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As Implicacg6ées Praticas do Calvinismo A. N. Martin EDITORA Paro Fela a Baptist Church, Essex Fells, New Jersey Copyrght @ 1979 - The Banner of Truth Trust Originalmente publicado em Inglés sob titulo - “Pratical Implications of Calvinism” pela Banner of Truth Trust, Edimburg EH12 6EL, UK Traduzido e impresso com permissa&o da Baneer of Truth Trust Todos os direitos reservados As Implicagdes Praticas do Calvinismo Autor: A. N. Martin Primeira Edig&o — Janeiro de 2001 E proibida a reprodugao total ou parcial desta publicago, sem autorizagao por escrito dos editores, exceto citagdes em resenhas. Editor Responsavel: Manoel Sales Canuto Revisao: Solano Portela Tradugao: Luciana Heyse Projeto Grafico: Heraldo F. de Almeida Impress@o e Distribuigdo: Facioli Grafica e Editora Ltda. Fone/Fax: 11 - 6957-5111 Projeto Os Puritanos Orgao de Divulgagao da Fé Reformada Recife: Rua da Pernambucanas, 30 - Sala 7 Gragas - Recife-PE Fone/Fax: 81- 3423-4175 E-mail: ospuritanos @ uol.com.br Sao Paulo: Fone/Fax: 11 - 6957-3148 E-mail: facioligrafica@ aol.com Site: www.puritanos.com.br Prefacio inal da década de sessenta. Um jovem brasileiro, de vinte e dois anos, cursa- va uma universidade cristé nos Esta- dos Unidos e ia solidificando suas convicgées doutrinarias. Criado em igrejas Presbiterianas, foi se interessando pela teologia reformada apenas no final de sua adolescéncia. Rendeu-se as evidéncias da Palavra de Deus sobre a predes- tinagéo lendo o Evangelho de Joao: “As mi- nhas ovelhas ouvem a minha voz...”; “Vés nao escolhestes a mim, mas eu a Vé6s...”; e assim ia marcando, em sua Biblia, todas as referén- cias 4 agdo soberana de Deus na salvagao do seu povo, encontradas nesse Evangelho. Muitos colegas de classe eram ar- minianos. Varios desses desprezavam e caricaturizavam o calvinismo. Outros, calvinistas, nao recomendavam muito a dou- trina professada, pela arrogancia e falta de trato cristéo em seus contatos. Uns poucos, entretanto, eram também sinceros pesquisa- dores das verdades das Escrituras sobre as Doutrinas da Graga e viviam, juntamente com o jovem, avidamente lendo trabalhos e pro- curando ouvir palestras relacionadas com a fé reformada. O jovem era eu. Foi nesse contexto que travei conhecimento, pela primeira vez, com o Pastor Albert N. Martin. Nao foi um conta- to pessoal; apenas umas trés fitas cassetes que me foram emprestadas por um colega de es- cola, contendo a esséncia da exposig4o que esta sendo agora apresentada neste livreto: ‘As Implicagées Praticas do Calvinismo”. Como me ajudaram! As fitas eram de baixa qualidade de som, com ruidos provocados pelas mitltiplas c6pias de um original distan- te. Achavamo-nos, na realidade, numa épo- ca da pré-historia eletrénica, hé poucos anos da invengado da fita cassete. Logo, além de ouvi-las, consegui reduplica-las e enviei cé- pias para outros amigos e para aquele que seria 0 meu sogro, o qual foi igualmente e grandemente abengoado com esses sermées, ouvindo-os repetidamente em diversas oca- sides. Alguns meses apés, viajei duas horas com mais alguns colegas até uma igreja onde o Pastor Martin pregaria. Na cidade de Ocean City, New Jersey, conheci sua poderosa ora- téria e impressionei-me com a sua doutrina e com a profundidade e sinceridade de suas palavras. Conhecendo um pouco mais de sua pessoa, algumas surpresas: “Mas batista?”; “E os batistas nao sao contra a teologia reforma- da?” E assim, minha falta de conhecimento ia sendo esclarecida; ia aprendendo que os batistas hist6ricos eram todos reformados; que o abandono das Doutrinas da Graga era algo recente em sua hist6éria — ocorria ha me- nos de cem anos; que um dos maiores prega- dores reformados da histéria - Charles Spurgeon, era batista; que a confissdo de fé dos batistas antigos — a Confissao de Fé de Londres (1689), era praticamente idéntica a Confissao de Fé de Westminster; e assim por diante. Quatro anos depois, j4 casado com aquela que também compartilhara das pri- meiras escutas das fitas de Al Martin, mo- rando desta feita no estado da Pennsylvania, nos deslocamos alguns domingos para Essex Fells, New Jersey, uma viagem de quase trés horas, para ouvir suas pregag6es. Nesse tem- po o Rev. Albert Martin ja era um colabora- dor constante da revista The Banner of Truth. Jd possuia, também, alguns trabalhos publi- cados e jé era bastante conhecido como con- ferencista reformado. Sua igreja era um tem- plo situado fora do burburinho do centro da cidade. A nave lotava e a pregagao era trans- mitida por circuito interno de TV para aque- les que nao conseguiam lugar e se acomoda- vam no porao. Chamava-nos a atengao algu- mas Garacteristicas do verdadeiro calvinismo presentes naquela igreja: o envolvimento de varios lideres nas atividades e na liturgia; a preocupagao com missées; 0 apelo para agdes de beneficéncia; a importancia e a cen- tralidade da proclamagao da Palavra; o envolvimento alegre e emotivo, mas com so- lenidade, respeito e aprego pelo aprendiza- do da doutrina sa, da parte dos membros. Agora, mais de vinte e cinco anos de- pois desses fatos, tenho o prazer de ver mais um trabalho do Rev. Albert N. Martin vertido para o portugués e o privilégio de revisar a tradugao e de apresentd-lo. Dele jé existem outros livretos em nossa lingua que vém in- fluenciando vidas e provocando uma maior precisdo de andlise nas coisas do Reino. Con- juntamente com “As Implicagées Praticas do Calvinismo” confiamos que esses livros con- tinuarao a despertar servos de Deus para uma vida mais comprometida com Ele, fundamen- tada na doutrina reformada. Vamos penetrar nessas implicagées praticas e, pela graga de Deus, viver coerentemente com a nossa pro- fisséo, para a honra e gléria de Cristo Jesus! Sao Paulo, agosto de 2000 Solano Portela As Implicacées Praticas do Calvinismo A.N. Martin A Experiéncia de Deus tedlogo norte-americano B.B. War- field, descreve o Calvinismo como sendo “a visdo da majestade de Deus que permeia a vida e a experiéncia como um todo”. Ao se referir especificamente 4 doutri- na da salvagao, a sua feliz confisséo se resu- me em trés palavras significativas: Deus