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2016. Naa teme an ipe palaciano, juraica-pariamentar, de 10 triste papel desempenha do pelo Partido dos rabalhadore tral 6a de que o golpe que propulsou Michel Temer consolida um tegime novo, herdeia da demacracia liberal, mas dela dverso: © da democracia blindade Estejamos ou node acordo com essa hipctese forte, & fundamental ebservarque os pracedimentas apresen- tados de blindagem das conqulstas populares siouma caracerstca forte dos nossos tempos, no Brasil € alhures Als, vale lembrar que isso foi feito aqui de ‘mado explicte. A midia proprietria dominante defen- ddeu abertamente indmeras blindagens, realizadas pelo PSD& e pela PT, coma ado Banco Centra, 8 do Ministerio da Fazenda, ede ouras parcelas do Estado Tratou-se de isoi-as de qualquer pretensdo derivada de embatese de resultados eletoras. Fatias cada ver lores do Estado (ada policarxiblcas) foram asin. subtraidesa qualquerinfluéaclaeleitora Felipe Demier demonstra que 2 questdo da democre cia segue relevante, dala urgéncia de analisare inter: pretar o regime sob o qual vivemos. Ha enorme ds tncia entre os regimes politicos que se autodenom: naram “demacriticos” © a reivindicagdo de plena igual concernem 8 vida social, asprac partcipagao no conjunto das decsbes que tee que envole, priartariamente, a forma pela qual se organiza a vida econémica, Desde seus primérdios ro século XIX, as democracias liberais burguesas seccionaram a possiblidade de manifestagSes popu: larasinflurem nas decisdes crucials da via econdmi A tragédio atual é 0 encelhimento dram cae militar ticoetacanha de conquistaspopularesque povoaram lexpectativas democratizantes, com 2 generalizacSo de biindagens que descolam profunda e cotiana mente 0 Estado e 0 Parlamento de qualquer expres Virginia Fontes Depois do Golpe Copyright © Felipe Demier,2017 Direitos desta edi reserva MAUAD Editora Lida. ua Joaquim Silva, 98, 5° andar spa — Rio de Janeizo — R} — CEP: 20241-110 "el: (21) 3479.7422— Pax: (21) 3479.7400 equena Clara, Niicleo de Arte/Mauad Beitora Fete da Capa Servidores Estaduais- 51 de Pablo Henrique Ramos de Azevedo Glia Regina Atves de Carvalho Amaral Cir-Brast. Cxaconacions-Fowre be Lin sicaTo Nactonat no Bors bee Dene Fatpe, 19 eps do gopo “a dla da democraci bird no Bras Felipe ison: 976.95-7470.0809 1. Brae Forgas Amiias, 2. rast -Forpas Armadas ~Avades policas. 3. Basa -Polcae govero. 4 Relags ene cvs © prilres 5. Derocrcia, | Tika, s739018, coo: 320981 cou: 3208 i & do conhecimento de todos ue extverencoberto sed revelado, Fiédor Dostoiévsky, em Crime e Castigo Sou wm cidaddo, quero meus direitos, nem mais nem menos. Eu, Daniel Blake, de Ken Loach But you who philosophize disgrace and criticize all fears, Take th lesgraca/ E ct 0 véu do seu rosto/ Bob Dylan, em The Lonesome Death of Hattie Carroll Sumario Prefcio 9 Elaine Rossetti Behring Introdugéo 15 Capitulo! 21 smocracia e capitalismo: ia, luta de classes e hegemonia burguesa Capitulo 35 ama nova forma de do Capitulo Ill 53 do politica ns e desenvolvimento Capitulo W 65 fe junho de 2013: a revolta popular contr: Capitulo Y 83 a Capitulo 95 © govemo golpista de Temer a democracia blindada mo, édio de classe e ofensiva burguesa a forca e a fraqueza da democracia blr Epilogo 107 asileira Prefacio 0 se dirige claramente a um “Es Sorte”, pono restigbs cada vex maiores ds liberdades cas que ex no passado, quand condigées eram mais propicias para o movimento Um dos reconhecidos componentes da crise do 1rs0 desde o inicio da década de 1970 do s vada nos der dias de hoje, é 0 de 2 profundo mal tico de direito, diga-se, da democracia burguesa, crise longa, apontada por alguns como estrutural, leva io, como um t: nami, a experién« socialdemocrata da, geopoliticamente situada, e que foi a maxima combinacdo possivel entre acumulago do capital e a propalada igualdade formal das revolugs burguesas. A crise engendra uma espécie ado do Estado pela burguesia e seus segmentos, com destaque hoje para o capital portador de juros. O Estado burgués se torna forte para implementar medidas regressivas contrarreformistas com impactos deletérios sobre a vida e o tra ina 0 fundo piiblico para porte as condigdes gerais de producao e reproducio social, tendo em vista assegurar a valorizagao do valor, confot tho lo. O coroamento dessas tendéncias nso da face penal do Estado, tomando a liberdade de de Loic Wacquant, de Estado Penal. Aqui entram os expedientes de criminalizacZo le repriva balho das maiorias, ao passo que tudando no iiltimo alterar levemente a conhecida caracteriza apis da Gl lice da demverat inden Brasil € encarceramento, majoritariamente dos pobres, negros e imi- grantes, combinados a criminalizagao dos movimentos sociais. E evidente que o grau, o ritmo e a intensidade desses processos ym a luta de classes em cada pais. tém relagio co Esses sfo alguns dos aspect © historiador Felipe Demier traz a piblico é de leitura impres cindivel. © autor prope compreender tanto a légica do Estado burgués na atualidade quanto a particularidade do Brasil, diga- -se, a dinamica da luta de classes entre n es pelas quais 0 texto que ambiente geral, 0 que inclui uma caracterizagao da experiéncia lop a frente do Estado brasileiro, bem como do recente golpe de Estado parlamentar, midistico, de novo tipo, que segue em curso no momento em que escrevo essas linhas. Apenas para dar algumas dicas, mas sem contar o final do filme, como um convite & leitura, vejamos alguns aspectos tratados neste breve, porém denso, livro. O autor percorre refle rizar a diferenga entre Estado, rogime politico © governo, e cons- tata que houve diferentes formas de democracia liberal-burguesa em seus 150 anos de existéncia. O foco do autor esta no regime politico, elemento que considera um tanto lateral nas reflexes elaboradas no ambito do pensamento critico, ainda que Marx tenha tratado da questdo especialmente n'O 18 brumario de Luis Bonaparte, uma referencia central para nosso autor. Nesse sen- tido, Demier da sequéncia a0 seu veio de pesquisa apresenta- do em contribuigses anteriores, especialmente seu livro sobre 0 bonapartismo, produto de sua tese de doutorado. Nesse passo, a chave explicativa central do livro é o termo democracia blindada, que sintetiza esse Estado forte a que se refere Mandel, citado na epigrafe. Trata-se, ainda que este nao seja o caminho escolhido pelo autor, do que alguns pesquisadores no campo da ciéncia ses da tradi¢do marxista para caracte- IER, Fale. © lango bangpartmo bras: um ensalo do interprelagso istédea, Rio de Jano: Mauad X, 2013, 10 Dopois Gap: int da deca nde rs politica chamaram de “paradoxo ortodoxo”, ou seja, a necessi- dade do insulamento burocritico para tornar o Estado menos permeivel as pressGes ~ diria, especialmente dos de baixo - fendo em vista implementar a agenda neoliberal. Para Demier, ¢ tenho concordancia com ele, houve uma reformatacao contrar reformista das democracias liberais, para a nova “gestao burguesa dalluta de classes”, a democracia blindada. © autor explora diver- sos aspectos politico-econdmicos dessa reformatacio, desde a substituicao do pacto social pela concertagdo social, © papel da \dagem e o transformismo de segmentos amplos da ‘midia na bli esquerda, 0 que levou & configuracéo de uma da ordem, no qual esto todos submetidos a uma agenda tinica, mesmo que haja eleigdes gerais. Para Demier, o periodo é de um “baile burgués sem méscaras’, ou melhor, tem-se “o carter bur- gués da democracia liberal levado ao paroxism A a a nossa transicéo transada (recorrendo a um termo de écie de partido alisando © processo brasileiro, Demier chama aten¢io Guillermo O'Donnel) para a democracia liberal apés 20 anos de ditadura civil-militar, com forte interveniéncia de apologe tas do neoliberalismo, como Samuel Huntington, mas que foi sacudida por inconvenientes reformistas, expressos em aspec- tos da Constituicdo de 1988, bem como pela construgdo de im- trabalhadores, como o PT, a CUT e 0 MST. No entanto, logo apés a Constituigao, o que se deu foi a contrarteforma do Estado, conduzida por Cardoso expressa no, a meu ver, documento orientador de perfodo que € 0 Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE/MARE, 1995) ‘Apés frustradas disputas eleitorais e no contexto regressivo do neoliberatismo, aquele reformismo inconveniente, de forma gra portantes instrumentos de luta dos dual, vai no rumo da concertagao, configurando uma viragem transformis vai continus a do projeto petista. Este, quando chega ao governo, a agenda anterior, com alguns deslocamentos im- portantes, mas que nao podem ser considerados rupturas. No entanto, para Demier, as jornadas de junho de 2013 e as res. Dp io Gale: alta de demacraciblndado Brasil 11 p is fechados para as demandas reformistas das ruas por transporte, saide € edu- aga outro lado, num ambiente de crise do capital mais acirrada desde 2008, a burguesia brasileira desembarca do projeto petista do qual se beneficiou largamente. Tudo isso foi incrementado com tas pifias do governo ~ mostrando os ta. Por = sero decisivas para o desgaste do projeto © discurso da judicializacio e criminalizacio das lutas sociais, com o suporte da midia que mobilizou o verde-amarelismo e os “inocentes do Leblon”. Para Demier, houve ainda o esgotamento da cidadania pelo consumo, como um ingrediente que estimula © édio de classe e o racismo, bases importantes e seculares no Brasil para a onda conservadora que se seguiu e que culminow no golpe de Estado de 2016. Com seu texto vigoroso e culto, sua verve irdnica inspi- rada em Marx, Demier segue caracterizando o golpe de 2016, que ocorreu sobre o governo e nao sok se deu por intermédio das instituigdes democratico-liberais que trazem em si a possibilidade da “suspensio democratica”. Agors, com a “democracia autossaneada” de seus elementos incapazes de implementar o ajuste neoliberal no “grau, intensidade e velo- cidade” exigidos pela crise, e suas repercussGes no capitalismo dependente, ¢ possivel fazer da democracia um mero simulacre: “o rei estd nul” (Andersen) regime, uma vez que Certamente, esta minha breve sintese tem muito de apropria- fo pessoal do pensamento de Felipe Demier, meu parceiro d= reflexées no Grupo de Estudos e Pesquisas do Orgamento Pi- blico e da Seguridade Social (GOPSS/UER)); meu companheiro nas lutas em defesa da universidade piiblica em que trabalhamos (que tem sido vitima da destrutiva agenda contrarreformista); £ ‘meu amigo dos momentos tidicos, das polémicas futebolisticas {que nao poderiam faltar entre uma tricolor de corago e ur vvascaino contumaz ~ e de divertidas polémicas dominicais nas redes sociais, sobre miisica, futebol e politica. Porém, o