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CAPITULO II O PROCESSO GRUPAL O processo grupal é a vida intima e inteira de um grupo, algo que se forma lentamente e se inicia tao logo duas pessoas se encon- tram ¢ se propdem algo em comum. Nao termina nunca, porque em permanente mudanga. Esempre novo, porque é uma coisa viva, trans- formadora, contida ¢ incontida, mensurdvel ¢ imensuravel, real ¢ sim- bélica, cheia de evidéncia e mistério. Quando se fala em processo grupal, duas questdes surgem de imediato: ‘‘o que é um processo?”’ ¢ “fo que é um. grupo?”’, e dai surge uma terceira: ‘‘como isso acontece?”” Estamos falando de grupo primario, o qual contém de cito a doze pessoas e no qual todo o grupo terapéutico deve transformar-se. Sem entrar profundamente na sua definigéo, um grupo prima- rio éum grupo de pessoas caracterizado por uma associacdo ou coo- peracdo face a face. Ele é 0 resultado de uma integracao intima e de certa fus&o de individualidades em um todo comum, de tal modo que a meta ¢ a finalidade do grupo sio a vida em comum, objetivos juns e um sentido de pertencimento, com um sentimento de sim- Patia ¢ identidade, 1. Processo Processo, no ser humano, é todo movimento existencial com um sentido de mudanca. Esse processo tem duas caracteristicas basicas: algo de permanente e algo de transitdrio. Isso significa que estamos falando de um conceito dialético, que, de certo modo, é comparavel a tese, antitese e sintese, bem como ao 33 conceito de figura e fundo, cuja mobilidade cria a permanéncia de poder ser visto diferentemente a cada momento. Quando falamos de um conceito dialético, € preciso vé-lo como um todo, por causa da relacdo de polaridade incluida nesse proces- s0, no sentido de que tanto no processo quanto na polaridade nao existe uma linearidade légica entre os conceitos, e sim algo que me permite colocd-los um ao lado do outro, sabendo que sao diferen- tes, embora contenham elementos que os mantém em relagdo. Bom-mau é uma relacdo sujeito-objeto, realidade-idealidade, e é, por natureza, analdgica. Estamos falando de dinamicidade de qualquer processo, seja no quotidiano seja no grupo: dindmico-estatico-vida-paz-morte. Isso sig- nifica que o grupo tem um elemento permanente, que chamamos ma- triz, eum transitério, que chamamos processo, mas ambos contém em si permanéncia e transitoriedade, ao seu modo. O processo é uma qualidade, um mofuum continuum que se au- tomantém através da permanéncia e da transitoriedade. E um acon- tecimento, um movimento dentro-fora-dentro, numa relagao de tempo € espaco, que ocorrem numa dimensao de temporalidade e atempo- ralidade, no aqui (espaco) e no agora (tempo). O processo grupal tem um lado visivel e um invisivel, que sao captados a partir de sua prépria realidade, da natureza interna de seus fatos e da dimensdo de relagdo que cada um estabelece com ele. O grupo, como processo, é uma unidade permanente de mudan- ¢a: interna ¢ externa, Esse movimento é convergente e divergente ao mesmo tempo. Tudo esta incluido. Nessa visdo, o grupo é uma totalidade, uma unidade complexa, um campo de forgas, onde cada vetor exerce um ponto de presséo sobre o espaco vital, mantendo a fisionomia grupal e permitindo que ela se altere a cada instante. O processo externo e visivel do grupo, como barulho, pessoas que se dao as maos, olhares, é provocado pelo mundo interno dos participantes; porém esses processos internos afetam e modificam a realidade externa. Ocorrem tanto em nivel consciente quanto incons- ciente e em ambos os casos podem acontecer sem um real metabolis- mo, embora sejam incorporados a matriz grupal. Matriz 6 um conceito que serd usado ao longo deste trabalho Sempre para expressar uma realidade invisivel, porém atuante, sen- do ela um construto e