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FONTANA, R.A. C; CRUZ, M. N SS ————————— Licenciatura em Pedagogia FONTANA, R. A. C; CRUZ, M,N. A abordagem piagetiana. In: FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. Psicologia e trabalho pedagégico, Sao Paulo: Atual, 1997. p. 43-54 Interacioniste Capitulo 4 A abordagem piagetiana "Papai, por favor, corte este pinheiro —ele faz o vento. Depois que voce cortar ele, 0 tempo vai ficar bom e a mamde me leva para un passeio." "Mamde, quem nasceu primeiro, vocé ou eu?” Helen Boe, eng em desenolimet) Ouvir eriangas pequenas dizerem coisas como essas do trecho trans- crito acima normalmente nos desconcerta, a0 mesmo tempo que nos en- canta e diverte, Nossa atengdo se volta entio para o modo peculiar que a crianga tem de pensar sobre as coisas ¢ de estabelecer relagdes entre elas, ‘As peculiaridades do pensamento e da logica das criangas desper= taram o interesse de Jean Piaget, que se preocupou principalmente com a questo de como o ser humano elabora seus conhecimentos sobre a realidade, chegando a construir, no decorrer de sua historia, sistemas cientificos complexos ¢ com alto nivel de abstragdo. Ele acreditava que muito da resposta a essa indagagdo poderia ser encontrado no estudo do desenvolvimento do pensamento da erianga. Quem foi Piaget? Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchéitel, na Suiga, ¢ fale- ceu em 1980, aos 84 anos de idade. Desde menino Piaget interessou-se por questdes cientificas, estudando moluscos, passaros, conchas marinhas e mecénica Aos 10 anos, publicou as observagdes que fez sobre um pardal parcialmente albino ¢, aos 11 anos, comecou a trabalhar como assistente do diretor do Museu de Historia Natural de sua cidade. Concluiu seus estudos em Ciéncias Naturais em 1915 e, em 1918, doutorou-se nessa mesma Grea. Interessado também por filosofia, encontrow na leitura da obra de Bergson, A evolucio criadora, elementos que o ajudaram 0 formular a questao & qual se dedicaria por toda a vida: explicar ‘a. rorma pela qual o homem atinge o conhecimento l6gico-abstrato ‘que o distingue das outras espécies animais, Embora se tratasse de uma questao tipicamente filosofica, a Piaget interessava abordée-la cientificamente. Ao longo de sew traba- Tho, assumiu, entdo, 0 desafio de construir uma teoria do conheci- ‘mento baseada na biologia e em que as especulacdes filosdficas esti- vessem ancoradas na pesquisa empirica. O elo que Piaget encontrou entre a filosofia e a biologia foi a psicologia do desenvolvimento. A elaboracao da teoria explicativa da génese do conhecimento no homem levow Piaget a formular propostas teéricas e metodologicas inovadoras quanto d natureza dos processos de desenvolvimento da crianca e que contrariavam as teses do inatismo-maturacionismo e do com- [portamentalismo, O fundamento basico de sua concepedo do incionamento intelectual e do desenvolvimento icognitivo éode que as relacdes entre o organismo e 0 meio sao relacdes de troca, pelas quais 0 orga- inismo adapta-se ao meio e, ao mesmo tempo, 0 lassimila, de acordo com suas estruturas, num pro~ [cesso de equilibracdes sucessivas. Determinar as [contribuigées das atividades do individuo ¢ das restri¢des do ambiente na aquisi¢ao do conheci- ‘mento foi o foco do seu trabalho experimental. No periodo de 1921 a 1923, Piaget concentrow-se na coleta de dados que permitissem esbocar os principios e os fundamentos de sua teoria do conhecimento. Abordou temas gerais, como a relacdo entre ensamento e linguagem (1923), 0 desenvolvimento, na crianca, do julgamento e do raciocinio (1924), da representagdo do mundo (1926), da causalidade fisica (1927) ¢ do julgamento moral (1927). Esses estudos foram retomados, revisios e aprofundados «ao longo das décadas seguintes ‘No periodo de 1925 a 1931, com 0 nascimento de seus trés filhos, Piaget dedicou-se & observacdia meticulosa do desenvolvi- ‘mento dos bebés, elaborando andlises sobre a construdo do real € 0 desenvolvimento da inteligéncia. Na década de 30, ajudado por seus colaboradores, concentrou a pesquisa na génese das nocoes de quantidade, miimero, tempo, espaco, velocidade, movimento, mensuracdo, légica e probabili- dade. Na década de 40, abordou o desenvolvimento da percepedo. A partir dos anos 50, Piaget voltowse para a sistematizagao te6rica da epistemologia genética, deixando a seus colaboradores os estudos em psicologia. Em 1955 fundou o Centro Internacional de Epistemologia Genética, onde reuniu cientistas de diferentes Greas (matematicos, bidlogos, psicélogos, ldgicos) interessados em pesquisar problemas epistemoldgicos. Na década de 70, jé trabalhando exclusivamente nas pesquisas do Centro de Epistemologia, Piaget dedicou-se a investigagdo dos mecanismos de transigdo que impulsionam e explicam a evoluciio do desenvolvimento cognitivo ‘Sua vasta producdo & um marco de enorme importincia para a psicologia e para os estudos do homem no século XX. Procurande compreender como o homem labora o conhecimento, Piagetdesenvolveu © que chamou de psicologia genética, A palavra genética, que ele proprio aplicou a sua psicologia, refere-se a busca das origens e dos processos de formago do pensamento e do conhecimento. ‘A infncia € considerada como um perfodo particular do processo deformagao do pensamento, que 6 se completa na idade adulta. F importante, entdo, nao confundir as contribuigdes dadas por Piaget & compreensdo do desenvolvimento cognitive da crianga com uma "psicologia da crianga". Ele ndo se dedicou a estudar o pensamento infantil motivado por um interesse pela infincia em si e também nao claborou» sua psicologia genética movido pelo interesse por quest6es propriamente psicoldgicas. O centro de seu trabalho e de todos os seus estudos é o desenvolvimento do conhecimento. ‘A formagdo de Piaget em Ciéncias Naturais levou-o a buscar compreender 0 conhecimento com base na biologia. Fm sua concepedo conhecer é organizar, estruturar ¢ explicar a realidade a partir daquilo que se vivéneia nas experiéneiascom os objetos do conhecimento, > ‘No entanto, experiéncia no é a meuma miga qnp conhecimento, Este Diessupée a organizaclo da experigneia num sistema de relagdes. Por exemplo, "a humanidade atravessou alguns milénios sem pereeber arela-goentre-vida e calor do sol; conhecer algo a respeito do calor solar seria inserir 0 calor sentido na pele num sistema de relacdes que permite compreendé-lo como condigao de existéncia da vida" (Chiarottino, 1988). Conhecimento e adaptagdo: os processos de assimilasao e acomodagio Mas como se dé a insergo de um objeto desconhecimento num sistema de relagSes? Segundo Piaget, isso ocorre fundamentalmente Por meio da ago do individuo sobre o objeto. Ao agir sobre o meio, 0 individuo incoxparaasi elementos que pertencem ao meio. Através des-"E-Elpcesso de incorporagdo, chamado por Piaget de assimilagdo, as coisas e os fatos do meio so inseridos em um sistema de relagdes e adquirem significagao para o individuo, ‘Ao ler estas péginas, por exemplo, vocé esta assimilande o que esta crite (objeto de conhecimento), conforme vai estabelecendo relagdes com as idéias e os conhecimentos que j4 possui. AS idéias e 05 conceitos do texto silo organizados ¢ estruturados a partir do que voce ja conhece. 