objetivo deste breve preficio, que tive ahonra de escrever, &instigar ale apis ole: ila ka demneaci adeno Bsi ‘ura, pois este é um texto que nos arma para pensar e agir nesses tempos dificeis e com nuances complexas, a partir de uma criti rigorosa ¢ de uma escrita corajosa, intensa e provocativa, que vai gerar muito debate. Um livro que nos ajuda a incidir na luta de classes e superar o passado recente, na perspectiva da recompo- sigdo de um projeto de esquerda socialista no Brasil Elaine Rossetti Behring (Professora Assoctada da FSS/UER)) Vero de 2017 apis a Gl ila da demecrai nds Brasl 13 Introdugao adeir Gem si mesma, O que Nio importa o que digam ices e executores da derru wada de Dilma Rousseff, tampouco o que propagam seus bene: icidrios diretos e indiretos. De nada valerdo os contorcionismos analiticos operados pelos jornalistas mididticos, histori obscuros e demais espadachins mercen darios do impea chmes exitosas Na histéria brasileira, repleta de conspirag ou nfo, a queda do segundo governo Dilma cor golpe. Muitos argumentos, ca, técnica, juridica, ete, poderi le ordem politi ser esgrimidos para justificar como 0 que foi: um tal assertiva, mas para justificar o ébvio basta apenas ressaltar obviedade que the vertebra: o sufrégio universal de 54,5 mi. Ihbes de brasileiros e brasileiras foi cassado por um Congr mes prepostos burgueses, em sua quase ¢ corruptos, lumpens e biltres. Aau: 10 a chancela do Supremo Tribunal Federal ao processo do impeachment - aspectos invocados pelos que buscam negar contetido golpista do golp que © golpe no governo ndo se fez acompanhada/ndo se fez por meio encia na trama de tanques, bivaques e coturnos, assim no fazem seniio clarificar 0 fato de de um golpe no regime. O regime Atico-liberal ndo foi so lapado, ao contrério do que argumentam os depostos pelo golpe. do perpetra: 10880 continente, Diferentemente da maior parte dos golpes de dos a0 longo da hi éria contemporanea id aaa al 15 iva a demoed no Bat © golpe brasileiro de 2016 se deu pot meio do proprio regime democratico-liberal. Nao seria arriscado dizer, assim, que talver tenhamos assistido a um novo tipo, a um exemplar de urn n ir40 de golpe de Estado, cuja efetivacio se da por dentro e por intermédio das proprias engrenagens da democracia liberal ho- dierna. Nesse sentido, di srentemente das democracias liberais de outrora, que, na maioria das vezes, foram destruidas quando das derrubadas de governos democréticos que se encontravam & sua frente, a democracia brasileira atual demonstrou dispor de nos internos que lhe permitem eliminar um governo in- nodo sem ter que conjuntamente eliminar a si mesma. Trata- mec: se, portanto, nao sé de um novo tipo de golpe, como também terior do de um novo tipo de regime democrético-liberal, no i qual é possivel se processar um novo mecanismo golpista. E essa nova democracia liberal brasileira, pot nés nomeada democracia blindada, 0 objeto de investigacao deste pequeno livro. Fruto de pesquisa e estudos realizados a partir de 2012, 0 material que a leitar tem em mios é a candensacio de artigos € ensaios tebrico-politicos blogs m temporaneidade, em especial sua manifesta¢o no processo po- litico brasileiro da presente década. Revisados, editados e atua- lizados, os artigos e ensaios aqui se apresentam como capftulos que conformam um todo orginico, tebrica e cronologicamente estruturado, cujo fio condutor é a discussio acerca da formacic, do desenvolvimento e da dinamica do regime democritico-blinda- do brasileiro, o qual parece ter atingido seu apice com o governo contrarreformista de Michel Temer. Desse modo, o presente livro nao se constitui em um estudo sistemitico e minucioso do com- plexo processo politico dos tiltimos anos, e sim em uma breve rxistas) que abordam a questéo democratica na con abordagem do mesmo, a partir de suas relagSes com o regime politi do Brasil recente sfo aqui investigados, em grande parte, apenas no que diz respeito as suas conexdes com o tipo de dominagéo que Ihe subjaz. Assim, os eventos e conflitos politicos Ups do lela da enero inde wo Bra politico-social entéo vigente. Nas ani ialeticamente, como tais eventos e conflitos politicos sao deter- ninados, em boa medida, pelas engrenagens da democracia blin dada na qual se processam, 20 mesmo tempo em que, também em boa medida, contribuem para o contraditério e dindmico de- senvolvimento dessas engrenagens, ises, procura-se observar, No primeiro capitulo (“Democracia ¢ capitalismo: historia Juta de classes e hegemonia burguesa”), tratamos, de modo bre- ve, das contradigées da democracia como regime poli quadros do sistema capitalista, resgatando classicas contribu: bre o tema. No segundo capitulo (‘A democracia blindeda: uma nova forma de dominacao politica”), d o-conteiido as caracteristicas do regime democrético-blindado, 0 set 0 novo tipo de democracia liberal erigido nna Europa a partir da década de 1980, com a chegada do neolibe- ralismo ao poder, ¢ desenvolvido/aperfeicoado nas décadas pos: teriores, quando se intens me eli minaram (e ainda huscam eliminar) direitos sociais. No terceiro capitulo (‘A formas 0 nos (goes marxistas s ual acreditam ficaram as contrarreformas dda democracia blindada no Bi sil: origens e 1 0 regime truco remete a0 pro- cesso de transicao controlado pela cipula da ditadura militar bo. napartista, sintonizou-se, a partir do avanco do neoliberalismo desenvolvimento”), apresentamos o mado pelo q democritico-liberal brasileiro, cuja c 108 anos 1990 e da adesio do petismo 4 légica contrar- ta na década de 2000, com 0 novo padre democritico I, tornando-se, assim, uma democracia blindada. No quarto capitulo ("As jornadas de junho de 2013: a revolta popular con- tra a democracia blindada”), abordamos o sentido histérico das multitudinérias manifestacSes que, durante o primeiro manda- to de Dilma Rousseff, abriram uma nova etapa politica no pais, € expuseram as consequéncias sociais e as enormes limitagées do regime democrético-blindado na periferia do capitalism. No quinto capitulo (’A onda conservadora e 0 golpe: esgotamento do petismo, édio de classe e ofensiva burguesa”), aproveitando-nos apis ole: ailtica da domosrai ingen Brasil 17 dos debates presentes em nosso tiltimo livro,-abordamos o cr cimento do conservadorismo que esteve subjacente e embalou a dindmica golpista que resultou na derrubada do segundo go vverno de Dilma Rousseff, assim como langamos luz sobre a con: tribuigao do PT para a criacio das condig6es que levariam & sua prépria queda. No sexto e iiltimo capftulo ("O governo golpista de Temer: a forca e a fraqueza da democracia blindada brasileira”), lo do jeira e levando as dltimas entamos apresentar como 0 atual governo brasileiro, na: golpe assestado pela burguesia bi consequéncias a plataforma de “a tos, expressa 0 fastigio da democracia blindada brasileira e, desse modo, expe o verdadeiro contetido histérico da democracia sob no em tempos de crise. teridade” e retirada de direi- Em fungo das limitagdes de nossa pesquisa, tal como do intuito de logo disponibilizé-la ao ptiblico, nao pudemos abordar nas paginas seguintes alguns aspectos importantes da crise polt tica brasileira em curso que guardam a dinimica do regime democrétco-blindado no pais. Dentre tais aspectos, mencionamos, a guisa de exemplo, a possivel existén cia de determinantes econémicos na Operacéo Lava Jato (a se ber, a disputa entre setores monopolistas do capital estrangeiro 0s chamados “players nacionais” alimentados pelo ages signil poder) e o aparente surgimento germinal de um bonapartismo de toga? em a fraqueza politico-organizativa da classe trabalhadora e uma et pécie de “crise organica” da burguesia brasileira, cujos represer: jo a um cendrio que combina a derrota do petismo, tantes politicos tradicionais parecem nfo servir mais para exect- tar, com legitimidade social, as tarefas contrarreformistas exigidas pelo capital. Esperamos poder discutir essas e outras candentes quest6es alhures. DEMIER, Fe HOEVELER, R, (Orgs. A One Conservadors: ensaios sabre es atuais tempos sombrios no Bras. Rio de nero: Mauad X, 2018, Devo esta expressfo 20 amigo ¢ Inslectuel Gulerme Lot, que autizou en uma runiso 6a Nova Organlzagao Socata (NOS), aqua inagrams. 8 eps do Gla ialtia de domocrai lado Brasil No momento em que redigimos estas linh milhées de trabalhadores brasileiros se encontram aterroriza dos em face das propostas governamentais de contratreformas nas reas trabalhista e previdenciéria. Depois de terem assisti do 2 aprovago, pelo Congresso, da PEC anos o$ investimentos em Saiide e Educacio (apropriadamente apelidada de “PEC do fim do mundo”), aqueles que viver (ou tentam viver) do seu trabalho no pafs se deparam agora com a possibiliade real de uma regressio social sem precedentes, cujo resultado sera um contexto histérico no qual terdo que trabalhar em condigdes similares as da revoluc juer chance de virem a se aposentar. A classe trabalhadora introdutérias, que congela por vinte industrial e sem qual- leira, em especial seus estratos mais empobrecidios, teré, assim, que trabalhar até a morte, literalmente. O futuro ndo é mais como era antigamente. Nesse aziago cenério, resistir & preciso, para que viver com dignidade seja possivel. De nossa parte, almejamos que este opisculo possa oferecer sua modesta contribuigao para a luta desses homens e mulheres cujo futuro projetado pelas ssses dominantes do pafs e seus gestores politicos no é sendo ode um incontinente sofrer. No entanto, por meio de greves, debates, ocupagdes e atos de rua, esses homens e mulheres de- monstram, amitide, que ainda no perderam a estranha mania de te ‘éna vida, 0 que mantém vivo 0 sonho de uma vida livre de todo mal e opressdo, e gozada plenamente pelas geracées futuras. epi Ge: anlticadedbmacrei nda Capitulo | Democracia e capitalismo: hist6ria, luta de classes e hegemonia burguesa ‘A democracia liberal-representativa por suposto, um reg me politico do Estado capitalista, ou seja, é uma das formas po- as que, em certas condig6es hist6ricas, o Estado capitalista pode n outras condicées histéricas, t Estado pode assumir outras formas politicas. O regime demo- ico, por sua vez, pode dar Iugar, ao longo de sua vigéncia, a ifer tes tipos de governo. Nao pensamos ser ezcusado gastar tinta aqui com tal truismo, posto que, como é sabido, reina uma enorme confusio teérica, acerca das categorias de “Estado”, “regime” e “governo”. Parti- io poucas as andlises marxistas do proce: em que a questo dos regimes politicos é levada em conta, 0 10 plano analitico, entre 0s niveis concretos do Estado e do governo — 08 quais, em cer- tas ocasides, também sio erroneamente identificados e confun didos. Reconhecer, em