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Richard Pipes Historia concisa da Revolucao Russa ‘Traduetio de T.REIS "2S trey omen sow sry OOF PEM distrisuido ama Paes Capitulo XVI REFLEXOES SOBRE A REVOLUCAO RUSSA Revolugio Russa de 1917 nio foi um incidente isolado, mas ‘uma seqiiéncia de atos violentos e rupturas mais ou menos simultincas, envolvendo atores cujos objetivos diferentes eram, em alguma medida, contraditérios, Seu infcio foi marcado pela revolta dos elementos mais conservadores da sociedade russa, agastados com a familiaridade que Rasputin desfrutava junto 4 Coroa, ¢ o mau gerenciamento do esforco de guerra. A revolta envolveu os liberais, que desafiaram a monarquia receando que ela tornasse a revolugio inevitivel. Nao se tratava senao de ericaminhar a guerra de forma mais, efetivae de impedira revolucio. Em fevereiro de 1917, quando a guar- nicio de Petrogrado ensarilhou armas diante da multidao, os generais entraram em acordo com os politicos na esperanea de evitar que 0 motim alcangasse a frente de batalha, convencendo Nicolau Iaabdi- car. O gesto do czar, embora tendo em vista a vit6ria militar, na reali- dade derrubou toda a estrutura do Estado russo. ‘Ainda que 0 descontentamento social e a agitagio da intelligentsia radical no desempenhassemn qualquer papel significativo nesses fatos, ambos os fatores elevaram-se, no instante em que a autoridade impe- rial ruiu. Na primavera e no verdo de 1917, os camponeses tomaram ¢ distribufram entre si as propriedades nfo comunais. Depois, a rebe- igo atingiu as tropas, na frente, provocando desergSes em massa € pilhagens, os trahalhadores, que assumiram 0 controle das empresas industriais, e as minorias étnicas, que aspiravam autonomia. Cada seg- mento perseguia seus proprios objetivos, mas o efeito cumulativo dos ataques & estrutura social e 2 econémica, no outono de 1917, acabou por langara Rdssia na anarquia. 356 / Richard Pipes ~ Apesar de reivindicar o status de grande poténcia, a partir do ‘imenso ternitorio, o Impérig Russo erguia-se sobre.uma estrutura artificial, mantida nao por vinculos orginicos, que conectassemt governantes e governados, mas ae presentados pela policia € o exé no estavam presos por algum sentido de identidade nacional ou por fortes interesses econdmicos. Produto de séculos de governo autocré- feos Réssia Imperial era uina costura de poucos pontos, fato assina- lado por uur dus principais hisioriadores © figuras politicas da epoca, Pavel Miliukov: Para fazer vocés entenderem [o] caréter especial da RevolugSo Russa, devo chamar atencéo para [os] tragos peculiares que ass mimos ao longo de todo © processo da hist6ria da Réssia. Na sinha mente, esses tacos se resumem num 6 Adiferenga funda mental que distingue nossa estrutura social da de outros pafses civilizados reside mama certafraqueza, ou fila de forte coesio, ou amélgama capaz de constituir um complexo social. Vocés podem bservar que a falta de consolidagio socal russ agrega-se a cada aspecto da sua vida civilizada: politica, social, mental e nacional. Do ponto de vista politico, asinstituigbes do Estado russo sempre estiveram distantes das massas populares (.) como consequéncia do seu aparecimento tardio, adotando formas diferentes de seus ‘modelos ocidentais. © Estado oriental na teve tempo para nascer, ‘num processode evolucio organic resultando de um transplantc, Levando em consideracio esses fatores, torna-se Sbvia a insusten- tabilidade da nocio marxista de revolucio, a partir do descontenta- mento social (de “classe”). Embora existissem varias contrariedades na Rissia Imperial, a queda do regime e a desordem resultante foram motivadas de forma decisiva e imediata por dados politicos. A Revolucio era inevitivel? E ficil acreditar que tudo “esté eseri- to”, € hd historiadores que racionalizam essa f€ primitiva com argu- mentos pseudocientificos; eles seriam mais convincentes caso previs- sem o futuro tio infalivelmente como imaginam desvendar o passado. Parafraseando um ditado juridico, e psicologicamente falando, pode- se dizer que a ocorréncia fornece 9/10 de justificativa histérica, Edmund Burke foi considerado como louco por criticar a Revolugio Francesa, ‘mas setenta anos depois, de acordo com Matthew Amold, suas idéias estavam “ultrapassadas € superadas pelos fatos”. Tio enraizada é acren- ‘gana racionalidade e, portanto, na inevitabilidade dos acontecimentos Histéria Concisa da Revolugéo Russa / 357 hhistéricos, quanto maiores e mais peso tém suas conseqiiéncias, mais parece como parte da ordem natural das coisas, ¢ a tal ponto que chega a parecer extravagante questioné-las. ‘Com relacio 8 Réissia, o maximo que se pode dizer € que arevolu- io era mais provavel do que improvivel, por varias razbes. A mais onderivel talvez tenha sido o declinio do prestigio do czarismo aos ‘olhos de uma populagio acostuinada a Ser governada por uma autori- ‘dade invencivel — que via na invencibilidade o critério da legitimida- de, Depois de uin séculu € inciv de vitsrias militares ¢ de expansio, a partir de meados do século XIX, até 1917, a Raissia tomnou-se vitima de sucessivas humilhac6es: a derrota, em seu proprio solo, na Guerra da Griméia; a perda dos frutos da vit6ria sobre os turcos, no Congreso de Berlim; a rufna na guerra contra 0 Japio; ¢ tunda aplicada pelos alemaes, na Primeira, Guerra Mundial. Uma série de reveses assim teria prejudicado a reputagao de qualquer governo. Para o da Riissia, foi fatal. ‘A desgraca do czarismo foi determinada pela ascensio de um mo- vimento revolucionfrio e sua incapacidade de abafi-lo, apesar do re~ curso & repressio rigorosa. As concessGes meio fromas de 1905 nao facilitaram o relacionamento entre 2 oposicio € 0 czarismo, nem 0 tornaram mais popular aos olhos do povo, que simplesmente nao po- dia entender como um verdadeiro soberano permitia-se ser insultado por instituigbes governamentais. O principio de Confiicio — v du mado Mandato do Céu, que em seu significado original atrelava a au- toridade do governante @ conduta virtuosa — na Rissia derivava da conduta vigorosa; um governante fraco, um “perdedor’, nio tinha o direito de guiar a nacio. Um chefe de Estado russo jamais poderia ser avaliado segundo padrées de moralidade ou de popularidade. O que importava era que inspirasse medo, merecendo, como Ivan IV, a alcu- nha de “Terrivel”. Nicolau II foi derrubado nao pelo ddio, mas pelo desprezo. Nao se pode deixar de considerar, também, o campesinato russo. Embora constituindo cerca de 80% da populacao, sein jamais trem se integrado a estrutura politica da nacio e sem tomar parte ativa na con- dugio das questées de Estado, mesmo de modo passivo e no entanto ameagador, os camponeses constituiam um fator de desequilibrio. Di: er que craut “upiiniidos” ndo esclarece quem os oprimis. As véspera da Revolucio, eles desfrutavam da totalidade dos direitos civis e legais, além de possuirem, direta ou comunalmente, 90% das terras agricolas do pais ¢ igual proporcio do gado. Pobres, segundo os padres ociden- 358 / Richard Pipes tais, estavam