You are on page 1of 19
Robert Castel Luiz Eduardo W. Wanderley Mariangela Belfiore-Wanderley © Mariangela Belfiore-Wanlertey. Foi feito o deposito legal Fie eatalogeitica elabor Gouvea Kfouri / PUCSP rgea Reitora ~Desigualdade ¢ 8 queso social / orgs. Mariangela Belfi Wanderley, Luin Bogus, Maria Carmela Yazbek. - 3 ed. sev. € ampliada Sao Paulo : EI 5, 2008. pi 18cm Bibliogralia. ISBN 978-85-283-0378-0 A Améri Latina ~ Condigdes soc 2, Pobreza ~ América Latina. 3. Politica Social. 4. Exclusao. I. Belfiore-Wanderley, Mariangela. IL Wanderley, Luiz Eduardo W, Ii, Castel, Robert cpp 330.98 339.46 ee oggENTOR 1 edigio: 1997 28 edigdo revista € ampliada: 2000 1@ reimpressio: 2004; 2% reimpressio: 2007 FDUC - Editora da PUC-SP Diregao ; Revise Miguel Wady C aia Sonia Rangel Coordenagao Editorial Editoragao Eletrénica Maria do Carmo: Guedes Mauricio Fernandes da silva Assistoncia Bditorial e Capa Waldir Antonio Alves Magali Oliveira Fernandes Secretério Preparacao Ronaldo Decicino paulo Sérgio de Carvalho edue Twa Monte Alegre, 971 ~ sale 38CA 5014-001 - SA Paulo ~ SP ‘Tel./Fax: (LL) 3670-8085 e 3670-8558 email: educ@puesp.br — Site: WwW" puesp.bi/educ Sumario st Apresentacao as Lucia Bogus Maria Carmelita yazbek Mariangela ‘Belfiore- Wanderley Apresentagao da 3% edicao. Mariangela Belfiore-Wanderley Apresentagao da 2% edigio.. Mariangela Belfiore- Wanderley 1, As armadilhas da exclusao. Robert Castel 2. A questao social no contexto da globalizagio: © caso latino-americano ¢ © caribenho -- Luiz Eduardo Ww. Wanderley 15 19 21 3. Enigmas do social. Luiz Eduardo W. Wanderley 4. As twansformagoes da questao social... Robert Castel Pibliografia- Mariangela Belfiore-Wanderley indicar fatos e interpretagdes que refor- a andlise anteriormente empreendida e 5 desafios do presente, na passagem des- final de século e de milénio mesmo sa- ndo das dtividas sobre o calendario”. Con- trapondo diversas leituras sobre os efeitos da plobalizagao, da destaque as concepgdes do social que delas emergem e que estdo finca- das em diferentes matrizes tedrico-metodol6- gicas e ideo-politicas de interpretagao da realidade atual. A Bibliografia por mim organizada para a 1 edigao também recebeu uma atualizacio, nao esgotando, obviamente, tudo que se pro- duziu sobre as tematicas da exclusao, pobre- za e politicas de enfrentamento, mas comple- mentando com alguns titulos nacionais e estrangeiros parte dessa rica producao. Sao Paulo, primavera de 2000 Mariangela Belfiore-Wanderley 20 1. As armadilhas da exclusao' Robert Castel ‘Tradugdo: Cleisa Moreno Maffei Rosa e Mariangela Belfiore-Wanderley A exclusio vem se impondo pouco a pouco como um moi-valise para definir todas as modalidades de miséria do mundo: o de- sempregado de longa duragao, o jovem da periferia, o sem domicilio fixo, etc. sao “ex- cluidos”. Podemos estabelecer, pelo menos na Franca, o fim de 1992 e 0 inicio de 1993 como a €poca de explosao desse tema, que invadiu entao a midia e o discurso politico. Em outubro de 1992, o patamar psicolégico de trés milhées de desempregados foi ultra- 1 Texto publicado em ¥ a-til des exclus? Lexclusion en débat. Lien Social et Politiques ~ RIAC, 34, Paris, Montreal, automne, 1995. passado, e antes das eleigGes de marco de 1993 discutiu-se o balanco pouco glorioso, em matéria social, dos governos socialistas. A questo da exclusio torna-se entéo a “questio social” por exceléncia. De 14 para ca as co} nao melhoraram. A campanha presidencial que se desenvolveu na Franga, em 1965, foi amplamente orquestrada por esse tema, da esquerda a direita do cendrio politico. Falarei, inicialmente, das raz6es que deveriam levar a um uso reservado desse ter- mo, e até mesmo a... exclui-lo, ou seja, a substitui-lo, a cada vez, por uma nocao mais apropriada para nomear e analisar os riscos e as fraturas sociais atuais. FE preciso dizer, também, que o uso impreciso dessa palavra é sintomatico, isto é, oculta ¢ traduz, ao mes- mo tempo, o estado atual da questao social. Enfim, esforcar-me-ei para destacar as cara teristicas da exclustio que deveriam permitir um uso controlado da nogio. 1. A primeira razao para se desconfiar da exclusio € justamente a beterogeneidade de seus usos. Ela designa um niimero imenso de situagdes diferentes, encobrindo a especi- ficidade de cada uma. Ou seja, a exclusio nao € uma nog¢ao analitica. Ela nao permite conduzir investigagdes precisas sobre os con- 22 tetidos que pretende abranger. Comparemos, por exemplo, duas situacdes ditas de exclu- sao. Uma é aquela de um desempregado de longa duragéo descrita por Olivier Schwartz em sua obra sobre os operarios do Norte da Franca (Schwartz, 1992). Esse velho trabalha- dor perdeu seu trabalho e isolou-se na esfera doméstica. Ele fica em casa olhando a tele- visio, da qual, por sinal, se tornou um bom conhecedor. Ele nao est4 totalmente despro- vido: tem uma vida tranqiiila, possui um apar- tamento bastante confortavel, alegra-se com a presenga constante de uma mulher devota- da que parece se acomodar 4 situacdo... As- sim, construiu para si um “mundo interior’. Ao mesmo tempo, vive uma situagao de ver- gonha. As cortinas do apartamento estao