determinado corte temporal, o cardter do regime politico vigente, assim como seus entrelagamentos mediadores em rela¢io aos nveis do Estado e do governo, se nto fundamental para que se possa avancar, com qualidade, em qualquer debate substantivo acerca de qualquer processo politico. usive nos ambientes marxistas, social que provoca um problemético hiato, constitui em um proced Gestada e desenvolvida no interior do movimen operirio entre 1848 e as primeiras décadas do século XX, a teoria dos Depo du Gp: a lied donoeaia lindndoa asd 2 regimes politicos capitalistas foi, em grande parte, fruto de and- lises politicas conjunturais elaboradas pot intelectuais intima- mente vinculados as lutas dos trabalhadores ao redor do mundo, Diante de situagées concretas do conflito de classes, teéricos como Marx, Engels, Trotsky e Gramsci produziram sofisticadas reflexes sobre as distintas formas politicas que a dominacéo social burguesa podia assumir ao nivel do Estado capitalista: democracia burguesa (democracia liberal, representativa, etc.), fascismo, bonapartismo, ditadura militar, etc. Evidenciar as di- ferencas de uma destas formas (como também algumas de suas semelhangas) diante das outras foi, metodologicamente, um meio de melhor defini-las. Dependendo de qual fosse, em determinada formacio social, a forma politica de dominacéo vigente, isto é, de qual fosse o re- gime politico do qual lancavam mao as classes dominantes para garantir a exploracio de classe, esmeravam-se aqueles intelectuais nginicos em formular as melhores es adotadas pelas urganizagées politicas dos cxplorados. A teoria dos regimes politicos capitalistas foi, portanto, elaborada e apri morada a partir das necessidades préticas e objetivas do movi- mento operario, e nao como exercicio especulativo e escolastico. égias e téticas a serem Embora surgida do movimento operdrio, essa preocupagio em caracterizar os diferentes regimes politicos ~ 0 que, em ter- mos investigativos, implica, sobretudo, em decifrar as concretas relagdes estabelecidas, em cada um deles, entre 0 aparelho de Estado e as classes sociais em luta ~ ganhou posteriormente 0 terreno da producio académica. Nas décadas de 60, 70, e 80 do século pasado, mesmo em ambientes de pesquisa notoriamente conservadores, nfo foram escass0s os trabalhos cientificos nos quais as disting6es/relag6es entre os niveis Estado, regime ¢ go- verno foram cuidadosamente observadas. Assim, durante certo periodo, pode-se dizer que houve uma relativa comunhao episte- ‘mol6gica entre segmentos da intelectualidade académica e algu- as organizacSes marxistas teoricamente mais sofisticadas: com 2 Dopis iu Gap: diate ta emvcaia indeten Bres métodos, linguagens e posicionamentos politicos muitas diferenciados, tanto os primeiros quanto as dltimas levavam em conta nas suas anélises a questo dos regimes politicos. nos 25 anos, a imensa maio ria dos agrupamentos politicos da esquerda, incluindo aqueles Entretanto, por volta dos iil oriundos da tradicZo marxista, passou a abdicar de reflexdes € posturas antirregime, concentrando (e mesmo reduzindo) suas criticas 20s governos de plantio. A consolidacio, na grande maioria dos paises ocidentais, do regime democritico-liberal cer- tamente contribuiu para tal abdicagio, assim como também nao seria erréneo dizer que, dialeticamente, tais posturas da esquer da jogaram um importante papel nessa naturaliza¢éo do modelo liberal representativo de democracia. Sintonizada com as corren- ias do movimento operério, e mesmo influenciada stas, grande parte da intelligentsia marxista académica, tan tes majoric poi europeia quanto latino-americana, veio a tacitamente corroborar a ideia de que a democracia atualmente existente se apresenta, a0 fim ¢ a0 cabo, como a tinica forma possivel de organizacio po- \itica da espécie humana. Esvaziadas de seu conteiido histérico e classista, euas instituig6es formais, parlamenta s, passaram a ser designadas por tal intelligentsia como o terreno preferencial (ou mesmo exclusive) para a atuagéo politica dos setores su- balternos. Consequentemente, além de naturalmente rechaca- do pelas teorias politicas conservadoras que dominam os meios académicos, 0 debate sobre a caracterizacio dos diferent gimes politicos da contemporaneidade tornou-se, também para esquerda intelectual, algo apenas secundério, ou simplesmente descartavel. Em nossas andlises, tentamos caminhat na contra re: mao desta tendéncia, objetivando, talvez ptetensiosamente, aj dar na sua reversao. Em primeiro lugar, assinalamos que, para desgosto dos po- litélogos taxinomistas, complexos fendmenos histérico-sociais tais como Estados, regimes e governos nao costumam ser dota~ dos de uma natureza quimicamente pura. Com efeito, Estados ¢, Deis a Gale: ita da demerai nade w Brasil 73 principalmente, regimes e governos encerram contetidos quase sempr réter da luta entre as classes ~ de algun sobre os demais 0 que nos permite arrisc -analfticas mais préximas da realidade concreta. mibinados, e € a predominancia ~ determinada pelo ca: de seus com yonentes 1 formulagSes teérico- Desse modo, regimes democratico-burguest elementos democriticos mostram-se, logicamente, ma) , nos quai joritarios, podem, por vezes, conter elementos ditatoriais (residuais ou em: fermentago) em proporgéo inferior aqueles, 0 que & possive! de ser petcebido quando obser apresentam aspectos como uma exagerada forga do Poder Exe- cutivo e da burocracia na condugao do pais, a subordinacao do Legislativo e de seus partidos as imposicées do Executivo, ume participacZo quase incontinente das Forgas Armadas nos tos politicos, ¢ severas limitagées as atividades sindicais e polt ticas da classe trabalhadora por meio de repressio policial ou de normatizagées restritivas. Temos, nestes casos, regimes democrdticos os mos democracias liberais que em que a existencia se eapectos ditatoriais, embora lhes fornega configu: ragBes particularmente reaciondrias, no chega a Uhesalterar seu sentido politico fundamental (demoerdtico-burgués). Evidentemente, a gradacio atingida pelos elementos ditato- riais na composicio quimica desses regimes democritico-bur- gueses depende sempre do tipo de governo (e, mais precisamen- te, da li maiores ou menores, assume 0 controle do aparelho estatal Nao custa lembrar que tais governos, muitas vezes, também ndo apresentam naturezas politicamente puras, sendo constituidos por aliangas e acordos partidérios instveis e, por conseguinte, calorados tensionamentos internos. Talvez pot se tratarem da forma politica “normal” do Estado capitalista, 03 regimes democratico-burgueses tendem a ocultar seus eventu- ais tracos ditatoriais, o que provavelmente explique 0 porqu de tais regimes, ainda quando apresentam esses tragos em teo clevado, serem comumente definidos apenas como “democra- ha politica implementada por este) que, por periodos marcados pe Hops d on alice da dena a Bs cias liberais” - ou, no maximo, como “democracias liberais com Estado forte” Sio seculares as assertivas marxistas acerca do contetido classista que modela a democracia sob o capitalismo. Marx, jé em 1852, afirmou que a replica parlamentar francesa surgida da revol men derrubada por Luis Bonaparte ~ 0 que livrou a mes: fio popular de fevereiro de 1848 tornara-se, rapida- a repiiblica da burguesia, e s6 dela, até ser finalmente burguesia s incémodos ¢ perigos do seu prOptio regime.* Ao refletir em tomo da questo do poder na sociedade capitalista, Lénin, numa sagem direcionada para a agitacio politica, caracterizou o re Jiberal como uma “democracia mutilada, mi. serdvel, falsificada, uma democracia s6 para os ricos, para uma minoria” Seguindo essa trilha interpretativa, ainda que através de percursos distintos, autores como Trotsky e Gramsci procu isar a democracia liberal a partir de uma discussao acerca das formas assumidas pela dominagio de classe exercida pelo Estado capitalista, as quais se expressariam em diferentes regimes politicos que, em dosagens variadas, fariam sempre uso de elementos de repressio, concessGes (reformas) e ideologia raram an — em linguagem gramsciana, todos os regimes langariam mio, ‘com teores distintos, dos elementos de consenso e coer¢ao. Em todos esses regimes, o Estado seria, essencialmente, um Estado de classe, A democracia seria, portanto, uma forma assumida por este Estado de classe e, por conseguinte, seria um regime de classe MARC K 0 18 bumésio ie Luls Bonsparts fe Cartas @ Kugelmar, Trad Lean ‘ro Konder e Renato Gumaries. 4 ed. Rlo de Jane: Paz e Tera, 1976 LENIN, v. 0 Estado a revougso/ revolig poteéia@ 0 renagado Kautsy. (eoresentagi de Felipe Demier e Henrique Canary), So Paulo: Sundermann, 2005. p. 9. © Quanto is consideragses de Trotsky @ Gramsci sobre oregim \VARELA, R: ARCARY, V; DEMIER ‘2 historicgrafa, Lisboa: Cob, 2015 F O.que é uma revolig0? Tel, stra apis Gal: alta ds domoeraci iadsono Basil 25 Segundo Trotsk nncia da democracia burgu des de massas, marcadas por uma estrutura econdmica diversi- correspondido a0 momento de florescimento do capitalismo, e ficada e por uma “sociedade civil” significativamente desenvol rente seria possivel vida, a vigéncia relativamente estavel da exploragao capitalista sua eficiéncia como forma de dominagao son em situagBes de normalidade politico-social, as quais tornariam requereria que uma ou mais fragées da burguesia conseguissem itivos, submeter ao seu projeto politico nacional o restante do conjunto possivel uma articulaco equilibrada entre aspectos coer reformistas € ideol6gicos: social, isto é, que apresentasse os seus interesses particulares como os interesses gerais da napflo, segundo a célebre definicéo de Marx sia o seu e Engels.” tra de uma série de etapas, consolidava a burgh poder, sob a forma da democracia parlamentar. De nove [como Uma dominagao de tipo hegeménica implicaria, portanto, a no jacobinisme},’ nem pacifica, nem voluntariamente. A bur cexisténcia de uma ou mais fragdes burguesas que lograssem co- zuesia manifestou 0 seu medo de morte do sufrégio universal Hocar ach sua diterdo politica niaie6 na demais segmentoe pro- prietérios, mas também, e principalmente, as ameacadoras cl ses subaltemnas. Essa capacidade hegeménica alcangada por certas fragdes do capital, conferindo 4 burguesia um papel de classe Afinal, gragas & combinaco de medidas de violencia com as concessées, da miséria com as reform uiu submeter, nos quadros da democracia formal, néo sé a antiga pequens -burguesia, como também, em medida considersvel, 0 prolet ado, para o que se serviu da nova pequena-burguesia ~ a bu- dirigente no cenétio nacional, criava, na perspectiva gramscia- na, as condigées para uma forma de dominacio politico-social calcada numa combinagao relativamente equilibrada de elementos coercitivos e consensuais. Embora a coercio ocupasse 0 papel determinante na estrutura de dominacao hege ‘operitia. Em agosto de 1914, a burguesia i por meio da democracia parlamentar, péde arrastar & guerra, dezenas de mulhoes de operdrios e camponeses.