em melhor situacio do que seus pais e eram mais lives que seus avés. Certamente, desfrutavam de maior seguranca que og rendeiros sitiantes irlandeses, espanhéis ou italianos. ‘O que os prejudicava nao era a opressio, mas 0 isolamento — eles vviviam apartados da vida politica, econémica ¢ cultural do pats, igno- rando as mudancas que desde o tempo de Pedro, o Grande, colocaram a Réssia no curso da ocidentalizacio. Fincados nos padrées da velha civilizacio moscovita, tinhar tanto em comum com aelite governante quanto a populagio nativa das colémuas atricanas inglesas coma metré- pole vitoriana. Descendendo em sua maioria dos servos, abandonados pela monarquia aos caprichos do latifundiério e do burocrata, perma- neceram, mesmo apésa emancipagio, como uma forca estranha e ma- Tevola, leais tio-somente 3 familia e 4 comuna. Sua vaga devocio 20 distante czar alimentava-se da esperanca de que ele Ihes daria a terra cobicada, Anarquistas primérios, repelindo o establishment conservador e desprezando a cidade, a seu respeito 0 marqués de Custine ouviu dizer, antes ainda de 1839, que algum dia a Rassia seria palco de uma revolta dos barbudos contra os barbeados. A existéncia dessa massa de camponeses alicnados, mas potencialmente explosivos, imobilizava os mecanismos de direcio do Estado, crentes da sua docilidade e teme- roses de que quasquerconcessespoticas pudessm snalza are clio. As tradig6es da servidio e as instituig6es sociais predominantes no campo —a célula de trabalho familiar e o sistema quase universal de propriedade comunal — bloquearam no campesinato o desenvolvi- mento das qualidades essenciais 8 cidadania moderna. Michael Rostovtseff, principal historiador russo da antiguidade cléssica e teste= munka ocular de 1917, concluiu que esse sistema pode ter sido pior que a escravidio, uma vez que o total desconhecimento da liberdade impediao servo de adquirir os atributos de um verdadeiro cidadi sua opinito, essa foi principal causa do bolchevismo. Para os servos, @ autoridade era naturalmente arbitriria; para defender-se dela cles néo Cogitavam de direitos legais ou morais, apelando para a esperteza, como se a vida nio passasse de uma guerra de todos contra todos. Essa atitu- de favoreceu 0 despotismo, pois na auséncia de disciplina interna € respeito a lei cxigia que a oidem fusse imposta de fora; quando essa alternativa perdeu a eficécia sobreveio a anarquia, que abriu caminhoa um novo despotismo. Embora pouco antes da Revolucio os camponeses jé possufssem Histéria Concisa da Revolugio Russa / 359 90% da terra aravel do pais, eles ambicionavam os outros 10% con- trolados por senhores de terra, mercadores ¢ os chamados kulaks. Nenhum argumento econémico ou legal poderia demové-los da con- ‘viegio de que o direito a terra era uma dédiva de Deus 4 comuna e aos seus integrantes. Quer dizer: junto ao escasso senso de legalidade, camponés tinha pouco respeito pela propriedade privada, tendéncias exploradas e exacerbadas por intelectuais radicais que para atingir ‘seus proprios objetivos incitaram-nos contra a ordem vigente. (Os trabalhadores industria também contribufram para desesta~ bilizar o status quo, mas nio por terem assimilado ideologias revoluciondrias — poucos o fizeram, e mesmo esses poucos foram excluidos dos cargos de lideranca nos partidos revolucionérios. Egres- sos da aldeia hé, no maximo, duas geragdes, a maioria estava apenas superficialmente urbanizada, carreando para a fibrica atitudes tipica~ ‘mente rarais adaptadas as novas condig6es. Sem demonstrar interes se particular por questdes politicas, praticavam uma espécie de anarquismo nio-ideol6gico, acreditando que tinham direito as insta- lagGes industriais ¢ As mAquinas fabris assim como seus parentes, na aldeia, tinham direito a terra. Numericamente insignificante para desempenhar um papel relevante na Revolucio, aclasse operéria rus- sa, em alta proporcio constituida por camponeses temporariamente empregados, somava no méximo trés milhdes de trabalhadores, ou 2% da populacio. Fator de importincia decisiva para a revolucio foi a inélligentsa, cuja influéncia, na Réssia, foi maior do que em qualquer outro lugar. CO peculiar sistema de “postas” do servico piblico cearistainclufa pes- soal estranho & administragio, distanciando os elementos mais bem- educados e tornando-os suscetiveis a esquemas fantésticos de reforma social, inventados, mas nunca praticados na Europa Ocidental. Até 1906, aauséncia de instituigbes representativasee de uma imprensa livre, com- binadas com o crescimento do sistema educacional, levou a cite cultu- ral reivindicar o direito de falar em nome do povo emudecido. Nao cexistem indicios de que a intelligentsia realmente refletisse a opiniio das “massas". Ao contririo, a evidéncia demonstra que os camponeses € trabalhadores desconfiavam bastante dos intelectuais, antes e depois da Revolugao. Mas como a verdadeira vontale du povo néo dispunha de meios de expresso, pelo menos até 1906, a intelectualidade politizada obteve certo sucesso, posando de ports-vo7. CConstituindo-se em casta, identificada e coesa por idéias grupistas, 360 / Richard Pipes num clima de extrema intolerdncia, a intell iluminista de que as mudangas no meio pereeesen me tureza humana, moldada por ele, imaginando que assim a “revely > acarretaria uma total transformagio da condigao humana cacracgey, ima nova raga de srs manos. Aénfve que atrium nian les existentes nilo passava de estratagema para ganhar apoio ae seus nico par melhor Es poeriaprsuai os Rae , savialistas-revoluciondtios, mencheviques ¢ bolcheviquesa A de sus sping evolucontas,Enbors epeouen Cae cos, seus pontos de vista cram imunes a evidénci : smut pedo Seigon ae ’s intelectuais que ambicionam o poder mantis il dade intransigent ondem enieate nada que owes cate desse fazer, exceto cometersuicidio, Ines bastaria. les eram revoluno. nos, no paraa melhoria das condicées do povo, mas para domini-1o € reconstrai-lo conforme seus métodose ideotogia. Confrontaram © regime imperial om um desfo insopersvel Reformas fosemaguels a década de 1860, do século passado, ou as de 1905-1906, apenas cavamo seu apetiteimpulsionando-osa reivindicagbes maiores e mais excessivas. % oe O tinico recurso da monarqui i a base de sua antordade, dvvendo 0 pases coms as fae pole conservadorss.Os precedente hstSies indica que a parila Bolder, em democrats bem-suceddsf'inialmentelimiadn, equ a pressio popular logrou transformé-la em direitos comuns, Envol- ver 0s conservadores, muito mais numerosos do que 0s radicais, tanto - poe de decisdes quanto na administragio, teria forjado pelo 05 a parte um vinculo orginico entre o governo e a sociedade, assegurando 4 Coroa apoio, no caso de levantes,isolando or cas ssa politica fora aconselhada 3 monarquia por alguns funcionérios de visdo mais acorada e deveria ter sito posta em prt, na época ds Gand Reformas. Em 1905,foredo por uma rebeliéo nacional acon- SE ‘o parlamento e algo parecido ao voto democritico, o czar ji nao tinha essa opcéo: a alianga liberal-radical, na Duma, afe for onservadoras. 