sal- va pecadores. Sempre que somos confronta- dos com grandes declaragées doutrinarias nas Sagradas Escrituras, Deus nao nos deixa me- ramente com a afirmagao da doutrina. O pro- posito da verdade de Deus colocada nas men- tes do Seu povo é que, ao compreendé-las, eles venham a conhecer o seu efeito na sua propria experiéncia pessoal. Assim sendo, os grandes temas doutrinarios de Efésios capi- tulos 1, 2 e 3 sao seguidos pela aplicagao de tais doutrinas 4 vida pratica e 4 experiéncia, em Efésios capitulos 4, 5 e 6. O fim para o qual Deus deu a Sua verdade nao foi somen- te para a instrugdo de nossas mentes, mas muito mais para a transformagéo de nossas 10 |r rere vidas. No entanto, uma pessoa nao pode ater- rissar diretamente na vida e na experiéncia; a compreensao deve vir através da mente. Assim, a verdade de Deus é dirigida ao en- tendimento e o Espirito de Deus age no en- tendimento como Espirito de sabedoria e co- nhecimento. Ele nao ilumina a mente sim- plesmente para que as gavetas dos arquivos do estudo mental sejam preenchidos com informagées. O fim com que Deus instrui a mente é para que Ele, assim, possa transfor- mar a vida. Quais sao entao as implicagG6es pesso- ais do pensamento e das verdades calvinistas, tanto na vida do individuo, como no ministé- rio exercitado pelo individuo? O que quero dizer, com implicag6es pessoais, sao as impli- cagées do seu relacionamento com Deus, sem nenhuma referéncia consciente ao seu minis- tério. Eu sei que essas coisas néo podem ser separadas num sentido absoluto, pois como ja foi muito bem dito, “a vida de um ministro é a vida do seu ministério”. Vocé nao pode separar o que vocé é daquilo que vocé faz; vocé nao pode separar o efeito da verdade sobre o seu relacionamento com Deus, do efeito da verdade através do seu ministério. A fim de termos o foco bem centrado nesses principios eu os estou separando, mas de maneira ne- nhuma quero dar a impresséo de que esses dois aspectos estao separados. As Implicagdes Praticas do Calvinismo AN. Martin, i Entao pergunto: Quais so as implica- goes do pensamento calvinista, desta visdo da majestade de Deus e da verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a nés como individuos? Como resposta voltemos aquele principio geral que B.B.Warfield chama de “principio formativo do Calvinismo”. Eu cito as palavras de Warfield: “Este principio se encontra entao, deixe-me repetir, numa apre- ensdo profunda de Deus, na Sua Majestade, com a pungente compreensdo que inevitavel- mente acompanha esta apreensao, da relagao mantida com Deus, pela propria criatura, e, em particular, pela criatura em pecado. O calvinista 6 o homem que vai a Deus, e que, tendo-O visto na Sua gloria, por um lado esta cheio do senso de sua prépria indignidade de estar na presenga de Deus como criatura, e muito mais ainda como pecador; e por ou- tro lado, acha-se em atitude de adoragao e admiragao a Sua pessoa, com base no fato de que este Deus é um Deus que recebe pecado- res. Aquele que cré em Deus sem reservas e est4 determinado que Deus sera Deus para ele em todo 0 seu pensamento, sentimento e vontade — em todo ambito das atividades de sua vida: intelectual, moral e espiritual —, em todas as suas relagées individuais, soci- ais e religiosas — nao importa como ele se intitule, o que ele pensa de si mesmo ou como vé a si mesmo, essa pessoa 6, pela forga da légica, um calvinista”.? 12 [aimee Note que quando B.B. Warfield define calvinismo e o calvinista ele usa palavras de forte natureza experimental. As palavras “apreensao” e “compreensaéo” tratam prima- riamente do entendimento, apesar do seu sig- nificado ir além disso. Mas quando chegamos a palavras tais como “ter visto a Deus”, “estar cheio, por um lado, por um senso de sua pré- pria indignidade”, “admiragaéo e adoragao”, “pensamento, sentimento e vontade”, sao palavras que tratam de experiéncia. Warfield esta realmente dizendo que ninguém é calvinista, nenhuma pessoa é realmente bi- blica no seu pensamento a respeito de Deus, nenhum homem é verdadeiramente religio- so, nenhum homem é verdadeiramente evan- gélico até que esses conceitos tenham impreg- nado as fibras nervosas da sua experiéncia. Em outras palavras, Warfield diria que um calvinista académico é uma contradigéo de termos; a mesma coisa que se falar do termo contraditério: um “cadaver ambulante”. Quando a alma e o corpo estao separados é porque a morte se fez presente, e Warfield nos ensinaria que quando a alma do pensamento calvinista esté morta ou ausente, tudo que sobra 6 uma carcassa e o mau cheiro nas na- rinas de Deus, e, muitas vezes, o odor desa- gradavel na igreja quando este se acha pre- sente no ministro. As Implicagées Praticas do Calvinismo ALN. Martin 13 I Com este pano de fundo quanto as im- plicagées pessoais, eu gostaria que conside- rassemos uma passagem das Escrituras, na qual temos um relato histérico de como Deus faz um calvinista. Veja Isafas 6: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”. Isaias, que co- nhecia o rei Uzias muito bem, e o tinha visto no seu trono, diz que, no ano em que aquele rei morrera, ele viu o verdadeiro Rei. Ele O menciona de novo no final do versiculo 5: “e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exér- citos!”. E ele O viu essencialmente como um Rei entronizado: “Bu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas co- bria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra esté cheia da Sua gloria. As bases do limiar se moveram 4 voz do que clamava, e a casa se encheu de fuma- ¢a.. EntGo disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de Idbios impuros, habito no meio de um povo de impuros Idbios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exérci- 14 Axperiéncia de Deus ANN. Martin tos! Entao um dos serafins voou para mim, trazendo na mao uma brasa viva, que tirava do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus idbios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoa- do o teu pecado. Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem hé de ir por nés? Disse eu: eis-me aqui, envia- me a mim. Entéo disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvi, ouvi e nao entendais; vede, vede, mas ndéo percebais. Torna insensivel o cora- ¢Go deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fe- cha-lhe os olhos, para que ndo venha ele a ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos e a entender com o coragao, e se converta e seja salvo. Entdo, disse eu: até quando, Senhor? Ele respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casa fi- quem sem moradores, e a terra seja de todo assolada”. Aqui esta o registro de como Deus faz um calvinista; como Deus levou um homem a ter uma visdo da Sua majestade que afetou tanto a Isafas, que sua vida jamais foi a mes- ma. A primeira coisa que 0 impressionou nesta ocasiao foi esta visio de Deus em posicionamento Alto e Sublime, assentado no trono. Qualquer outra coisa introduzida na visdo — a santidade de Deus, a graga de Deus, o perdéo de Deus — estd compreendida no brilho de Deus entronizado — “Eu vi o Se- As Implicagées Praticas do Calvnismo AN. Martin 15 nhor assentado sobre um alto e sublime tro- no”. Estaria correto, portanto, dizermos que foi ali exercida uma santidade soberana as- sim como uma soberania santa. Ali visua- lizava-se uma graga soberana assim como a soberania cheia de graga. Esta exposigao ao Senhor, como Rei, trouxe consigo varios re- sultados especificos na vida do profeta. Em primeiro lugar, esse contato com Deus trouxe a ele um conhecimento da sua propria pecaminosidade. ‘Ai de mim! Estou perdido! Estou em choque. Desfalego!” Quem era ele? Seria ele um andarilho qualquer ar- rancado das estradas e que costumava falar palavrées para aqueles que nao gostavam das coisas que lhe interessavam? Era ele algum tipo de estudante sem rumo, sob a cobertura das proposigées vazias da nova moralidade, dando vazao as suas paixdes animalescas? Nao! Essa pessoa era Isaias e, conforme to- das as indicagées das Escrituras, tratava-se de um homem santo, um homem de Deus, o que chamariamos de um cristéo dedicado. Mas ele ainda teria de ter uma visao do Se- nhor que o quebrantasse e o sacudisse, no sentido de expor a corrupgao inerente ao seu proprio coragao e 4 sua propria vida. Eu creio que Deus jamais faz calvinistas, ao apresen- tar-lhes Sua gloria e majestade, sem também trazer consigo esta exposigao mensuravel ao pecado a luz da Sua soberania e da Sua san- 16 [ance tidade. Essa visio também trouxe consigo um vislumbre profundo do seu estado natural e de sua geracao. Note que na sua propria con- fisséo ele nao apenas diz “Sou homem de Id- bios impuros”, mas também diz, “habito no meio de um povo de impuros Idbios”. Nos re- gistros em que descreve o estado em que 0 povo se encontrava, como por exemplo em Isaias 58, vemos que eles eram extremamen- te religiosos; eles vinham diariamente ao tem- plo e ofereciam sacrificios. Leia Isafas 1, e vocé vera os contemporaneos dos profetas trazendo os seus sacrificios e observando os seus dias de festa. No entanto Deus disse: “Estou farto de tudo isso. Nao continueis a tra- zer ofertas vas; ...quando multiplicais as vos- sas oragées, nao as ougo”. E se eu e vocé ti- véssemos estado 14 como espectadores, teri- amos dito que a religiéo em Israel ia muito bem, obrigado. Mas quando este homem teve uma viséo e um senso da majestade de Deus, a visdo trouxe consigo nao s6 um vislumbre da sua propria pecaminosidade, mas também uma percepgao completa do seu estado na- tural, de sua geragao. Em segundo lugar, esse contato com Deus trouxe um conhecimento experimental da graga e do perddo. Quando Isafas sentiu a sua impureza, a sua ruina na presenga do Se- nhor, o serafim toma uma brasa viva do altar do sacrificio, uma brasa que se torna o sim- As Implicagdes Praticas do Calvinismo AN, Martin 17 bolo da base sobre a qual Deus perdoa peca- dores. Essa brasa toca os labios do profeta, e apesar de sentir dor no seu intimo, ha tam- bém uma maravilhosa palavra de graga: “A tua iniquidade foi retirada e limpo o teu pe- cado”. Eis ai um homem que foi trazido a uma viséo do seu proprio pecado, de maneira tal que ele se pergunta quem pode habitar na pre- senca de alguém como o Senhor. E para esse tipo de pessoa que a palavra de perdao pro- voca humildade, tem um peso e é cativante. A razaéo porque a graga é tao pouco apreciada nos nossos dias 6 porque a majestade trans- cendente e a soberania e a santidade de Deus sao tao pouco estimadas. Nés enxergamos pou- co mais do que meio palmo entre Deus e nos- so ego pecaminoso. Todavia, Isaias viu essa questao como ela é de fato, como um abismo profundo, e quando o Senhor soberanamente estendeu Sua misericérdia por cima daquele abismo e o tocou, entao, ele se tornou um ho- mem que evidenciou o fruto da graga. Em terceiro lugar, esse contato com Deus fala de um homem que foi trazido 4 com- pleta resignagdo perante Deus. Tendo sido purificado, em seguida Isafas nos diz: “Ouvi a voz do Senhor que dizia: A quem enviarei, e quem hd de ir por nés?”. Note a reagao do profeta. Tendo visto o Senhor na Sua sobera- nia e santidade, e a si mesmo na sua imundi- cia, e tendo ouvido a palavra de graga e per- ig|senar dao, o que pode um homem fazer quando o Senhor fala e ele ouve a Sua voz, sendo dizer “Bis-me aqui!”? Nada existe aqui do missio- nario que conta histérias “Agua com agiicar” sobre o pecado humano e sobre a necessida- de humana, na tentativa de arrancar jovens dos bancos da auto-indulgéncia em que se assentam, e de extrai-los de sua rebeliao para com a vontade revelada de Deus, no sentido de fazer com que eles profiram um “Eis-me aqui!” Temos aqui apenas o reflexo de um homem que viu o Senhor e ouviu a Sua voz, e diz, “Eis-me aqui Senhor, envia-me a mim!”. E entao, no seu papel, o Senhor testa a pro- fundidade de tal confissao e nés vemos uma total resignagao a vontade e aos caminhos do Senhor, nao importa quao estranhos possam parecer, pois se torna imediatamente claro ao profeta que ele vai ter um ministério prima- riamente de julgamento: “Vai e dize a este povo: ouvi, ouvi e nao entendais; vede, vede, mas ndo percebais. Torna insensivel o cora- ¢ao deste povo!”. “Isaias, eu te comissiono a um ministério de endurecimento e de julga- mento”. E agora, o que faz o profeta? Ele re- cua e diz: “Ah Senhor, mas isso nao é justo. Nao me chames a um trabalho como esse!”