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Eduardo Cecconi eee ek en) no jornalismo esportivo 1-Campo de batalha.... 2-Analise tatica no jornalismo esportivo.. 3-Padrées de comportamento... 4-Conceitos basicos... 4.1-triade primaria. 44. ‘-pasieionarento: (ou: paicloniameriio inicial 4.1.2-posigao. 4.1,3-fungao. 4.2-tatica e estratégi 4.3-desmembrando a tatica. 4.4-momentos do jogo......... 4.4.1-organizagao ofensiva 4.4.2-organizacao defensivi 4.4.3-transigao ofensiva..... 4.4.4-transigao defensiva. 4.4,.5-bola parada......... 5-Sistemas taticos..... 6-Método de analise.... 6.1-Identificar 0 posicionamento inicial 6.2-Estabelecer o sistema tatico base. 6.3-Descrever as fungdes dos jogadores. 6.4-Identificar o sistema de marcagao. 6.5-Diagnosticar o estilo do time... 6.6-Recorrer a ferramentas de auxilio.. agina 59 pagina 60 7-Contextos complementares dio jogo. .. pagina 68 8-Enviando a mensagem...... «pagina 70 9-Posigées, fungdes e expressées. pagina 72 10-Conclusao.... pagina 74 1. CAMPO DE BATALHA Vem da literatura bélica a popularizagdo da palavra “tatica’, e consequentemente de seu conceito. Debrugados sobre mapas que descreviam a topografia das regides em conflito, militares das mais altas patentes destacaram-se pelas vitorias amparadas em planejamento — quem ataca, de que forma, e quando; quem defende, o que defende, e como. Da teoria A pratica, distribuiam nos campos de batalha seus combatentes e seus apetrechos letais conforme uma ldgica, levando em consideragao o maior nimero possivel de fatores integrados ao contexte - caracteristicas do terreno e do tempo, virtudes e defeitos proprios e do adversario. Seguiam, para a tomada de decisGdes, preceitos encontrados em livros e no préprio aprendizado com a experiéncia. Nos filmes e seriados sobre o tema os militares encenados criam armadilhas, encurralam oponentes, induzem os inimigos a fugir na diregao de emboscadas minuciosamente arquitetadas, simulam a queda iminente para abrir a guarda rival. Cada soldado sabe exatamente qual tarefa cumprir, de forma sincronizada com os demais companheiros de bandeira. Alguns comandantes desenham mapas com gravetos no chao arenoso e empilham pedras simulando habitagées. Localizam geograficamente cada combatente, apontando onde ele deve estar, 0 que deve fazer, e qual o momento exato para desencadear a acgdo. Ministram verdadeiras palestras. Cito em especial, se quiserem recordar ou entéo pesquisar para assistir depois, cenas de filmes como “O Patriota’, “Gladiador”, “O Ultimo Samurai”, "300", entre muitos outros. Legitimas prelecdes. Sempre ha referéncias taticas em qualquer filme ou seriado de guerra e conflito. Tatica é, enfim, a arte de manobrar tropas. Imprescindivel, portanto, @ organizacao das equipes de futebol inseridas no campo de batalha delimitado por linhas brancas, bandeiras e traves. A organizagao no futebol apropriou-se do planejamento bélico pela evidente analogia: ha duas tropas formadas por onze guerreiros distribuidos de forma inteligente e com atribuigdes definidas para sobrepujar o oponente. Neste contexto, o papel do jornalista especializado se torna fundamental. E necessario estudar os mesmes conceitos aplicados pelos treinadores para facilitar a compreensao dos movimentos das equipes. Como um correspondente de guerra precisa fazer para transmitir um relato o mais fiel possivel de um conflito armado, ou como o repdrter de economia que antes de falar da politica econémica do pais adquire conhecimento sobre o tema. Em uma de suas melhores crénicas, “Exagero”, Luis Fernando Verissimo fala sobre os avangos tecnoldgicos e a consequente adaptagao humana aos novos confortos. Ele recorda, por exemplo, que ha algumas décadas nao existiam radios portateis. Era impossivel ouvir uma transmissdo esportiva e assistir ao jogo no estadio simultaneamente. E entao Verissimo ironiza: “Como as pessoas sabiam se estavam gostando ou nao da jogo sem ouvir os comentaristas?” Asentenga é verdadeira, e se aplica ao passado ilustrado pelo autor. Antes da internet e da tevé a cabo o conhecimento publico sobre futebol estava restrito as opinides dos comentaristas, geralmente repdérteres de campo com muitos anos de trabalho que, pelo desgasie da idade, subiam as cabines. Ainda hoje @ assim. Sao bons contextualizadores, debatedores, polemistas, mas nao analistas taticos, Tém, nas suas agendas, nas suas pautas, enfoque direcionado ao ambiente e aos efeitos, nao as causas, aos comportamentos dos jogadores, Por falta de habito e de interesse. Nao é da cultura do antigo futebol brasileiro enfatizar a tatica, o jogo em si. Mas a audiéncia tem novos integrantes. Hoje os garotos de dez anos assistem as melhores coberturas esportivas do Brasil e de outros paises com tradigao no jornalismo e no futebol, leem artigos em blogs e sites das mais diversas origens, jogam videogames de ultima (ou mais que ultima) geracdo. Inconscientemente qualificam-se para o debate. Estao familiarizados com os conceitos taticos, desde a simples “numerologia’ dos sistemas até os complexos estrangeirismos. A grande massa, também é verdade, ainda esta presa a frase de Verissimo, depende do comentarista ndo apenas para entender o que supostamente acontece em campo, mas para formar a propria opiniao. Consome e fomenta o jornalismo no qual a analise é um tabu. Este cenario, entretanto, vai mudar. Esté mudando. Esta nova audiéncia nado precisa mais do comentarista para entender O que esta acontecendo. Eles ja sabem, e querem da pessoa com a caneta ou o microfone alguém com quem compartilhar as informagées. Em questéo de minutos os jovens da geracao Playstation identificam sistemas taticos, fungdes dos jogadores, estratégias, movimentos ofensivos e defensivos, jogadores-chave, virtudes e defeitos das equipes. E uma demanda que precisa ser atendida. Conhecem os nomes, sabem as procedéncias, as idades, as caracteristicas, Sao capazes de produzir excelentes andlises - e alguns o fazem, artesanalmente, em blogs e redes sociais. Consomem, também, o contetdo de entretenimento ligado ao futebol, mas nao abdicam de avangar no entendimento do jogo. O nove comentarista precisa acompanhar a nova audiéncia - mesmo sabendo que havera maior espago e consequente maior repercussdo aos cortes de cabelo, as cores de chuteiras, as polémicas e as fofocas. O jornalista esportivo nao ¢ mais o pretenso e exclusivo proprietario de um conhecimento que ele ndo tem, mas diz possuir. Evoluiu o futebol. Passou da fase exclusivamente técnica - os primérdios, quando a organizagao era incipiente, e as iniciativas individuais sobressaiam-se; e também ultrapassou o periodo de aprimoramento fisico - os mais preparados, fortes e velozes venciam; chegamos ao