6 assim o texto tem algum sentido para vocé. Mas, a0 mesmo tempo que as idgias e os conceitos do texto so incorporados ao sistema de idéias € conceitos que vocé possui, essas idéias e conceitos jé existentes so modificados por aquilo que vocé leu {assimilou). Esse proceso de modificagao que se opera nas estruturas de pensamento do individuo & chamado por Piaget de acomodacdo. Tal modo de conceber o funcionamento cognitivo & decorrente do modelo biolbgico em que Piaget se baseou. Segundo esse modelo, a inteligéncia & um caso particular de adaptasao biolégica. Um organis- mo adaptado ao meio ¢ aquele que mantém um equilibrio em suas tro- cas com 0 meio, Ow seja, € aquele que interage com o ambiente manten- do um equilibrio entre suas necessidades de sobrevivéncia e as dificul= dades e restrigdes impostas pelo meio, Essa adaptago torna-se possivel Btagas aos processos de assimilagao e de acomodagao (que, juntos, constituem 0 mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos. Assim, a inteligéneia é assimilagao por permitir ao individuo incor- potar os dados da experigncia. E também acomodagao, pois os novos dados incorporados acabam por produzir modificagées no funciona mento cognitivo da pessoa. Logo, "a adaptagao intelectual, como qual- quer adaptagao, ¢ exatamente o equilibrio progressivo entre o mecanis- mo assimilador e a acomodagao complementar" (Azenha, 1994: 26) Segundo Piaget ‘Ao mesmo tempo que, por meio do processo de assimilago/acomoda- snfees.come 30,0 individuo adapta-se a0 meio (elaborando seu conhecimento sobre Ckprensie ele) o seu proprio funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organi febd idarcom — zando, Uma das primeiras formas de organizacdo cognitiva ¢ 0 esquema. elemento do ambient, ascimiando-os A nogdio de esquema A crianga, ao nascer, € dotada de reflexos que sto reagdes automiticas desencadeadas por certos estimu'-los. | Esses reflexos (como o de sucgdo © 0 de preensio) possibilitam ao bebé lidar com o ambiente, E através deles que elementos do meio ambiente (como a chupeta, © seio mater, a mamadeita, 0 patinho de borracha, ete.) yao sendo assimilados pela crianga. A assimilagao, como vimos, provoca uma transformagdo dos reflexos, que gradativamente vao se diferenciando ¢ se tornando mais complexos ¢ flexiveis, deixando de ser simples respostas estereotipadas a estimulos determinados. Esse processo da origem a esquemas de acdo, tais como pegar, puxar, sugar, empurrar, et. Para entender o que & um esquema de ago, pensemos no esquema de preenstio. Um bebé pode pegar:-per exemplo, um pequeno cubo de madeira, uma boi a mamadeira ou 0 dedo de alguém. Relativamente a cada um desses objetos, a ago de pegar = apresenta pe quenas diferengas quanto aos movimentos que a crianga realiza, No entanto, em todas essas situagdes a agdo da crianga apresenta determina- ~ das caraetersticas que permitem chamé-la de pegar © que @ diferenciam He ooutras ages, como puxar, balangar ou empurrar. O esquema de agdo 1 Justamente, o que & generalizavel em uma ago, o que permite reconhecé-la e ertameaete do diferenc-la de ouras ages, independentemente do objeto aque se aplica. Sean mararg E por meio dos es 8] iniciode quemas de agdo que a crianga comega a conhecer a realidade, assi-milando-a e | atribuindo-the i significagBes. Quando pega” a mamadeir, ela al relaciona a seu esquema. pegar” e atribuishe 0 sentido de um objeto. "que se pega", Mas a crianga também aplica A mamadeira © esquema "sugar", Essas assimilagSes provocam transformagoes nos “per © ida que el dads a0 objto mamad “pegar” e "sugar", & medida que cles sfo acomodados a0 objeto mamadeirs. 1. womens (Os esquemas "pegar” c "sugar" acabam entBo por se coordenar. ore Vé-se que, mediante sucessivas assimilaySes © acomodaySes, o bebé vai crane conhecendo 0s objetos de seu mundo imediato. Eles s80 organizados em objetos "para olhar", "para pegar", "para sugar", "para empurrar", "para rmorder’, ‘para olhar e pegar", “para pegar e sugar", "para pegar e morder", © assim por dante ‘A organizagio do real por meio da ago marca 0 inicio do desenvolvi- mento cognitive da crianga. De acordo com Piaget, os esquemas de agio ampliamese, eoordenam-se entre si, diferenciam-se © acabam por se imeriorizar, transformando-se em esquemas mentais ¢ dando origem ao pensamento. Esse desenvolvimento continuo dos esquemas se di no sentido de uma adaptagdo cada vez mais complexa e diferenciada &realidade A nogao de equilibragio 0 processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piage- tiana, de fatores intemos ligados 4 maturagao, da experigneia adquirida pela crianga em seu contato com o ambiente e, principalmente, de um processo de auto-regulagdo que ele denomina equilibracao. Para Piaget, a equilibragao é uma propriedade intrinseca e consti tutiva da vida mental. Por meio dela € que se mantém um estado de equilibrio ou de adaptago em relagio ao meio. Toda vez. que, em nossa relagdo com o meio, surgem conflitos, contradigGes ou outros tipos de dificuldade, nossa capacidade de auto-regulagao ou equilibragao entra ‘io, no sentido de superé-los. Quando, por exemplo, um bebé tenta ‘um objeto pendurado sobre o bergo, 0 objeto pode oferecer algu- ncia a seu esquema de pegar, que, em desequilibrio, obriga-o a modificé-lo ou a coordend-lo com outro esquema, como o de puxar Essa atividade da crianga—a_acomodagio ou coordenagio de seus esquemas de agdo é-desencadeada gragas 4 sua capacidade de auto- regulagao, com o objetivo de compensar a resistencia oferecida pelo objeto e alcangar um novo estado de equilibrio. Quando falamos em alcangar um novo estado de equilibrio, quere- mos destacar que o processo de equilibragao nao consiste numa volta a0 estado anterior, mas leva a um estado superior em relagao ao inicial. No caso de nosso exemplo, o fato de a crianga néo conseguir pegar 0 objeto Jd indica que seus esquemas precisam ser aperfeigoados. A reequilibra- ¢40, por meio da acomodagao ou da coordenagao de seus esquemas, implica uma ultrapassagem da situag%o anterior, uma abertura para novas possibilidades de agao. A concepgio sobre estigios de desenvolvimento Poderiamos dizer, entio, que o desenvolvimento, na concep;i0 piggetiana, é fusdamentalmente um processo de equilibragbes sucessi- ‘vas que conduzem amaneiras de agir e de pensar cada vez mais comple- xas @ elaboradas. Bsse processo presenta perfodos ou estagios definidos, caracterizados pelo surgimenio de novas formas de organizaco mental Os estigios se sucedem mma ordem fixa de desenvolvimento, seado ‘um estagio sempre integrado 20 seguinte. Além disso, cada estgio se ca- racieriza por uma maneira tipica de agir e de pensar ¢ cosstitui uma forma particular de equilibrio em relacio 20 meio. A passagem de um estigio a outro se di através de uma equilibracio cada vez mais completa. Ou seja, 2 crianca passa de um estigio a outro de sau desenvolvimento cognitivo quando seus motos de agir © pensar