um processo ao mesmo tempo. Como cons- truto, é algo semelhante a conceitos como inconsciente grupal, cul- tura grupal, atmosfera de grupo, mentalidade de grupo. Como pro- cesso, posso aproxima-lo da nocao de figura e fundo, onde se perce- be algo nebulosamente estatico, porém dinamicamente em movimento, 34 sempre 4 procura de atualizar-se. A matriz estd permanentemente em mudanga, porque s¢ modifica sempre que incorpora elementos no- yos, talcomo 0 conceito de figura-fundo, onde o emergir de necessi- dades cria a dindmica da percepedo transformadora. Em ambos existe um elemento, um fio, um elo que lhes permite modificarem-se a ca- da instante, sem deixarem de ser essencialmente eles mesmos. Quanto mais complexamente esses estimulos externos afetarem a matriz grupal, tanto mais dificil seré a leitura correta de como sao incorporados, sobretudo porque, dentro do principio de que ‘tudo éuma coisa s6”’, cles podem, a priori, ser provocados por movimen- tos internos da propria matriz. Os movimentos internos séo processos ainda mais complexos, podendo operar também tanto no nivel consciente quanto no incons- ciente: so percepsdes, sentimentos, emocées e fantasias. Estes processos ocorrem no interior do grupo e de seus mem- bros. O grupo, como um todo, pode estar experienciando as mes- mas sensacdes ¢ sentimentos, algo que ocorre no nivel de matriz. In- dividualmente, as pessoas podem nao ter acesso a tais sensagdes. Pode ocorrer que um individuo esteja experienciando sensacdes que so basicamente singulares e suas, havendo um hiato entre ele ¢ a ma- triz. Poderfamos, entao, falar de conflito na fronteira do contato. Onormal é que as matrizes internas individuais se cruzem com aquela do grupo, e a convivéncia terapéutica levard a essa fusdo. O mesmo fenémeno pode acontecer com 0 comportamento vi- sivel do grupo, que esta sonolento, distraido, ocorrendo um estado de contaminagdo do inconsciente individual. De algum modo, o in- consciente visivel, ou seja, o grupo, como entidade aqui e agora, es- ta revelando sua histdria interna de sentimentos proibidos de se ex- ternarem, esta revelando a matriz invisivel e atuante através da pos- tura grupal. O grupo é como uma rede, como uma teia de aranha, onde ca- da elemento funciona como um ponto nodal independente, mas psi- codinamicamente interligado, agindo como um subsistema, onde cada um afeta o outro e é afetado pelo conjunto, criando uma matriz operacional. Matriz é um conceito holistico, onde o grupo € visto como dife- rente ¢ anterior A soma de suas partes. _ ie A matriz do grupo deve ser entendida como uma totalidade di- mica, como resultado da agfio conjunta do grupo, a cla fazendo /referéncia todos os fenémenos grupais e individuais, sobretudo os de natureza tipicamente inconsciente. Esse nao é um conceito ou pro- | cesso absoluto, pois, sobretudo no inicio do grupo, os individuos pos- | suem uma fronteira de contato muito rigida e, muitas vezes, in- 35 transponivel, podendo ocorrer processos individuais que somente mais tarde seréo incorporados 4 matriz grupal. Apés umas dezesseis horas de grupo, temos a impress4o de que sua matriz pode'sér sentida e até délineada, ou seja, uma cultura gru- “pal, normas, valores, jd comecam a ser delineados e a eles o grupo “Tecorre para saber o que fazer em casos de duvida. Embora se possa ter uma certa consciéncia da resisténcia e forea da matriz, muitos dos processos de grupo ocorrem em nivel inconsciente, tais como as- sociages livres grupais, reacdo em cadeia, fendmeno de condensa- ¢ao, e outros, Na base de todos esses fenémenos est o sistema inter e intra- psiquico de comunicagao de cada elemento do grupo com o mundo interno e externo. O sistema de comunicacdo é a matéria-prima da matriz grupal. Cada individuo esta para