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NSTRUINDO A VIOLENCIA Nireu Cavalcanti ua 1844, 6 erquiteto, professor da Planejamento Urbane da Universidade’ Federal Fluminense ¢ da Universidade Santa Ursule, onde é também Diretor do Centro de Arquitetura e Artes. Com sua expe- ritncia de arquiteto, de I(der comunitério (foi 0 primeiro © 0 sétimo presidente da Associagiio de Moradores de Laranjeiras, RJ), nos dé uma visio de como os fatores sociais e fisicos de construgao da redo urbana cantribuem para 0 procasso de violén- cia na cidade. A propria histbria da cidade, de seus is, 6 um caudal de contribuigSo para a violéncia que enfrentamos . hoje. Esta 6 0'fio condutor que redefine, através + », Pontos de vista a partir dos quais a vio- wrbana tem sido ‘comumente abordede, @ tratada por espécialistas @ pol{ticos. wi ~ Nireu Cavalcanti CONSTRUINDO AVIOLENCIA URBANA —_ Scanned with CamScanner J J (© Copyright: Nireu Cavaleanth ‘As opinides expressas neste livro so de responsabilidad do autor, Este texto em parte ou em seu todo nifo pode ser reprodu- ido ou dupticado sem autorizapfo expressa do autor dos sitores, ‘anseiho Editorial: Clidice N. Diniz, Francisco R. Mendes, Uueiano rojo Grifico: Maria Andréa Dias de Andrade ‘Capa: Marla Andrés Dias de Andrade, Héio Brasil ‘ustragées: Helio Bresit ‘evisio: Francisco R, Mendes, Luciano Ella FICHACATALOGRAFICA ‘iP. Bret. Catalogo na fone Conte Nim, 1942 = rrindo' vildncie urbane ft Niveu Colca (orattlg do aster) (aster Hilla Breil (prlat grico ‘capa Marle-Andra Dis on Andrade) ~ Rio ce Jarl; MADANA: 1906, ‘4p Pramoverds 0 Debian, 1) ‘-Planwamants wana. 2, Vi 08, Pane flies wana, 1. MADANA EDITORA LTDA. A, Esticio Coimbra, 28 22260 — Botafogo :0 de Janeiro — Rd 226-2577 | APRESENTACAO Ext lira € 0 primelro da strie Promovendi 0 Debata 0 primeiro thro publicado pela MADANA. Assim, chego- ‘mos até voots através desta strie que idealizamos polémice, ‘tual e eatalizadora do procesta de discussSo dos problemas ‘do nosso tempo, do nossa sociedede. ‘Quando discutremos com o Nireu, autor deste Cons- ‘truindo # Violincis Urbana, sobre o livro, um dos presentes Contestou que nfo falivamos de roubos, asatos, assasina- fos e estupros e, sendo assim, no feldremos de voténcia urbana, Sentimoe, entio, que Nireu hava entendido nossa proposta @ que 2 série comecava pelo caminko certo. Mas (8 caminhos que um livro percorre, aus suoestas ou Insu- estos, at poldmicas que ger sfo ainda uma grande interro- ‘gecko quando ele & lancad. A resposta vem depoite aqui tstamos, ansioeot, esperando o resultado dos leitures que woods farbo dele. Enta série tem outros titulos em andemento. Todos les tém a ver com preocupartes ¢ perplexidedes presentes tna dia # da de todos € com 0 nosso entendimento de que 0 individuo nfo existe fora de sociedade, de histéria € da 3 cultura. E & através do entendimento e da polemizagio que 0 indivtduo peroebe 0 seu desempenho nesta engrenegem. Promovendo 0 Debate ¢ 2 forme de nossa EDITORA part- ‘cipar deste eto de (0 iro primelro-saiu de nosses mos. Agora ¢ de woot, Destrutern-n0. “Antes de encerrar queremos deixar agrodecimentos @ um convite. Agradecimentos 20s amigos que ecreditaram na MADANA quando ele ere apenas uma promessa, um discur- 0; 8 Fernando Moras e Joo Costa pela lagotipo, a Andrés ‘Dies de Andrade pelo projeto grfico e por um mundo de ‘ajuda; @ Matra, Daniel |, Nara, Meriana e Daniel 11, por nos inspirarem 0 nome d2 EDITORA. O canvite é dirigido “iquoles que tém textos sobre problemas da atualidade e que eneaixem no espirito desta série. Procuren-nos. Quem ‘abe vocts deixario de ver “lustres inéditos” ou terdo mais i texto publieado. 0s Editores {NDICE SS Prefécio 7 Introduglo «+... n Acidade da. solidio 16 O sentido da vide . 2 Aeterna propriedade 2B O planejamento da cidade... 6 Avala negra att 2 ‘O mito do trabalho... .-- 34 Dessaide © deseducacio . 7 Olazer = 39 A familia a2 Avrepressic 4 O meio ambiente ...