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==> _ {eso & normal, mana, © tempo ainda é pouco. E suadadeg, se Fa Kapapa. Soltot um pecan, _ Podes vit, amor que sentias por ele. - Diss iso. Fez cait a preocupagio do rosto. Minimizou * conversa da amg, esta responded: = Mana, o problema nil s6 esse © problema & ue ee tig Loe kr os dias me faa: Masia, cuidado, o Ant6nio € Kifumbe, Cuidado) ¢ . rat Antdnio & Kifiumbe, ae seat — Ehl! Esse é mesmo problema de se entalar na garganta — \ Os pesié is De brusco, Eva Kapapa parou @ marcha, Sex fosto tecuperon y | Oe gas. Et preocupagio, com mais vigor. \ Depait ~ Mana Eva, eu até jé nfo gosto de dormir. Quando fecho os | natives oP thos, o Diniz aparece logo com essa Convers» \ injustamest Teva Kapapa excancarou os olhos ¢ 2 boc Prendeu as ios perigosas" & cintura, Os pés continuavam. presos no chio, Petrificou-se. Pelo \ daquele F semblante, sabia que aquele sonho conjecturava alguma coita.O | Ex falecido Diniz tansmita um recado importante & sua -vitiva. O wis0 Mana Maria, aio tava essa conversa, Vai falar com @ ni quese# familia, Conta tudo mesmo. © Diniz quer te falar alguma co's: lavas, ‘A amiga, meneando a cabega, aquiesceu 0 alvitre, Prosseguiram esac a marcha, Deixaram as suas bocas fechadas. Decerto, nas cabecas, Avis? pensavam no problema que andava entalado na garganta da Masia \ Voltaram a cortar 0 movimento nos pés. Pararam. ‘Ambas langaram | Lae um olhat espiolhador ao redor. \ de Vai a, mana Eva, Nao est ninguém a nos vet. Masia fer 7 nascet voz.na boca, que se calara ha algum tempo. \ Pp c va Kapapa langou-se lampeira entre 0 arbusto, De coco | de baixo de uma 4rvore pequena, comegou a cavar, A terra em movedica, Pela facilidade com que a removia com as mios, a price era consueta. Com as mesmas mios, retitou do buraco duas catanias. ‘As mios voltaram a tapé-lo, As mios trabalham muito! ~ Nana Nariall ~ Quase sussurrando, Eva Kapapa chamou # sua amiga. 34- ~ Podes vit, mana. Esta isolado. — No mesmo tom baixo, esta respondeu. Logo que apareceu, entregou uma catana a amiga. Esta, na mesma rapidez, recebeu-a e colocou-a na sua kikumba. A da desenterradora também jé estava dentro da sua. Voltaram a espraiar 0 olhat em todas as direc¢6es. Vendo que tudo estava limpo, seguiram. Os pés j no andaram muito. Chegaram as lavras. Cada uma entrou na sua, Estavam frente a frente. Depois do ataque as cadeias de Luanda, feito pelos indémitos nativos que pretendiam resgatar os seus companheiros presos injustamente, as catanas passaram a set consideradas armas altamente perigosas pelas autotidades coloniais. Aos aldeées de Inicio, a partir daquele Fevereiro de 1961, ficara vetada a sua posse € uso. Em toda a tegiio de Ikolo e Bengu, as catanas foram recolhidas. “ai daquele que se atrever a trazer uma catana para casal”. Quer em casa, quer nas lavras, o uso de catanas estava proibido. “O atrevido que tentar violar esta ordem ser4 morto & frente de todos para servir de exemplo”. Avisaram as autoridades coloniais na altura. O aviso, em tom de ameaga, que foi deixado, era clato: Estas duas catanas foram compradas sorrateiramente, em Luanda, pelo esposo da Eva Kapapa. Para as trazer 4 sanzala de Inacio, teve de as colocar no interior de um grandioso rolo de tecido que comprara na mesma loja. Nesse dia, no controlo policial, teve sorte porque o militar que estava de servico o conhecia muito bem. Sabia da sua actividade laboral. Mas, ainda assim, 0 costureito esteve possuido por um grandioso pavor. Por sorte, nfo era visivel. Seu semblante parecia sereno. Logo, ficara livre de qualquer desconfianga. No mesmo dia em que chegaram 4 sanzala, foram levadas aquele secreto esconderijo. De onde entravam e safam com toda a discrigao. Ninguém, com excepgao do comprador e das utilizadoras, sabia da =35- >—_ existéncia delas. Havia sacos-rotos nia sanzala. Muitos aldedes rq, ddados como amigos dos cipaios, outros esam Seus Parente, Eng, estes exam os seus ouvidos ¢ olhos: Por isso, as duas rulheressabjan, que todo 0 cuidado era pouco. A descoberta significava sentenga ge