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MZ APRENDE Estudan pare polvimento do nosso pals Histéria Telestero da Jesus Nhapulo Mnemo' E uma técnica de estimulacao e facilitagao da meméria. Perlodizacao Dividir 0 tempo em etapas/ fases distintas Fontes histéricas Vestigios que representam a presenca de seres huma- nos no tempo e no espago. Etnograficos Estudos descritivos das ins- tituigdes e das civilizagdes. Genealégica Estudos relativos a origem e sucessao de familias, des- crevendo as relagées de parentesco entre geragoes. | [oo 10 SOBRE A PERIODIZACAO DA HISTORIA DE MOCAMBIQUE Os historiadores utilizam a periodizagao e a cronologia para faci- litar a compreensao dos factos historicos. Para a Historia de Mocambique apresenta-se uma proposta de periodizagao, que é, como todas as periodizagées, relativa e subjectiva. 1.1. Periodizacdo da Historia de Mocambique AHistéria divide-se em periodos para facilitar o trabalho do histo- riador e do estudante, atendendo assim a uma necessidade didactica fundamental. Assim, também a Historia de Mocambique é aplicada a periodizacgao. 1.1.1. Os conceitos de periodizagao e cronologia As épocas apenas tém um interesse mnemotécnico. Benedetto Croce [1] 0 interesse mnemotécnico das épocas histéricas. O conceito de periodizacao A periodizacao da Historia é a divisao artificial, que os historiado- res estabeleceram, da Historia em épocas, periodos ou idades, para fins didacticos. O interesse em efectuar esses “cortes” (ou “recortes") data de ha muitos e longos anos e é tao antigo quanto a necessidade de registo da Historia. No entanto, varios historiadores em cada época ou cultura tém aplicado uma metodologia diferente de periodizagdo da Historia. E ao historiador que cabe periodizar a Historia, mediante as fon- tes historicas de que dispde e dos critérios que utiliza. Por isso se diz que qualquer acto de periodizagao da Histéria é relativo e artificial. Toda a periodizacdo é passivel de criticas porque constitui uma articulagao artificial no processo histérico. Mas ela é indispensavel para que o conhecimento histdrico se torne inteligivel. E dificil definir um padrao Unico consensual de periodizacao. Sendo assim é admissivel a existéncia de varias periodizagées histd- ricas ligadas a diferentes pontos de vista culturais, etnograficos e ideoldgicos. A articulagao politico-genealogica constitui o método mais antigo de periodizagao empregue pelo Homem, onde na sua analise observa os limites dos reinados e das dinastias. Na periodizagao classica da Historia, existem quatro grandes periodos: a Idade Antiga, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporanea. Inicia por volta doano —Vai desde 476 Vai desde 1453 até 1789, _Inicia-se em 1789 4000 a.C.ouan.e.,com — estende-se até 1453, quando eclade a estende-se até os ainvengdo da escritae quando termina a Revoluedo Francesa. nossos dias. estende-se até a queda Guerra dos Cem Anos e do Império Romano do 6 tomada a cidade de Ocidente em 476d.C.ou — Constantinopla pelos ne. Turcos-Otomanos. —primeiras sociedades — —também chamada ~iniciodas expansdes fim das sociedades de autilizarem a escrita; épocafeudalouldade —_-mercantise comer- ordens e do Antigo ~inicioda arte cléssica, das Trevas; ciais; Regime; daFilosofiae demais__—forte sentimentode -épocadefurorpelas _—revolugdes liberais ciéncias; medo e insegurana; descobertas ultrama- _tentam libertar-se das =fascimento e queda —perdadeimportancia __rinas, pela novidade, monarquias absolutis- das grandes civiliza- das ciéncias e sabe- pela ciéncia; tas; GOes gregae romana. _res; —movimentos protes- — era da industrializacao —populagdes amura- tantes e de reforma do mundo e corrida as - iham-se; catélica; matérias-primas; Caracteristicas ~sociedade de ordens: — —despotismoesclare- —primeiras guerras ovo, nobrezaeclero; ido e monarquias imperialistas e disputa —tem 3 periodizagoes absolutas; pelas colénias; internas: Alta ldade —questionamento da —as nagdes unem-se Média (séculos V ao sociedade de ordense em associagdes mult X|, Plena idade Média da monarquia. nacionais; (séculos XI eXIl) e ~ época de extremos » Baixa Idade Média ideolégicos: nazismo, (séculos XII a0 XV) socialismo, comu- nismo. wooane Maine Wen Tas T7BS ; ana ay [2] A periodizagao classica da Historia. O conceito de cronologia Os compéndios de Historia comegam e acabam, mas outro tanto nao acontece com os fenémenos que neles sao registados. Robin George Collingwood [3] Os limites temporais dos fenémenos histéricos. 11 Aa Cronologia E a ciéncia cuja fungao é a de determinar as datas © a ordem dos acontecimentos historicos redigindo-os & juntando-os numa sequén- cia logica. [5] A contagem do tempo foi, durante varios séculos, feita atra- vés da observacdo dos fendme- nos naturais, como a sucesséo das fases da Lua, que demora 29 dias a completar um ciclo com- pleto. 12 A palavra eronologia é derivada do grego chronos ou cronos (tempo) e /ogos ou logia (ciéncia). Logo, a cronologia é a ciéncia do tempo. A cronologia pode ser uma classificagao, lista ou tabela de acon- tecimentos ordenados no tempo. Invasao Zimba (povos guerreiros e canibais} que impuseram pequenas a Jinhagens Marave 1600 (0 cla Phiri dos Karonga funda os Estados Marave 1601 Gasti Rucere pede apoio aos portugueses devido a invasao Marave 1616 Aparecimento do nome Marave em varios relatos da época Fonte: Telésfero Nhapulo, Atlas Histérico de Mocambique, p. 14. [4] Exemplo de cronologia em tabela. A nossa existéncia esta intimamente ligada ao tempo. As primei- ras formas de contagem do tempo foram feitas pelos primeiros homens que habitaram a Terra, através da constante observacgao dos fenémenos naturais. Eles verificaram que podiam medir o tempo através da passagem do dia para a noite, das fases da Lua, da posi- cao de outros astros, da variacao das marés e da duragao do cresci- mento das colheitas agricolas. Durante muitas décadas, o trabalho do historiador foi limitado ao uso do tempo cronolégico. O