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9 O ENSINO E AS PROPOSTAS PEDAGOGICAS Maria Cecilia de Oliveira Micott' ‘A educacdo passa atualmente por um momento crucial. Nosso ens no é criticado, sobretudo pelo baixo desempenho dos alunos. Para isso Contribuem as consequéndias do historico descaso para com a educacéo € problemas socials. A interagio desses e outros fatores com as conflitos entre idéias pedagéeicas diversas, que pontlham nos meios escolares, agrava as cificuldades do ensino, exigindo de professores e pesquisadores copcdes e agées, Sdo comuns as crticas sobre a educagao escolar que nao promove 0 esperado acesso aos saberes que compoem 0 curriculo de estudos. Nos Uitimos anos, reformulagdes curiculares e novas propostas pe- dagogicas se fazem presentes nos melos escolares, e os responsvels pelo tensino tém-se mostrado sensiveis 2 elas. Mas sua aplicacdo encontra va- rias dificuldades, além das habituais resistencias & mudanca. Neste con texto insere-se 0 ensino de matematica. Este trabalho visa apresentar algumas reflexdes, de uma professora de bidatica, sobre 0 ensino diante de propostas de inovagao pedagogica, considerando, sobretudo, aspectos das atuais crcunsténcias que deman- ‘dam estuds © pesquisas. 7 Profesor Ttar co vepatament de caro dn hos Froessora do curso de Pos raduagio em Educagio Mate fo.deBoancas = UNESP - Ro (GCE UNESP campus 153 O ensino Ingo da escola, mas as variagdes do modo de ensinar determinam diferencas nos resultados obtidos. Até ha pouco temn- o, ensinar era sinénirma de transmitirinformacdes, mas as idéias peda- ‘Boeicas mudaram, apesar cisso, muitos prfissionais da educagao, ainda, véem com bons olhos o ensino tradicional. Ees elogiam o bom nivel do trabalho escolar feito no pasado e rejeitam as mudancas; duvidam da validade da atuacao escolar e consiceram os professores pouco exigentes. Alguns educadores alegam que, antes, a escola era mais eficiente, 3s Seletiva ndo conseguiu encontrar 0 uas fungbes,crticam as reformas, _gumentando que sao apenas de fachada; condenam os crtérios de avaia ‘mento da fungao social da escola, Um dos pressupostes para a realizagao do trabalho escolar é a expectativa de que os seus resultados extrepolem a sala de aula: sejam aplicadas vida afora, em benefico do individuo em seus novos estudos ou atividades préticas; e, da sociedade, como base para o desenvolvimento cientificoe tecnologico do pals. As poss de aplicar 0 aprendido, tanto na solugao de problemas da vid ‘como em novos aprendizados ou pesquisas, dependem da modalidade de ‘ensino desenvolvido, ‘A aplicagéo dos aprendizados em contextos diferentes daqueles em que foram adquiridos exige muito mais que a simples decoragao au a solugio mecénica de exercicios: dominio de conceitos,fexibilidade de ra- Cocinio, capacidade de analise e abstragao. Essas capacidades sdo neces. em matematica, sarias em todas as areas de estudo, mas a falta del chama a atengio. Informagao, conhecimento e saber dizagem ¢ po- iguns problemas pedagogicos atuais formagao é um dado que se encontra no mundo ol a0 individuo. Not (1993, p.35-6) afitma que no sentido am exterior . chamamos 154 Informagdo todo dado «0 contém um sus igivel, sea qua for sua natureza, Uma informa uma semntica. A mesma semantica pode ser Conduzida por suportes diferentes que percorrem um mesmo canal. Umma -entada por escite ou por um nos dis casos, co. Mas, a mesma idea pode também ser onduzda por suportes ferent que percorrem canals diferentes; uma mesma in formacio pode ser expressa em um desenfo (cana tico) ou em um enun ‘Gado verbal (canal acistico). As informacbes penetram nos sistemas de tratamento ~0 corpo humano € um dees. individuo as submete a uma ste de agdese as transforma em conheciment ‘0 conhecimento € 0 resultado de uma exoeriéndia pessoal com as informagies. Ee subjetivo, relacona-se com as vivendias e a de cada pessoa, a0 passo que o sab dais) € socais. € individual, e deste ponto de vista, iagao de nformacdo por um SU aos processos coletivos de valitagéo, captaizacio e wanstissao, Char 1997, 9.203) Informagdo, conhecimento e saber so distintos, apesar de serem| relacionados. Uma informagao pode, objetivamente, estar presente no meio ambiente (ela é exterior & pessoa e pode ser estocada, isto €, gravada, regiscrada num computador, escita em lives etc}, no entanto, se um i ‘ividuo (0 sujeito) nao se der conta dela, para este individuo, ela no se ‘vansformara em conhecimento. 