a matriz como cada grande avenida ou ruas principais est@o para uma cidade, Elas séo ponto de chega- da, de saida, de passagem, de evitacdio, embora milhdes de coisas ocorram também nas ruelas, nos becos, que afetam profundamente a vida da cidade. .Holisticamente falando, nada ¢ neutro de significagdo. Cada rua contém a cidade ¢ a cidade contém cada rua, cada individuo contém © grupo ¢ o grupo contém cada individuo. A trama de significagdes Passa necessariamente por tudo e todos, de tal modo que a matrizcon- tém o invisivel ¢ 0 visivel, dependendo das necessidades do individuo ou do grupo para que algo se movimente como figura ou como fundo, O grupo ¢ um permanente processo de comunicagao, compreen- dida aqui como todas as coisas que nele acontecem: 0 corpo, pala- vras, posturas, um perfume, a roupa. Todas as coisas sao canais vi- siveis de invisiveis relacées do individuo com a realidade que o cer- ca. Esse processo pode ser alterado pelas mais diversas formas de comunica¢aéo, como os acting outs, que sAo formas sutis ¢€, as vezes, destrutivas do processo de auto-regulacdo do grupo. O grupo nao € apenas algo fisico, visivel, que sd existe na sala de terapia, é uma entidade psiquica, existindo mesmo quando as pessoas nao estao fi- sicamente presentes no mesmo lugar. Ele possui uma zona de irra- diac&o ¢ qualquer elemento que penetre nesse campo contamina to- da a sua area. Quero chamar a atengao sobre um modo especial de comunica- go: a palavra, que, no grupo, assume grande importAncia, enquan- to sinal e instrumento de pessoas que se fazem testemunhas qualifi- cadas do processo de cada um. A palavra estd no corago do processo grupal, pois ¢, ao mes- mo tempo, som, simbolo, significado, sinal, tornando-se um dado. 36 - O grupo, mais que o individuo, persegue a palavra até que esta Yhe dé sua totalidade, uma permanente redugao fenomenoldgica. A _ palavraé um fendmeno que s¢ transfenomenaliza, pois tem, por na- ~ tureza, varias possibilidades de ser entendida. Saber escutar é altamente energético e transformador. Os equivocos do processo de comunicacdo passam por trés ni- ‘yeis ligados & propria natureza da palavra, que tenta expressar que o individuo tem na cabeca. As palavras podem ser univocas, quando significam exatamente a mesma coisa para dois sujeitos; mbiguas, quando nao conseguem ultrapassar a si mesmas, provo- cando confusdo; podem ser andlogas, sendo a analogia um meio caminho entre a realidade em si e a fantasia de quem a recebe. A -ambigtiidade se coloca no centro desse triplice processo de co- municacao. Esse processo € vital para se compreender a realidade interna, essencial de um momento do individuo ou do grupo. Isso significa que, quando quero captar a real significac&o de uma palavra, neces- sito captar o real sentido do processo que ela oculta, A palavra é um fendmeno que, quando apreendida como um todo na relacdo, ultrapassa a si mesma e cria a possibilidade de uma awareness continuum, pois, quanto mais limpa ¢ menos contamina- da, maior a possibilidade de que através dela ocorra o insight. O grupo é, inicialmente, um dado nebuloso, a procura da pré- pria claridade. Assim, ndés colocamos a questdo: até que ponto po- demos, de fato, descrever, entender, interpretar e dar significado ao que ocorre no grupo como um processo? Até que ponto podemos ter um entendimento compreensiyo ¢ totalizador de sua matriz? Assim como o individuo tem internamente um comando para auto-regulactio, para uma autodeterminacdo organismica, assim tam- bém o grupo. Desde que o grupo, a partir de sua constituicdo, se programe para obter o seu proprio bem-estar, todas as suas forgas 8€ organizam no sentido de produzir a auto-regulacdo, de produzir sua prépria cura. O grupo passa por um processo de purificacado