fecha- das e ele nao ousa sair de casa. Sua existéncia est4 de tal forma “privada”, que esta privada, também, de qualquer sentido ou projeto. Os jovens da periferia descritos por Fran- cois Dubet em La Galére (Dubet, 1987) vivem, ao contrario, em exterioridade com- pleta. A esfera do privado lhes parece com- pletamente estranha. A existéncia deles é feita de iniciativas fracassadas e de andangas sem- pre recomegadas. Eles nado estao isolados, mas multiplicam os encontros efémeros e os 23 contatos esporadicos. Em certo sentido, eles tém mais relagGes que o pequeno-burgués perfeitamente integrado que vai de sua casa ao seu trabalho e vice-ver Entretanto, o ativismo dos jovens nao leva a nada. Seu percurso contempla um tipo de nomadismo imdével traduzido por uma palavra do seu vo- cabuldrio, que exprime bem essa agitagao sem objeto, /a glande.* Glander significa andar sem rumo na superficie das coisas, ndo se ocu- par de nada, deslocar-se sem rumo. His dois exemplos de “excluidos”, mas poder-se-ia multiplicé-los. O que eles tém em comum? Um trabalhou e foi socializado pelo trabalho; 0 outro jamais conheceu um traba- lho regular, suas opressOes e suas solidarie- dades. O desempregado de longa duragao su- focado pelo peso de uma vida puramente privada e o jovem inativo que langa sua vida ao vento. Um é espreitado pela depressao e talvez pelo suicidio; 0 outro pela delingiién- cia, a toxicomania e talvez a Aids. Eles nao tém nem a mesma trajetéria, nem a mes- ma vivéncia, nem a mesma relagdo com o mundo, nem o mesmo futuro, Sem dtvida, 2 Gl giria usada pelos jovens, talvez poss: silo “cogar 0 saco” (Nota das tradutoras). Mindula 6 a tradugio literal desse termo. “Glander’, correponder expres- 24 podemos chama-los de excluidos, mas o que ganhamos em compreensao? Falar em termos de exclusao € rotular com uma qualificagado puramente negativa que designa a falta, sem dizer no que ela consiste nem de onde pro- vém. A sociologia da exclusio procede da mesma forma que a antiga teologia negativa, que se esgotou em dizer o que Deus nao era: Deus nao é nem uma Pessoa, nem uma Subst4ncia, nem o Criador, nem uma criatura, nem isto, nem aquilo. Deus nao é nada que se possa dizer, e esse discurso levou a um beco sem saida. No final das contas, esses pensadores da auséncia concluiram que era melhor se calar e a teologia negativa propi- ciou o ateismo, o pensamento da auséncia equivalente A auséncia do objeto do pensa- mento. O mesmo poderia ser dito do discurso da exclusaio: de tanto repetir a ladainha da auséncia, oculta-se a necessidade de anali positivamente no que consiste a auséncia. Isso por uma razio de fundo: os tragos cons- titutivos essenciais das situagées de “exclusdo” ndo se enconiram nas situagdes em si mesmas. 2. De fato, ha uma segunda razdo, e a principal, para se desconfiar dessa noc¢ao; fa- lar da exclusao conduz a autonomizar situa- ces-limite que s6 tém sentido quando colo- cadas num processo. A exclusio se da efeti- 25 vamente pelo estado de todos os que se en- contram fora dos circuitos vivos das trocas sociais. Rigorosamente, essa sinalizagio pode valer como um primeiro reconhecimento dos problemas a serem analisados, mas seria pre- ciso acrescentar rapidamente que esses “es- tados” nao t@ém sentido em si mesmos. Sao o resultado de trajetérias diferentes. De fato, nao se nasce excluido, nado se esteve sempre excluido, a nado ser que se trate de um caso muito particular. Talvez a nogao de exclusio convenha para caracterizar as populagdes atendidas pela ATD-Quart Monde, se levar- mos em consideragio a descrigéo feita por essa associagao: pessoas que sempre estive- ram a margem da sociedade, nunca entraram nos circuitos habituais do trabalho e da so- ciabilidade ordinaria, vivem entre si e se re- produzem de geragao em gerac¢ao, etc. Ainda que esse quadro substancialista do “povo dos pobres” seja exagerado, nao abarca caracte- risticas mais especificas da “exclusio” con- temporanea, que remete ao que se passou a chamar, a partir de 1984, de “nova pobreza”. Nao se trata mais de uma pobreza residual, de alguma forma intemporal, mas de uma novidade que exige andlises novas, porque representa 0 que hoje ha de inédito na con- juntura. social. 26 Na maior parte dos casos “a exclusdo” nomeia, atualmente, situagdes que traduzem uma degradagéo relacionada a um posicio- namento anterior. Assim ¢ a situacdo vulne- ravel de quem vive de um trabalho precario ou que ocupa uma moradia de onde pode ser expulso se nao cumprir com seus com- promissos. Freqtientemente, mesmo aquele que est4 em situagao de risco poderia pare- cer perfeitamente integrado gracas a um tra- balho estavel e a uma boa qualificagao pro- fissional, mas uma dispensa do trabalho fez com que perdesse essas protecdes. Podemos assim distinguir, pelo menos metaforicamente, “zonas” diferentes da vida social, na medida em que a relagio do trabalho for mais ou menos assegurada e a inscrigfo em redes de sociabilidade mais ou menos s6lida. “Os excluidos” povoam a zona mais periférica, ca- racterizada pela perda do trabalho e pelo iso- lamento social. Mas o ponto essencial a des- tacar € que hoje é impossivel tracar