* ica ~ como, quer formatacio do Estado capitalista (em quer regime politico) -, seria a forte dosagem consensual contida nesta que 2 distinguiria das formas de dominacio néo aligs, ocorre em qua Em sua discussio sobre a “hegemonia”, Antonio Gramsci, e “Oriente”,? ob- servou que, em sociedades de capitalismo avangado (“ociden- estabelecendo uma distingao entre “Ocident hegemdnicas, nas quais a violéncia é nitidamente predominante e, tais"), nas quais se faziam presentes diversos segmentos sociais com suas miltiplas entidades corporativas, politicas e culturais, a burguesia, para além de ser uma classe dominante, via-se com- pelida a torn em alguns casos, é quase exclusiva." também uma classe dirigente. Nessas socieda~ MARX IG; ENGELS, FA idelogla lems. Séo Paulo: Botempo, 2007, p48, ‘Ala de qu, para Gramsel, a ‘negemonia ee conetra em uma rela eau Ira enve coercaoe “consenso’~ na qual signiscavapresengs do segundo ‘TROTSKY, Leén. © bonapartsme slemdo,In:__. Revalupoe contra-evo- no ratrariao carter fundamental da prime — pode ser enconrace, pr exer ufo na Alemanha, Lisboa; Port; Luanda: Ceive do Lie Bras... 288 lo, em BIANCHI Alvaro, 0 laberatéo de Gromsc! fos, hits @ pati, Tnserelo nossa, al como todas as demain enbe coichetesaolenge do fio "No Oriente, 0 Estdo era tudo, © sociedad civ er pimava © goatinss; no Sto Pau: Alsmeca, 2008, Todavia our rnomados especilisas em Gramsc ‘Gaiden, nave enreo Esta ea socedede ck ura rolacio apropiada e 0 {de fnhagem eurocomunisa, rabaham com aperspectva de que uma dominagso ‘telat 0 Estado, pase Imedatamenterecorhecer uma robusiaestulura da hegemeniceestara baseaiafundamenialmente ros aspectos de adm consen- Sociedade cv, © Estado ere apenas ura inch avengada, por ris do qu © ‘val Ver, entre eutos trabahos: COUTINHO, C. N. Gramscé um estado sobre ‘suava uma robuctacadeia de falzas casaraia’ (GRAMSCI, A Cacemas ‘221 pantamente poco. Rio de Janeiro: Crago Basa, 1990. ‘ho cércore. 0d. Rio de Janae: Chatzazo Srastera, 2002. v3, p. 252) Interengdes: 0 marasme na bata do eins, Sho Paul: Con, 2006, 26 Desde: lia a denne Binion Basi Dep Glpe:ailica de semua Midas Bas) 27 Na compreenséo de Gramsci, a “hegemonia” burguesa sobre o tecido social permitia as classes dominantes erigir um tipo de ss exploradas em que estas, 20 ‘mesmo tempo em que se encontravam coagidas, em domin jo politico sobre as clas: |tima ins- ‘ncia, pelo aparato repressivo estatal, ofereciam a ordem insti ‘uma espécie de “consenso ativo”. Tal adesio das amplas madas populares a forma hegemdnica de dominacéo burguesa adviria de indmeros procedimentos ideol6gicos e materiais o> fados pelas fracoes hegemOnicas por intermédio tanto do seu Estado, quanto da “sociedade civil", onde estariam localizados seus “aparelhos privados de hegemonia” tule Levando em conta as proposigdes de Trotsky ¢ Gramsci, portanto, € a existéncia de uma situa¢io consideramos q\ histérico-social hegeménica que, entre outros fatores, pOssibilita a burguesia estabelecer sua dominacdo de classe por meio do regime politico democratico-burgués, no qual a violéncia est tal, indispensdvel e ininterruptamente presente (ainda que po- toncialmente), recehe a companhia de ingredientes de natureza snsensual, os quais costumam cotidianamente aparecer em pri- meiro plano. Em outras palavras, afirmamos que uma dominaydo capitalista de tipo hegemdnica se expressa, em termos de configura politica das insttuigdes estatais, na forma da democracia liberal bar- ¢guesa ~ cujo bom funcionamento depende nao s6 da coacio para com 03 setores ind6mitos da classe trabalhadora, mas também dos velhos métodos de coopta¢ao material, parlamentar e ide oldgica das liderancas populares (tal como apontou Trotsky no trecho por nés destacado a seguir). Segundo Gramsci 0 exercicio “normal” da hegemonia, no terreno cléssico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinagdo da forga, edo consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a {orca suplante muito 0 consenso, mas, a0 contririo, tentando 380 da maioria, fazer com que a forga pareca apoiada ne expresso pelos chamados érgios da opinido publica ~jornais 8 Deus do Gel: ila da democracies do, encontrou nos seus famosos Cadernos essa associa presenca de uma classe ou fragdo de classe hegemdnica e a vigén se mostra em condi © assoclagées -, 0$ quais, por isso, multiplicados. Entre 0 consenso e a forca, si- tua-se 2 corrupedo-frau (que é caracteristica de certas situ ages de dificil exercicio da fangio hegeménica, apresentando da forea excessivos perigos), isto é, 0 enfraque cimento e a paralisacio do antagonista ou dos antagonistas wés da absoreio de seus dirigentes, seja veladamente, seja abertamente (em casos de perigo iminente), com o objetivo de lancar a confusdo a desordem nas fileiras adversétias."? Alvaro Bianchi, estudioso do pensamento do comunista sar entre a um regime democrético-parlamentar, Segundo Bianchi, Gramsci teria destacado a existéncia de um processo histérico- social pelo qual a burguesia, “para realizar sua hegemonia sobre toda a populacio”, (+) incorporou demandas, reallzou as as jragoes da nacao, assimilou economicamente grupos socials, transformou sua cultura na cultura de toda a sociedade. O alargamento da base histérica do Estado f0i, assim, acompanhado pela expanséo econdmica e politica da prépria burguesia. Para Gra ei expansiio, expressando a sociedade civil no interior da propria sociedade politica juriico-parlamentar era o resultado desse processo de Prosseguindo, é possivel depreendermos, portanto, que em momentos histéricos em que nenhuma das fragées do capital es de exercer sua “hegemonia”, de colocar ‘GRANSCI.A, Cadernos do cércere. Op cit v3, p. 95. BIANCHI, Alvaro. Op. ct, p. 250, cores des calogoias de "socledade chit = 'sccedae pote’ no pnsamentocramsciano, consular asta mesma obra de Bianchi (parculsrmenteo capitulo “Esadoleocedade ch, p. 172-198), apis de Gp: alta da demoed Bas) 2 sob sua égide politica o conjunto da “nago”, as chances de ma- nuten¢ao da explora¢Zo capitalista por meio da den sas. Pode-se dizer, assim, que, em casos de “crise de hegemonia” ~os quais podem ocorrer “ou porque a cl endimento politico para 0 qual pediu ou impos pela forca o con- senso das grandes massas”, ou porque estas tiltimas “passaram subitamente da passividade politica para uma certa atividade e cracia par. Jamentar convencional tornam-se esca: se dirigente fracassou em algum grande empre apresentam reivindicag6es que, em seu conjunto desorganiza- do, constituem uma revolucdo"™ -, as bases sociopoliticas do regime democratico-burgués, cuja existéncia corresponde, nor- malmente, a uma situacdo hegemdnica, tendem a rapidamente se esbarrondar. Retomando as ideias de Marx sobre a existéncia de uma sepa- racio relativa entre as esferas “econémica” e “politica” na socie- dade capitalista ~ decorréncia do fato de que nesta a apropriacéo de excedentes nao se baseia, fundamentalmente, em expedien- tes “extraeconémicos” -, a historiadora norte-americana Ellen ‘Wood chamou a atencdo para o que seria a esséncia e, ao mesmo tempo, a particularidade da democracia dos tempos modemnos. Resultante politica de uma forma social baseada no trabalho livre assalariado, na qual os proprietérios dos meios de produs se diferenciam juridicamente dos no proprietarios, ou seja, dos que trabalham ~ o que nao existia nem no mundo antigo nem no medieval -, a democracia moderna (diferentemente de sua ante- cessora ateniense) € formalmente acessivel a todos os estratos sociais, tendo se verificado a extensio da “cidadania politica” (depois de muitas lutas dos movimentos operirio, negro € fe- ‘minista) a todos os segmentos da populagZo (trabalhadores bra- jos em geral). Sob 0 capitalismo, assinalou Wood, a democracia politica se manifesta, «ais, mulheres, negros, pobres e despossi entZo, na sua forma historicamente mais inclusiva, embora em JE —GRAMSGI, A, Casemos do carcare, Op. ot v3, p80. MW Depss do Gelp:a ilica a docs inode ast fungdo da separacao relativa entre a “economia” e a “polfti jA nfo decida efetivamente sobre os fundamentos materiais da vida social dos cidadaos que dela “participam” (diferentemen te da antiga democracia ateniense). Precisamente por isso, ela pode ser uma democracia formalmen bastante ampliada, como jamais se viu antes.'* Em perspectiva histérica, Wood observou como 0 sistema representativo (a democracia liberal) surgi em oposigao a soberania popular, convertendo-se em instrumento de sou aprisionamento: ‘A doutrina da supremacia parlamentar vria a operar contra 0 poder popular mesmo quando a nag 0 politica jé nose restrin sia a uma comunidade relativamente pequena de proprietarios quando se ampliou a ideia de “povo” para ineluir “multidao popular”. Na Inglaterra de hoje, a politica € a reserva especial dle um Parlamento soberano. (.) Quanto mais inclusivo se tor hava 0 tetmo “povo”, mais as ideologias politicas dominantes ~ dos conservadores 2 corrente principal do trabalhismo in- ayiu do mundo fora do Pariamento e na sistiam na despoli deslegitimacao da politica “extraparlamentar”, © Nas diferentes configuragdes ainda que em intensi da democracia rep lades distintas, a passividade pol ntativa, ica das esperado a de- legacao de poderes efetivada por intermédio do suftagio univer: sal, permitindo a classe dominante reivindicar a “legitimidade” de decisdes parlamentar massas trabalhadoras foi sempre um contrapont s que explicitamente contrariam a opi- nifio majoritéria da populacao (do envio de tropas a guerras im- perialistas & aplicacao de pacotes de “austeridade”). Novamente, Wood define o sentido deste processo: ‘WOOD, Eten. Bomecracia conta eapitalom a renavagso do eteismo his rico. S30 Paulo: Botempo, 2003, 18 idem p. 178 apis Galea iltia da domserai dade Breil 31 sonceito de deme assumidas pelo Estado capitalista, ndo deixa de ser, nunca, uma for- olégicas pel ‘ma de dominagao politica do capital sobre o trabalho. Num tempo de mobilizacio de massa, o cracia foi submetido a nova ses dominantes, cxigindo ndo somente a alienagao do poder Sempre determinada, em cada formacio social, pela correla- democrético”, mas a separacio clara entre a “democracia fo de forcas entre as classes em luta, a democracia liberal as € 0 “demos” ~ ou no minimo o afastamento decidido do po sumiu diferentes formatos ao longo dos seus quase cento e cin- der popular como principal