2 avant, ‘$6 um vinculo muito est Nn ito estreito entre governo e cidadios superar as tersves presses desencadeadas pelo conflito meee ies aptincia beligerantes. Na Reissia, tal ligacio jamais existiu. Tio Teveses militares dissiparam 0 entusiasmo patristico inicial ¢ 0 Hisiéria Concisa da Revolugio Russa / 361 desgaste provocado pela guerra tomou conta do pafs,o regime czarista ‘nostrou.se incapaz. de mobilizar apoio pablico. Na época do colapso, amonarquia estava sozinha. Foram complexas as motivagSes que levaram o regime a no parti- thar o poder politico, ou fazé-lo de ma vontade, quando afinal foi obri- "2iss0. Acorte, a burocracia e 0 corpo de oficiais eram dominados por um espirito patrimonial, considerando a Réissia como dominio privada do czar, Essa mentalidade sobreviveu ao desmantelamento fradual das antigas instituigdes moscovitas, 0 longo dos sécalos XVII. EXIX; na realidade, nao apenas nesses cfrculos, mas também entre os ‘amponeses, que acreditavam numa autoridade forte indivisvel, con- Siderando a terra como propriedade do soberano. Nicolau Il conside- Tava-se puardido da autocracia, a ser transferida para seu herdeiro; ele tio podia dissipar a autoridade ilimitada que recebera de seus antepas- sados, Nunca pode libertar-se da culpa por ter dividido 0 poder com 6 representantes eleitos da nagio, em 1905, sem perceber que s6 as- sim havia salvo o trono. ‘Por outro lado, o czar e seus conselheiros temiam que a partilha de autoridade, ainda que beneficiando apenas uma pequena parcela da so Giedade, desorganizasse 0 aparato burocritico, suscitando demandas ‘tinda maiores, no sentido da participag3o popular e em proveito da {nuelligensiu, Adicionalmente, preocupava-os a possibilidade dos cam~ poneses interpretarem mal tais concess6es, enfurecendo-se. Finalmen- fe, a burocracia sustentava uma férrea oposisio as reformas; adminis trando o pais a seu talante, nfo queria abrir mao dos numerosos privilégios que advinham dessa atividade. "Tudo isso explica, mas nio justificaa inflexibilidade da monarquia, mantendo os conservadores afistados do governo, tanto mais que a ‘complexidade das quest6es nacionais,jé privava a burocracia de autori- Gade efetiva em muitas Areas. Na segunda metade do século XIX, a temergéncia de instiruig6es capitalistas transferin o controle de grande parte dos recursos do pais para o setor privado, minando 0 que restara do patrimonialismo. : (ensue apso do czarismo inevitével, mas coniver- teu-se entralgo provavel gragas a antigos desniveis| culturais € politicos 1ue impediram’6 ajustamento do regime c: esenvolvinvenit do pais, e que se tornaram fatais sob as pressbes desencadeadhs¢ te-aconflito mundial. Decidida a derrubar 0 govemo e ware Réssia ‘como trampolim da révolucio mundial a inlligentsia radical abortou_ 3621 Richard Pipes toda e qualquer possibilidade de adaptagio que porventura pudesse existir. [sso determinou o colapso do czarismo, muito mais do que a “opressio” ¢ a “miséria”. Nao se pode esquecer que estamos diate de ufna tragédia nacional cujas causas remontam o passado mais longin. quo. Antes de 1917, elas ndo contribuiram significativamente para a ameaca revolucionsria que pairava sobre a Rassia. Quaisquer que fos- sem as circunstincias adversas — reais ou quiméricas — as “massas? nio careciam de uma revolugio nem a desejavam; a intelligentsia, sim, mas $6 ela. Sua Enfase no suposto descontentamento popular e no conflito de classes derivava mais de preconceitos ideol6gicos do que de fatos da realidade. O peso secundério dos fatores econdmico-sociais na Revolugio Russa torma-se evidente a partir do exame dos acontecimentos de feverciro de 1917, que nZo configuraram uma revolucio dos “trabalhadores” — o coro das fibricas apenas repetia e amplificava as ages dos verdadeiros protagonistas, os soldados. O motim da guarnicio de Petrogrado estimulow as desordens da populacio civil, descontente coma inflagio eaescassez. Nicolau poderia té-las reprimido facilmente, caso optasse por agir com a mesma brutalidade dos bolcheviques, quatro anos depois, no enfrentamento do levante de Kronshtade e das rebelides camponesas. Mas se Lenin e Trotski 6 estavam interessados em manter © poder, o czar preocupava-se com a Riissia. Tanto que se deixou persuadir pelos generais e politicos da Duma a abandonar 0 trono para preservar o exército ¢ evitar uma capitulagio humilhante. Se permanecer fosse seu objetivo supremo, ele poderia ter feito a paz com aAlemanha e voltado as tropas contra os rebelados. O registro histérico € indubitével: 0 czar nio foi forcado a abdica¢io pelos trabalhadores € camponeses, cedendo aos chefes militares e lideres parlamentares pot sentimento patriético. \Arevolucio social foi posterior. A guarnicio da capital, os trabalha~ dores, camponeses e minorias étnicas, polarizados por diferentes ob- Jetivos, tornaram o pais ingovernavel. Qualquer chance que houvesse de restaurar a ordem desapareceu quando a intelligentsia exigiu que os sovietes assumissem o poder. A inépcia de Kerenski, bem como sua ‘omissao diante dos inimigos & esquerda, aceleraram a perda de autort- dade ¢ a queda do governo provisério. O pais — suas instituigdes po- liticas e todos 0s seus recursos — tornara-se alvo da pilhagem —duvan. Alcado a0 poder num contexto de anarquia que ele proprio fez tudo para promover, Lenin prometeu satisfacio plena aos diversos gru- Histbria Concisa da Revolugio Russa / 363 pos descontentes, nZo importa o que reivindicassem. Para conquistar 6s camponeses, apropriou-se do programa SR de “socializagao da ter- 12°, enquanto estimulou as tendéncias sindicalistas de “controle operi- rio”, nas fibricas, acenando aos homens de uniforme com a perspecti- va de paz, e as minorias émmicas, com autodeterminacio nacional. Todos esses compromissos contrariavam seu programa, mas contribufram para minar os esforgos do governo provis6rio e impossibilitar a esta~ bilidade do pats Lenin e Trotski encobriram sia estratégia com slogans reclamando a transferéncia do poder aos sovietes e 4 Assembléia Constituinte, atra~ vés da convocacio de um fraudulento Congreso de Sovietes. Nin= ‘guém estavaa par da verdade, a nfo ser um punhado de figuras proe- minentes do Partido Bolchevique; poucos, portanto, perceberam oque acontecia em Petrogrado, na noite de 25 de outubro de 1917.A charna~ da ‘Revolugio de Outubro” nio passou de um clissico golpe de Estado preparado sob tio severa clandestinidade que uma semana antes, quando Kamenev 0 denunciou através dos jornais, Lenin declarou-o traidor e pediu sua expulsio. RevolugSes genuiinas nao sao agendadas nem po- dem ser trafdas. ‘A facilidade com que 0s bolcheviques derrubaram 0 governo pro- vvis6rio convencet: muitos historiadores da “inevitabilidade” do Golpe de Outubro. O proprio Lenin, entretanto, considerava o desfecho ex- tremamente incerto. Em cartas a0 Comité Central, escritas do seu esconderijo, em setembro ¢ outubro de 1917, ele insistia que 0 suces- so dependia inteiramente da velocidade e coragem com que a insurrei- ‘Glo