importante na funcao do historiador era datar o tempo em dias, meses, anos, décadas e séculos, insti- tuindo uma nogao de tempo puramente cronoldgica. Hoje em dia, a contagem do tempo nfo constitui a principal prio- ridade da Historia, embora seja importante. O tempo cronoldgico stricto sensu nao interessa aos historiadores pois a sua passagem nao determina as mudangas e acontecimentos (factos histdricos). Se esse nao é 0 tipo de tempo trabalhado na Historia, que tempo a ciéncia histérica utiliza? Hoje em dia, os historiadores utilizam o tempo historico. Enquanto no tempo cronolégico se trabalha com constantes e medidas exactas e proporcionais de tempo, a organizagao do tempo feita pela ciéncia historica leva em consideracao outros factores, os eventos, a conjuntura e a estrutura. O tempo histdrico e o tempo cronoldgico caracterizam-se por muitas diferengas, apesar de ambos serem importantes para o ser humano. Mesmo assim, o historiador utiliza a cronologia do tempo para organizar as narrativas que constroi. O tempo cronoldgico pode ser organizado por referenciais diver- sos, 0 tempo histérico também pode mudar de acordo com a socie- dade e os critérios que sejam relevantes para o investigador do passado. 6 0 que é permanente; ~localiza-se no tempo longo; : s : Exemplo: a Idade Média —aplica-se a dominios culturais, u os econémicos, politicos, etc. Estrutura —€ ciclica; —tem média duragao; Exemplo: a Plena Idade Média, = também pode aplicar-se a dominios em Franga culturais, politicos, soci Conjuntura =ocorréncia singular; - Exemplo: casamento de Filipe I! Evento -6otempo curto. de Franga com a dinamarquesa Ingeborg, por volta de 1193 A cronologia crista (ou da nossa era) A sigla usada no calendario cristao 6 a. C. e corresponde aos anos anteriores ao nascimento de Cristo. O ano em que Jesus Cristo nasceu é 0 ano 1. [6] O nascimento de Jesus Cristo é um momento fundamental para a criagéo das cronologias de Histéria. No retébulo a Adoracao dos Magos, de Gentile da Febriano (século XV), retrata-se os primeiros dias apés 0 nascimento de Jesus Cristo. Quanto aos anos posteriores ao nascimento de Cristo pode usarse a sigla d. C., que significa depois de Cristo, ou n.e., que sig- nifica nossa era. Também é comum, sobretudo nas fontes historicas primarias, haver a referéncia a “anno Domini” {ano do Senhor), que significa ano da era de Cristo, ou seja, d. C.. Vocabulério Era i | Epoca iniciada por um acon- tecimento importante. A Era Crista inicia-se com o nascimento de Jesus Cristo. 13 Nascimento de Cristo eles cee a ou ou ame nee [7] Friso cronolgico da Era Crista. A ccronologia muculmana A ccronologia crista difere da cronologia mucgulmana. O ano 1 dos mugulmanos corresponde ao ano 622 d. C. dos cristaos. O ano 1 da cronologia muculmana é 0 ano da Hégira. Corres- ponde ao ano da fuga de Maomé para Medina. Pode também ser chamado de ano maometano. Nascimento de Crist inicio da cronologia crista 100 200 300 0 500 600 622 700 722 +800 622» 900 922 1000 1022 1 100 200 300 400 Ano da Hégira: inieio da cronologia muculmana [8] Friso cronolégico: a era cristé e a era muculmana. Exercitando competéncias 1. Defina periodizacao. 2. Defina cronologia. 3. Porque-se diz que a periodizagao é sempre relativa e subjectiva? 4, Qualquer proposta de periodizagao é passivel de criticas? Justifique. 5, Antigamente, as primeiras sociedades mediam o tempo pela sequéncia de fendmenos natu- rais. Depois passaram a medir o tempo pela sequéncia ordenada de reinados e dinastias. Con- corda com esta afirmagao? Justifique. 6. Analise o friso [7]. Podem-se substituir as siglas "a. C." por "n. e."? E 0 que significam essas siglas? 1. Observe 0 friso [8]. 7.1. O que € 0 ano da Hégira? 7.2.0 ano 922 d. C. 6.0 mesmo que 0 ano 922 da era muculmana? Justifique e apresente os calculos necessérios. 14 1.1.2. Proposta de periodizacdo da Historia de Mocambique Para uma melhor compreensao da Historia de Mogambique, apresenta-se em seguida uma proposta de periodizagao. A Historia de Mogambique é normalmente dividida em 6 perio- dos com caracteristicas distintas. —sociedade sem exploragao e sem classes; ~ praticava-se a caga, a recoleceao ea pesca; —0 modo de vida era nomada; Até aos anos 700800ne. Perioda da comunidade primitiva — 0 trabalho estava dividido por idade e por sexo; —a divisao da produgao era feita por igual; ~0s instrumentos de trabalho eram muito rudimentares; ~ exemplo de comunidade: Khoisan. ~ comunidades de agricultores e pastores; —eram sedentarios; —dominavam a tecnologia do ferro; ~ grande grupo de povos unidos pela mesma lingua bantu. Desde 200/300 até ao ‘ano 800 Periodo dos povos de lingua bantu ~ 0s arabes chegaram no século IX e instalaram-se em Mocambi- que, sobretudo no litoral; —0 seu objective era promaver 0 comércio; ~no século Xil chegam a Mogambique asiticos com objectivos : Periodo da penetrago mercantil_ também comerciais; Pes SOR aie 1050 asiética e europeia ~hé relatos e depoimentos de Buzurg Ibn Sharhiyar (marinheiro Persa) e de A-Masudi (viajante muculmano) onde se afirma que ha um active ea mm as “terras de Sofala”; —no século XV fe europeus, com os mercadores os portugueses. De 1890 a 1930 — ocupacao e exploracao econémica: ~ campanhas de pacificagdo em todo 0 territério de Mocambi- que, resultante das medidas tomadas na Conferéncia de Berlim; — ocupagao militar por parte de Portugal e a montagem do Estado (aparelho do Estado colonial); ~criagdo de modelos de exploragao econdmica do territério mogambicano; — Centro e Norte de Mogambique séo concessionados a compa- Desde 1890 até 1962 -Periodo da agressio imperialista _nhias majestéticas e arrendatérias para a sua administracao, bem como para a exploragao dos seus recursos humanos e naturais; —estabelecimento dos acordos com a Rodésia do Sule a Africa do Sul para exportagao da m&o-de-obra para as minas ¢ a construcao de infra-estruturas ferroportuérias em Lourengo Marques e na Beira. (continua) 15 De 1930 a 1962 — periodo