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eiros Cantos Gongalves Dias Prélogo Dei o nome de Primeiros Cantos as poesias que agora publico, porque espero que niio sero as ilkimas, Muitas delas ndo tém uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera convengio; adotei todos 0s ritmos da mettficagdo portuguesa, e usei deles como me pareceram quadrar melhor com o que cu pretendia exprimi. ‘Nao tém unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas - debaixo de céu diverso - e sob a influéncia de impresses momentineas. Foram compostas nas margens vigosas do Mondego ¢ nos pincaros enegrecidos do Gerez - no Doiro e no Teia - sobre as vagas do Atlantica, ¢ nas florestas virgens da América. Escrevi-as para mim, ¢ nio pata os outtos; contentar-me-ci, se agradarem; € se nfo... & sempre certo que tive o prazer de as ter compasto. (Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena politica para ler em minha alma, reduindo a linguagem harmoniosa e cadente 6 pensamento que me vem de improviso, ¢ as idéias {que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano - o aspecto enfim da natureza, Casar assim © pensamento com o sentimento - o eoragdo com o entendimento - a idéia com a paixdo - cobrir tudo isto com a imaginagio, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento da religido e da divindade, eis a Poesia - a Poesia grande e santa - a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como cu a sinto sem a poder traduzir. © esforgo - ainda vio - para chegar a tal resultado ¢ sempre digno de louver; talvez seja este 0 86 merecimento deste volume. © Pablico 0 julgarés tanto melhor se ele o despreza, porque o Autor interessa «em acabar com essa vida desgragada, que se diz de Pocta Rio de Janeiro, julho de 1846, Poesias americanas Cangio do Exilio Kennst du das Land, wo die Citronen blihen, Im dunkeln die Gold-Orangen gliihe Kennst du es wobl? - Dain, dahin! Macht ich... zichn, — Goethe Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabids As aves, que aqui gorjeiam, ‘Nao gorjeiam como li, [Nosso eéu tem mais estrelas, Nossas virzeas tem mais flores, Nossos bosques tem mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, & noite, Mais prazer encontro cu Ié; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabid Minha terra tem primores, Que tais nfo encontro eu ea; Em cismar - sozinho, & noit Mais prazer encontro eu I Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabié, Nao permita Deus que ex morra, jem que eu volte para Ii; ‘Sem que desfrute os primos Que ndo encontro por ed; Sem qurinda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabié, Coimbra - Julho 1843, O Canto do Guerreiro 1 Agui na floresta Dos ventos batida, Faganhas de bravos Nao geram eseravos, Que estimem a Sem guerra e lidar: = Ouvi-me, Guerteiros. = Ouvi meu cantar, u Valente na guerra Quem hé, como eu sou? Quem vibra 0 tacape Com mais valentia? Quem golpes daria Fatais, como eu dou? ~ Guerreiros, ouvi-me; = Quem hi, como eu sou? m Quem guia nos ares A frecha imprumada, Ferindo uma presa, ‘Com tanta certeza, Na altura arrojada Onde eu a mandar? = Guerreiros, ouvi-me, = Oavi meu cantar, Vv ‘Quem tantos imigos [Em guerras preou? Quem canta seus feitos Com mais energia? Quem golpes daria Fatais, como eu dou? = Guerreitos, ouvi-me: = Quem hi, como eu sou? v ‘Na caga ou na lide, Quem hé que me afronte?! A onga raivosa ‘Meus passos conhece, © imigo estremece, Eaave medrosa Se esconde no eéu, = Quem ha mais valente, = Mais destro do que eu? VL Se as matas estrujo Co os sons do Bors, Mil arcos se encurvam, Mil setas lé voam, Mil gritos reboam, Mil homens de pé Eis surgem, respondem ‘Aos sons do Boré! = Quem é mais valente, = Mais forte quem & vu Lé vio pelas matas; Nao fazem ruido: © vento gemendo E as malas tremendo Eo triste carpido Duma ave a cantar, Siio eles - gucrrciros, Que fago avancar, vit E 0 Piaga se ruge No seu Maracé, A morte ld paira Nos ares trechados, Os campos juncados De mortas sho ja Mil homens viveram, Mil homens sio la 1x E entio se de novo Eu toco 0 Bore; Qual fonte que salta De rocha empinada, Que vai marulhosa, Fremente e queixosa, Que a raiva apagada De todo nio é, Tal eles se escoam, Ags sons do Boré = Guerreiros, dizei-me, = Tio forte quem 6? O Canto do Piaga 1 © GUERREIROS da Taba sagrada, © Guerreiros da Tribu Tupi, Falam Deuses nos cantos do Piaga, © Guerreiros, meus cantos ouvi. Esta noite - era @ Tua ja morta - Anhanga me vedava sonar, Eis na horrivel eaverna, que habito, Rouea voz comegou-me a chamat, Abro os olhos, inguieto, medroso, Manités! que prodigios que vil Arde o pau de resina fumosa, ‘Nilo fui eu, ndo fui cu, que o acendi! Eis rebenta a meus pés um fantasma, Um fantasma dimensa extensio; Liso crinio repousa a meu lado, Feia cobra se enrosca no chio. (© meu sangue gelou-se nas veias, Todo inteiro - ossos, cares tremi, Frio horror me coou pelos membros, Frio vento no rosto sent. a feo, medonho, tremendo, 6 Guerreiros, o espectro que eu vi Falam Deuses nos cantos do Piaga, 6 Guerreiro, meus cantos oui " Por que dormes, © Piaga divino? Comesou-me a Visio a falar, Por que dormes? © sacro instrumento De per si ja comega a vibra Tu nio viste nos egus um negrume Toda a face do sol ofuscar; Nao ouviste a coruja, de dia, ‘Seus estridulos torva soltar? Tu nao viste dos bosques a coma ‘Sem aragem - vergar-se e gemer, ‘Nema lua de fogo entre nuvens, Qual em vestes de sangue, nascer? B tu dormes, 6 Piaga divino! E Anhanga te proibe sonhar! E tu dormes, 6 Piaga, e nio sabes, E no podes augirios cantar?! uve 0 anincio do horrendo Fantasma, Ouve os sons do fil Maracé; Manits jfugiram da Taba! 6 ddesgragat © ruinal © Tupat uw PPelas ondas do mar sem limites Basta selva, sem folhas, i vem; Hartos troncos, robustos, gigantes; Vossas matas tais monstros contém. ‘Traz embira dos cimos pendente - Brena espessa de virio cipé ~ Dessas brenhas contém vossas matas, Tais e quais, mas com folhas; & so! Negro monstro 0s sustenta por baixo, [Braneas asas abrindo ao tuto, ‘Como um bando de céndidas gargas, Que nos ares pairando - lé vio. (Oh! quem foi das entranhas das éguas, © marinho arcabougo arrancar? ‘Nossas terras demands, farcja Esse monstro... © que vem e& busear? Nilo sabeis o que © monstro procura? ‘Nao sabeis a que vem, o que quer? ‘Vem matar vossos bravos guerreiros, Vem roubar-vos a filha, a mulher! Vem trazer-vos erueza, impiedade - ons eruéis do eruel Anbanga; ‘Vem quebrar-vos a maga valente, Profanar Manitos, Maracés. ‘Vom trazer-vos algemas pesadas, Com que a tribu Tupi vai gemer; Hio-de os velhos servirem de escravos Mesmo o Piaga inda escravo hi de ser? Fugireis procurando um asilo, Triste asilo por invio sertdo; Anhangé de prazer hi de rit-se, Vendo 0$ vossos quiio poucos serio, Vossos Deuses, 6 Piaga, conjura, Susta as iras do fero Anfang Manitis ja ugiram da Taba, 6 desgraga! 6 rina!! 6 Tupat! O Canto do indio Quando o sol vai dentro d’dgua Seus ardores sepultar, Quando os passaros nos bosques Principiam a trinar; Eua vi, que se banhava, Era bela, 6 Deuses, bela, Como a fonte eristalina, Como luz de meiga estrela, 6 Virgem, Viet dos Cristios formosa, Porque eu te vsse assim, como te via, Caleara agros espinhos sem queixar-me, (Que antes me deta por feliz de verte. (© tacape fatal em terra estranha Sobre mim sem temor veria erguido; Dessem-me a mim somente ver teu rasto Nas dguas, como a lua, retratado. Eis que os scus loiros cabelos Pelas aguas se expalhavar, Pelas aguas, que de vé-los ‘Tio loiros se enamoravam, la erguia 0 colo ebirneo, Por que melhor os colhesse; Niveo ealo, quem te visse, Que de amores ndo morresse! Passara a vida inteira a contemplate, 6 Virgem, loza Vigom tio formoss, Sem que dos meus irmaos ouvise o canto, Sem que o som do Boré que incita a guerra Me infiltrasseo valor que r"has roubado, 6 Virgem, loira Vingem tio formosa. As vezes, quando um sorriso 0s labios seus entreabria, Bra bela, oh! mais que a aurora Quando a raiar prineipia, Outea ver - dentre os seus labios ‘Uma voz se desprendia; Tema voz, cheia de encantos, Que eu entender nao podia Que importa? Esse falar deixou-me n’alma Sentir d'amores tio serene ¢ fundo, Que a vida me prendeu, vontade ¢ forga Ah! que no queiras tu viver comigo, © Virgem dos Cristios, Virgem formosa! Sobre a areia, j& mais tarde, Bla surgiu toda nua; Onde hd, 6 Virgem, na terra Formosuta como a tua!? Bem como gotas de orvalho Nas folhas de flor mimosa, Do seu corpo a onda em fios Se deslizava amorosa, Ah! que nfo queiras tu vir ser rainba Aqui dos meus irmios, qual sou rei deles! Escuta, 6 Virgem dos Cristis formosa, Odeio tanto aos teus, como te adoro; ‘Mas queiras tu ser minha, que eu prometo Veneer por teu amor meu édio antigo, ‘Trocar a maga de poder por feros BE ser, por te gozar, eserave deles, Caxias Quanto és bela, 6 Caxias! - no deserto, Entre montanhas, derramada em vale De flores perenais, fs qual ténue vapor que a brisa espalha ‘No frescor da manh’ meiga soprando A flor de manso lago. Tu 6s a flor que despontaste livre Por entre os troncos de robustos eedros, Forte - em gleba inculta; Is qual guzela, que o deserto educa, No ardor da sesta debrusada exangue A margem da corrente Em mole seda as grayas ndo escondes Nao cinges doi afronte que descansas Na base da montanha: Es bela como a vrgem das lorestas, Que no espelho das aguas se contempla, Firmada em tronco anoso Mas dia inda viré, em que te pejes Dos, que ora trajas, simplices omatos E amivel desalinho: Da pompa e luxo amiga, hio de cairte AAos pés entdo - da poesia a e'roa E da inocéneia o eine, Deprecagio Tupd, 6 Deus grande! cobriste 0 teu rosto Com denso velimen de penas gents; E jazem teus filhos clamando vinganga Dos bens que thes deste da perda infeli2! Tupa, 6 Deus grande! teu rosto descobree: Bastante sofremos com tua vinganga! 44 lagrimas tristes choraram teus filhos ‘Teus filhos que choram tio grande mudanga. Anhangé impiedoso nos trouxe de longe Os homens que o raio manejam cruentos, Que vivem sem patria, que vagam sem tino ‘Tras do ouro correndo, voraces, sedentos. B a terra em que pisam, ¢ os campos ¢ os rios Que assaltam, so nossos; tu és nosso Deus Por que Ihes concedes tio alta pujanga, Se 0s raios de morte, que vibram, slo teus? Tupa, 6 Deus grande! cobriste o teu rosto ‘Com denso velimen de penas gents; E jazem teus filhos clamando vinganga ‘Dos bens que les deste da perda infeliz ‘Tus filhos valentes, temidos na guerra, No albor da manhi quit fortes que os vi! A morte pousava nas plumas da frecha, ‘No gume da maya, no arco Tupi! E hoje em que apenas a enchente do rio ‘Com vezes hei visto crescer ¢ baixar. ‘i restam bem poucos dos teus, qu’inda possam Dos seus, que ja dormem, os os80s levar, ‘Teus filhos valentes causavam terror, ‘Teus filhos enchiam as bordas do mar, As ondas coalhavam de estreitas igaras, De fechas eobrindo os espagos do at. Hi hoje ndo cagam nas matas frondosas A cotga ligeira, o trombudo quati ‘A morte pousava nas plumas da frecha, ‘No gume da maya, no arco Tupi! © Piaga nos disse que breve seria, A que nos infliges eruel punigio; E os teus inda vagam por serras, por vales, Buscando um asilo por invio sertio! ‘Tupi, 6 Deus grande! deseobre o teu rosto: [Bastante sofremos com tua vinganga! 