Javea para evitar problemas. ‘Masia fora inicio conhece Sempre que ia : ois 00 morte. Jam sempre cedinho & com a esse dia, a ida era a recolha da batata-doce. Em Inicio, x casa da Masia mulheres dedicavam-se a0 cultivo do milho ¢ da batata-doce. Nin srunca salam cultivavam a mandioca. Por este facto, aprenderam a dar vtia vais Cael + batata-doce. Com a mesma faziam a chamada fubadekandunbs, com 4 qual fiam 0 funje com o mesmo nome, Faziam ainda o bombédekandumba e 0 matetedekandumba. Cott (Os homens eram obrigados a cultivar 0 algodo, que vendiam se aleratt a0 colono a pregos muito baixos. Recebiam ninbarias pela vende noite de do algodio, Era exploracio pura. Muitas vezes, quando, agastados, comesa ddecidissem deixar de o cultivar, o colono trazia-Ihes a sua mio pesada albracac Sutra a sério, Eram surrados como se fossem ctiangas. Os aldedes Sempt tululavam tal como os cies quando apanhavam uma pancada muito forte. Dor. doe Para que no porvir escapassem destas sevicias coloriais, inte os aldedes aconselhavam os filhos a estudarem seriamente. Os ap estudos torné-los-iam assimilados, Assim, concomitantemente, ant escapariam de toda a barbirie colonial. Inclusive, no pagasiam . A problematico imposto. Enquanto recolhia a batata, Eva Kapapa divagava naquela ptost da amiga. “Os recados que o Diniz tem enviado so muito profundos. 0 ‘Anténio, um mitido daquele j¢kifumbé” —Indagava-se em pensamentos O cavaco da amiga era assaz preocupante. Enquanto ocupava @ su cabeca, pensamento voltou a meter-lhe espanto no tosto. — A mana Matia nio pode guardar mais essa converst garganta. Tem de Ihe vomitar ja. - Eva Kapapa vomitou pela boc Pensamento que girava na sua cabeca, 36- Maria fora esposa do maior cagador que um dia a sanzala de Inicio conheceu, o falecido Diniz. Cagava com invulgar pericia. Sempre que ia 4 mata voltava com um animal. As vezes, voltava com dois ou trés, Para ele, todos os tempos eram proficuos. Em casa da Maria havia sempre muita carne. As pessoas que a visitavam. nunca safam de li com as maos vazias, Saiam sempre com as mios apinhadas de carne. ee Certo dia, Diniz saiu para a caca. Passada meia hora, no céu, tudo se alterara. Nuvens negras apossaram-se dele, Era como se 0 dia virasse noite de repente. Trevas no comando, Sem demora, as nuvens negras comegatam a mandar chuva & terra, Chuva torrencial. A chuva vinha abragada com grandes trovdes e relimpagos. A chuva alongava-se. Sempre com o mesmo vigor. Pingos muito grossos. Em casa, Maria afligia-se. Embora reconhecesse 0 arrojo do esposo, sabia que nenhuma arrojaria humana aguentaria aquela intempérie, A unica coisa que Ihe dava um pequeno alento & alma era a possibilidade de ele ter-se acoitado em casa de algum conhecido antes de aquela chuva abrupta ter comecado. Infelizmente, essa possibilidade que Ihe acalentava a alma era falsa. A noitinha, depois de a chuva terminar, Diniz chegou todo molhado € apossado por um tremendo febrio. Tiritava, O corpo quente como brasa. A chuva encontrara-o ja na mata. Esteve acoitado debaixo de uma érvore frondosa, mas um insecto 0 picou na perna direita. A picada era a causadora daquela febre altissima. A forte dor obrigou-o a sair das algadas daquela frvote frondosa, que 0 protegia muito bem. Boa parte da descarga pluviosa bateu sobre o seu corpo. Maria, pavida, com grande embaraco, diligenciou-se com umas exvas que possufa em casa. Depois de fervidas, deu-lhe a agua para aK beber, No rosto do esposo, colocou win pan? molhado pata baixar, febre, Porém, todo aquele esforgo eta baldado. A febte nfo baixaya, Gemebundo, achou-se possuido pela afasia. Diniz perdera a fala, Vendo-o naquele estado, a espos? do destro cagador de Inicia saiu lampeira a procura de ajuda. Mais uma yez, Manuel Fialho, 9 bom colono de Inacio, fora a mao caridosa. Com 2 fala perdida ¢ os olhos desfalecidos, Diniz foi colocado na carrinha. Com a mesma pressa com que salu a esposa pata ptocurat por SOCOrrO, a Katete, onde se localizava 0 hospital | carrinha partiu rumo a Vila de yanhado de lagrimas. Anténio, 0 cunhado, O rosto da Maria