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Parte J] Diretrizes Educacionais - Pedagogicas para rede Municipal de EducaGa@o Infantil de Florianopolis Diretrizes Educacionais - Pedagégicas para a Educagio Infantil" Eloisa Acires Candal Rocha Universidade Federal de Santa Catarina Nacleo de Estudos e Pesquisas da Educacio da Pequena Infancia Aintensidade dos estudos, dos debates ea acumulacao das experiéncias educativas no Ambito da educacao infantil em Florianépolis, representam, em alguma medida, aquele que tem sido 0 movimento nacional em torno da defini¢ao das orientagdes educativas para as criangas de zero a seis anos. Contudo, nao hé diivida de que em Florianépolis existem significativos diferenciais no que diz respeito a organizacao do sistema, ao grau de formacao inicial e continuada dos profissionais e, principalmente, em relagao ao nivel de mobilizagdo alcangado neste coletivo frente a algumas das principais questdes e desafios tebrico-praticos gerados nos espacos ptiblicos de educagao infantil.” Desde a definigao dos “Princfpios Pedagégicos para a Educagao Infantil” (2000), no documento orientador da rede municipal, que resultou de um amplo proceso de discussao, muitas tém sido as demandas tedricas e préticas, 0 que vem exigindo continuidade no proceso de reflexao ede debate coletivo, no sentido de orientar e apoiar a tomada de decisoes que, tanto direta como indiretamente, definem o trabalho educativo nas creches e nticleos de educagao infantil do municfpio. Nesse texto pretendemos retomar algumas daquelas bases pedagégicas jé definidas com o intuito de ampliar e esclarecer aspectos centrais das orientacdes apresentadas em * O termo “educacional-pedagégico” é utilizado por Maria Lticia Machado para explicitar as diferentes, dimensGes destas bases no plano politico, institucional e pedagégico propriamente dito (com carter de intencionalidade definida, planejada e sistematizada da agao junto a crianga), que ao meu ver integram a definicdo dos Projetos Politicos Pedagégicos nas unidades de E.Infantil Outros autores optam por denominar estas bases ou orientagbes como propostas, programa pedagégico ou curricular. Ver em MEC/COEDI, 1996) * Agradeco o proficuo debate com a equipe da coordenagao da Educacao Infantil no ano de 2007 ea indicagdo de t6picos para aprofundamento. Agradeco também aos profissionais da rede com os quais tenho convivido de forma mais proxima nos ciclos de debate do NUPEIUN, nos estagios do curso de Pedagogia e através das pesquisas, que abrem o didlogo e nos permitem confrontar e ampliar pontos de vista sobre a realidade. Espero que neste texto, que busca sistematizar os caminhos de um debate, ter conseguido ser minimante fiel as suas contribuigées. documentos anteriores. Referiremos-nos especialmente a funcao social da educagao infantil, aos nticleos da aco pedagégica ¢ as implicacdes desses aspectos para uma definiciio do carater da docéncia, ou seja, do papel das professorase professores. Na dificil tarefa de ter que selecionar, dentro dos limites de espaco e tempo que 0 momento comporta, em busca dos objetivos que nos propuzemos atingir, resolvemos, inicialmente, retomar, como referéncia, as proprias deliberacées definidas pelas “Diretrizes para a Educacao Infantil Nacional”, relativas as propostas pedagégicas e seus fundamentos, expressas em carater mandatario: 1 - As Propostas Pedagégicas das Instituigoes de Educagio Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores: a) Principios Eticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b)_ Principios Politicos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercicio da Criticidade e do Respeito a Ordem Democritica; ©) Principios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade ¢ da Diversidade de Manifestagdes Artisticas e Culturai Neste sentido, reafirma-se o reconhecimento da especificidade da educacao infantil como primeira etapa da educacdo basica, cuja funcao sustenta-se no respeito aos direitos fundamentais das criancas e na garantia de uma formacao integral orientada para as diferentes dimensdes humanas (lingiifstica, intelectual, expressiva, emocional, corporal, social e cultural), realizando-se através de uma agao intencional orientada de forma a contemplar cada uma destas dimensdes como nticleos da acao pedagogica. O desenvolvimento das experiéncias educativas com as bases acima expostas depende de uma organizacdo pedagégica cuja dinamica, ou se preferirem, metodologia, se paute na intensificagao das acdes das criancas relativas aos contextos sociais e naturais, no sentido de amplié-los e diversificé-los, sobretudo