terceiro estagio da evolu¢ao deste esporte, o estagio tatico. A evolugdo técnica dos jogadores persiste, a preparagao fisica ainda avanga, mas hoje a organizagao tatica desponta e arrasta consigo as demais valéncias. Agora, para a audiéncia chegar ao estagio onde o futebol se encontra, é papel do jornalista qualificar o debate. Ele nao vé mais 0 que ninguéem vé. Nao tem suas opinides protegidas por um jogo secreto assistido apenas in loco no estadio. Se antes o que dizia era lei, hoje é apenas mais uma voz entre as centenas de milhares emitidas nas redes sociais durante as partidas. Ele deve compartilhar conhecimentos com os quais uma parcela do publico ja se familiarizou, pela profusdo de midias e de oportunidades, e precisa partir deste ponto - da analise criteriosa - para alcangar a opinido embasada. Caminhar até onde se encontram Os mais jovens e desencadear uma procissao de novos interessados pelo tema. Nao basta mais decretar o que € certo ou errado apenas em funcao de preconceitos pessoais. A andlise tatica aplicada ao jornalismo esportivo, fundamentada em conceitos tedricos e seguindo um 6 método claro de trabalho, oferece ao ptiblico um produto de acordo com a evolugao do futebol. 2. ANALISE TATICA NO JORNALISMO ESPORTIVO Equipes de futebol sao organismos vivos. A identificagao do sistema - os “numerozinhos” que ilustram a distribuigao dos jogadores - sao apenas o ponto de partida da observacdo. A esséncia da andlise tatica aplicada ao jornalismo esta na compreensao dos movimentos do jogo. Com a bola e sem ela, em todos os momentos da partida. Descoberto o sistema tatico base de cada time, o analista deve aprofundar os elementos vinculados a estratégia: fungSes de cada jogador, sincronias entre pequenos grupos, tipo de marcacao, estilo de jogo - sem ignorar fatores complementares, como o local da partida, o contexto do campeonato, os jogadores disponiveis... Por mais que este conteddo especializado seja vendido como um tabu pelos préprios jornalistas esportivos mais ligados ao entretenimento - embora nao sejam produtos excludentes, e possam conviver pacificamente dentro de qualquer midia - todos nds desempenhamos a tarefa nas arquibancadas ou em frente a tevé. Mesmo sem saber que 0 estamos fazendo. Qualquer pessoa que perceba uma cobertura - volante protegendo o lado atacado as costas do lateral que retorna do campo ofensivo - esta fazendo uma analise tatica, ainda que inconsciente. Capturou um movimento especifico. C mesmo vale para o amigo ao seu lado na arquibancada, que reclama da falta de posse de bola: analise tatica, novamente. Identificou um padrao, Muito além dos numeros, que sao faceis de obter, sao os comportamentos deste corpo coletivo os alvos. Como organismos vives, os times movimentam-se. Mas, também como organismos vivos, esta movimentagao ¢ organizada, 7 sincronizada. O treinador pede, o jogador cumpre. E a maneira como 0 técnico transmite a ideia elaborada pode variar imensamente. Esta obra dirige-se a jornalistas, n@o a técnicos, mas preciso ressaltar: € evidente que © discurso do analista nao é o mesmo das prelecdes. Sabemos que 0 treinador fala com cada jogador de acordo com sua capacidade de compreensao. Ele planeja o 4-4-2 com meio-campo em losango, cria e treina os movimentos, mas néo chega para 0 atleta e diz: “Vais atuar como o vértice lateral direito do losango assimétrico que elaborei”. A prerrogativa da andlise é do analista. Assim como a linguagem - falaremos ao final sobre a comunicagao com o publico-alvo. O jogador integra 0 vértice lateral direito de um losango, se preciso for, sabendo ou nao o que é um losango. Se ele nao esta familiarizado com tamanha pompa, o treinador vai la e diz: “Vocé fica aqui desse lado, vai ter um volante por tras, sai pela direita com a bola, fecha até aqui sem ela, vamos para dentro dos caras”. Pronto, ele é o vértice lateral direito do losango, e quem estiver nas cabines de imprensa, do alto, podera identificar facilmente o desenho tatico da equipe e a funcao destinada a este jogador. © discurso do técnico e o do jornalista, embora baseados nos mesmos conceitos teéricos, tém caracteristicas proprias, porque nao se dirigem ao mesmo pUblico. Um nao invalida o outro, pois falam da mesma coisa com o uso de palavras diferentes, Disseminar estas ideias parte da busca pela evolugao da andlise fatica na midia de acordo com os conceitos tedricos que norteiam as decis6es dos treinadores. Com tantas inovagées e variagGes em evolugao constante nestes organismos vivos chamados times de 8 futebol, estabelecer critérios ajuda a criar uma linha de raciocinio uniforme. Qualquer partida sera analisada sob os mesmos parametros. Quando iniciei as andlises jornalisticas em 2008 no blog Prancheta, no clicRBS, recém havia me formado no breve curso do Sindicato dos Treinadores de Futebol do RS. A ideia nao era me tornar técnico, € sim aprimorar meu trabalho no jornalismo. O curso serviu de pedra fundamental para a busca de bibliografias e para a construcao de uma rede de contatos formada par outros apreciadores do assunto no Brasil e fora dele, trocando informagées e conhecimentos. Estudar ajudou a resgatar na memoria o aprendizado da infancia. Ainda garoto, enquanto os amigos brincavam na rua, fechava-me na biblioteca do curso de inglés Cultural - no centro de Porto Alegre, & época gratuita - para ler sobre futebol. Colecionava os manuais da Disney com a historia das Copas e de grandes jogadores, estudava sistemas tdticos, e no quadro negro do meu quarto passava instrugdes aos times de botao, em caprichadas prelec6es recheadas de diagramas em giz. Estes manuais continham, mesmo que as capas com Pato Donald e Zé Carioca sugerissem o contrario, muitas informagdes relevantes sobre treinadores, selegdes histdricas, jogadores e competigdes. Pragramava o despertador para tocar cedo nos domingos, podendo assim assistir aos jogos do Campeonato Italiano - competigado da qual colecionava cards com informag6es técnicas dos jogadores. Guardava ainda revistas Placar, albuns de figurinhas, e arquivava as principais informagées com recortes direcionados a parte tatica, Reuni todas estas referéncias, da infancia e da antiga profissao, em um método para a analise tatica aplicada ao jornalismo esportivo. Selecionei os conceitos que considero importantes seguindo uma ordem ldgica. Cada passo esta concatenado ao anterior e ao 9 proxime. Desta forma, as andlises dos meus blogs poderiam apresentar aos leitores uma linha de raciocinio, um critério, sem achismos ou demasiada opiniao pessoal. Vale destacar - € repetir, e repetir, e repetir - que esta formula nao é académica, muito menos definitiva, professoral, exclusiva ou excludente. Até porque minhas referéncias, ja