mostram-se insuficientes ou inad: quados pare enfentar os noves problemas que surgem em oua rolagio com o meio. Essa insuficiéncia ¢ compensada pela atividade da crianca, que acaba por engendrar modes mais elaborados de aco e pensamento. © modelo de desenvolvimento cognitivo de Piaget destaca quatro periodos principais: o setisério-motor (do nascimento at6 aproximada- ‘mate 0s anos de idade), 0 pré-operatirio(dos 2 208 7 anos) 0 oporatorio conereto (dos 7 20s 11 anos) e 0 operatirio formal (dos 11 aos 15 anos). Os estagios do desenvolvimento cognitivo O periodo sensério-motor O periodo sensério-motor O desenvolvimento cognitivo se inicia a partir dos reflexos que gra- dualmente se transformam em esquemas de ac&o. Do nascimento até os 2 anos de idade, aproximadamente, a etianga passa do nivel neonatal, mar- cado pelo funcionamento dos reflexos inatos, para outré em que ela jé écapaz de uma organizagio perceptiva e motora dos fenémenos: do meio. De inicio, reflexos inatos respondem aos esémulos do meio. Luz, sons, contragbes faciais. A cabega volta-se para a ditegao de onde vemos sons. Calor, fro, fome, cheiros, choros... 0 corpo reflete o mundo e ainda nao se diferencia dele. A crianga age sobre o mundo. Ela repetidamente chupa o dedo,suga a pontinha da manga da roupa: movimentos no intencionais, cen-tralizados no seu proprio corpo, se repetem sempre. O reflexo inato de sugar assimila, incorpora novos elementos do meio (o dedo, a roupa) © a0 mesmo ‘tempo vai sendo transformado por eles (acomodagdo), pois sugar o seio ¢ diferente de chupar 0 dedo, que também ¢ diferente desugar a propria roupa. “Para conhecer 0s objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, por conseguinte, transformé-los: tem que deslocé-los, agrupé-los, com- biné-los, separd-los e junté-los”, afirma Piaget (1983: 14). A conscién- cia da crianga sobre o meio ex-terno se expande lentamente, conforme suas agdes se deslo- cam de seu proprio corpo paraos objetos. A mio agarra, ache ga 0 objeto a0 corpo, aboca que “experimenta, "empurra-o para longe de si. As pemas agitam-se em esperneios. Puxar, empur- rar, contrair, distender, apanhar, largar, juntar, espalhar, apertar, afrouxar, sio ages que também se repetem. Os olhos acompa- nham os ae. movimentos. 0 centro ndo & mais o corpo da erianga, jd que por intermédio des-sas ages a crianga manipula os elementos do meio. As apes agora sBorepetidas devido aos efeitos interessantes que produzem, analisa Piaget. Aos poucos, meios e fins vio sendo diferenciados e as ages comegam a ganhar intencionalidade, A descoberta casual de que a argola agarrada produz movimentos e sons num bringuedo suspenso acima do bergo leva a crianga a repetir o movimento. la age para atingir um propésito. Os movimentos ficam mais complexos, mais amplos, como engatinhar,por-se de pé, andar: ‘esse percurso 0 eu e o mundo tomam-se progressivamente dis- tintos. O individuo e os objetos diferenciam-se e organizam-se no pla- no das agdes exteriores, e a permangneia dos objetos vai sendo construida. brinquedo, que ao ser retifado da crianga deixava de existr para ela, passa a ser procurado. A erianga Comes s+ perceber que os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quando estio fora do seu campo de visio. Formam-se as primeiras imagens mentais dos objetos ausentes do meio imediato, Sao elas que possibilitam o desenvolvimento da fungao simbélica, mecanismo comum aos diferentes sistemas de representagdo (jogo, imitagdo, imagens interiores, simbolizagao). Com o desenvolvi- mento da fungao simbslica, a partir do segundo ano de vida, o eu € 0 mundo reorganizam-se num novo plano: o plano representativo A crianga reproduz, ou imita, utilizando gestos ou onomatopéias, ocomportamento e os sons de um modelo ausente, representando-o de alguma forma simbélica no jogo do faz-de conta. Por meio de uma ima-gem mental, um simbolo, comeca a imaginar fatos, objetos, pessoas, acontecimentos que ocorreram em outras ocasides, procurando re- lembra-los. O espago € o tempo se ampliam, & medida que o desenvol- vimento da fungdo simbélica a libera de agir somente em situagdes do meio imediato. Ela toma-se capaz de imaginar ages ou fatos sem praticd-los efetivamente. O periodo pré-operatério Representando mentalmente 0 mundo extemo ¢ suas proprias agbes, a crianga os interioriza. E nesse periodo que ela se toma capaz detratar os objetos como simbolos de outras coisas. O desenvolvimento darepresentagdo ctia as condigdes para a aquisigao da linguagem, pois a capacidade de construir simbolos possibilita a aquisigo dos significa- dos sociais (das palavras) existentes no contexto em que ela vive Nesse momento, a erianga deverd reconstruir no plano da repre- sentagdo aquilo que ja havia conquistado no plano da ago pritica. Assim, a diferenciago entre o eu e 0 mundo, que ja tinha se completa- do no plano da ago, deverd ser elaborada no plano da representagao. Centrada no seu préprio ponto de vista, a crianga ainda nao & capaz de se colocar no lugar do outro nem de avaliar seu proprio pensamento.Ela nao considera mais de um aspecto de um problema ao mesmo tem po, fixando-se sempre em apenas um deles. Ao repartir o refrigerante com 0 irmio, a crianga s6 considera a partilha justa se 0 liquido ficar em altura igual nos dois copos, mesmo que um deles seja visivelmente mais estreito, Ela considera apenas umadimensao do problema (a altura do liquido no copo), a mais evidente emtermos perceptivos. Nao é ainda capaz de raciocinar levando em conta as relagdes entre as varias dimensdes envolvidas (a largura e 0 formato do copo), ¢ 0 tipo de percepgao que tem dos objetos determina o tipo deraciocinio que faz sobre eles. Nas explicagdes que dé, 0 seu ponto de vista prevalece sobre as relagdes logicas. Ela diz coisas como "Ficou de noite porque 0 sol foi dormir", "Quem fez aquele rio foram os homens que moravam ali". Ages humanas explicam os fenémenos naturais, elementos da nature- 7a praticam agdes humanas, so dotados de intencionalidade © quali- dades humanas. Como a nogao de permanéneia dos objetos, que leva muito tempo a ser celaborada no nivel sensério-motor, os processos de raciocinio ligico © ‘0s conceitos demoram também um longo tempo para se desenvolver, & partir desses primeiros raciocinios (pré-lgicos) de que a crianga se torma capaz com a representagao. 