através das interacées sociais, da brincadeira e das mais variadas formas de linguagem e contextos comunicativos. Consideramos que estas formas privilegiadas pelas quais as criancas expressam, conhecem, exploram e elaboram significados sobre o mundo e sobre sua propria identidade social, indicam a impossibilidade de organizar e planejar de forma separada e parcial cada um dos diferentes micleos da aco pedagégicana educacao infantil. Nesta diresio, a apropriagdo dos sistemas simbélicos de referencia exige, essencialmente, considerar as criangas como ponto de partida, inseridas, como nao poderia deixar de ser, no ambito de uma infancia determinada. A responsabilidade de dirigir o desenvolvimento da agéo educativa envolve, para nés, um compromisso com o desenvolvimento e a aprendizagem das criancas a partir da ampliacao das experiéncias proximas e cotidianas em diresao a apropriacao de conhecimentos no ambito mais ampliado ¢ plural, porém, sem finalidade cumulativa ou com cardter de terminalidade em relacao a elaboragao de conceitos. Anecessidade de darmos visibilidade aos nicleos da acio, como forma de orientar a organizacao do trabalho diario junto as criancas, nao prescinde da afirmagao de uma pedagogia que tome a infancia como um pressuposto; que reconheca as criangas como seres humanos concretos ¢ reais, pertencentes a contextos sociais ¢ culturais que as constituem. Enquanto construcdo social, a infancia deve ser reconhecida em sua heterogeneidade, considerando fatores como classe social, etnia, género, religido, como determinantes da constituicao das diferentes infanciase de suas culturas. Neste sentido, cabe ainda destacar que © projeto educacional- pedagégico é mais amplo e exige a definicdo dos processos de organizacao ¢ estrutura que viabilizarao 0 cumprimento das fungGes sécio-educativas da educagao infantil: 0 espaco e os materiais, os mecanismos de relagao coms familias e os processos de formacao dos profissionais, etc. Comprometida com a direcao explicitada até aqui, uma orientagdo pedagégica para a infancia (e para a educacao infantil) definira seus projetos educacionais-pedagégicos tendo em vista o cumprimento da fungao educativa de ampliagao, diversificacao e sistematizagao das experiéncias e conhecimentos das criancas. O desafio para a constituicao e consolidagdo de uma Pedagogia da Infancia’ tem nos ° Referimo-nos aqui a uma Pedagogia da Infancia como um campo mais amplo, que inclui a Educagao Infantil e «as especificidades que constituem as instancias educativas para as criancas antes da entrada na escola de ensino fundamental, mas que pode ndo se restringir a este ambito, na medida em que pensar a educagao da infancia nao serestringe a uma delimitacao etaria, exigido - sobretudo a partir da acumulagao cientifica e da diversificagéo das praticas pedagégicas em ambito local e nacional - retomarmos criticamente as bases educacionais e pedagogicas orientadoras para a educacao infantil a partir de uma perspectiva social, hist6ricae cultural da crianca, da infanciae de sua educacao. E nesse sentido que entendemos a dimensao dos conhecimentos na educacao das criangas pequenas. Estabelecem-se numa relagao extremamente vinculada aos processos gerais de constituigéo da crianga, uma vez que toda e qualquer aprendizagem é conseqiiéncia das relagdes que as criancas estabelecem com a realidade social e natural no Ambito de uma infancia situada. Por uma Pedagogia da Infancia A consolidacao de uma Pedagogia da Infancia (e nao uma Pedagogia da Crianca, tal com nas pedagogias liberais) exige, portanto, tomar como objeto de preocupacio os processos de constituicao do conhecimento pelas criancas, como seres humanos concretos € reais, pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais também constitutivos de suas infancias. A construcao deste campo poder diferenciar-se na medida em que considere as diferentes dimensées humanas envolvidas na construcdo do conhecimento e os sujeitos hist6ricos “objetos” da intervencao educativa e supere uma visdo homogénea de crianga e infancia, que segundo Sarmento e Pinto (1997), s6 pode ser consideradas se pensarmos no fato da infancia ser constituida por seres humanos de pouca idade. Desvelar o que conforma e da forma As diferentes infancias exige considerar as préprias criangas nesta dimensao social Uma Pedagogia comprometida com a infancia necessita definir as bases para um projeto educacional-pedagégico para além da “aplicacdo” de modelos e métodos para desenvolver um “programa”. Exige antes conhecer as criancas, os determinantes que constituem sua existéncia e seu complexo