4H lagrimas tristes choraram seus filhos, Teus filhos que choram to grande tardanga. Descobre o teu rosto, ressurjam os braves, Que eu vi combatendo no albor da manhi; Conheyam-te os fetos, confessem vencidos Que és grande e te vingas, qu’és Deus, 6 Tupai! O Soldado Espanhol © cu era azul, tio meigo e tio brando, A terra tdo erma, tio quicta ¢ saudosa, Que @ mente exultava, mais Tonge eseutando © mar a quebrar-se na praia arenosa, © eéu era azul, ena cor semilhava Vestide sem nédoa de pura donzela; E a terra era a noiva que bem se arreava De flores, matizes; mas varia, mas bela, Ela era brilhante, Qual raio do sol; E ele arrogante, De sangue espanhol. Eo espanol muito amava A vingem mimosa ¢ bela; Ela amante, Dos amores da donzela; Ele tao nobre e folgando De chamar-se eseravo dela! e zeloso E ele disse: - Vés 0 c€u? - E ela disse: - Vejo. sim; Mais polido que o polido Do meu véu azul cetim. - Toma-Ihe ele... (oh! quanto é doce Passar-se uma noite assim!) Por entre os vidros pintados D'igreja antiga, a luzir ‘Ni vés luz? - Vejo, - E nfo se De a veres, meigo sentir? = E doce ver entre as sombras A luz do templo a luzir! - Eo mar, além, preguigoso Nao vés tu em calmatia? Un soldat au dur visage v. Hugo Ob! qui révetera les roubles, les mystéres Que ressentent d’abord deux amants solitaires Dans l'abandon d'un chaste amour? — Amour et Foi = E belo o mar; porém sinto, 6 de o ver, melancolia Que mais o teu rosto enfeita Que um sorriso de alegria, - E eu tio bem acho em ser triste Do que alegre, mais prazer; Sou triste, quando em ti penso, Que s6 me falta morrer; Mesmo a tua vor saudosa ‘Vern minha alma entristecer. = Feu sou feliz, como agora, Quando me falas assim; Sou feliz quando se riem 3s labios teus de carmim: Quando dizes que me, adoras, Eu sinto © céu dentro em mim. - Bs tu s6 meu Deus, meu tudo, 8s tu s6 meu puro amar, Bs tu 88 que o pranto podes Dos meus olhos enxugar. - Com ela repete 0 amante: ~ Fs tu s6 meu puro amar! - Bo eéu era azul, tdo meigo e tio brando Ea terra to erma, to $6, tao saudosa, Que a mente exultava, mais longe eseutando © mar a quebrar-se na praia arenosa! uw Eo espanhol viril, nobre e formosa, No bandolim Seus amores dizia mavioso, Cantando asst ““¥4 me vou por mar em fora Daqui longe « mover guerra, Hime vou, deixando tudo, ‘Meus amores, minha terra Jé me vou lidar em guerras, Vou-me a india ocidental; Hei de ter novos amores. De guerras.. no temas al “Nao chores, no, tdo eoitada, Ainsi done aujourd'hui, demain, aprés encore, 1 faudra voir sans tal naitre et mourir laurore! —V. Hugo Nao chores por teu deixar, Nao chores, que assim me custa, © pranto meu softear ‘Nao chores! - sou como o Cid Partindo para a campanba: ‘io ceifarei tantos louros, Mas terei pena tamanha.” E a amante que assim 0 via Partir-se tao desditoso, = Vai, mas volta; the dizia: Volta, sim, vitorioso, “Como o Cid, oh! crua sorte Nao me vou nesta campanha, ne, Porém sim contra os d’Espanha! Guerrear contra 0 crese ‘Nao me aterram; porém sinto Cerrar-se © meu coracio, Sinto deixar-te, meu anjo, Meu prazer, minha afeigao, “Como é doce o romper d’alva, E-me doce o teu sort, Doce e puro, qual d'estrela De noite - o meigo Iuzit. fram meus teus pensamentos, Teu prazer minha alegria, Doirada fonte d’encantos, Fonte da minha poesia, Tonge, ¢ © peito levo Rasgado de acerba dor, Mas comigo vio teus votos, Teus encantos, eu amor! “Fé me vou lidar em guerras, Vou-me a india ocidental; Hei de ter novos amores, De guerras... no temas al.” Esta era a cangdo que acompanhava No bandolim, 'o triste, que de triste no chorava Dizendo assim © Conde dew o sina da pertida ~ A cagal meus ainigo. — Burger “-Quero, pajens, selado o ginete, Quero em punho nebris ¢ falco, (Qu’é promessa de grande cagada Fresca aurora d’amigo vero, “Quero tudo luzindo, brilhante = Curta espada e venab’lo e punhal, aes ¢ galgos farejem diante Leve odor de sanfiudo animal “E ai do gamo que eu vir na coutada, Corsa, onagro, que eu primo avistar! Que o venablo nos ares voando Lhe ha de o salto no meio quebrar, ia, avante! - Dizia folgando 0 fidalgo mancebo, lougio: + Bia, avante? - e jé todos galopam ‘Tras do mogo, soberbo infangao. E partem, qual do arco arranca e voa Nos amplos ares, mais veloz que a vista, ‘A pliimea seta da entesada corda, Longe o eco reboa: - jé mis fraco, Mais fraco ainda, pelos ares voa, Dos edes dibio o latir se eseuta apenas, Dos ginetes tropel, rinchar distante Que em lufadas o vento traz por vezes. ‘4 som nenhum se escuta... Qué? - latido De cies, incerto, ao longe? Nao, foi vento Na torre casteld batendo acaso, \Nas seteiras acaso sibilando Do castelo feudal, deserto agora, Vv Ji 0 sol se escondeu; cobre a terra Belo manto de frouxo luar; E o gincte, que esporas atracam, Nitre e corre sem nunca parar a coutada nas invias ramagens ‘Vai sozinho 0 maneebo infangio; Vai sozinko, afanoso trotando Sem temores, sem pajens, sem edo. Vois, & Phorizon ‘Aucune maison? = Aucune. —V. Hugo Companheiras da caga hé perdido, HG perdido no aceso cagar; Ha perdido, ¢ ndo sente receio De sozinho, nas sombras trotar. Como ebiirneo embocou muitas vezes, Muitas vezes de si deu sinal; Bebe atento a resposta, e no ouve Outro som responder-Ihe; inda mal! E o ginete que esporas atracam, Nive e corre sem nunca parar; Ho sol se escondeu, cobre a terra Belo manto de frouxo luar cio grato da noite Quebram sons duma cangao, Que vai dos labios do um anjo Do que escata a0 corso Dizia a letra mimosa Saudades de muito amar; E 0 infangio enleiado Atento, pés-se a escutar, Tra eneantos vor tio doce, Incentivo essa ternura, Gerava delicias n’alma Sonhar d°havé-la a ventura Queixosa cantava a esposa Do guerreiro que partiu, Largos anos sio passados, Missiva dele nfo viv, Parout... escutando ao perto Responder-Ihe outra cangio! Era terna a.voz que ouvia, Lisonjeira - do infangao: “Tenho eastelo soberbo Num monte, que beija um ri De terras tenho no Doiro Jeiras cem de lavradio; De rosée Arrosé La rose a moins de fraicheur, — Henrique 1V “Teno lindas haguensias, ‘Tenho pajens e matilha, ‘Tenho os milhores ginetes Dos ginetes de Sevilha; “Teno punhal, tenho espada D’alfageme alta feitura, ‘Tenho langa, tenho adaga, ‘Tenho complete armadura, “Tenho fragatas que cingem Dos meres a linfa clara, Que vio preiando piratas elas rochas de Megara. “Dou-te o eastelo soberbo B as terras do fértil Doito, Dou-te ginetes e pajens Ba espada de pome d'oiro, “Dera @ completa armadura 0s meus barcos d’alto-mar, Que nas rochas de Megara ‘Vio piratas cativar. “Fala de amores teu canto, Fala de acesa paixao. Ab! senhora, quem tivera Dos agrados teus condo! “Eu sou mancebo, sou Nobre, Sou nobre moo infangéo: Assim podesse o meu canto AAlgemar-e 0 cora530, 6 Dona, que eu dera tudo Por wencer-e ess isengdo! Atenta escutava a esposa Do guerreiro que partiu, argos anos sio passados, Missiva dele nio viu; Mas da Tetra que escutava Delicias n’alma sent, ML Situ voulais, Madeleine, Je te feras chatelaine; Je suis le comte Roger: ~ Quitte pour moi ces chaumiéres, ‘A moins que tu me préferes Que je me fesse berger. —V. Hugo E noutra noite saudoso Bem junto dela sentado, Cantava brandas endechas © gardingo namorado. “Carego de ti, meu anjo, Carego do teu amor, Como da gota d’orvalho Carece no prado a flor “Prazeres que eu nem sonhava Teu amor me fez gozar; Ab! que ndo queiras, senhora, Minha dita rematar 0 teu marido & jé morta, Noticia dele nao so3; Pois desta gente guerreira Bastos ceifa a morte & toa “Ventura me fora ver-te [Nos libios teus um sorriso, Delicias me fora amar-te, Gozar-te meu paraiso, Sinto afligdo, quando choras; ete rs, sinto prazer; Se te ausentas, fico triste, Que s6 me falta morre ‘Careco de ti, meu anjo, Carego do teu amor, Como da gota d'orvalho Carece no prado a flor” vi Era noite hibernal; girava dentro a casa do guerreiro 0 riso, a danga, E reflexos de luz, ¢ sons, ¢ vozes, E delete e prazer: ¢ fora a chuva, A escuridio, a tempestade, e 0 vento, Rugindo solto, indémito e terivel Entre o negror do céu e o horror da terra, Lépoux, dont nul ne se souvient, Vient: IL va punir ta vie infime, Femme! —V. Hugo Na geral confusio os oéus e a terra Horrenda simpatia alimentavam, Ferve dentro o prazer, reina 0 sorriso, E fora a tertar, fria, medonha, Marcha a vinganga pressurosa ¢ torva: ‘Traz na destra © punhal, no peito a raiva, Nas faces palidez, nos olhos morte © infangdo extremoso enchia rasa A taga de licor mimoso e velha, Da usanga ao brinde convidando a todos [Em honra da esposada: - A noiva! exclama, Ea porta range e cede, e franca e livre Introduz.o tufdo, e um vulto assoma Altivo e colossal. - Fm honra, brada, Do esposo deslembrado! - e a taga empunha, ‘Mas antes que o licor chegasse aos lébios, Desmaiada e por terra jaz a esposa, Ba destra do infangdo manejo ferro, Por que tio grande afronta lave © sangue, Pouco, bem pouco para injiria tanta Debalde o fez, que Ihe golfeja o sangue D’ampla ferida no sinistro lado, E ao pé da esposa o assassino surge Co’o sangrento punhal na destra algado A flor purpirea que matiza 0 prado, ‘Se o vento da manhi the entorna o célix, Perde aroma talvez; porém mais belo Colorido the ver do sol nos raios. As fagueiras feigdes daquele rosto ‘Assim foram tdo bem; no foi do tempo Fatal o perpassar ds faces lindas. Nota-the ele as feigdes, nota-the os labios, Os curtos labios que Ihe deram vida, Longa vida de amor em longos beij, Qual jamais no provou; ¢ as iras todas Dos zelos vingadores descansaram No peito de softer cansado e cheio, Cheio qual na praia fica a esponja, Quando a vaga do mar passou sobre ela, Num relance fugiv, minaz no vulto: Como o raio que luz um breve instante, Sobre a terra baixou, deixando a mort. Poesias diversas A Leviana fs engragada e formosa Como a rosa, Como a rosa em més d”Abril; Es como a nuvem doirada Destizada, Deslizada em céus d'anil Tu és varia e melindrosa, Qual formosa Borboleta num jardim, Que as flores todas afaga, E divaga Em devaneio sem fim, s pura, como uma estrela Doce e bela, Que treme incerta no mar: Mostras nos olhos tua alma Terna e calma, Como a luz dalmo Tuas, Tuas formas tdo donosas, Tao airosas, Formas da terra no sio; Pareces anjo formoso, Vaporoso, ‘Vindo da etérea mansio. Assim, beijarte reecio, Contra o seio Eu tremo de te apertar: Pois me parece que um beijo Esobejo Para o teu corpo quebrat. Mas niio digas que és s6 minha! Passa asina A vida, como a ventura; Que te no vejam brincando, E folgando Sobre a minha sepultura Souvent femme varie, Bien fol est quis'y fi. — Francisco | ‘Tal os sepuleros colora Bela aurora De fulgores radiante; Tal a vaga mariposa Brinea e pousa Dum cadiver no semblaate, A Minha Musa Minha Musa nio & como ninfa Que se eleva das iguas - gentil - Co'um sortiso nos labios mimosos, ‘Com requebros, com ar senor Nem the pousa nas faces redondas Dos fagueiros anelos a cor; Nesta terra ndo tem uma esp'ranga, Nesta terra nfo tem um amor. ‘Como fada de meigos encantos, [Nao habita um palicio encantado, Quer em meio de matas sombrias, Quer & beira do mar levantado, io tem ela uma senda florida, De perfumes, de flores bem cheia, Onde vague com passos incertos, Quando 0 céu de luzeiros se arreia Nio & como a de Horécio @ minha Musa; Nos soberbos alpendres dos Senhiores Nao é que ela reside; ‘Ao banguete do grande em lauta mess, Onde gira 0 falemo em tagas d’oiro, Nao & que ela preside. Ela ama a solidio, ama o silencio, ‘Ama o prado florido, a selva umbrosa E da rola o carpi. Bla ama a viragdo da tarde amena, Gratia, Musa, tibi; nam tu solattia praebes. — vidio © sussurro das 4guas, os acentos De profundo sentir D’Anacreonte o genio prazenteiro, Que de flores cingia a fronte calva Em brilhante festim, Tomando inspiragées & doce amada, Que leda Ih’enflorava a ebtimea lira; De que me serve, a mim? anges que a turba nutre, inspira, exalta [Nas cordas magoadas me nio pousam Da lira de marfim, Correm meus dias, lacrimosos, trstes, Como a noite que estende as negras asas Por oéu negro e sem fim, £ triste a minha Musa, como 6 triste © sincero verter d’amargo pranto D'6rfa singela; E triste como o som que a brisa espalha, Que cicia nas folhas do arvoredo Por noite bela, FE triste como 0 som que o sino ao longe Vai perder na extensio d’ameno prado Da tarde no cair, Quando nasce o siléncio involto em trevas, Quando os astros derramam sobre a terra Merencério luz. Ela entdo, sem destino, erra por vales, Ema por altos montes, onde a enxada Fundo e fund cavou; E para; perto, jovial pastora Cantando passa - ¢ cla cisma ainda Depois que esta passou Além - da choga humilde s’ergue 0 fumo Que em risonha espiral se eleva as nuvens Da noite fe 08 vapores; Muge solto 0 rebanho; ¢ lento 0 passo, Cantando em voz sonora, porém baixa, ‘Vem andando os pastores. Outras vezes também, no cemitério, Incerta volve o passo, soletrando Recordagdes da vida; ‘Roga o negro cipreste, calea o musgo, Que o tempo fez brotar por entre as fendas Da pedra carcomid Entdo corre © meu pranto muito € muito Sobre as timidas cordas da minha Harpa, Que niio ressoam; Nao choro os mortos, ndo; choro os meus dias Tao sentidos, tio longos, tio amargos, (Que em vio se escoam, Nesse pobre cemitério (Quem jé me dera um lugar! Esta vida mal vivida (Quem jé ma dera acabar! ‘Tenho inveja ao pegurciro, Da pastora invejo a vida, Invejo 0 sono dos mortos Sob a laje carcomida. Se qual pegio tormentoso, © sopro da desventure Vai bater potente a porta De sumida sepultura Uma vor nao the responde, [Nao Ihe responde um gemido, Nao lhe responde uma prece Um ai - do peito sentido. Hi nfo tém vor com que falem, 4 nao tém que padecer; No passar da vida & morte Foi seu extremo sofrer. Que thYimporta a desventura? la passou, qual gemido Da brisa em meio da mata De verde aleerim florido, ‘Quem me dera ser como eles! Quem me dera descansar! ‘Nesse pobre cemitério Quem me dera © meu lugar, E coos sons das Harpas d'anjos Da minha Harpa os sons casa! Desejo Ah! que eu no morra sem provar, ao menos ‘Sequer por um instante, nesta vida Amor Dé, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre Um anjo, uma mulher, uma obra tua, ual ao meu! E poi morir. — Metastisio Que sinta o meu sentir; Uma alma que me entenda, irmé da minha, Que escute © meu siléneio, que me siga Dos ares na amplidio! Que em laco estreito unidas, juntas, prosas, Deixando a terza ¢ o lodo, aos céus remontem ‘Num éxtase de amor! Seus Olhos Seus olhos to negros, to belos, to puros, De vivo luzir, Estrelas incertas, que as éguas dormentes Do mar vio ferir; Seus olhos tio negros, do belos, to puros, Pém meiga expressio, Mais doce que a brisa, - mais doce que o nauta De noite cantando, - mais doce que a