listadas, sao em grande parte empiticas. Fruto da minha vivéncia, da minha experiéncia, do meu contato com autros. Partem da_iniciativa pessoal, da leitura, da tradigao oral - sim, conversar com quem sabe vale tanto quanto a informacao escrita. Nao fiz faculdade de Educacdo Fisica. E nela ha pouco sobre tatica aplicada ao futebol, assim como ha pouco sobre andlise. Defendo que o treinador - nao é este o foco do livro, mas nao me constranjo em dizer - nao precisa ser educador fisico, pois a comissao conta com um preparador especializado. O treinador precisa, sim, ser um estrategista, um pensador, em elaborador de ideias colocadas em pratica com o amparo de uma grande comissao multidisciplinar formada por especialistas. Mas formei-me jornalista. Portanto, o livro se dirige em primeiro lugar aqueles que pretendem comunicar analises. E existe uma questao muito importante neste processo: analise tatica é informacao, nao opiniao. Com um método, com processos encadeados, com uma Idgica implicita, com qualificagao constante, acervo tedrico e conteuda, o comunicador pode transmitir ideias claras e fundamentadas sobre os movimentos de uma partida de futebol, sem achismo, sem opiniao, sem palpite. Informagao, em resumo. Compartilho agora este método pessoal nado com a pretensdo de fazer dele uma regra, mas sim para ajudar quem se interessa pelo 10 tema. Comecei as andlises as cegas, pois a bibliografia se dirige aos treinadores - e, mesmo assim, é rara - nao aos jornalistas. Como ja vimes, sao discursos e publicos diferentes. Faltam recursos teéricos para ajudar quem se propée a traduzir os acontecimentos do campo. Cada pessoa, seja um fa do assunto ou um companheiro de profissao - afinal, ainda sou jornalista, embora fora da grande midia - pode se utilizar dele como principio para a formulagao de um novo método, ou entao adota-lo integralmente. Este processo de andlise é 0 objeto das palestras e aulas dos cursos que participo, seja na Escola Perestroika, seja em_ iniciativas paralelas voltadas a alunos de comunicagao ou jornalistas formadas. Tomara que ele sirva de auxilio aos atuais e aos futuros analistas taticos. O futebol evoluiu, a audiéncia esta seguindo o mesmo caminho, nao fiquemos para tras. Disseminem e compartilhem todo o conhecimento ligado ao tema. Qualificar o debate no jornalismo esportivo nao sera uma luta va. 3. PADROES DE COMPORTAMENTO Alguém pode se perguntar: ora, diabos, por que analisar taticamente uma equipe? Qual a finalidade? Nao ha mistério. Tanto nos processos internos dos clubes - onde a fungao foi batizada “analise de desempenho’, muito mais complexa - como na imprensa esportiva especializada, o objetivo principal é identificar padrées de comportamento. Padrao de comportamento ¢ uma expressdo que se basta, mas néo custa explica-la: no futebol, so agées que se repetem. E elas se repetem pelo simples fato de que sao treinadas, Analisar taticamente uma equipe é decifrar as orientagdes transmitidas pelo técnico aos jogadores, 1 De inicio, o mais importante € educar-se para separar as circunstancias de jogo dos padrées de comportamento. Futebol movimento, e por vezes toda a ordem treinada a exaustao insuficiente para lidar com uma situag&o, e ai conta-se com improviso, com o imprevisivel. OO om No entanto, a ocorréncia de agées circunstanciais nao atrapalha a analise porque, obviamente, elas nao se repetem. E, se padrées de comportamento sao agGes reiteradas, nao é dificil peneirar o que é fruto de treino, € o que é ocasional. Dentro das comissGes técnicas, a andlise de desempenho serve para auxiliar © treinador no planejamento de treinos. Diagnosticando padrées de comportamento da equipe nos jogos e nas atividades prévias, o técnico pode avaliar quais agdes estao correspondendo ao trabalho da semana, e quais outras precisam ser otimizadas, 0 que interfere positivamente no microciclo de treinos. Na andlise tatica voltada ao jornalismo esportivo, a identificagao de padrées de comportamento também serve, caso o profissional da area acompanhe treinos, para verificar o que foi assimilado, e 0 que nao deu certo na relagao com os trabalhos da semana. Mas serve, principalmente, para transmitir informagGes relevantes a audiéncia. Situagao hipotética simples: o jornalista identifica um padrao de comportamento defensivo. Nele, o lateral da equipe em questao deixa a base da linha defensiva para acompanhar individualmente o adversario que entra em seu setor, mesmo que ele esteja sem a bola, e mesmo que ele se afaste bastante daquela regiao. Em contrapartida, 0 adversdrio se utiliza disso para “jogar a isca’, arrastando com um atacante o lateral para fora do respectivo lado, e ingressando com outro jogador para receber livre e com espago o langamento, causando desorganizagao no sistema defensive, 12 Cabe ao jornalista esportivo fazer esse diagndstico e informar a audiéncia porque 0 jogador adversario recebeu livre o lancamento. E uma informagao, e a andlise tatica precisa ser trabalhada desta forma. Repito: ¢ informagao, informagao e informagao. Dito isso, 9 jornalista até pode langar sua opinido, dizer se acha certo ou errado a maneira como o lateral esta marcando o adversario - sem que sua opiniao seja uma verdade absoluta - mas acredito que o mais importante é transferir para o ouvinte-telespectador-internauta-leitor-torcedor a oportunidade para também pensar sobre o assunto e tirar sua propria conclusao, Antes, os comentaristas nao especializados, alheios a analise tatica, eram tidos como “formadores de opiniao”. Falei antes da crénica “Exagero”, e a oportuna ironia sobre a influéncia dos comentaristas em mentes vazias de conhecimento sobre o tema. Hoje, entretanto, a audiéncia é capaz de formar o proprio acervo de informagGes, de referéncias teoricas ou empiricas. E, com este embasamento, compartilhar andlises e@ opini6es com os comentaristas, ndo mais os donos da verdade, mas sim participantes deste grande debate futebolistico. 4, CONCEITOS BASICOS Saber diferenciar conceitos basicos da tatica no futebol minimiza os erros causados pela confusdo de referéncias diferentes. E, sem um critério claro, a analise perde qualidade e credibilidade. O mais comum entre os problemas provocados pela falta de uma base tedrica superficial ¢ observar duas equipes com modelos de jogo semelhantes, porém com perspectivas diferentes - ou o contrario, enxergar analogias entre times totalmente divergentes. 13 Sem um critério, sem um padrao, o conteUdo oferecido se torna confuso. Como nao existem verdades, determinismos ou l6gica no futebol, 0 ponto de partida é importante na criagao de uma linha de raciocinio com a qual podemos identificar as referéncias do analista, e assim debater suas ideias. 