mundo ocidental no qual vivemos tal vez tenha sido, este sim, 0 mais exdtico, porque o mais singu Var, anico, recente e possivelmente o mais contraditorio. Nao @ de se estranhar, portanto, as reagdes com que nds, que procuramos ensinar antropologia, muitas vezes nos de frontamos em sala de aula. Especialmente nos cursos de gradua 30, a percepcao de que @ possivel construir o mundo de forma diversa causa tanto surpresa e entuiasmo quanto ceticismo e desconforto. Aqueles que "ja sabem o que querem" nao sentem ne nhum apelo pela disciplina, mas @ alto o numero dos estudantes que redirecionam suas preocupacoes e optam pela antropologia geralmente depois de expostos a uma outra disciplinay. Raros $80 os que entram na universidade para cursar antropologia (em parte por ela ser desconhecida fora da universidade); a disci plina @ quase sempre uma GegundalopesoNquelservelaosydesconten JA cuvi comentarios tanto sobre o carater missionario dos an tropdlogos, procurando “converter” os estudantes, quanto sou be, em brincadeiras de corredor, que um estudante havia se re- ferido ao curso "Introdugao a Antropologia" como "Heresia I". Tudo isso faz sentido numa disciplina que @FetendeMineerpretem (GHipianUWSENGUSSENSEMPFEMESPECUTAH Especulam sobre possibili dades de interpretacao, sobre dilemas e.impasses, sobre os sig nificados nativos. Afirmar é ter certeza; especular é@ inserir a duvida, As certezas, por outro lado, sdo mais factTmente com partitnedas; J nas dividas © perplexidades entra um componen, ayverdadeypéqsocralmenteyconpartathado. Dai, talvez, a grati- ficacao que tenho, por exemplo, quando percebo, nos cursos de teoria antropologica, que ao dominar a literatura, Gadalua@lunD ‘certo elenco de autores como seus mentores intelectuais ou, co mo gostamos de dizer, seus gurus. 0 modelo do renunciador ‘hindu, daquele que se distan cia do mundo social @ procura do desenvolvimento espiritual in dividual e atinge a relativagao da vida-no-mundo parece ofere cer alguns pontos de contato com a pratica da antropologia. Evans-Pritchard ja recomendava que, para se atingir a proeza de pensar e sentir alternadamente em diferentes registros, 0 antropotogo deveria “abandonar-se sem reservas”. Este modelo serve talvez para os primeiros estagios da iniciagao no mundo da antropologia e como inspiragao para o ritual de passagem da pesquisa de campo -- “eu sai da sociedade"; “eu encontrei ° outro"; “eu sofri". Esta perspectiva nos deixa, contudo, a um passo do terreno movedico do relativismo extremo, onde tudo é valido, tao perigosr para os antropologos quanto o seu oposto, @ afirmagéo simplista da uniformidade da natureza humana, onde as diferencas desaparecem. Os estudantes parecem perceber as consequencias da ‘ i i A atitude antropolégica quando passam @ questionar as raizes da propria disciplina e 0 aspecto sociologico de suas __teorias. S30 eles que sugerem que o projeto de se “conversar com o ou tro", como quer Geertz, @ colorido por fortes tons democrati- cos, no estilo norte-americano. Ou, ainda, que a visao da an tropologia como (iWESESUBSEEIMIMEUENESPENNBP” responde basica mente a um auto-questionamento ocidental de inclinagao france sa, como no caso de Dumont. £ entao naturalmente passam a se perguntar sobre as implicagoes de se fazer antropologia no Bra sil, ja que, parafraseando Mario de Andrade, "@ aqui que nos acontece viver". No nosso contexto, a vocagao relativista e renuncia- dora da antropologia se confronta com o compromisso que o cien tista tem com o grupo que escolhe para estudar -- em geral um utro” que faz parte da sociedade nacional -- @ com o envolvi mento social que caracteriza e define o intelectual no Brasil. Trata-se de uma combinacao sui-generis dos papeis de cientista e de cidadao quando se a compara, por exemplo, coma tradicio nal escolha do “outro” fora das fronteiras nacionais. 0 proble ma @ ético e politico; nao no sentido imediatista que frequen temente floresce no meio académico, mas no sentido a meu ver mais profundo que associa os ideats da antropologia com suas raizes no iluminismo e com a grande visao de que uma ciéncia da sociedade e da historia era possivel. A antropologia nao @ uma ciéncia prospectiva. Mas o fato de ter nascido no bojo da génese da sociedade moderna traz consequéncias importantes: ao mesmo tempo que é fruto de valores universalistas, a antropologia se propoe resgatar a nao-modernidade nos aspectos ideologicos que-foram negados na nossa sociedade; apesar de ser vista dentro do ocidente inte- lectualizado como ela propria altamente exotica, trata-se_ de um discurso que se desenvolveu dentro e’para o mundo moderno. OThar os dragoes apenas para admira-los reativa ou esteticamente, ou para inclui-los no registro das possibilida des humanas, talvez nao satisfaca a nossa ambicao intelectual. Este projeto talvez tenha sido mais adequado para aqueles que, No século dezenove, se auto-denominavam apropriadamente "natu ralistas". Mas tendo visto outros mitos e outros ritos, e por ‘que nao, outros dragoes, temos também visto outras visdes de_ ciéncia, outras concepcées de nacdo, outros tipos de antropolo “gia, outras insergées do intelectual na sociedade. Na versio javanesa, “outros campos, outros gafanhotos". & possivel assim perceber um espago propicio para que se recure o projeto de u- ma ciéncia secular e empirica que, nos dias de hoje, procure, Por exenoTo @modsToswaiteriatives|delmodernidade. Se ¢ Japao nie virou Estados Unidos, se a politica é comunalista na {n- dia, se a religiao renasce das cinzas no Ira, se a Comunidade Européia enfrenta perplexa as diferencas entre seus paises, is to tudo @ prova que a questao da modernidade nado so ainda nao se resolveu, como passa pela discussao da identidade cultural, quer em seus aspectos politicos, historicos e sociais, quer Nos seus regionalismos nacionais e extra-nacionais. a a pies, EropeTSGISD Pera tal, no goes. Se a pesquisa de campo traz a inseguranga intrinseca do desnudamento, refugiar-se nas entrevistas, mas pesquisas-re_ lampago, nos questionarios aplicados por auxiliares, na metodo Jogia como camisa-de-forca enfim, pode apenas reforgar nossa ~ tendencia ja natural para a especulacao introspectiva, criati- va, por certo, mas que deixa de lado o choque mais aterrador & no entanto mais rico do encontro com a alteridade. Mario de An drade ja reconhecta esta necessidade, que-procurow sotuctonar através de suas famosas “viagens etnograficas", realizadas a- penas uma década depois de Malinowski ter se aventurado nos ma res da Melanesia, (OFAGOESHNeNSONprOcUnaNlOSsymas|OS—FECOnneces mos melhor se os encontramos primeiro fora do nosso quintal. Nota As observagaes de Evans-Pritchard estao emSocial Anthropology, Routledge & Kegan Paul, Londres, 1982; os dragoes de Geertz em “Anti-anti-relativism", American Anthropologist, vol. 82, 1984 e as idéias de Mario de Andrade em A Ligao do Amigo (Cartas pa ra Carlos Drummond de Andrade), José Olympio, 1983. Devo aos alunos de TA-1 e TA-2 (1/87 e 1/88) as boas discussoes de au la, que me levaram a sistemat’ > este ponto de vista.

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