frauta Quebrando a solidio. Seus olhos to negros, to belos, tio puros, De vivo luzir, ‘So meigos infantes, gentis, engragados Brincando a sorrit ‘So meigos infantes, brincando, saltando Em jogo infantil, Inguietos, travessos; - causando tormento, Com beijos nos pagam a dor de um momento, Com modo gent Seus olhos tio negros, to belos, tio puros, Assim é que sio; As vezes luzindo, serenos, trangiilos, As vezes vuleio! As vezes, ob! sim, derramam tio frac Tio frouxo brilhar, Que a mim me parece que o ar Ihes falece, E os olhos tio meigos, que o pranto umedece Me fazem chorat. Ob! rouvre tes grands yeux, dont la paupiére tremble, ‘Tes yeux pleins de langueur; Leur regard est si beau quand nous sommes ensemble! Rouvre-les; ce regard manque a ma vie, il semble ‘Que tu fermes ton coeur. —Turquety Assim lindo infante, que dorme trangiilo, Desperta a chorar;, E mudo e sisudo, cismando mil coisas, Nao pensa - a pensar, Nas almas tio puras da virgem, do infante, As-vezes do céa Cai doce harmonia duma Harpa celeste, Um vago desejo; ¢ a mente se veste De pranto co’um vei Quer sejam saudades, quer sejam desejos Da patria melhor; [Eu amo seus olhos que choram sem causa ‘Um pranto sem dor. Eu amo seus olhos tio negros, tdo puros, De vivo fulgor, ‘Seus olhos que exprimem tio doce harmonia, Que falam de amores com tanta poesia Com tanto pudor, ‘Seus olhas to negros, tio belos, tio puros, Assim & que si; Bu amo esses olhos que falam de amores Com tanta paixdo, Tnocéncia 6 meu anjo, vem comrendo, Vem tremendo Langar-te ns bragos meus Vem depress, que a lembranca Da tardanga Me aviva a rigores teu Do teu ros De earmim Tinge um nada a cor mimosa; F belo o pudor, mas choro, B deploro Que assim sejas medrosa, qual marfim, Por inocente tens medo De tio cedo, Sans nommer le nom qu'il faut bénir et tare —S. Bewve De tio cedo ter amor; Mas sabe que a formosura Pouco dura, Pouco dura, como a flor Come a vida pressurosa, Como a rosa na corrente, Amanha ters amor? Come a flor, Come a flor fenece a gente. Hoje ainda és tu donzela Pura e bela, Cheia de meigo pudor; Amani menos ardente De repente Talvez sintas meu amor Pedido Ontem no baile ‘Nao me atendias! Nao me atendias, Quando eu falava, ‘De mim bem longe Teu pensamento!! Tew pensamento, Bem longe errava. Eu vi teus olhos Sobre outros olhos! Sobre outros olhos, Que eu odiava. Tu he sorriste Com tal sorriso! Com tal sortiso, Que apunbalava, Tu Ihe falaste Com vor tio doce? Com vor tio doce, Que me matava, Ob! nao the fales, Nao the sortias, Se entio s6 qu'rias Exp'rimentar-me. ‘Oh! ndo Ihe fales, Nao the sortias, Nao the sorts, Que eta matar-me. © Desengano JA VIGILIAS passci namorado, Doces horas d’ins6nia passei, ‘Hi meus olhos, d’amor fascinado, [Em ver s6 meu amor empreguel ‘Meu amor era puro, extremoso, Era amor que meu peito sentia, Bram lavas de um fago teimoso, Bram notas de meiga harmonia, Harmonia era ouvir sua voz, ra ver seu sortiso harmonia; Eos seus modos e gestos e ditos Eram graces, perfume ¢ magia. Bo que era o teu amor, que me embalava Mais do que meigos sons de meiga lira? Um dia 0 deciffou - no mais que um dia Fingimento e mentiral ‘Tio belo 0 nosso amor! - foi s6 de um dia, Como uma flor. Por que tdo cedo o talisma quebraste Do nosso amor? Por que num sé instante assim partiste Essa anosa cadeia? De bom grado a sofieste! essa lembranga Inda hoje me recreia. Quio insensato fui! - busquei firmeza, Qual em ondas de arcia movediga, Na mulher, - no achei E da esp’ranga, que eu via tio donosa Sorrir dentro em minha alma, as longas asas Doido e néscio cortei! E tu vas eaprichosa prosseguindo Essa esteira de amor, que julgas cheia De flores bem gents Podes ir, que os meus olhos te ndo vejam; Longe, longe de mim, mas que em minha alma Eu sinta qu’és feliz Podes ir, que & desfeito 0 nosso lago, Podes ir, que o teu nome nos meus lébios ‘Nunca mais soaril Sim, vais - mas este amor que me atormenta, Que to grato me foi, que me & to duro, Comigo morrerst Tio belo o nosso amor! - foi sé de um dia Como ume flor! (Ob! que bem code o talisma quebraste Do nosso amor! Minha Vida e meus Amores QUANDO, no albor da vida, fascinado Com tanta luz ¢ brilho © pompa ¢ galas, Vi o mundo sorrir-me esperangoso: = Meu Deus, disse entre mim, oh! quanto é doce. Quanto é bela esta vida assim vivida! - Agora, logo, aqui, além, notando Uma peda, uma flor, uma lindeza, Um seixo da corrente, uma conchinha A beira-mar cothida! Foi esta a inflneia minha; a juventude Falou-me ao coragdo: - amemos, disse, Porque amar é viver. E esta era linda, como ¢ linda a aurora No fresco da manhi tingindo as nuvens De résea cor fagueira; Aquela tinha um qué de anelos meigos Artifice sublim Feiticciro sorrir dos Isbios dela Prendeu-me o coragio; -julguei-o ao menos, Aquela outra sorria tristemente, Como um anjo no exilio, ou como o eax De flor pendida e murcha e jé sem brilho, Humilde flor to bela e do cheirosa, No seu deserto perfumando os ventos, = Eu morrera feliz, dizia eu alma, e pudesse enxertar uma esperanga ‘Mon Dieu, fais que je puisse aimer! —S. Bewve Naguela alma tio pura e to formosa, E um alegre sorrir nos labios dela. ‘A fugaz borboleta as flores todas Blege, eliba e uma e outta, efoge ‘Sempre em novos amores enlevada: Neste meu paraiso fui como ela, Inconstante vagando em mar de amores, © amor sincero ¢ fundo e firme e eterno, ‘Como o mar em bonanga meigo e doce, Do temple como a luz perene e santo, io, nunca o senti; - somente o vigo ‘Tio forte dos meus anos, por amores ‘Tio ficeis quanto indi'nos fui tocando, Quanto fui louco, 6 Deus! - Em yer do fruto Sazonado e maduro, que eu podia Como em jardim colher, mordi no fruto aitrido e amargo e rebugado em cinzas, ‘Como infante glutio, que se nio senta A mesa de seus pais Da, meu Deus, que eu posse amar, Da que eu sinta uma paixao, ‘Toma-me virgem minha alma, E virgem meu coragio. ‘Um dia, em qu'eu sentei-me junto dela, Sua voz murmurou nos meus ouvidos, = Eu te amo? - © anjo, que ndo possa eu erer-te! Ela, certo, ndo é muller que vive [Nas fezes da desonra, em cujos labios ‘S6 memtira e traigdo eterno habitam, Tem uma alma inocente, um rosto belo, E amor nos olhos. ..- mas nio posso cré-a Da, meu Deus, que cu posse amar, Da que eu sinta uma paixio; ‘Toma-me virgem minha alma, E virgem meu coragio. Outra ver que Ié fui, que a vi, que a medo ‘Tema vor Ihe escutei: - Sonhei contigo! - Inefivel prazer banhou meu peito, Senti delicias; mas a s6s comigo ensei - talvez! - e jé ndo pude eré-la, Ela tio meiga e tio cheia de encanto: la tio nova, tdo pura e tio bela. Amar-me! - Eu que sou? Meus olhos enxergam, em quanto duvida Minha alma sem crenca, de forge exauride, i farta da vida, Que amor nie doirou. Mau grado meu, erer nio posso, ‘Mau grado meu que assim é Sem no amor ter erenga e £8? Antes vai colar teu rosto, Colar teu seio nevado Contra o rosto mudo e fri, Contra o seio dum finado, Ou suplica a Deus comigo Que me dé uma paixio; Que me d8 erenga & minha alma, E vida a0 meu coragio, Recordagaio Quando em meu peito as afligdes rebentam Eivadas de softer acerbo e duro; Quando a desgraga o coragdo me arrocha Em circulos de ferro, com tal forga, Que dele o sangue em borbotses golfeja; Quando minha alma de sofrer cansada, Bem que afeita a softer, sequer nio pode lamar: Senhor piedade; - ¢ que os meus olhos Rebeldes, uma lgrima ndo vertem Do mar d’angistias que meu peito oprime: Volvo aos instantes de ventura, © penso Que a s6s contigo, em pratica serena, Methor futuro me augurava, as doces Palavras tuas, sSfregos, atentos Sorvendo meus ouvidos, - nos teus alhos Lendo os meus olhos tanto amor, que a vida Longa, bem longa, nlo bastara ainda Porque de os ver me saciasse... O pranto Entdo dos olhos meus corre espontineo, Que no mais te verei. - Em tal pensando De martirios calar sinto em meu peito Tao grande plenitude, que a minha alma Sente amargo prazer de quanto sofie. Nessun maggior dolore, —Dante Tristeza Que eda noite! - Este ar embalsamado, Este siéneio harménico da tere Que screno prazern’alma cansada io espreme, nio fila, no difunde? {A brisa I sussura na fothagem Drespessas mata, dérvoresrobustas, Que velam sempre e sé, que a Deus elevam Misterioso coro, que do Bardo ‘A crenga quase mora ina alim esta a hora magica de encantos, Hora ¢’inspiragdes dos céus dscidas, Que om delirio de amor aos céus emontam, a, ‘Aqui da vida as listimas infindas, Do mirrado egoismo # voz ruidosa ‘Nao chegam; nem solugos, risos,festas, - Hilaridade vi de turba incauta, Néscia de ruim futuro; ou queixa amarga De deerépito velho, enfermo, exangue, Nem do mancebo os ais doides, preso ‘Ao leito do sofier na flor da vida. Aqui teina o siléncio, 0 religioso, ‘Momo sossego, que povoa as ruinas, Eo mausoléu soberbo, carcomido, Eo templo majestoso, em cuja nave Suspira ainda a nota maviosa, (© derradeiro arfar d’érgio solene, Em puro eéu @ lua resplandece, Melancélica e pura, simelhando Gentil viéva que pranteia 0 extinto, belo esposo amado, ¢ vem de noite, Vivendo pelo amor, mau grado a morte, Ferventes oragbes chorar sobre ele Eu amo o céu assim, sem uma estrela, ‘Azul som mancha, - a lua equilibrada ‘Num céu de nuvens, eo fiescor da tarde, B o siléncio da noite adormecida, (Que imagens vagas de prazer desenha. Amo tudo 0 que dé no peito ¢ n’alma ‘Tréguas ao recordar, tréguas a0 pranto, A v'eméneia da dor, & pertindcia TTenaz e acerba de erusis lembrangas; Amo estar s6 com Deus, porque nos homens ‘Achar nio pude amor, nem pude ao menos ‘inal de compaixdo achar entre eles, ‘Menti ~ um inda achei; mas este em écio Feliz descansa agora, enquanto aos ventos E ao eru furor das verde-negras ondas Da minha vida a barea aventureira Insano confiei; em céu diverso Luzem com luz diversa estrlas d'ambos. Ail triste, que houve tempo em que eu julgava ‘As duas uma s6,- c’e mesmo brilho Uma ¢ outra nos ous meigas brilhavam! Hoje cintla a dele, enquanto a minha Entre nuvens, sem Tuz, se perde agora, Meu Deus, foi bom assim! No imenso pego Mais uma gota d’amargor que importa? Que importa o fel na taga do absinto, (Ou uma dor de mais onde outras reinam? O Trovador Numa terra antigamente Existia um Trovador; Na Lira sua inocente 6 cantava o sou amor. ‘Nenhum sarau se acabava Sem a Lira de marfim, Pois cantar tio alto e dace ‘Nunca alguém ouvira assim. F quer donzela, quer dona, Que sentira comogio Pular-Ihe n’alma, escutando Do Trovador a cane De jasmins e de agucenas A fronte sua adomou; Mas s6 a rosa da amada ‘Na Lira amante poisou. E 0 Trovador conheceu Que era traido - por fim; Pos-se a andar, ¢ 86 se ouvia [Nos seus libios: ai de mim! Enlutow de negro famo A rosa de seu ame Que meia oculta se via Na gorra do Trovador; le cantava tudo o que merece de ser cantad terra de grande e de santo - 9 amor e a virtude, ‘Como virgem bela, morta Da idade na linda flor, Que parece, 0 dé trajando, Inda sorrir-se de amor, No meio do seu caminho Gentil donzela encontrou: Canta - disse; ¢ as cordas doiro Vibrando, o triste cantou, “Teu rosto engragado ¢ belo “Tem a lindeza da flor; “Mas é risono o teu rosto: “Nao ‘Mas to bem por esse dia "Que viveris, como a flr, “Mimosa, engragada e bela, “Nao tens de sentir amor! “Oh! ndo queiras, por Deus, homem que tenha “Tingida a larga testa de palor; fente fundo a paixio,- e tu no mundo ‘Nilo tens de sentir amor! ““Sorriso jovial te enfeita os labios, “Nas faces de jasmima tens rOsea cor; ““Fundo amor nio se ri, no € corado. ‘Nao tens de sentir amor; “Mas se queres amar, eu te aconselho, “Que no guerreiro, escolhe um trovador, ‘Que no tem um punal, quando é traido, ‘Que vingue o seu amor” Do Trovador pelo rosto Torva raiva se espalhou, Ba Lira sua, tremendo, ‘Sem cordas doiro ficou, Mais além no seu eaminho Donzel gatboso encontrou: Canta - disse: e argénteas cordas Palsando, o wiste cantou. “Aos homens da mulher enganam sempre °O sortiso, o amor: este breve, como é breve aquele ‘Sortiso enganador. “Teu peito por amor, Donzel, suspira, ‘Que 6 de jovens amar a formosura; Mas sae que a mulher, que amor te jura, ‘Dos Lindos labios seus cospe a mentiral “Ji frenético amor cantei na tira, “Delicias j& sorvi num seu sortiso, 14 venturas frui do paraiso, Em tema voz de amor, que era mentira! “0 amor 6 como a aragem que murmura Da tarde no cair- pela folhagem; ‘Nio volta o mesmo amor & formosura ‘Bem como nunca volta a mesma - aragem. “Nao queiras amar, nfo; pois que a’speranga “Se arroja além do amor por largo espago, fens, brilhando ao sol, a forte langa, “Tens longa espada cintilante dago, fens a fina armadura de Mildo, jens luzente e brilhante capacete, jens adaga e punhal e bracelete , qual licido espelho, © morrido, “Tens fogoso corcel todo arreiado, ‘Que mais veloz que os ventos sorve a terra; Tens duelos, tens jusias, tens tomeios, ‘Que os fracos coragdes de medo cerro; ‘ens pajens, tens valetes ¢ escudciros “E a marcha afoita, apercebida em guerra “Do luzido esquadrio de mil guerreiros, ‘Oh! no queiras amar! - Como entre a