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A modernidade, o capital ea América Latina nasceram todos no mesmo dia. Anibal Quijano, 1991. De/Descolonizar o urbano, insurreigao nas periferias: otas de pesquisa : ‘Quem vive nas favelas, quem tem 0s trabalhos mais mal remunerados, quem no pode moverse do lugar material e simbéli- co herdado, so sempre os mesmos: os netos ¢ bisnetos de escravos, ‘ Rauil Zibechi, 2018, _De/Descolonizar o Urbano? A motivagio deste texto é mostrar a possibilidade da critica da coloniatidade do saber urbano por meio da narrativa de lutas atuais uravadas nas periferias urbanas brasileiras, posto que o pensamento deidescolonial nao se limita aos individuos, mas, antes, incorpo- __ suse nos movimentos sociais'. Meu principal argumento é que hé, nas periferias, uma poténcia para elaborar respostas criticas por meio | de formas de luta e resisténcia. E tal poténcia reflete a multiplici- dade de respostas de/descotoniais dadas por culturas subalternizadas. [No que diz respeito & produsdo do espago, ha,nos tettitérios periféricos, uma condigdo de emergéncia que faz com que se realize externamente 0s espagos técnicos, académicos e institucionais uma soma de acées, ‘engajamento politico e ativismos ~ uma soma de energias instargentes. 1 Mignolo conectou a perspectiva das lutas sociaise o pensamento de/des- colonial, fazendo uma gencalogla global referida a individuos e movimentos: ‘Mahatma Gandhi, WEB, Dubols Juan Catlos Maridtog, Amilear Cabral, Aimé (Gésaite, Frantz Fanon, Fausto Reinaga, Vine Deloria Jr, Rigoberta Mench, Gloria Anzaletia, o Movimento dos Sem Terra, no Brasil, os zapatistas de Chiapas, 0s , Equador e Colombia, ¢ Forum Social Mundial e o Pérum Social das Américas (MIGNOLO, 2008, p. 258), movimentos indigenas eafros na Boliv 19 A fim de demonstcar que, no campo da experincia histérica | ¢ das relagGes de poder nas sociedacles colonizadas, a andlise das lutas = ‘usbanas travadas nas periferias contribui para pensar o saber urbanoem perspectiva de/descolonial, neste trabalho volocoem conversacio dois sutores a partir de quatro de seus textos, a saber: 0 socidlogo peruano Anibal Quijano,en La formacién de un wniverso marginalen las ciudades "mesmo raciocinio, meu objetivo neste texto é mostrar que desigualdade -eexclusto também podem se tornar aprendizado para lutasereivindicagies “por vias urbanas mais justas, Nesse sentido, quanclo se rata de considerar de América Latina” (1971) € Urbanizacin y dependencia (1973), F_¢ planejamento, & certo, mas também para além dessas ‘coensaista uruguaio Ratil Zibechi,em Descolonizarel pensamiento citcn. iprdctcas emancipatarias (2014) e Tersitérios ema resisténcia ([2011)2013), esses dois autores, cujos pensamentos sobre periferias ¢ marginalidade ‘na América Latina estio separados por quatro décadas, hdimportantes confuéncias quanto ao entendimento do papel politico que os pobres urbanos desempenham na construgio das lutas por reconhecimento ¢ justiga social. A meu ver, as formulagées de Quijano sobre os temas nna década de 1970 permanecem vigentes ¢ podem ser consideradas. como o solo de onde germinam as andlises elaboradas por Zibechi nas duas primeitas décadas do século XXI. Em sua maioria, os estudos sobre as periferias brasileiras e lati- ho-americanas realizados desde a década de 1960 trataram de modo bastante aprofundado as formas de exploragio a que estavam submetidas ‘suas populagées, em como elaboraram estratégias para hes dar combate no campo do planejamento urbano. Nas duas iltimas décadas, entre- tanto, hd uma significativa transformagio na abordagern, desde a qual discute-se a condigio periférica em novas bases, dessa