acervo lingiifstico, intelectual, expressivo, emocional, etc., enfim, as bases culturais que as constituem como tal. Exige dar atencdo as duas dimensdes que constituem sua experiéncia social, 0 entorno social e as experiéncias das criancas como agentes e como receptores de outras instancias sociais, definidas, portanto, no contexto das relacGes com os outros. Numa perspectiva assim definida, a identificagao dos nticleos da acao pedagogica nos permite retomar um detalhamento dos seus contetidos de ado’, de forma a orientar os objetivos gerais de cada micleo e suas conseqiléncias para a pratica docente. Sao eles: Linguagem: gestual- corporal, oral, sonoro-musical, plastica e escrita. ‘A linguagem tem um lugar central no desenvolvimento dos nticleos de ago uma vez ‘quea funcao simbélica representa a base para o estabelecimento das relagses culturais e de compartilhamento social. Compreender o mundo passa por expressé-lo aos outros, envolve comunicagao e dominio dos sistemas simbélicos ja organizados na cultura. A diversificacao das linguagens objetiva: 1. a expressao e as manifestagdes das culturas infantis em relagao com o universo cultural que lhe envolve; 2. o dominio de signos, simbolos e materiais; 3. a apreciagao a experiéncia literdria estética com a misica (na escuta e producdo de sons, ritmos e melodias); com as artes plasticas e visuais (na observacao, exploragao e criagao, no desenho, na escultura, na pintura, e outras formas visuais como a fotografia, o cinema, etc.); 4. coma linguagem escrita, no sentido de uma gradual apropriagao desta representacao (no momento, com énfase na ‘compreensao de sua fungao social e suas estruturas convencionais em situagdes reais) ‘em que se privilegie a narrativa, as historias, a conversagao, apoiadas na diversificagao do acessoa um repertério literdrioe poético. “O termo: contetido da agao é definido aqui como objetivo de detalhar os niicleos/ambitos da acao pedagégica, diferente do contetido curricular da escola tradicional, por nao constituir-se nesta etapa educativa, por um programa disciplinar, com fins de estabelecer um padrao de terminalidade ¢ conclusdo de apropriagso conceitual. Visa aqui estabelecer e dar visibilidade para os diferentes ambitos pedagégicos que orientama acéo docente na direcao da atividade infantil, Relagdes Sociais e Culturais: contexto espacial e temporal; identidade e origens culturaise sociais. O nticleo que constitui as relagdes sociais e culturais evidencia de forma mais clara a impossibilidade de desenvolver uma acao pedagégica que isole cada um dos nticleos de acdo. Seu objetivo se pauta na identidade pessoal-cultural, no reconhecimento das diferentes formas de organizacao social, no respeito a diversidade, nas manifestacdes culturais e normas de funcionamento grupal e social, na ética da solidariedade tolerancia através de experiéncias de partilha em espacos de vida social, relacionando as formas conhecidas com as diferentes das suas, as do presente comas do passado, as proximas comas distantes, etc. Natureza: manifestagées, dimensoes, elementos, fendmenos fisicos e naturais Neste nticleo situa-se todo 0 conjunto de experiéncias que dardo a base para a apropriagao dos conhecimentos sobre o mundo natural, incluindo as intervengdes humanas sobre ele. A acdo pedagégica aqui se baseia na exploracao, na descoberta, nas primeiras aproximacées com as explicagées cientificas pautadas na manipulagao, na observacao, no uso de registros basicos de medidas e mensuragGes, nas pesquisas de campo, comparacdes em situagées de brincadeira, construgdes com diferentes materiais e com os elementos da natureza, controle do ritmo temporale relagdes matematicas, Nao seria demais enfatizar, nesse ambito, que conhecer as criancas nos permite aprender mais sobre as maneiras como a propria sociedade e a estrutura social dao conformidade as infancias; aprender sobre o que elas reproduzem das estruturas e 0 elas produzem etransformam; sobre os significados sociais que estdo sendo socialmente aceites ¢ transmitidos e sobre o modo como mais particularmente as criangas ~ como seres humanos novos, de pouca idade - atuam na producao cultural e na transformacdo dos sistemas simbélicos com base nas relagdes sociais. (James, Jenkes, Prout; 1998). Insistimos nisso, porque experiéncias anteriores de estabelecimento de orientacdes para sistemas puiblicos de educacdo nas quais tivemos a oportunidade de participar, mostraram que, pela forca das representacies e praticas conservadoras, especialmente num momento histérico em que as politicas neoliberais exigem a definicao de competéncias minimas