colonial e fascismo: — Portugal esforga-se por estabelecer nas suas coldnias a bur- guesia portuguesa; —comega 0 processo da eliminagao dos direitos soberanos das companhias majestaticas; ~a Companhia de Mogambique cessa os seus direitos politico- -administrativos sobre Manica e Sofala em 1942; ~o8 objectivos da metrépole eram por a economia mogambicana ao servico do Estado Novo {regime fascista portugués). ~surgimento de uma frente dinica de reivindicagao pela emanci- pagao de Mocambique, a fundagao da Frente de Libertagao de Mogambique, que resulta da fusao entre a MANU, UDENAMO e UNAMI; — Setembro de 1964, inicio da luta armada de libertagio nacional e dela surgiram as zonas libertadas, as primeiras formas de administrago da FRELIMO em Mocambique; Periodo da [uta de libertagaio —a politica econémica portuguesa de portes abertas, cujo objec- maclonal __ tivo 6 internacionalizar a guerra em Mogambique; ~continuou-se com os planos de fomento; —em 25 de Abril de 1974 da-se o golpe de Estado em Portugal e uma viragem a favor da descolonizaggo da Africa portuguesa; —assinatura dos acordos de Lusaka que marcam o fim do sistema colonial em Mogambique. E estabelecido o governo de transi- go; —em 25 de Junho é praclamada a Independéncia Nacional. Desde 1962 até 1975 De 1975 a 1994: —formagao do Estado mogambicano, de modelo socialista, orien- tado por uma economia centralizada, dirigida pelo Estado; so elaborados varios planos econémicos: PEC, PPI, PRE, PRES; —guerra civil Desde 1975 até os : ae —6 elaborada a Constituigao de 1990; Pacetae Periodo da Repiblica —fim da guerra civil com a assinatura dos Acordos de Roma. De 1994 aos nossos dias: —eleigdes livres e democraticas; —implantagao de uma democracia parlamentar; —implementaeao da economia livre Fonte: Luis Filipe Pereira (ed.), Histéria de Mocambique: Textos para a 10.* classe (Em regime experimental), Maputo: INDE, 1990. (adaptado) Exercitando competéncias 1. Que importancia tem a periodizagao para a Historia de Mogambique? 2. Dado o caracter subjectivo de qualquer periodizagao, para si, que outra periodizagao da Histd- ria de Mogambique seria possivel? Elabore um quadro-resumo, semelhante ao apresentado atras, para a periodizagao da Historia de Mocambique. (Note que o quadro-resumo atrés apresentado 6 uma proposta subjectiva. 3. Faga uma pesquisa sobre a historia da sua cidade ou provincia e elabore uma proposta de periodizagao. 16 1.2. As fontes da Historia de Mocambique A Historia de Mogambique é feita com recurso a varios tipos de fontes, mas as fontes orais sao as mais importantes. Apesar disso, elas tém, tal como as restantes, muitas limitagdes. 1.2.1. Os tipos de fontes As fontes da Historia, inclusive as da Historia de Mogambique, dividem-se em trés tipos: * fontes escritas; ° fontes orais; °e fontes arqueoldgicas ou materiais. As fontes escritas As fontes escritas foram sempre as preferidas dos historiadores para o seu trabalho, sobretudo na corrente positivista. No entanto, a pesquisa histérica requer o alargamento do seu campo de acgao, isto é, tudo aquilo que permanece do passado até ao presente capaz de ser assimilado pelo historiador devera ser comparado com outros vestigios ou indicios desse passado, num encadeamento ldgico, capaz de se incluir numa sucesso. Logo, as fontes escritas nao sao 0 Unico tipo de fontes nem t&o-pouco as pre- ferenciais a partida. Ha varios tipos de fontes escritas: manuscritas, impressas e epi- graficas. —quando sao redigidas em letra. —quando sao redigidas com|etra manuscrita. quando so redigidas com letra manuscrita, HOES = lla: inscri¢des de varios tipos (dedi- Exemplos: cartas, didrios, etc. Exemplo: livros, leis, jornais, etc. catérias, sacras, monumentais, sepul- - erais, etc.) Fonte escrita manuscrita. Bilhete manuscrito de Eduardo Mondlane para Mario Pinto de Andrade, em 1966, na Il Conferéncia da Fonte escrita impressa. 0 titulo de Fonte escrita epigrafica. Inscri¢ao no CONCP em Dar-Es-Salam. 0 assunto era o constitui¢ao da Companhia de pedestal da estatua de Samora Machel, problema das etnias na luta de libertacao. Mogambique. . Maputo, Mocambique. PLMY2 2 17 [9] Herédoto de Halicarnasso (484-425 a. C.) foi um eminente historiador grego e é considerado um dos “pais da Historia” | Verosimithanca = Caracteristica do que é ve | dadeiro. ED [10] A tradicao oral tem uma importancia significativa na transmissao da Historia do nosso povo. O convivio social propicia a troca de conhecimentos. 18 A documentagao escrita so apareceu depois da invengao da escrita (cerca de 3500 a.n.e.). Assim, durante muitos e longos anos este tipo de fonte nao existia. O historiador, sempre que quiser reconstruir a historia do passado, sobretudo a anterior a invengao da escrita, deve por isso socorrer-se de outro tipo de fontes (como as materiais). As fontes orais As fontes orais sao a transmissao oral de acontecimentos. Podem assumir a forma de lendas, contos, fabulas, etc. Herédoto e outros historiadores da Antiguidade, no desconheci- mento dos meios e dos modernos métodos de investigagao histo- rica, utilizavam unicamente as fontes orais. Assim, a perspectiva temporal destes historiadores era muito curta. Apoiados apenas nos testemunhos directos dos acontecimen- tos, nao tinham um longo aleance dos acontecimentos ou factos na reconstituicao do passado historico. Quando os paises nao contactaram desde cedo com a escrita, como é 0 caso da maior parte dos paises africanos, nao tém um grande acervo de documentagao. Nesses casos, as fontes orais sao recursos valiosos para se fazer uma reconstrugao historica de sucesso. Para a reconstituigao da Historia do nosso pais as fontes orais tém, por isso, um papel relevante e dominante. Contudo, é preciso um certo cuidado na utilizagao das fontes orais. A fonte oral deve ser submetida a um tratamento apropriado, no sentido de se apurar a verosimilhanca histérica. Como tratar as fontes orais? — pode-se, por exemplo, questionar varios intervenientes