- 47 Acirculaglo na cidade 81 ‘Aespeculagdo imobiligria 56 Aadministragao pablica - 6 5 Scanned with CamScanner PREFACIO. © convite da Madana Editora para escrever este livro pegou-me de surpresa, em um momento ‘tumuttuado da minha vida, pela novidade de estar ‘em campanha eleitoral como candidato a deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro. Uma boa surpresa, diga-se de passagem, pela oportunidade de escrever sobre um tema 130 atual e que tanto me reocupa como cidadlo e como arquiteto, Mas 20, ‘mesmo tempo, onde arranjar tempo para responder aeeste desafio tdo sedutor? ‘Venceu 0 desejo de aceitar quando contei 20s amigos da campanha que este convite existia e a minha amiga Lucila Soares prontificou-se a ejudar- me, Agradeco a ela a participacso criteriosa e inteligente, além da paciéncia de garimpar nos manuscritos — aliés de horrivel caligrafia — este texto dado como finalizado. ‘Mas nifo foi 36 iss0. O desejo de aceitar ver da minha adolescéncia, ainda em Alagoas, quando comecei 2 participar das manifestagSes pela paz @ contra as armas, principalmente as nucleares. Mais tarde a vida foi me mostrando as diferentes faces com que a violencia aparece, particularmente a mais terrivel, que € @ desigualdade entre os ho- mens, 2 miséria, a fome. E outvas talvez mais pperigosas, por se tornarem parte do nosso cotidi- ‘ano, como 0 caos das cidades, a poluicéo, o baru- tho, @ perda da privacidade, Acostumades esta situago, vamos 20s poucos nos embrutecendo nos empobrecendo como sares humans, Por isto tenho procurado, tanto em minha 3a profissional como na qualidade de habitante > cas, viver de todas as formas 0 direito & cidade, = Utopia Urbana, Pertengo ao Instituto de Arquite- +08 do Brasil @ 20 Sindicato dos Arquitetos, dues entidades que tém se destacado na defesa da cidade. E na mesma ansia de viver uma cidade humana, pacifica, voltada para os seus habitantes, tengajei-me no movimento de associegSes de mora: dores, e fui um dos fundadores da grande Associa. 0 dos Moradores e Afnigos de Laranjeiras, sendo ‘2u primeiro e sétimo presidente. Gostaria que este livro fosse visto como parte de uma vida de amor & cidade e & paz, escrito por alguém que acredita na cidade, Ngo tive a preocu- ago de realizar um minuciaso compéndio acadé- tmico, rico em estatfsticas, tabelas e depoimentos, Minha intengdo & levantar questdes, contribuinds para a discuss4o de aspectes da violéncia urbana ‘que normalmente ficam em segundo plano nesta guerra civil instalada em nossas cidades, onde tudo se reduz a um caso de policia. E um texto apaixonado, que espero seja escrito por todos aqueles que, tomando contato ‘com ele, 0 tornem mais rico com sues reflexbes, Acredito ser esta a intengo do Chico, da Clédice @ do Luciano, ao langarem 2 colecSo Promovendo 0 Debate. E agradeco a eles no s6 a oportunidade como as criticas e sugestdes que enriqueoeram este trabalho. : No poderia deixar de registrar minha admira- «0 € gratido 20 amigo Hélio Brasil, que atenden- do ao pedido de ilustrar o texto, mesmo em um momento diffcil de sua vida, onde 0 seu tempo estava repleto de stividedes, com amizade sacou do pouco tempo dedicado & familia e ao descanso, a possibilidade de réalizar um belfssimo trabalho artistico, Scanned with CamScanner A violéncia inclui desde 0 crime contra a pes- soa humana até a destruicdo de homens e animais por inanigo devido 8 concentracio da riqueza nas mos de poucos. E as causas sdo bem conhecidas: 2 injustice social expressa na desigualdade profunda cde oportunidades entre os homens, auséncia de va- lores éticos e sociais; 0 lucro excessivo, 0 incentive 2 inddstria da guerra; o t6xico; desequilfbrios emo- cionais; a luta pelo poder; 0 supérfluo; 0 direito de propriedade entendido como um direito fundamen- tal do individuo em detrimento do social; 0 auto- matismo, 8 corrupeao; 0 progresso (para quem?) vssociado & destruigdo da natureza € do proprio rreduto humano, O preconceito, a auséncia de sen- ido de humanidade. A no aplicago da méxima :3o simples “Amai-vos uns aos outros", A listagem @ imensa, pois a violéncia é um monstro tentaculer ‘que ameaca cotidianamente 0 individuo e 8 socie- dade. © cesafio é tentar detectar qual a contribui- 80 do fato urbsano, do viver na cidade, neste com- plexo emaranhado de fatores geradores de violén- cia. Sob as mesmas condigdes que formam 0 pano de fundo de toda a discusso da violéncia, ela se ‘aguoa mais nas reas urbanas que nas rurais? Se re- ccorrermos a0 dicionsrio, encontraremos definicbes ue aparentemente contradizem a realidade violen- ta das cidades. 2 | ee INTRODUCAO “Meta lindo do Ri, he dae sd hablar, ‘tu sotinho no quart, ‘to taciabo na Amtricn {Corot Drummond de Andrade) ‘A violéncia urbana tomou conta da primeira péigina dos maiores jornais do Pals, das mesas dos. bares e dos fares dos habitantes das cidades. Mas se entendermos a violéncia como um processo de FUP tura dramética das regras de convivio social, vere: mos que ela no se caracteriza como urbana ou ru «ral: a barbaridade dos crimes cometidos no campo pode ser to grande ou maior que nas cidades, co- mo demonstra o crescente nimero de assassinatos ‘no meio rural no processo da reforma agréria. " No Aurélio veremos: "Urbano — 1. {do latin urbanu). Adj. relativo 4 cidade. 