frontetras nitidas entre essas zonas, Sujeitos integrados tornam-se vulnerdveis, particularmente em ra- zao da precarizagao das relagdes de trabalho, e as vulnerabilidades oscilam cotidianamente para aquilo que chamamos de “exclusio”. Mas é preciso ver ai um e/feifo de processos que atravessam o conjunto da sociedade e se 27 originam no centro e nao na periferia da vida social. Por exemplo, na decisio da empresa de aplicar seriamente a flexibilizagéo ou na escolha que o capital finaceiro faz de investir em outros lugares. Estao ai, dirfamos talvez, os “fatores de exclusio”. Mas a tarefa da sociologia consiste, precisamente, em analisar esses “fatores” que precedem a exclusaéo para medir os riscos da fratura social: ver como funciona hoje a em- presa, como se desfazem as solidariedades ¢ se desagregam as protegdes que asseguram a inclusGo na sociedade... Como situagdes-li- mite se inscrevem num continuum de posi- ¢des que interrogam a coesio do conjunto da sociedade. Na maior parte dos casos, “o excluido” é de fato um desfiliado® cuja traje- toria é feita de uma série de rupturas em relagio a estados de equilibrio anteriores mais ou menos estéveis ou instaveis. 3. Focalizar a ateng’o sobre a exclusio apresenta o risco de funcionar como uma ar- madilha, tanto para a reflexaio como para a 3 A expressiio “desaffilié” € um neologismo na lingua francesa. O termo vem sendo traduzido por desfiliar e/ou desafiliar, termos também inexistentes na lingua portuguesa. O que existe é a palavra desfilhar que, porém, nao nos parece a mais adequada (Nota das tradutoras). 28 acio. Para a reflexio, como acabei de dizer, economiza-se a necessidade de se interrogar sobre as dinamicas sociais globais responsa- veis pelos desequilibrios atuais; descreve-se da melhor forma estados de despossuir, mas criam-se impasses sobre os processos que os geram; procede-se a andlises setoriais, renun- ciando-se & ambicao de recoloca-las a partir dos mecanismos atuais da sociedade. Sem dti- vida, ha hoje os im e os out, mas eles nao estéo em universos separados. Nao se pode falar numa sociedade de situagdes fora do social. O que esté em questéo é reconstruir © continuum de posig6es que ligam os in e os out, e compreender a logica a partir da qual os in produzem os out. Mas para a agdo, para o dominio pratico dos fatores de dissociagao social, fixar-se na exclusao funciona igualmente como uma ar- madilha, na qual cafram os governos socia- listas na gestéo da crise, cujo custo politico foi muito alto, A partir do inicio dos anos 80, na realidade, vé-se desenvolver paralela- mente um duplo discurso. Um reabilita a em- presa, canta os méritos da competividade e a eficacia a todo prego. O outro debruga-se sobre o destino dos “excluidos” e afirma a necessidade de traté-los com mansidao. De um lado a celebragio do mercado, com seu 29 sistema proprio de pressGes, de outro, um esfor¢go para cuidar de situagdes de desespero extremo. que resultam desse funcionamento impiedoso. Mas tudo se passa como se 0 discurso sobre a exclusio tivesse repre- sentado um adendo associado a uma politica que aceitava a hegemonia de leis econémicas e os ditames do capital financeiro. Sem du- vida, nao é facil (é€ o minimo que se pode dizer) conciliar, de um lado, as exigéncias da competitividade e da concorréncia e, de ou- tro, a manuten¢ao de um minimo de protegaéo e de garantias para que a conquista de uns nado seja paga pela anulagao de outros (para que os in nao produzam os owt). Porém, a dificuldade da tarefa nao diminui a exigéncia de tentar controlar essa relagdo entre a logica econémica e a coesao social, antes que se chegue as situagdes de ruptura que repre- senta “a exclusao”. Inversamente, isolar o es- sencial das novas intervengdes sociais em questo nos tiltimos 20 anos (as politicas ditas de inserg&o) das situagées ja degradadas im- plica a rentncia a intervir de modo preventivo para acabar com a vulnerabilidade de massa e manter a integragao social. 4. Entendamos bem que esta andlise nao é uma critica as politicas de insergaéo enquanto tais. Estas apresentam o mérito incontestavel 30 de nao se resignarem ao abandono definitivo de novas populacgdes colocadas pela crise em situacao de inutilidade social. Em relagao a assisténcia tradicional, elas apresentam tam- bém o mérito de continuar um trabalho com essa clientela, cujo objetivo é sua integracao a sociedade. Mas ja faz mais de 20 anos que comegaram a manifestar seus esforcos, e uma constatac¢éo se impde progressivamente. Num primeiro plano, as politicas sao pensadas como estratégias limitadas no tempo, a fim de ajudar a passar o mau momento da crise, esperando a retomada de regulacées melhor adaptadas ao novo cenaério econédmico. Uma das pessoas que mais contribuiram para a elaboragao dessas politicas, Bertrand Schwartz, afirma enfaticamente: Nos nao temos a ingenuidade de acreditar que as pequenas equipes locais, mesmo numerosas, tém a capacidade para resolver problemas pro- fissionais, culturais e sociais dos jovens. (1981) As acoes de insergdo sao, essencialmen- te, operagées de reposic’o para preparar dias melhores. As avaliagdes que se podem fazer, hoje, dessas