de um mesmo acontecimento e depois confrontar os resultados; — sobre o assunto transmitido pela via oral, tentar encontrar fon- tes escritas; — sobre 0 assunto transmitido pela via oral, tentar encontrar fon- tes materiais; —reformular as questées colocadas aos transmissores da historia oral, colocd-las novamente e confrontar resultados. As fontes arqueolégicas ou materiais As fontes arqueologicas s4o vestigios materiais de objectos de arte, de animais, de pinturas rupestres e demais vestigios da activi- dade do Homem naTerra. Para a datacéo destes objectos recorre-se, por exemplo, ao método do C,, (carbono-14), um método quimico através do qual se determina a idade dos mesmos. Exemplos de fontes arqueoldgicas: ossadas, rochas, vestigios de vestuario, gravuras, monumentos, esculturas, etc. Dever de todos: preservar o patriménio cultural! O patriménio cultural 6 de todos __—*[12] Fonte material: moeda antiga os mogambicanos. Para se conse- _ mogambicana. Quir fazer Histéria devemos preser- var as herancas do passado, os documentos, os monumentos e as memérias colectivas do nosso povo. Um pove sem meméria nao existe! Vamos promover a mogambica- nidade através da elaboragao de estudos histéricos, da promogao de debates culturais e de investigagéo cientifica. [11] Fonte material: pinturas rupes- tres, Chinhamapere, Mocambique. [13] Fonte material: vestigios arqueolégicos em Manyikeni, Mogambique. Exercitando competéncias 1, Que tipos de fontes conhece? 2. O que distingue as fontes escritas das orais? 3. Uma fonte arqueolégica é também uma fonte material. Concorda com esta afirmacao? Justifique. 4. Observe a imagem. Que tipo de fonte representa? 5. Sobre uma mesma tematica historica podem-se encon- trar varios tipos de fontes. Esta afirmagao é verdadeira ou falsa? Justifique. 6. Na Historia da Europa, para a Idade Moderna, 0 tipo de __Fonte historica fontes dominante sao as fontes escritas. O mesmo é valido para a Histéria de Mogambique? 7. A preservagao do patriménio histérico nao é do interesse do historiador. Concorda com esta afirmagdo? Justifique. 8. Indique, no minimo, cinco praticas que podem ajudar a preservar o patriménio cultural mogambicano. 19 Torco Mielec ce Preservagao do Patriménio cultural Mogambique possui testemunhos da Historia humana importantes nao s6 para as comunidades locais como também para o resto da Humanidade. A llha de Mocambique, classificada como patriménio cultural mundial, as pinturas rupestres, os muralhados (as ruinas swahili, os zimbabwes e as aringas), os locais histéricos, as zonas que apresentam uma grande biodiversidade, sao exemplos desta riqueza patrimonial e que contribuem | para a identificagao da personalidade e espace mogambicanos, Ao Estado e @ sociedade mo¢ambicana impoe- -se 0 dever de promover e apoiar iniciativas que visam a preservacéo e valorizacéo destes bens iméveis. Neste sentido, o governo define principios e prioridades de actuacao nas éreas de conservacéo, restauro, apresentagao, educagao e turismo, inerentes a estes iméveis |...]. 1. Imagine-se responsével pela preservacao do patriménio cultural da sua provincia. A luz dos principios e prioridades definidos pelo governo referidos no documento, elabore um curto texto explicando as acgdes que desenvoiveria no quadro das atribuigdes do seu cargo. Boletim da Reptiblica — publicacao oficial da Republica de Mogambique, de 10 de Junho de 1997 - 3.° suplemento Nés nao podemos atin- gir 0 passado directa- mente, mas apenas atra- vés dos tracos, inteligiveis para nds, que ele deixou atrés de si na medida em que esses tracos subsisti- ram, em que nés os encon- tramos @ em que formos capazes de os interpretar. Henri-Irénée Marrou [141 A importancia das fontes his- toricas na construgao do conheci- mento histérico. LS [15] Fonte arqueolégica de dificil interpretagao. Por vezes, a indisponibilidade de todas as “pegas” nao permite ou torna difi- cil tragar a histéria completa. E 0 caso deste amontoado de 1.2.2. As suas limitacoes A construgao da Historia de Mogambique foi sempre um grande problema, mesmo para os fazedores da Historia que conhecem bem © nosso pais. Ha varias limitagdes na reconstrugao da Historia de Mogambique que se referem sobretudo a disponi jade, credibili- dade, acesso e ribuigao das fontes. Neste sentido, torna-se muito importante que os cidadaos mogambicanos tenham o cuidado e a preocupacao de preservar as fontes que existem. E sé com o conhecimento das fontes que se consegue reconstruir a Historia de Mogambique! Disponibilidade As fontes histéricas nao existem segundo a vontade do historiador. E neces- sario entender que elas as vezes sao escas- sas para determinados periodos e assun- tos que s&o trazidos para o estudo, muitas vezes abundantes para outros e ha casos em que elas nao existem para a constru- ¢ao de muitos aspectos da vida do pas- sado que o historiador procura conhecer. "és Todas as fontes tém as suas limitagdes. Através delas so é possivel obter uma parte da realidade. O historiador tem, por isso, de desenvolver um novo trabalho de pedras que fazem parte do museu arqueolégico de Manyikeni. 20 pesquisa com vista 4 busca de novas revelagdes no longo caminho da procura da verdade histdrica. As fontes hist6ricas, sejam elas escritas, orais ou de outro tipo qual- quer, mostram-nos apenas uma parte da realidade. No entanto, as fontes orais permitem-nos muitas vezes colocar novas perguntas 4 prépria Histo- ria pela boca do protagonista e reproblematiza-la. Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, Historia e @ Problemética das Fontes. Mo¢ambique, 16 anos de Historiografia, vol. 1, p. 18 [16] A importancia da fonte oral na Historia de Mogambique. No entanto, mesmo na Historia oral ha limitagdes. Por vezes, ja passaram tantos anos, décadas ou séculos sobre um acontecimento que muitas fontes ja foram eliminadas da memoria colectiva, foram esquecidas. Credibilidade Qualquer investigacao da Histéria do nosso pais tem de passar por um trabalho de andlise rigorosa das fontes, pois a maior parte delas levanta sérios problemas de credibilidade. Os criadores das fontes podem manipular a historiografia da €poca. As fontes escritas, como as leis e outros documentos seme- Ihantes, sao produzidas por quem esta no poder naquele momento. Assim, os historiadores tém de estar atentos a esse condicionalismo e analisar com forte espirito critico aqueles documentos. Com a independéncia de Mogambique surgiu uma geragao de estudio- Sos nacionais da Histéria deste pais que procurou romper com a historio- grafia herdada do colonialismo, tentando fazer uma reproblematizacao (...). As mudaneas politicas que se operam presentemente neste pais iro certamente criar outras aberturas para determinadas interpretagdes do devir histérico fundamental da epopeia mocambicana. No nos podemos no entanto esquecer que, em qualquer época ou periodo hist6rico, a classe que esté no poder determina um certo tipo de producao histérica, manipu- lagao para a qual os investigadores sociais devem estar sempre atentos. Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, Histéria e a Problemética das Fontes. Mogambique, 16 anos de Historiografia, vol. 1, pp. 17-18 [17] A producao de fontes histéricas ¢ manipulada pelo poder de cada época. As fontes materiais, como monumentos, por exemplo, também sao construidas de acordo com o regime em vigor. As fontes orais também podem vincular no seu discurso de gera- cao em geracao falsidades ou adulteragées historicas. Na analise de todo o tipo de fontes, o historiador tem de ser cri- tico e analitico. [18] 0 confronto de varias fontes escritas sobre 0 mesmo tema ajuda na procura da verdade his- torica. Museu da Revolucao, Maputo, Mocambique. 21 [19] Museu da Revolugao, Maputo, Mogambique. 22 Acesso Onde estao guardadas as fontes sobre a Historia de Mogambique? Para 0 estudo das fontes é necessdrio saber onde encontra-las. Para o estudo de fontes escritas, podem pesquisar-se arquivos his- toricos ptblicos, bibliotecas publicas e, também, arquivos pessoais ou familiares. Nos ultimos tempos, tém sido desenvolvidos esforgos para tor nar publicas algumas colecgdes de documentos e livros, através de sites. memoria de africa angola ponugal mogambique [20] Site com documentagao relativa a Africa ea Mogambique, promovido pela Uni- versidade de Aveiro, Portugal. 0 site localiza-se em: http://memoria-africa.ua.pt Para o estudo das fontes materiais devem-se visitar campos de arqueologia, museus, monumentos, etc. Para o estudo das fontes orais devem-se consultar os relatos escritos existentes, mas, sobretudo, devem-se interrogar os pro- prios mogambicanos sobre os temas do passado. oe [21] Portal da Fortaleza de Sao —_—[22] Avé e neta, Maputo. Os ancidos Sebastiao, na Ilha de Mocambique. s80 como um livro, séo um pogo de saber na forma falada. A transmissao de conhecimentos entre geragées é fundamental para a tradigao oral Distribuig¢ao Para se escrever a Historia de Mogambique temos uma igual dis- tribuigao das fontes? Ha semelhante numero de fontes quer para o Sul quer para o Norte de Mogambique? Temos fontes para todos os periodos da Historia de Mogambi- que? E sobre todas as tematicas? Ha fontes para todas as tematicas da Historia do nosso pais? N&o se conhecem respostas satisfatorias para estas questdes. No entanto, € certo que para a Historia de Mogambique ha o predomi- nio dos relatos de etnografia e da Natureza. A maioria dos estudiosos da Historia de Mocambique é unanime e peremptérias em reconhecer que a historiografia colonial deixou uma base fragilissima em termos de estrutura de fonte. A documentagao legada & rica em descrigdes de natureza etnogréfica, meméria de viajantes e legisla- ¢40 colonial, apresentando tendéncias para o registo fraco das lutas popu- lares contra o sistema colonial, da introducao desse sistema e do seu impacto na formacao social mocambicana, tornando muito dificil uma constituic¢ao da Histéria do pais (. Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, Histéria e a Problemética das Fontes. Mogambique, 16 anos de Historiografia, vol. 1, p. 17 [23] A falta de fontes sobre “a verdadeira” Historia de Mogambique (dimensoes social e humana da Historia). [24] Fonte material etnoldgica. Pecas de caga e guerra. Museu Nacional de Etnologia. 23 24 Item, os homens desta terra [ilha a que chamao Momcombiquy] sam ruyvos @ de boons corpos e da seita de Mafamede e falam como mouros e as suas vestiduras sam de panos de linho e d’algodam muito delgados e de muitas cores de listras e sam ricos e lavrados e todos trazem toucas nas suas cabecas com vivos de seda lavrados com fio d'ouro e sam mercado- res e tratam com mouros brancos dos quaes estavam aquy em este logar quatro navios delles que traziam ouro prata e pano e cravo e pimenta e gingivre e anes de prata de muitas perllas (...). Alvaro Velho, Diério da viagem de Vasco da Gama, vol. 1, ponto 13 (adaptado) [25] Exemplo de fonte escrita com relatos etnograficos deixada pelos cronistas de Portugal. As limitagdes das fontes da Histéria de Mogambique que se apontaram tornam a tarefa do investigador demasiado dificil. Assim, é sempre importante: — preservar os vestigios que existem; —recolher ao maximo todos os vestigios sobre a tematica em causa; ~seleccionar de forma criteriosa os vestigios quando estes sao numerosos; -levantar hipdteses que permitam questionar os “siléncios” das fontes. Os historiadores deram-se conta que a restituicdo integral do passado era impossivel: qualquer que seja a densidade dos tracos, é intitil esperar poder ressuscitar tudo (...). Isso néo é possivel. E nisso muito simples- mente que o realismo da Histéria encontra o seu limite. Georges Duby [26] O realismo e os limites da Histéria. POT En Cen a ciriees 1, Para se escrever a Historia de Mogambique é necessario muita perseveranca na fase de pesquisa e tratamento das fontes. Concorda com esta afirmagao? Justifique. 