vez ocupando-se ‘no apenas da dominago a que essas populagdes esto submetidas, ‘mas principalmente de suas formas de resisténcia, tal como se deixa ver em sinais de coesio social, construcio coletiva de expressividades, per. tencimento 20s lugares e modos de vidaem comum.? Comungando do 2. Merrifield 2015} desenvolve um azgumento relevante sobre producao das Periferias urbanas, queascoloca como o que melhor estabelece acondicao de uma 120 a panizagio planetiria, As periferiassio 0 residuo do urbano contemporineo, “ess forga quea tudo envolveno planeta, mas qua, coma resultado, expla, exelul | produz restos, delnando sobras,residuos. De acordo com esse autor, pode-se _ prions deel ¢oquefacom ge bio pemaneemepesa “srs chine ger neil oan tae pci butane inne nbn mf tend dna dbus captain i dee ran erate Ema or de “siduos dentro de wom virtice Lafelre chege ao ponto de dizer que, dentra desse vértice “ram isan be ea lca fap [ite ule ur ci die qt a at sts pen cs is ie de qual fnm xl te ani ein neem cn pir aie dein Inpro cite fia exam dee tpl rn isd dena ts Oa ase (ruta rated seu cpl bods satis diene Otis nnn pg ducts one’ gal Cote hanarese tte sao rman cee econ m po geen pf dn peut am ena meses wes oreo no tio ston retraite noe mapa i ame aborts sme na mn po pe pnt Teememene otal dene G08 rr Por hipétese,sustento que incluir o pensamento sobre as lutas em Perspectiva de/descolonial no cétculo de um urbano brasileiro trans. forma esse mesmo urbano em seus fundamentos. Para des € necessétio que se responda: Visibilizados na perspectiva de/descolonial? a segregacio, por acessibilidade, como lutam? A partir dos seus territérios, seu cotidiano ~ ¢ onde < © estdo tai terricGrios? As margens (de diferentes tipos) de cidades, A urbenizago nunca desempenhou um Papel coadjuvante na historia do capitalismo, 0 sabemos bem, pelo menos desde meados do) século XIX, quando a atvidade industrial na Europa, particularmente bas cidades inglesas, fez com que suas clites dominantes comesassem ‘ mostrar seu interesse em colocar o planejamento urbano em bases cientificas e institucionais. O desdobramento d. ‘uiglo do urbanismo como disciplina é bastan Se recuarmos essa anilise da urbanizaglo até o século XVI que a expansio do capitalismo de terras gentes se fez sempre ac la trajetdria de conse. , veremos pela via da colonizacio uuleramarina “ompanhada por processos de opressio ¢ dominagio dos espacos¢ grupos subaltemos.E foi, principalmenta (ms historia de ocupaio violent de tettsrose submiso de corps Acidade moderna foi um empreendimento de oeapagio territorial cujo valor comercial o urbanismo ajudou a aumentax por meio de ui melhor organizacio dos meios de exploragio.Os processos capitals @xigiram um substrato espacial sobre 0 qual pudessem exercitar sua hipéese de afensatnenio populacional, de modo que conseguissem apr feicoar os mecanismos de ext rasio de valor ¢ crescimento econdmico, Foi assim que germinou o pensamento urbanistico, © Folego que 0 projeto de colonizagio deu ao velho mundo da : Furopa significou estruturar a explorasio do Novo Mundo para 9 financiamento da acumulacao de capital. A colonizaio nunca foi ume pe monstril quem sio 0s novos sujeitos politics | ‘Quais atores protagonizan | lotas,contestagbes,reivindicagies? Por que Jutam? Contra a desigualdads, Por oportunidades de trabalho ~ may 0 | F projetados, desenhados ¢ construfdos segundo moldes dos poderes jagando aqucl [coloniais, fosse instaurando novos espagos, fosse subjugando aqueles Ke conhecido; consudo, ‘conquista exclusiva de territérios, mas sim o comércio ¢ a exploragdo antil resultaram _ Se riqueras comercais, Dese empreendimento mercantlresulara “guerra