em todos os niveis de ensino, h4 uma tendéncia de descolar 0 trato com os contetidos do proceso de constitui¢ao social dos sujeitos de pouca idade. Tal tendéncia tem nos levado a prescrever muita cautela em indicar contetidos especificos para trabalhar na faixa etria de 0a 6 anos. Mesmo quando redefinidos e reorientados conforme procuramos explicitar aqui, percebemos um risco enorme no sentido de enquadramento como programa curricular. Insistimos, entao, em manter um alerta vermelho neste particular! Relagées Pedagégicas Aauscultagao” das criangas coloca-se como primordial para esta reorientacao. Implica em desdobramentos na pratica pedagogica que, associada ao conhecimento sobre os contextos educativos, permite um permanente dimensionamento das orientagées e da tomada de decisao dos professores sobre os nticleos.a serem privilegiados a cada momento e as praticas pedagégicas correspondentes. A aproximagao as criangas e as infancias coneretiza um encontro entre adultos e a alteridade da infancia e exige que eduquemos o nosso olhar, para rompermos com uma relagao verticalizada, de subordinagao, pasando a constituir relagdes nas quais adultos e criancas compartilham amplamente suas experiéncias nos espacos coletivos de educacao, ainda que com patamares inevitavelmente diferenciados. E importante salientar que nao temos o entendimento que seja possivel eliminar a hierarquia entre saberes. Compreendemos, contudo, que no hé saber em geral e nem ignorancia em geral. Nesse sentido, entre os saberes ¢ as ignorancias que todos somos portadores eo reconhecimento do outro como igual a mim pela sua humanidade (e, portanto, * Para uma simples ampliacdo do sentido seméntico, ausculta redefine nossa acio, nao como uma mera percepcio auditiva ou recepcao da informacao - envolve a compreensio da comunicacio feita pelo outro, Inclui a recepcao e a compreensao, que, principalmente neste caso - a expressdo do outro/crianga orienta-se pelas préprias intengdes colocadas nessa relagao comunicativa -e lembremos que, quando o outro é uma crianca, a linguagem oral nao ¢ central e nem tinica, ela é fortemente acompanhada de outras expresses corporais, gestuaise faciais. tao digno de ser levado em conta como eu), acreditamos ser possivel, sim, constituir uma relacao de horizontalidade verdadeiramentre interessada em superar em si a ignorancia que tem do conhecimento do outro. Nesse diélogo poderéo haver complementaridades ou contradigdes. O que cada saber contribui para tal didlogo é 0 modo como orienta uma dada pratica na superacao de uma dada ignorancia, ou, como se refere SANTOS, “...o confrontoeo didlogo entre saberes é 0 confronto e o didlogo através do qual praticas diferentemente ignorantes se transformam em priiticas diferentemente sabias.” (2005, p. 107) A construgao de estratégias comunicativas nesta direcdo coloca-se como base para o estabelecimento de relagGes de troca cultural de sentido horizontal de compartilhamento, necessario para a compreensao de pontos de vista diferentes, mas que convivem num mesmo espaco e tempo ~ seja nas situagGes de investigagao, seja nas ages de intervengao sécio- educativas. No entanto, o que as criancas fazem, sentem e pensam sobre a sua vida e o mundo, ou seja, as culturas infantis nao tém um sentido absoluto ¢ auténomo ou independente em relagdo as configuragées estruturais e simbélicas do mundo adulto e tampouco é mera reprodugao. As criancas nao s6 reproduzem, mas produzem significagdes acerca de sua propria vida e das possibilidades de construcao da sua existénciaconcreta. Esses pressupostos acarretam, portanto uma tomada de posicao, sobretudo no que se refere a participagao infantil. Deixar as criangas falarem néo é suficiente para o pleno reconhecimento de sua inteligibilidade, ainda que nem isso ainda tenha conquistado no campo cientifico e da acao; depende de uma efetiva garantia de sua participacao social, da construgao de estratégias, em especial no Ambito das instituig&es educativas da qual fazem parte e que tém representado espacos e contexto privilegiados das vivencias da infancia. Esta perspectiva de uma pedagogia pautada nas relagdes permite outras configuragées dinamica da educacao infantil, como afirmam as autoras Bondioli Mantovani: Através das trocas sociais, isto é, através das relagdes que progressivamente se entrelagam e se aperfeigoam entre a crianga sozinha e os adultos - e entre as criangas no grupo de jogo ~ cria-se um conjunto de significados compartilhados, uma espécie de histéria social que é tipica de uma determinada creche em um

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