2. Analise os documentos [15] e [16] e comente a questao da dis- ponibilidade das fontes na Historia de Mogambique. 3. Analise os documentos [14] e [17] e comente a afirmagao de forma fundamentada: a escrita da Historia é também uma questao de interpretacgdo. PETE O CIS Once Debate de turma sobre as limitagées das fontes histéricas mogambicanas. - Devem formar-se dois grupos, na turma. Cada grupo define um tema de estudo da Histéria de Mogambique. = Cada grupo selecciona as respectivas fontes materiais, orais e escritas para o estudo do tema. | = Cada grupo enumera as limitag6es das respectivas fontes. = Os grupos devem debater, na sala de aula, as limitagdes das fontes his- toricas mocambicanas. 1.2.3. A importancia da tradicao oral As fontes orais s4o muitas vezes as unicas fontes disponiveis para se escrever a Histéria de Mogambique. As fontes de tradigao oral sao de extrema riqueza para 0 auxilio e efectiva construcao historiografica de Mogambique. Nas sociedades africanas a meméria oral é muito forte, muito rica e veiculada de geragao em geracao. Indubitavelmente, a tradicao oral é a fonte historica mais intima, mais suculenta e melhor nutrida pela seiva da autenticidade. Ki-Zerbo (dir. de), Histéria Geral da Africa, Unesco, 1982, p. 23 [27] A extrema riqueza da tradicao oral para a Historia. [28] Mogambicanos a dangarem, Zambézia, Macambique. A danga Em grande parte do continente africano, Mogambique incluido, a 6 um ensinamento transmitido pela tradigao oral, em Mogambi- transmissao oral dos legados culturais 6 muito importante. Num aie continente onde a populacao é maioritariamente analfabeta, a tradi- Ao oral tem um papel importante. Para legarem conhecimentos as proximas geracées (literarios, musicais, coreograficos, técnicos, etc.), 0 povo africano desenvolveu uma grande capacidade de memorizagao. A boca do velho cheira mal, A tradi¢ao oral é tudo aquilo que mas ela profere coisas boas e 6 transmitido pela boca e pela salutares. memaria. Provérbio africano H, Moniot, 1982 (adaptado) 129] Provérbio africano sobre a riqueza [30] Os conhecimentos e os aspectos da meméria dos mais velhos, imateriais do patriménio cultural dos povos estao armazenados na memoria humana. 25 Sn rrrerrerrrrereeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeesesenemeeeeeeeeeeeecec—————___--eeeessl A tradicéo oral é como uma autobiografia das sociedades sem escrita alfabética, 6 constituida pelos mitos, contos, sistemas de crenga, historias e outros relatos. E, portanto, 0 registo da meméria e o instrumento de transmisséo da cultura e da hist6ria das sociedades sem escrita. Franz Boas (adaptado) [31] A tradieao oral, segundo Franz Boas. O historiador Jacques Le Goff diferencia cinco grandes momentos distintos de conservagao e transmissdo da memoria colectiva. memiéria oral ou meméria étnica, presente nas sociedades sem escrita alfabética; 1° momento [32] Jacques Le Goff, historiador contemporaneo, para além de ser especialista na Idade Média, tam- é 4 2° momento ss ee io bem estudou as relagées entre a petiodo Pré-Histérico a Antiguidade; Historia e a Memoria. meméria de transicao entre a oralidade e a escrita, caracteristica do meméria medieval, momento de equilibrio entre a meméria oral e a ° 3.° momento ecrta, 5° omenty memoria escrita |século XVI até aos dias actuais), que predomina a partir da revolugao da escrita com a mecanizacao e seus processos; ° meméria electronica (hoje em dia) que se organiza e nos encaminha 5.° momento ‘onica (hoje em dia) q ganiza e nos eni as fontes através da informatica. Na actualidade, tém-se realizado varias pesquisas, através de tra- balho de campo, cujo objectivo é recolher elementos das tradicdes orais pertencentes aos povos que resistiram ao processo de colonizacao. Também tém surgido os centros de documentagao oral criados em muitos paises, cujo objectivo é conservar e desenvolver acervos visuais, sonoros e de documentagao da cultura dos povos indigenas africanos. O esforgo de conservar, registar e desenvolver a historia oral acontece porque ela apresenta-se para a Historia de Africa como uma fonte integral. Para além disso, j4 tem uma metodologia bem estabelecida. Nesse ambito devem-se destacar, entre outros, os trabalhos sobre Africa realizados por Jan Vansina e Ki-Zerbo. 26 Jan Vansina acts athe Care RoleL Parrett eu ata la tradicion oral nueva coleccion labor [33] Jan Vansina foi um eminente [34] Livro actual sobre a tradigéo historiador europeu que atribuiu um oral africana. enorme valor a historia oral. Capa da sua obra La tradicién oral. Neste processo de recolha e registo da tradicao oral, é necessario um certo grau de seguranga na reconstrugao da memoria dessas sociedades. Portanto, o uso das informagées escritas pelos cronis- tas requer um tratamento apropriado. O tratamento passa por sub- meter as fontes a critica interna e externa e dai avaliar o grau de interferéncia dos cronistas na transmissao do relato indigena. No processo da recolha de informagées em que muitas vezes é feita de uma lingua para a outra, a maior dificuldade é transferir a tradigao oral de uma lingua para outra ou de um registo para outro de forma integral sem correr o risco de cair nas omissées ou detur- pagies. A tradi¢do acomoda-se muito pouco & tradugao. Desenraizada, ela perde sua seiva e sua autenticidade, pois a lingua 6 a “morada do ser” Ki-Zerbo (direcdo), Historia Geral da Africa, Unesco, 1982, p. 29 [36] O problema das tradugées na tradicao oral Os relatos dos viajantes sdo resultado de um relacionamento entre diferentes instancias: o ver, o perceber, o interpretar, 0 expressar € as fina- lidades préticas da viagem. Oliveira, 1980 (adaptado) [37] O relato dos viajantes é produto de varias circunstancias. Ao analisar este tipo de fontes, o historiador tem de ter isso em atencao. [35] Joseph Ki-Zerbo foi um grande historiador de Africa que valorizou as fontes orais. 