e exterminio para reduzir, no Brasil Colénia,a populagio autéc- | > | tone de 2,5 milhdes para 340.000 indigenas. seam ‘ a inente den A globalizagZo que se inicia com a ocupagio do continente de: ‘minado América sempre calculou a exclusio, gerando para tal um padrio de poder que foi se consolidando como moderno, capitalista, i i jlidade urocntrico e sobretud colonial, pois sua condigdo de possibilidad jpassava pela exploragio que significou excluir e desumanizar, uma ‘vez que 0s tinicos considerados com direito & prépria histéria eram ymens brancos europeus. : Na produgio capitalista do espago urbano, 0 racismo — uso ¢ abuso ‘ ~ fex.no Brasil uma de suas tas mulheres «homens nele capeursdos — fer no Brasil ess ‘maiores aparigdes. Nossas cidades e territ6rios foram concebidos, colbnii [3 Como afirma Francisco de Oliveies (2017): “Fosse como necesidade de mio || te obra devido& inadaptao da populagio ausictone a trabalbosrequleres es lo XVI comério 5 ponsent, fe como tm grade neg, no s&ealo XVI Sen eee ilar desia estrusura, impriminds te xnav gros ican se trasformow em outro p wars fr fg cop ds eer dade. A canaamericena Fe erao lugar da produgio, «a Africa negra, o da reproduao (.}. No Brash, 4 wii de aticanasneyrs, um total de 10 miles na America Expanbote e plas Anilas | O par senboresravoassentou as bases de wma esrutura social bipolar esa cavacteritica paternalists patrimonialista que formo a econornia e sociedade 123 Essa légica tem sustentado 0 enorme edificio de nossas cidade: denominado periferias desde o seu momento originério. Definidos sujeitos da diferenga, tracados como objetos, coisas ou mercadorias, | assim foram submetidos no principio da colonizagio os indigenas, seguir os negros escravizados, e, desde que vivemnos o ciclo da modemni, dade das cidades republicanas, os pobres urbanos. Desse modo é que se fizeram as cidades em nosso pals, | Mas, de modo reverso, a América foi desde esse infcio a periferia do sistema-mundo; foi também a primeira oportunidade de acumalagio Imantenlo crengas¢ preconceltos F imkiva de capital. Quijanoestabelece tal principio 20 colocara colo- ue serviram a uns em detrimento de outros, As periferias sempre foram necessérias ao funcionamento da cidade, No modelo brasileiro de urbanizagio.que é patrimonialist, ocorte una uma culeura que no coleraa pobreza; que espelha,na prepoténcia as clits, formas de dominio sobre a terra, dinamicas de conteole Hlorca de wabalhoe ‘Imposi¢ao de um ideal colonial da cultura branca #psia sobre manifestag6es das culturas populares. Os padres natu- 14 ralizados de segregacio caracteristicos da ocupacio do espaco urbano. brasileiro privilegiam claramente as classes dominantes,esses donos da. terra que afirmam seu poder desde o sistema de capitanias ¢ somente 6 reforcaram na transicfo para uma sociedade urbana desde sempre sendo a desigualdade (quase) assumida como destino de nossas cidades, Desde entio, fixadas nas margens, favelas e perifetias encarnam nosso ‘acismo c nossas realidades de segregacio socioespacial. ‘Tendo em mente que as localizagdies urbanas sio produzidas segundo condlgges sociais ¢econbmicas especificas,¢ consequente compreender Seqregagio como umadleterminagio da espacalidade, isto é,como algo {que opera nas periferias segundo padrdes de localizagio e condigées concretas de precariedade dos espacos construidas. ancorada numa concentragio indecente de riqueza. eoncret Se voc? tomar, por éxemplo, duas pessoas igualmente pobres, & com caractersticassocias similares de escolaridade, renda ete., {que moram em familias similares, tm igual cor da pele, mas ‘moram em lugares diferentes da cidade, 0 futuro delas tende a ser diferente [. Afinal,] entre as muitas dimensies qué a pobre 2a tem, 0 teritorio esté incluido. O territério é uma dimensio das condicies sociais ¢ da pobreza de mancira mais especifica, (MARQUES ct al., 2006, p. 105). (mulheres, indigeras ¢ jovens negros) podem ser compreendidas como vvetores histéricos interrompidos pela conquista ¢ pela colonizasio. Deve-se considerar, para a compreensio das periferias, um determi nado ponto de inflexio na histéria urbana brasileira e latino-americana que ocorzeu entre 1945 € 1967, quando, na América Latina, acontecew 10 dpice dessa trajet6ria de urbanizagio modernists refletindo a ideit | A medida em que iam se consolidando, as periferias no Brasil cepalina’danecesidade de ums polica de industriaizagiocoordenada.. 7° formavam um conjunto sem reunii, Se eram bairros, vila, fvelas, pelo Estado come forma de superar a pobreza dos paises do Terceit 47 “comunidades, ocupagGes, tertenos ¢ loteamentos irregulares, sempre Mundo. Nesse receituério, do mesmo modo que a industrializagao, | | -densamente ocupados, cada uma dessas periferia se definia como espago «a urbanizacio erasindnimo de desenvolvimento. Para as classes médias > social Complexo,contraditério e repleto de zonas liminares, Suas fron- © tetas de modo nenhum se constivufam somente por coordenadas espa- S fais cada periferia ia sendo produzida por diversos campos de for P por Pp a. era algo a ser corrigido e a prosperidade era uma meta a ser conquistada, E isso nunca significou reunir pobres ¢ ricos numa mesma vizinhang. | Muito pelo contsrio: afinal era preciso diferenciar esses de aqueles 6 Em 1948, fol criadaa Comissao Econdmica para a América Latina ¢ 0 Caribe; “tas peiferia brasileiras e, pelas quatro décadas subsequentes, toma-se _necessrio compreender os teritérias periféricos a parti de relagées (CEPAL}, cuja tese principal era a de que a expansio industrial urbana sett ‘canal constitutiv» da integracio da sociedade, 136 137 is novas economias contestaérias (...Com relagio a] este longo ;processo em toda sta complexidade [.] ainda nio descobrimos todas as suas potencialidades, (ZIBECHI, [2011] 2015,p.91). ‘altura da década de 1980, a ser considerada uma categoria relacional: ndo mais um territério de encapsulamento, passava a ser percebidle Indo encontrodo pensamento de Anfbal Quijan, Rail Zibechi _'reverbera a tese do socidlogo peruano sobre os elementos que permitem, pensar uma légica singular regente das vidas urbanas nas periferias. que explicita articulagdes, redes e arranjos est a Figura da mulher como multiplicidade irredutivel. & parte das transformacdes: culturas operadas| pelos movimentos de 1968 aoredor do mundo.quando novas formas de fazer politica foram criadas, Essa renovasdo demonstou, para osaberurbsno,o limite da perspectia estadocéntrica de atuagiio e evidencion a emergéncia de novas form: de organizacio coletiva dos sujeitos politicos pertencentes aos estritos | sociais mais pobres, Desde os anos de 2000,a andlise em profundidade | das periferias somente tem sido efetiva se inclui desde o princfpio uma. caracterizagio da dindmica dos conflitos ali desenrolados (para além da explicitagio de composicao das classes sociais presentes naqueles espagos) até os medos de vida urbana (que traduzem as dimensbes cotidianas, representagbes simbélicas, estratégias de sobrevivenci formas de sociabilidade)evidentemente passando pela demonstragio. | dos novos modos de trabalho (articulados a questies de genero, rac, etnia e geracionais). A periferia & 0 horizonte que emerge da poténcis de ligar os circuitos ¢ os modos de vida popular com a materialidade | das novas Forgas produtivas. Os baivros pobres, para além