eritério de valor democtético. © quenta anos de existéncia como uma forma de dominasio politi- ito foi a mudanga do foco da “democracia’, que passou co-social burguesa. Se, na Europa do pés-Segunda Guerra mun- dial, em funcdo de uma série de fatores hist6rico-conjunturais (derrota do nazifascismo, forca politica da classe trabalhadora, 10 aspecto dinamizador da acumulacio capitalista em uma fase expansiva do sistema, existéncia da “ameasadora” Unido Soviética, entre outros), a de- ‘mocracia se apresentou como uma formatagio politica assentada em reformas/direitos sociais universais, as democracias a partir da década de 1980, por nés chamadas de democracas blindadas, evidenciaram uma arquitetura bastante diferente. Dotadas de tum cardter hegemdnico — isto é, combinando de forma equilibrada elementos de consenso e coercdo -, tais democracias apresentam esttuturas de funcionamento hermeticamente fechadas as pres ses populares, preservando seus nicleos institucionais decis6- tos como espacos exclusives dos interesses da classe dominan- te, Impedindo, por meio de uma série de artificios econémicos, politicos e culturais, que as demandas populares de cunho ref mista possam adentrar a cena politica institucional, essas novas democracias se definem pelo seu contetido essencialmente con- trarreformista. Adequadas as necessidades da acumulacio capi- talista em tempos do tardo-capitalismo,"* as deme presses do exercicio ativo do poder popular para o gozo passivo das cessuis, edo salvaguardas e dos direitos constitucionais €pr poder coletivo das classes subordinadas para a privacidade e importancia dos “salérios indiretos” con Mais e 8 0 isolamento do cidadao individu: © conceito de “democracia” passou a ser identificado com liberalismo. Nesses termos, salvaguardando para além dos limites da fundamentais (garantias “jur puta parlamentar seus interess dicas” ao dircito de propriedade) e de cextraparlamentar, “o capitalismo tornou possivel conceber uma ‘democracia formal’, uma forma de igualdade civil coexistente com a desigualdade social e capa7 ce deixar intocadas as relagies econémicas entre ‘elite’ ea “multi thadora’’."" Wood destaca, entretanto, que, nao obstante a democracia liberal-re- presentativa se constituir em um modelo politico de dominacéo aternos dos processos deci- wualificando a agZo politica burguesa medida que exclui os su sérios que afetam a sua vida social, a propria burguesia resistiu, rma de organizacio e muito, para aceitar tal regime como uma do seu Estado. Dialeticamente, foram as cruentas lutas do mo- vvimento operirio e dos oprimidos em geral que tornaram pos- io do regime democratico-liberal tal como este do século XIX. Em sintese: ainda que sua racias blindadas combinam retiradas de direitos sociais com a expanso (maior ‘ou menor, a depender do momento e do gestor de planta) de politicas sociais compensatérias, carentes de universalidade, além de um aumento seletivo da repressio estatal voltada aos sivel a edifica se edificou desde fin ‘existencia sé tenha sido alcangada por meio de de dos trabalhadores pela efetivagdo de din ntativa, enquanto un adas ¢ décadas de lutas 0s sociais,civis e politicos, a democracia represe das formas politicas 19 NETTO, José Paulo. “Uma face contemportnea da berbéne". Comunicaiao 17 Wem, p 196, presenta no Ill EncontoIntmacionel Cvlzego ou barbie. Serpe, Droinovembra de 2010, 18 160m, p. 184. apis io Gl: lia va demos bling Brasil 33 32—_equid ele: alia da democrat setores indos nda a estrutura dessas dem: tos. Compée a blindadas, claro, a sua inexpugndvel coluna de si rentacao midi- ftica, a qual, respon: gicas produtoras de consenso (cada vez m conforme 0s direitos vel pelo fornecimento de altas dosagens (os), atua muitas v so ata chr Eu Hs HS RS Capitulo I ma nova forma de trato A democracia blindada: da velha “questdo social” por parte do Estado capit ” Puella’ derma panels (eae potinw reas erie asia. einer dado, oferecem o que pode se chamar de uma nova forma de dominagio politica tir de agora nos interessam, Nos tiltimos trinta anos, as democracias liberais do “mund. ocidental”, como antecipamos, parecem ser cada vez mais fe- chadas a qualquet pro tipo de demanda minimamente reformista os subalternos da sociedade. No con- jinente, os novos regimes dem que comecaram ser desenhados em fins da década de 1970, com a “crise do fordisanu" © a en niente dos segme! tico-li neoliberal, mostranese como regimes politicos essencialmente contrarreformistas.” As. sim, se nas democracias lil dista, importantes demandas dos trabalhadores encontra ainda que de forma filtrad piblicas levadas a cabo pelos governos ~ con! is europeias do welfare stat io nas politicas mando, port to, uma espécie de “colaborasio de classes” assentada em um efetivo pacto social -, nfo se pode dizer o mesmo dos regimes democritico-liberais do tardo-capitalismo RAGA, Ruy A nostaiga do forcsma. Mademizagéo a else na tcia da socks dlc salar So Paulo: Xam, 2003. Quanto 20 concaito de “contraraforms", ver BEHRING, Elaine Rosset BEHRING, Elaine R.“A nova condi da poliioa em conterefonna: desesinturagao do Estado a perda de drtos. $80 P 10. Rio de Janeiro: UERJ, 1997; MAMOTO, Marie V. 0 Contax. 2008, code. 22, e¢. bo Paul: Corte, 2012. NETTO, José Paulo, Op. omveaciablindad vo Bras Depo do ele: alia da democaieBdooo Basil 35, Retmodeladas pelo neoliberalismo das tltimas décadas, ax democracias liberais europeias substituiram uma politica social reformista que as caracterizava por outra de corte nitidamente contrarreformista, cujo objetivo precipuo era, nas origens (fim, dos anos 70), reverter a queda da taxa de lucro. Almejando esse objetivo, as contrarreformas proporcionaram, coetaneamente tuma dristica diminuicdo dos gastos estatais com as politicas piblicas universais, um agravamento da precatiedade e da inse. guranca do trabalho (viabilizando maiores taxas de exploracio} © ~ 0 que é mais importante ~ a abertura de novos espacos de investimentos para 0 capital privado (Saide, Educasio, Previ. dencia, ete.),* 0 que pode ser visto como um desenvolvimento do processo de “supercapitalizagao” * Nessa contraofensiva do capital sobre o trabalho ~ definide te por Ruy Braga como a “restauracio do capital? que visava a reverter o quadro critico das economias cen. trais verificado a partir de 1973,” uma das metas politicas aventadas pelos intelectuais organicos das classes dominan tes, como bem destacou Atilio Boron, era tornar os regimes democrético-liberais imunes (ou menos suscetiveis) as “ext géncias populares”.* Livré-los dos “ ‘excessos’ democraticos, RANEMANN, Sara. Para uma interpvetaeso marisa da ‘Prvisénoa Five it. Taso (Doutorado em Servo Socal). Rio de Janevo: Escola de Senige ‘SoeiUFRJ, 2008, 25. 0 conceto de "superceplizacao” 0 encontra em MANDEL, , © captesme ‘aro. S60 Paul: Abt cura. 1962 26 BRAGA, Ruy. A restaurogso do Copal Um estudo ect a crise contempors nea. S40 Paulo: xama, 1987 27 HUSSON, Michel. Misdre du copia. Paris: Syos, 1886; HARVEY, David. C ‘nov imperiaiamo. So Paul: Loyola, 2004; CHESNAIS, Francois, La mondial sation du capital Pars: Syos, 1994; e NETTO, José Paulo, Gse do sociaome, «@ofensiva neoliberal. Seo Paulo: Cortez, 1995 28 BORON, Allo."Latrensicon hai Ie demacracia en América Latina: problemas ¥ perspectives In Estado, catalsmo y domocracia en Amérca Lat na, Buenas Aires: lacs, 2006, , 246. ® opis do Gale: ialtia da desea nga mB paralisantes da alegada vitalidade do mercado’,” apareceria no receiturio dos ideSlogos neoliberais como uma condicio politica necesséria 4 recuperagdo das economlas capitalistes fm crise, em especial as europeias politicamente alicergada: mado “bem-estar social” (Alemanha, Franga, Inglater im, se as concessGes materiais do capital no chai 1, Itélia, etc.). As 20 traballio que garantiam o pacto social vigente sob as demo- tate (direitos sociais, estabilidade do salério cracias do welf real, baixos niveis de desemprego, relativa qualidade de vida do proletariado médio, etc.) deveriam ser progressivamente retiradas para que os niveis de lucratividade fossem retoma- dos, fazia-se premente que as incOmodas interferéncias popu- lares nos centros decisérios de poder politico (Parlamento ¢ Poder Executivo, especialmente) fossem reduzidas ao méxi mo. Para se reerguer, o capital deveria desfazer-se de todas as, suas amarras reformistas. As raizes da crise, afirmavam Hayek {tebtico pioneiro do neclibe- ralismo] ¢ seus companheiros, estavam localizadas no poder 8 ¢, de maneira mais geral, corroido as bases de acu- excessivo ¢ nefasto dos si do movimento operirio, que hav mulaco capitalista com suas pressbes reivindicativas sobre ‘0 salérias e com sua pressio parasitiria para que 0 Estado aumentasse cada vez mais 08 gastos sociais (...) Esses dois processos destruiram 08 nivels necessirios de lucros das empresas e desencadearam processos inflacionétios que néo podiam deixar de terminar numa crise generalizada das eco- rnomias de mercado. O remédio, entSo, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervencbes econdmicas. A estabilidade monetéria deveria ser a meta suprema de qualquer gover- no, Para isso serla necesséria uma disciplina orgamentétia, 2 idem. apis de Gl: tia de demoeraci indo Basil 37 ontencio dos gastos com bem-estat, ¢ a restauracio da taxa “natural” de desemprego, ou seje, @ criagio de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. A rmas fiscais eram imprescindiveis, para incen- tivar os agentes econémicos. Em outras palavras, isso sig- nificava reduc altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova e saudével desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avanga- das, entéo as voltas com uma estagflacio, result ss de impostos sobre os rendimentos mais direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou se, a intervenglo anticiclica e a redistribuiggo social, as quais haviam téo desastrosamente deformado o curso normal da acumulagio e do livre mercado. O crescimento retornaria uando a estabilidade monetéria e os incentivos essenciais, houvessem sido restitufdos ° Iniciado pelo governo de Margareth Thatcher na Inglater- ra (1979-1990) - que impés drésticas derrotas 20 movimento sindical," esse processo de reformatacéo das democracias libe- rais realizou-se com ritmos desiguais e encaminhamentos dife- renciados no continente europeu, Também as nagSes que s6 co- nnheciam o regime democritico Portugal, Espanha ¢ Grécia, deveriam moldé-lo de modo a si liberal havia poucos anos, como tonizar suas formas de dominacgo politice-social com as exigén- cias da recuperacao ica capitalista, Em resumo, pode-se dizer que a plataforma neoliberal, que incluia corte de direitos sociais, privatizag6es, aceleragao da reestruturagio produtiva e fi 4o da economia, exigia, na Europa dos anos 1980, "ANDERSON, Per Belango do neoberliemo In: SADER, Emir, GENTILL, Pa- Dio; (rgs.).