2, Fig. Cortés, afé- vel, civilizado.” Ainda no Aurélio, temos a defini. (980 de "Cidade — (do latim civitate) S.F. 1, Com- plexo demogrético formado, social e economica- ‘mente, por uma importante concentrapio de card- ter no agricola, i.e., dedicada a atividades de caré- ter mercantil, industrial, financeiro e cultural; Ur- be, ‘Se nos ativermos a esses conceitos, conclui- remos que a cidade seria 0 espago privilegiado da rndo violéncia, uma vez que seus habitantes seriam a encamacdo da cortesia, afabilidade e civilidade. Estes conceitos, apesar de parecerem estranhos & primeira vista, sdo reais, porque expressam o dese je, @ utopia da humanidade em permanecer como cespécie hegeménica e Fiarmanica no planeta Terra. Mas a realidade se contrapés a eles, levando o viver urbeno a terriveis conflitos:e desesperancas: 0 bbloqueio & implantago da utopia urbana. 3 Scanned with CamScanner i horrores da violencia entre os presidiarios decorren- te do excesso de presos em uma mesma cela 0 que esté enervando e violentando a indivi dualidade das pessoas. nessas areas extremamente denses em nossa cidade? € angustiante circular no centro da cidade pelo volume de transeuntes, que mais parece um formigueiro. E constantement wulgada pela imprensa a violéfcia dos usuérios dos transportes urbanos, destruindo trens, dnibus € es- ‘ages. Aparentemente a causa é 0 atraso, mas 8 vrigem 6 a.vivéncia cotidiana desta messa da popu- ‘ago, usando transportes sujos, incBmodos, baru- Ihentos, poluentes e, sobretudo, superlotados. Esta ‘populago de seres humanos pingentes e esmagados fetrata uma das formas mais violentas do viver ur- bano, (0 discurso dos técnicos no apandgio da ver calizago dizia que, se as unidades habitacion fossem empilhadas, a érea restante do terreno ser aproveltada para arejamento das unidadés e éreas, ccoletivas, Um discurso falacioso, que ganhou espe- 50 em nossa sociedade especulativa, que visa @ obter altos lucros com os imbveis urbanos. Foi exatamen- te 0 emprego das novas tecnologies para edificactes @ suas instalagies que passou a detinir se os edit. cios teriam dois, trés, oito, 30 ou 160 andares, do se cogitando se a densidade resultante seria saudivel ou no. A técnica a servico de uma elite 6 A CIDADE DA SOLIDAO ‘As dreas urbanas caracterizamse, entre outros faiores pela densidade populacional, isto 6, 0 nb: mero de habitantes por unidades de érea, 0 caso por hectare. & da competéncia da administrarso publica, ouvindo a comunidade, definir a densida- ‘de: populacional adequada a cada rea, Mas sob pressio dos grupos econdmicos 2 legislagdo acaba permitindo densidades exageradss, como a de Co- ppacabena, que chega @ 2.000 habitentes por hecté- re, eproveitando excessivamente 0 terreno em d& trimento da qualidade de vida. : So conhecidos os estudos comportamentais das cobaias em laborat6rios: elas tornarmse anres Sivas e violentas quando 2 densidade ultrapasse os limites suportévels do convivio dos individuos em grupo. Com os seres humans ternos assistido 20s 6 Scanned with CamScanner exploradora das cidades permitiu que no lugar de edificagzes de um ou dois pavimentos, ocupades or uma ou duas famflias, fossem construfdas edi- ficagbes que ocupam todo o terreno, destruindo a vvegetarlo existente @ eliminando os vazios necess>- rios a0 equilfbrio do homem. Esta massa construfda formou barreiras & Giroulagdo do ar e & insolacdo nevesséria as habita- ‘des. AS edificagdes de grande altura esmagam, por Sua escala, os habitantes da cidade. Além disso mu- dam o clima da érea por cobrir 0 terreno com 0 as- falto das rvas e ocupaglo total dos lotes: a tempe- ratura chega a se elevar em quatro graus cent/ara- dos em alguns lugares. Desaperece 0 necessério equillbrio entre 0 construfdo pelo homem e a na- tureza transformada. Em grandes éreas a arquitetu- ia no permite o convivio com a nature- 22, tornando 0 espago agressivo e antinatural Tentando sobrepor-se & violéncia da perda de ‘vineulo com a terra, o homer que vive nas alturas cria jardineiras com pouca terra e plantas esquéll- das, representando simbolicamente 8 natureza per-

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