0 periodo das operagdes coneretas B apenas ao final do periodo pré-operatirio, apés equilibragées, sucessivas, que o pensamento da crianga assume a forma de operagdes intelectuais. As operagGes sfo agGes mentais voltadas para a cons tatagdo e a explicagdo. A classificagao e a seriagao, por exemplo, so agdes mentais. Essas agdes so sempre reversiveis, ou? . seja, tém a propriedade de By ry voltar ao ponto de partida. " e/ + ‘A crianga toma-se capaz t de compreender 0 ponto de ista de outra pessoa e de 3 - conceitualizar algumas rela £ ges. Portanto, é nessa fase {que sio estabelecidas as bases para o pensamento ligico, > proprio do periodo final do de senvolvimento cognitivo. J oi perioto rt opratino. ‘emvametede ‘uma forma te oper SRINER TOES & ‘nt Nassas enna Abr Cuaal 1910. «4 A reversibilidade do pensamento possibilita 4 crianga construir noges de conservagio de massa, volume, etc. O pensamento reversivel pode ser definido como a capacidade de levar em considerago uma série de operagées que, revertidas, conduzem ao estado ocorre, por exemplo, com a nogio de conservagao de liq ‘ianga, num nivel operatério, é capaz de compreender que a quantidade de refrigerante contida em um copo permanece a mesma quando despejada em outro mais alto e mais estreito, embora o nivel do liquido “e tome mais elevado. Essa capacidade esta relacionada a possibilidade 51 de ela representar mentalmente a operaso inversa—o liquido retornando a0 copo originale, desse modo, compreender que a quan- tidade se mantém invaridvel, a despeito das alteragbes perceptiveis. As- sim, se for repartir o refrigerante com o irmao, despejando-o em dois copos de formatos diferentes, essa crianga tera condiges (diferente mente de uma crianga menor) de considerar as multiplas dimenses en- volvidas no problema, estabelecendo relagdes entre altura ¢ largura do copo e quantidade de liquido, Assim, pot meio das operagdes-inicialmente s6 aplicdveis a ob- jetos concrefos e presentes no ambiente— os conhecimentos cons- truidos anteriormente pela crianga vdo se transformando em conceitos. 0 periodo das operagdes formais Apenas na adolescéncia & que o individuo se torna capaz. de pensar abstratamente, refletindo sobre situagdes hipotéticas de maneira logica. ‘As operages mentais que aplicava s6 a objetos podem ser aplicadas, agora, também a hipéteses formuladas em palavras. ‘O pensamento sobre possibilidades, sobre acontecimentos futuros, sobre conceitos abstratos apresenta-se cada vez mais articulado, O adoles- ‘conte nao tem mais necessidade de estar diante dos objetos coneretos ou de ‘operar sobre eles para relaciond-los. Ele transforma os dados da experién- ‘ia em formulagdes organizadas ¢ desenvolve conexdes ldgicas entre elas, adolescente tornaese, enfim, capaz de pensar sobre o seu proprio pensamento, ficando cada vez mais consciente das operagdes mentais que realiza ou que pode ou deve realizar diante dos mais variados pro- blemas. Essa consei propésito do proprio pensamento "pode ser presumida pelo seguinte tipo, muito citado, de perguntas de adolescen- tes: ‘Eu me surpreendi pensando acerca do meu futuro e entio comecei 4 pensar por que estava pensando no futuro, ¢ af comecei a pensar por que eu estava pensando sobre por que eu estava pensando no meu futue ro" (Evans, 1980: 116) pesquisando a crianga: 0 método clinico Em 1919, trabalhando com Simon na padronizagao dos testes de inteligéncia, Piaget voltou sua atengo para as respostas tidas como er- radas dadas pelas criangas que participavam dos testes. Comegou a se preocupar com quais seriam as razdes das falhas das criangas em com- preender determinadas coisas, com qual seria o tipo de raciocinio impli- cito em suas respostas. Indagando-se sobre os processos de pensamento que estariam por tras das respostas erradas, Piaget desenvolveu um "método de obser- vagdo que consiste em deixar a crianga falar, anotando-se a maneira pela qual ela desenvolve o seu pensamento. A novidade consiste em deixar a crianga falar, seguindo suas respostas: guiada por elas, a crian- a é encorajada a falar cada vez mais livremente, Dessa forma, & pos- sivel obter em cada dominio da inteligéncia um procedimento clinico de exame que é anélogo ao que os psiquiatras adotaram como meio para a elaboragao do diagnéstico. E a resposta da crianga que deter- mina parcialmente © proximo passo do experimentador" (Azenha, 1994: 105). Piaget chamou esse tipo de procedimento de méiodo elinico. Em. algumas investigagdes, a crianga era incentivada a agir sobre objetos ¢ depois a falar sobre o que havia feito. Uma das situagdes mais famosas utilizadas por Piaget comegava com duas bolas iguais feitas com massa de modelar. Pedia-se a crianga ‘que as segurasse e perguntava-se se havia ou nao a mesma quantidade de massa nas duas bolas. Quando a crianga respondia afirmativamente, mudava-se a forma de uma das bolas, passando-a para a forma de um’ salsicha, por exemplo, © novamente se perguntava a crianga se havia na salsicha a mesma quantidade de massa que na bola. Algumas eriangas diziam que sim, explicando que havia a mesma quantidade porque se se fizesse de novo uma bola, esta seria igual & primeira. Outras, mais novas, davam explicagGes como "esta tem mais porque é mais comprida”, referindo- se a salsicha. Por meio de situagdes desse tipo, Piaget procurava compreender a ‘maneira de pensar da crianga em diferentes idades. Para ele, nao inte- ressava se a ctianga acertava ou errava ao responder, mas sim a maneira ‘como pensava no problema proposto. Seu objetivo era apreender 0 tipo de operagao mental que a crianga realizava (no caso desse exemplo, ele investigava as nogdes de conservagdo e a reversibilidade do pensamen- to da crianga). ‘Assim, com base nas pesquisas realizadas através do método clinico e também na observagao direta de seus proprios filhos, especialmente nos dezoito primeiros meses de vida, Piaget, auxiliado por indimeros colaboradores, foi gradativamente elaborando sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo da crianga. Desenvolvimento, aprendizagem e educagdo: a influéncia da abordagem piagetiana na escola ‘Vimos que, na concepsao piagetiana, o desenvolvimento da crian= ga 6 um proceso que depende essencial equilibragio, que é a Capacidade natural de auto-regulagdo do individuo. As estruturas cog- nitivas da crianga so elaboradas e reelaboradas continuamente a partir da sua agio (fisica ou mental) sobre o meio. De acordo com esse quadro tedrico, a aprendizagem praticamente no interfere no curso do desenvolvimento, A énfase nos processos internos ¢ na atividade construtiva da prépria crianga resulta em uma concepgao que considera a aprendizagem como dependente do pi cesso de desenvolvimento. Ou seja, aquilo que a crianca pode ou néo aprender & determinado pelo nivel de desenvolvimento de suas estrue turas cognitivas Segundo Piaget, tudo o que é transmitido crianga sem que seja compativel com seu estigio de desenvolvimento cognitive nao é de fato incorporado por ela. A crianga pode imitar mecdnica e externa- mente o adulto, mas nao compreende (e, portanto, nao conhece) 0 que esti fazendo, As formulagdes de Piaget tém tido grande influéncia sobre a prati- ca pedagégica, inclusive no Brasil. Ao destacarem 0 papel ativo da erianga no processo de elaboragao do conhecimento, tém sido responsi- veis por idéias como: o papel fundamental da escola & dar a crianga oportunidades de agir sobre os objetos de conhecimento; o professor nao deve ser aquele que transmite conhecimentos & crianga, mas sim uum agente facilitador e desafiador, de seus processos de elaboragao; a erianga & quem constrdi o seu proprio conhecimento, Sugestao de atividades Organizando as informagées do texto i Abaixo estdo relacionados os principais conceitos da teoriapia- getiana. Dé o significado de cada um deles. + adaptagio; + assimilagao; + acomodagao; + equilibragao: + esquema; + estdgio de desenvolvimento, 2. Sintetize as principais idéias de Piaget acerca do processo de desen- volvimento. 