in- terna e externa, enquanto um campo onde a fronteira se abre e se fecha para deixar fluir o bom e deixar sair o nao bom. E importante que se perceba esse fluxo, que, como ondas do mar, no seu ir e vir, estao em constante purificagdo de suas dguas, como figura e fundo que, no seu suceder-se dindmico, se movimentam sempre no sentido de que a necessidade mais urgente apareca. Dai a necessidade de se ver ¢ estudar o grupo de diferentes an- gulos, quando queremos perceber esse movimento de purificacda. Tudo © que acontece no gru i ignificacd 5 po é rico de significagdo, nada é neutro. Tudo ¢ uma forma de linguagem. 37 Algumas vezes, uma pessoa sente exatamente a mesma coisa que a outra; as vezes, o grupo inteiro, como numa reagdo em cadeia, sente a mesma coisa: ansiedade, medo, raiva; as vezes, o grupo pensa da mesma mancira e produz um mesmo e unico insight a respeito de um tema existencial. Entendemos e percebemos 0 grupo a partir de sua totalidade, que inclui tudo, mesmo situagGes aparentemente sem significacao. Essa linguagem ou forma de significac&o pode ocorrer em dois niveis: como uma percep¢do sensorial ou como uma reflexdo intuitiva. Esses processos podem ser individuais ou grupais. eA percepeio sensorial é um comportamento molecular, um pro- cesso corporal, um movimento interno, através do qual o organis- mo como um todo reage a um estimulo externo, experienciando uma modificacao, que é independente do controle da mente, como um bater forte do coracdo, um suor inexplicavel, uma dor de cabega sti- bita. Do ponto de vista terapéutico, esses sinais sfio informagdes que vém do inconsciente corporal, brotam do intimo do ser e tém a fina- lidade precipua de colocar o sujeito em contato com algo perigoso e de informar que a fronteira da protecgdo corpo-mundo se acha sob ameaga. Trata-se, portanto, de uma informagao precisa, absolutamente confidvel, enquanto independente do controle de razdo. A andlise desse fendmeno nos remete ao coracdo de um processo j4 em anda- mento. A reflexdo intuitiva é um processo mental que vem da matriz interna de pensamentos ¢ sentimentos de cada um. Ela explica pro- cessos como: reagdo em cadeia, fendmeno de condensacio, etc. O grupo funciona como se fosse um grande cérebro, uma UPC com informagées dindmicas, pronto para produzir uma série de da- dos to logo acionado por um estimulo externo. Como o grupo, enquanto processo, é 0 inconsciente visivel dos ineonscientes individuais que 0 compéem, ambos os inconscientes sao fundamentais para se entender e analisar o movimento interno grupal, para se passar da awareness individual A do grupo, para se passar do contato intrapsiquico ao interpsiquico. ‘Nossa tendéncia é ver o grupo como um todo e captar a totali- dade do que ocorre a partir do ponto de vista da Teoria do Campo ¢ Holistica, sabendo que todas as vezes que se trabalha um dos ele- mentos deste campo tal fato introduz modificagdes em todo o sistema. No grupo, existem muitos niveis de inter ¢ intradependéncia de relagdo. Esses niveis atuam como subsistemas e quando um ¢ afeta- do todo o sistema se altera. O grupo, como um todo, é um espace vi- 38 tal, onde cada elemento funciona como um vetor que atua no senti- do de entrar e/ou de sair, dependendo do equilibrio que se quer ins- taurar ou romper. O grupo é um campo de forca, onde cada um atua _ sobre 0 outro e onde cada um é a miniatura de todos. Formada a matriz grupal, trabalhar um seria trabalhar todos e trabalhar cada elemento individualmente. Estamos falando de processo grupal. Este tema é diretamente ligado ao conceito de mudanca e ao conceito da natureza do proces- so psicoterapéutico. Na realidade, psicoterapia diz pouco no sentido de cura, mas diz muito no sentido de mudanga, ou seja, mais do que a cura, psicoterapia