armada fosse executada. “Atrasar 0 levante é morte”, ele escreveu em 24 de outubro, “tudo esti suspenso no ar.” Nao eram sentimentos de alguéi que acreditasse nas forcas da historia. Mais tarde, Trotski afirmou — e quem estava em melhor posigio para saber? — que se “nem Lenin nem [cle mesmo] estivéssemos em Petrograd, nfo teria havido Revolucio de Outubro”. Que fato hist6rico “inevitével” pode depender de dois individuos? Ese essa evidéncia nio for suficiente, basta olhar de perto os acon- tecimentos de outubro de 1917, na capital do pais, onde as “massas” agiram como espectadoras, ignorando os apelos bolcheviques para to- mar o Palacio de Inverno, ocupado apenas por uns poucus ministros idosos, defendidos pela juventude do partido cadete, um batalhio de mulheres e um pelotio de invélidos. Ainda conforme o testemunho de Trotski,a “revolucio” de outubro, em Petrogrado, foi realizada por “no maximo” 25 mil a30 mil pessoas — isso num pais de 150 milhes 364 | Richard Pipes ¢ numa cidade em que viviam quatrocentos mil trabalhadores, com, ‘uma guarnicio superior a duzentos mil soldados.” ___ De posse do poder ditatorial, Lenin partiu para destruir todas as instituig6es existentes e limpar 0 terreno do regime posteriotmense rotulado como “totalitério”. Muitos soci6logos e cientistas politicos ocidentais consideram essa linguagem tipica da Guerra Fria. Porém, o que nao se pode deixar de reconhecer € que o termo passou a ser uusado na Réissia assim que foram suspensas as proibigdes da censura contra seu uso. Esse tipo de regi, até eutao sera registro na historia, impunha a autoridade de um “partido” onipotente sobre o Estado, ¢ que se arrogava o direito de sujeitar todas as instancias da sociedade, sem excecio, fazendo valer suas determinagSes por meio do terror macigo. Visto em perspectiva, Lenin deve sua proeminéncia hist6rica nioa sua habilidade de estadista; Has Como general. Ele foi um dos grandes conquistadores — distincio nem um pouco deslustrada pelo fato de tet conquistado seu proprio pais." A razao inédita de seu sucesso foi a militarizacio da politica. De fato, nenhum outro estadista antes. dele. tratou a politica, doméstica e externi-como guerra, no sentido literal da palavra ¢ com_um objetivo no apenas de compelir o inimigo a render-se, mas aniquilé-lo. Essa inovacio deu a Eenin vantagens signi- ficativas sobre seus oponentes, para os quais a guerra era a antitese da politica ow a politica feita por outros meios. Militarizé-la e, como corolirio, politizar a guerra, habilitaram-no a tomar o poder e manté- Jo, embora nio tena servido para construir uma ordem social e poli- tica vidvel. Ele se acostumou tanto a atacar em todas as frentes que acabou tendo de inventar novos inimigos contra os quais lutar — a Igreja, os Socialistas-Revolucionétios, a intelligentsia} Essa beligerincia converteu-se num traco caracteristico do regime comunista, culmi~ nando na “teoria” stalinista segundo a qual a aproximacéo da sua vitéria final seria marcada pela intensificacio dos conflitos sociais — nocio que justificava um banho de sangue feroz e sem precedentes, e que fez com que a Unido Soviética nos sessenta anos seguintes 4 morte de eae cee. pees eee cme Histéria Concisa da Revolugdo Russa / 365 Lenin se exaurisse em desnecessirios conflitos internos ¢ externos, que a evisceraram fisica ¢ espiritualmente. (© fracasso do comunismo, inquestiondvel desde 1991, éfreqiiente- mente atribuido is falhas humanas dos que nfo conseguiram cumprir seus pretensos ideais, O objetivo pode nio ter sido atingido, dizem os apologistas, mas suas aspiragGes eram nobres e a tentativa foi vilida. Em apoio a essa alegacio, eles poderiam citar 0 verso do poeta romano Propércio: “Inn magnis et voluisse sates!” (Para grandes objetivos, apenas querer € suficiente). Mas que graudle designio seria esse, to em desa- cordo com os anseios humanos ordindrios que, para persegui-lo, foi preciso recorrer aos métodos mais desumanos imaginaveis? O experimento comunista€ classificado também, com alguma fre~ qliéncia, como “utdpico”. O termo poderia ser aplicavel, sim, mas no sentido que Ihe deu Engels ao criticar as correntes socialistas que nao aceitavam as doutrinas “cientificas”, dele e de Marx, e que despreza~ vvarn as realidades hist6ricas e sociais. No fim da vida, 0 proprio Lenin foi forcado a admitir que os bolcheviques ignoraram as realidades cul- turais da Réssia e sua inaptidio para suportar a ordem econémico- social que tentaram impor ao pais. Ninguém permanece utépico quan- do, diante de um ideal obviamente inalcangével, insiste na tentativa, recorrendo a violéncia irrestrita. Emboraas fantasias utSpicas de Platio cde Thomas More, ou de seus imitadores modernos, postuilassem disciplina policial e coer¢io, os comunistas utdpicos sempre se apoia- ram na concordancia geral para tentar criar uma “comunidade coopera tiva’, Em contraste, os bolcheviques nao apenas se importavam em obter tal anuéncia como rejeitavam todas as manifestagoes de iniciativa independente, ditas “contra-revoluciondrias”. $6 sabiam lidar com opi- nides diferentes das suas por meio de injérias e repressio. Melhor seria considers-los fansticos, segundo a definigio de Santayana —aqueles que redobram esforgos depois de esquecer os préprios objetivos. © marxismo ¢ bolchevismo surgiram num tempo em que a intelectualidade ewropéia estava obcecada por violéncia. A teoria, darwiniana de selegio natural traduziu-se numa filosofia social movida por conflitos intransigentes. “Ninguém que desconheca boa parte da Iiteratura de 1870 a 1914”, escreve Jacques Barzun, “poder4 imaginar 0 quanto ela clamou por sangue, nem a variedade de partidos, classes, nagGes ¢ racas foram apartados e invocados por cidadios iluminados, fillhos da antiga civilizagao curopéia.” Violéncia “implacivel”, violéncia votada 3 destruiicio de oponentes reais ou potenciais, para Lenin, io era somente a forma mais efetiva de lidar com problemas, mas a dnica. 366 / Richard Pipes ‘Ainda que alguns de seus seguidores recuassem ante tamanha falta de humanidade, nao poderiam escapar 1 influéneia corruptora do lider, (Os nacionalistas russos consideram o comunismo estranho a cultura ea tradicio russas, algo semelhante a uma praga importada do Ocidente, Frigil percepcio esta, posto que o movimento alcancou o mundo intei- ro,mas ocotreu primeiro na Rissia; antes e depois da Revolicio, acom- posigio social do Partido Bolchevique era predominantemente russa, sua primeira base situou-se na Réssia entapéia, entre enlonos que habi- tavam a regio de fronteira. Indiscutivelmente, as teorias que deram base ao bolchevismo, notadamente as de Karl Marx, tinham origem oc dental, mas as priticas bolcheviques so nativas. Posteriormente, nos paises do Terceiro Mundo com tradig6es similares, o marxismo voltou ‘.germinar em solos éridos de autonomia, observancia da leie respeito’ propriedade privada. Suas tendénciaslibertérias ou autoritérias prevale- iam alternadamente, dependendo da cultura politica do pais. Na Réssia, os elementos autoritérios ganharam