de seren) ‘tomados como anomalias so espagos que, para serem compreendidos © pano de Fundo deste processo dos setores populares & a expansio de uma Iégica familiar comunitéria centrada no ~~ papel da mulhermie,em torno de quem se molda um mundo de relagdes outras:afetivas, de cuidados miituos, de contengio, inclusivas. Estas formas de viver ¢ fazer tem saido dos ambitos ptivados nos quais se encontravam refugiadas para manteremse vivas, € diante da crise sistémica que se evidenciow desde 1968, vém se expandindo em direcio aos espagos puiblicos e coletivos Be {ibid., p. 91), ‘Se,aconcordar com Zibechi,sio os afetos que organizam os bairros, complexos de favelas,as sesh pode-se afrmarae na América ‘Todo 0 meu aprendizado esté nesse percurso, Tudo o que esté localizado entre Santa Cruze Ipanema. Sentado no mcio-fio, ssperando a van de madrugada, vendo o mar bravio como o que engoliu Escobar, cis a Ipanema que se repetin durante anos para mim. Desenvolvi uma relagio com e madrugada de Ipanema ¢ invejava a Ipanema solar, do cinema e da fiteratara. Nunca tive ‘coragem de frequentar Ipanema durante o dia, mas me sentia ‘em casa sentado no meio-fio esperando a van para Santa Cruz, (EAUSTINI, 2009, p44) na atualidade, exigem ser vistos em sen potencial emancipatério. As periferias urbanas das grandes cidades vem formando um mando préprio, que petcorreu um longo caminho: da apro: Priagio de eres edo expaso& cago de territios da crag de 29 os surgem, como denominei acima, numa soma de energias insurgentes, 4 dadaarclacio com 0 Outro,nos quadros do que denomina“uma corre- demonstrando qte viver a desigualdade e a exclusiio também pode ensinar. _ spondéncia solidria“E uma racionalidade que, contraposta a quaisquer - formas de dominagio e exploragio, tampouco implica homogeneizacio, seja de culturas, espécies, maneiras ou normas. Confirma-se na uma condigio de emergtncia que faz. com que modos diversos ¢ diss: ideia de diversidade e de alegria no trabalho coletivo. Nao € para resgatar 0 coletivo frente ao individual ou 0 individual frente 20 coletivo, pois 0 coletivo como algo fechado é simplesmente quase impossivel depois da experiéncia dos iltimos quinhentos anos [..0 que] estou filando ¢ do coletive como relacio de individuos livres (QUIANO, 1991, p.52), dentes de apropriasio do meio urbano obriguem a reflexdio renovada 4 sobre os fundamentos do urbano no Brasil, uma ver.que se traduzem ‘em priticas de frequentagiio e usos do espaco piiblico, representagics da cultura politica e deslocamentos discursivos de grupos social sempre dinamicos, a No que diz respeito & anilise socioldgica urbana, pensamento dé: Quijano expressou, na década de 1980, passagem de sta teferenciags em dimensdes peoritariamente poltticas¢ econdmicas para um esforga { i! i i i ‘Oque se critica, afinal, na racionalidade europeia,é 0 conjunto de 1elaydes ordenadoras do capitalismo colonial/moderno e os padres | 4: poder que delas resulta, a que Quijano chamou colonialidade ido poder. Originado e sistematizado a partir da América, mas sendo, ¢ mesmo, uma engenharia ordenadora-das multiplas hierarquias reflexivo em que cultura e historia so tomadas como mediagies funda do sistera-mundo, esse exercicio do poder se funda na imposigio ‘de uma classificacio racial/étnica da populacio do mundo e opera em cada um dos planos, ambitos e dimensées materiais e subjetivas da __ aisténcia social cotidiana e da escala social (QUIJANO, 2000, p. 342}. | Aodizer dessa racionalidade alternativa,o autor propée um projeto intercultural de transformaggo social, pensado a partir de conheci- “montos subalcernos, cujas manifestagdes estariam principalmente i movimento indigena