27 Recapitulando. A periodizagao e a cronologia tém diferentes fungdes, mas sao ambas importantes para a Historia porque foram estabelecidas para facilitar a sua transmissdo, sobretudo em contextos didacticos. Enquanto a periodizacao é a divisdo que os historiadores convencionam para determi- nar épocas, periodos e idades, a cronologia é uma classificagdo ou lista de aconteci- mentos ordenados no tempo. De modo a perceber-se a Histéria de Mocambique, apresentou-se uma Proposta de periodizagao. Dividiu-se a nossa Historia em 6 periodos: periodo da comunidade primitiva; periodo dos povos de lingua bantu; periodo da penetragao mercantil asiatica e europeia; periodo da agressao imperialista; periodo da luta de libertagao nacional; periodo da Republica, que dura até aos nossos dias. We ee iy As fontes da Historia dividem-se em 3 tipos: escritas, materiais e orais. Contudo, para a historiografia mogambicana as fontes apresentam varias limitagdes de disponibili- dade, acesso, credibilidade e distribuigao irregular. Num contexto de dificuldades de aceder as fontes, a tradigao oral desempenha um papel muito importante. Gracas 4 maior capacidade de memorizacao dos povos africa- nos, que sao maioritariamente analfabetos, a transmissao oral de contos, lendas, dan- gas e musicas assume uma grande importancia. 29 Mocambique: da comunidade primitiva ao surgimento das sociedades de exploracao 2.1. As comunidades de cacadores e recolectores: os Khoisan 2.2. Os povos de origem bantu 2.3. As sociedades mogambicanas apos a expansao bantu roe OMICS Meurer tetem intel ite(t tater) em tee Teele [Ea e. Objectivos especificos: * Caracterizar a vida das comunidades de cagadores e recolectores * Relacionar a expansao bantu com a difusao da tecnologia do ferro * Analisar as diversas teorias sobre a expansao bantu Diferenciar as comunidades primitivas das sedentarias * Explicar a importancia da tecnologia do ferro elem sociedades mocgambicanas Explicar o papel da ideologia nas sociedades mogambicanas Epipoge* [else amiel terete en y-Teal oea eee 2.3. As sociedades mocambicanas apos a expansao bantu Apés a expansao e fixagao bantu, desenvolveram-se as primeiras sociedades mocambicanas. Como qualquer sociedade, praticava determinadas actividades economicas, tinha uma estrutura social e politica e uma forte ideologia baseada em crengas e adoragaéo a varios espiritos. 2.3.1. As actividades economicas A base economica das primeiras sociedades mogambicanas era a agricultura. Na agricultura destaca-se a plantagdo de cereais como a mapira e a meixoeira. Havia, no entanto, outras actividades econdmicas de grande importancia, como a caga e a pesca, a olaria, a tecelagem e a meta- lurgia do ferro. [27] Pegas de olaria. Museu de Histéria Natural, Mogambique. A terra era patrimonio da comunidade. Todos tinham acesso a ela, mas competia aos membros seniores (chefias) a distribuigao eo controlo da sua correcta exploragao. Quando a produgao era maior do que o necessério para 0 con- sumo da comunidade, havia excedentes. Muitas vezes esses exce- ne dentes eram trocados com outras comunidades por outros produ- — tos, ou por outros valores, como moedas, metais, etc. | Com a constatacao de que se podia criar riqueza com a acumula- cao e posterior venda de excedentes, houve uma tendéncia parao | nascimento das sociedades de exploragao. [28] Excedentes agricolas (fruta) para vender, na actualidade. Sociedade de exploracéo Sociedade economicamente voltada para a exploragao dos solos, do comércio & das relacdes de trabalho. 43 Exercitando competéncias 1.0 que entende por excedente agricola? 2. Qual é a importancia dos excedentes das actividades economi- cas para o nascimento de uma sociedade de exploragao? <= [29] Esquema da organizagao social das primeiras Familia alargada Varios elementos com liga- ces de parentesco, entre ascendentes e descenden- tes. cla | Varias familias alargadas. Tribo Conjunto de clas. Linhagem Série de geragées de uma familia. O exercicio de tarefas nao produtivas por um grupo reduzido da populagao (chefias) e o aparecimento de excedentes contribuiram para o surgimento da exploragao do Homem pelo Homem. 2.3.2. A organizacao social e politica A organizacao social das primeiras sociedades baseava-se na familia e isso repercutia-se na organizagao politica. A sociedade estava organizada em familias alargadas, clas e tribos, que desempenhavam um importante papel nas esferas poli- tica, econdmica, religiosa e social. A frente de cada uma destas familias alargadas estava um chefe e um conselho de anciaos. Esses lideres tinham poderes politicos, econdémicos, religiosos e sociais. A linha de parentesco, a linhagem, que se seguia na construgado das familias alargadas era diferente no Norte e no Sul de Mogambique. No Norte, as geragdes de uma familia guiavam-se pela via da mulher, ou seja, eram linhagens matrilineares. No Sul, as linhagens eram tendencialmente patrilineares. TANZANIA Oceano ZIMBABWE Inbico AFRICA —— Rio Zambeze a Do SUL Norte de Mogambique: | [Hl predomingncia de linhagens ‘matilineares | __ Sui de Mogambique: | fm predomindnca de nhagens petiineares sociedades mocambicanas. 44 [30] Regides de predominancia das linhagens patrilineares e matrilineares. —o solo era patriménio da comunidade; ~cabia-thes a tarefa de garantir a distribuigao das machambas por todos os membros das células produtivas de base. Administracao da terra da comunidade Ideologia e crengas ~execugao de tarefas magico-religiosas. ~eram guardides das experiéncias e tradigoes Tradigao da comunidade. \cas ~ controlavam as aliangas matrimoniais Exercitando competéncias 1. Analise o diagrama do documento [29]. 1.1, Distinga tribo de cla e cla de familia alargada. 2 Analise 0 mapa [30] e comente a seguinte afirmagao: a organi- zagao politica e social das primeiras sociedades nao obedecia aos mesmos critérios em todo 0 territério mogambicano. 3. Depois de analisar a tabela acima, pondere sobre o papel social dos idosos nas primeiras sociedades. 