neve ‘O gigante vuledo borbulha e ferve sulfirea chama pelos ares langa, ‘Que apds 0 seu cair torna-se fia; “Assim tu acharas petrificada, Bem como a lava ardente do vuledo, “A lava que teu peito consumia ‘No peito da mulher - ou cinza ou nada - “Nao frio, mas gelado 0 coragio!” E 0 Trovador despeitoso De prata as cordas quebrou, E nas de chumbo seu fado A lastimar comegou, “Que triste que é neste mundo ‘0 fado dum Trovador!, ‘Que triste que é! - bem que tenha , Sua Lira e seu amor, ‘Quando em festejos descanta, Rasgado o peito com dor, ““Mimoso tem de cantar 'Na sua Lira - 0 amor! ‘Como a um servo vil ordena “Um orgulhoso Senhor, ‘Canta, diz-Ihe; quero ouvir-te: “Quero descantes de amor! ‘Diz-the o guerreiro, que apenas {dou em justas de amor: Minha dama quet ouvir-te, "Canta, trudo trovador! — ‘Manda a mulher que nos deixa ‘De beijos murchada flor: Canta, trudo, quero ouvir-te, ‘Um temo canto de amor! ‘Mas se a mulher, que ele adora Atraigoa o sew amor; ‘Embalde busca a seu lado Jim punhal - 9 Trovador! Se escuta palavras dela, - ‘Que a outros juram amor; Embalde busea a seu lado Um punhal - 0 ‘Trovador! “Se ve luzir de alguns lébios ‘Um sorriso mofador, :mbalde busca a seu lado ‘Um punhal - 0 Trovador! ‘Que triste que & neste mundo ‘0 fado dum Trovador! sar The da sua Lira, ‘Di-Ihe pesar seu amor!” 0 Trovador neste ponto A corda extrema arrancou; E num mareo do caminho A Lita sua quebrou: ‘Ninguém mais a voz sentida Do Trovador escutou! Amor! Delirio - Engano Amor! delirio - engano... Sobre a terra ‘Amor to bem fru a vida Inteira Coneentrei num sé ponto - amé-a, ¢ sempre Ameil - dedicagZo, ternura, extremos Cismou meu coragio, eismou minha alma, = Minha alma que na taga da ventura Vida breve d'amor sorveu gostosa. Eu e ela, ambos nds, na terra ingrata (dsis, paraiso, éden ou templo Y el llanto que en su célera derrama, La hoguera apaga del antiguo amor! —Zorilla Habitamos uma hora; e logo tempo Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto, Doce encanto que o amor nos fabricar E eu sempre a vial... quer nas nuvens dire Quando ia o sol nas vagas sepultar-sc, (Ou quer na branca nuvem que velava _ © circulo da Tua, - quer no manto D'alvacenta neblina que baixava Sobre as folhas do bosque, muda e grave, Da tarde no air; nos céus, na terra, A cla, a ela 86, viam meus olbos, Seu nome, sua vor. - ouvia eu sempre; COuvia-os no gemer da parda rola, No tépido correr da veia argéntea, No respirar da brisa, no sussurre Do arvoredo frondaso, na harmonia os astros inefivel; - © seu nome! [Nos fugitives sons de alguma frauta, Que da noite o siléncio realgavam, Os ares ¢ a amplidio divinizando, uviam meus ouvidas; e de ouvi-lo Arfava de prazer meu peito ardent Ab! quantas vezes, quantas! junto dela Nao senti sua mio tremer na minha; Nao the escutei um languido suspiro, Que vinha lé do peito a flor dos labios Deslizar-se e morrer?! Dos seus cabelos A magica fragrincia respirando, Escutando-the a voz doce e pausada, Mil venturas colhi dos labios dela, Que Instantes de prazer me futuravam, Cada sortiso seu era uma esp'ranca, E cada esp'ranga enlouguecer de amores. E eu amei tanto! - Oh! nia! no hio de os homens Saber que amor, @ ingrata, havia eu dado; Que afetos metindrosos, que em meu peito Tinha eu guardado para omar-the a fronte! Ohi - ndo, - morra comigo o meu segredo; Rebelde o coragio murmure embora, Que de vezes, pensando a s6s comigo, Nao disse eu entre mim: - Anjo formoso, Da minha vida que farei, se acaso Faltar-me o teu amor um sé instante; - Eu que s6 vivo por te amar, que apenas © que sinto por ti a custo exprimo? ‘No mundo que farei, como esirangeiro Peas vagas eruéis a praia Indspita Exanime artojado? ~ Eu, que isto disse, Existo e penso - ¢ no mori, - no morro Do que outrora sent, do que ora sinto De pensar nela, de a rever em sonhos, Do que fui, do que sou e ser podia! EExisto; e ela de mim jaz esquecidal Esquecida talvez de amor tamanho, Derramando talvez noutros ouvides Frases doces de amor, que dos seus labios Tantas vezes ouvi, - que tantas vezes Em éxtase divino aos c&us me algaram, = Que dando a terra ingrata 0 que era terra Minha alma além das nuvens transportaram, Existo! como outrora, no meu peito Férvido 0 coragdo pular sentindo, Todo o fogo da vida derramando [Em queixas mulher, em moles versos. cla. ela talvez nos bragos doutrem “om sua vida alimenta uma outra vida, Com o seu coragio 0 de outro amant, (Que mais fliz do que eu, inferno! a gozs Ela, que eu respite, que eu venerave, Como a rliguia santa! ~« quem meus olhos, Reccando ofendéla, tantas vezes De eastos ede humides se abaixaram! Fla, prante quem sentia eu prest {A-vor nos labios ¢ a paixio no peito! Fi iolo meu, quem 0 orgulho, A forga dhomem, o sentir, vontade Propria © minha dedigusi,-sujeita Avor de alguém que no sou ev, -desperta, Talver no instante em que de mim se lembra, Por um ésculo fro, por carcias Devidas dum esposo! Ob! nao poder-te, Abutre roedor, cruel citime, Tua funda raiz e a imagem dela No peito em sangue espedagar raivoso! Mas tu, eruel, que és meu rival, numa hora, [Em que ela s6 julgar-se, his de escutar-Ihe ‘Um quebrado suspiro do imo peito, Que d'eras jé passadas se recorda. las de escuti-to, e ver-Ihe a cor do rosto Bnrubescer-se ao deparar contigo! Presa serds também d’atros euidados, Terds citime, e sofieris qual soft: Nem menor que o meu mal quero a vinganga, Delirio Quando dormimos 0 nosso esptto vel. — Esauito A noite quando durmo, esclarecendo As trevas do meu sono, Uma ctérea visio vem assentar-se Junto ao meu Ieito aflito! Anjo ou mulher? nio sei. - Ah! se nio fosse Um qual véu transparente, Come que a alma pura ali se pinta Ao través do semblante, Eu a erera mulher. - E tentas, loueo, Recordar 0 passado, Transformando o prazer, que desfrutaste, Em lentas agonias?! Visio, fatal visfo, por que derramas Sobre 0 meu rosto pélido A lluz de um longo olhar, que amor exprime E pede compaixio? Por que teu coragio exala uns Fundos, Magoados suspiros, Que eu nio escuto, mas que vejoe sinto [Nos teus labios morrer? Por que esse gesto ¢ mérbida postura De macerado espirito, Que vive entre afligbes, que jé nem sabe Desfrutar um prazer? Tu falas! tu que dizes? este acento, Esta voz melindrosa, Noutros tempos ouvi, porém mais leda; Era um hino d'amor. ‘Avor, que escuto, é magoada e triste, - Harmonia celeste, Que & noite vem nas asas do siléncio Umedeceras faces Do que enxerga outra vida além das nuvens. Esta voz nio € sua; E avorde talver d’barpa celeste, Caido sobre a terra! Balbucias uns sons, que eu mal percebo, Doridos, compassados, Fracos, mais fracos; - ligrimas despontam Nos teus olhos brilhantes. CChoras! tu choras!... Para mim teus bragos Por forga iresistivel Estendem-se, procuram-me; procuro-te Em delirio afanoso, Fatidico poder entre nés ambos Engucu alta barreira Ele te enlaga ¢ prende... mal resistes. Cedes enfim. .. acordo! Acordo do meu sonko tormentoso, E choro 0 meu sonhar! E fecho os olhos, ¢ de novo intento © sonho reatar. Embalde! porque a vida me tem preso; eu sou escravo seu! Acordado ou dormindo, 6 triste a vida Dés que o amor se perdcu. Ha contudo prazer em nos lembratmos Da passada ventura, Como 0 que educa flores vieejantes Em triste sepultura Epicédio Seu rosto palido e belo ‘indo tem vida nem cor! Sobre ele a morte descanss, Enyolta em bago palar. Cerraram-se olhos tio puros, Que tinham tanto fulgor;, Coragdo que tanto amava Hi hoje ndo sente amor, Que 0 anjo belo da morte A par desse anjo baixou! ‘Trocaram brandas palavras, Que Deus somente eseutou, Ventura, prazer, ledive Duma outra vida contou; Eo anjo puro da terra Prazer da terra enjeitou, Depois co’as asas candentes © formoso anjo do céu Rogowlhe a face mimosa, Cobriu-the o rasto co'um véu. Depois © corpo engragado Deixou a terra sem vida, De ténue palor eoberto, = Verniz de estitua esquecida, E bela assim, como um litio Murcho da sesta ao ardor, Teve a inocéncia dos anjos, Passa la bella donna e par che dorma, — Tasso Tendo o viver duma flor. Foi breve! - mas a desgraga A testa nio Ihe enrugou, E aos pés do Deus que a crlara ‘Alma inda virgem levou, Sai da larva a borboleta, Sai da rocha o diamante, De um cadiver mudo e frio Sai uma alma radiante, Nao choremos essa morte, Nao choremos casos tais; Quando a terza perde um justo, Conta um anjo o eéu de mais. Sofrimento Meu Deus, Senhor meu Deus, 0 que hé no mundo Que ndo seja sofrer? © homem nasce, ¢ vive um sé instante, E sofie até morrer! AA flor ao menos, nesse breve espago Do seu doce viver, Encante 0s ares com celeste aroma, Querida até morrer. E breve o romper d’alva, mas ao menos ‘Traz consigo prazer; E 0 homem nasce e vive um sé instante: E softe até morrer! Meu peito de gemer jé esta cansado, Meus olhos de chorar; E eu soffo ainda, ¢ jé nio posso alivio Sequer no pranto achar! Ji farto de viver, em meia vida, Quebrado pela dor, Meus anos hei passado, uns apds outros, ‘Sem paz ¢ sem amor, © amor que eu tanto amava do imo peito, Que nunca pude achar, Que embalde procurei, na flor, na planta, No prado, e terra, e mar! E agora o que sou eu? - Pélido espectro, Que da campa fugius Flor ceifada em botio; imagem triste De um ente que existiu. io escutes, meu Deus, esta blastémia; Perdio, Senhor, perdio! Minha alma sinto ainda Bater-me o coragio, sinto, escuto Quando roja meu corpo sobre a terra, Quando me allige a dor, Minha alma aos eéus se eleva, como 0 incenso, Como o aroma da flor, B eu bendigo o teu nome eterno e santo, Bendigo a minha dor, Que vai além da terra 20s céus infindos Prender-me ao criador. Bendigo o nome teu, que uma outra vida Me fez descortinar, ‘Uma outra vida, onde ndo ha s6 trevas, E nem ha sé penar. Visées I- Prodigio Naguele instante em que vacila a mente Do sono ao despertar, quando pejada ‘Vem doutros mundos de visbes eiéreas; Quando sobre a manhi surge brilhante ‘A luz da madrugada, - eu vil. nem sonhos Era a minha visio, real ndo era; ‘Mas tinha d'ambos o talvez, - Quem sabe? Foi capricho falaz da fantasia, Ou foi certo aventar d’eras venturas? Aira do Senhor baixou tremenda Sobre uma vasta capital! - em pedra ‘Tomou-se a gente impura. Muitos homens As portas férreas, largas, vi sentados. Melhor do que um pintor ou estatusrio A morte, que de sibito 0s colhera No ardor, no aff da vida, conservou-thes A agio - partida em meio, com tal forga, Que a mente seu malgrado a completava, Um tinha os labios entreabertos; outro Parecia sort; mais longe aquele Derramava um segredo, baixo, 2 medo, Nos ouvides do amigo; austero o guarda Com rosto carregado e barbs hirsuta, ‘Nas mios calosas sopesava a langa. Dos mercadores na comprida rus Passavam muitos compradores;- este Contava montes doiro; - a luz aquele Expunha a seda do Indostio, de Tiro A pérpura brilhante, a damasquina Custosa tela entretecida dito, Cortés sorrindo, o mercador gubava As cores vivas, 0 tecido, 0 corpo Do estofo que vendia, Nos serralhos Era o Eunuco imperfeito; das Mesquitas, Bradava & prece Muezim. = Num largo, Fofo e vasto diva sentado, um velho Os versos lia do Alcorio; - sé ele Dentre tanto punir ficara ileso. M-A Cruz Era um templo W'ardbiea estrutura, Majestoso, elegante; - além das nuvens Se entranhava nos eéus subtil a agulha; jobre o zimbério retumbante e vasto Ondas e ondas de vapor eresciam. Dentro coztiam trés compridas naves, Sobre dois renques de colunas, onde Baixos-relevos da sagrada histéria ‘Da base ao capitel se emaranhavam. Ardia a luz na almpada sagrada; ‘No sagrado instrumento o som dormia, Junto a cruz - da fachada egrégia pompa - Muitos homens eu vi de torvo aspecto; Muitos outros, servis, com mio armada Profundos golpes entalhavam neta Um daqueles no entanto assim falava: ‘Quando esta humilde eruz rojar por terra, ‘Levando a crenca de Jesus consigo, ‘Nés outros, da verdade Sacerdotes, ‘Nés Doutores do mundo, nés Luzeiros ‘Que desvendamos a impostura, o e119, "A mentira sagaz, a crenga loucs, “Entrada ficil da razio no templo “Teremos todos, ¢ de enti no trono, “Do néscio vulgo imparciais sob'ranos, “Santos juizes da verdade santa, regaremos o justo, a paz, coneérdia os seus deveres que dimat ‘Do amor do lucro € do interesse; todos sm Ficeis Vassalos da raz, nossos vassalos - Um éden terzeal fardo do mundo.” No entanto aos crebros golpes do machado ‘A cruz pendia obliqua sobre a terra Criando novas forgas com tal vista, (Os operatios mais freqientes golpes Repetem, vibram, continua; - soa Por foda a parte 0 eco, - 0 som, mais longe, Retumba, morre - e novamente ecoa, isto a cruz - geme -estrala; um grito sobe Unissono e geral! Como sois grande, Senhor, Os obreiros cair; ea cruz erguerse, ‘Como aos raios do sol a flor mimosa Que a raiva do tuff vergata insana snhor meu Deus? - Eu vi, morrendo, IIL Passamento [Bra um quarto espagoso; - ali se viam Rojar no pavimento, hi pouco, as sedas, Ricos tapetes multicor bordados, E franjas complicadas dum eéu doiro Pendentes, - vastos rases narradores De lenda pia ou de