3. Faga uma comparaso, apontando as semelhangas e diferengas, entre as maneiras como 0 desenvolvimento é visto pelas abordagens pia- getiana, inatista-maturacionista e comportamentalista. Compare sua resposta com as de seus colegas, num debate que envolva a classe toda. Refletindo sobre as informages do texto Comente uma das afirmagGes abaixo: + "Pelo proprio fato de todo conhecimento ser, ao mesmo tempo, acomodagao ao objeto e a ilagdo do sujeito, o progresso da inteligéncia (desenvolvimento psicoldgico) opera no duplo senti do da exteriorizagao e da interiorizagio, e seus dois pélos serio 0 dominio da experiéncia fisica ¢ a conscientizagao do préprio fun cionamento intelectual” (Piaget, A construgdo do real na crianga) ‘Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, por con= seguinte, transforméelos: tem que deslocé-los, agrupilos, combiné-los, separéclos e junté-los, Nesse sentido, o conhecimento no é nem uma cépia interior dos objetos ou acontecimentos do real, nem 0 mero reflexo desses objetos e acontecimentos que se imporiam ao sujeito. Ele é uma compreensdo do real, construida a partir de modos de ago do sujeito sobre o meio, dependendo dos dois — sujeito e objeto — ao mesmo tempo” (Piaget, A epistemologia genética). "Cingiienta anos de experiéncia ensinaram-nos que no existem conhecimentos resultantes de um simples registro de observacdes, § 5 sem uma estruturagao devida as atividades do individuo, Mas, ‘tampouco, existem estruturas cognitivas a priori ou inatas: 86 0 funcionamento da intelig hereditério, e s6 gera estruturo mediante uma organizagdo de agdes sucessivas, exercidas sobre os objetos" (Piaget. Apud: Piatelli-Palmarini, Teorias da linguagem teorias da aprendizagem). Pesquisa de campo Voc ja deve ter ouvido falar em construtivismo. Essa palavra, que vem ganhando destaque entre os educadores brasileiros desde a década de 70, origina-se na teoria piagetiana: "Uma concepedo construtivista da inteligéncia, como acentua Piaget, incluiria a descriedo ¢ a explicagdo de como se constréem as ‘operacdes intelectuais ¢ as estruturas da inteligéncia, que, mesmo nao determinadas por ocasiao do nascimento, sdo gradativamente elaboradas pela propria necessidade ldgica” (Azenha, M. G. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreito).. Converse com alguns professores da’. 8 4* série e da pré-escola. Pergunte-Ihes como definem 0 construtivismo ¢ que pensam de sua relagdo com a educagao. Anote suas respostas. Conftonte as respostas dos professores com a definigao acima, Ela- bore, a partir desse confronto, tre as teorias psicologicas e a pritica dos professores, Exercitando a anilise Retome os dados das entrevistas com pais e professores realizadas ao final do estudo do segundo capitulo, Destaque agora nas respostas dadas por pais e professores aspectos que as associam a uma visao pia- getiana de desenvolvimento, Sugestao de leituras jo Paulo: AZENHA,M. G. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro. S Atica, 1994 CASTRO, A. D. Piaget e a pré-escola. Séo Paulo: Pioneira, 1986. EVANS, R. I. Jean Piaget: 0 homem e suas idéias. Rio de Janeiro: Fo-rense-Universitéria, 1980. PIAGET, J., INHELDER, B. Psicologia da erianga, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. RAMOZZI-CIIAROTTINO, Z. A teoria de Jean Piaget ¢ a educagao, In: PEN- TEADO, W. A. P. Psicologia e ensino, Si Paulo: Papelivros, 1986. Filme recomendado Os transformadores, documentitio apresentado pela TV Cultura (epi- sédio Piaget). FONTANA, R.A. C; CRUZ, M. N Licenciatura em Pedagogia FONTANA, R. A. C; CRUZ, M. N. A abordagem historico-cultural. In: FONTANA, R. ‘A.C; CRUZ, IV. N. Psicologia e trabalho pedagégico. Sao Paulo: Atual, 1997p. 57-65. VIOTTO FILHO, Irineu A. Tuim; PONCE, Rosiane de Fatima; ALMEIDA, Sandro Henrique Vieira de. As compreensdes do humano para Skinner, Piaget, Vygotski e Wallon: pequena introducao as teorias e suas implicagées na escola Psic. da Ed., Sao Paulo, 29, 2° sem. de 2009, pp. 27-55. Disponivel em: Acessc em 21 mar. 2022. Histérico-cultura Capitulo 5 A abordagem hist6rico-cultural interesse em explicar como se formaram, ao longo da histéria do. roy. homem, as caracteristicas tipicamente humanas de seu comportamento como elas se desenvolvem em cada individuo constitui a base da abor- dagem hist6rico-cultural em psicologia, desenvolvida por um grupo de psiedlogos sovieticos liderado por L. S. Vygotsky. 0 principio orientador da abordagem de Vygotsky € a dimensdo sdcio-histériea do psiquismo. Segundo esse principio, tudo o que é especificamente huma- Ano € distingue o homem de outras espécies origi- na-se de sua vida em sociedade. Seus modos de perceber, de representar, de explicar ¢ de atuar sobre © meio, seus sentimentos em relagdo ao mundo, ao outro ¢ a si mesmo, enfim, seu fun, cionamento psicoligico, vao se constituindo | nas suas relagdes sociais, A crianga, analisam Vygotsky e seus cola- boradores, ndo nasce em um mundo "natural". Ela nasce em um mundo humano. Comega sua vida em meio a objetos e fendmenos criados pelas geragdes que a precederam e vai se apropriando deles conforme se relaciona socialmente e participa das atividades e praticas culturais Desde o nascimento, a crianga esté em constante interagdo com os adultos, que compartilham com ela seus modos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de pensar, integrando-a aos significados que foram sendo produzidos e acumulados historicamente. As atividades que ela realiza, interpretadas pelos adultos, adquirem significado no sistema de comportamento social do grupo a “e perten Nesse proceso interativo, as reagdes naturais herdadas biologi- Samente de resposta aos estimulos do meio (tais como a pe Meméria, as ag simples) entrelagam-se aos processos cultue ralmente organizados ¢ vo se transforman- do em modos de agdo, de relagdo e de repre- sentagdo caracteristicamente humanos. "Podemos dizer que cada individuo aprende a ser homem’, escreveu Leontiey um dos psicélogos que integravam 0 grupo de Vygotsky. Assim, de acordo com a perspectiva his-térico-cultural, a relagao entre o homem € 0 meio fisico e social nao é natural, total e diretamente determinada pela estimulagao ambiental. E também nao € uma relagao de adaptagao do organismo ao meio. Questionando as teorias psicolégicas de sew tempo, entre as quais aquelas que se apoiavam em modelos biolégicos para expli- car o desenvolvimento humano (como as que jé estudamos até aqui), Vygotsky desta- cava que, diferentemente das outras espé- cies, 0 homem, pelo trabalho, transforma o meio produzindo cultura. ertanga nase em A transformagio do biolégico em histérico-cultural som mundo Iumano, 0 Uso de instrumentos Quando sente fome, um animal procura comida na natureza, © seu comportamento, nesse caso, ¢ orientado exclusivamente pelas suas pos-sibilidades © caracteristicas biolégicas (um predador age diferentemen- te de um herbivoro) e pelas resisténcias ou facilidades que 0 ambiente Ihe impée (abundancia ou escassez de alimento, por exemplo). J 0 homem cria instrumentos. Pode-se considerar instrumento tudo aquilo que se interpée entre o homem ¢ o ambiente, ampliando © modificando suas formas de ago. Sdo instrumentos, por exemplo, a enxada, a serra, 0 arado, as méquinas, usados no trabalho. Criados pelo homem para Ihe facilitarem a agio sobre a natureza (0 arado, para arar a terra; a serra, para cortar as drvores © transformé-las em madeira, etc), os instrumentos acabam transformando 0 préprio comportamento hu- mano, que deixa de ser uma agdo direta sobre 0 meio, controlada apenas pela relagio entre as necessidades de sobrevivéncia e 0 ambiente. 