ascendéncia, adap- tando-se sempiterna heranga patrimonial. Desde a [dade Média, 0 governante era o sujeito ea “terra” o objeto. Nao foi dificil fundir essa tradi¢io e o conceito marxista de “ditadura do proletariado”, permitin- do ao partido dirigente 0 controle exclusivo sobre os habitantes e re- cursos do Pals oto enxertodaideoo marxista no galho robusto da heranca patrimonial tussa que [aay Omar a “Apesar disso, nio se deve cxagerar a importincia da ideologia no processo. As crengas server como guia de conduta, mas quando sio utilizadas para justificar a conquista do poder, por persuasio ou pela forca,aquestio se complica: no se pode determinar seo convencimen- to e a violencia serviram 3s idéias ou se as idétas € que serviram para assegurar ou legitimar a dominagio. O marxismo possui duas proposi- ‘g6es bisicas: oamadurecimento da sociedade capitalista acirra suas con- tradiges internas e conduz 20 seu fiacasso, e aalternativa a esse colapso (“revolucio”) é apontada pelos trabalhadores industriais (“proletariado”). Ora, 0s bolcheviques realizaram a “revolucio socialista” num pais economicamente subdesenvolvido, onde o capitalismo mal aprendera a dar os primeiros passos, ¢ tomaram o poder sem acreditar na capaci- dade revolucionéria dos trabalhadores. Foi em conseqiiéncia disso, em cada estigio de sua evolugio, que o regime comunista russo repeliu seus oponentes sem qualquer considerago a doutrina marxista, ainda que disfarcando seus atos mediante slogans marxistas. Lenin foi bem- sucedido, precisamente porque estava livre dos escrépulos marxistas Histbria Concisa da Revolugio Russa / 367 que inibiram os mencheviques. A vista desses fatos, a ideologia era para ser tratada como um fator subsididrio — uma inspiracio e um modo de pensar da nova classe governante, talvez, mas no uma série de principios orientadores de suas ages, nem um fator que as expli- que paraaa posteridade. Sé um observador pouco informado a respeito do curso da revolucio russa pode inclinar-se a admitir influéncia do minante as idéias marxistas. Apesar de muitas discordancias, os nacionalistas russos € muitos libe- rais concordavam em negar qualquer continuidade do czarismo sob a Réssia soviética. Os primeitos preferiam atribuir aos estrangeiros, especialmente aos judeus, a responsabilidade por seus infortiinios,as- semelhando-se aos conservadores alemies, para os quais o nazismo foi um fendmeno curopeu, sem antecedentes aut6ctones. Tal aborda- gem é plenamente aceita pelo povo sofredor, dispensado de entender ‘ereparar qualquer coisa errada. Similarmente, intelectuaisliberais e radicais — na Réssia como no exterior — negam as afinidades entre 0 czarismo € 0 comunismo, ‘centrando 0s objetivos declarados destes ¢ os comparando com a rea lidade da época do czar. Em que pese as mudancas substanciais ocorri- das, ese procedimento nio produz um contraste claro, ‘As afinidades entre o regime de Lenin ea Réssia tradicional foram observadas por mais de um contemporaneo, entre eles o historiador Pavel Miliukoy, 0 fildsofo Nikolas Berdiaev, 0 veterany sucialista Pavel “Akselrod ¢ 0 novelista Bors Pilniak. Segundo Miliukoy, o bolchevismo tinha dois aspectos: ‘Umintraconal ost genuinamene rao, primer vines seaofit del crgarse dura tera corp nga O ae to puramente uso di respi principalente sa pica, pro- findamenteenrazacana edad rss (.)eamandoo passa doen gine no presets, Um abalo sco maz oper os estas qos tsimunhamas des mas ema eos plane tsin,o belch, eandoa ia cada socal opera, dea ‘Sporto osubtao incl e desorgniza dfaoredae rua Berdizev, considerando basicamente os aspectos espirituais, nega que a Rassia tenha atravessado uma Revolugio: *O passado inteiro esté se repetindo por tris de novas méscaras.” F ‘Mesmo alguém totalmente ignorante a respeito dos acontecimen- tos deve achar inconcebivel que num ‘inico dia, devido a um levante 368 / Richard Pipes armado, curso hist6rico milenar de um pais enorme e populoso pos- sa passar por total transformacio. O mesmo povo, habitando o mes. mo territ6rio, falando a mesma lingua, herdeiro de um passado oq. mum, dificilmente poderia transformar-se tanto devido a uma sibitg mudanga de governo. Nem mesmo decretos impostos pela forca fisica conseguiriam provocar mutacio assim, tio drdstica quanto inédita, Tal absurdo sé poderia ser levado em conta se imagindssemos os seres humanos como matéria inerte, inteiramente moldada pelo meio. Para analisar as continuidades entre ns dois sistemas devemos ter ‘como referéncia o conceito de patrimonialismo, que deu base a0 go- verno moscovita € sobreviveu em diversas instituigSes e na cultura politica da Riissia, até o fim do antigo regime, apoiado em quatro pila~ res: autocracia — isto é, governo pessoal ilimitado, sem constituicio ‘nem instincias eletvas; auséncia virtual de propriedade privada — to- dos os recursos do pafs pertenciam ao autocrata; auséncia de direitos coletivos ¢ individuais —o soberano podia demandar servigos ilimita- dos de seus stiditos; controle do Estado sobre a informacio. A compa- ragio do apoget do governo czarista com o regime comunista, na épo- ca da morte de Lenin, revela afinidades que nio deixam margem a erro. ‘Tradicionalmente, o monarca russo concenitava em suas mios to- dos os poderes de legislar e agir, exercendo-os sem interferéncia ex- terna. Administrava com a ajuda da nobreza e da burocracia, ahedien= tes, nio a nacio ou ao Estado, masa ele, pessoalmente, Lenin, desde o seu primeiro dia no cargo de presidente do Conselho dos Comissarios do Povo, posto que a constituicio e os sovietes desempenhavam fun- g6es meramente formais —a lei maior nio se aplicava ao Partido Co~ munistae os representantes & contrapartida bolchevique de parlamen- to no eram eleitos. Lenin parecia o mais autocritico dos czares — Pedro I ou Nicolau I — insistindo em participar de todas as questdes de Estado, imiscuindo-se em seus minimos dexalhes, como se o pais fosse seu dominio privado. O governo soviético, como qualquer de seus predecessores, recla- ‘mavaa posse sobre toda a riqueza eas rendas do pais. Os decretos que nacionalizaram a terra ¢ as induistrias deram partida num processo de crescente controle que acabou por s6 deixar de lado artigos de uso puramente pessoal. De jure, a propriedade pertencia ao “povo”, mas como esse termo tornara-se sinénimo de Partido Comunista, deten- tor de um poder discriciondtio, sujeito apenas 4 autoridade de Lenin, de ato, este néo apenas governava, mas possuia 0 pats. Histéria Concisa da Revolugéo Russa / 369 ‘Também era dono do povo: ninguém podia deixar o pais sem li- cenga. Os bolcheviques restabeleceram 0 servigo piiblico obrigat6rio, trago caracterfstico do absolutismo moscovita. Com poucas excecies, (0 stiditos do czar trabalhavam diretamente para ele, nas forgas arma- das ¢ na burocracia, ou indiretamente, cultivando sua terra ou a terra arrendada — escravizados 4 Coroa. Em 1762, os nobres conquistaram © dircito de retirar-se para a vida privada; 99 anos depois, acabou a servido. Portanto, a chamada “obrigagio universal