? Nao, de modo algum! Ele simplesmente diz, “Até quando, Senhor?”. Em outras palavras, “Senhor, Tu tens todo direito de me enviar para um ministério que vai ser basicamente um ministério de endurecimento e julgamen- As Implicagdes Praticas do Calvinismo { 9 AN. Martin to. Tu és Deus. Eu sou pecador. O que eu pos- so fazer sendo ser cativo 4 expressao da tua vontade, nado importa quais sejam as impli- cagées?” E isso o que Deus faz, quando torna uma pessoa Calvinista. De uma forma ou de outra, Ele lhe dé uma visaéo da Sua prdépria majestade, soberania e santidade como sen- do o Alto e Sublime, que acaba trazendo con- sigo um senso experimental profundo e pes- soal da pecaminosidade humana e em termos da nossa propria natureza. Esse encontro traz um conhecimento intimo da voz de Deus, uma total resignagao a vontade e aos cami- nhos de Deus. I Para aplicarmos isso, eu quero dizer que nao fale em ser um calvinista simples- mente porque o seu apetite por consisténcia légica foi saciado por meio do sistema teolé- gico calvinista. Vocé “viu” a Deus? Vocé foi trazido para perto dEle? Essa é a questao. Eu vou relembra-lo das palavras de B.B. Warfield: “Um calvinista 6 um homem que ‘viu’ a Deus”. A express4o “um calvinista orgulho- so” 6 uma contradigéo de termos. Se um calvinista é um homem que viu a Deus assim como Ele é, alto e elevado, entronizado, en- z0|cssse tao ele 6 um homem que foi trazido ao quebrantamento perante aquele trono assim como foi Isaias. Um calvinista carnal? Outra contradigéo de termos! O Entronizado é o Santo, e Ele habita em comunhao consciente com aqueles que se relacionam corretamen- te com Ele como sendo o Enironizado e o Santo. Estas duas coisas séo colocadas jun- tas de maneira belissima em Isaias 57:15 onde o profeta diz: “Porque assim diz 0 Alto, o Su- blime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espirito”. O que é contrigdo? E a reacdo de um pecador na presenga de um Deus Santo. Eo que é humildade? E a reagao de um sidi- to na presenga de um soberano. Isafas jamais esqueceu esta visdo, e ele diz: “Este grande Deus habita naquele alto e sublime lugar. Com ele, também, aquele de espirito abatido e contrito, para reviver o espirito humilde, e reavivar o coragao dos contritos”. Se o entendimento que vocé tem do pensamento calvinista o levou ao ponto onde vocé pode, por assim dizer, se glori- ar em sua liberdade e usd-la como pre- texto para licenciosidade, entaéo vocé ja- mais se tornou um calvinista biblico. Deus faz calvinistas hoje da mesma for- ma que Ele os fazia nos dias do profeta Isafas. As Implicacées Praticas do Calvinismo AN. Martin 21 A meu ver, eu creio que um homem nao tem o direito de falar em ser um calvinista s6 porque pode repetir como um papagaio as frases que chegaram até ele por meio da gran- de heranga da literatura reformada. Ele tem que perguntar a si mesmo, se foi o Espirito Santo que o trouxe a este profundo senso de que foi Deus que operou nele, pelo menos em alguma medida, a graga da humildade. Fui eu dotado de dons e habilidades? Se assim for, que tenho eu que nao tenha recebido? Quem me faz sobressair? Se Deus me dotou de dons e habilidades sejam intelectuais ou doutra ordem, eu reconhego que os tenho porque o Soberano entronizado se agradou em dispensé-los a mim, e a tinica diferenga entre mim e aquela pobre crianga retardada que me comove 0 coragao, é que Ele se agra- dou em me fazer diferente. “Quem te faz so- bressair?”. O homem que esta na presenga de um Deus entronizado, e que teve esta visdo e senso da majestade de Deus, reconhece que tudo que ele tem lhe foi dado. Humildade nao é timidez. Humildade é aquela disposigao de reconhecimento honesto. Ele é Deus, e eu nao passo de uma criatura. Tudo o que eu tenho vem dEle e lhe é devido em adoracgéo e em honra. Ele traraé consigo a submissao que nds vemos em Isajas. Ele est4 assentado sobre o trono; eu néo tenho direito algum de defesa, no entanto tenho o indizivel privilégio de conhecer e fazer a Sua vontade. Nao foi esse 22 AExperiéncia de Deus ALN. Martin: o reflexo que levou Isaias a agir? O Senhor esta sobre o trono; eu sou a criatura. Que mais posso fazer senao dizer “Eis-me aqui?”. O, o prazer indizivel de conhecer e fa- zer a vontade de Deus! Nao so traz humilda- de e submissao, mas contrigéo verdadeira, porque eu, entao, vejo que todo pecado tem sido um espirito violentamente anarquista exercido contra os direitos de Deus. Tenho falhado em ama-Lo com todo meu coragaéo? Entao isso tem sido anarquia. Ele exige e é digno da minha afeigdo integral. Tenho falha- do em amar meu préximo como a mim mes- mo e tenho expressado esse pecado ao des- respeitar meus pais, desrespeitar os direitos e a vida de outros, a pureza e a santidade de outros, a reputagéo de outros? Va aos dez mandamentos e aprenda que quebrar qual- quer um deles 6, no seu 4mago, uma anar- quia violenta contra os direitos entronizados de Deus. E tudo orgulho — nao passa de uma tentativa de partilhar da gloria que pertence ao trono, e ao Deus sobre aquele trono, e di- zer na realidade, “O Deus, por favor me dei- xe entrar em cena e levar um pouquinho da gléria também?”