0 instrumento amplia os modos de agdo naturais do homem ¢ seu alcance. Assim, da mesma forma que atua sobre a natureza, transformando-3, 0 homem atua sobre si préprio, transformando suas formas de agir. Segundo a abordagem histérico-cultural, a relagao entre homem e meio & sempre mediada por produtos culturais humanos, como o instrumento ¢ signo, € pelo “outro” Quem foi Vygotsky? Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, Bielo-Riissia, e faleceu prematuramente, aos 38 anos, em 1934, vitima de tuberculose. Concluiu seus estudes em Direito ¢ Filologia na Universidade de Moscou, em 1917. Posteriormente estudou Medicina. Lecionow iteratura e psicologia em Gomei, de 1917 a 1924, quando se mudow novamente para Moscou, trabalhando, de inicio, no Instituto de Psicologia ¢, mais tarde, no Instituto de Defectologia, por ele fundado. Dirigi, ainda, um Departamento de Educagdo para deficientes fisicas retardados mentais. De 1925 a 1934, Vygotsky lecionow psicologia ¢ pedagogia em Moscou e Leningrado. Nessa ocasido, iniciou estudo sobre a crise da psicologia, buscando uma alternativa dentro do mate- rialismo dialético para 0 conflito entre as concepgdes idealista ¢ ‘mecanicista. Tal estudo levou Vygotsky e seu grupo—entre eles A, R. Luria ¢ A. N. Leontiev-a propostas tedricas inovadoras sobre temas como: relagdo entre pensamento ¢ linguagem, natureza do proceso de desenvolvimento da crianga e o papel da instrusiio no desenvolvimento, Vygotsky foi ignorado no Ocidente e teve a publicagdo de suas obras suspensa na Unido Soviética de 1936 a 1956. Hoje, no entanto, a partir da divulgagdo feita, seu trabalho vem sendo profundamente estudado e valorizado. ‘A morte prematura de Vygotsky interrampeu uma carreira brithante, da qual podemos resgatar hoje importantes contribuighes, A atwalidade dos temas tratados por ele é 0 sinal mais evidente de que estamos diante de uma obra da maior significagao, © fundamento bésica de suas hipdteses de que os processos psicolégicos superiores humanos sdo mediades pela linguagem e estruturados ndo em localizagdes anatdmicas fixas no cérebro, mas em sistemas funcionais, dinémica e historicamente mutdveis, levou-o, Juntamente com Luria, por volta de 1930, a se interessar pela fendmeno da instalagdo, perda e recuperacdo de fiungdes ao nivel do sistema nervoso central. Estes estudos foram continuados por Luria, apés sua morte, erid de Vogt Lai, Lee, guage dea meno aprendzogem Sto Pal ene. 1988) uso de signos 0 signo & comperado por Vygotsky ao instrument e denominado por ele “instrumento psicoldgico”. Tudo 0 que ¢ utilizado pelo homem para representar, evocar ou tomar presente 0 que esté ausente constitui um signo: a palayra, © desenho, os simbolos (como a bandeira ou o emblema de um time de futebol, et Enquanto © instrumento esté orientado externamente, ou seja, para a ‘modificagdo do ambiente, 0 signo ¢ internamente orientado, modifi- cando 0 funcionamento psicol6gico do homem, Bairavés dos signos que realzamos mutes de nossas apdes 60 Utilizamos os signos para desempe_ nhar diversas atividades. Anotar um Jcompromisso na agenda, fazer uma lista de convidados, colocar rétulos em objetos, usar palitos para fazer contas, contar uma histéria, seguir uma partitura musical, fazer a planta de uma construgao s30 formas de utilizagio de signos qu.' ampliam nossas possibilidades de_me- méria, raciocinio, planejamento, imagi- nagio, ete De acordo com a concepeao histéri- co-cultural, & importante considerar que utilizago dos instrumentos ¢ dos signos nao se limita a experiéncia pessoal de um individuo. Quando utilizamos um martelo, por jexemplo, estamos incorporando a nossas agdes as experiéncias das geragSes pre- cedentes, uma vez que o préprio martelo, 0 modo de manipulé-lo e a finalidade de seu uso nos so transmitidos nas nossas s com 0 outro. O acesso a escrita, as notagGes musicais, as convengdes grificas e a palavra, por stia vez, também se faz na interasio com outras pessoas, sendo. uma incorporagdo de experiéncias anteriores de determinado grupo cultural No caso da linguagem, que € 0 sistema de signos mais importante para ‘© homem, os significados das palavras sio produto das relagdes t6ricas entre os homens. © papel do outro e a intemalizagao A apropriagdo dos instrumentos ¢ dos signos pelo individuo ocorre sempre na interagao com o outro. "O caminho do objeto até a crianga e desta até o objeto passa atra- vés de uma outra pessoa’, escreveu Vygotsky. "Essa estrutura humana complexa é 0 produto de um processo de desenvolvimento profunda- ‘mente enraizado nas ligagdes entre histéria individual e histéria social" (1984: 37). Desde © nascimento, a crianga tem com o mundo uma relagio ‘mediada pelo outro e pela linguagem. O adulto ensina a crianga a utili zat os objetos-ele agita 0 chocalho diante dela, ajuda-a a pegé-lo, ensina-a a chutar a bola, a comer com talheres, a tomar banho, avestit~ se, a falar ao telefone. O adulto aponta, nomeia, destaca, indica os objetos do mundo para a crianga, ao mesmo tempo que atribui significagdes aos seus comportamentos. Quem jé viu um adulto lidando com um bebé, sabe que o adulto fala o tempo todo, dando nomes para os objetos, dirigindo a atengo da crianga ¢ interpretando tudo o que ela faz, ‘Aos poucos a erianga aprende a falar e passa a guagem para regular suas agGes, conferir sentido as coisas. Ela pode, a0 mexer no botio da televisio, por exemplo, dizer “Nao pode!”. Ou, quan-do tropega, falar “Caiu!”