diz respeito 4 mudanga e as necessidades. Tudo o que acontece no grupo produz mudan¢a no seu sistema interno de equilibrio. Quando pensamos o grupo como uma entida- de anterior ao individuo, ndo como soma dos problemas de cada um, esim como uma unidade contenedora e diferente da soma desses pro- blemas, ou seja, o grupo visto como um fendmeno em mudanga, fi- ca claro que as alteragdes na estrutura ou na matriz do grupo pas- sam necessariamente por alteragGes anteriores nos individuos. Quando se dd conta de que um grupo mudou, esta diferente, os individuos singularmente ja passaram por diferentes mudangas, Definindo o homem como um ser biopsicossécio-espiritual, tam- bém o grupo deve ser definido como uma unidade biopsicossécio- espiritual, sofrendo tanto quanto o individuo a forga, a influéncia dessas dimensdes. Tanto os individuos que o compdem, como o grupo experien- ciam niveis de ser e de acontecer: nivel de aspiracdo existencial e ni- vel de realizacdo essencial. SER E TER CORRESPONDENCIA DE NIVEIS NIVEL DE ASPIRACAO NIVEL DE REALIZAGAO EXISTENCIAL ESSENCIAL Transcendental Espiritual Psiquico Mental Horizontal Ambiental Vertical Bioldgico il) Esses niveis trabalham juntos e complementarmente. 39 O nivel de aspiracao transcendental é realizado, vivenciado atra- yés do aspecto espiritual do individuo ou do grupo e assim ocorre também com os outros trés niveis. Esses fendmenos ocorrem isolada ou grupalmente, podendo um tinico momento no grupo ser tao rico que envolva todos esses niveis, embora em graus diferentes. Exemplificando: o grupo tem uma fala de quanto é dificil hoje a vivéncia do espiritual, contato com o divino, e indica dificuldades concretas para esse processo de purificaco (nivel transcendental — aspecto espiritual). O tema do grupo é uma fala sobre identidade, sobre o ser ideal, sobre o sentido da vida e da morte (nivel psiquico — aspecto mental). O grupo fala da dificuldade de estar no mundo (nivel horizontal — aspecto ambiental). Vivendo essas dificuldades, o grupo experiencia um cansa¢o, um desanimo fisico, talvez até so- noléncia em alguns (nivel vertical — primitivo e aspecto bioldgico). Esses niveis sio dimensdes da existéncia e esséncia humanas c, juntamente, representam aquela totalidade, aquela plenitude pela qual nao sé 0 individuo, mas também o grupo, anseiam e esto sempre 4 procura. Na procura de seu equilibrio, 0 grupo passa por estes quatro / estagios: o biolégico, que ocorre no inicio, com manifestagées cor- porais mais claras como palpitacdo, sono, ansiedade; o ambiental, onde superadas as primeiras percep¢des ansiogénicas, o grupo passa a experienciar a realidade quotidiana, falando mais livremente de seu estilo de vida; pelo mental, onde o grupo entra na sua prépria alma, falando de temas existenclalmente profundos ¢, finalmente, o espi- ritual, onde o grupo transcende o aqui e agora, experienciando cada Vez mais o ld ¢ 0 invisivel. O terapeuta atento 4s multiplas facetas que o fendmeno grupo apresenta deve instrumentar-se para observa-las, descrevé-las ¢ interpreta-las sob os diversos 4ngulos que a realidade mostra ou po- de mostrar. Através da sua fluidez, espontaneidade e¢ criatividade, 0 terapeuta podera avizinhar-se mais intensamente da realidade, que € simples e miltipla ao mesmo tempo, tal como os niveis de que fa- lamos, podendo ocorrer sem nenhuma ldgica ou temporalidade. O grupo nao é um teorema a ser decifrado, ¢ sim uma alma a ser experienciada. 