briosos feitos, Mas de tanto luz, de tanto ornato ‘Ora por mdos avaras depredado (© vasto d’érea revelava aos olhos, Tendo num canto escuro um leito apenas. Do leito alguém rasgara 0 cortinado, EE da curva armagao polida e bela ‘Aqui, ali, pendia a seda em fios, Bem como trangas de mulher formosa Por sobre o seio nu, - Aline leito Jazia um moribundo; em torno os olhos CCheios de pasmo ¢ de terror volvia, Bebendo pelos sdfregos ouvidos Mal sentido rumor doutro aposento, Confusas vores, alterear ruidoso, Eo tinir de metal ouvia apenas! Entdo por vezes trés no leito aflito Erguer-se maquinou de raiva insano! or ts vezes caiu, gemendo, sobre © leito que da queda se sentia, Da morte o eru torpor nos membros frios Pouco ¢ pouco s'espalha: mas teimoso Da vida o amor debate-se nas fnsias Desse passo fatal ~ Eis nisto a porta ‘Um Padre assoma, - dentre as mios erguidas Da hostia santa resplendor luzia; palavras de paz, de amor, divinas, Que nos labios do justo Deus entoma, Abundantes soltava, Longos anos De piedoso softer o corpo enfermo Alquebraram por fim: as cis nevadas Raras tremiam sobre a testa, como ‘Tremia na garganta a voz cansada, Dizia o bom do velho: - “Irmio, nas ansias, ‘No extremo agonizar da morte amiga ““Ergue os ofhos ao eéu; - do eéu te venha sse divino amor, que s6 1 morri, ‘Que fila por nossa alma, que nos deixa “is celeste prazer, mais doce arroubo, Do que a terra s6i dar. nfames,tredos, Bufarinheiros de palavras, corvos De negro, feio agoiro, que esvoagam “Com grito grasnador por sobre 0 campo, “Onde a peleja de reinar comega; ‘Dizes-me tu - a mim! a mim que ao foro ‘Caminho inda hoje entre alas de clientes, ‘Que s6 me visto de veludo ¢ d’oiro, :nquanto vives de burel coberto, ‘0"0s labios sobre o p6 mordendo a terra! ‘Dizes-me tu a mim...” Engueu-se, 0 corpo Caiu de fraco sobre o Teito; o velho No entanto humilde orava, que alma santa Do mal cabido insulto nlo se ofende, Jeovi, que entre mirfades Vives de estrelas formosas, Que das flores melindrosas Da terra - os anjos formaste; Jeova, que pela gua Lustrar quiseste 0 Messias, Que ao beato, ao santo Elias Nas chamas purificaste; eovd, que a mente apuras No fogo do sofrimento, Que divino alto portento Deste fazer & Moisés, Quando a negra rocha dura Tocando co'a ténue vara, Rebentou a linfa clara, Lambendo-lhe mansa os pés: Jeovi, que eterno existes, Cujo ser em si se encerra, Que formaste o eéu ea terra, Que te chamas - 0 que é, - Faz, Senhor éaltos prodigios, Com que a mente empedernida ‘io se aparte desta vida Sem sentir a santa fe E tu, Cristo, que sofreste Mattirios por nosso amor, Tu que foste o Salvador, Salva-o, Senhor, por quem és. Dé que em palavras piedosas ‘Se dorrame contristado, ‘Como o rachedo tocado Pela vara de Moisés. 0 confuso rumor do outro aposento Crescia mais e mais. - Do moribundo Os ctipidos herdeiros dividiam Por sia vasta heranga; 0s torvos olhos Tam de rosto a rosto, fuzilando Ameagas de morte. ‘No entanto o velho exanime e sem forgas Curtia amargos transes, que avarento, E tendo a vida intl presa a terra ‘Com toda a forga d’alma, - agora em ansias Sentia o halito vital fugir-Ihe, Ea terra abandoné-lo, Estus-Ihe a dor no peito afte! Sé no chorava, que do pranto a fonte Jazia extinta; mas pensava triste: = Nao tinha alguém que The cerrasse os olhos Nem quem chorando Ihe abrandasse o amargo Do extremo agonizar Ea mente, jé medrosa, em feio quadro the pintava os seus feitos: - A vinganga, Que tao grande prazer the tinha sido, (Ora em martrios se tomava; a chusma Dos homicidios seus erescia torva, E no leito 0 cercava, renga infantil! dizia; Joucas, cegos Prejuizos do vulgo; - assim dizendo Os vios fantasmas repelir buscava, Mas a crenga infantil, 0s prejuizos Do néscio vulgo, rispidos tornavam, Como inseto importuno, Debalde por no ver cerrava os olhos, Sobre os olhios debalde as mos cruzava, (Que as sombras nos ouvidos the falavam, E mais distintas se pintavam n’alma = Tio bem molesta, qual se pinta 0 corpo Do espelho no polido. E do scu passamento o caso infando Narrava uma apés outra, sobre 0 peito Mostrando o golpe fiinebre ¢ crucnto; Sorvendo 0 fel da taga amarga 0 enfermo Parecia sort... ea qual louco Que sofre e um riso finge, E das visdes indo a fugir se arroja De sobre o leito delirante; as sombras, ‘Voam sobre ele, e em eirculo se ordenam. © moribundo a esta, a aquela, a todas, Volve o pavido rosto, no mover-se Progressivo, incessante E preso ao duro embate da vertigem, ‘As mestas sombras ao redor com ele Fugir sentia; o pavimento, a casa Rapido rodava; a terra e tudo, Como aos solugos dum vuledo tremendo, As forgas Ihe tolhiam, E o orgulhoso que feliz vivera, Movendo a seu bom grado mil escravos, Querendo a terra dominar co’um gesto, Ora mesquinho, solitario e louco, Face @ face, lutando com seus crimes, ‘Mortia impenitente Vv O negrume da noite auit; e cresce Mais fea a escuridao ‘Az da sacra pira que derrama Frouxo etibio clara Calou-se o canto, a prece, ~ & mudo o templo; Apenas fraco soa Da torre o bronze, que @ notuma brisa De rumores povos. Mas eis que de um sepulero a pedra fia STergue e sobre outras cai Nao se eseuta rumor! - da campa livre Medroso espectro sai 0 rosto ossificado em tomo valve, Volve a suja caveira; Do liso cranio os longos dedos varrem A fimebre poeira. Mas inda inteiro © coragio se via Do peito nas cavernas, Inda sangrento lgrimas chorava Do negro sangue cternas, E caminhando, qual se move a sombra, Ao drgio se assentou! ‘Hino dormem os sons, no dormem evos, Era o vulto de um homem morto que afastand 0 sudério se ia erguer do timulo para revelar alguns dos temerosos mistérios, {que encerra a aparente quietagio dos sepuleros. = 0 Presbitero = O triste assim cantou: “Onde estis, meu amor, meus encantos, Por quem s6 me pesava morrer, Doce encanto que a vida me prendes, Que inda em morto me fazes softer? “Doce amor, minha vida no mundo, esse mundo em que parte seris; Bm que cismas, que pensas, que fazes, Onde estis, mew amor, onde estis? Ah! debalde na campa gelada, Fria morte me pde deitat! Foi debalde, - que eu sinto, que eu ardo; Foi debalde, - que eu amo a pena. “Ah! se eu triste no mundo pudesse ‘Como outrora viver, respirar. ‘Nao soubera dizer-te 0s ardores Que o sepulero nao pode apagar. “Onde ests? - Ja da morte o bafejo Por teu rosto divino rogou; ‘Hina campa descansas finada, Que o teu corpo sem vida tragou? “Mas a morte ndo pode impiedosa rua foice vibrar conta til Ah! ta vives, que eu sinto, que eu sotto Crus ardores quais sempre soft “E eu nio posso o teu nome & noitinha nite as folhas saudoso cantar, ‘Nem seguir-te nas asas da brisa, ‘Nem teu sono de sonhos doirar ‘Nem lembrar-te os queridos instantes Que a tew lado arroubado passe’, ‘Sem euidados de incerto futuro, ‘6 ruidoso da vida que ami “Nao te lembras da noite hom [Em que um ferro meu peito varou, Quando a fécil conversa de amores Teu matido cioso quebrou?! “Desde entdo hei penado sozinho, Verte sangue meu peito - de entéo; Pode # morte acabar-me a existéncia, Mas delir-me nao pode a paixto! ‘Nosso adiltero afeto no mundo io se acaba; ~ assim quis o Senhor! Nio se acaba. - qu'importa? - hei gozado ‘Teus encantos gentis, teu amor, “Por te amar outras fréguas softera, Cuttos transes e dor e penar; (Oh! poder que eu podesse outra vida E outro infemo softer por te amar!” ‘Mas da aurora jé raiava Macio ¢ brando claro; Macia ¢ branda a cangio Do negro espectro soava, E medroso se colava Ao drgio seu negro véu, Que imiga nao se ajuntava Ao seu vulto a luz do e&u, Pouco a pouco se perdia (© negro espectro; a cangio Pouco a pouco enfraquecia: Do dia ao ténue clario, Era o cantar um soido Fraco, incerto e duvidoso; Era o vulto pavoraso Duma sombra vio tremido. V-A Morte Da aurora vinha nascendo 0 grato ¢ belo clardo; Eu sonhava! ja mais brandos Eram meus sonhos entio, Condensou-se 0 ar num ponto, Cresceu o subtil vapor; Vi formada uma beleza, Cheia de encantos, de amor, Mas na candura do rosto Nao se pintava o carmim; Tina um qué de cera junto ‘ A nitidez do marfim, = "Quem és tu, visio celeste, * Belo Arcanjo do Senhor?" Respondeu-me: - “Sou a Morte, Cru fantasma de terror?” Ah Ihe tomei: Bs @ morte, Tio formosa e tao eruel! orrendo 0 mundo sozinka No meu palido corcel, - Dans sa doiileur elle se trouvail malheurese d’étre immortelle, —Finélon Assim dizia - “Tu julgas Que no tenho coragio, Que executo os meus deveres ‘Sem pesar, som sfligfo? = Que inda em flor da vida arranco Ao jovem, sem compaixio, A donzela pudibunda Ou ao longevo anciio? = Ob! no, que eu softo martirios Do que fago ao mais softer, Soffo dor de que outros mortem, De que eu niio posso morrer; = Mas em parte a dor me cura ‘Um pensamento, que & meu, - Lembro aos humanos que a terra 48 s6 passagem p'ra 0 céu. = Fago ao triste erguer 0s olhos Para a celeste mansio; Em libios que nunca oraram Derramo pia orasio. - f meu poder quet apura 0s vicios que a mente encerra {Ao fogo da minha dor; Sou quem prendo aos és a terra, Sou quem lige a eriatura Ao ser do seu Criador ~ Mas qu’importa? Sem deseanso E.me forgoso marchar, Abater impias frontes, Régias frontes decepar. Passar ao través dos homens, Como um vento abrasador; Como entre 0 feno maduro A toice do segador. = E prostrar uma apés outra Geragao e geracao, ‘Como peste que s6 reina Em meio da solidio.” - Desponta o sol radioso Enire nuvens de carmim: Cessa 0 canto pesaroso, Como corda éurea de Lira, Que se parte, que suspira Dando um gemido sem fim, O Vate No Album de um Poeta Vate! Vate! que és tu - Nos seus extremos Fadou-te Deus um coragdo de amores, Fadou-te uma alma acesa borbulhando Ardidos pensamentos, como a lava Que o gigante Vesiivio arroja as nuvens. ‘Vote! vote! que és tu? - Foste a0 principio Sacerdote e profeta; Eram nos cus teus cantos uma prece, ‘Na terra um vaticinio, E cle cantava entdo: - Jeova' me disse, Majestoso e terivel. tu Jerusalém como orgulhosa amped entre as nagies, como no Libano Um eedro a cuja sombra a hissope cresce? Breve a minha ira transformada em raios Sobre ela caird; ‘Um feto vencedor dentro em seus muros Tributiria a fads “E quando escravos seus filhos, sobre pedra Pedra néo ficaré.” E os réprabos de saco se vestiam, Em pé, em cinza envoltos; F colando co’a terra os torpes labios, E agoitando cu’as mios 0 peito imbel Senhor! Senor! - clamavam, E 0 vate entanto o pélido semblante Meditabundo sobre as mis firmara, Suplicando ao Senbor do interno dalma. Foram santos entio, - Homero o mundo Criou segunda vez, - 0 inferno o Dante, - Milton o paraiso, - foram grandes! E hojel... em nosso exil cerramas trstes, ‘Moi... ’aimerai la vietoire; Pour mon coer, ami de toute gloire, Les triomphes dautrui ne sont pas un affront. Poéte, j’eus toujours un chanl pour les poétes, Et jamais le Iaurier qui pare d'eutre tétes Ne jeta d’ombre sur mon front —V. Hugo Mimosa esp'ranga ao infeliz legando, Maldizendo a soberba, o erime, os vicio: E 0 infeliz se consola, eo grande treme. ‘Damos ao infante aqui do pao que temos, E 0 manta além a0 misero raquitico: ‘Somos hoje Cristaos. A Morte Prematura Da Ima Sra. D. (no Album de seu Irmo Da. J. D. Lisboa Serra) L4, bem longe daqui, em tarde amena, Gozando a viragao das frescas auras, Que do Brasil os bosques brandamente Faziam balanear, -e que espalhavam. No éter encantado odor, pureza - Do que a rosa mais bela, - meiga e casta, Como as virgens do sol Que de vezes nao foi ela pendente Dos bragas fratemais em meigo abrago; Como mimosa flor presa, enlagada A enro arbusto que a vergéntea débil Lhe ampara docemente Ro Irmo que sé nela se revia Irmo que a adorava, qual se adora Um mimo do Senhor, Que a tinha por farol, conforto e guia, Os seus dias contava por eneantos; as virtudes co’os dias pleiteavam, ela morreu no vigo de seus anos! Ba lajc fia c muda dos sepuleros Se fechou sabre o ente esmorecido Ao despontar de vida ‘Tio rica de esperangas ¢ tao cheia De formosura e gragas! ‘On dirait que le ciel aux cocurs plus magnanimes ‘Measure plus de maux. — Lamartine Perfsita formosura em tenra idade ‘Qual flor, que antecipada foi colhida, Marchada esta da mio da sorte dura —Camées (soneto) Campal campa! que de terror incutes! Quanto esse teu siléncio me hortorizal E quanto se assemelha a tua calma A do cruel malvado que impassivel Contempla a sua vitima torecr-se Em convulsdes horriveis, desesp'radas; Cruas vaseas da morte! Quem tio mé f6 te eriou? Tu que tragas o ente que esmorece Ao despontar de vida Yio rica de esperangas e lo cheia De formosura e gragas?! © farol se apagou? a luz sumiu-se! Como o fugar,clardo do meteoro, Extinguiu-se a esperanga; e 0 malfadado Sobre a terra deserta em Vo procura Tragos dessa que amou, que tanto o amara, Da jovem companheira de seus brincos, Pesares ¢ alegrias Ele a procurai.. o viajor pasmado "Nos campos de Pompéia, alonga a vista Pela amplidio do plano, Destrogos ¢ ruinas encontrando, Onde esperava movimento e vida. Nao poder eu a troco de meu sangue Poupat-te dessas