© pos-reoiberalimo, Rio de Jani: Paz 6 Tera, 1905, p. 10-11, so esta lombrar aqui o att combats ravedo pelo Coverno Thalcher conta 8 mineiros, categoria com longa tradcso de las do polstaiadobritico, Quebranco a arpa da movimento sindcal do pas, o Governo Thatcher eve © caro ve par pra oe sa panos neler gta 3H Dopsis Gop: alta ie deca ina Bras 1a nova configuraco politico-juridica do Estado mais adequa- daa sua implement toa ical da taxa de Iucro tenha sido ~ Cong queda tend: em fungao das contrarreformas exec rolada jé em fins dos anos 80, a constru ramento de democracias blindadas continuariam a ser metas im- portantes para o capital, pois, possivelmente - attiscamos uutadas ~ momentani (0 e/ou api essas configurag6es politicas altamente restritas se constituam na forma 6tima da gesto burguesa da luta de classes. Na década de 1990, com o fim do “socialismo real” - que, ndo obstante © seu carter ditatorial-burocratico (estalinista), simbolizava uma alternativa de organizacao societéria ao capitalismo -, as metamorfoses nos regimes democritico-liberais se acelerariam intensamente, tornando-os cada vez mais proximos da longeva e insossa democracia liberal norte-americana que, sem rupturas estruturais, também se remodelava em funglo do neoliberalis- mo inaugurado no pais com o governo do republicano Ronald Reagan (1981-1989). Constituiram-se, entdo, regimes politicos que, embora simila muitos aspectos as democracias ocidentais do pés-Segun da Guerra ~ afinal de contas, tratam-se também de democracias reser liberais, e nfo de ditaduras bonapartistas, militares, fascistas | como “democracias liberais de novo tipo”, “novas democracias” ‘ou, como preferimos, democracias blindadas.” Distintamente das democracias welfarianas, nas quais os movimentos sociais orga ados conseguiam penetrar de forma mediada (por meio de ete. -, jf continham elementos que nos permitem caracteri Vale lrbrar, ro enanto, que 0 primaire laboratro a potent nooliberal fo © Cle de Pinochet, cu sea, as policas neclbealsndo nasceram assccladas brgatriamente Uuizemos 2ete conceit pela ormaira vaz em DEMIER, Felipe, Damocracss Contrareformas no Tardo-Capitalismo (Portugal e Basi). Liberias (Revisla de Faculdade de Serigo Soci! da UPJ), Jue de Fora, v.12, n. 2, 2012 Deponk val em: epi du Gale: alta da domocraci lindo Brasil 39 Tepresentagdes politicas re socialdemocréticas e congéneres) nas instancias institucionais do regime e pressionar pela implemen- taro de suas reivindicagdes reformistas, as democracias blindadas tém seus nicleos politicos decisérios (ministérios, secretarias, ptlarento, et) pratcameneinpenetiels ie denaniee Pulares. Ademais, guardando uma autonomia quase absoluta em relacdo aos processos eleitorais ¢, portanto, livres de qualquer tipo (ainda que minimo) de controle popular, o poder Judicié- rio (em especial as altas cortes) e certos organismos do Estado Fesponséveis pelas questées consideradas estratégicas (como 03 bancos centrais, agéncias reguladoras, etc.) tornaram-se mono- Pélios inquestionaveis dos representantes politicos e prepostos comerciais da classe dominante.* io somente em razio dos interesses do capital monopolista aque esas modificacées favorecem, mas também porque esse sparelho administrativo [do Estado] é materialmente organi- zado de forma a excluir de seu campo de percepsao as neces- sidades populares." Na democracia blindada, em fungio de aspectos como a forga do poder econémico e mididtico nos processos eletivos e de le gislagSes eleitorais altamente restritivas (na pritica) aos p: nos partidos (ditos “ideologicos") que nfo aderem as grandes coaliz6es do pleito, os poderes Executivo ¢ Legislative ~ para nio falar do Judiciério ~ parecem ter poucos poros pelos quais poderiam adentrar representag6es politicas genuinamente vin- cailadas aos trabalhadores.™ Assim, na maioria dos casos, essas face da presenca e democracias Blindadas vém. sua I6gica de reprodusao baseada em controle populares ja presente, segundo Poulantzas, nos esterto. uma alternancia (revezamento) no governo entre dois gran- res da democracia welfariana, em fins dos anos 1970, quando tal Tegime jé poderia, segundo o autor, ser denominado de “estatis- mo autoritério” eque- Nesse sentido, a democracia blindada parece ter desenvolvido Plenamente um potencial de imunizagdo des blocos politico-partidarios, os quais comungam uma ade- sfo (aberta ou técita, dependendo do caso) aos pontos axiais da plataforma neoliberal (reducéo dos gastos piblicos com a “questo social”, privatizagSes, pagamento religioso da divida piiblica, cumprimento dos acordos contratos internacionais etc), ainda que os graus, mecanismos e retéricas da aplicagéo destes pontos variem de acordo com o bloco politico-partidério que momentaneamente se encontre a frente do Estado. Também nese aspecto, a democracia blindada parece ter elevado ao paro- xismo uma caracteristica jé presente, segundo Poulantzas, nos de corta re ‘momentos finais da democracia welfariana, quando vindicagées populates tomna-se assim cada vez mals aleatbria, A politica do Estado ¢ elaborada sob o selo do segredo erigido ‘como razio de Estado permanente, por mecanismos ocultos, or um regime rocedimentos administrativos que esca- Pam praticamente a qualquer control da opinido pablica ‘0] tepresenta uma considerével alteragio dos principios lementares da democracia representativa burguesa em si. A consideragio na elabor ‘da politica estat IE POULANTZAS, N. 0 Exado, 0 poder ¢o soialsmo, Rio de Jans: Gres 34 DEMIER. Fale: CALL, cipro “Cte ecanéicae democracarepreseniava ee no Sul da Europa: VARELA, Raquo (Coord). Quem page @ Esco Social? “Nos paises de tracigbo Shera! mals coosoldads, Usboa: Bortand, 2012, p. 435-455 Conem lamar ans, de herve leo qo alim de reduzra compe & pun ene dos dors masa "éncia plea noe pases europue de enisodes sitinastraie, once Pane menos caismicos do merginlzar os partidos etganzados com Baee rum Moneticio inteacina (FM), Banco Contal Europeu (BCE) ea Comieeso programs, e, em prieiro lugar os prides igado a ester suballemas nao Soctia (CE) 8 Tle a ae ae a8 Cari nesta em canoaar 0 ropa principio da Sabernia popular” (LOSURDO, Do cond de nenhum dos estado : meno, Preface &sclgso basic In: Dematracia ou Bonapertiamo, Ride Jano Ed, UFR; S80 Pablo’ Edy UNESP, 2004.10) Depa do Deg du Gp: a alia da demoeraia ldo rsd O leque das escolhas politicas oferecidas aos cidadéos de um partido a outro reduz-se consideravelmente, Caracterlstica significative da famosa alternancia bipartidéria que apresenta hhoje em dia [o texto & de 1978] a maior parte das democracias ais (Estados Unidos, G Bretanha, Alemanha Fede- ral, etc.). B verdade que esses partidos nao ofereciam cam- weriotmente real alternativa politica para a reproducio capitalismo; todavia be do smitiam escolha entre centros de boracéo variados da politica burguesa. Suas divergéncias atuais no representam mais que a popularizago por cada am di tal ou qual aspecto divergente da politica de adminis- traglo e do Executivo, mas também a propaganda, diversifica- da conforme as classes a que elas divijam, de uma mesma Politica de administracdo do executivo. B a famosa “deside- ologizacio" desses partidos, o desaparecimento de seus tra- cos ideologi 3s marcantes e sua transformacio em partidos despersonalizados. No entanto isso nfo significa que as di- ferengas entre esses partidos tornem-se a partir disso pura simplesmente fet Perpetuando a hegemonia do grande capital na “sociedade politica” ~ hegemonia esta que, dialeticamente, é construida a partir da “sociedade civil’ essa alterndncia governamental en- tue dois blocos, entre duas grandes alas de um grande partido da ordem,» se aproxima, hoje em dia, cada vez mais daquilo que Domenico Losurdo, observando o sistema eleitoral americano na década de 2000, definiu como uma espécie de “monopartida- rismo competitiva”: 37 POULANTZAS.N. Opt, p. 267 98 Tomamos aqui emprestada a expresso de Marx usizadapora care Frenga dos anos 1848-1851, os varios agrupamentos poiions burgueses duc, spe de suas dlerencas, russ ¢ valdades, ram dos pertcsrios da ‘manutangso da oréam captalisia,tal como esta se encontva conigurada, (WAX, KO 18 brumsrio de Luis Bnapate, Op. ct). 42 nis a Gl: ialtica de domverai nda Brasil Parece-nos que, via Por um lado, no plano juridico, toda uma série de normas de candidaturas fora e de casuismos dificulta a apresent dos dois partidos oficial; por outro, as grandes empresas de 0 livres para convidar aos debates por elas org: nizados 0s candidatos cansiderados merecedores de atencd0, € para excluir os candidatos de risco para o sistema ¢ a ide- ologia dominante. E assim a competicfo eleitoral se reduz 2 um duelo televisivo e midiético entre dois contendentes. Confrontam-se dois programas diversos? [..] Os dois candi- datos oficiais remetem no 36 a um mesmo partido politico, mas também a mesma classe social* regra, um desses blocos politicos do regime € composto por partidos tradicionalmente identificados com as forgas conservadoras (de direita), enquanto 0 outro é capitaneado por um cur mais partidos (socialdemocratas e/ou eurocomunistas) que, embora vinculados historicamente classe trabalhadora e as suas demandas por melhorias sociais, passaram por um processo de transfermismo® no qual uma pla- a “ TOSURDO, Domenico. Op. ct p11 Gramsci rn sis andises sobre a uniicagsoialone (inierpetada pala chavo tebies de revolugo pase"), prope 0 cance de vansformimo vieando a explcar 0 processo hisoco-palitco pelo qual persoraidades (num rimeiro momenta) © gruposipartdes pliicos (wm segundo moment) identfcadas ‘coma inh exirmista se inoorpocaram & "classe poliica!conservadorae mo erode (coracteriaace pela hose @ oda rtovongse des massse popu ‘ee na vids aetna, a tose retorma organica que substtusse 0 rigid ‘domino! Gitorial por uma negemonia (GRAMSC!, A. Cagemos do career. Rio de Janeiro: Chilzagto Brasilia, 2002. v8, p, 286). Em outro momento de seus ‘esetos carcoranos, Grams aploou oconceito a determinados grupos dei {elecuais lanes que, de pescado reelge,haviem migraofreornado para as flakes dominanes: “Eficacia do movimento operéio socialista na cago importantes seotes de classe dominante. A dferenga ene o fenémena talano 0 de cuos poses consist, objevamenta, no cequints: quo, enquanto nos tutos paises 0 movimento opera a socaetaelaberou perscnatdades poilt- fe singles que passarem para a oura dsse, na lia, 20 contri, elabo rex grupos inllecuais intoos, que reakzaram essa passagem como grupos. Causa