politicas mostram que essas situacdes 31 foram instaladas e que o provisorio se tornou um regime permanente. Na maioria dos casos, pode-se aplicar as praticas de insercio esta apreciagao trazida pelo RMI: O RMI é um sopro de oxigénio que melhora as condigées de vida de seus beneficidrios sem transforma- [...] permite aos beneficidrios vi- ver melhor 14 onde est&o. (Collectif, 1991) Uma vez mais nao se trata de desprezar a importincia dessas “oxigena¢6es” que per- mitem a centenas de milhares de pessoas “vi- ver melhor”, Mas € preciso dar toda impor- tancia a constatagao de que uma maioria de beneficidarios do RMI, como os jovens aos quais se dirigem as politicas territoriais, per- manegam “ld onde estao”, ou seja, ma zona da vida social caracterizada pelo déficit em relagao ao trabalho e A integragao social. Apdés uns 20 anos, essa zona nao parou de crescer, porque ela é incessantemente alimen- tada pela dinamica geral da precarizagao que desfaz os status assegurados. O destino dos “excluidos” define-se, essencialmente, antes que se fragilize. Se nada de mais profundo for feito, a “luta contra a exclusdo” corre o risco de se reduzir a um pronto-socorro so- cial, isto é, intervir aqui e ali para tentar re- parar as rupturas do tecido social. Esses em- 32 preendimentos nao s4o intteis, mas deter-se neles implica a rentincia de intervir sobre o processo que produz essas situacgGes. 5. O pensamento da exclusio e a luta contra a “exclusaio” correspondem, assim, fi- nalmente, a um tipo classico de focalizagao da aco social: delimitar zonas de intervengao que podem dar lugar as atividades de repa- racao. Uma tal construgao € compreensivel. Parece mesmo mais realista ater-se a proble- mas para os quais a a¢io social pode mobi- lizar recursos préprios. Toda a tradigao da ajuda social vai, alias, nesse sentido. Ela se desdobra caracterizando “populagées-alvo” a partir de um déficit preciso. Foram assim cris- talizadas categorias cada vez mais numerosas de populagdes advindas de um regime espe- cial: invalidos, deficientes, idosos “economi- camente frigeis”, criangas em dificuldade, familias monoparentais, etc. A referéncia aos “excluidos” poderia, assim, representar a abertura de uma nova categoria, mais ampla e mais indeterminada, sem dtvida, mas advinda também de uma intervengao espe- cializada.* Categorizando-se e isolando-se 4 Bo sentido do termo na obra de René Lenoir (1974) 10. Os exchuidos (e Lenoir 0 todos aqueles ~ defi- que comecou a popularizar & no estabelece mais de seis milhoes!) 33 populagdes com problemas, criam-se 0s meios de uma tomada de responsabilidade especifica e cuidadosamenle. focada, economi- zando-se acées mais ambiciosas, mas também mais custosas, e para as quais nao se disp6e de tecnologias profissionais préprias.’ Tratando-se de novas populagdes que sofrem hoje de um déficit de integracao, tais como os desempregados de longa duragio e os jovens mal escolarizados em busca de em- prego, a extensdo desse percurso apresenta, entretanto, um grave perigo. Ela desconhece 0 perfil préprio desses novos publicos e sua diferenga irredutivel em relagao aquele da clientela classica da ago social. Clientela essa que se caracteriza por um déficit pessoal que a tornou inapta a seguir o regime comum cientes fisicos e mentais, velhos invalidos, “desadaptados so- ciais” — que manifestam uma incapacidade de viver como todo mundo. A despeito de sua extensao, a categoria con- tinua entio a se caracterizar a partir de uma deficiéncia pessoal. ia assim interpretar politicas de inserga como a mobilizagdo de novas tecnologias profissionais dife- rentes dos métodos cl 9s da agilo social, mas prolongan- do a digio da _ intervengao especializada, tentando adaptar-se 5 novas situagdes que apareceram depois do fim dos anos 70. 5 Poder- 34 (deficiéncia, desequilibrio psicolégico, “desa- daptagio social”). Mas a maior parte das po- pulagées com problemas nao é de invalidos, deficientes ou “casos sociais”. A prova: ha vinte anos, essas pessoas que solicitam hoje uma atengio particular teriam sido integradas por elas mesmas 4 ordem do trabalho e te- riam levado uma vida comum. De fato, elas se tornaram invdlidas pela conjuntura: € a transformag¢ao recente das regras do jogo so- cial e econdmico que as marginalizou. Nao é 0 caso de traté-las com uma intervengao especializada para “reparar” ou “cuidar” de uma incapacidade pessoal — a nao ser que se pretenda que o conjunto dos jovens com dificuldade de integracao seja de delinqtientes ou doentes, ou que todos os desempregados se tornaram desempregados em razao de uma tara individual, tese raramente defendida hoje sob essa forma extrema, mesmo pelas ideo- logias mais conservadoras. Sio sobretudo aqueles que Jacques Donzelot chama de “nor- mais intteis” (Donzelot e Estébe, 1994) e que eu qualifico de “sobrantes” (Castel, 1995). Esse drama decorre de novas exigéncias da competitividade e da concorréncia, da redu- cao das oportunidades de emprego, fazendo com que nao haja mais lugar para todo mun- do na sociedade onde nds nos resignamos a a5 viver. Enfrentar essa conjuntura para muda-la exigiria medidas de uma outra ordem, que inspirem o tratamento social do desemprego ou a insergao de populagées ja invalidadas pela situagio econdémica e social. 