de trabalho”, introduzida ern janeiru de 1918, ¢ cumprida sob ameaga de morte, seria perfcitamente compreensivel a um russo do século XVII. Os bolcheviques reviveram ainda a antiga pritica do taglo, para impor tra~ balhos forcados aos camponeses, tais como derrubar érvores ou trans- portar carrogas, sem nenhum tipo de pagamento. Aburooricia comunis,partdira estat, eaveredou pelos mes- ‘mos caminhos jf trilhados por sua antecessora Czarista, constituindo~ se numa casa prvilegiada, mimuciosamente clasificada e sitmadaacima da lei, operando sem glasnast, longe da avaliagio pablica, por meio de circulares secretas, “estratificando”, isto é, integrando numa tinica ca- deia de comando todas as atividades dos sovietes — 6rzos legislativos do novo regime — e dos sindicatos — entidades da “classe dominan- te”. Assim como o czarismo outorgava nobreza hereditéria aos que galgavam postos superiores da hierarquia, os funciondrios comunistas, incluidos nas listas da nomenklatura, adquiriam direitos suseranos sobre servidores ordindrios e cidadios comuns. : ‘A continuidade de-velhos habitos ficilitava a adaptacio 2 velhos ‘métodos. Além disso, a alta percentagem de postos de trabalho admi- nistrativos ocupados por ex-funcionérios czaristas acarretava a conta- minacéo dos menos numerosos recém-chegados comunistas. Foi o que aconteceu coms forcas de seguranca— instituigio cen~ tral do totalitarismo. Diferentemente de qualquer outro pais, a Réssia earista possuia duas policias, uma para defender o Estado de seus cidadaos e a outra para proteger os cidaddos uns dos outros. Os crimes de Estado eram definidos de forma muito vaga, valendo quase 0 mes- ‘mo, a intengio e 0 ato. Os agentes encarregatios da defesa do Estado desenvolveram métodos sofisticados de vigilincia, alcangando todos 103 intersticios do tecido social através de informantes pagos ¢ agentes profissionais, infiltrados nos partidos de opasigio. O Departamento de Policia czarista erao tinico com autoridade para impor exilio admi- nistrativo aos que praticavam atos no considerados criminosos em nenhum outro pais europea — por exemplo, expressar desejo de 370 | Richard Pipes mudanga no sistema politico vigente. Através de prerrogativas que Ihe foram atribufdas apés 0 assassinato de Alexandre II, ela virtualmente governou a Riissia, entre 1881 1905. As praticas da policia czarista eam tio familiares e foram tio assimiladas pelos bolcheviques que 0 KGB, na década de 80, ainda distribufa a seus quadros um manual pre~ parado pela Okhrana, quase um século antes Na primeira metade do século XIX, a Raissia era o tinico pais euro- pew: que praticava a censuta preventiva, s6 abolida em 1906, Os bolcheviques proibiram todasas publicagdes que nio apoiavam oregi- ‘me, sujeitando todas as formas de expressio intelectual e artistica 20 crivo do seu partido, além de estatizarem todos os jornais ¢ as empre~ sas editoriais. Nada disso tem referencia nos escritos de Marx, Engels e outros socialistas ocidentais. Seu fulcro esté na propria hist6ria da intelligentsia revolucionétia, nio aquela que aparece nas piginas dos livros, mas a que ela vivenciou, lutando contra o cearismo. Justificando-se com ar~ gumentos tomados de empréstimo da literatura socialista, ela se sentia autorizada a agir com brutalidade e rigor acima de qualquer preceden- te czarista, Na realidade, pode-se entender isso como resultado da inibi¢o que atingia o czarismo, interessado no voto favoravel da Euro- pa, que os bolcheviques em contrapartida consideravam inimiga Evidentemente, as imitages nao foram intencionais, impondo-se por forca das circunstincias. Ao rejeitarem a democracia — e isso os, bolcheviques fizeram de modo definitivo em 5/18 de janeiro de 1918, dispetsando a Assembléia Constituinte —s6 lhes restou a via autocré- tica a qual o povo jé estava habituado. O regime de Outubro remonta 40 reinado mais reaciongrio da Russia Imperial, o de Alexandre III, sob ‘© qual Lenin crescera. E curioso como tantas de suas medidas repro- duziram as “contra-reformas” das duas Gltimas décadas do século XIX, ainda que sob rétulos diferentes. ‘Um dos temas mais controvertidos suscitados pela Revoluglo Russaé arelagio entre leninismo e stalinismo—em outras palavras, a responsa- bilidade de Lenin pelos fatos ccorridos apés sua morte, quando Stalin Jf ocupava o poder. No Ocidente, muitos comunistas e simpatizantes nega qualquer afinidade entre os dois Iideres, insistindo que, além de rompera continuidade, Stalin repudiou tudo o que havia sido reali- zado antes dele. Depois do XX Congresso do Partido, em 1956, palco do discurso secreto de Nikita Kruchey, essa visio predominou, visan- Historia Concisa da Revolugdo Russa (371 Curiosamente, as mesmas pessoas que consideram inevitavel a ascen- sdo de Lenin ao poder definem Stalin como uma aberragio historica— incapazes de explicar como € por que a hist6ria faria um desvio de ‘trinta anos no seu curso predeterminado. ‘A verdade é que Stalin tomou o poder antes da morte de Lenin, asso a passo e sob o seu patrocinio. Na administragio do “aparelho”, Sewapoio tornou-se indispensivelA realizacio dos negécios do governo, especialmente apés 1920, quando a heresia democrética desgastou o par~ tido. Quando a doenca fargou Lenin a denar as rédeas do comando, Stalin eraa dinica pessoa que pertencia aos trés Srgios governamentais do Comi ‘entral — Politburo, Orgburo e Secretaria. Nessas fungSes, cle supervisionava as indicagdes para virtualmente todos os cargos da administragio do partido e do Estado. Devido as regras estabelecidas por Lenin contra 0 “partidarismo”, ele péde reprimir as criticas & sua {gestio sob o pretexto de nio serem dirigidas a ele, mas a0 partido, ser vindo 3 contia-revolugio. As diividas manifestadas por Lenin, pouco antes de morrer, ¢ que quase o levaram ao rompimento das relagdes pessoais com Stalin, nio devem obscurecer o fato de que, até aquele momento, ele fizera tudo a seu aleance no sentido de promové-lo. E que aodecepcionar-se com seu favorito, séapontou-Ihe defeitos de menor importincia — rudeza e impaci€ncia — relativos & sua personalidade, nfo a sua capacitacio politico-administrativa, e nada que pudesse nos Jevat a crer que via nele uma eqpécie de traidor da causa. ‘A Gnica diferenga entre eles — Lenin nfo matou outros comunistas, co que Stalin fez em escala maciga — nfo é tio significativa assim. Com relacio 3s pessoas nfo pertencentes & sua ordem de eleitos — 0 que inchufa 99,7% de seus compatriotas— Lenin nijo demonstrava quaisquer sentimentds humanos, enviando-os 4 morte, freqiientemente apenas para servirem de exemplo. I. S. Unshlikht, alto funcionério da Cheka, em suas lembrancas sentimentais de Lenin, escritas em 1934, enfatizou ‘com orgulho como ele “implacavelmente despachavaos membros filisteus do partido que reclamavam da irmpiedade da Chek, (..) ria e escarnecia do ‘humanismo’ do mundo capitalista”. O que distinguia realmente os dois homens cra sua concepgio de “alheio” Ao contririo de Lenin, Stalin considerava “estranhos” todos os que se mantinham leais ao fundador do partido; encarando-os como rivais,tratava-os coma mesma cruckt~ de desumana que Lenin usara contra seus inimigos.