0 conhecimento é uma experiéncia inte ror ~ envolve a relagao do sujeito com o objeto (de conhecimento} envo)- ‘ve também interpretagao pessoal -, um mesmo discurso ou os dados de ma observacio podem ser interpretados de modo diferente por diversas pessoas. Mas, interpretagdes sio submeti (saber compreende informacao e conhecimento; nele prepondera 0 aspecto social. Nao basta alguém interpretar as coisas a seu modo para {que sua interpretagao seja reconhecida como valida, para isso € preciso {que outros abonem esse conhecimento ou essa interpretagao ~ a commu- nidade clentifica, a sociedade. 155 Uma das principais fungbes da educagao escolar & a de assegurar a propagacéo do saber. Cabe d escola propiciar 20s alunos as relagSes com 0 ‘Saber ou saberes, a cultura (Develay, 1996 p.42}.A cultura é dstibuida na escola através des discipiinas escolares, Compete ao professor tomar as ‘medias necessarias para que os alunos se apropriem das saberes corres pondentes a CO ensino compreende informa¢éo, conhecimento e saber,rmasa orien tagdo pedagogica, seguida nas aulas, determina o tratamento que Sera {dado a cada um desses elementos e as telacies entre eles. A escola radi ional, por exemplo, prvilegia as aulas expositivas - a apresentacao de imagBes =, 0 que nem sempre assegura 0 acesso ao saber. AS novas ta¢des pedagégicas acentuam a importancia da construgéo do co- mhecimento, das elaboragdes pessoais dos estudantes para o acess0 30 saber, A confuséo entre informago e conhecimento conduza id basta a presenga de um individuo no ambiente em que as in ‘so expostas para que haja aprendlzagem. Essa crenca influencia a rotina escolar, apesar da pratica mostrar que a simples presenga na sala de aula (ver as demonstragdes feitas pelo professor ou ouvir as suas explicagoes) nao assegura a ocorréncia de aprendizagem. Ha tempos, os professores ‘manifestam consciéncia isso, como indicam alguns comentarios comuns {2 respeito de provas: ~ "Voces estiveram nas aulas, apenas de corpo pre- ‘sente, ndo toriaram conhecimento da assunt Se, em sala de aula, a interpretagao ou 2s idéias dos alunas sobre objeto de estudo forem acatadas como definitivas, o progresso dessas ideas e o desenvolvimento do racicinio Sao prejudicados. Se cada apren- diz continuar com suas préprias idéias, sem deservolvé-as, sem avangar ‘no estudo das disciplinas que compreendem o modo como outros indivi- duos estudaram e desenvaiveram conceitos sobre o assunto, dificimente, conseguiré desenvolver seus conliecimentas e elaborar seus modos de ‘compreender o mundo em que vive, ‘Cae ao ensino incegrarinformagéo, conheamento e saber. Dificulda- des relativas a essa integraco comprometem o cumprimento de uma ‘as principals fungdes da escola ~ a de promever a socialzacio do saber. © ensino tradicional Este ensino acentua atransmisséo do saber jé construldo, estruturado pelo professor; a aprendizagem é vista como impressdo, na mente dos ‘alunos, das informagbes apresentadas nas aula. O trabalho didatico escolhe 156 um trajeto “simples” ~ transferir para 0 aprendiz os elementos extraidos {do saber criado e sisternatizado, ao longo da historia das ciéncias, fruto co trabalho de pesquisadores. As aulas consistem, sobretudo, em explana- ‘Ges sobre temas do programa; entende-se que basta 0 professor dorni nara materia que leciona para ensinar bem. ‘Come a escola € comprometida com o saber, a decoragio de textos, (u partes de livros didaticos, a repetigdo de informagdes apresentadas sm 0 mecanisrno que camufa 0s insucessos na propria ‘A mematizagao pode ocorrer sem compreensdo. A ode chegar a ponto de imped a algum significado para o aluno e de comprometer sua transformagéo em conhecmento, ‘Segundo 0 senso comum, quem nao aprende & porque néo sabe raciocinar € quem aprende é muito inteligente. Esses mitos ndo deixam de ter algum fundamento, porque, na maioria das vezes, quem consegue “acompanhar” as aulas ja dlspde dos instrumentos cognitivos, dos concei 10s e das relades que compdem 0s contetidos expostos. Mas, como Fica a fgrande maiona que vaia escola para aprender o que nao sabe? Isso, nem sempre € considerado. {As dificuldades ou os fracassos, em geral, so vistos como decorren. tes de empe: a de base ‘ou de coni deficiéncia mental fou cultural ete. Segundo Vinh Bang ha idéias, quase crencas, ificeis de destazer: 0 fracasso nao provém do professor, quem transmite ‘9 conhecimento ¢ teria ensinado mal, mas de quem recebe 0 conhec': ‘mento e aprendeu mal. délas como essa justificam e ajudama manter 0 ensino tradicional As novas propostas pedagogicas fam muito no seaulo xx coma con- tudo das progressos das t As idéias pedagogicas, que evol igo das céncias humanas, sob jprendizagem - do behaviorismo ao cognitvismo ~ e do desen ‘© papel ativo do aprenciz na construgio do sa- vincula 0 conceito de aprendizagem ao de ‘mento cognitivo e afetivo do aprendiz, mals que aos