4.1-Triade primaria Basico do basico: diferenciar posicionamento, posigao e fungao. Confundir estes conceitos é a maior causa de ruidos de comunicagao na andlise tatica, comprometendo a simples identificagao do sistema inicial. 4.1.1-Posicionamento (ou Posicionamento Inicial) é a regido da qual o jogador parte, e para onde ele retorna. Obviamente, na partida em questao. A soma dos posicionamentos de cada atleta resulta no sistema tatico da equipe. Por isso a pratica mais comum pata se identificar um sistema 6 esperar a equipe ficar sem a posse de bola. Isso porque no momento de marcar os jogadores retornam aos seus posicionamentos iniciais - tiro de meta do adversario, por exemplo, € tido como 0 momento mais facil para tal observagdo. Mais a frente, entretanto, vamos debater situagdes de excecao que envolvem a identificagao do sistema e 0s posicionamentos iniciais dos jogadores 4.1.2-Posigao € a caracteristica do jogador. Nao na partida em questao, como no caso acima, mas sim “na vida". E a palavra que ele preencheria na hipotética questao “profissao" caso fosse entrevistado por censeadores do IBGE. Diz respeito a suas virtudes, e como ele as utiliza em campo. 4.1.3-Fungao é 0 conjunto de atribuigdes que o jogador cumpre na partida. Sindnimo de tatica individual. O que ele faz nos quatro 14 momentos do jogo (falaremos sobre isso em breve) durante os 90 minutos, Os problemas surgem com a sobreposigéo dos conceitos de posi¢ao e fun¢do. E quando o analista confunde a caracteristica do jogador com a fungao desempenhada em campo. Podemos nos utilizar de um exemplo proximo e recente: Robinho é atacante (posi¢ao), ou seja, tem caracteristica de jogador de frente; mas, na Selegdo Brasileira de 2010, com o técnico Dunga, ele cumpria em jogo a fungao de meia-extremo. Se um eventual observader atento apenas as caracteristicas dos jogadores, ignorando os movimentos realizados na partida, assistisse ao Brasil de Dunga, diria que o sistema tatico era 0 4-4-2 - porque Robinho e Luis Fabiano sao atacantes de origem. Mas, observando- se os posicionamentos iniciais e as fungdes cumpridas por ambos, era um 4-2-3-1, com Robinho - apesar de originalmente atacante por oficio - cumprindo a tatica individual de extremo aberto pelo lado esquerdo na segunda linha de meio-campo. Existem outras dezenas de casos, e o 4-2-3-1 é muito prédigo em analises equivocadas quando se ulilizam atacantes (posigao original) no meio-campo (fungdo no jogo), com os observadores tomando a posigao pela fungdo. Por isso reiterei tanto que andlise tatica é informagao: nestes casos, ao perceber um 4-4-2 que nao existe o comentarista transmite uma informagao equivocada, que influencia negativamente a compreensao do jogo pela audiéncia. Para terminar a exemplificagaéo, o caso descrito pode ser resumido em Rabinho atacante (posi¢ao) atuando como meia-extremo (fungao) no lado esquerdo da segunda linha de meio-campo do 4-2-3-1 da Selegao (posicionamento inicial). Simples. Dizer que o Brasil jogava no 4-4-2 porque Robinho € atacante, e mesmo se fosse escalado no gol continuaria atacante, 6 um erro de informagao oferecido ao publico, 15 4.2-Tatica e Estratégia Outra diferenciagao importante, breve e nao menos simples, envolve tatica e estratégia. E nado € semantica, mas sim futebolistica. A tatica é 0 sistema - embora tenha encontrado muitas referéncias além- futebol que nao os tratam como sindnimos. Os “numerozinhos”. Em resumo, o sistema tatico ¢ o planejamento responsavel por ordenar a distribuigao dos jogadores em campo, coordenando todas as partes em si. Ja a estratégia 6 0 conjunto de movimentos atribuidos a cada jogador, e dai em diante a cada pequeno grupo, e também a cada setor. Reune elementos diversos, desde a caracteristica dos jogadores escolhidos, passando pelo sistema de marcagao, pela intensidade dos movimentos, pelas fungGes, pelas sincronias em pequenos grupos, pela ordenagao dos setores, E, na verdade, o pensamento coletivo aplicado ao sistema tatico. No futebol, os treinadores chamam este conjunto de principios e subprincipios de modelo de jogo. Tornando ainda mais clara a diferenciagao, duas equipes enfrentando-se com sistemas taticos semelhantes podem adotar estratégias totalmente diferentes: por exemplo, uma no 4-3-3 agressivo, valorizando posse de bola ofensiva, com linhas adiantadas e marcagao por zona; outra no 4-3-3, mas jogando para contra-atacar, sem posse, com linhas recuadas e marcagao com encaixe individual no setor. Sistemas iguais, estratégias opostas. 4.3-Desmembrando a tatica A palavra tatica aparece varias vezes na teorizagdo do futebol, na maior parte delas significando “fungao”. E como o futebol é€ um esporte coletivo, a fungao muitas vezes diz respeito a grupos, maiores ou menores, e nao se refere exclusivamente a um atleta apenas. 16 Tatica individual, como ja vimos, é a fun¢ao que o jogador cumpre na partida analisada. Para onde vai quando tem a bola, ou quando um companheiro esta com a posse; o que faz quando esta sem a bola. Como marea, que tipo de jogo propée, a regiao do campo pela qual se movimenta, tudo isso integra 0 conceito. Tatica de grupo € © conjunto de fungées sincronizadas entre jogadores préximos, ou do mesmo setor (um movimento coletivo da defesa, por exemplo) ou da mesma regido da campo (uma triangulagao ofensiva entre lateral, meia € atacante da direita). O modelo de jogo recente do Barcelona tem disseminado a associacao dos “triangulos” ao conceito de tatica de grupo — sao as interagées entre jogadores préximos. Reparar nestas taticas de grupo € um dos grandes baratos (ainda se diz barato?) da analise tatica. Identificar as coberturas defensivas e compensagdes consequentes realizadas por jogadores que sabem 0 quanto € importante manter aquele padrao de comportamento para o bom funcionamento coletivo é muito importante para o entendimento do jogo. Vale destacar que cada jogador integra diversos pequenos grupos e, portanto, participa de varias taticas de grupo simultaneas e sincronizadas. Tatica coletiva é sinénimo de sistema tatico. Os famigerados “numerozinhos’, antigamente restritos aos trés setores principais - defesa, meio e ataque (4-3-3, 4-4-2, etecetera) - mas hoje fragmentados em tantas faixas que provocam até certos exageros. O mais habitual na andlise moderna é dividir o meio-campo em duas partes, colocando quatro algarismos na descrigdo (4-2-3-1, 3-4-1-2, 4-3-1-2, etecetera). Tenho certa restrigao a esta pratica porque seus entusiastas partem da premissa do alinhamento. O 4-4-2, por exemplo, sé pode ser 7 assim caracterizado quando for o britanico em duas linhas. O quadrado teria de ser 4-2-2-2, Mas ha falhas, e elas me incomodam um pouco por indefinirem os