latino-americano, mas nl somente; que teoria social latino-americana. : Na virada do século,o socidlogo peruano Anibal Quijano passoil ‘mental do socidlogo se deu numa entrevista concedida a um petiddice de Lima, em 1991. Ali, num momento de gestagao de novos Véxieo “se etenderia a outros movimentos no continente,conera a exploragio, "_dalominagdo e a submissio, como os movimentos negro, quilombola, ‘ecategorias,cle apresenta ofandamento de sua critica da racionalidad insta c ccologista. So contestagGes cujofundamento nio se esgota os emas concernentes a0 trabalho, mas aglutina problemasem torno 4 partir do centio europeu, da divisio internacional do trabalho. © de questdes de género ede juventude, dentre tantos,visando aconectar moderna européia como modelo de dominagio ¢ exploracio mun 140 sa Ratil Zibechi aponta a mesma diregao ao dizer que € necessitio | Estou falando de tatas travadas nas cidades, por certo, que,entretanto, io diferenciat a légica subjacente & manifestagio dos contrapoderes de batxo: » seexplicam inteiramente a partir da categoria movimento social urbano, devemos sceitar que nfo hé racionalidade, instrumental ¢ esta: docéntrics, mas que cada sujeito tem sua racionalidade e que todos podemos ser sujeitos quando dizemos que basta. Tratase, entio, de entender as racionalidades-outras, uma questio que «86 pode ser feta de dentro e em movimento, com base na ligica imanente que 06 atos coletivos dos sujeitos de baixo desvelam. Isso indica que nfo se trata de interpretar, mas de participar. (ZIBECHL 2011). __ (ZIBECHI, 2014), So lucas construidas em situagdes e possibilidades ‘cotidianas, cujo dinamismo consolida relacies externas ¢ antagdnicas {406 prococolos estatistas e burocriticos. Essas teorias sobre os movimentos sociais partem do pressupos | todde que existe uma sociedade e que parte dela ~ uma classe social ou sctor desfivorecido ou oprimido ~ faz suas reivindi- cases ao Estado em um esforgo para se fazer ouvir ¢ satisfazer suas demandas. [sso eva a anslises das formas organizacionais de acdo coletiva, da estrutura da oportunidade, dos recursos cculturais que sGo acionados ete. ~em outras palavras, diferentes -maneiras de explicar como uma sociedade unificada com um Es- tado, um sistema de justiga ¢ um sistema politico de romada de ecisio resolve ou expressa diferencas,desigualdades e opressio. Acho que a pior coisa que podemos fazer é tentar entender essa realidade embasados por conctitos como movimentos sociais, Porque isso envolve a aplicacio de categoriasalhcias 20 que «stamos tentando compreender. (ZIBECCHI, 2012, p. 181} Areivindicagio de uma racionalidade contraposta i colonialidade é.a meu ver, a chave para compreender os conflitos urbanos conten: porineos no Brasil, eravados nas periferias. a ‘As insurreigées urbanas exigem a constragio de outro tipo de ‘conhecimento, de outra pritica politica, de outro poder social eestatal, cyenfim, de outrotipo desociedade, Teiitérios perféricos no requeremy apenas o seu reconhecimento c inclusio em am Estado neoliberal que epainz ocoisma, masque o Estado reconhesaa dieters participagio no Estado, a fim deintervirem com igualdade 6 necessitio, ness sentido, rampliarocampo de discussBes eo debate Na perspectiva do pensamento de/descolonial,entio,o que emerge lutas, 0 que afinal se deixa ver que de outro modo nao se veria? 1p0, so lutas histéricas globais que se desenvolvem em diferentes racial, éanico ede género.Na América Latina,a trajetdria das lutase Bc histdrioas cada um desses segmentos ao é, obviamente, recente, dada a form de dominasio colonial. 