2.3.3. A ideologia A ideologia 6 uma dimensao importante a ter em conta no estudo das primeiras sociedades que habitaram Mocambique. Nes- tas cronologias, por ideologia entendem-se essencialmente as cren- cas magico-religiosas. Ideologia | Sistema de ideias, valorese principios que definem uma determinada visao do mundo, fundamentandoe orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido poli- tico, grupo religioso, ete.). | As crengas magico-religiosas e outros aspectos ideolégicos desempe- | nhavam nessas sociedades um papel importante, constituindo uma arma fundamental do poder, da coesao social e da aparente imobilidade. \ | | Hist6ria de Mogambique, UEM, p. 19 [31] A importancia das crengas no poder e na coesao social das primeiras sociedades. 46 As crencas e o poder Os chefes das linhagens e os chefes territoriais orientavam as cerimonias da invocagao da chuva, pediam aos antepassados a ferti- lidade do solo, a protecgao para a caga e para as viagens, a estabili- dade politica e o sucesso de todas as actividades econdmicas. Deti- nham igualmente o poder de decisdo sobre as aliangas matrimoniais e politicas. Estes membros seniores, como chefes reli- giosos, eram considerados os elos de ligagdo entre os vivos e os mortos. As crencas e a coesdo social Grande parte dos conflitos sociais nestas comunidades era origi- nada por crengas na feitigaria, a accdo dos feiticeiros e dos curan- deiros contra feiticeiros, que resultavam nas coergées morais e poli- ticas e nas dependéncias familiares. As relagdes entre as pessoas no seu dia-a-dia, a forma como os homens se relacionavam com a Natureza e as incertezas as quais estavam sujeitos os membros des- tas comunidades criavam tensdes que encontravam expressao figu- rada na feitigaria. [32] Curandeiro na actu- alidade, Beira, Mogambi- que. Laboratorio do historiador Trabalho individual sobre 0 tema: O papel da ideologia nas primeiras socie- dades mocambicanas: ~ os alunos devem pesquisar, coligir e analisar por escrito aspectos impor- tantes sobre a ideologia nas primeiras sociedades; —0 trabalho deve reflectir a andlise sobre a importancia das ideologias em duas perspectivas: a ideologia como forma de poder de elite; e a ideolo- gia como instrumento de coesao social. cla t6es internas, ao marfim, Questies internas o capital mercantil Portugueses O marfim foi o segundo produto a mover a expan- sao colonial em Mogambi- que Num primeiro momento deu-se a procura exaustiva de ouro mas, quando este comegou a esgotar ou a ser mais dificil encontra-lo, os colonizado- res viram no marfim uma alternativa de sucesso. dos Estados Marave estao ligadas a a influéncia portuguesa e aos Ajaua. Causas da decadéncia dos Estados Marave - 08 varios lideres Marave como os Phiri, os Caronga ¢ os Lundu, ambicionavam ser senho- res de grande prestigio. Para tal, usavam os produtos de troca mercantil, os tecidos e as missangas. Contudo, para os poderem receber, tinham de ter marfim para trocar. Desta forma, os Marave disputavam as rotas comerciais ao longo do Zambeze, a fim de obterem mais produtos de prestigio. —a ganncia pelo controlo do produto de maior riqueza levou os varios lideres Marave @ lutarem entre si; —a abundancia de marfim trouxe mercadores estrangeiros ao territorio que acabaram por minar o propria comércio. Gongalo Caetano Pereira foi um portugués que casou com uma filha do Undi e que, como dote, recebeu terras nesse Estado. 0 portugués acabou por formar um Estado rival ao Undi, o forte Estado militarizado da Macanga ~ este Estado chamou a si, cada vez mais, o comércio do marfim e os Marave perderam importancia. Relacione o docu- mento [75] e o conte- Udo da tabela acima com as causas da decadéncia dos Esta- dos Marave. 16] Presas de elefante ~ marfim. 99 farfim 6 uma | substancia cificada, de origer arte, na constituigao dos ie dos mamiferos, 100 1788 259. 555$550 31.6508368 1789 189.218$295 27.3808096 1790 181.1778650 30.1048416 TOTAIS 89.134880 [77] Resumo do movimento da alfandega de Mocambique, de 1781 a 1790. Nota-se que nesta altura o marfim ja era mais rentavel que o ouro. Fonte: Corcino Medeiros dos Santos, Mogambique como centro de articulagao do comeércio portugués do Indico Afro-Asiético, Universidade de Brasilia - UnB, p. 14 O ciclo do marfim correspondeu a uma segunda fase do comér- cio em Mocambique e abarcou o periodo que vai do final do século XVII a meados do século XVIII, 1750-1760. A terceira fase foi a dos escravos, que comecgou em 1750-1760 e terminou oficialmente em 1836. O comércio do marfim e o de escravos coexistiram durante um tempo considerével (entre 1760/70-1785), com os Macua eYao como protagonistas, embora de formas e em graus diferenciados, tendo em conta as suas relagées com os comerciantes da costa. No ano de 1785, 0 comércio de marfim comegou a reduzir ou a ser prova- velmente desviado para os mercados de Kilwa e Zanzibar. A produgao e o comércio de marfim nado eram iguais em todo o territorio mogambicano. S6 havia marfim onde, obviamente, hou- vesse elefantes e rinocerontes. A procura e sobretudo o comércio do marfim ocasionaram con- frontos entre os seus intervenientes. Por causa do marfim, os Esta- dos e reinos andavam frequentemente em guerra. No comércio do marfim, a Companhia dos Mazanes, ricos arma- dores e comerciantes indianos, teve uma grande importancia. Mas quando os portugueses verificaram que o lucro do marfim estava a ser desviado para as mos deles, resolveram separar Mogambique de Goa. A Makuana, regiao mal definida, também contribuiu para o comércio do marfim, sobretudo porque apoiava a procura privada daquele bem em todo 0 sertao. 3.2.9.1. As principais zonas do comércio do marfim O comércio de marfim fez-se intensamente a norte do Zambeze, nos territérios situados entre o rio Luangua e Quelimane. Os merca- dores vinham de centros comerciais longinquos, mas a maioria pro- vinha de Kilwa e de Mombaga, sendo Angoche a base costeira de partida para o interior das terras dos Phiri-Caronga. OCEANO InDICO, lambs cabaeeira Peguera

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