critérios. O antigo 4-4-2 em losango agora é chamado de 4-3-1-2. Notem, entretanto, que os volantes nao posicionam-se alinhados. Ha um primeiro volante, dois médio-apoiadores pelos lados, e um enganche, O desdobramento, no critério das linhas formadas, teria de ser 4-1-2-1-2. Um exagero, que mais atrapalha do que ajuda. De inicio, em meus blogs, padronizei os diagramas em trés algarismos com um complemento por escrito - 4-4-2 quadrado, 4-4-2 losango, 4-4-2 duas linhas. Os desdobramentos, porém, mesmo sem critério definido so aceitos pela audiéncia, e para atender a demanda adotei também as fragmentagdes mais populares, como o 4-2-3-1 e o 3-4-1-2, mesmo sem concordar inteiramente. Afinal, se todos fazem, menos eu, provavelmente estou errado, é o que diz a ldgica. Recuso-me, entretanto, a desdobrar em mais de quatro faixas, por um simples motivo: a descrigao numérica dos sistemas taticos refere- se aos setores, nao aos alinhamentos. Defesa, meio-campo e ataque. Mais atualmente, defesa, meio-campo defensivo, meio- campo ofensivo e ataque. Os jogadores nao precisam estar alinhados, mas sim posicionados inicialmente dentro do mesmo setor. 4.4-Momentos do jogo Talvez seja esta a parte mais importante na configuragao das demais pequenas pegas do emaranhado de conceitos que levam a analise tatica no futebol. Identificar exatamente © que os jogadores, os pequenos grupos e o grande coletivo fazem em cada momento do jogo é fundamental para eliminar erros de interpretagao, minimizar dtvidas e ser o mais preciso possivel. 18 O jogo tem quatro momentos para cada equipe - cinco, se levarmos em consideragdo a bola parada - e eles vao se alternando ininterruptamente. Quem manda nesta diferenciagéo € a bola. Vejamos: 4.4.1-Organizagao ofensiva é a fase de posse de bola da equipe, quando ela comega a construir a jogada. E importante visualizar a movimentagao dos jogadores e de seus respectivos pequenos grupos, e também identificar a proposta coletiva implicita nestes movimentos. A ideia principal de uma equipe com a bola é desorganizar o adversario, criando espagos e/ou aproveitando-se de espacgos ja descobertos por eventuais erros do oponente, para obviamente fazer gols. E essa desorganizagéo do adversdrio, em especial da linha defensiva dele, passa pela movimentagao sincronizada dos jogadores, arrastando marcadores, oferecendo linhas de passe, proporcionando ao time progredir no campo ofensivo e finalizar a gol. Também @ importante avaliar a contribuigéo individual de cada jogador, com suas caracteristicas aplicadas as fungdes cumpridas na partida. Analisando-se estes arranjos orquestrados pelos pequenos grupos é possivel capturar a proposta coletiva da posse de bola - o “estilo”, ou “modelo de jogo” (com seus principios e subprincipios, como gostam os treinadores): posse paciente, ou objetiva, ou cedida para jogar em contra-ataque, entre outras. E dentro destes principios (ter a bola, querer o contra-ataque) encaixam-se movimentos que atendem a proposta principal, ou seja, os caminhos que levam a consolidagao do planejamento para o jogo, como por exemple: - Existe 0 jogo de 1° e 2°. A primeira bola 6 aquela disputada pelo alto apds um langamento longo - seja a quebrada do goleiro, seja em saida de zagueiros, laterais ou volantes. Ela se dirige especialmente ao centroavante, que briga pela vitdria de cabega com as 19 marcadores. Ja a segunda bola € a sobra desta primeira, o “rebote” do confronto pelo alto. E bastante comum encontrar equipes especializadas em jogo de 1 6 2°, com zagueiros langadores, centroavante de referéncia e€ um avango sincronizado do meio-campo para se aproximar do alvo da bola longa e apanhar a sobra para atacar de frente. - O jogo de 1° e 2° pode, ainda, integrar um conceito mais amplo, que se chama ataque direto. E quando a equipe abdica da posse organizada no meio-campo, optando pelos langamentos longos aos atacantes. Mas esta conex&o direta nao precisa necessariamente ser pelo alto, pode acontecer para disputas em velocidade pelos lados, desde que os alvos sejam os atacantes, e desde que a bola nao passe pelo meio-campo — com muitas paralelas dos laterais para os pontas. - Se 0 responsavel pelo langamento para 0 jogo de 1? e 2° (ou para o jogo de ataque direto) for o goleiro, podemos concluir que o time analisado tem a primeira fase de construgao longa. E a saida de bola, Enquanto alguns times preferem comegar jogando curto, com posse trabalhada desde os zagueiros, passando de setor em setor, outros escolhem a saida longa, quebrada no centroavante. E bom destacar, entretanto, que o comportamento defensivo do adversario influencia nesta decisdo. Se o oponente avanga suas linhas e marca no campo ofensivo o tiro de meta adversario, obriga o goleiro a quebrar o passe longo, enquanto se o adversario procura manter um posicionamento mais recuado, € possivel sair jogando curto sem riscos. - O centroavante de referéncia é importante em outro movimento ofensivo para 0 qual se requisita forga fisica: 0 pivé. De costas para a marcagao, o jogador recebe o passe e-pode escolher entre girar para 20 avangar de frente (caso o marcador nao o tenha acompanhado), girar sobre o marcador (caso ele esteja “encaixado") devolver rapido para um companheiro que avance em velocidade de frente para © gol, segurar a espera da aproximagao em bloco do time, ou fazer a troca de corredor - a bola vem de um lado e ele aciona um companheiro no outro: Centroavante recua para afrastar Marcador e abrir espago @ infiltragao do ponta, oferecendo duas opcées de passe ao homem da bola - Na troca de corredor, 0 time opta coletivamente pela mudanga do lado da bola. A jogada comega em um corredor (direito, esquerdo ou central) e termina em outro. Essas trocas podem acontecer com circulagao de bola - trocas de passes curtos e médios - ou com viradas longas: 21 Traca de corredor pode ser feita de pé em pé, com passes curtos, ou entao com uma invers&o longa, fazendo a bola chegar mais rapido do outro lado do campo E a intengdo é induzir 0 adversario a adotar o comportamento desejado. Jogar a isca. Falaremos a seguir do “balango defensivo", quando a equipe sem a bola movimenta-se na diregdo do corredor atacado, em bloco. Sabendo disso, um time treinado para se utilizar da troca de corredor pode propositalmente levar a bola para um lado - enquanto posiciona outro jogador bem aberto na diregdo oposta - forgar o adversario a se compactar neste setor, e inverter a bola rapidamente até o outro corredor, liberado em raz&o do balango defensivo rival. - Avangando um pouco mais na importancia da circulagéo de bola (girar a bola e rodar a bola sao sindénimos ao termo circular a bola), a velocidade com a qual ela € executada ajuda a definir