2 ne ‘0s processos locais para além dos moldes euroctntricos, isto é, No entanto, quando rebatido sobre o plano das contesta986§ |. compreender as distingBes da dominacso e resistencias locais, a sa ‘hus sem abdicarda compreensio das dimensdes geopoliticaeimperia- 13 = Outroaspecto decisivo na configuragio dos terrtétios em resistencia de Tonga durago, contra opressbes¢ lutas por emancipasio, lutas que que suas lutassfo organizadas horizontalmente,em grupos pequenos, se entrelagam, seja no contexto de critica da teoria da dependéncia, |=. sem equipes permanentes de diego. Gerem seus espagos politicos sem. hicrarquizagdes,sem divisdes estrtas entre direcio e bases, entre quem Gordem ¢ quem execura, quem acata e quem decide, So formas de organizagio pltica que ndoseapartam dos ritmos na fase da expansio capitalista (1945-1973), seja no contexto do neo: liberalismo, desde 1989 até ataalmente, concretamente a possibilidade d ii rama ‘samenteaP ledesmiopllicarsmpora act a maior parte dos pobre da Amc Latn vive su vi diana a margem do Estado e para lutar vio descobrindo que no Enecessirio que se organizem ao modo do Estado. (ZIBECHL, 2014, p. 18). itica. Nas Ultimas décadas, as periferias urbanas tém abrigado iniciativas igualmente significativas as dos movimentos indigenas campone- 55, ue construitam espayos fora das logicas capitalists — ainda que tenham mantido, muitas vezes, relagdes parciais com o Estado ¢ com ‘0 proprio capital Nas periferics das grandes cidades, as formas de organizagéo de resistencias em construcées coletivas, mesmo que menos visveis porque consolididasinternamente os ttrtdrios -,conjugam duragio efemeridade, logicas de protesto e ldgicas de ocupacio, além de: arranjos sociais diversos. Para compreendé-las € preciso assumir que cesses conflitos tém novos padrdes. E é preciso dar relevo a diversos ‘Com relagio & experiéncia de temporalidade dos movimentos antissistémicos, também ¢ crucial assinalar a sua singularidade, pois iz reapcito a aprender 0 sesgate dos vestgios muitas vezes ocultos _ sculto, € um movimento, uma disposiglo, para reativar essa heranga " naatualidade. Os movimentos antissistémicos contam com trés Fontes de aprendizageme a histéria das resisténcias,a reflexio sobre as hutas ue protagonizam em cada period histérico e as experiéncias ‘de outros movimentos om outras partes do mundo, Em sintese: © passado, o presente © as experiéncias dos outros de baixo. Assitm sempre tem sido a hist6ria dos movimentos* {ZIBECHL, 2014, p.165). aspectos segundo um plano de imanéncia que possa fazer a clescriga0 esses novos padrées em detalhe. 14 4s Dado que toda luta urbana é um uso do espago disruptivo da légica do a capital, em cada acontecimento dessa natureza a dimensio das relacées._ sociais desempenhada a partir de um territdrio em uso passou a implicar AA cxperiéncia da juventude que tem vivido nas periferias nas déca- uuma exighncia para a andlise da repercussio das luta. Na atualidade, | das recenteseraduz uma intensa produgio de formas culturais novas. © conflica social exige ser compreendido como dispura encernada n0 territdrio, isto é como o espago que ¢ apropriado ¢ instituido pelos sujetos graposseciais que, por meio dele, reivindicam suas demandas ___ Nas décadas recentes, por meio de seus jovens,as periferias das cidades {8m inventado com velocidad impressionante novos citcuitos culturais ehovas s slugs econdmicas ~ por mais precitias ¢ informais que desempenham sua contestagio. Uma eloquéncia singular [Minha mie] ainda sofisticou a narrativa, dizendo que quem fica ra esquina arrastando chinelinho, havaiana furada com prego segurando as tis, é um verdadeiro sem futuro, Ouvie isso ‘eter esse fantasma na cabega ¢ terrivel para um jovem. Ele tem ‘9 mesmo amor pela casa