lagrimas metade! (Oh! poder que eu pudesse! - ¢ almo sorriso, Que tanto me compraz ver-te nos labios, Inda uma vez brilhasse! E essa existéncia, Que tio cara me é, ta visse eu leda, E feliz como a vida dos Arcanjos! Infeliz é quem chora: cla finow-se, Porque 0s anjos a terra nfo pertencem: Mas ld dos imortais sobre os teus dias A suspirada irma vela incessante Vinde, edndidas rosas, agucenas, Vinde, roxas saudades; Orvathai, tristes lagrimas, as e’roas, Que ho de a campa adornar por mim depostas, Em holocausto 4 vitima da morte. Inocéneia, pudor, beleza e graga Com ela nessa campa adormeceram. Anjo no coragio, anjo no resto, Devera o amor chorar sobre o teu sco, Que no grinaldas fimebres tecer-te; Devera vor d’esposo acalentar-te © sono da inocéncia, - no grosscira Cangao de trovador nio conhecido, Coimbra, junho de 1841 A Mendiga 1 Bu sonhei durante a noite Que triste foi meu sonhar! Era uma noite medonha, ‘Sem estrelas, sem luar B ao través do manto escuro Das trevas, meus olhos viam Triste mendiga formosa, Qu'infortinios consumiam. Era uma pobre mendiga, Porém, candida donzela; Pudibunda, afavel, doce, Amorosa, ¢ casta, ¢ bela Vestia rotos andrajos, Que o seu corpo mal eobriam; or vergonha os olhos dela Sobre ela se no volviam, elas costas descobertas, Cortador o frio entrava; Tinha fome e sede, -¢ @ pranto Nos seus olhos borbulhava. E qual vemos dos eéus descendo ripido coro, vi descendo Parou sobre ela, E mado a contemplava, - Uma tristeza ‘Simpatica, indizivel pouco e pouco Do anjo nas feigSes se foi pintando: Qual tisteza de iemiio que a irmi Conhece enferma e chora. - Ela no peito ‘Menor sentiu a dor, e humilde orava, Donnez: - Et quand vous paraitrez devant juge austére Vous direz: J'ai connu la pitié sur la terre, de puis la demander aux cieux! — Turquety De um vasto edificio nas frias escadas Eu viea sentads; - era um templo, diziam, Seereta concilio de sécios piedosos, Que o bem tinka juntos, que bem s6 faziam, Defronte um paticio soberbo se erguia, E dele partia confuso rumor: = A danga girava, e a orquestra sonora Cantava alegria, prazeres & amor. E quando ao palicio um conviva chegava, Rugindo se abria o ruidoso porta Eflivios de incenso nos ares corriam Da rua esteirada com vivo clario. Ea triste mendiga ali ‘stava 20 relento, Com fome, com frio, com sede e com dor; E eu vio seu anjo, mais triste no aspecto, Mais bago, mais turvo da gléria o fulgor. F A porta do vasto sombrio edificio Um vulto chegou, Senor, uma esmola! bradou-the a mendiga E 0 vulto parou. E rude no acento, no aspecto severo, Lhe disse: - 0 teu nome’ Tomou-lhe a mendiga: - Senor, uma esmola, Que eu morro de fome. - Nao, dizes tou nome? Ihe toma © soberbo - Sou 6rfi, sozinba; Meu nome qu’importa, se eu sofro, se eu gemo, Se eu choro mesquinha!” - Em vis meretrizes no cabe esse ongulho, Tornou-lhe 0 Senhor, Que a noite, nas trevas, contratam no erime, Vendendo 0 puder. E a porta do templo - erguido & piedade Com forga batia; Co’o peso do insulto acrescido & crueza, A tuiste gemia, uvi depois um rodar que a todo o instante Mais distinto se owvia; e logo um forte, Faseinador elardo por toda a tua Se derramou soberbo, - Infindos pajens Ricas librés trajando, mil archotes Nos ares revolviam; - fortes, répidos, Fumegantes coreéis, sorvendo a terra, Tiravam rica sege melindrosa. Sobre a terra saltou airosa e bela A dona, em frente do festivo paco; E a mendiga bradou: - Senhora minha, Dai ums esmola, dai! - A voz dorida Volveu-se 0 rosto d’anjo, porém d’anjo io era 0 corasio; - foi-he importuno, Mais que importuno... da mesquinha © grito! E da mendiga o protetor celeste Parecia falar em favor dela; Ea rica dona 0 escutava, como Se ouvisse a interna voz que dentro mora, E eu dizia também - 6 bela Dona, Dai-the uma esmola, dai; - de que vos serve Um 6bolo mesquinha, que ndo pode ‘Sequer um dixe sem valor comprar-vos? Ah! bela como sois, que vos importam CCustosas flores, com que omais a fronte? Para a salvar do vortice do crime, © prego delas, uma 86, da coisa, Que sem valor julgardes, é bastante Sabeis? - Além da vida, além da morte, Quando deixardes 0 ouropel na eampa, Quando subirdes do Senhor ao trono, ‘Sem andrajos sequer, também mendiga, ‘Ali tereis as lagrimas do pobre, A béngdo do alligido, a prece ardente Do que sofiendo vos bendisse, -}6 Dona, Fechou-se a porta festival sobre ela! Ba donzcla se ergucu, corou de pejo, Langando os olhos pela rua escusa, E segura no andar, e firme, 4 porta Do palicio bateu - entrou - sumiu-se. E 0 anjo, como alto sob um peso, Um gemido soltou; era uma nota Melaneélica e triste, - era um suspiro Mavioso de virgem, - um soido Subtil, mimoso, como 4’Harpa Eélia, Que a brisa da manhi rogou medrosa, Vv Dos muros ao través meus olhos viram Soberba roda de convivas, - todos Veludos, sedas, ¢ custosas galas Trajavam senhoris, - Reinava 0 jogo Avaro e grave, Ieda e viva a danga im vortices girava, a orquestra doce Cantava oculta; condensados, bastos, Em redor do banquete estavam muitos ‘A mendiga ali estava, - no trajando Sujos farrapos, mas delgadas telas. Choviam brindes e cangies e vives A Deusa airosa do banquete; todos Um volver dos seus olhos, um sorriso, ‘Uma voz de termura, um mimo, um gesto Cobigavam rivais; ~ e ali com ela, Como um raio do sol por entre as nuvens La na quadra hibernal penetra a custo Quase sem vida, sem ealor, sem forga, Menos brilhante vi seu anjo belo, Nos curtos llbios da feliz mendiga Passava rpido um sortiso ds vezes; Outtas chorava, no volver do rosto, Na taga do prazer sorvendo o pranto. Encontradas paixées sentia o anjo: Parecia chorar co'o seu sorriso, Parecia sortir coe choro dela. Oh! doce pais de Congo Doces terras d’além-mar! Ob! dias de sol formoso! Ob! noites d’almo Iuar! Desertos de branca areia De vasta, imensa extensio, Onde livre corre a mente, Livre bate 0 coragio! Onde a Ieda caravana Rasge 0 caminho passando, Onde bem longe se escuta |AS vozes que vio cantando! Onde longe inda se avista © turbante mugulmano, 0 Tatagi recurvado, Preso a cinta do Afficano! Onde o sol na areia ardente Se espelha, como no mar; © bien qu’aucun bien ne peut rendre! Patric! doux nom que ’exil fait comprendre! — Marino Faliero ‘Oh! doces terras de Congo, Doces terras d'além-mar! Quando a noite sobre a terra Desenrolava o seu véu, Quando sequer uma estrela Nio se pintava no céu; Quando s6 se ouvia 0 sopro De mansa brisa fagueira, Eu o aguardava - sentada Debaixo da bananeira Um rochedo ao pé se erguia, Dele & base uma corrente Despenhada sobre pedras, Murmurava docemente B ole és vezes me dizi: - Minha Alsgé, nio tenhas medo; ‘Vem comigo, vem sentar-te Sobre o cimo do rochedo. B eu respondia animosa: + Irei contigo, onde forest - E tremendo e palpitando Me cingia aos meus amores. Ele depois me tomava Sobre 0 rochedo - sorrindo, = As dguas desta corrente Nao vés como vio fugindo? ‘Tio depressa corre a vida, Minha Alsgi; depois morrer ‘86 nos restal...- Pois a vida Seja instantes de prazer, 0s othos em tomo volves Espantados - Ab! também Arfa o teu peito ansiado!, ‘Acaso temes alguém? io receies de ser vista, ‘Tudo agora jaz dormente; Minha voz mesmo se perde No fragor desta corrente. Minha Alsga, porque estremeces? Porque me foges assim? Nao te partas, no me fujas, Que a vida me foge a mim! Outro beijo acaso temes, Expresso de amor ardente? Quem 0 ouviu? - 0 som perdeu-se No fragor desta corrente, Assim praticanda amigos A aurora nos vinha achat! Ob! doces terras de Congo, Doces terras d’além-mar! Do rispido senhor a voz irada Ribida soa, ‘Sem o pranto enxugar a triste escrava Pavida voa Mas era em mora por eismar na terra, Onde nascera, Onde vivera tio ditosa, e onde Morrer devera! Soffeu tormentos, porque tinha um peito, Qu’inda sentia; Misera escraval no softer eruento. Congo! dizia Ao Dr. Joao Duarte Lisboa Serra 23 agosto, Mais um pungir de acérrima saudade, ‘Mais um canto de légrimas ardeates, Oh! minha Harpa, - oh! minha Harpa desditosa Fscuta, 6 meu amigo: da minha alma Foi uma lira outrora o instrumento; Cantava nela amor, prazer, venturas, Até que um dia a morte inexorivel Triste pranto de irmdo veio arrancar-te! As lagrimas dos olhos me cairam, E a minha lira emudeceu de magoa! Entio aventei eu que a vida inteira Do bardo, cra um perene sacerdécio De légrimas ¢ dor; - tomei uma Harps: Na corda da afligo gemeu minha alma, Foi meu primeiro canto um epicédio! Minha alma batizou-se em pranto amargo, "Na frigua do softer purificou-se! cus olhos sobre o mundo, Lancei depois Cantor do softimento e da amargura; E vi que a dor aos homens circundava, ‘Como em roda da terra o mar se estreita; Que apenas desfutamos, - miserandos! Desbotado prazer entre mil dores, = Uma rosa entre espinhos agugados, ‘Um ramo entre mil vagas combatido, Voltou-se entio p'ra Deus 0 meu esp'rito, E a minha voz qucixosa perguntou-lhe: ~ Senhor, porque do nada me tiraste, Ou por que a tua voz onipotente Ni fez secar da minha vida a sebe, Quando eu era principio e feto - apenas? Outra vor respondeume dentro alma: = Ardam teus dias como o feno, - ou durem ‘Como o fogo de tocha resinosa, smo rosa em jardim sejam brilhantes, Ou bagos como 6 eardo montesinho, ‘io deixes de cantar, 6 triste bardo. - E as cordas da minha harpa - da primeira A extrema - da maior & mais pequena, 1Nas asas do tuffio - entre perfumes, ‘Um eantico de amores exaltaram ‘Ao trono do Senhor, -¢ eu disse as turbas: - Fle nos faz gemer porque nos ama; ‘Vem o perdio nas légrimas contritas, [Nas asas do softer desce a deméncia; Sobre quem chora mais ele mais vel! Seu amor divinal& como a lampada, Na abobada dum templo pendurada, Mais luz fitando em mais opacas uo conhego:- 0 cintico do bardo E halsamo ao que more, - 6 lenitivo, Mas doloroso, mas fanéreoe triste ‘A.quem Ihe carpe infausto @ morte crwa Mas quando @ alma do justo, espedagando © invSluero de odo, 2 céus remont, Como estrada de luz correndo 0s astro, Seguindo o som dos cinticos dos anjos Que na presenga do Senhor se clevam; Choro. to bem Jesus chorou a Lizao! Mas na excelsa visio que se me antolha Bebo consolapdes,~ minha alma anseia ‘A hora em que também ha de asilarse No sei imenso do perddo do Etero. Chora, amigo: porém quando sentires © pranto nos teus ollios condensar-se, Que ja no pode mais banhar-te as faces, Ergue os olhos ao eéu, onde a luz mora, Onde © orvalho se cria, onde parece Que a timida esperanga nasce ¢ habita, E se cu feliz! - puder inda algum dia Ferir por teu respeito na minha harpa A leda corda onde o prazer palpita, ‘A corda do prazer que ainda inteira, Que virgem de emogao inda conservo, Suspenderei minha harpa dalgum troneo Em of'renda a fortuna; - ali sozinh, Tangida pelo sopro s6 do vento, Ha de mistérios conversar co'a noite. De acorde estreme perfumando as brisas: Qual Harpa de Sido presa aos salgueiros Que no hi de cantar a desventura, Tendo cantos gentis vibrado nela, O Desterro de um Pobre Velho A aurora ver despontando, Nao tarda o sol a raiar Cantam aves, - a natura Ja comera a respirar. ‘Bom mansa na branca arcia Onda queixosa murmura, Bem mansa aragem fagucira Entre @ folhagem sussurra E hora cheia de encantos, hora cheia de amor; A relva brilha enfeitada, Mais fresea se mostra a flor, Esbeltajoga a fragata, Como um coreel a iter; Suspensa a amarra tem presa, Suspensa, que vai parts. Em demanda da fragata Leve barco vem vogando: ele um velho cujas faces Mado choro esta cortando, Quem era o velho to nobre, Que chorava, Por assim deixar seus lares, Que deixava? ‘Ancilo, por que te ausentas? Comes tu trés de ventura? Et dalces moriens reminiscitur Argos. ingilio (1 schwer ists, in der Fremde sterben unbeweint — Schiller Louco! a morte j vem pert, Tens aberta a sepultura, “Louco velho, ja ndo sentes Bater frouxo 0 coragio? Oh! que o sente! -E lei d’exilio A que o leva em tal sazio! ‘Nao ver mais a cara patria, Nio ver mais 0 que deixava, Nao ver nem filhos, nem fithas, Nem o easal, que habitaval “Oh! que é mi pena de morte, A pena de proserigl0; Traz dores que mairizam, Negra dor de coragio! “Pobre velho! - longe, longe Vis sustento mendigar, ‘Tens de sofier novas dores, Novos males que pener. Nilo (Tha de valer a idade, Nem a dor tamanho ¢ nobre; Tens de tragar vis afrontas, = Tnsultos que soffe o pobre! “Nada achards no degredo, Que fale dos filhos teus; ‘Ninguém sente a dor do pobre,,, S6 te fica a mio de Deus. 0 sol, que além vés raiando Enire nuvens de earmim outros climas, noutras terras io veri raiar assim, “Nao venis a rocha erguida, Onde ('ias assentar; Nem o som bem conhecido Do teu sino his de eseutar 14 de cair sobre as ondas © pranto do teu sofier, E nesse abismo salgado, Salgado se ha de perder.” Ji chegou junto a fragata, Hina escada de apoiou, ‘i com vor intercortada Untimo adeus solugou Canta 0 nauta, ¢ solta as velas ‘Ao vento que 0 vai guiar; Ee fragata mui veleira ‘Vai fugindo sobre o mar. E 0 velho sempre em sil A calva testa dobrou, E pranto mais abundante © rosta senil cortou, Inda se vé branca a vela Do navio, que parti; Mais além - inda se avistat Mais além - ja se sumiu! 