a proposta da equipe. Circulagao rapida, com poucos toques na bola (domina e passa), e@ passes verticais (para frente, entrelinhas) apresenta um 22 time mais objetivo, mais agressivo, mais contundente. Circulacdo lenta, com trocas de passes dentro do setor, revela um time disposto a diminuir a velocidade do jogo. Os dois comportamentos podem ser utilizados até mesmo dentro de um jogo, conforme as ambigdes da equipe em questao - imprime velocidade até marcar o gol, depois segura a posse e diminui a rotagéo da partida. Circula a bola, desorganiza o adversario, e imprime objetividade para definir 0 lance no momento certo. - Ser agressivo, contundente e objetivo também significa ser vertical, ou seja, arriscar passes a frente da linha da bola, procurar opgdes préximas ao gol, ocupar espacos adiantados e levar a bola até la. - Sobre as trocas de passe, é de conhecimento notdrio a busca pela criagao de triangulos, 0 que nada mais sao do que duas opgdes proximas. Na Espanha estes triangulos chamam-se “pequenas sociedades’”, e integram o conceito de “tatica de grupo”: Cada cor configura um tridngulo diferente; jogadores particiaam de mais de um triangulo, e nao foram assinalados todos os triangulos possiveis neste contexto 23 Sao jogadores treinados para cooperar entre si conforme o contexto da jogada. Obviamente, cada jogador participa de mais do que apenas um triangulo. Exemplo simples, no 4-3-3 com um volante e dois meias, sistema prédigo na formagao de triangulos: o meia-esquerda participa, pensando superficialmente, de triangulagdes com lateral e ponta do setor; com meia-direita e centroavante; com ponta do setor e centroavante; com meia-direita e volante; com lateral e volante. E por ai vai. A referéncia para a formagao do triangulo é a bola. - As movimentagdes dos jogadores, sempre procurando ocupar espacos relevantes de forma inteligente e, acima de tudo, oferecendo linhas de passe ao homem da bola, modificam a estrutura. Eles realizam, muitas vezes, trocas ofensivas, principalmente pelos lados. Também é importante salientar que os mesmos triangulos servem a organizagao defensiva, seja na fase sem bola, seja na de transigao (veremos a seguir). - Superioridade numérica é@ um contexto muito procurado. Criar situagdes nas quais seu time tenha mais jogadores que o adversario no setor onde esta a bola, possibilitando linhas de passe que levem o oponente a criar um efeito dominé de coberturas apressadas, improvisadas. Mas os treinadores também preparam combinagées na situagao contraria, quando ha inferioridade numérica. - Nestes casos, a vitoria pessoal é importante. E o drible, o momento que o jogador com a bola tenta o 1x1, ou no popular: “vai dentro do cara". Os momentos de vitéria pessoal mais desejados sao geralmente pelo lado do campo, sobre a ultima linha do adversario, tentando quebra-la para conquistar campo em profundidade e criar uma situagao de gol iminente. 24 - Integram este contexto ofensivo, ainda, a amplitude e a profundidade. Amplitude @ a tentativa de abrir as linhas adversarias, distribuindo jogadores de uma ponta a outra do campo ofensivo, o que oferece linhas de passe longas para inversGes e lancamentos diagonais, dificultando a marcagao. Abrir o campo para facilitar a criagao de espacos e a consequente articulagao ofensiva; Profundidade é a oferta de opg6es de passe a frente, na diregado da linha de fundo, com maior possibilidade, portanto, de se chegar ao gol. Laterais e pontas oferecem amplitude total ao homem da bola, abrem o campo Os conceitos de amplitude e profundidade s4o bastante utilizados em sistemas com duas linhas, ou no 4-2-3-1, fazendo os pontas “abrir 0 campo”, e consequentemente abrir a defesa. 25 - Com o time distribuido de forma “larga”, essas equipes recorrem muitas vezes a diagonal longa. O time trabalha a bola, faz a circulagao com passes de pé em pé, induz o adversario a fazer 0 balango defensivo (como descrito na parte sobre a troca de corredor) na direc&o desejada, e inverte a bola em langamento para o ponta oposto. Este movimento, em especial, tem exigido a qualificagao de zagueiros e volantes na precisdo do passe longo. Jogadores destas posig6es capazes de acionar diretamente um ponta em diagonal, encontrando o passe certo e colocando a bola no espago certo sao artigos de luxo no futebol europeu. Zagueiro e volante moderno precisam disso para se destacar hoje. - Futebol é movimento, e acima de tudo “a ocupagéo dos espagos importantes de forma inteligente". Na fase de organizagao ofensiva, a equipe planeja maneiras de abrir espagos no campo de ataque e causar desordem no sistema defensivo adversario. Criados os espacos importantes e desorganizada a marcacgdo, o time pode progredir e finalizar ocupando-os de maneira inteligente e organizada. Cada jogador precisa, a cada lance, saber para onde ir, quando ir e 0 que fazer, o que configura a tomada de decisao como um dos elementos mais importantes entre as virtudes de um atleta: é preciso que eles tenham inteligéncia de jogo para identificar os espagos certos e os momentos oportunos para ocupa-los, além da pericia técnica na execugao das agdes com bola. O analista pode incluir em suas observagdes destaques ou ressalvas a jogadores que tenham ou nao esta capacidade. Voltando a analogia bélica, € como dizem os generais histéricos: “dividir para conquistar’. Um time precisa desorganizar o adversario (dividir, quebrar suas linhas de marcagéo, abrir espagos) para conquistar (ocupar os espagos criados e finalizar marcando gols). 26 4.4.2-Organizagéo defensiva é a fase de posse de bola do adversario. Quando os jogadores etornam aos seus posicionamentos e iniciam o combate visando a recuperagao da bola, impedindo que os oponentes avancem no campo e criem oportunidades de gol, e ao mesmo tempo desorganizando-se o minimo possivel. Boa parte das equipes defende-se de forma “mista”, combinando movimentos diversos, ou entaéo combinando comportamentos diferentes em cada setor. E importante saber se a equipe faz defesa de zona, encaixe individual dentro do setor ou por fungdo; se a defesa mantém uma linha com sistemas de cobertura em diagonal, ou sé mantém um zagueiro um passo atras formando sobra. - A marcagao individual 6 um caso de excegao, pois se torna muito dificil exercé-la em todo 0 campo. Mas - aumentando a incidéncia de times com marcagaéo mista, principalmente no Brasil - ela ocorre em um alvo especifico do adversario: nove jogadores da equipe marcam da mesma forma, e um persegue a referéncia técnica oponente. A intengao ¢ anular um jogador-chave, impedi-lo de jogar, mesmo que para isso 0 seu jogador - o marcador escolhido - também acabe “saindo do jago”, por se amitir de todas as agdes que nao