* De Ta,VIRTGIN Molotow lider sovidtico de mais long earteira no Partido Comunist, declarou que Lenin eta certmente “als severo” — ino, desomano — qoe Sali. F Chuck, SA Sinbad # Maloy, Mosco0, 1991, p. 184 372 / Richard Pipes Além de fortes vinculos pessoas, Stalin era um verdadeiro leninista também por seguir & risca a filosofia e as préticas politicas de seu patrono. Todos os ingredientes do stalinismo —exceto assassinar ou tros comunistas — foram hauridos de Lenin, inclusive a coletivizacio 0 terror em massa. A megalomania de Stalin, sua indole vingativa, a parandia mérbida e outros odiosos atributos que marcavam sta perso~ nalidade, nfo excluem que sua ideologia e modus operandi eram idénti- ae ae le-se conceber, teoricamente, um Lenin moribundo passando: tocha Trot, Bukturn ou Zinovey que conduziiam a Unido Sov tica numa direcio diferente da seguida por Stalin. O que niio se pode imaginar & como estariam em posicio para fazé-lo, dada aestrutura do poder na época em que Lenin adoeceu. Com o estrangulamento dos impulsos democriticos internos ea imposicio de um comando dese- quilibrado 20 partido, Lenin fortaleceu a ditadura, assegurando que 0 homem que controlasse o nicleo partidério, controlaria toda a agremiagio e, através dela, o Estado. Esse homem era Stalin. (A Revolugio infligiu 4 Russia enormes perdas humanas. De tio cho- antes, as estatisticas dio margem a diividas inevitveis. Todavia, falta de ntimeros alternativos, 0 historiador est compelido aaceiti-las, ainda ‘mais que aio partilhadas por demégrafoa comuunistas ¢ nio-comunistas. ‘A tabela a seguir indica a populacio da Unio Soviética, em mi- Thdes de habitantes, entre 1917 € 1922. Outono 1917: 147,6 Inicio 1920: 140,6 Inicio 1921: 136,8 Inicio 1922: 134,9 ‘Odecréscimo de 12,7 milhées foi conseqiiéncia das mortes em come bate e epidemias — aproximadamente dois milhdes cada; emigragig — cerca de dois milhdes; e forme — mais de cinco milhdes. Mas as cifras, contam apenas metade da histia, jf que sob concligées normais, obvia- mente, a populacio nfo teria permanecido estacionaria, mas crescido. Pro- Jjegtes [eins por estatisticos russos indicam que, em 1922, cla deveria ter alcangado mais de 160 milhdes. Se assim for, deduzidos os emigrados, as perdas humanas decorrentes da Revolugio na Riissia— reais e devidas a0 déficit de nascimentos — atingem a23 milhées, ou cerca de duas vezes € meia mais do aue sofreram todos os paises beligerantes, durante a Pri- Histbria Concisa da Revolugdo Russa / 373 meira Guerra Mundial; algo como as populagées somadas dos quatro pa~ {ses escandinavos, mais a Belgica, naquela época. Antes da fome, 29% dos homens, entre dezesseis e quarenta anos, jé haviam perecido. ‘Pode-se — deve-se — considerar imparcialmente tal calamidade ‘sem precedentes? Tio grande ¢ o prestfgio das ciéncias em nosso tem- po que muitos historiadores contemporineos adotaram, afora os mé- ‘todos cientificos de investigagio, o habito de distanciar-se moral € eiuucionalmente, tratando todos os fenémenos como “natnrais”, eti- camente neutros, sem levar em conta que, nos fatos hist6ricos, em vyirtude do livre-arbftrio, a vontade humana torna-se imprevisivel, es- capando andlise cientifica, Paraeles, a “incvitabilidade” hist6rica tem ‘0 mesmo peso das leis da natureza. Todavia, jf esti por demais estabelecida diferenciagio entre os objetos das cincias e 0 objeto da hist6ria. Esperamos que médicos diagnostiquem doengas e receitem remédios de uma maneira imparcial e fria. Um contabilista, analisando as finangas de uma companbia, um engenheiro, investigando a segu- ranga de um equipamento, um oficial da informagio, estimando as capacidades do inimigo, evidentemente, devem permanecer emocio- nalmente distantes, pois de suas investigagdes dependerd a seguranca das decis6es a serem tomadas por empresirios, politicos e chefes mi- Titares. Mas o historiador debruca-se sobre as decisées tomadas e seu distanciamento nao acrescenta nada 20 entendimentn. De fato, preju- dica, pois como se pode compreender imparcialmente fatos que fo- ram produzidos no calor das paixGes? “Sustento que a hist6ria deve ser escrita com faria e entusiasmo” — Historiam pu scribendam esse et ‘urna et cum studio —, escreveu um historiador alemio do século XIX, ‘Aristételes, que foi um exemplo de moderagio, afirmou que ha situa- g6es em que a “falta de irascibilidade” era inaceitivel, “pois tolos sio aqueles que nao se enfurecem diante das coisas com que deviam se zangar”. A coleta dos fatos deve certamente ser feita de modo impar- cial, sem exaltacio de animo ou entusiasmo; nesse aspecto, 0 historia dor nio difere do cientista. Mas esse & apenas 0 primeiro passo do seu trabalho, porque a selegio dos eventos mais “relevantes” requer julga- mento e se apéia em valores. Acontecimentos isolados no tém signi- ficado, nao fornecem pista alguma a sua selecio, ordenamento ¢ énfa- se: para “dar sentido” ao passado, o historiador deve seguir algum principio. Geralmente, mesmo os mais “cientificos”, conscientemiente ‘Ou/nio, possuem um principio e operam 3 base de preconcepgses, em geval enraizadas no determinismo econdmico, posto que 0s dados eco ‘hOmicos esociais prestam-se a demonstragbes estatisticzs, criando uma 374 | Richard Pipes ilusio de imparcialidade. O nao julgamento da ocorréncia hist6rica tam- bém se fandamenta em valores morais — a premissa silenciosa de que, nio importa o que ocorra, seri sempre natural ¢ certo; isso con- duz 4 apologia dos vencedores. Julgado a partir de suas pr6prias aspirag6es, ea par de permanecer no poder, o regime comunista foi um fracasso monumental. Mas jé que 0 poder nfo era o objetivo final dos halcheviques, mas 1m meio, sta mera manutencio nio qualificaa experiéncia como bem-sucedida. Os adeptos de Lenin nunca fizeram segredo a respeito de seus intentos: derrubar todos os regimes baseados na propriedade privadae substitu‘ los por reptiblicas socialistas irmanadas. Até o término da Segunda Guerra Mundial, quando o Exército Soviético ocupou © vécuo provocado. pela derrota da Alemanha na Europa Oriental, eles no tinham conseguido exportar sua ideologia além dos limites do que fora 0 Império Russo. Posteriormente, os comunistas chineses tomaram 0 poder, e em dreas coloniais recém-tmancipadas, gracas 20 auxilio de ‘Moscou, ditaduras comunistas lograram estabelecer-se. ‘Mas nos anos 20, quando tudo isso parecia impossivel, os bolchevi- ques dedicaram-se a construir 0 socialismo na‘Réssia. Isso também fracassou. Através de uma combinagio de expropriacdes e terror, Lenin esperava que em poucos meses seu pafs se transformaria numa potén- cia econdmica de relevo mundial; ao revés, arruinow 2 economia que tinha herdado. Sua expectativa era de que o Partido Comunista forne- cesse lideranca disciplinada 3 nacio, mas o que viu foi a discordancia politica, amordacada por ele em todo o pais, renascer no interior do proprio partido. Diante da oposicio