. Nao seria isso orgulho? — é uma tentativa impia de compartilhar o lou- vor do Deus entronizado! E assim, esta visao de Deus nao pode sendo produzir humildade, submiss4o e As Implicages Praticas do Calvinismo AN. Martin 23 contrigaéo. Olhando o outro lado mais positi- vo, ela deve produzir gratidao, na expectati- va de que Deus, exercitando os Seus direitos soberanos, me abengoe com sanidade, satide corporal, clareza de mente e, acima de tudo, com a Sua graga, produzindo a confianga de que Deus est4 no Seu trono e que nada no passado, no presente ou no futuro fez aquele trono se abalar um milésimo de centimetro sequer de sua posigao. Jeova reina! Trema a terra. Confianga, confianga inabalavel, ale- gria, independentemente do que se passe na minha esfera de visaéo! Tudo esta bem onde Ele esta assentado. Deus fez de vocé um calvinista? Eu nao estou perguntando se vocé leu um livro de Boettner, de Kuyper ou de Warfield e vocé se tornou calvinista. Estou perguntando se Deus lhe deu uma “visao” dEle? Ele lhe quebran- tou? E lhe trouxe aquele lugar, por Sua graga, de humildade, submissdo, contrigao, grati- dao, confianga e alegria? Isso 6 o que faz de alguém um calvinista. Se nés sabemos isso, diremos: Meu Deus, Tu és grandioso! Como a Tua majestade reluz! Quéo maravilhoso, Teu trono misericordioso, Que arde em profunda luz! 2 4 A Experiéncia de Deus ALN. Martin O, eu te temo. Deus vivente, Eum profundo e terno temor, E com ldgrima penitente! Te adoro em esperanga e tremor! Qudo maravilhosa, maravilhosa sim! Da tua pessoa, deve ser a visdo, Tua infinita sabedoria, teu poder sem fim, Tua tremenda pureza e exaltagao! O Poder da Religiao Salvadora gora voltaremos nossa atengd4o para os aspectos especificos do calvi- nismo relacionados com o plano da salvagao, ou seja os aspectos soteriolégicos, ou o que comumente chamamos de “as dou- trinas da graga”. Eu j4 havia mencionado que os aspectos salvificos das verdades biblicas que denominamos de calvinismo seriam o foco da nossa atengéo — a confisséo de que Deus salva pecadores. Qual o efeito que isso deveria ter sobre a vida de um individuo? Do ponto de vista da soteriologia, seria o calvinismo uma declaragéo da misericérdia salvadora de Deus exercitada soberanamen- te e poderosamente sobre pecadores eleitos? Se é assim, entdo no préprio 4mago do pen- samento biblico calvinista concernente a sal- vagdo existe o credo de que Deus tomou a iniciativa, de que Deus fez algo, de que Deus estd (no presente do indicativo) fazendo algo. Warfield tem o seguinte a dizer: “Nao ha nada que o calvinismo enfrente com maior firme- za do que toda forma e grau de auto-soterismo — ou seja, qualquer modo de auto salvagao. Acima de todas as coisas 0 calvinismo tem a determinagao de demonstrar o reconheci- mento obrigatério de Deus, na pessoa de Seu 26 0 Poder da Religido Salvadora AN. Martin Filho Jesus Cristo, atuando através do Espiri- to Santo, a quem Ele enviou, como nosso ver- dadeiro Salvador”. Aos olhos do calvinista, o pecador nao carece de motivagao ou de assisténcia para salvar-se a si mesmo, mas sim de salvagéo. O calvinista sustenta que Jesus Cristo veio nao para advertir, instar ou convidar, ou para aju- dar um homem a salvar-se a si mesmo, mas veio sim para salvad-lo, para salva-lo através da obra prescedente do Espirito Santo nele. Essa é a raiz da soteriologia calvinista. Se isso é uma realidade, na raiz da soteriologia calvinista esta a confissao de que Deus salva pecadores, junto com o propésito de nao diminuir em nada 0 significado inte- gral de qualquer uma dessas palavras. Essa compreensao deveria levar a duas coisas muito prdticas na vida de cada pessoa. I Primeiro, deveria Jevar a um auto-exa- me honesto baseado nas Escrituras. Eu nao falei em introspecgao neurotica e nao bibli- ca. Creio que o nosso medo de um auto-exa- me obsessivo, manteve muitos de nés de cir- culos reformados afastados de um auto exa- me biblico honesto. O que eu quero dizer com As Implicages Praticas do Calvinismo ALN, Martin 27 auto exame biblico é uma obediéncia simples atais passagens como 2 Cor. 13.5: “Examinai- vos a v6s mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vés mesmos. Ou nao reconheceis que Jesus Cristo esta em vos? Se nado é que ja estais reprovados”. Obediéncia a exortacao de II Pedro 1.10: “Procurai com diligéncia cada vez maior, confirmar a vossa vocagéo e elei- ¢do; porquanto, procedendo assim, nado trope¢areis em tempo algum”. Outras passa- gens semelhantes podem ser encontradas pelo Novo Testamento afora — “N&o vos enganeis; néo vos deixeis enganar; nfo se enganem”. Eu falo da pratica dessa obriga- Gao biblica. Fica é6bvio, portanto, como isso se en- caixa na implicagao do conceito calvinista de Salvagao. Visto que as Escrituras declaram que todos aqueles que sao verdadeiramente salvos sao feitura de Deus (Ef. 2;10), entéo a pergun- ta que eu tenho de fazer é: “Sera que eu fui o sujeito desta feitura?” A pergunta nao diz res- peito 4 sinceridade da minha decisao, ou da minha resolugao, ou seja 14 o que for que eu queira chamé-la. A pergunta nao é: “O que é que eu fiz com relagao a Cristo e a Sua salva- ¢4o?” A pergunta essencial 6 a seguinte: “Fez Deus algo em mim?” A interrogagao no deve ser, “Eu aceitei a Cristo?”, mas sim, “Cristo aceitou-me?”. A questio nao é, “Encontrei ao Senhor?”; mas antes, “Ele me achou?” 28 Racer da Reiibo Salvadora Um velho presbitero costumava fazer duas perguntas aqueles que almejavam ser admitidos 4 Santa Ceia do Senhor, ou ao rol de membros da igreja. Primeiro: “O que fez Cristo por vocé?” Ele queria ver se eles en- tendiam a base objetiva sobre a qual Deus recebe pecadores. Ele queria ver se eles ha- viam entendido que os homens sao aceitos perante Deus com base na obra de Jesus Cris- to e mais nada. E, se ficasse claro para ele que eles nao pensavam de nenhuma forma diferente, que eram aceitos por suas virtu- des, pelo seu arrependimento, suas lagrimas, suas obras, porém somente com base nos mé- ritos de Cristo, entao ele lhes fazia a segun- da pergunta: “O que é que Cristo operou em vocé?” Vocé sabe o que Ele fez por vocé, agora a minha pergunta é, o que Ele operou em vocé? Ele fazia esta pergunta porque en- tendia a existéncia da terrivel possibilidade de uma pessoa poder ter uma compreenséo intelectual do que Cristo fez pelos pecado- res, e ainda assim ser totalmente estranho a obra poderosa que Ele realizou nos pecado- res. Eu gostaria de propor algumas pergun- tas para que cada um avalie sua propria cons- ciéncia. Primeiro: “Vocé foi trazido ao ponto de enxergar sua propria corrupgao no peca- do, de modo que as primeiras duas bem- aventurangas so verdade para vocé?” As As Implicagées Praticas do Calvinismo ALN. Martin 29 Unicas pessoas no mundo que sao verdadei- ramente abengoadas sao aquelas que foram trabalhadas pelo Espirito, de forma que es- sas proposigdes nao lhe sao mais estranhas: “Bem-aventurados sao os pobres de espirito, pois deles é 0 reino dos céus. Bem-aventura- dos os que choram, pois serao consolados”. Como é que Deus faz as