tenham relagao direta com o combate a este rival especifico. - Na defesa de zona (marcagao zonal, marcagao por zona...) a principal referéncia do jogador € 0 espago que deve ser ocupado, e ele se posiciona em fungdo da bola, e também dos demais companheiros. Em resumo, os jogadores se movimentam organizadamente para ocupar os espagos mais importantes - os mais proximos da bola - de 27 forma inteligente, criando uma sucessdo de coberturas. E uma proposta usual na Europa e em paises inspirados no futebol do Velho Continente: defesa de zona tendo o espago, a bola e os companheiros como referéncias. Com a bola como referéncia, a equipe nado se desorganiza perseguindo adversarios sem ela, e sim os impede de ingressar em “espacos valiosos". O jogador do setor onde esta a bola pressiona o adversario com ela, os demais aproximam-se, fechando os espagos e induzindo o adversario a errar, ou a voltar, ou a se movimentar na diregao que o marcador deseja, para haver o desarme: Jogador do time branco pressiona a bola em seu setor (referéncias $40 0. espago ea bola); demais companheiros ocupam seus setores, sem desorganizar A partir da ocupag&o inteligente dos espagos préximos a bola, a equipe fecha as linhas de passe adversarias, ou seja, impede que os oponentes também proximos consigam espago para ser vistos e acionados pelo homem com a bola. 28 Ha um pequeno avango neste conceito que é a zona pressionante, uma reuniao da defesa zonal com a pressao sobre a bola (falaremos em breve sobre o tema). Além de fechar as linhas de passe proximas, o marcador responsavel pela zona onde esta o homem da bola exerce presséo para que ele nao realize qualquer passe, forgando-o a retornar, errar, perder a bola...ou cometendo falta. - No encaixe individual dentro do setor a principal referéncia é o adversario, depois a bola, depois o espago. Cada atleta da equipe “encaixa” e acompanha um adversario nos setores proximos a bola — mesmo que ele esteja sem ela - dentro dos limites da sua zona (ou seja, existem limites “geograficos" para persegui-lo): A bola esta proxima do setor esquerdo defensive: um jogader pressiona a bola, e os jogadores préximos encaixam os adversarios dentro de seus setores Notem que neste caso, ao contrario da marcagao individual, o jogador nado persegue sempre o mesmo adversario. Ele se responsabiliza pelo encaixe no primeiro que ingressar em sua zona, até o final da jogada. Se o adversario de referéncia no momento sair 29 daquele setor, ou se no movimento seguinte outro oponente por ali passar, 0 marcador troca 0 alvo. E uma espécie de zona mista. Este modelo de mareagdo ¢ bastante comum na América do Sul, especialmente no Brasil. Criam-se algumas compensacées, porque ele provoca desorganizagao do desenho inicial da equipe. Enquanto na defesa de zona a distribuig&o dos jogadores permanece uniforme - tendo a ocupagdo de espagos como referéncia - no encaixe individual ele se molda a organizagao ofensiva do adversario, e forga a trocas momentaneas — volante protegendo o espaco do lateral que saiu, lateral no espaco do volante aguardando 0 momento certo para voltarem ao modelo original, por exemplo. Se o jogador rival sai demasiadamente de uma zona, seu perseguidor o abandona e o “entrega” a outro companheiro, voltando ao seu setor e encaixando-se a novo adversario. Também 6 habitual do encaixe de marcago no setor a formagao de uma sobra defensiva. Se o adversdrio tem dois atacantes, por exemplo, dois integrantes da defesa encaixam-se a eles, e outro fica mais atras. Tendo o outro time como referéncia, a ideia € sempre formar superioridade numérica de um jogador na defesa, para que ele faga a sobra. - © eneaixe individual por fungao é& tipico dos sistemas com trés zagueiros utilizados na América do Sul. Enquanto no modelo acima - 0 encaixe por setor - cada marcador varia seu alvo conforme o jogador adversario que ingressa em sua zona de atuagao, no encaixe individual por fungao o que vale é o “numero da camisa”. Cada jogador tem um alvo especifico a seguir, sem espago delimitado, encaixando-se a ele até o final da jogada nao importando necessariamente o setor onde esta a bola. 30 No 3-5-2 e suas variagdes ¢ comum dizer que o “ala bate com o lateral", traduzindo, o ala marca individualmente o lateral adversario (encaixe por fungao); zagueiros “batem” com atacantes - um sobra, volantes com meias, meias com volantes e atacantes com zagueiros. E o famoso “cada um pega o seu”, modelo mais vulneravel as movimentagées dos adversarios - pois se desorganiza em fungao deles - € também mais dependente das vitérias pessoais dos marcadores, que estaéo sempre no 1x1 —fato que nao tem acontecido nos recentes sistemas “5-3-2", com alas alinhados aos zagueiros na fase defensiva. Ao invés do encaixe individual por fung&o, a linha defensiva realiza balango. Mudando um pouco de assunto, independentemente do sistema de marcagao, as equipes podem combater em “alturas” diferentes. - © bloco alto é com inicio da pressdo no campo ofensivo, adiantando os setores com a defesa posicionada na altura da divisa de campo, e com atacantes combatendo a saida de bola adversaria: 31 - O bloca médio posiciona a equipe entre as intermediarias: - Eo bloco baixe poe a equipe da intermediaria defensiva para tras: Outros conceitos importantes aplicados aos sistemas de marcacao sdo a press&o sobre a bola, o estreitamento, a compactagao e o balango defensivo. - Pressao sobre a bola refere-se a intensidade do combate realizado pelo jogador. Nada tem a ver com a altura da pressdo coletiva (os ja citados blocos alto, médio ou baixo). Seja na defesa de zona, seja no encaixe individual por setor, pressionar a bola hoje é fundamental. A ideia é tirar 0 adversario com a bola da zona de conforto e evitar que ele tenha tempo/espago para achar bons passes. Sob pressao do seu marcador ele obriga-se a sair dali, podendo sofrer o desarme, errar © passe ou voltar a jogada. Este comportamento é ainda importante para minimizar os riscos da amplitude ofensiva do adversario, como vimes no item acima, evitando a diagonal longa. Mesmo que o oponente abra jogadores pelos dois lados e ambicione balangar sua defesa para acionar o ponta oposto, a pressao sobre a bola impede que o jogador com ela consiga tempo e espago para acertar o langamento. Sob pressdao, precisa definir rapido o lance, diminuindo a precisao da bola longa. O contrario da pressao sobre a bola € a defesa passiva, em qualquer dos modelos de marcacao. Seja na defesa de zona, seja nos encaixes individuais ou por fungdo, o jogader apenas ocupa o espaco, ou apenas acompanha o adversario, sem lhe incomodar, sem lhe forgar a tomar uma decisdo precipitada, o que permite ao oponente encontrar tempo e espago para tomar boas decisdes - com drible, passe curto ou longo. Além do modelo de marcagao, portanto, €¢ importante ao analista diagnosticar o comportamento dos jogadores sem a bola, se pressionam os adversarios, ou permitem que tomem decisées. 