0 Orgulhoso Eu vit - tremendo era no gesto, Terrivel seu olhar; F 0 cenho carregado pretendia © globo dominar Tremendo era na voz, quando no peito Fervia-the o rancor! E aos demais homens, como um cedro a relva, Se cria sup'rior. E 0 pobre agricultor, junto a seus filhos, Dentro do bumilde lar, Quisera, antes que os dele, ver um Tigre Os olhos fuvzlar: Que a um filho seu talver quisera o nobre Para um Fxecutor; (Ou para o leito infesto alguma filha Do triste agricultor. Quem ousaria resistir-Ihe? - Apenas Algum pobre ancido Ja sobre o seu sepulero, desejando ‘Amore ¢ a salvagio. Allguns dias apenas decorreram; E cis que ele se sumiu! E a laje dos sepulcros fria © muda Sobre ele ja cai. E 0 birbaro tropel dos que o serviam Exulta com E a turba aplaude; e ninguém chora a morte De homem to ruim, a fim! O Cometa Ao Sr. Francisco Sotero dos Reis Eis nos eéus ratiland igneo cometa! A imensa cabeleira o espago alastra, Eo nicleo, como um sol tingido em sangue, Alvacento luzir verte agoiteiro Sobre a pavida terra, Poderosos do mundo, grandes, povo, Dos labios removei a taga ingente, Que em vossas festas gira; cis que rutila sangiineo cometa em céus infindos!. Pobres morta, -sois vermes! © Senhor o formou terrivel, grande; Como indéeil corcel que morde 0 freio, Retinha-o s6 a mio do Onipotente, ‘Ao fim Ihe disse: - Vai, Senhor dos Mundos, Senhor do espago infind Equal louco temido, ardendo em firia, Que ao vento solta a coma desgrenbada, E vai, néscio de si, livre de ferras, De encontto as duras rochas,- tal progride © cometa incansavel, ‘Se na marcha veloz encontra um mundo, © mundo em mil pedagos se converte; Mil centelhas de luz brilbam no espago A-esmo, como um tronco pelas vagas Infrenes combatido. Se junto doutro mundo acaso passa, Consigo o arrasta ¢ leva transformado; A cauda portentose o enlaga e prende, Eo astro vai com ele, como argueiro [Em turbilhdo levado, ‘Como Leviati perturba os mares, le perturba o espago; - como a lava, Ele marcha incessante e sempre; - eterno, Marcou-lhe largo giro a lei que 0 rege, ~ As veres 0 infinite Non est potestas, quae comparetur ei qui factus est ut nullum timeret. —Iob Ele carece entio da etemidade! E aos homens diz - e majestoso e grande Que jamais o verio; e passa, ¢ longe Se entranha em céus sem fim, como se perde Um barco no horizonte! O Oiro iro, - poder, encanto ou maravilha Da nossa idade, - regedor da terra, Que das honra ¢ valor, virtude ¢ forea, Que tens ofertas, oblagses e altares, Embora teu louver eante na lira Vendido Menestrel que péde insano Do grande a porta renegar seu génio! Outro, sim, que nfo eu. - Bardo sem nome, Com pouco vivo; - sobre a tera, A noite, Meu corpo lango, descansando a fronte Num tronco ou pedra ou mal nascido arbusto, Sou mais que um rei co’e meu dossel de nuvens (Que tem gravados cintilantes mundos! Com a vista no eéu percorro os astros. Vagueia a minha mente além das nuvens, Vagueia o meu pensar - alto, arrojado Além de quanto 0 olhar nos eéus alcanga. Entdo do meu Senhor me calam n’alma D'amor ardente enlevos indiziveis; Se tento as gentes redizer seu nome, Queimadoras palavras se alropelam Nos meus libios; - profética harmonia Meu peito anseia, e em borbotdes se expande. Grandes, Senhor, slo tuas obras, grandes Teus prodigios, teu poder imenso: © pai ao filho o diz, um sec'lo a outro, A tea a0 eéu, 0 tempo & eternidade! Do mundo as ilusbes, vaidade, engano, Da vida a mesquinhez - prazer ou pranto - Tudo esse nome arrasta, prosira e some; Como 20s rains do sol desfeto 0 ge! Que em ondas corre no pendor do monte, Precipite e ruidoso, - arbustos, troncos Consigo no passar rompidos leva, Aum Menino Oferecida 4 exma. Sra. D. M. L. L. V. 1 Gentil, engragado infante ‘Nos teus jogos inconstante, Que tens tdo belo semblante, Que vives sempre a brincar, = Dos teus brinquedos te esqueces A noitinia, - Como a bonina, Adormeces a sonhat te entristeces adormec 1 Infante, serdo as cores De varias, vigasas flores, Ou sio da autora os fulgores Que vem teus sonhos doirar? Foi de algum ente celeste, Que de luzeitos se veste, (Ou da brisa é que aprendeste, Que aprendeste a suspirar? 1m Tens no rosto afogueado ‘Um qual retrato acabado De um sentir aventurado, Que te i no coragio; E talver a voz mimosa De uma fada caprichosa, Que te promete amorosa, Algum brilhante condo! Vv Ou por ventura és contente Porque ne sonho, que mente, Fantasiaste inocente Algum dos brinquedos teus!, ‘Senor, tens bondade infindal Fizeste a aurora bem linda, Criaste na vida ainda Um'outra aurora dos eéus, v © som da corrente pura, ‘A folhagem que sussurta, ‘Um acento de temura, De ternura divinal A indizivel harmonia Dos astros no fim do dia, A voz que Mémnon dizia, Que dizia matinal; vl Nada disto tem o encanto, Nada disto pode tanto Como 0 risonho quebranto, Divino - do seu dormir: Que nada ha como a Donzela Pensativa, doce e bela, E a comparar-se com ela, 6 de um infante 0 sort. via Mas de repente chorando Despertas do sono brando Assustado e solugando, Foi uma revelagio! Esta vida acerba e dura Por um dia de ventura Déi-nos anos de amangura E friguas do corasio, via 6 aquele que da morte Soffeu 0 terrivel corte, Nilo tem dores que suporte, Nem somhos o acordario: Gentil infante, engragado, Que vives tdo sem cuidado, Serds homem - mal pecado! Findaré teu sono entao. Miserrimus Quando o invemo chegou, - por sobre a terra robe secular espalha a coma, Que o rabido tuffio cortou de morte. Despida ¢ nua jaz a flor mimose, Agora histea somente; ¢ o sol brilhante Despede @ custo a luz que mal penetra As nuvens trovejadas que o circundam. Mas o inverno passou! - De novo assume Virente rama o robe gigantesco, A flor formosa e bela ven brotando, E 0 sol, rei do horizonte, ja rutila Em céu de puro azu-brilhante Mas quando o desengano, qual tormenta Que por desertos s6 valente reina, Do quente coragdo arranca, esmaga Esp'rangas, que o amor enfeitigava, Em vio a natureza ufana brilha, Em vio de puro orvalho a flor se arreia, Em vio dardeja 0 sol seus quentes raios, Em viol... que o coragdo jaz frio © murcho. E nio mais vivers! - que a alma sentida Conhece que o amor € s6 mentira, Que & mentira 0 prazer, mentira tudo! ‘Um dia apareceu um reeém-nado, ‘Como a concha que o mar & praia arroja, Cresceu; - qual eresce a planta em terra inculta Que ninguém educou; - a chuva apenas. Infante - viu de roda sepulturas, [Em que no atentou; - sonhios mimosos, ‘Acordado ou dormindo, the doiravam, A infincia leve, d’inocéncia rica Viu belo o ar, ¢ terra, ¢ eéus, © mares, Viu bela a natureza, como a noiva Sorrindo em breve dia de noivado! Entio sentiu brotarem na sua alma Sonhos de puro amor, sonhos de gléria; ‘enti no peito um mundo de esperangas, ‘Sentiu a forga em si - patente o mundo, Forte se levantou! correu fogoso, EE qual dguia que nas asas se equilibra, Comegou a trilhar da vida a senda. ‘Um monte além topou; mais vagaroso Subiu, - vingou mais lento! - Inda mais outro Colossal - descalvado - ingreme ¢ liso, Costeou, mas cansou, que era sozinho! ‘Sentou-se, ¢ mudo, ¢ fraco, é pensativo, A borda do caminho; e sobre o peito A cabega inelinou, cruzando os bragos, Minha mae! - solugou; e um eco a0 fonge Minha mae! - respondeu. - Sentiu que a fome Dolorosa as entranhas Ihe apertava, EE sede intensa a ressequit-Ihe as fauces; Fome e sede curtiu como num sonho, Do rosto nas magas descoloridas - Filtro do coragdo - sentiu que o pranto Ardente escorregava a tez queimando. Muda era a sua dor, - dhomem que soffe, Que chora isento de vergonha ou crime. Encontrou mais além no seu caminho, Bela na sua dor, sozinha e fraca, Figura virginal que ali jazia, Esqueceu-se de si pensando nela; Nova forga criou, - novo incentivo, Coragem nova o seu amor eriou-Ihe Lavou-the os curtos pés, contra o seu peito Do fio a protegeu, - tomou nos bragos A\ carga to mimosa! - E ela co’es olhos, Que o amor vendava um pouco, agradecia, E ela pode viver; - disse que o amave, Que era o seu coragao dele - s6 dele: - Disse, e mais que uma vez, com peito e labios ‘No peito c labios dele; - era mentira! E cle o conheceu! por precipicios Deserido se arrojou, sentindo a morte, Seu bergo entre sepuleros procurando Aqui ali- além - eram sepuleros; Eo nome de sua mie, sequer ndo pode os nomes conhecer de tantos mortos. E s6 no seu morrer, qual s6 na vida, Na terra se estendeu; nem dor, nem pranto Tinha no coragdo que era ja morto! E alguém, que ali passou, vendo um cadaver De sinie e podridao comido e sujo, Co’o pé num fosso o revolveu; -e terra Cada acaso o sepultou p'ra sempre. Amizade! - ilusio que os anos somem; Amor! ~ um nome s6, bem como 0 nada, A dor no coragio, delicias n’alma, [Nos labios o prazer, nos olhos pranto = Tudo & vo, tudo é vio, exceto a morte O Pirata (Episédio) Nas asas breves do tempo Um ano e outro passou, E Lia sempre formosa ‘Novos amores tomou, ‘Novo amante mio de esposo, De mimos cheia, Ih'of'reee; E bela, apesar de ingrata, Do que a amou Lia se esquece, Do que a amou que longe pia, Do que a amou, que pensa nela, Pensando encontrar firmeza Em Lia, que era tio bela! Nesse paldcio deserto Hi luzes se vém luzit, (Que vem nas sedas, nos vidros Cambiantes refletir, 0s ecos alegres soam, Soa ruidose harmonia, ‘Soam vozes de ternurs, Sons de festa e dalegria, FE qual ave que em siléncio A face do mar desflora, ‘A noite bela fragata Chega a0 porto, amaina, ancora (Cai da popa e fere as ondas Inguieta, esguia falua, Que resvala sobre as éguas Na esteira que traga a lua, ‘Hina vieua praia toca; ‘Um vulto em terra saltou, Que na Tonga escadaria Presago e torve enfiou, ‘Malfadado! por que aportas, Aceste sitio fatal! Queres o britho aumentar Das bodas do teu rival? Nao, que a vinganga the range Nos duros dentes cerradas, io, que a cabega referve ‘Em maus projetos danados! Nao, que os seus olhos bem dizem © que diz seu coragao Terriveis, como um espelho, Que retratasse um vulezo. Nao, que 9s labios deseorados Voeiferam seu rival; Nao, que a mo no peito aperta ‘Seu pontiagudo punhal ‘Nao, por Deus, que tais aftontas Nao as s6i deixar impunes, ‘Quem tem ao lado um punhal, ‘Quem tem no peito ciémes! Subiu! -¢ viu com seus olhos Ela a rir-se que dangava, Folgando, infame! nos bragos Porque assim © assassinava, ele avangou mais avante, E viu,.. 0 leito fatal! Eviu...e cheio de raiva Cravou no meio o punbal. E avangou.. ea janela Sozinha a viu suspirar, Saudosa e bela encarando A imensidade do mar, Como se vira um espectro, De repente ela fugu! Tal foge a corga nos bosques Se leve rumor senti Que foi? - Quem sabe dizé-1o? Foram vislumbres de dor Coragdo, que tem remorsos, Sente continuo terror! Ele a janela chegou-se, Horrivel nada encontrou. Somente, ao longe, nas sombras, Sua fiageta avistou. Entao pensou que no mundo ‘Nada mais de seu contaval ‘Nada mais que essa fragatal Nada mais de quanto amava! Nada mais. - que timportava De no mundo 56 se achar? Inda muito the ficava - ‘Agua e céuse vento e mar ‘Assim pensava, mas nisto Descortina o seu rival, ‘Nao visto; - a mio na cintura Cingiu raivoso o punhal! Mas pensou. ..