pessoas serem ver- dadeiramente bem-aventuradas, verdadeira- mente felizes? Em primeiro lugar, Ele faz com que elas sintam tristeza ao terem um senso de seu préprio empobrecimento num estado de pecado. O que é pobreza de espirito? Se- ria algum tipo de tentativa pseudo-pietista de convencer a mim mesmo que eu sou um ver- me miserdvel e um trapo? De jeito nenhum! Pobreza de espirito é o resultado de apenas se ter tido um vislumbre daquilo que vocé realmente é, e ver que vocé nao é nada e nao tem nada e nao pode fazer nada, sé isso pode recomendé-lo 4 graga e ao poder salvador de Deus; é 0 resultado da convicgao de que Ele poderia fazer de vocé um monumento eterno da Sua ira justa, e deixar vocé pere- cer no fogo eterno. Vocé foi trazido a um conhecimento experimental disso? Se nao foi, eu duvido que vocé afirme ser Cristo o seu Salvador, pois Ele disse que nao veio para chamar o justo, mas sim pecadores ao arrependimento. Os pobres de espirito fo- ram feitos conscientes de sua depravagao e pecado. 30 0 Poder da Religiao Salvadora ALN. Martin E possivel ter a doutrina da deprava- ¢ao total como um conceito teolégico, e con- tinuar sendo tao mau, orgulhoso e auto-justi- ficado quanto o diabo. Vocé ja experimentou um despojamento interior que 0 levou a po- breza de espirito? Foi levado a um lamento santo? A um reconhecimento de que o seu pecado é contra o Deus soberano? Vocé ja foi trazido ao ponto em que vocé odeia tanto o seu pecado a ponto de largé-lo e juntar-se a Cristo? Um antigo escritor colocou essa ques- téo de uma forma muito bela: “Quando 0 es- Pirito Santo inicia o acorde da graga na vida de um homem, ele sempre inicia aquele acor- de na nota mais baixa.” Ele comega com a nota mais baixa da convicgao, a revelagao da nossa necessidade do Salvador. Sera que eu ja enxerguei que, a menos que Ele inicie a obra, ela jamais sera feita? A proxima pergunta que eu faria 6 a seguinte: “Eu dou evidéncia do fruto da Sua obra?” E qual seria a evidéncia positiva e ine- gavel de que Deus tem trabalhado em mim? Eu diria sem medo algum de contradigao, a luz das Santas Escrituras, que essa evidéncia é santidade biblica. O que conhecemos como os Cinco Pontos do Calvinismo estao revesti- dos de uma forma negativa e podem ser en- ganosos de uma certa maneira. No entanto, nos nao podemos mudar o curso da histéria, e assim os Cinco Pontos do Calvinismo che- As Implicages Praticas do Calvinismo AN. Martin 3 garam a nds e temos que aprender. a convi- ver com eles. Tome como exemplo os quatro ltimos pontos — eleigao incondicional, ex- piagao limitada, chamada eficaz de Deus e a perseveranga dos santos, de todos aqueles que Ele chamou para se unirem ao Seu Filho: Qual éo0 ponto focal de todos eles? Em ultima ana- lise, o ponto focal de todos eles, evidentemen- te, 6 a demonstragao da gléria de Deus, da graga de Deus sobre a qual lemos em Efésios 1; mas olhando o foco imediato, como é que essa gléria 6 demonstrada? Por quais meios? Quando Deus toma criaturas total- mente depravadas e faz delas homens e mu- lheres santas em cujas pessoas se pode ver a exata semelhanga do Filho de Deus, qual é 0 alvo da eleig&éo? Efésios 1:4 nos diz: “assim como nos escolheu, nele, antes da fun- dagGo do mundo, para sermos santos ¢ irrepre- ensiveis perante ele”. Ele nos elegeu para que nos gloridsse- mos em nossa eleigéo? Nao! Antes “... deve- mos ser santos e irrepreensiveis perante Ele”. E uma eleigdo para santidade! Qual é 0 alvo da obra redentora de Cristo? Ouga 0 testemu- nho de Tito 2:14: “o qual a si mesmo se deu pornos, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar para si mesmo, um povo exclusi- vamente seu, zeloso de boas obras”. Ele mor- reu para ter um povo santo “zeloso de boas obras”. 32 Ponda Reto Saladora Isso também ocorre com a chamada eficaz de Deus, “Fiel 6 Deus, pelo qual fostes chamados a comunhdo de Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor’” (I Cor. 1:9). “Chamados a uma vida de compartilhar uma comunhao viva e real com Cristo!” “Porquanto Deus nado nos chamou para impureza e sim para santificagao” (I Tess.4.7). E ainda hd a preservagao e perseveran- ca dos santos. E uma perseveranga nos cami- nhos da santidade e obediéncia, pois as Es- crituras dizem: “Segui a paz com todos e a santificagdo, sem a qual ninguém verd o Se- nhor” (Heb.12.14). “Se vés permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discfpulos; e conhecereis a verdade, e a ver- dade vos libertaré” (Joao 8:31,32). Assim, onde quer que toquemos qualquer parte da estrutura da soteriologia calvinista, tocamos na veia viva do propésito de Deus de ter um povo santo. Predestinados para qual fim? “Por- quanto aos que de antemdo conheceu, tam- bém os predestinou para serem conformes a imagem de seu filho” (Romanos 8:29). Se é assim, entao eu tenho que fazer uma pergun- ta sobre mim mesmo: 0 propésito eletivo de Deus esté sendo realizado em mim? Ele me escolheu em Cristo a fim de que, tendo sido comprado no tempo e chamado no tempo, As Implicagdes Praticas do Calvinismo AN. Martin 3 possa comegar a ser santo no tempo, e ter esta obra aperfeigoada na eternidade. A tinica cer- teza que eu tenho de que fui comprado para ser santo, e serei aperfeigoado em santidade, é que eu esteja buscando a santidade, e a es- teja buscando aqui e agora. Em esséncia, san- tidade é conformidade 4 vontade revelada de Deus em pensamento, palavra e agao, pelo poder do Espirito Santo e através da uniao com Jesus Cristo. Santidade, piedade, estas sdo as evidéncias de que o Seu propésito eletivo veio a existir e a frutificar e se expres- sa na obediéncia. E por isso que Jodo pode dizer em I Joao 2:5: “Aquele, entretanto, que guarda a Sua Palavra, nele, verdadeiramente tem sido aperfeigoado o amor de Deus”. O proposito para o qual as pessoas foram de- signadas é preenchido naquelas que guardam a Palavra de Deus. Existe clara evidéncia de que estou experimentando comunhao com Je- sus Cristo através da Sua Palavra? Porque Ele me chamou a comunhao com Ele, e se eu fui chamado eficazmente ent&o ja nao sou estra- nho a um conhecimento experimental do Senhor. Eu confesso que estou sendo preser- vado pelo poder mantenedor de Deus? En- tao a Sua preservagao deve transparecer na minha perseveranga. E a tinica prova que eu tenho de que ele me preserva e que por Sua graga eu sou capacitado a perseverar. 