estava b: / confortava-a, Em Katete, 0s choros da ‘Maria colocaram-na na betlinds, Todos prendiam-lhe o olhat. O grande cacador chegara sem vida a0 hospital. © homem que durante toda a vide, domou os aninat cas matas de Inicio caiu por um pequeno insecto. Todos se admiravam, | 1 Nio ema possivel. Na sanzala, 2 admiracio geral cresceu ainds e mais quando se aperceberam de que o imo menor do cagador se e levantara e pedira para continuar o seu amantizado, Anténio tinka Ne 26 anos, acunhada 45 ¢ 0 falecido irmio 51. O filo mais velho do que casal tinha 20 anos. Abi “Anténio, na manhi do dia seguinte, com 0 corpo do irmio ainds pare na morgue do hospital, dicgiu-se a Kaxikane, a terra da sua cunhada | 80.60 Consigo levou uma muda de panos pretos, um lengo preto para # | a cabeca ¢ uma quantia em dinheiro. Mil escudos. Com isto, recebeu 0 | beneplicito dos sogros do seu irméo para continuar com a filha deles. concret assaram a ser seus sogros. Aquele ritual, denominado Aulhmdile,e: o mitide como um pei de sors para epost a cunbada i i caminho, ee | ml apace se muito normal. Landi | esl le geracio para geracio. Os mals _— 38 Ba velhos alegavam que com esta pritica os filhos do falecido ficam mais seguros, pois 0 tio os protegetia melhor do que um estranho, No dia do funeral do destro cacador, a sanzala de Inicio teve uma enchente nunca antes vista. Veio gente de todas as sanzalas vizinhas. O arrojado cacador eta afamado na tegiio, As mulheres vindas de Seselu e de Banza Kakulu Kazongu etam as que mais choravam. Muitas chegaram a usar mulala. Exa visivel que se aproveitavam do ébito do cagador para chorarem os seus esposos assassinados, fazia ano € meio, pelas autoridades coloniais, com a acusagio de terroristas. Dessa vez, nfo havia proibicao. O cacador fora vitima de um insecto desconhecido. Por isso, choraram com todas as forcas que possufam. Gritavam. Rebolavam no chio. Estrebuchavam, Era grande a dor. Diniz foi enterrado a escassos metros de sua casa. No dia do funeral ¢ nos subsequentes, o jovem Antdnio nfo saiu da beira da sua esposa. Este seu comportamento provocava sanha nos aldedes de Inacio e nao s6. Escarneciam-lhe com o olhar, mas este estava cego de paixio. Nada via. Maria era a mais linda mulher da sanzala. Apesar dos panos que cobriam sempre o seu corpo, a saliéncia das suas ancas era vistosa. ‘A bunda era avantajada. O peito farto, com uns attevidos mamilos que pareciam querer furar as suas blusas. peito da Maria parecia pertencer 20 corpo de uma mulher que nunca amamentara, Todos os homens a comiam com os olhos ¢, saciados, arrotavam pela boca. ‘A morte do seu marido era como um caminho aberto para concretizacio das suas quimeras. Queriam comé-la de verdade. Porém, 6 mitdo Anténio, como 0 consideravam, 20 landulé-a, veio tapar esse camino, que nem permitira que estivesse aberto por mais de 24 horas. Os mais yelhos de Inacio, em surdina, vituperavam-no. © komba do cagador voltou a ctiar nova enchente na sanzala, De igual modo, para as vitivas das sanzalas vitimas da barbarie -39- colonial: 0 mesmo era visto também como 0 Amba dos seus PrOprios maridos. Nio houve mais choros. Apenas o semblante da vitiva do de quando em quando, timidamente, cacador estava funesto, mas, brancos como a neve. Soria mostrava a brancura dos lindos dentes, ante algum dichote de um circundante prosador. Houve festanga, Um fartote. Houve muita comida, muita bebida ¢ muita danca, Os cacadores dangaram noite adentro. A wyiaba, uma danga local, foi a dilecta de todos. Alguns, pela forma alegre como dangavam, pareciam que se lembravam dos aureos tempos do carnaval popular, que também fora suspenso por causa do assalto as cadeias no dia 4 de Fevereiro de 1961. Os toques eram peculiares aqueles que s6 os folides carnavalistas davam. De manhi, domingo de sol abrasados, na presenga dos familiares mais préximos, os haveres do falecido Diniz foram expostos para set repartidos. Assim ditava a tradigio. Logo que os colocaram 4 disposicio, Antdnio correu e pegou os instrumentos de caga do itmao, — Bu fico com estas coisas. Vou