33 - Estreitamento é a distancia entre as pontas laterais do time. Sem a bola as equipes nao se espalham em campo, mas sim estreitam-se no setor atacado. Com os jogadores préximos, fecham-se as linhas de passe, proporcionando melhor ocupagao dos espagos valiosos e, consequentemente, dificultando a movimentagao ofensiva do adversario: Equipe com pouco espaco entre as linhas — ou setores (compactacgdao); e também com pouco espago entre os jogadores (esireitamento) - Compactagao é a distancia entre os setores do time. Da mesma forma que o estreitamento, a compactagao das linhas € importante para fechar as linhas de passe e ocupar os espagos valiosos de forma inteligente, sem permitir ao adversario que encontre caminhos desimpedidos para progredir, E preciso manter uma distancia curta entre defesa, meio e ataque, impedindo que o adversario encontre espaco para trabalhar a bola entrelinhas. 34 - Balango defensivo é o movimento coletivo de basculagao do time na direcdo da bola, E como se os jogadores estivessem conectados através de cordas, levando a obrigatéria movimentagao coletiva por estarem amarrados uns aos outros. Popularmente conhecido por “gangorra” ou por “rodar a marcagao", o balanco defensivo tem como referéncia a bola: Linhas de defesa movimentam-se na diregao do setor atacado — fazem o balango Primeiro os jogadores esperam o adversario definir por onde sairé jogando: corredor direito, corredor esquerdo ou corredor central. Befinido o caminho - e as boas equipes trabalham com a ideia de induzir o adversario a escolher 0 caminho no qual a prépria defesa é mais forte, conduzindo-o sorrateiramente a armadilha - todo o time movimenta-se naquela diregao, obedecendo aos critérios definidos pelo sistema, seja defesa de zona, seja encaixe. 35 Este conceito anula a interjeigao muito ouvida em arquibancadas ou na frente das tevés quando o adversario tem a bola na direita e aparece um jogador livre la na esquerda. Totalmente desmarcado. © torcedor se assusta € grita: “olha © cara livre, ninguém vai marcar?”. Resposta: nao. Trabalha-se a pressdo sobre a bola exatamente para dar suporte ao estreitamento, 4 compactagao e ao balango defensive. Pais vejamos: se o adversario esta marcado por um jogador que o combate com intensidade, sem passividade — com press&o; se todo 0 time movimentou-se na diregdo daquele setor; se as linhas de passe proximas estao fechadas, ocupadas por defensores inteligentemente posicionados...como ele conseguira acertar uma virada? Mesmo assim, se ele tiver vitéria pessoal, ou seja, se ele conseguir sob presséo desvencilhar-se do marcador e assim ganhar espago/tempo para achar o passe longo, o time esta preparado para agilizar 0 balango defensivo naquela posigao, cada qual com suas coberturas/compensagoes combinadas. - As equipes também ambicionam a superioridade numérica. Dobrar, ou até triplicar a marcagao sobre o adversario no setor atacado. E uma forma, qualquer que seja o sistema adotado, de manter pelo menos um jogador pressionando o adversario com a bola, @ outro imediatamente préximo, em diagonal ao lance, na cobertura, sem contar todas as demais linhas de passe bloqueadas. Dessa maneira, mesmo que o oponente tenha vitéria pessoal no 1x1, é possivel combaté-lo com a subida de pressao daquele que estava na cobertura diagonal, evitando uma desorganizagao prematura da estrutura defensiva. Ao analista, na fase de organizagdo defensiva cabe, portanto, especial atengao no diagnéstico de todos estes pontos listados: 36 sistema de marcacao (por zona, com encaixe no setor ou por fungao, com uso de marcagao individual, com uso de mais de um modelo - misto, portanto); altura de bloco (alto, médio e baixo) e eventuais alternancias entre eles; estreitamento no setor atacado; balango defensivo; compactacado entre as linhas; superioridade numérica; e intensidade da pressao sobre a bola no combate. 4.4.3-Transigado ofensiva - contra-ataque, o que o time faz quando rouba a bola. A ideia é identificar e explorar os aspectos vulneraveis do oponente em combinagado com as prdoprias virtudes. E possivel acelerar a saida, seja no setor onde a bola foi roubada, seja trocando 0 corredor com objetividade para definir o lance - ou manter a posse. Aspectos individuais, como a procura de um jogador especifico para coordenar a transigao, ou entaéo para receber os langamentos e tentar a vitéria pessoal com velocidade e drible, também sao importantes. Assim como a intensidade da aproximagao de apoio ofensivo - velocidade com a qual o time sai da defesa: Contra-ataque para defini¢ao rapida com trés opgdes de passe ao homem da bola 37 Existem equipes cuja proposta de jogo é 0 contra-ataque, abdicando da fase de organizagao ofensiva - cede posse ao adversario - e baixando estrategicamente o bloco de defesa para ganhar campo. E © “jogo de transicéo". Geralmente, estes times procuram definir rapido os lances, em contra-ataques verticais e objetivos: sai rapido, e em dois ou trés toques ja finaliza a gol. Enquanto o oponente pode pensar que seu rival esta acuado, na verdade esta apenas induzindo-o a avangar, desorganizar-se, e dar espaco a saida rapida. Considero importante que o analista saiba diferenciar quando uma equipe esta sendo empurrada pelo adversario, enclausurando-se na defesa, ou quando ela esta oferecendo posse e campo para jogar em transicao ofensiva. Nos contra-ataques ¢ preciso identificar a mudanga de comportamento da equipe, ou seja, a partir da roubada da bola os jogadores que estavam em comportamento defensivo precisam imediatamente assumir 0 comportamento ofensivo. Outro aspecto interessante é identificar se o time sabe explorar o lado fraco do adversario. Em um contra-ataque vertical, este é o objetivo: encontrar o caminho mais curto para o gol, onde o oponente = que tinha a bola — esta momentaneamente vulneravel. E, caso nao dé para agredi-lo, manter a posse, esperar os demais companheiros sair detras e entrar em organizacao ofensiva. SAo propostas muito diferentes e relevantes para o contexto do jogo. Fazer o diagnéstico correto da proposta ajuda a julgar, no final, se a equipe teve éxito, E bastante comum, sem fazer essa diferenciagao, criticar uma equipe por estar “demasiadamente recuada” ou “sem posse” quando na verdade esta é exatamente sua intengao. 4.4.4-Transigao defensiva €@ a recomposicao, 6 contra-ataque adversario, 9 que o time faz quando perde a bola. E a analise 38

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