34 | panera Religido Salvadora Esta 6 a implicagao pratica da sote- riologia calvinista. Ela coloca perguntas tais que me trazem ao contexto inteiro de um honesto auto-exame baseado na Palavra. John Bunyan nao poderia estar mais certo quando escreveu aquela parte na sua obra imortal, O Peregrino, onde descreve como Cristdo e Fiel entram em contato com um homem chama- do Tagarela (Loquaz).” Eu fago um apelo in- tenso para que leiam cuidadosamente aque- le didlogo. Ele mostra 0 reconhecimento que Bunyan possuia sobre a existéncia da con- vicgao intelectual de que somente Deus pode salvar pecadores, e que a salvagao 6 uma obra em que Deus salva pecadores, mas a questao real é a seguinte: Sera que houve uma aplica- cdo experimental dessa verdade, com poder, ao meu proprio coragaéo e 4 minha propria vida? Ha mais ou menos um ano, um jovem formando de um Seminario veio conversar comigo sobre algumas questdes que 0 esta- vam perturbando a respeito do meu préprio ministério. Ele me fez a seguinte pergunta: “Sr. Martin, eu quero lhe fazer uma pergunta simples. O Sr. cré que tem um chamado para viajar ao redor do pais transtornando as pes- soas?” Eu respondi: “O meu chamado nao é para sair pelo pais afora transtornando as pessoas, todavia eu sou chamado a declarar todo conselho de Deus; um aspecto a ser con- As Implicacées Praticas do Calvinismo AN, Martin siderado é o principio de que nao é impossi- vel ter forma de piedade no uso das palavras corretas e ainda assim se estar perdido e ar- ruinado e ser um estranho 4 graga; pois a Es- critura diz: ‘Porque o reino de Deus nao con- siste de palavras, mas de poder’. Paulo disse: ‘O nosso Evangelho nao foi pregado em pala- vra somente, mas em poder e no Espirito San- to e com muita ousadia’. Enquanto Mateus 7:21-23 estiver nas Sagradas Escrituras, e enquanto eu tiver voz, eu continuarei a pro- clamar aos ministros e aos ministros em po- tencial, e a cristaos professos que muitos di- rao naquele dia ‘Senhor, Senhor’, aos quais Cristo dird, ‘Apartai-vos de mim. Nunca vos conheci’”. Eu jamais vou querer ser um instru- mento inconsciente do diabo a fim de desestabilizar a f6 de um verdadeiro filho de Deus, que pode ser como os seguintes perso- nagens de Bunyan: o Sr. Pronto a Parar, o Sr. Timidez, ou o Sr. Consciéncia Fraca —- homens que tém problemas com a certeza da salva- cdo e que esto em duvida e tém falhado. Eu jamais gostaria de ser um acusador de irmaéos, para destruir ou ferir a f6 de um verdadeiro cristéo. Mas eu também nao seria um cachor- ro mudo, que se cala sobre a questéo de que nao basta se ter herdado uma forma de dou- trina, seja ela calvinista ou arminiana. A ques- tao é a seguinte: Se a salvagao vem do Se- 39 36 0 Poder da Religido Salvadora AN. Martin nhor, sera que Ele comegou uma obra em mim? Eu afirmo que estas doutrinas aplica- das ao coragao levarao a um auto-exame bi- blico, honesto. II Em segundo lugar, estas doutrinas le- varao a busca sadia e biblica da santidade prdatica. Quero colocar, rapidamente, trés coi- sas: 1) A vigilancia santa e desconfianga do Eu. Sera que eu realmente creio que por na- tureza sou tao perdido, que Deus 6 quem tem que iniciar a obra, e que os residuos de corrupgéo em mim, mesmo depois de ter sido regenerado e unido a Jesus Cristo, sao tao grandes, que se Deus retirasse a Sua mao de sobre mim, por um momento sequer, esses residuos me levariam de volta a toda sorte de impiedade possivel a um ser humano? Se eu acreditar nessa realidade, ela me levaré a uma vigilancia santa e a um descrédito saudavel de minha prépria pessoa. Se eu reconhecer que a corrupc¢do que ainda resta dentro em mim é como um isqueiro seco e que cada ten- tagao 6 como um fluido que pode provocar um incéndio, eu nao devo me atrever a brin- car com o pecado. Se a minha origem é um fundamentalismo estreito com sua “listinha” As Implicagdes Praticas do Calvinismo AN. Martin 37 de regras morais para serem cumpridas, e eu descubro a verdade gloriosa da liberdade em Cristo, eu nao usarei da minha liberdade como uma oportunidade para a licenciosida- de. Eu vou reconhecer que sou livre em Jesus Cristo, e ainda assim vou reconhecer que te- nho este potencial terrivel de impiedade den- tro em mim, e tanto vigiarei como orarei. 2) A Vida de oragdo consistente. A sal- vagao é obra do Senhor do principio ao fim? Entao Ele tem que ajudar, e prestar ajuda aqueles que clamarem pelo Seu nome. Ele tem que operar em mim o querer e 0 realizar da Sua boa vontade, e eu tenho que pedir a Ele que o faga. A Palavra mostra a bela fusao dessas duas coisas: a promessa da alianga de Deus de fazer poderosamente algo soberano e juntamente com o Seu mandamento ao Seu povo de pedir-Lhe exatamente por aquilo que Ele prometeu fazer. Em Ezequiel 36, a exten- sa afirmagao das béngaéos da Nova Alianga, Deus faz grandes assertivas (vide versiculos 25 a 36) e ainda assim no versiculo 37 nés lemos: “Assim diz o Senhor Deus: Ainda nisto permitirei que seja eu solicitado pela casa de Israel: que lhe multiplique eu os homens como um rebanho”. “Eu o farei”. “Seja eu solicita- do”. Na ordem moral da graga, Deus desper- ta nos coragdes daqueles a quem lhe aprouver, o desejo de ter as béngaos que Ele se compro- mete em dispensar poderosa e soberanamen- 38 Poder da Religiéo Salvadora AN. Martin te. Matthew Henry diz na sua maneira sim- ples, familiar e gentil: “Quando Deus se dig- na a abengoar o Seu povo, Ele os pée para orar pela béngao que deseja lhes conceder”. E entao, se eu creio na confissdo de que Deus salva pecadores, Ele nao apenas os regenera trazendo-os ao arrependimento e fé, mas Ele os preserva e por fim os traz a Sua presenga —- se isso 6 obra dEle entao ela vai produzir uma vida de oragao consistente, nao somente uma vigilancia santa e uma desconfianga de si mesmo, mas um constante voltar-se a Ele, de que Ele vai operar em mim aquilo que Ele mesmo prometeu. Pois o que é oragao em ultima andlise? E um derramar consci- ente