dar continuidade ao trabalho do mano para sustentar a familia que me deixou. — Disse. Pelo olhar aténito dos presentes, certamente, falavam com 0 coragio que este nfo se coibiu em /undular apenas a esposa do irmio, mas também o seu oficio. Entreolhavam-se. Nem uma palavra se ouviu. A seguir, um por um, cada um titou um haves. Exam roupas ¢ outras coisinhas pessoais, No final, cada um /undulow um pertence do arrojado cagador. A tardinha, os familiares proximos também se retiraram, O ébito durara um més. ‘Ant6nio passou a ser 0 pai dos sobrinhos com quem brincava. Estes, conhecedores da tradi¢io, respeitavam-no como pai. Nos primeiros dias do amantizado, Maria esteve acanhada, Estranhava-lhe o tratamento esmerado que passou.a dar ao Anténio, agora seu esposo- No leito, a noite, custava-lhe mostrar-lIhe a sua nudez. Mas, depois de -40- \ comentar tal facto com algumas ancias da sanzala, ¢ estas lembrarem- Ihe que a pratica remontava a séculos, ela mudou de postura, Passou a comportar-se como uma verdadeira esposa, sere © sol avermelhado levava consigo a tarde, quando as duas mulheres, depois de guardarem as catanas, meteram os pés no caminho. Cartegada, a kikwmba no permitia que andassem aceleradamente. Andavam num passo vagaroso. Nas bocas, a conversa era sobre o dia-a-dia da sanzala, Jé nio tocaram no assunto dos recados enviados pelo Diniz através dos sonhos da sua vitiva. Mesmo que pretendessem, nfo podiam. Jé no eram as tinicas viandantes. Todos voltavam a sanzala. Despediram-se sem tocar no assunto dos sonhos. Em casa, Eva Kapapa, enquanto tratava da janta, seu coracio estava apertado. A conversa dos recados do Diniz parecia nao caber nele. Transcendia-se para nio a tirar pela boca, embora sentisse que a mesma era como um alicate a apertar-lhe 0 coracio. Nunca escondera assunto algum do esposo. Partilhavam tudo, mas esta conversa nfo Ihe podia contar porque prometera segredo aquela que a tinha presa na garganta. Namesa, 0 jantar foi tragado em silencio. O som baixo queas bocas produziam ao mastigarem era 0 tinico governante da sala. Terminados, ignoraram a digestio. Rumaram para o quarto, Na cama, num apice, © sono domou o costureiro. A esposa, deitada de bactiga para cima, prendeu os olhos no tecto enegrecido pela fumaga do candeciro. A mente niio a deixava ver aquele tecto sujo. Via 0 lindo rosto da amiga Matia. No ouvido, ouvia aquela conversa dos recados do maior cagador que um dia os aldedes de Inacio conheceram. Quando os seus olhos, vencidos pelo sono, se fecharam, nao notou. Dormiu. = Ali OS que, entrandg O casal s6 despertou quando ouviu 0s @P¥P' ava. O mesmo que o dia novo reins ala. Lé fora, 2 vozearia eta grande, ram dos aldedes. Fora da cama, 0. Com grande pressa sairam. O io matutino. Homens e mulheres , viram o chefe do Posto no seu ouvido, o avisavam nascera com uma bulha na sanz! © casal reconhecia algumas vozes. rapidamente, passaram agua no rostt fito era saber 0 motivo daquele bulici vozeavam, Adiante, muito adiante mesm ‘Administrativo de Kasoneka. ha o eptteto de Carrega-o-Tipo era intolerivel ial. Exiga que todos os nativos se colocassem sava, Naquela manha, Zeferino, que azafamado 11a o seu carto, logo algodio, no reconhece do. A sua distracgao, segundo 0 colono, O colono que ti a falta de saudagio ve em sentido quando pas seguia para 0 trabalho do nao se colocara em senti constitufa uma afronta grave. Cartega-o-Tipo tentava a todo o custo cattegar 0 nativo na sua carrinha, Zeferino recusava-se. Os seus patricios,& distancia, langavamn vains para demover o chefe do posto de Kasoneka. Debalde o faziam. © homem era caturra, Num repente, conseguiu carregar 0 Zeferino com as suas proprias mios. Bra forte, Colocou-o na carrogatia ¢ ‘A patagem foi no Posto Administrativo de Katete. arrancou 0 carto. 