. Ou, quando vé um prato de sopa, falar “Papal” E na sua relag%o com 0 outro que a crianga vai se apropriando das significagdes socialmente construfdas. Desse modo, € o grupo socialque, por meio da linguagem e das significagdes, possibilita 0 acesso a formas culturais de perceber ¢ estruturar a realidade, A partir de suas relagies com 0 outro, a criangal reconstroiinteramente as formas culturais de agio e Pensamento, assim como as significagSes © os usos dal palavra que foram com ela| compartilhados. A esse processo| interno de reconstrugao de uma| operagio externa, Vygotsky da o| nome de inter-nalizacao. Na internalizacdo, a ativie dade interpessoal transforma-se para constituir 0 funcionamento| interno (intrapessoal) (Goes, 1991). Desse modo, a abordagem histérico-cultural considera que toda fungaripsicologica se desenvolve em dois planos: primeiro, no da rela- do entre individuos e, depois, no proprio individuo. O processo de de- senvolvimento vai do social para o individual, ou seja, as nossas manei- ras de pensar e agir so resultado da apropriagao de formas culturais de ago e de pensamento, Logo, para Vygotsky as origens e as explicagdes do funcionamento psicolégico do homem devem ser buscadas nas interagdes sociais. Fai {que o individuo tem acesso aos instrumentos e aos sistemas de signos que possibilitam o desenvolvimento de formas culturais de atividade e permitem estruturar a realidade e o proprio pensamento. Pesquisando a crianga: desenvolvimento papel do signo no ‘Ao estudar o desenvolvimento da crianga, as patologias ¢ a defi- ciéncia mental, Vygotsky baseou-se em observagées e experimentagao. em situagdes variadas. Ele defendia a idéia de que o trabalho experi- mental néo devia limitar-se a modelos de laborat6rio divorciados das atuagées naturais da vida, podendo ser realizado em situagdes de brin- cadeira, de aprendizado, nas conversagdes informais, na escola, na fa- milia ou em um ambiente Acrianga conhece o mando por meo de suas relasdes com os [Nas situagBes experimentais por ele eriadas, seu objetivo fundamental era o de estudar o processo de constituigao da atividade mediada. Ou seja, para Vygotsky interessava investigar os modos como a crianga utilizava os signos para executar tarefas envolvendo, por exemplo, a atengio a meméria, a percepedo; os modos de participagdo do outro na resolugao dessas tarefas; e 0s ‘modos como a prépria situasao estimuladora ia sendo ativamente modificada no processo de resposta a ela. Nessas condigbes, os dados fundamentais do experimento no eram as respostas dadas pelas criangas, e sim os modos pelos quais elas chegavam as respostas € as condiedes em que elas as elaboravam. Assim, as questdes centrais a que © experimentador voltava sua ateng#o eram: O que a crianga esté fazendo? Como ela tenta satisfazer as exiggncias da tarefa que the foi proposta? De que recursos langa mo? Que tipo de ajuda solicita, e a quem? © que é um obstéculo, uma dificuldade pata ela na situagdo? Como ela utiliza as pistas e as ajudas que the so oferecidas durante a realizagdo da atividade experimental? ‘Nos estudos desenvolvides por Vygotsky ¢ seu grupo, © observador desempenhava um papel diferente do exercido nos outros estudos que vimos até aqui. Como mediador da elaboragao da crianga, 0 experimentadar era mais que um mero observador. Sua participasdo constituia um dos dados da Pesquisa. Ele interagia com a crianga, falando com cla, acolhendo suas dvidas e comentarios, propondo a ela caminhos alternatives para a solugdo da situago-problema, oferecendo-Ihe, inclusive, materiais que pudessem ser utilizades de modos diversos para 0 cumprimento da tarefa. Ele também conversava com a crianga sobre as soluges encontradas, procurando ouvir dela propria a explicagao de como tinha chegado & solugao das tarefas, Um experimento desenvolvido por Leontiev para estudar 0 papel desempenhado pelos signos mediadores no desenvolvimento da atengdo voluntéria pode ilustrar a forma como trabalhava o grupo de pesquisa de Vygotsky, A atengdo, assim como a percepgio © a meméria, € uma atividade psicolégica com a qual nascemos, Como o de outras espécies, nosso ‘organismo 6 dotado de mecanismos neurolégicos inalos que permitem selecionar estimulos do ambiente apropriados & sobrevivéncia, Nescemos com mecanismos de atengo involuntiria, que nos permitem perceber e responder ‘utomaticamente a ruidos fortes, abjetos em movimento e mudangas bruscas, do ambiente, No entanto, a0 longo de nosso desenvolvimento, tornamo-nos cat pazes de dirigir 2 ateng3o ndo s6 para os estimulos ligados a nossa sobrevivencia, ‘mas também para situagées ou elementos que nos interessam. Por exemplo, 20 lermos determinado livro, dizemos que ele "prende nossa ateng#o", quando somos capazes de ignorar, durante a leitura, os ruldos do ambiente ou movimento das pessoas em tomo de nés. E, na escola, uma crianga pode permanecer alheia a tudo © que a professora esta explicando ou eserevendo na lousa, a despeito da sua movimentagao pela classe, do som da sua voz ou do fato de ser diretamente solicitada a prestar atensao. ‘Ao dirigirmos deliberadamente nossa atengdo para estimulos do meio que consideramos relevantes, transformamos aquele mecanismo biolbgico de atengao involuntéria em um mecanismo de atengao volun- taria, em uma atividade psicoldgica controlada por nds mesmos, Essa transformagdo, segundo Vygotsky, esté relacionada ao significado dos estimulos, 0 qual vai sendo produzido em nossas relages sociais € nas nraticas culturais dos grupos a que pertencemos, Assim, para estudar como um elemento auxiliar externo pode con= trolar e direcionar a atengdo da crianga, Leontiev utilizou um jogo in- fantil tradicional na Europa, o das palavras proibidas, equivalente a0 nosso jogo do "sim, nao e porque" (O pesquisador participava do jogo fazendo perguntas as criangas, que deveriam responder sem utilizar determinadas palavras, como, por exemplo, azul e vermetho, ‘Num primeiro momento, o pesquisador formulava perguntas como "Qual a cor de sua blusa?", "Qual a cor do céu?", "Qual a cor da maca?", e as criangas respondiam a elas. Num segundo momento, ele fazia as mesmas perguntas mas entregava as criangas cartdes coloridos que elas poderiam utilizar, se quisessem e como quisessem, Com a introdugdo dos cartes (como recurso auxiliar para a execu- ao da tarefa), procurava-se verificar se as criangas os utilizavam ou go como suportes para sua atengao e meméria e de que modos 0 fa- ziam. Algumas criangas nao utilizavam os cartes, outras separavam os que apresentavam as cores proibidas ¢ os consultavam antes de respon der a pergunta, cometendo assim um nimero menor de erros. E se 0 resultado foi interpretado como um indicador de que elemen- tos mediadores externos, os cartBes, incorporados a atividade da crian- ¢a, ampliavam sua capacidade de atengio e meméria, possibilitando a ela ter maior controle voluntério de sua propria atividade. Desenvolvimento, aprendizagem e educagdo: a influéncia da abordagem histérico-cultural na escola Como vimos, 0 desenvolvimento é entendido por Vygotsky como tum processo de internalizagao de modos culturais de pensar e agir. Esse processo de intemnalizagao inicia-se nas relagdes sociais, nas quais os adultos ow as criangas mais velhas, por meio da linguagem, do jogo, do razer junto” ou do "fazer para", compartilham com a erianga seus s ‘temas de pensamento e agao. Embora aponte diferengas entre aprendizado ¢ desenvolvimento, Mgisky considera que esses dois processos caminham juntos desde © Primeiro dia da vida da crianga que 0 primeiro — o aprendizado suscita e impulsiona o segundo — desenvolvimento, Ou seja, tudo Assim, segundo Vygotsky, 0 conhecimento do mundo passa pelo outro, sendo a educagao "o trago distintivo fundamental da histéria do pequeno ser humano. A educagao pode ser definida como sendo o de senvolvimento attificial da ctianga. Ela é o controle artificial dos pro- cessos de desenvolvimento natural. A educagao faz mais do que exercer influéncia sobre um certo niimero de processos evolutivos: ela