- no, sea dela, E tenha zelos como eu? - Larga o punhal, ¢ um retrato Na destra mio estendeu, Porém sentiu que inda tina Mais que branda compaixio; Miserando! inda guardava Seu amor no coragao. Infeliz! nfo foi culpads Foi culpa do fado meu! ‘Nada mais de pensar nelai Finjamos que ela morreu, Por entre a turba que alegre ‘No baile - a sortit-se estava, Mudo, triste, ¢ pensativo Surdamente se afastava, De manha - quando o sarau Apagava o seu rumor, ‘Chegava Lia a janela, Mais formosa de palor Chegou-se; - e além ~~ no horizonte Uma vela inda avistou; co'a mio trémula e fria teleseépio buscou! Um pavithio viu na popa, Que tinha um globo pintado; E no mastro da mezena Um negro vulto encostado, Bram chorosos seus olbos, Os othos seus enxugou; E otelescépio de novo ara essa vela apontou, Quem era 0 vulto tao triste Parece reconheceu: Mas a vela no horizonte Para sempre se perdeu. A Vila Maldita, Cidade de Deus Ao seu querido e afetuoso amigo A. T. de Carvalho Leal 1 (© imenso aposento a luz alaga Com soberbo claro, as mesas do banguete se devolvem Pelo vasto salio; E 6 instrumentos palpitantes soam Frenética harmonia; E 0 core dos convivas se levanta Peceata peceavit Jerusalem, et propter ‘ea instabilis facta est; omnes qui slorificabant ear, spreverunt illam, quia viderunt ignominiam ejus; ipsa autem, ‘gemens conversa est retrorsum. = Lament Pleno d°ébria alegria! Ali se ostenta 0 nobre vieioso Rebugado em orgulho, -o rico infame, Cheio de mesquinhe7, - 0 envilecido, Imundo pobre no seu manto involto De misérias, torpeza ¢ vilanias; = A prostituta que alardeia 0s vicios, Menosprezando a castidade e @ honra, ‘Sem pejo, sem pudor, d’infimia eivada, E 0 livre ditirambo, a utroz blasfémia, Os cantos imorais, cangies impudicas, Gritos e orgia envolta em negro manto De fumo e vinho, - os ares aturdiam; E muito além, no meio d’alta noite, Nos ecos, 1uas, pragas rebatiam, 1 Depois, ainda suja @ boca, as faces, D’imundo vomitar, Com vacilante pé caleando a terra Os viras levantar, A larga porta despedia em turmas A notuma corte; uvia-se depois por toda a parte Gritos, horror de morte! E ninguém vinba ao retinir de ferro, Que assassinava; Porque eta dum valente o punhal nobre, Que as leis ditava. (utra vez a cair se emaranhavam Da porta pelo umbra: Tinham tintas de sangue a face, as vestes, Em sangue tinto © punhal E vinha o sol manifestar horrores Da noite derradeira; E a morte viria revelava a firia Da turba eariceira, E 0 sacrilego padre s6 vendia (© tum'lo por dinheiro; Vendia a terra aos mortos insepultos, © vil interessciro! Ou lé ficavam, como pasto 20s corvos, Por sobre a terra nua; E ninguém de tal sorte se pesava, Que ser podia a sua! E Deus maldisse a terra criminosa, Maldisse aos homens dela, ‘Maldisse a cobardia dos eseravos “Dessa terra tdo bela.” a Ba mortifera peste Iutuosa Do inferno rebentou, E nas asas dos ventos pavorosa Sobre todos passou, B 0 mancebo que via esperangoso Longa vida futura, Doido sentiu quet Pedra de sepultura the as esperangas E a donzela tio linda que vivia Confiada no amor, [Bnire 0s bragos da mle provou bem cedo Da morte 0 dissabor. E 0 trémulo anciso qu’inda esperava Morrer assim Como um fruto madure destacado D*érvore enfim, ‘Sentiu @ morte esvoagar-Ihe em tomo, ‘Como um buledo, Que afronta 6 nauta quando avista a terra Da salvagio, Bra deserta a vila, a casa, o templo - ‘Ar de morte soprou! Mas a casa dos vis nos seus deliios Ebria continuou! E Deus maldisse a terra criminosa, Vv Eis © ago da guerra lampeja, Do fogoso coreel o nitride, Eis o brénzeo eanhio que rouqueja, Bis da morte represso 0 gemido, Hi se aprestam guerreiros luzentes, 44 se enfireiam coreéis belicosos, ‘Hi mancebos se partem contentes, Augurando a vitéria briosos. Brilha a raiva nos olhos; - nas faces 0 interno rancor podes ler, Eia, avante! - clamaram os braves, ia, avante! - ou vencer ou morret! ia, avante!- briosos eorramos Na peleja o imigo bater; Crua morte na espada levamos! ia, avante! - ou vencer ou morrer! Eis o ago da guerra lampeja, Do corcel belicaso o nitride, Fis o brOnzeo canhdo que rouqueja, E da morte represso o gemido, v E a selva vomitou homens sem conto A.vor do onipotente, Como a neve hibernal que o sol derre Engrossando a corrente E em redor dessa vila se estreitaram, Cingidos d’armadura; E a vila se doeu no intimo seio De tio acre amargura Mas os fortes bradaram: - Fia, avante! Prontos a batalhar; Mas o brago e valor ante os imigos Se vieram quebrar. E um ano inteiro sem cessar Iutaram, Cheios de bizaria, Come dois erocodilos que brigassem Dum tio a primazia! E renderam-se enfim, mas de f De sequiosos; Valentes lidadores foram cles, Se nio brioses. vl E 0 exército contririo entra rugindo 'Na vila, que as suas portas Ihe frangueia: Rasteiro corre o ineéndio e surdamente © custoso edificio ataca e mina, Eis que a chama roaz amostra as fendas Das portas que se abrasam; descortina © torvo olhar do veneedor - apenas - Li dentro 0 incéndio s6, fora s6 trevast Urros de frenesi, de dor, de raiva scutam dos que, as stibitas colhidos, Contra os muros em brasa se arremessam; os que, perdido o tino, intentam loucos Achar a salvagZo, e a morte encontram. Lé dentro confusio, siléncio foral Sio cartascos aqui, vitimas dentro, Geme o travejamento, estrala a pedra, Cresce horror sobre horror, desaba 0 teto, E 0 fumo enegrecido se enovela Coo vértice sublime os eéus rogando, Como o vuledo que a lava arroja as nuvens, Como ignea coluna que da terra iante rebentasse, - tal se eleva, Tal sobe aos ares, tal se empina e eresee A labareda portentosa; e baixa, E desce a terra, co edificio enrola, Eo sorve inteiro, qual se foram vagas Que a dura rocha do alicerce abalam, Que a enlagam, como a prea, - e ao fundo pego Levam, deixando e mar branco d’espuma No horror da noite, sibilando os ventos, Linguas piramidais do atroz incéndio. Fumosas pelas ruas estalando, ‘Tingem da cor do inferno a cor da noite, Tingem da cor do sangue a cor do inferno! = 0 ar sto gritos, fumo 0 céu, e a terra Fogo. vu EE aqueles que inda sis e imunes eram, (Os que a peste enjeitou, Que fome e sede e privagaes sofreram, Acespada decepou, Ba donzela tremeu, da mie nos bragos Nao salva ainda, Que incitava os prazeres do soldado A face linda, Eo fido amante, Sentiv prazer, ‘Sente martirios porque a vé formosa No seu morrer que de a ver tio bela Coisa alguma escapou! - J4 tudo & cinzas Tudo destruigdo: A coluna, o palicio, a casa, o templo, © templo da oragio! Meninos, homens e mulheres, - todos Hi rojam sobre 0 pd: Mas o Deus, o Deus bom jé esta vingado. Por ela ja sente dé. E a vila d’outrora mais ruidosa, Lé ressurgiu cidade; Porque o Deus da justiga, o das armadas, © Deus é de bondade, Quadras da Minha Vida Recordagio e Desejo Ao meu bom amigo o Dr. A. Rego 1 Houve tempo em que os meus olhos Gostavam do sol briJhante, E do negro véu da noite, E da aurora cintilante, Gostayam da branea nave Em cfu de azul espraiada, Do temo gemer da fonte Sobre pedras despenhada. Gostavam das vivas cores De bela flor vicejante, E da voz imensa e forte Do verde bosque ondeante. Inteira a natureza me sorria! A luz brilhante, o sussurrar da brisa, O verde bosque, o rosicler d’aurora, Estrelas, e6us, ¢ mar, ¢ sol, ¢ tera, D'esperanga e d'amor minka alma ardente, De luz e de calor meu peito enchiam, Inteira a natureza parecia Meus mais fundos, mais intimos desejos Perscrutar e cumprit;- almo sortiso Parecia enfeitar co’0s seus encanto: Com todo o seu amor compor, doiré-lo, Porque os meus olhos deslumbrados vissem-no, Porque minha alma de o sentir folgasse, (Ob! quadta tio feliz! - Se ouvia a brisa Nas folhas sussurrando, o som das aguas, Dos bosques o rugir; - se os desejava, = O bosque, a brisa, a folha, o trepidante as dguas murmurar prestes ouvia, Se o sol doirava os efus, se a lua casta Se as timidas estrelas cintilavam, a flor desabrochava envolta em musgo, ~ Eraa flor que eu amava, - eram estrelas Meus amores somente, o sol brlhante, A lua merencéria - os meus amores! (Oh! quadra tio feliz! - doce harmonia, Acordo estreme de vontade ¢ forga, Que atava minha vida & naturezal Ela era para mim bem como a esposa Recém-casada, pudica sorrindo; ‘Alma de noiva - coragio de virgem, Que a minha vida inteira abrithantaval Quando um desejo me brotava n’alma, Ela 0 desejo meu satisfazia; E 0 quer que ela fizesse ou me dissesse, Sol chi non lascia eredita d'affeti Poca gioia ha dell'urna —Foscalo Esse era 0 meu desejo, essa a voz minha, Esse era o meu sentir do fundo d'alma, Expresso pela voz. que eu mais amava. 1 ‘Agora a flor que m'importa, Ou a brisa perfumada, Ou o som d'amiga fonte Sobre pedras despenhada? ‘Que me importa a.vor confusa Do bosque verde-frondoso, Que m’importa a branca lua, Que m'importa o sol formoso? Que m’importa a nova aurora, Quando se pinta no céu; Que m’importa a feia noite, Quando desdabra o seu véu? Estas eens, que ame, me no causam ‘Nem dor e nem prazerl- Indiferent, Minka alma um s6 deseo no concebe, ‘Nem vontade ja tem!... Oh! Deus! quem péde_ Do meu imaginar as ras esas Cereear, desprenderlhe as niveas plumas, Roj-las sobre 6 p6, cal Perante a eriagdo to vasa e bela ‘Minha alma & como a flor que pende murcha; E qual profundo abismo:-embalde estrelas Brilham no azul dos céus, embalde a noite Estee sobre a terra o negro manto: Nao pode a luz chegar ao fundo abismo, ‘Nem pode a noite enegrecer-lhe a face; Nao pode a luz flor prestar mais bilho ‘Nem vigo enem frescor presta-e a noite! clas tristes? m ouve tempo em que 0s meus olhos Se extasiavam de vor Ail donzela formosa Por entre flores core. Gostavam de um gesto brando, Que revelasse pudor; Gostavam de uns olhos negros, (Que rutilassem de amor. E gostavam meus ouvidos De uma vor = toda harmonia,- Quer pesares exprimisse, Quer expeimiase alogra, Era um prazer, que eu tinha, ver a virgem Indolente ou fugaz - alegre ou triste, Da vida a estreita senda desfloranda ‘Com pé ligeito e animo trangiilo; mprovida e brilhante parecendo cus dias desfolhar, uns apés outros, ‘Como folhas de rosa; - © no futuro - Ver luzir-lhe somente a luz d’aurora Era deleite e dor vé-la tio leda ‘Do mundo as afligdes, angiistias, prantos Affontar co’um sorriso; cra um deseanso Intemo e fundo, que sentia a mente, Um quadro em que os meus olhos repousavam, Ver tanta formosura e tal pureza Em rosto de mulher com alma danjo! Vv Houve tempo em que os meus olhos Gostavam de lindo infante, Com a candura e soriso Que adorna infantil semblante Gostavam do grave aspecto De majestoso ancifo, Tendo nos labios conselhos, Tendo amor no coragao Um representa a inocéncia, Outro a verdade sem véu; Amibos to puros, tio graves, Amos to perto do eéu! Infante e velho! - prineipio e fim da vida! - Um entra neste mundo, outro sai dele, Gozando ambos da aurora; - um sobre a terra, E 0 outro li nos céus. - © Deus, que é grande, Do pobre velho compensando as dores, © chama para si; 0 Deus clemente Sobre a inocéncia de continuo vel. Ami do velho 0 majestoso aspecto, Amei o infante que nao tem segredos, Nem cobre 0 coragio co'0s folhos d’alma, Armei as doces vozes da inocéncia, A rispida franqueza amei do velho, E as rigidas verdades mal sabidas, 6 por labios senis pronunciadas, v Houve tempo, em que possivel Eu julguet no mundo achar Dois amigos extremosos, Dois imios do meu pensar: Amigos que compr’endessem Meu prazet © minha dor, Dos meus labios 0 sortiso, ‘Da minha alma o dissabor; Amigos, cuja existéncia Vivesse eu co'o meu viver Unidos sempre na vida, Unidos - 1 no morrer: Amizade! - unido, virtude, encanto - Consércio do querer, de forca.e d’alma - Dos grandes sentimentos e da terra Talvez o mais reefproco, o mais fundo! Quem hé que diga: Eu sou feliz! - se acaso ‘Um amigo The falta? - um doce amigo, Que sinta o seu prazer como ele o sente, Que softa a sua dor como ele a sofie? Quando a ventura the sorri na vida, ‘Um a par doutro -ei-1os lé vlo felizes; Quando um sente afligdo, nos bragos do outro A alligo, que € 56 dum, earpindo juntos, Encontra doce alivio o desditoso [No tesouro que encerra um peito amigo. CAndido par de cisnes, vo rogando A face azul do mar co’as niveas asas Em deleite amoroso; - acalentados Pelo sereno espreguigar das ondas, Aspirando perfumes mal sentidos, or vesperina aragem bafejados, FB jogo o seu viver; - porém se o vento No frondoso arvoredo ruge ao Tonge, ‘Se o mar, batendo irado as ermas praias, Cruzadas vagas em novelo enrola, Com grito de terror o par candente Sacode as niveas asas, bate-as, ~fogem. vl Houve tempo em que eu pedia ‘Uma mulher ao meu Deus, ‘Uma mulher que eu amasse, Um dos belos anjos seus. Em que eu a Deus sé pedia Com fervorasa oragio ‘Um amor sincero e fundo, ‘Um amor do coragio, Qu’eu sentisse um peito amante Contra 6 meu peito bater, Somente um dia... somente! E depois dele morrer. Amei! e 0 meu amor foi vida insana! Um ardente anelar, cautério vivo, Posto no coragao, a remordé-lo. ‘Nao tinha uma harmonia a natureza Comparada a sua voz; nio tinha cores Formosas como as dela, - nem perfumes Como esse puro odor qu’ela esparzia D’angélica pureza. - Meus ouvidos 0 feiticeiro som dos meigos lébios Ouviam com prazer; meus olhos v Dea ver nio se cansavam; labios «homens Nilo puderam dizer como eu a amava! E achei que o amor mentia, e que o meu anjo Era apenas mulher! chorei! deixei-a! E aqueles, que eu amei co’o amor d’amigo, A sorte, boa ou mé, levou-mos longe, Bem longe quando eu perto os carecia, Conelui que a amizade era um fantasma, Na velhice prudente - hibito apenas, ‘No jovem - doudejar; em mim lembranga; Lembranga! - porém tal que a no trocara Pelos gozos da terra, - meus prazeres Foram 6 meus amigos, ~ meus amores Hilo de ser neste mundo eles somente, vil Houve tempo em que eu sentia Grave e solene afligdo, Quando ouvia junto 20 morto Cantar-se a triste oragio. Quando ouvia o sino escuro Em sons pesados dobrar, E 0s cantos do sacerdote Enguidos junto do alta, Quando via sobre um corpo A fria lousa cair; Silencio debaixo dela, onhos talver.- ¢ dormir, Feliz quem dorme sob a lousa amiga, Tépida talvez.com o pranto amargo Dos olhos da afligdo; - se os mortos sentem, (Ou se almas tem amor aos seus despojos, Certo dos pés dé Eterno, entre a aleluia, E 0 goza la dos eéus, ¢ 08 coros d'anjos, Hilo de lembrar-se com prazer dos vivos, Que choram sobre a campa, onde ja brota O denso musgo, ¢ jf desponta a relva, Laje fia dos mortos! quem me dera Gozar do teu descanso, it asilar-me Sob o teu santo horror, e nessas trevas Do bulicio do mundo ir esconder-me! Ob! Iaje dos sepuleros! quem me desse No teu siléncio fundo asilo eterno! Ai ndo pulsa 0 coragdo, nem sente Martirios de viver quem jé néo vive. O Mar Frappé de la grandeur farouche

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