6. Pode-se agora compreender porque, a despeito de sua inconsisténcia tedrica, a nogio de exclusio abrange um grande con- senso. As medidas tomadas para lutar contra a exclusio fomam o lugar das politicas sociais mais gerais, com finalidades preventivas ¢ nio somente reparadoras, que teriam por objetivo controlar sobrettido os fatores de dis- sociagaio social. Essa tentagaéo de deslocar o tratamento social para as margens nao é nova. Corresponde a uma espécie de princi- pio de economia no qual se podem encontrar justificativas: parece mais facil e mais realista intervir sobre os efeitos de um disfunciona- mento social que controlar os processos que 0 acionam, porque a tomada de responsabi- lidade desses efeitos pode se efetuar sobre um modo fécnico, enquanto que o controle do processo exige um tratamento politico. A forca desse principio apareceu com clareza quando tentei compreender o significado do tratamento reservado & mendicancia e a va- gabundagem antes da revolucio industrial (Castel, 1995). 36 Durante muitos séculos, uma parte con- sideravel das preocupagdes dos responsaveis pela gestéo dos riscos da dissociagao social cristalizou-se em dois grupos-alvo repre- sentados, entdio, pelos mendigos e pelos va- gabundos. Nessa perspectiva, desdobrou-se uma série extraordinariamente variada de me- didas, freqiientemente de inspiragao repressi- va. Mas, ao se restituir a realidade socioldgica do mendigo valido ou do vagabundo, perce- be-se que eles nao representam, na maioria dos casos, senéo 0 ponto extremo de uma vulnerabilidade de massa que afeta grandes camadas populares. Em particular, a maior parte dos assalariados de ent&éo era condena~ da a uma precariedade permanente e a uma inseguranca cotidiana pela auséncia de um mercado organizado do trabalho. Os mais vulneraveis desses vulneraveis oscilavam en- tre a mendicincia e a vagabundagem, e se tornaram 0 alvo do que correspondia, 4 épo- ca, as politicas sociais. A estigmatizagio do vagabundo e do mendigo valido aparece assim como um com- promisso entre a necessidade de enfrentar as turbuléncias sociais e a impossibilidade de trata-las em profundidade, pois um tal trata~ mento exigiria uma transformacgdo completa 37 das relagdes de trabalho. Ao invés, a repres- séo ao vagabundo permitia enfrentar as perturbagdes causadas pelo segmento mais desfiliado do “povao”. Ela pode ter também uma fungao dissuasiva maior, fazendo pairar uma ameacga sobre as massas pobres que esto separadas dessa franja extrema, como diz um autor da época, “por um fio” (Boisguilbert, 1690). Assim, 0 tratamento do vagabundo ex- prime e dissimula, ao mesmo tempo, a exis- téncia de uma vulnerabilidade de massa na sociedade do Antigo Regime. Ele toma o lu- gar de politica social e de politica do trabalho porque uma outra politica nesses campos te- ria um custo exorbitante, como a hist6ria vai mostrar em seguida. De fato, 6 com o surgi- mento do livre acesso ao trabalho e a aber- tura do mercado de trabalho que tera fim essa problematica do vagabundo na socieda- de pré-industrial. Mas, para chegar a isso, sera necessdria uma revolucgio, a revolugaio industrial e politica que sacudiu a Europa no final do século XVIII. Nao penso que seria preciso uma revo- lugao para colocar fim & problemitica da ex- cluséo. Mas penso que, como em outras ocor- réncias histéricas, € 0 mesmo deslocamento do centro @ periferia que opera quando hoje 38 se reduz a questo social a questéo da exclusio. Agindo dessa forma, detemo-nos nos efeitos mais visiveis da “crise” e, no en- tanto, esta nao é uma crise pontual, mas um processo geral de desestabilizagao da condi- Cio salarial. E a desagregacao das protegdes que foram progressivamente ligadas ao traba- lho que explica a retomada da vulnerabilida- de de massas e, no final do percurso, da “exclusao”. Poder-se-ia dizer que o principio de eco- nomia que conduz a privilegiar as interven- ¢6es setoriais se revela, em Ultima anilise, particularmente caro — mais caro, a despeito das aparéncias, que politicas preventivas mais amplas e mais dificeis de serem implementa- das. A facilidade, no Antigo Regime, de tratar © sintoma antes da causa, reduzindo o essen- cial da questao social a uma questao de po- licia, por meio da repressao 4 vagabundagem, teve finalmente um custo exorbitante: 0 livre acesso ao trabalho s6 péde se impor ao preco de uma perturbagio revolucionéria do con- junto das relag6es sociais.’ Hoje, é possivel 6 Seria ingénuo querer reescrever a histéria perguntan- do-se se os responsiveis politicos do Antigo Regime pre: a um sistema muito forte de presses teriam podido “fa: ou “fazer diferentemente”, Entretanto, a tomada de melho 39 Expulsaéo ou condenagéo 4 morte dos heréticos, caga as bruxas, execu¢ao de crimi- nosos de “direito comum” (ai compreendidos freqiientemente os crimes contra bens), bani- mento ou prisio de vagabundos e sediciosos, repressio de “desvios” sexuais, como a biga- mia ou a sodomia, e mesmo de casos que hoje seriam qualificados de patol6gicos como a lepra ou a loucura... toda uma gama de procedimentos de exclusio foi vista nesse es- pago europeu entre os séculos XIV e XVIIL® Sob a heterogeneidade de praticas, trés subconjuntos destacam-se. O primeiro realiza a supressdo completa da comunidade, seja sob a forma de expulsaéo, como no caso dos ju- deus ou dos mouros espanhéis, e também de diferentes categorias de banidos, seja pela 8 Poder-se-ia tomar 0 exemplo do “Século de Ouro” espanhol, que, graca A santa alianca da Inquisic¢&io ¢ de uma monarquia particularmente forte, representa sem ditvida, para a Europa, 0 modelo mais acabado de uma sociedade de exclusio. O periodo é enquadrado por duas medidas mas- sivas, a expulsio dos judeus em 1592 e a dos descendentes dos conquistadores mugulmanos, os mouros, em 1606. Mas, nesse intervalo de tempo ocorreram outras formas de re- pressito religiosa, politica e moral. Essas medidas concorre- ram para mant Espanha, por longo tempo, no imobilismo e no obscurantismo (Redondo € outros, 1983). 42 condena¢a4o 4 morte dos heréticos, criminosos e sediciosos. O genocidio representara a for- ma Ultima dessa politica de exclusdo por irradicagao total.? Um outro conjunto de pré- ticas de exclusio consiste em construir espa- gos fechados e isolados da comunidade no seio mesmo da comunidade: guetos, “dispen- sdrios” para os leprosos, “asilos” para os lou- cos, pris6es para os criminosos.'® Enfim, uma terceira modalidade essencial de exclusdo: certas categorias da populagio se véem obri- gadas a um status especial que lhes permita coexistir na comunidade, mas com a privacio de certos direitos e da participagao em certas atividades sociais. Essa foi a situacao de ju- deus na Franca, as vésperas da Revolucio 9 A ‘solug&o final” aplicada aos judeus e aos ciganos pelos nazistas representou 0 ponto alto dessa forma de ex~ is © principio que a inspira aparece bem antes, e ao menos desde o século XVI espanhol, pela perseguicao aos “convertidos”, judeus e mugulmanos que adotaram ou foram obrigados a adotar 0 catolicismo. Nunca se poderia ter seguranca da eficécia de uma conversio, se & verdade que os convertidos poderiam passar, através do sangue que transmitiam, os germes da dissohugao da catolicidade. Nessa s6 ha bons convertidos quando mortos, e essa foi a ica aplicada pela ala mais dura da Inquisigao espanhola. 10 Michel Foucault (1961, 1975) explicitou particularmente essa relacio exclusio/isolamento. B Francesa, como foi, no momento da coloni- zacao, a situagao dos indigenas, que repre- sentavam uma categoria de subcidadaos regidos por um cédigo especial (status a nao ser confundido com o apartheid, que remete ao segundo caso dessa figuragio). As dife- rentes formas de sufragio censitario, cuja o do direito de voto as mulheres privac representa uma exclusao desse tipo no plano politico. Sob s modalidades tao diversas," a exclusdo apresenta tragos comuns. Ela impée uma condi¢do especifica que repousa sobre regras, mobiliza aparelhos especializados ¢ se completa por meio de rituais. O caso de uma das mais antigas formas de exclusio na Europa, a dos leprosos, é perfeitamente ilus- trativo. O presumido doente era submetido, inicialmente, a um exame (Goglin, 1976) e se fosse tido como leproso, participava de uma cerim6nia religiosa, a “separagdo”, bem 11 Outras diferengas importantes recaem sobre a dura¢io: certas formas de exclusao, como as penas de banimento ou a pristio, podem ser pronunciadas para toda a vida ou a titulo tempordrio, e nesse tltimo caso 0 condenado pode, em principio, voltar ao regime comum quando cumpriu “par te do tempo”. 44 denominada, pois, solenemente, determinava ao doente seu afastamento da sociedade.” As vezes, ele podia sair do leprosério, mas com a condigao de lembrar seu status de excluido fazendo soar um triangulo sonoro. Assim, a exclusio nao é nem arbitraria nem acidental. Emana de uma ordem de ra- zOes proclamadas. Ousar-se-ia dizer que ela é “justificada”, se entendemos por isso que repousa sobre julgamentos e passa por pro- cedimentos cuja legitimidade € atestada e re- conhecida. Um herético, por exemplo, nao é queimado injustamente, porque a heresia co- loca em perigo “a boa ordem da sociedade crista”.'? Mesmo a lettre de cachet,’ que pas- sara no fim do Antigo Regime pelo cémulo 12 Num primeiro tempo, 0 exame era praticado por uma autoridade religiosa, pois a podridao da lepra era concebida como conseqiiéncia do pecado. Em seguida, as autoridades is € médicas davam prosseguimento. 13 Contrariamente, uma condenacao por heresia pode ser injusta se os procedimentos sio aplicados sem discerni- mento, da mesma forma que se pode falar hoje de erro judicidrio, sem, necessariamente, insinuar que a justiga € in- justa. 14 Lettre de cachet significa a carta com o timbre do rei contendo ordem de prisio ou de exilio sem julgamento (Nota das tradutoras). 45 do arbitrio, repousa em principio sobre um conjunto de regras (Farge et Foucault, 1982) e exprime, em Ultima andlise, o fundamento mesmo da ordem juridica, segundo o qual “toda justiga vem do rei” (Goubet, 1973). Quer seja total ou parcial, definitiva ou provisGria, a exclusdo, no sentido proprio da palavra, 6 sempre o desfecho de procedimen- tos oficiais e representa um verdadeiro status. Ff uma forma de discriminagio negativa que obedece a regras estritas de construcio. 