do meu desamparo perante Deus. O ver- dadeiro calvinista 6 o homem que confessa com os seus labios que a graga nao sé tem de desperté-lo, regeneré-lo, mas também tem de preserva-lo, e ele conclui sua confissao com amém quando de joelhos ele clama: “Nao me deixes cair em tentag4o, mas livra- me do mal. Eu nem ao menos posso ganhar o meu pao do dia de hoje, Senhor, a menos que Tu sustentes a minha vida e abengoes o trabalho de minhas m4os: O pao nosso de cada dia dai-nos hoje”. A doutrina da con- fissao de que “Deus salva pecadores” pro- duzird no coragéo do verdadeiro cristéo a busca sa e biblica da santidade, vigilancia santa, vida de oragdo consistente e, em ter- ceiro lugar: As Implicagdes Praticas do Calvinismo. ALN. Martin 39 3) A dependéncia confiante em Deus, que iré cumprir todo o Seu propésito. Quan- do eu peco, sou abandonado? Nao! A palavra de Deus diz: “porque sete vezes caird o justo e se levantard; mas os perversos sGo derruba- dos pela calamidade” (Prov.24:16). E assim eu venho reconhecendo que a minha obedi- éncia nAo se trata da base para minha justifi- cagao e nem do fundamento para minha apro- ximagao de Deus como pecador que foi man- chado pelo pecado, e assim eu corro nova- mente para o Mediador da Nova Alianga. Pedro coloca a questao de recorrer ao Senhor no tempo presente, “A quem vimos (verbo “vir”, no presente) ...” endo “a quem viemos”. Freqiientemente hoje em dia nés ouvimos dizer que “alguém veio a Cristo”. O Cristao é alguém que esta sempre vindo. Nés lemos em Hebreus 12.18: “Ora ndo tendes chegado...”, e entao ele descreve um pouco dos arredores fisicos que temos na Velha Alianga; mas diz, “Mas tendes chegado...” (v.22) e menciona todas as béngaos da Nova Alianga, e uma delas é a seguinte: “Mas tendes chegado...e a Jesus o Mediador da Nova Alianga” (v. 24). “,.se alguém pecar, temos (tempo presente) um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo o Jus- to” (IJo 2:1). Nao é exatamente por isso que um cris- tao verdadeiro nao se acovarda diante da ex- posigao do seu pecado? Cada exposigéo ao 49 0 Poder da Religiio Salvadora AN. Martin pecado na vida de um cristao verdadeiro o leva de novo ao Salvador, e qualquer coisa que o leve de novo ao seu Salvador faz com que o Salvador seja mais precioso. Quando é que o perfume na sua vida é mais intenso se nao quando a sensagao do beijo do perdao esta mais recente no seu rosto? O mesmo pe- cado sentido e lamentado e que leva as lagri- mas, leva o cristéo mais uma vez ao Media- dor da Nova Alianga que tudo sabia a respei- to das suas falhas quando o chamou, e na sua graga e misericérdia, como Sumo Sacerdote sofredor, para sempre advoga os méritos do Seu sangue diante do Pai. Assim sendo, exis- te uma dependéncia confiante de Deus; cer- teza de que Ele ha de cumprir todos os Seus propésitos. Quando eu sou fraco eu preciso me lembrar que Ele intercede por mim. Ele disse a Pedro, “Simdo, Simao, eis que Sata- nds vos reclamou para vos peneirar como tri- go! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé ndéo desfalega” (Lc 22:31,32). Mesmo quando Pedro negou a Jesus, a fé dele nao foi posta de lado. Porque a obra que a bondade do Se- nhor iniciou, o Seu brago poderoso ha de completar. Ele ha de leva-la adiante até o dia de Jesus Cristo (Fl 1:6). Quando alguém diz que é um calvi- nista, confessando o credo soteriolégico de que Deus salva pecadores, sem esta vigilan- cia santa, sem vida de oragdo em alguma me- As Implicagdes Praticas do Calvinismo AN. Martin 41 dida, e sem uma dependéncia confiante de Deus em Cristo para cumprir tudo 0 que Ele, pela graga, prometeu, temos, nada mais nada menos do que uma contradicdo de termos. Um dos grandes clamores que se levanta hoje, e que de certa forma tem justificativa, 6 que as pessoas — e especialmente os jovens — que se apegam ao calvinismo e que parecem ver o calvinismo como um sistema filos6fico irrefutavel, acabam se tornando orgulhosos. Eles voltam as suas escolas seculares e em dez minutos atiram contra as posigdes dos seus Professores de Filosofia. Eles se tornam orgulhosos e enamorados da nova posigao. Isso, entretanto, 6 uma caricatura, nao é o calvinismo real. Qual é 0 efeito pratico e pessoal expe- timentado por alguém que confessa o calvinismo? Se essa pessoa vir a Deus, isso a quebrantara, e se ela entender que Deus sal- va pecadores, isso fara dela uma pessoa de oragao, vigilante, que busca a santidade pra- tica. FE isso o que essas doutrinas tém feito a vocé, exatamente onde vocé se encontra ago- ra? Alguns, talvez, para os quais estas idéias sdo novidade, sentiram medo e disseram “esse pensamento sé vai levar a uma vida es- piritual infrutifera e estéril”. Nao é assim! Por- que estas sao verdades da Palavra de Deus; eu estou convencido de.que sao. Em sua to- talidade, elas sao a verdade que esta de acor- 42| O Poder da Religiéo Salvadora AN. Martin do com a piedade; a verdade que nos santifi- ca em resposta 4 oragao do nosso grande Sumo Sacerdote. Que Deus conceda que a verdade tenha esse efeito, na sua pessoa e na minha! NOTAS: ' Calvin as a Theologian and Calvinism Today. ? Pilgrim’s Progress, pp 81-95, Banner of Truth Trust. As Implicagoes _Praticas do -Calvinismo Oqueé Calvinism € que sdifercnica pode fuer na forma de vivermos a vida crista? Albert N. Martin responde queo verdadeiro Calvinismo envolve a percepcao da majestade de Deus. ne Neste convincente livreto o autor ave como Isaias, ao encontrar-se com Deus como o Rei entronizado, teve uma nova compre-_ ensdo da sua. prépria pecaminosidade e da_ profundeza do perdao de Deus. O resultado. disso é que, ante avassaladora soberania do seu santo Salvador, Isaias peepee irrestritamente a vida, : -: Da mesma: forma, escreve 0 atie 0 Calvi- nismo nao é ter lido, ou nao, um livro de Kuyper ou Warfield, mas enyolve examinar a si mesmo, nao confiar em si mesmo, praticar a santidade ¢ depender, em oragao, do Senhor.. "As Implicagdex Préticas da Calvinismo" & muito mais que um apelo em favor do Calvinismo; é, com efeito, um apaixonado clamor em prol do cristianismo auténtico. EDITORA OS PURTIANOS,

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