do fendmene Haan, ao que me parece, cave ser bueceda na oscassa_ ‘erbncie des classoe las a0 ovo: na luta das geragoes, os ovens se spr opus Gola alia da demoracisHinade wa Bast 43 taforma politica de cunho reformista (mais ou menos radic dependendo do caso) deu lugar a aplicaco, quando no poder, de um programa essencialmente contrarreformista (mesclado a politicas piblicas focalizadas, os chamados programas sociais compensatérios) Quanto a isso, podemos lembrar aqui dos casos do Partido Socialista francés (PS), de Mitterrand, no Partido Trabalhista in- alés (0 “New” Labour Party), de Tony Blair ¢ Gordon Brown, do Partido Social-Democrata da Alemanha (o hist6rico SPD), de Schréider, no Partido Democrético de Esquerda na Itélia (0 PDS, surgido com o fim do Partido Comunista Italiano), de Massimo D’Alema, no Partido Socialista portugués (PS), de Mario Soa- res e no Partido Socialista Operdrio Espanhol (PSOE), de Felipe Gonzélez e Zapatero, entre outros partidos europeus que aderi- chamada “terceira via” nas décadas de 1980 e 1990. Em al- guns casos excepcionais, vale acrescentar, alguns desses partidos crriundos do reformismo social foram “mais realistas que 0 Rei”, superando os partidos de direita em velocidade e profundidade no que diz respeito a aplicacao dos planos neoliberais. Segundo Perry Anderson, (.) jé-em 1982 e 1983 0 governo socialista na Franca se viu forcado pelos mercados financeiros internacionais a mudar seu curso dramaticamente e reorientar-se para fazer uma po- litica muito préxima ortodoxia neoliberal, com prioridade para 2 estabilidade monetétia, a contengéo do orsamento, concess6es fiscals aos detentores de capital e abandono do ‘imam do povo; nas crises de mudanca, tals ovens retomam & we Gasee (fl 12 que corre com os sindieatsiasnecionaltat © com 8 eects). No fundo, tralasse do mesmo fendmono geral do tanefonmisma, em condigses diversas [ed Abburqesia ndo consegue educar os seus jovens (uia de geragio) 0s Jovens detam-se avaircutirsimento pela tema - ou buscam fazé1o~ seus licees (deeso incanecente’ de reaizarem a hegemonia de sua propia casse sobre pve), mas, nas cree hieticas, ‘etomnam 8s oigens™. (GRAMSCI, A. Cademas do crcare. Rio de Jane Civ zapéo Beastora, 2000, , 2. 04-95) Dep ope alia da democrat on Bas pleno emprego. No final da década, o nivel de desemprego na Franga socialista era mais alto do que na Inglaterra conserva- dora, como Thatcher se gabava amide de assinalar. Na Es- lez jamais tratou de realizar uma panha, o governo de Gon: politica keynesiana ou redistributiva. Ao contririo, desde 0 inicio 0 regime do partido no poder se mostrou firmemente ‘monetarista em sua politica econémica: grande amigo do cs pital financeiro, favordvel ao principio de privatizagio e sere no quando o desemprego na Espanha rapidamente alcangou fo recorde europeu de 20%) da populacso ativa [..] Enquanto, isso, no outro lado do mundo, na Austria e na Nova Zelan- dia, o mesmo padrdo assumiu proporgSes verdadeiramente draméticas. Sucessivos governos trabalhistas ultrapassaram os conservadores locais de direita com programas de neolibe- ralismo radical -na Nova Zelindia, provavelme exemplo ais extremo de todo o mundo capitalista avangado, desmon. tando o Estado de bem-estar multo mais completa ¢ feroz- mente do que Thatcher na Inglaterra. Substituindo uma politica de pacto social por outra de con- certagao social, tais partidos de “esquerda” coscumaram (costu- mam) manter sua capacidade de diregao sobre os setores mais organizados dos trabalhadores (em especial sobre o movimento sindical), 0 que acaba por contribuir para um processo de “apas- sivamento” dos setores subalternos da sociedade.* Em face aos movimentos sociais e organizagSes politicas que se opéem fron- talmente 20 projeto contrarreformista, 0 regime democrético- liberal blindado responde com a marginalizacio politico-insti- tucional e a criago/aplicacZo de diplomas legais (formulados de modo totalmente casuistico) que restringem cada vez mais as liberdades de manifestagao popular. FTANDERSON, Por Op. op. 19-14. 42 FONTES, Vigna, O Bras e o capatperiatisme, Tera 8 histra. Rio de Jo neko: EPSIVIUFR, 2010 eet do Gls: ila de demoraciindnowa Basil 45 Nas democracias blindadas, conforme indicamos ao final do Avontade, Parafraseando Florestan Fernandes, pode-se dizer que capitulo anterior, as grandes corporagdes midiéticas desempe- o baile burgués continua, s6 que agor nham um papel estrutural no ordenamento e manutengao des- Se € verdade que a “esfera politica” j4 ndo delibera sobre ases da explor votam a favor ou contra a “mais-val imes hegemGnicos. Por meio de seu discurso ideol6gico, ios ambitos da Vida social, as comporarses mididticas ajudam a executar coti- dianamente a blindagem das atuais democracias. Em um contex- to de contrarreformas € ataques aos direitos em geral, a grande imprensa torna-se tesponsével pelo fornecimento de uma parte cada vez maior dos ingredientes consensuais do regime demo: crético contemporaneo. Diferentemente de formatagSes anterio- res da democracia liberal, a grande imprensa parece, nas demo- cracias blindadas, executar uma fungio interna, basilar do regime, ndo mais apenas uma funcdo complementar, tada a apoiat/referendar os mecanismos de dominagio vigentes. Agora, ela é um dos sujeitos que engendra estes préprios meca- nismos. Nesse sentido, a grande mfdia deve hoje ser concebida, pensamos, como uma das préprias instituig6es do regime de- mocratico hodierno, isto é como um dos alicerces cent democracias blindadas. (0 de classe ~ isto é, os parlamentos nio ela simplesmente (eco: ) existe -, & também fato que a intensidade des: exploracio péde, em alguns regimes demo set debatida e mesmo freada gragas As presses provenientes enca de algumas rep trabalhadores nas instancias polfticas formais do regime (as jé que se pronuncia normativamente sobre 0s ¥: tico-liberais, fesentagdes politicas dos mencionadas democracias vigentes sob o welfare state europeu foram os melhores exemplos disso). Assim, ainda que de for- ma moderada, as vezes distorcida, os trabalhadores gozavam de alguma representatividade em certas democracias liberais, quais nao deixavam de ser, evidentemente, “democracias de wma mninoria”.** Desse modo, a novid décadas, sobretudo nos iiltimos anos, é que, na quase totali- dade das chamadas “democracias representativas”, j& no ha politica alguma de amplas camadas da populacao €, por conseguinte, jé no ha sequer a chance de, pelos cami Continuamos a assist, amitde, a transformagoes na demo- hos institucionais, impor limites aos desejos nada secretos do cracia burguesa que ressaltam e intensificam o caréter de classe capital. Os recentes casos de Portugal e Grécia sao elucidativos dessa democracia. Seja por sua crescente imunizagao as pressées a esse respeito, populares, seja pelo forento de uma seletiva represso policil, ‘externa’, limi- ide apresentada pelas dltimas rais das representagé Em meio a crise ecor émica, 0 governo grego requisitou, em 2011, mais empréstimos a banca internacional para conseguir pagar as dividas que com ela arcara. Como condi¢ao para recebé- los, 0 governo tinha que aprovar um pacote eufemisticamente mado pela imprensa de “austeridade fiscal”: demitir muitos tar direitos lidas antipopula- 0s regimes democritio-blindados, & escala mundial, assemelham- ~se progressivamente & concepsao estritamente liberal-burguesa de democracia, a qual, forjada nos séculos XVIII e XIX em con- traposi¢ao as incipientes propostas radicais-populares, sempre procurou dissociar a “democracia” do “demos”. Livres de incd- modos aditamentos social-democréticos milhares de trabalhadores do servigo piblico, ss democracies olin sociais € aumentar impostos, entre outras mé se mostram, portanto, como as democracias burguesas par excel lence. Completamente nua, a democracia burguesa se sente mais WOOD, Ellen, Op 98. LENIN, V. Op. ep. 96. 45 Depts de ope a iat a dence lina ne Basi Depus Gp lic ta demweraci dodem Bast 7 res, Apenas estas medidas, porém, poderiam salvaguardar os interesses materiais do partido da ordem de 14, composto por uma associagZo entre o capital financeiro transnacionalizado e a timorata burguesia grega, e representado tanto pela direita, quanto pela “esquerda” parlamentar. O antagonismo existente entre a vontade popular, isto é entre a vontade da enorme maioria da nacdo, e 08 da infima minoria capitalista do pais (associada ao capital financeiro transnacionalizado) ficou pa- tente, e se expressou fisicamente na oposico entre a Praca eo Parlamento, entre os trabalhadores que ocupavam a primeira € a policia que violentamente defendia o segundo. © gover- no neoliberal “de esquerda”, sem aparentar constrangimento, levou o pacote & votacZo, que foi aprovado pelo Parlamento, como jé era previsto. Do lado de fora, nas ruas, os trabalha- dores fizeram greve geral, protestaram, queimaram pneus ¢ tudo mais 0 que podiam fazer naquelas condig6es. O édio era justo. A policia fez o que era a sua funcZo: reprimiu, prendeu, bateu e tudo mais o que podia fazer naquelas condicées. Uma verdadeira aula de teoria politica foi dada, e quem assistiu nao teve dificuldade em aprender seu contetido. A um s6 tem- po, o Estado, em sua forma democrético-liberal, se mostrava como “um comité que administra os negécios da classe bur- guesa como um todo" e como uma “organizacio da classe exploradora” voltada para a manutencdo, pela forca, “da classe explorada nas condigSes de opressio exigidas pelo modo de producdo existente”."” Ao aprovar o pacote exigido por uma minoria, mesmo sabendo que a grande maioria do pais era pe- remptoriamente contréria a ele, o Parlamento grego mostrou ue se constitui, na verdade, em uma instituigao totalmente indiferente & vontade popular. Em 2015, a vit6ria eleitoral do Syriza significou um furo histérico na blindagem da democra- 46 NARX K ENGELS, Friedrich, Manifesto do Paro Comunit, Lime: Area: 92,2010, p. 19 47 ENGELS, F spud LENIN, V Op. ep. 26 4 opus up: inte ta domaine Bes cia grega, abrindo possibilidades de que as arenas institucio. nais voltassem a ser utilizadas enquanto espaco de expresso ~ distorcido e mediado, claro ~ das demandas populares. In- felizmente, porém, a esperanca democritica durou pouco na terra de Clistenes. Os rumos adotados pelo novo governo gre- 80 (que pouco demorou para ceder as presses da Troika pela continuidade da “austeridade” no pais) parecem indicar que, mesmo que uma camada da blindagem tenha sido rompida, a prote¢o como um todo ainda se mostra forte Portugal, por sua vez, é reconhecido pela Organizagao Mun- dial do Trabalho como o pais em que mais cresceu a precarieda- de laboral nos tiltimos anos. © Orcamento de 2012, por