8. O estabelecimento desses critérios de- veria, hoje, permitir o controle dos usos le- gitimos do termo exclusdo, Resulta daf que a maior parte das situagGes assim qualificadas no discurso mediatico, politico, mas também socioldgico, resulta de uma outra l6gica. Tra- ta-se, na maioria das vezes, dessa vulnerabi- lidade criada pela degradagio das relagdes de trabalho e das protegdes correlatas, diga- mos, para ir logo para a crise da sociedade salarial. Pode-se, entao, falar de precarizagio, de yulnerabilizagao, de marginalizagio, mas nao de exclusio. Ou entéo, damos a palavra um sentido metaférico para significar que cer- tas categorias da populagao estao privadas de fato de participar de um certo nimero de bens sociais e que estio ameacadas de cair 46 numa situagao ainda mais degradante. Mas é uma metéfora perigosa, na medida em que conduz a confundir duas légicas heterogé- neas. Uma, a da exclusdo, procede por discriminag6es oficiais. A outra consiste em processos de desestabilizagao, como a degra- dagaio das condigSes de trabalho ou a fragi- lizagdo dos suportes de sociabilidade.'> Afirmar a necessidade de realizar tal dis- tingdo nao implica que essas situagdes de exclusio nao sejam graves em si mesmas, nem que a exclusdo nao represente hoje uma ameaca. Sao graves nelas mesmas porque, como ja disse, alimentam uma desestabiliza- cao geral da sociedade. Observa-se, assim, uma multiplicagéo de categorias da popula- cao que sofrem de um déficit de integracdo com relagao ao trabalho, a moradia, a edu- cacao, a cultura, etc., e, portanto, pode-se dizer que estio ameacadas de exclusdo. Esses processos de marginalizagéo podem resultar em excluséo propriamente dita, ou seja, num tratamento explicitamente discriminatério des- 15 Tentei uma distingdo mais sistematica dos processos de exclusio e dos processos de marginalizagio em “Les marginaux dans l'histoire” que aparecera em L’exclusion. L'Biat du savoir. Paris, la Découverte (j4 publicado em marco de 1996 ~ Nota das tradutoras). 47 sas populacées. A triparti¢ao esbogada ante- riormente sobre as principais formas de exclusio pode ajudar a pesar esses riscos. A modalidade mais radical de exclusio, a erradicagao total, parece impossivel, exceto pela degradagao absoluta da situac&o politica e social. Porém, € dificil que uma sociedade que tenha guardado um minimo de referén- cias democraticas possa suprimir pura e simplesmente seus “intiteis ao mundo” ou seus inclesejaveis, como era o caso em outros tempos.'® Contrariamente, a exclusao do segundo tipo, a relegacio a espagos especiais, parece muito menos improvavel. No momento em que escrevo estas linhas, uma voz particular- mente autorizada, a do Ministro encatregado da integragio e da luta contra a exclusito (sic), acaba de anunciar o “desenraizamento” de certos menores e propde “deslocar fami- lias indesejaveis”. Para coloca-las onde? Nao importa o que se diga, a Franga nao conhece, ainda, guetos propriamente ditos, 16 Como condenagio de um vagabundo parisiense no século XV, citada por Bronislaw Geremek (1976, p. 310): “Digno de morrer como intitil ao mundo, ser enforcado como um eriminoso”. 48 ou seja, isolamento completo de certas cate- gorias da populagao condenadas a desenvol- ver uma subcultura especifica numa base ter- titorial, como a underclass americana.” Essa situagao é, no entanto, bem fragil. Ela resiste em virtude da possibilidade de manter, nas localidades mais desfavorecidas, um conjunto de servigos que asseguram um tratamento mais ou menos homogéneo ao conjunto da populacao. Resiste, também, por causa dos esforcos especiais de redugdo de deficiéncias especificas dessas localidades, numa légica de discriminagao positiva. Mas as avaliacdes des- sas politicas (ver item 4, acima) mostra a que ponto os resultados sao frageis. O risco de uma fratura total é ainda acentuado pela emergéncia de reivindicagées _ identitarias sobre uma base étnica. Risco de uma con- jungio entre a demiss’o do Estado (ver a aparic&io, em seu seio, de orientagdes aber- tamente repressivas) e a afirmacao de identi- dades culturais construidas sobre a recusa da participagao na sociedade global, e que con- sagraria a existéncia de isolados urbanos 17 Sobre a nogao de “underclass” ver Ricketts et Winter (1988). Sobre a diferenga até hoje irredutivel entre os guetos americanos e as periferias francesas, ver Wacquant (1992). 49 completamente cortados do regime comum de trocas sociais.