0 aldedes azedaram os rostos. Sabiam 0 que Na sanzala, aconteceria com o seu patricio, afinal, nfo era a primeira, nem a segunda vitima do chefe do posto de Kasoneka. Levaria porrada de verdade. “Homem negro deve respeitar homem branco”, era o lema do Carrega-o-Tipo. Em Katete, depois de deixar o Pereira na escola, Chico dya Nguxi foi a busca de noticias do Zeferino. Nada conseguira. AS Pessoas confitmavam que 0 viram entrar no Posto Administrativos mas era a tinica coisa que sabiam. Nesse dia, a tristeza tomou conta de todos na sanzala, Zeferino apanhou tanta i porrada que M2 \ desconseguiu voltar pelos proptios pés, Foi trazido & i S cost sua mulher. Gemia de dor, ‘ostas pela A noite, 0 sung foi na casa de Zeferino. Os aldedes, coléticos, lancavam varios impropétios Aquele colono verdugo. Zeferino, que tecebia a fricedo com pensos quentes feita pela esposa, soltava gemidos altissonos. A cada gemido seu, mais enfurecidos ficavam os aldedes. O sungi durou até a0 momento em que a vitima do Carrega-o-Tipo cortara os seus gemidos, vencido pelo sono. Mas a ira dos nativos nfo se cortou, Cada um levou a sua a casa, levando-a cama depois. A sanzala amanheceu com azéfama, Homens ¢ mulheres andavam de um lado pata outro. As criancas iam para a escola. Nas cacimbas, 0 movimento também era intenso, O clima estava ameno. Na nascente, o sol matinal era clemente. Em todo o lado, ouviam-se os chilreios dos passarinhos. Eva Kapapa ¢ sua amiga Maria, pelo intenso movimento, nfo conseguiram titar as catanas do esconderijo. Haviam abandonado as camas tarde. A raiva pela porrada do Zeferino tornou-lhes 0 sono muito pesado. Trabalharam sem as catanas. — Eh! Mana Maria, essa conversa daquele bandido do Carrega-o- Tipo até me fez esquecer de te perguntar. Os sonhos continuam?! —_Eva Kapapa perguntou a amiga. Estavam de regresso. Cada uma tinha as costas a Aikumba carregada de batata-doce. Era fase de colheita. — Mana Eva, 0s sonhos nao param. Ele vem todos os santos dias, — Ripostou a amiga. — Mana, esse é mesmo problema. Nao dé mais tempo. Vai avisar a tua familia, Olha, o melhor é ites mesmo com ele, Mas antes nao Ihe fala nada. ~ Achas que é melhor assim, mana Eva? —_Indagou. — melhor assim. Faz surpresa. Vio de manha cedo. Mas é urgente, Nao guarda mais esse problema. -43- avisar, Iremos amanha — Esta bem, mana, Hoje mesmo vou lhe Jahé muita em casg, Quando voltarmos vou tratar da batata em casa. Catregamos durante trés dias. — Faz isso, mana, O assunto Penso toda a hora. 1 amiga iria avisar & familia Sentiu um enorme alivio, tudo, mais fausto ficou o lo chegow & sua casa. O jovem cagador trouxera HA muito que s6 conseguia seixas © pequenos nue, Maria nem feparou onde pousava a sts Inia no pé do seu filho Kasule, que estava é muito grave. Bu até nfo ando a dormir em condigées. Despediram-se. A certeza de que io da Eva Kapapa. desapertou 0 cora to fausto em casa. Con Chegou com o ros! rosto da amiga quand dois grandes veados. javalis, De tio conter ‘kikumba, Por um triz,pousé-| sentado no chao. Na casa do jover cacador, a noite foi de trabalho érduo, Ere preciso tratar da carne, Aos membros da casa juntaram-se mais trés izinhos. Aqueles dois enormes veados precisavam de multas mios para os transformar em nacos - Mano Anténio, hoje viraste um grande mestre! — Disse um dos vizinhos. O cagador rasgou 0 rosto. Expés os dentes ¢ as gengivas Sorriu, Nada disse. Era parco nas palavras. Era mais de acg6es. Como a que apresentou nesse dia. Dois veados grandes. A espost, presa na lida de deixar os veados em nacos, esquecera-se do assunto dos sonhos. Seu rosto reluzia de satisfagio. O jovem marido fizera uma grande caga. Dois grandes veados num s6 dia, Era mesmo para se esquecer de tudo. Na casa do Zeferino, o sung/ da noite anterior teve continuagio O seu dono era ja outro homem, Sem dor € sem gemidos. Mas 0 See continuavam iracundos, Os maus-dizeres ipo continuavam maculados nas suas bocas. 