rees- trutura de modo fundamental todas as fungGes do comportamento” (1985: 45). Os processos de aprendizado transformam-se em processos de de- senvolvimento, modificando os mecanismos biolégicos da espéci Sendo um processo constitufdo culturalmente, o desenvolvimento psi- coligico depende das condigdes sociais em que & produzido, dos modos como as relagdes sociais cotidianas sio organizadas e vividas ¢ do aces- so as praticas culturas. Em razo de privilegiar 0 aprendizado e a de produgo no processo de desenvolvimento, Vygotsky colocou em discussdo os indicadores de desenvolvimento utilizados pela psicologia da época. Para avaliar o desenvolvimento de uma crianga, os psiedlogos con- sideravam apenas as tarefas e as atividades que ela era sozinha, sem a ajuda de outras pessoas. Procedendo assim, os psicélo- gos, segundo Vygotsky, apreendiam apenas seu nivel de desenvolvie mento real, isto é, "o nivel de desenvolvimento das fungdes mentais da crianga que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de volvimento ja completados"- (Vygotsky, 1984), Ao considerarem apenas o desenvolvimento real, problematizava Vygotsky, os psicélogos voltavamese para o passado da erianga. Ou seja, apreendiam processos de desenvolvimento jé concluidos. No entanto, destacava ele, nas situagdes de vida didria e mesmo na escola, era possivel perceber que as atividades que a crianga realizava sozinha, por exemplo, comer com a colher, amarrar os sapatos, montar ‘uma torre com pegas de tamanhos diversos, escrever, foram ant partilhadas com outras pessoas. Sua proposta, entdo, era a de que se trabalhasse também com os indicadores de desenvolvimento proximal, que revelariam os modos de agit e de pensar ainda em elaboragao e que requerem a ajuda do outro para serem realizados. Os indicadores do desenvolvimento proximal seriam as solugdes que a crianga consegue atingir com a orientagdo ¢ a colaboragdo de um adulto ou de outra crianga. Segundo sua andlise, o aprendizado (a atividade interpessoal) pre- cede © impulsiona o desenvolvimento, criando zonas de desenvolvi- ‘mento proximal, ou seja, processos de elaboragao compartilhada ‘Observar a atividade compartilhada da crianga possibilita olhar para o seu futuro, pois "o que é 0 desenvolvimento proximal hoje seré 0 nivel de desenvolvimento real amanha-ou seja, aquilo que a crianga € capaz de fazer com assisténcia hoje ela serd capaz de fazer sozinha ama- nha" (Vygotsky, 1985). Além disso, o desenvolvimento proximal como desenvolvimento elaboragdo possibilita a participagio do adulto no processo de * rendizagem da crianga. Para consolidar ¢ dominar autonomamente as Yvidades e operagdes culturais, a crianga necessita da mediagao do * wo O mero contato da crianga com os objetos de conhecimento ou ° m0 sua imersio em ambientes informadores ¢ estimuladores nao "arante a aprendizagem nem promove necessariamente o desenvolvimento, uma ver que ela ndo tem, como individuo, instrumental para reanizar ou reeriar sozinha © proceso cultural (Oliveira, 1995). Portanto, & no campo do desenvolvimento em elaboragao que a oarticipagao do adulto, como pai, professor, parceiro social, se faz necessér Conforme alertava Vygotsky, "o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento” (1984: 101). O papel da escolarizagaio © modo como Vygotsky concebia ¢ analisava o desenvolvimento humano levou-o a discutir explicitamente o papel da escolarizagdo. Di- ferentemente de outros psicdlogos, Vygotsky considerou as espe- cificidades das relagdes de conhecimento produzidas na escola, distin« guindo-as das relagdes de conhecimento cotidianas. Em nossas sociedades, a escola é uma instituigio encarregada de possibilitar 0 contato sistematico ¢ intenso das criangas com o sistema de Ieitura e de escrita, com os sistemas de contagem e de mensuracdo, ‘com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disci- s cientificas, com os modos como esse tipo de conhecimento & elaborado e com alguns dos variados instrumentos de que essas ciéncias se utilizam (mapas, diciondrios, réguas, transferidores, maquinas de calcular, etc), Asrelagtes de ‘onecimento Irovadas na scola tim wma aturesa distin das demate 65 Embora chegue & escola jé dominando iniimeros conhecimentos € ‘modos de funcionamento intelectual necessérios a elaboragao dos co- nhecimentos cientificos sistematizados, durante 0 processo de educa- ¢a0 escolar a crianga realiza a reelaboragao desses conhecimentos me- diante © estabelecimento de uma nova relagao cognitiva com © mundo ecom © seu proprio pensamento. © estudo da aritmética, por exemplo, ndo comega do zero. Ao che- gar A escola a crianga ja passou por experiéncias anteriores relativas a quantidades, determinagao de tamanho, operagdes de divisio, adigao ete O mesmo acontece quanto a escrita ¢ as operagées mentais utilizadas em situagdes do cotidiano, Nas brincadeiras, nas tarefas da casa, nas compras que faz para a mae, a crianga, imitando os mais velhos, "escreve", classifica, compara, seria, estabelece relagdes entre os elementos de uma situagdo, etc. Nessas situagdes, sem que ela prépria e seus parceiros sociais percebam, 05 conhecimentos vao sendo elaborados ao ritmo da propria vida, entrelagados as emogGes, as necessidades e interesses imediatos da atividade em que esta envolvida. _, Na escola, as condig6es se modificam. Ali as relagdes de conhecimento so intencionais e planejadas. A crianga sabe que estd ali para apropriar-se de determinado tipo de conhecimentos © de modos de pensar e de explicar 0 mundo, organizados segundo uma légica que ela deverd apreender, — A professora acompanha a crianga: orienta sua atengdo, destacan-do elementos das situagGes em estudo considerados relevantes & com- preensdo dos conhecimentos nelas implicados; analisa as situagdes para € com a crianga ¢ leva-a a comparar, classificar, estabelecer relagdes lgicas; demonstra como usar determinados procedimentos | da matematica ¢ da escrita; ensina a utilizar 0 mapa, os equipamentos de laboratério, ete A crianga, por sua vez, raciocina com a professora. Segue suas exe s, reproduz. as operagdes Iégicas realizadas por cla, -las completamente. Nessas situagdes compartilhs das com a professora, a crianga aprende significados, modos de agir € de pensar, ¢ comega a elabordelos. Ela também re-significa e reestrutura significados, modos de agir e de pensar, e comega a se dar conta das atividades mentais que realiza e do conhecimento que esta elaborando. Nesse sentido, destaca Vygotsky, a educagio escolarizada e 0 pro- fessor tém um papel singular no desenvolvimento dos individuos. Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dando assisténcia, 0 professor interfere no desenvolvimento proximal de seus alunos, contribuindo para a emer; de processos de elaboragio € de desenvolvimento que nao ocorreriam espontaneamente. ‘A escola, possibilitando 0 contato sistemitico e intenso dos indi- viduos com os sistemas organizados de conhecimento ¢ fornecendo a eles instrumentos para elabord-los, mediatiza seu processo de desen- volvimento.

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