® Mas a terceira figura de exclusao por atri- buigao de um status especial a certas cate- gorias da populagdo é, sem dtivida, a ameaca principal na conjuntura atual. Relaciona-se 4 ambigitidade profunda das politicas de dis- criminagdo positiva. Pode-se assim chamar as tentativas de compensar as desvantagens so- fridas por algumas categorias sociais em ma- téria de acesso ao trabalho, 4 moradia, a edu- cagao, a cultura, etc. Em seu principio, essas politicas — politica da cidade, renda minima de insergio (RMD, politica de formagaio para facilitar 0 acesso ao emprego, etc. — nao sao contestaveis, pois visam a assegurar um “mais” para aqueles que esto no “menos”, para aproximd-los do regime comum. Mas a observagao sociologica mais elementar mostra que a discriminagao positiva se torna facil- mente discriminagao negativa. E assim 0 RMI, dispositivo original concebido para “salvar” 18 Nos Estados Unidos, essa conjungao entre 0 recuo do poder ptiblico das zonas urbanas desfavorecidas € a afirma- gao de um “comunitarism para produzir a gregacdo espacial e cultural é manifesta. Ver a documentagao reunida por Esprit, junho de 1995, “Le spectre de multicul- turalismo améri 50 populagées em dificuldade por causa “da si- tuagao da economia e do emprego” como cita 0 artigo 1 da lei de 1988, cuja atribuicao est4 se tornando uma marca difamante. Desse ponto de vista, é particularmente inquietante ouvir o mesmo Ministro da Republica, que propés deslocar familias indesejaveis, retomar velhas formulas que sempre estigmatizaram os maus pobres e condenar “a verdadeira contra-sociedade do RMI”, “cultura da inativi- dade”."" Blaming the Victim: trata-se, com efeito, de um discurso de exclusao. Mas, para além dessas formulagGes-limite, vé-se que a margem € estreita entre as medidas especifi- cas que visam a ajudar ptiblicos em dificul- dade e sua instalagio em sistemas de cate- gorizagao que thes atribuem um status de cidaddo de segunda classe. O risco de exclusaio nao é um fantasma, mas tentar conjura-lo exige vigilancia, Trés cuidados devem ser tomados. Primeiramente, nao chamar de exclusio qualquer disfun¢gao social, mas distinguir cuidadosamente os pro- cessos de exclustio do conjunto dos compo- nentes que constituem, hoje, a questao social 19 Declaragdo de Eric Rouault diante da Comissio dos negécios culturais e sociais da Assembléia Nacional, em 27 de junho de 1995. Ver Le Monde, 1-7-1995. 51 na sua globalidade. Em segundo lugar, em se tratando de intervir em populagdes as mais vulneraveis, esforgar-se para que as medidas de discriminagao _ positiva, que sio sem duvida indispensaveis, nao se degradem em status de excec4o. Essa tarefa extremamente dificil coloca a questtio da eficdcia das poli- ticas de insergao, pois € sobre 0 sucesso de praticas de insergao que se coloca a possibi- lidade, para as populacgdes em dificuldade, de reintegracio ao regime comum. Em ter- ceiro (ver itens 2 e 3, acima), lembrar-se que a “luta contra a exclusao” é levada, também e sobretudo, pelo modo preventivo, quer di- zer, esforgando-se em intervir sobretudo em fatores de desregulagao da sociedade salarial, no coracao mesmo dos processos da produ- cao e da distribuigao das riquezas sociais. Robert Castel Centre d'étude des mouvements sociaux (CEMS) Referéncias bibliograficas BOISGUILBERT, P. de (1690). Mémoires. Paris. CASTEL, Robert (1995). Les Mélamorphoses de Ja question sociale. Une chronique du sa- lariat. Paris, Fayard. COLLECTIF. (1991). Le RMI & Véprewe des faits. Paris, Syros. 52 DONZELOT, Jacques e ESTEBE, Philippe (1994). L’Etat animateur. Paris, Esprit. DUBET, Francois (1987). La Galeére. Jeunes en survie. Paris, Fayard. DUMONT, Louis (1967). Homo hierarchicus. Paris, Gallimard. FARGE, Arlette e FOUCAULT, Michel (1982). Prisonniers de famille. Paris, Gallimard. FOUCAULT, Michel (1961). Folie et déraison @ lVdge classique. Paris, Plon. ___(1975). Surveiller et punir. Paris, Gallimard. GEREMEK, Bronislaw (1976). Les Marginaux parisiens au XIV" et XV" siécles. Paris, Flammarion. GOGLIN, Jean-Louis (1976). Les Misérables dans (Occident médiéval. Paris, Seuil. GOUBERT, Pierre (1973). L'Ancien Régime. Tome IL. Paris, A. Collin. LENOIR, René (1974). Les Exclus, Paris, Seuil. RACINE, Josyane. e RACINE, Jean-Louis (1995). Une vie de parias. Le rire des as- servis. Paris, Plon. AROCHE, Josette (1983). “Du dis- rexclusion des juifs: antijudaisme ou antisémitisme”. In: REDONDO, A. et al. Les Problémes de Vexclusion en Es- pagne. XVI et XVIH siécles. Paris, Publi- cations de la Sorbonne. 53 RICKETTS, E. R. e WINTER SAWILL, I. (1988). Defining and Measuring Underclass, Journal of Policy Analysis and Manage- ment, VIL. SCHWARTZ, Bertrand (1981). ZL’insertion sociale et professionnelle des jeunes. Paris, La Documentation Frangaise. SCHWARTZ, Bertrand, Ollivier (1992). Le monde privé des ouvriers. Paris, PUF. WACQUANT, Loic (1992). “Banlieues frangai- ses et ghettos américains. De l’amalgame a la comparaison”. In: WIEWORKA, Michel. Visages du racisme. Paris, La Découverte. 2. A questao social no contexto da globalizacao: o caso latino-americano e o caribenho Luiz Eduardo W. Wanderley Introdugao Seguindo uma classica orientagao, enten- der a questao social, hoje, na América Latina, exige uma revisitacdo critica da agéo dos su- jeitos e dos processos histérico-estruturais que instituiram as sociedades do nosso con- tinente. Mesmo porque a situagao atual, com todas as mudangas que devem ser incorpo- radas na compreensao dessa questo, guarda tracos indeléveis dessa longa historia que a condiciona: colonizagaio, lutas pela inde- pendéncia, modos de producgio, formas de dependéncia, planos de desenvolvimento, ti- pos de Estado, politicas sociais, etc.

You might also like