44- see Dois dias depois, évida por noticias, Eva Kapapa ditigiu-se a casa da amiga. Encontrou-a gravida de trabalho. Descascava a batata- doce. Colocava-as na agua, Por Ii ficariam até se tornarem amolecidas. © prdximo destino setia a secagem ao sol. Uma vez endurecidas, viravam bombd, que podem ter dois caminhos: ou comidos como bombé cozido, assado ou frito, ou transformados em fuba, para acabar como funje de andunrha, Logo que viu a amiga a entrar, de siibito, Maria meteu as mios na cabeca. Escancarou a boca, Colocow a lingua a mostra. —Meu Deus, mana, esqueci de tudo! ~Rematou antes de receber a saudacio da amiga — Nao me digas que até hoje nao Ihe falaste?! — Indagou a consulente. — Mana, naquele dia, encontrei o Anténio trouxe dois veados bem grandes. Logo que cheguei comecei a trabalhar até no dia seguinte, por isso € que ainda no despachei a batata-doce. Vés as carnes ai! — Com a mio em riste apontou para as metades de carne que estavam estendidas. — Eh! Muita carne mesmol Entio 0 Ant6nio jé esté craque na aga?! — Inquiriu com um ligeito sortiso nos labios. Maria sortiu. Olhou para amiga. Voltou a sorrir. — Entio nfo é jé 0 que me deixou atrapalhada e me fez esquecer de Ihe falar. — Disse a anfitria. Voltou a meter mais um ligeito sorriso 10s lébios. — Esti bom, Estava preocupada como te disse noutro di ° Por isso niio esquece mais, Resolve de uma vez. assunto é mesmo grave. Vou Ihe falar jé. Olha, leva entio uns = Muito obrigada, mana. nacos de carne. a5. Eva Kapapa recebeu a caine e saiv. No 10sto imitow a satiss, da amiga. Esta dew-lhe muita carne. Com a sarga na cabes, sepuia veo. Fugia do sol que abrasava. Seus raios tornavam aquele tetteno iid 4, Indcio mais duro ainda. A forga do sol dividia-o em pedacos. Rachay, — Ohl! Aquele mitido Jandulou mesmo tudo do irmio, Ja ests, conseguir agarrar dois veados grandes!! — Era 0 costureiro depois de a esposa lhe mostrar a carne, Admirow-se. ~—Tinhas que ver a quantidade da carne! Muita carne mesmo, — A esposa aumentou-lhe mais a admiracio. Depois de estender a carne, Eva Kapapa abancou-se ao lado do marido. Estava com a tarde livre. De manhi, lavara roupa. O trabalho com a batata-doce terminara no dia anterior. Ao esposo é que nunca Ihe restava tempo vago. Era bastante solicitado. Recebia muitas obras Era eximio na arte que herdara, ainda garotelho, do seu finado pai. 0 grande costureiro. — Mulher, desde aquele dia, nunca mais toquei naquele assunto do Pereira. Sei que ficaste muito chateada, mas coma tua tazio porque esses brancos sio muito maldosos, Mas nfo podes se esquecer de uma coisa, nem todos sao iguais. ~ Mas a maioria sio! - Eva Kapapa respondeu peremptétia. ‘Mas no enrugou o rosto, Nio se chateou como noutro di Novo espanto voltou no rosto do Chico dya Nguxi. Suas pernas, talvez contagiadas pelo espanto que lhe governava o rosto, pararam de pedalar a maquina. Virou-se para a esposa. Prendeu-lhe o seu olhar vivaz. Nao esperava aquela resposta brusca e seca. __ 7 Tado bem. A maiotia so, Mas nés podemos confiat naquelt minoria que nao sao. Como exemplo temos o senhor Manuel Fialho. Quem diria que um dia um branco fatia o que ele nos fez? ~ Nao podes comparar o caso do senhor Manuel porque la maioria dos brancos. 46 - | 5 r ~ Mas ha negros que estio lé a estudar e eles no conseguem Ihes matar. — Mesmo assim 0 meu filho nfo vai. Prefiro que seja um costuteiro do que correr 0 risco de morrer nas maos dos brancos. — Eva, sabes de uma coisa?! — Nio sei. Como saberia se niio estou no teu coragao, — Sorriu. O esposo imitou-a. Sorriu também. O espanto abandonara o seu rosto. Com as bocas escancaradas, os dois poluiram sonoramente a oficina do costureiro. A esposa parou 0 seu sorriso. O esposo, em sinal de aceitaaio da queda que lhe dera a esposa com aquela resposta, continuou com a boca escancarada a emitir barulho. — Olha, sempre que vejo os teus irmios Noronha ¢ Castelo sinto um grande orgulho. Eles estudaram e so grandes burocriticos. Entio, o que anda no meu coracio e no consegues ver... -um timido sortiso nasce nos seus labios ¢ interrompe a sua prosa, — E o meu sonho de ver o Pereira a set como eles. Um assimilado. — Finalizou, Eva Kapapa balangou negativamente a cabeca. Depois de ajeitar o lengo azul que tinha na cabeca, que se desptendia, disse: — Mas eles estudaram aqui ¢ depois cada um tem a sua sorte. Mas esse respeito eles também s6 conseguiram em Luanda. Ou ja te esqueceste da forma como sairam daqui? — Indagou. — Nao me esqueci. Sairam a