2. Enfoques de agaio __Trabalhando com grupo, temos permanentemente dois sentimen- _tos basicos: perplexidade e incerteza. O grupo nos surpreende a ca- “da instante, Sua motilidade e energia ultrapassam nossa capacidade 40 de controle. A posicdo basica. do terapeuta € aquela da observagao = i da interven¢do cuidadosa, da leitura humilde ¢ comparti-_ ‘A dificuldade de se compreender 0 processo grupal cresce por causa dos diferentes modelos de cada escola, tentando explicar co- mo 0 grupo acontece. Citamos trés escolas a titulo de exemplo: 4, Slavson, Wolf, Schwarts concentram a leitura do proceso do grupo na relagdo que se estabelece entre cada membro do grupo ¢ oterapeuta. A leitura enfoca, sobretudo, a dimensao transferencial da relacdo, a qual pode ocorrer em trés niveis ou diregGes, ao passo que o relacionamento interpessoal e a dinamica geral so deixados ‘ou vistos como menos importantes. 2. O segundo enfoque (Bion, Foulkes, Whitekar, Pichon-Riviere) aborda o processo grupal vendo o grupo como um todo, como o clien- te, embora divirjam em alguns pontos. Ocomportamento do indivi- duo € visto como emergente da situaco grupal, a partir de suposi- ‘g0es basicas inconscientes (dependéncia, ataque-fuga, acasalamen- to), participada por cada um. Sao relacionadas as fantasias que bro- tam das atitudes e comportamentos do terapeuta e membros do grupo. 3. O terceiro modelo (Moreno, Berne, Rogers) acentua a rela- ¢o entre os membros do grupo, sendo o terapeuta um deles, Pro- cura-se descobrir a constelacdo dos lacos ou vinculos, os papéis, normas, a pressdo grupal, ao nivel funcional e afetivo. Tudo é vis- to no aqui e agora, ndo se dando atenc4o a possiveis vinculos trans- ferenciais. 3. A aprendizagem no processo grupal O grupo é um microcosmo onde o quotidiano acontece, onde relages negadas ou percebidas s¢ fazem presentes e reconhecidas, onde 0 amor a si prdprio ¢ ao outro se descobre, onde o passado se faz presente com emocio. No grupo, nossas necessidades se tornam claras. O grupo, como os individuos, é regido por leis da natureza, da sociedade, do pensamento ¢ do espirito. Nds pertencemos a essas ca- madas. O equilibrio dos individuos ¢ do grupo esta em intima de- pendencia de como essas camadas se equilibram. O biolagico, 0 so- cial, 0 psiquico e o espiritual nao sao construtos ou arquétipos, nas matrizes geradoras de vida, que, juntas, formam o que denomina- mos realidade. Esta é a funcdo precipua di H Fe mn lid: ipua do grupo: tornar o real rea lidade vivida, experienciada. 41 E funcdo do grupo estudar, tornar-se consciente do desenvolvi- mento e transforma¢gao que ocorrem entre o mundo de fora ¢ 0 de dentro, realidade e fantasia, de cada um dos seus membros, funda- das nas suas relagdes de necessidades. O ser humano é um ser de necessidades, nunca completo. O grupo tenta dar a cada um o que é seu, estar atento as neces- sidades de nutrigéo de seus membros, bem como evitar 0 que é pre- judicial. E sempre um processo de busca da realidade que vai do geral ao particular. © simbélico, a fantasia so decodificados para o aqui € agora em termos de suprir necessidades imediatas. Num primeiro momento, existe uma fragmentacao do objeto a ser apreendido ¢ aprendido, provocada por diferentes modalidades de impacto e de aceitagdo do objeto em si mesmo. O dbvio nao é t4o obvio, porque ele pode ser negado pela ndio percepedo esponta- nea. A verdade imediata confunde, cega, provocando uma resposta dicotimizada, que pode levar 4 negacdo do objeto em si mesmo ou 4 distorgao de uma resposta adequada. Aprender é uma apropriacdo instrumental da realidade no sen- tido de modifica-la. O grupo é uma unidade em permanente repensamento da reali- dade interna e externa de seus membros. Fenomenologicamente, 0 conhecimento é fungdo e decorréncia da totalidade, a qual, por sua vez, leva naturalmente 4 consciéncia € esta a intencionalizar e posteriormente a mudanga. Quando algo é colocado no grupo, ocorre ou pode ocorrer uma fragmentacdo da percepcdo e dos sentimentos, onde cada um capta © objeto em questdo em fungaio de sua propria