dos trabalhadores e das rebeli6es camponesas, a conservacio do poder exigia o recurso ilimitadoa medi- das policiais; a contrapartida foi o sacrificio da liberdade de acio do regime, obstaculizado por uma burocracia inchada e corrupta. Auniio voluntéria de nagées transformou-se num império opressivo. Em seus dois dltimos anos, os textos e discursos de Lenin revelam, além da surpreendente exigiiidade de idéias construtivas, uma firia quase incontrolada ante sua impoténcia politica e econdmica; 0 préprio ter- Tor mostrava-se inttil contra os antigos habitos, tio arraigados. Mussolini, muito parecido com Lenin em seu infcio de carreira, € mesmo ao longo da ditadura fascista que instaurou, na Itélia, encarava 0 regime comunista com simpatia, Ainda assim, em julho de 1920, coneluia que o bolchevismo — *experiéneia vasa, erivel” — tina maloerada: Histéria Concsa da Revolugdo Russa | 375 Lenin € um artista que trabalhou os seres humanos como outros artistas trabalham o marmore ou o metal, Qcorre que seres huama- 1nos sfo mais duros que granito e menos maleaveis do que ferro. O artista ndo produziu nenhuma obra-prima, filhou, A tarefa estava além de sua capacidade. Sete décadas ¢ dezenas de milhSes de vitimas depois, o sucessor de Lenin e Stalin na chefia do governo da Raissia, Boris Yeltsin, discur satudy pata o Congiesso norte-americano, admitiu: (© mundo pode respiray, sliviado. O (dolo do comunismo, que cespalhou por toda parte o conflito social, animosidade c brutalida- de sem paralelo, que incutiu medo na humanidade, ruiu (..) € nunca mais serd erguido. (© fracasso era inevitivel, pois deitava rafzes nas premissas do regi sme. Em toda histria da humanidade, o bolchevismo foia maisaudaciosa tentativa de racionalizacio que jé existiu, correspondendo a um esforgo ‘énico de aplicagao da ciénecia 205 assuntos humanos — perseguida com 0 zelo caracteristico daquela espécie de intelectuais que avaliam a solidez de suas concepgoes em faceda resisténcia que elas provocam. O comu- nismo nfo dew certo porque partiu do Iluminismo, talvez a doutrina mais pcrniciosa jé produzida pelo pensamento humano, e segundo a qual o homem nio passa de wm composto material, destitufdo de almae idéias inatas, produto passivo de urn meio social infinitamente maleavel. ‘Como inéimeras experiéncias tém confirmado, o homem nio € objeto inanimado, mas criatura dotada de aspiragdes e vontade —nio uma en- tidade mecinica, mas biol6gica. Mesmo quando submetido ao mais fe- oz adestramento 6 incapaz de transmitiro que foi forgado a aprender, pois seus filhos nascem livres, fzendo perguntas que devem ser res- pondidas de uma vez por todas. Para demonstrar esse trufsmo foram necessirios dezenas de milhdes de mortos, sofrimentos incalculéveis dos sobreviventes e a ruina de uma grande nacio. ‘A indagagio de como tal regime repleto de falhas conseguit equi- librar-se no poder por tanto tempo nao pode ser satisfita pelo supos- to apoio popular. Se a durabilidade de um governo, independente- mente do mandato cxplicito de acts cidadios, pudesse decorrer de sua popularidade, isso no s6 se aplicaria a todos 03 regimes autoritérios ~duradouros, como a0 préprio czarismo — que sobreviveu, nio sete décadas, mas sete séculos. E ainda seria preciso encarar a ingrata tarefa 376 { Richard Pipes indesejével de explicar como 0 czarismo, presumivelmente to popu Jar, ruin em questio de dias. ‘Além de demonstrar a inviabilidade dos métodos cientificos’ condugio dos assuntos humanos, aRevolucio Russa suscitou profundas questies ‘morais sobre a natureza da politica, a saber: o direito dos governs de tentarem refazer pessoas ¢ remodelar sociedades sem um mandato explicito, ou mesmo contra sua vontade, conforme o slogan comunista, Conduziremosa humanidade a felicidade pela forgal”. Gorki, amigo intimo de Lenin, concordava com Mussolini, imaginando os seres humanos como um metakirgico pensa nos minérios. Exprimindo de forma extraordin‘ria a atitude comum dos intelectuais radicais, esse ponto de vista contraria os principios moralmente superiores e mais realistas de Kant, para quem 0 homem é um fim em si mesmo. Com. base neles, os excessos dos bolcheviques, sua presteza em sacrificar incontiveis vidas humanas a fim de atingir os objetivos que perseguiam, consistiram numa monstruosa violacio do senso ético e do senso co- mum. Os comunistas russos ignoraram que os meios —o bem-estar ‘© a prépria vida das pessoas — sio reais, enquanto os fins, permanente- mente nebulosos, sio freqiientemente inaleancSveis, O principio moral mais correto e aplicavel foi formulado por Katl Popper: “Todos tém 0 direito de se sacrificarem por uma causa que créem merecedora. Ninguém tem a direita de sacrificar os demais ow incité-los a se sacrificarem por um ideal.” O historiador francés Hippolyte Taine disse que “a sociedade hu- ‘mana, especialmente uma sociedade moderna, € algo vasta e complica~ da”; ele extraiu essa licio, que considerou “pueril”, de seu monumen- tal estudo a respeito da Revolugio Russa. Sentimo-nos tentados 2 suplementar essa observacio com o que nos parece um corolétio: pre- cisamente porque a sociedade moderna € tio “vasta e complicada”, tio dificil de entender, no convém nem é factivel impor a ela padres de conduta, muito menos tentar remodelé-la. O que nao pode ser com- preendido nao pode ser controlado. A trigica e s6rdida historia da Revolugio Russa — tal como foi, na realidade, nfo como parece ter sido, segundo a imaginagio daqueles intelectuais que aconsideram uma nobre tentativa de aperfeigoar a humanidade —ensina que a autorida- de politica nunca deve visar aos fins ideolégicos. Melhor deixar 0 pavo ser. Conforme palavras atribuidas por Oscar Wilde a um sdbio chinés, “pode-se pensar em algo como a humanidade caminhando sozinha — ‘mas nnnca em sovernara humanidade”, | egitpmp agituly bbaprizornile fol'shak bane bursa Cheke ersonesly chin hint devia Dane dwar drcesastie deer deorene dvorianto Fabzcokomy slasost ‘gone lait Gesizdat Gu gubkomiy Fragen ineligendly Iepolkom Junker Keavibiero feombedy Kemprod Kansomol Komach flake Mirevtom Glossirio agitagio e propaganda julgamentos) pablico(s) Crianga sbendonadacriangas cchefe de familia camponesa rebelifo, morim pele sere Sorin (1917-1922 padrio-ouro introdusido emt 1922 cargo piibico fancionirio(s); burocrata(s) aldeia(s) Parlamento Russo pré-Revolucionétio divisto de pilhagem governo dual familia nobieze a classe dos nobres ‘Comit8(@) de Fabrica (1917-1920) abereura politica subdivisi0(6es) do VSNKh Comité Central de Censara Ealirora do Estado stucessora da Cheka Comité(s) Provincial(sis) do Partido Comunista Jmigragio camponesa estabelecida na regifo cossaca membro(s) da intelectualidade Comité Exeeutivo siligante cadece Secretaria do Parsido Comunista para 0 Cucaso Comités dos Pobres, ou das Aldeias Pobres (1918) Comizsariado dos Suprimentos igs Comvnises da Juventud Comité da Assembiéia Constituinte campons proeminente, “explorador” rural Comité Militar Revolucionitio

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