pé. Fugitam dos colonos que queriam levé-los a cadeia, Naquela altura, sairam muitos jovens assim. Até agora muitos jovens saem para nfo pagarem imposto € encontrarem emprego em Luanda. Mano Chico, por favor, esquece esse assunto do meu filho de homem ir estudar em Portugal. Vou preparar 0 jantar, o tempo ja est a ficar avangado. — Disse. . Eva Kapapa levantou-se. Fez-lhe uma festinha na cabega, em que a calvicie consumia jé alguns fios de cabelo, Saiv. -47- Chico dya Ngusi fixou-lhe o olhat. Via-a no seu andar nio. amiga dilecta, a mulher mais cobicada da al da maquina 86 se fez presente assim 4. O som do pedal comandou a oficina, s coisas cotrem bem quando hi siste que nfo quet, no da para injo uma desculpa para dar a enquanto cosia. Desse modo, bamboleante como o da sua sanzala, O movimento do ped: que ela desapareceu da sua vist “Adeus estudos em Portugal. A acordo entre os dois. Como a Eva in continuar com essa ideia. Depois atra professora”. — Chico dya Nguxi pensava sua esposa, que o demovera da sua preten: ‘uma mulher que da sabios conselhos 20 h Com as mios ocupadas no preparo do jantar, sua esposa estava também coma cachola prenhe de pensamentos. Divagava no assunto -oincidéncia. Estranhava da sua amiga. Nao via com bons olhos aquela c: do facto de o Ant6nio ter conseguido uma grande caga justaments n> dia em que a esposa o avisaria para irem a Kaxikane ter com 0s pas dela, por causa dos sonhos que vinha tendo hé algum tempo. De repente, uma voz trava 0s seus so, agia como uma egéria, jomem. — Cunhada, como ests? — matutes. Fra do outro Antonio, o Kesola, O grande amigo do seu espos ~ © mano Ant6nio, muito boa tarde. Estou bem obigada, E a mana? _ A mana esté boa. Chegou agora da lava. Esta cansada com 0 trabalho de carregar a batata. Eu s6 vou lhe ajudar no sabado. — Nés ainda paramos um pouco. Tratimos ainda da que trouxemos. Depois vamos continuar. ‘Anténio Kesola avangou a oficina, Consumidas poucs palavras em paleio com o amigo, voltou a por os pés no caminho que o trouxera. Saiu. Nao se despediu da cunhada. Esta, entretida 9° Preparo do jantar, nem o viu. Tampouco 0 voltou a ver regressando. nae Kesola trouxe uma garrafa de vinho, Fora a loja do bom ranco Manuel Fialho. Eva Kapapa s6 o viu quando este voltou a estar a frente de si 48 - —Cunhada, arranja s6 duas canecas. Vamos beber nosso vinhito. Sem fee levantou-se ¢, lampeira, foi 4 cozinha. Era um vasto compattimento desanexado da casa grande. Num 4pice, regressou € deurlhas, Ant6nio Kesola agradeceu. Eva Kapapa ajeitou © pano € sentou-se, Sentada, voltou a ajeité-lo. Colocou-o entre as pernas. Passados poucos minutos, as lenhas acesas marcaram presenca. ‘As panelas pousaram nelas a seguir. Na oficina, 0 costureito deixara de oficiar, A maquina de costura j4 estava coberta com um pano. Cumprira a sua missio naquele dia. Passara a oficiar com a boca. Era o momento de beber o vinhito, que tinha, na mesma boca que o ingetia, uma boa prosa como companhia. Os sortisos também marcavam presenga. Lembravam-se de antigos mujimbos. J&na mesa, no momento em que jantavam, de tanto gargalhar, Antonio Kesola esqueceu-se do aforismo que conservava a varias décadas. Serviu o tltimo copo de vinho da garrafa. Teve de voltar Aloja do branco mais benevolente de Inacio. Dessa vez, a pectnia saitia das suas algibeiras. Ficariam empatados. Cada um pagaria uma garrafa de vinho. No outro lado da sala, Eva Kapapa estava com os trés filhos. ‘A Domingas, a kasule, estava no seu colo, Catava-lhe os piolhos. Mas s6 fazia figura, porque a fraca iluminacio do candecizo mio Ihe permitia agarrar os pequenos inimigos que governavam a cabega da filha, Por enquanto, aqueles eram os seus inimigos, pois os brancos cram os dos seus pais. “ Regtessado da loja, Anténio Kesola trouxe noticia grande na boca, com a qual jé havia partilhado uma garrafa de vinho com 0 seu amigo costureiro e estava prestes a partilhar a segunda. — Mano, deixei o meu chara, 0 ‘Ant6nio cagador, a vender um enorme javali a0 Manuel Fialho. 