experiéncia. Em se- guida, o objeto fragmentado, remetido para dentro de cada um, re- cebe aquela parte de realidade e luz que é prdpria de cada sujeito. Uma vez enriquecidas pelos componentes do grupo, as partes frag- mentadas sdo devolvidas ao sujeito inicial ¢ incorporadas em um tinico objeto, como partes que retornam, agora enriquecidas da contribui- sao de todos. O novo objeto estd agora sob a contemplacao do su- jeito ¢ do grupo. A fragmentacdo sucedeu a totalidade. O objeto é agora um objeto novo. O processo de aprendizagem pode seguir seu curso normal, até que o sujeito ou o grupo se encontre diante de uma nova op¢do de mudanga em maior harmonia com 0 objeto experien- ciado, O grupoe o sujeito tem condicdes agora de se apropriar ins- trumentalmente do novo conhecimento ¢€, assim, modificar a reali- dade perturbadora. Aprender esta ligado a uma adaptacdo ativa e criativa a realida- de, aprender a partir do que é real numa relagdo rica e mutua entre 42 ‘o sujeito e seu ambiente. O grupo é uma estrutura de interagdo, 0 que o torna uma unidade basica de trabalho, de investigacdo e de mudancas- Nao existe aprendizagem sem mudanca. Nesse processo de mudanga o grupo convive com dois medos bdsicos: medo de perdas ¢ medo do novo. Medo de perder o equilf- brio, 0 jd sofrido, e medo de atacar e enfrentar situacées novas, on- de os antigos parAmetros j4 ndo valem e os novos ainda nao sao su- ficientes. A resisténcia do grupo ou em grupo surge, nesse contexto de aprendizagem ¢ mudanca, como processo de tentativa de manter 0 status quo, o equilibrio fragil sustentado pelos mecanismos de auto- regulacdio. Nao obstante a dor da descoberta que conduz a mudan- a, 0 grupo tem uma extraordinaria sabedoria e paciéncia, o que faz com que o objeto novo ¢ aprendido se transforme em algo que pode Tar. Na realidade, quando alguém opta por tomar uma decisdo difi- cil, esta ja havia sido tomada dentro do individuo e a forga necessd- ria 4 mudanea ja estava A disposigdo do sujeito. Acontece, porém, qnea dimensdo da forca e do poder ocorre apenas apds sua chegada & consciéncia do sujeito. Agora é o tempo para a execucao, pois o que retarda a decisdo é o medo de como fazer e nao do que fazer. Todo o processo caminha, portanto, na direcdo da resolugéo do nivel da ambigiiidade grupal. O grupo, por sua natureza, por uma representacdo interna, muitua e coletiva, procura sempre a verdade, onde quer que ela esteja. Sabemos que quanto mais carregada de emo- ¢4o é a procura do grupo, maior é o nivel de ambigtiidade, e, como aprender é encontrar solugdo para as contradigSes internas, pode- mos entender que o processo grupal lida, as vezes, com dificuldade com a calma, com o devagar, podendo se expressar impacientemen- te e, como dizem alguns, até com violéncia. Na minha experiéncia, entretanto, entendi que tudo é uma coisa s6 ¢ que mais do que o qué € 0 como que importa nas relacdes grupais. Devo acrescentar que © fendmeno se transfenomeniza, que a realidade tende a adquirir sen- tido e valores novos a cada momento, assim como também nds so- mos novos a cada momento que passa. 4, Algumas observacées finais fe — Estamos falando do pequeno grupo, cuja finalidade € um re- acionamento face a face. Esse grupo tem um objetivo comum, um Projcto existencial e é uma entidade terapéutica. Como uma fami- 43 lia, também o grupo vive uma triplice espécie de vinculo: afetivo, sexual, intencional ou motivacional. — Cada pessoa no grupo tem um projeto especifico: a dimen- sao, porém, de cada projeto passa pela intersubjetividade de cada processo e da do grupo como um todo. O grupo forma um projeto diferenciado que informa cada projeto individual. — Tornar claro, em termos de processo, o que é ‘‘dentro”’ ¢ o que é “fora”? ajuda a identificac&io do grupo