exem- Plo, impés drdsticos cortes nas verbas para Satide e Educacio, Provocando visivel deterioracdo das condicées de seu ofereci- ‘mento, aumentou fortemente os impostos sobre o consumo, que mais diretamente incidem nas condigées de existéncia dos trabalhadores, e cortou unilateralmente 0s subsidios de Natal ¢€ do Férias dos scrvidores piblicos ~ vale registrar que, como tal corte dos subs{dios era inconstitucional, o governo valeu-se de uma “livre interpretacao” da Constituicio para fazer passar a medida. A despeito de uma greve geral realizada a 24 de no- vembro de 2011, o Parlamento portugués aprovou o Orcamen- to sem nenhuma altera¢Zo importante, sem qualquer debate de fundo ¢ sob intenso macico apoio da quase totalidade dos meios de comunica¢ao piblicos e privados, responséveis por disseminar a perspectiva da inevitabilidade do pagamento da ivida externa, dos cortes orcamentarios e das privatizac6es -0 que coloca em destaque o fato de que, a despeito da imposicfo de medidas draconianas e de politicas repressivas, a burgue- sia portuguesa nio deixa de buscar a produgéo de consenso em torno de suas medidas. Nos tiltimos anos no pais, as deso- cupaces violentas, o indiciamento criminal de militantes so- ciais e a repressio as manifestagdes se sucedem com crescente frequéncia e, mesmo & margem de qualquer amparo legal, s0 apis ole: iltia da demeerat indo w Brasil 49 anunciadas medidas de “tolerancia zero” contra as manifesta- 6es contestatérias. ‘Assim, observando em uma perspectiva global, nfo seria gués da democracia liberal equivocado afirmar que o caréter b -representativa atinge seu paroxismo nos dias atuais. Ela jé néo é s6 uma democracia para a burgue: eracia apenas para a burguesia. Dela s6 podem participar, pratica- mente, as alas do partido da ordem. Se na democracia antiga, aque- Jes que trabalhavam, os escravos, estavam dela exclufdos (além das mulheres, dos mezecos e dos xenos ~ estrangeiro: ¢ nfo residentes, respectivamente), na democracia moderna, a, mas € também uma demo- sfo também os que trabalham, o proletariado contempor (eja ele formal, informal, precarizado, imigrante, etc.), que se encontram alijados das instancias politicas decis6rias. Embora ja perceptivel 0 crescente descontentamento com ambas as s5es do projeto neoliberal ~ conservadora assumida ou “de na maior parte dos paises ainda nfo se engendra- ram alternativas de poder que passam congregar ¢ impulsionar para um questionamento politico a0 regime. No plano eleitoral, a esquerda socialista nao c construir efetivas alternativas que possam minimamente atra- palhar 0 jogo do “monopartidarismo competitivo”. Em face da inexisténcia de uma alternativa organizada antissist8mica com esquerda’” as lutas dos trabalhad reais chances de éxito, a democracia liberal-tepresentativa, por meio de sua blindagem, faz com q cada vez mais, enormes con- tingentes populacionais posicionem-se em seus pleitos, tal como ‘Uma maria de capa do Dido de Notices, pubicada em 2012, 8 elicidativa do sent ¢ intenscade desta restiga0 cos dvetose, 20 mesmo temo, 62 frma antusstice coma ela # polada e naturalized por velcuos de imprensa ‘Ném de informa’ sobre a ado da pliica de “olernca zero coira a mar nifestagdo de 25 do abr, a matéia reproduz afrmapso do inspetr de Policia de Seguranga Pubica, Maggina da Siva, que ama, com oda a5 las, qu 8 part de entao grup tes come suspeos nao serlam mais autrizados & Parcipar do maniestacdes. "PSP prepara tolencia zor nas manifs do 25 de Abr” Diode Notes, Lisboa, 23 abe. 2012, p. 1 67. Doped Gap: ila a doce Wine no Bast torcedores de um time eliminado o fazem diante de uma disputa de pénaltis entre duas outras equipes que foram a final, e com as quais nao simpatizam nem um pouco: sé Ihes resta torcer ~ abstendo-se ou votando na “menos pior” - contra aquela que desprezam, ou contra aquela que mais recentemente Ihe imps derrotas. Aqui também notamos, na democracia blindada, a evolusao de um trago exclucente jé presente, segundo Poulant- a8, nos momentos derradeiros das democracias reformistas do pés-Segunda Guerra ("estatismo autoritério”) Os partidos particularmente situados fora do circulo do poder asseguravam, até entZo, no apenas um c ntrole parlamentar, ‘mas igualmente [uma] famosa fungio tribunicia de repre- sentantes das massas populares perante « administracéo de Estado, Fungo que é, ela também, radicalmente questiona- da: quantos deputados socialistas, para no dizer deputados ‘comunistas, tém hoje realmente acesso, a0 menos na quali dade de representantes do povo, & administragéo da Franca? © estatismo autoritario deixa pouca escolha aas partidos: ot deve subordinar-se & administracio do Estado, ou devern renunciar a ter acesso a ela. Os cidadaos slo levados a uma confrontagio direta com a administracio, néo € surpresa que eles sejam afetados, depois da eleicéo, por um desprezo {geral em relacao aos partidos que deveriam representé-los na administragio de Estado. Que esta situagao, além das consi- derdveis restricées d liberdades que implica, ele as condi Ges de uma eventual conhecido.” bonapartizasio do poder é sobejamence cto contido do trecho acima (referente a “res de liberdades” ¢ a “bonapartizacéo do poder”) também parece ter medrado no tempo presente. Contra os setores popu- lares revéis, dotados de algum grau de organizago, a democracia 4 POULANTZAS, N. 0 Estado, o poder eo soca, Op. ct p. 258-269, apis de Gole:aialt da donoerais lindas w Brasil 8 blindada dirige uma repressao cada vez mais intensa e aperfeigo- ada. Por meio de sucessivos updates e upgrades, o aparelho coerci- tivo estatal invade vatios ambitos da vida social com seu monito- ramento e perseguico aqueles que buscam resistir 3s contrarre- formas e 4 “austeridade” sagrada do Capital. Nessa empreitada, os gendarmes contam, € claro, com a colaboracio de todos os poderes de Estado, com destaque para o Judiciario, que nao se constrange em mandar as favas muitos dos preceitos legais do chamado “Estado Democritico de Direito”. Tal processo se faz acompanhado de um crescente protagonismo da alta burocracia estatal, em particular dos mandatérios do proprio Judiciério, e, como ja alertara Poulantzas em fins dos anos 1970, “o desloca- mento incontrolével do centro de gravidade para a burocracia de Estado implica infalivelmente, por sua propria légica, e para além até de projetos governamentais, uma considerével restrigao as liberdades politicas, consideradas precisamente como con- trole piblico da atividade estatal”.* Isto 6, aliés, uma detradeira caracteristica a ser destacada acerca da natureza da democracia Dlindada a escala mundial: como regime politico, ela progressi- vamente se desfaz de garantias e liberdades democréticas, elimi nando, até mesmo no plano juiridico-politico, os elementos obje- tivos, reais, que sustentam, em toda democracia liberal, a ficeio democratica da igualdade e liberdade. Ao suspender, assim, néo 86 direitos sociais, mas também direitos civis e politicos, a dema- cracia blindada ver atualmente expondo o real contetido de toda © qualquer democracia sob 0 capitalismo. Atingindo seu auge sob a formatagio blindada, a democracia burguesa explicita a0 ‘mesmo tempo sua fora conjuntural e sua fraqueza potencial. Como veremas no iltimo capitulo, o caso brasileiro atual parece ser exemplar quanto a isso, 50 dom 9 288, SL eps up: inca a democracies Capitulo III A formagao da democracia blindada no Brasil: origens e desenvolvimento Elaborado na década de 1970, experimentado inicialmente na de 1980, ¢ levado a cabo com maior folego nas de 1990 e 2000, © projeto neoliberal de edificacao de democracias liberais imu- nes & participago popular no se limitou a Europa Ocidental e ‘0s Estados Unidos. Se, nos pafses do Leste Europeu, ele seria ensaiado no periodo pés-queda do “socialismo real” (promoven- do um bizarro amalgama entre a ex-burocracia estalinista e 0 capital financeiro transnacional),*' na periférica América Latina, foi especulado ainda em meados dos anos 1970 por intelectuais orginicos do imperialismo, Assim, enquanto prescreviam uma reformataco da democra- cia liberal para a Europa e os Estados Unidos que permitisse reduzir drasticamente os gastos piiblicos e abrir outros espacos de investimento a0 capital via. privatizacdes/mercantiliza¢do dos servicos sociais, teéricos e cientistas sociais neoconserva- dores vinculados & Comissio Trilateral; como Samuel Hunting- 51 Este amlgama gerou, em alguns caso, uma espécie de “capita malioso" ‘onde: nem mesma o projeto das democracies bindadas pode vingat, cedondo ‘espago a consrugo de rosimes bonopartstas com Inmeras restigdes ox. 38 palicas de oposio o com um atisimo o escancaracograu de comupco, (s atuas casos russo e hingare sto exemplars acerea disso, '52 Funded em 1979 com o apclo de David Rockfler¢ Zbigniew Brzezinsky, 8 {Comisséo Thsterat congrogava om torno 46 200 representantes dos malo opis de Glpe: alta da demeeai bladadena Basil 63 ton, propuseram que também na ditatorial América Latina comecassem a se efetivar, pelo alto, mutacées nos sistemas politicos nacionais, visando a constituicgo de democracias de tipo restrito. Desse modo, as ciipulas dirigentes dos regimes ditatorial-militares deveriam, elas mesmas, iniciar e condu. ir de forma gradual transicdes politicas que permitissem a construgio de regimes democrético-liberais, 03 quais, no entanto, no poderiam proporcionar um nivel de “ativacao Popular"como o que estivera presente nos regimes politicos que antecederam os golpes de Estado (e, por conseguinte, as ditaduras) no continente. Diferentemente das chamadas “de- ‘mocracias populistas” (ou, se quisermos, dos “semibon: Partismos democréticos”)*, os regimes democratico-liberais Pés-ditaduras deveriam apresentar um baixissimo grau de mobilizacdo popular, privando os espacos politicos decisérios de qualquer tipo de interferéncia de massas.5 Langando mao da teoria schumpeteriana, na qual a democracia é identifica- da/reduzida 2 um “mercado politico”,® os teéricos neocon- servadores indicavamn para a América Latina a edificacao de ‘onglomerados econdmicos do mundo. Quanto & Titel, ver MACHADO, Ell “Linites da ‘democraia procedimantat'na America Latins” Mediagbes (Revta do Cinclas Soi, v.13, n, 1-2, Lndrina, 2008; NUN, José. Domo. estava em construso no pais um regime politico hegembnico, de tipo de- mocratico-liberal. Embora projetado segundo o modelo das de. ‘mocracas blindadas, ele contava, em funcio dos fatores anterior- 72 LEMOS, Renato. Op. cl». 135. 73. DEMIER, Fope. Ofango bonepartsme bras: um ensaio de interpretacso istéca Ris de tanoeo: Maud X, 2018, eis do Goleta de demaerai indo Bai

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