5 um javali tio grande que na loja -49- Snio de her6i da sanzala. Todos esti , é mesmo grande, Nunca vi um igual, o um grande cagador!! ~ Disse todos estfio a chamar 0 Ant Ihe elogiar muito. Mas o javali — Mano Anténio virou mesm © costureiro. “Pronto, Nem hoje a Maria vai lhe falar. Esse mitido € mesmo Aefumbe, Isso nao é coincidéncia. Ble sabe de alguma coisa”. — Pensoy a esposa do costureiro. — Mano Anténio, nfo estou a te abandonar. Esteja a-vontade, ‘eia de sono. Vou jé dormir. - Despediu- Estou ch se. A novidade do ‘enorme javali desagradara-lhe. Os dois amigos prosaram até que o candecito os corre. Apagou- or falta de petrdleo. Mas, para giudio dos dois, a segunda garrafa cra jé uma inimiga derrotada, O seu liquido descansava nos seus buchos. O anfitriio acompanhou o amigo. As trevas comandavam a sanzala que dormia também com os seus aldedes, No céu, nessa noite, nem estrelas havia. S6 trevas. © dia seguinte passou veloz, Eva Kapapa fora sozinha 4 lavra. Nao tirou a catana do esconderijo, tal como fizera da ultima ver, Sozinha seria attiscado, pois ninguém a avisaria caso houvesse passantes. Quando o assunto eta sobre catanas, nao se arriscava. Era assunto de morte. Trabalhou com as mfios. As mfos de uma mulher se pt yalem muito. Chegada a casa, apesar do peso que trouxera na kikwmba, ainda foi a cacimba acarretar Agua e preparou o jantar. Fez tudo muito rapido. Depois de colocar o jantar na mesa, com a mesma rapidez, banhow-se Vestiu um quimono castanho, a combinar com o lengo na cabeca. ~Mano Chico, o jantar esté na mesa. Vou chegar ainda na cast da mana Maria. i Sentado, o esposo anuiu meneando a cabega de baixo para cima. arecia que 0 ; Pasa esfalfamento de um dia intenso de costuras levara a sua . Serviu-se e, acompanhado pelos filhos, jantou. 50- \ Na casa da amiga, Eva Kapapa encontrou, novamente, todos ocupados na lida da carne. Parecia que se tornara consueto. Antonio nfo dava espaco & mulher. Nem pata ir & lavra, nem para pensar nos sonhos. Todos os dias trazia animais, Todos muito grandes. Assim que a viu, Maria, voltou a meter sorriso de surpresa no rosto. Eva Kapapa saudou os presentes. Anténio tratou-a, como sempre, com grande respeito. Veloz, entrou em casa ¢ de la saiu com uma cadeira para a visitante, A dona da casa, depois de lavar as mios, veio a0 seu encontro, — Mana, como é que esto? — Questionou com um timido sortiso entre os labios, de vergonha. —Como esto pergunto eu, mana?! —No seu rosto nao havia alegria. — Eh! Mana, é mesmo o trabalho aqui em casa que aumentou muito de um dia para o outro. Nem esté a me deixar ir na lavra, — Mana Maria, isso nfo € normal. A conversa que o Diniz anda te falar nos sonhos nfo é de brincadeira. Mana, é assunto muito sério. —B verdade, mana Eva. Ando mesmo preocupada, Até nem sei como € que esses dias estou a esquecer. $6 estou a me lembrar assim que te yejo, mana. — Eos sonhos pararam? —Nio pararam. $6 que agora quando acordo me esqueco de tudo. Eva Kapapa levou a mio a boca. Seus olhos pareciam que queriam iluminar aquela noite escura. Escancarou-os. A conversa do esquecimento dos sonhos deixara-a assaz at6nita, Pasma de verdade. — Mana, assim que eu sai, fala no Antonio que vim trazer uma nossa amiga. Ela recado que me deixou a mana Cesi do Wala, pais vos saiu em Kaxikane e mandou-me vir te dizer que os teus mandaram,chamar amanhii sem falta.— Seu osto continuava fechado. Desagradara-lhe a conversa do esquecimento da amiga. Sot io despediu-se da ‘Ao sair, com 0 mesmo respeito, Antoni desejou-lhe bom Eva Kapapa. Enviou saudagdes para a familia € e686) caminho. Andarilha, Eva Kapapa pensava nos esquecimentos da de que havia asticia do Antonio em todo aquele esquecimento. “O rapaz sabe de alguma coisa”, dizia no seu amago, © mau anguro deixou-a temerosa. De bruscoy um medo gigante apossou-se dela, No caminho escuro em u° seguia, com os olhos presos no chiio, meteu pressa nos pes. Levantado e espraiado adiante 0 seu olhat, viu a frente de si um vulto rastejante. O mesmo vinha veloz em su direcgio. Eva Kapapa prendeu os pés com grande travlo.

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