seus produtos ¢ re- sultados. As pedagogias centradas na aprendizagem nao se interessam ‘apenas pela aquisicdo de contetdos, mas também pelos processos que (0 aprendizes utilzam (Altet, 1997, 6-7) 157 Asatuas proposta pedagégcas, ao invés de transferénca de conti dos prontos, acentuam a ineracée do aluno com 0 objeto de estuco, 2 pesquisa, a construeo dos conheciments para oacesso a saber. AS alas so consderadas como stuagdes &e aprendzagem, de mediacio, nesta 0 valorzadoso trabalho ds alunos (pessoal e coletivo) na apropiag co conhecimenta e 2 orntacio do professor para oacesso 30 saher No construtivso, relevance o signficaco que as ativicodes tém rao aorendiz Fara que um indviduo consiga se apropiar do saber. ete deve ter sentido para este individu, cortesponcer aos seus interesses. A afetvidade € considerada como 0 aspecto energético da atvidade, ca cgnigao render uma discpina ¢, segundo Deveay (1996, p10), encon Seu sentido. chegar a entender. quais so as questdes que ela propde 2 eto do mundo; os seus métoces e teoras e como essa decilina ajuda o ser humano a se compreender mais ¢ a compreender melnor 0 em que vive. Sobre o assunto vale lembrar que, segunco Chervel 90), até.0sécul passado, a palaua dsiplina era utlzada com refer cia & manutengo da order, no com o significado de “conte deers no" Apés a Primera Guerra mundial, a palavra comecou 2 ser com 0 sentido atual. Os contetidos de ensino, como tscip tuer uma maneira de ciscipinaro espinto, com os métodos € as reeras para abordar os diferentes dominios do conhecimento e das artes ‘ processo de construgao de sg rabalho didatico organizado de mado a atender ento dos aprendizes, voltado para a passagem do conhecimento individual em saber socialzado, ue nortetam o curriculo escola, exige procedimentas e linguagem apro- priados. Cabe @ escola trabalhar para atingir, nas diferentes discplinas, 05 respectivos modelos de raciocinio, diferentes dos do senso comurn ou da consciéncia ingénua, icados @ ele, chegando a uma interpre- a. Este processo € complicado e a interpretacao feita pode 2 esperada pelo 3, como 0s “ttopegos” fazem parte da construgéo do conhecimento, séo acolhides como riaturais, 158 (0 novos procedimentos didéticos envolvem mudancas na avaliagao, Os erros deixam de indicarfracasso dos alunos, passam a constituirfontes de informagao que 0 professor pode utilizar para perceber os percursos seguidos na interagao com o objeto de estudo. ‘As aulas compdem-se de situagdes escolhidas com a participagio {dos alunos. Nestas, eles realizam atividades ou resolvem problemas: para ating objetivos. 0 fazer para, de fato real ina do "fazer para aprender” ou de encort imaginados pelos outros. Diante do compromisso com o saber, as aula com des Favoraves a transfotmagao da compreensao pessoal articular (até com tragos afetivos) desenvolvida pelos alunos em saber sistematizado, Para que sso ocorra nao basta o professor apresentar infor mages, nem debar 0 aluno entregue a si proprio diante do objeto de ‘estudo. 0 individuo ser interlocutores ou sem orientacéo progride muito ‘devagar. Isto exige de quem ensina a realzagao de varios enfoques do “objeto de estudo ou muitos olhares: olhar a matéria como saber isistema- com seu modo de focalzara realidade, sua inguagem e metedologaa de pesquisa), oar a matétia do ponto de vista do aprer ria do ponto de vista de quem deve ensinar...A api implica u volta na educagao, A tarefa nao € simples, exige 0 trabalho necessério para ajudar a transformaridéia infants partic Ingénuas, em saber. € grance a distancia a ser superada, entre o contec Mento pessoal e as aquisicGes visadas pela escola; a superacao desta dis tanca compreende, alem do enfoque adequado de questoes afetivas, a Ccompreensao das nogdes particulares, a linguagem e os instrumentos cognitives utiizados pelos aprendizes.0 trabalho escolar requer mais; {quer a transformacao do modo pelo qual 0 in za suas at des. As vivéncas infantis compreendem at meas e pes 8 reflexdo e 2 sua expressao em linguagem oficial As aplicagoes As novas propostas, ao acentuarem o valor das atvidades do apren- «diz na apropriagao do saber, a0 realcarem a importancia do professor aco: Iner e examinar a interpretagdo que o aluno faz.do objeto de estudo, tem 159 ocasionado séras difculdades na prética pedagogica. De um lado, vsdes tracicionas inluencama leitura dessaspropostas, dando a vlnos proce cimentos um veriz de mudanca; de outro lado, a confusdo entre conhe. cimento e saber conduz 2 cistorcdes que comprometem o trabalho do- cente e oda propria escola ura empiica do construtivsmo e a influéncia da onientagaotra-

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