como um sistema. O acting out ocupa lugar importante dentro dessa delimitacdo de fron- teira e contato, enquanto processo com uma dupla face: de um la- do, pode revelar um aspecto destrutivo do processo grupal e, de ou- tro, revelar que a comunicagdo esta falha, que a seguranc¢a grupal ndo esta funcionando, que a confiabilidade nao esta clara. Podemos dizer o mesmo para outros fendmenos grupais, como 0 bode expiatdrio, o historiador, que devem ser examinados sempre nos seus dois aspectos intra e intergrupal. Eles acusam algo errado elembram algo bom, assim como toda resisténcia que combina auto- tegulacdo com possiveis forgas negativas. — E fundamental que o grupo desenvolva fortes lacos afetivos para o surgir e crescer de uma cultura que o ajude na execucdo do seu projeto basico, embora, as vezes, tal cultura nao consiga atingir seus objetivos. — A matriz interna de cada um, também chamada grupo inter- no, afeta necessariamente 0 processo em curso no grupo. Tudo o que ocorre no grupo ressoa em diferentes niveis de in- tensidade na estrutura grupal, na razio em que diz respeito a cada membro € ao nivel de engajamento de seu processo. y-~~ — O processo grupal contém trés diferentes sistemas: interpes- | Soal, intrapessoal e transpessoal. Compreender adequadamente es- | ses sistemas conduz a compreensdo do processo grupal como um to- do e forma elementos para um contato mais nutritivo e transformador. Na linha do exposto, sobretudo de ver o grupo como um corpo inteligente, como uma unidade a procura de sua auto-regulacao, reas- sumo, definindo processo grupal como: /(-— Processo grupal, como conceito, é um movimento energéti- »/ co através do qual os membros do grupo experienciam, consciente € inconscientemente, os diferentes estdgios de sua mudangca, A pro- \,cura de novos e criativos caminhos para lidar com a vida. — Processo grupal, como técnica, é 0 instrumento que o tera- peuta usa para desenvolver um conceito compreensivo das varidveis que interferem na vida do grupo, no sentido de vé-lo como um toda, de ajudd-lo a apreender, a promover a espontaneidade, a criativida- de, de modo a facilitar 9 contato com a realidade. 44 5. Conclusao Algumas idéias centrais foram desenvolvidas neste capitulo. Elas formam o nosso corpo teérico basico no que se refere 4 compreen- s4o do processo grupal. Sao um caminho, uma orientacdo, um pon- to de vista. A idéia do grupo como matriz, como Holos, como sistema, per- corre todo o capitulo ¢ todo o livro. Nada é central sem que exista uma periferia. Assim é a idéia de matriz. Ela sé é possivel por causa dos infinitos meandros que a ro- deiam e que nos permitem ver muitos processos saindo do nosso qua- dro de referéncia e procurando explicagdo alhures. Tudo o que forma a matriz veio do grupo, mas nem tudo o que pertence aos individuos pertence A matriz, a ndo ser potencialmente, enquanto matriz é um conceito em permanente renovacao e evolu- fio. A matriz explica o comportamento do grupo como tal, embora possa nao ter explicag4o para o comportamento de um de seus mem- bros, em um dado momento. O conceito de matriz, como um processo a partir do qual o gru- po se faz inteligivel, esta intimamente ligado ao conceito de campo, ao conceito de espaco vital, onde tudo acontece e de onde tudo rece- be significagao. As tramas do contato, seja ele saudavel ou resistencial, a pola- ridade enquanto processo conectando opostos, figura ¢ fundo enquan- to emergéncias de uma necessidade maior, expressam um Unico mo- vimento que é a tendéncia do organismo humano e do grupo de auto- regular-se, de se comportar como um sistema integrado, que proce- de dessa fonte geradora de energia e criagdo que é a matriz, o campo onde tudo acontece. 45

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