e pela rua. Ficar na esquina ¢ to im portante quanto ter um quarto, Minha mie diz isso, por que ela ‘nunca cruzau a esquina da Rio Branco com a Presidente Vargas) num dia de domingo pela manha e sentiu o inicio da civilizacio catioca a seus pés. (FAUSTINI, 2009, p.105) F decaltaragy quie ocorte mas margens configura n movimentos abrangentes: © encontra reciprocidades entre grupos diversos, recria cédigos de com- "portamento e, inclusive, reinventa modelos e relagdes de producio, -deconestio ¢ de acesso par meio de canais altetnativos. Quando a juventude que vive na petiferia faz, por meio da cul- A pergunta que levanto neste trabalho, sobre a possibilidade da parrativa de insurreigGes urbanas em tervitérios periféricos estabeleces uma critica da colonialidade do saber urbano, certamente demands ‘outros desdobramentos posteriores de pesquisa, se tendo.em vista querer respondéa em extensio ¢ profundidade. Contudo, tea formalado 4 partir da hipétese de uma vonvergéncia entre Quijano e Zibech no que diz respeito a afirmar a poténcia das lutas que se constroemt «se travam desde ss periferias Iatino-americanas, me permitiu chegat aos seguiintes pontos conclusivos diante da literatura estudada. Das territérios perifvico cule do, protest. ‘Pense-se, como exem- Fos tas transformagdes por -que passa nas periferias as pho co grafic), a literatura c aimiisica (os saraus, ‘os duelos de MCs, funk, o rap €6 hip-hop). on ne | Assitaagdes de interdigio & participagio e representagio da juven- Primeiramente, o exame do cotidiano das populagies predomi: _e¢s805 de constituigio dos sujcitos politicos e a expressividade estéti amterente negra nas perferias braileiras denota 0 protagonist. 74], ouros emo, hd uma etiatvidade que quando € posta em mov de dois novos sujstos politicos: a saber, as mulheres ¢ 0s joven. eno a partir de privacio, sujeisio edesttugao desemboca em pro- Em segundo lugar pode-se afirmar que os territSrios periféricos expres: 146 ducio deconhecimento. O que os jovens periféricos tantas vezes fazem ver € que produzir conhecimento no limiar do tolerdvel reinventa a resistencia, Por sua vez, a experiéncia das mulheres nesses tertitérios p ricos estabelece uma sélida referéncia de coletividade e organizacio, | diferindo dos modos de vida urbana hegeménicos: pois no cessam ex ‘riar condigdes para ampliar seu campo de ago, nio recuam quando épreciso tensionar e esgarcar 0 padrio de poder que ainda é colonial, sempre refletida nas acdes femnininas individuais ou em grupos. E constituindo-se como sujeitos politicos na esfera da vida cotidiana que as mulheres exercem um papel singular na contengio da desintegraao procesos de toma de decisde,Zibechi((2011]2015,p.91) aponts um elemento constante: “a expansio da mulher-mie € evidente em todos os movimeatos socials atuais? Tratase, nas ltimas décadas, de ‘um processo emancipatdrio longo ¢ de grande flego para dar cont hate & desigualdade e assimetria de poder na esfera da reprodugio da vida, As liderangas nos territdrios periféricos em sua geande maioria & economia, A representacio politica. O protagonismo feminino nes | revoltas populares, nas insurteigdes urbanas esta ligado ao seu enorme protagonismo na vida cotidiana, em que o passo politico fundamen- tal éa passagem da reprodugio na casa da familia para a reprodugio coletiva nos movimentos. Em sintese, de/descolonizar 0 saber urbano decorrerd de pensit a periferia enquantoteriéios configurados segundo dinics socials singalares que se malizam a partir da some de capacidades ede coenste cias, No que diz respeito as formas instirucionalizadas de participagio ‘e decisio nos prozessos da vida urbana, as periferias exercitam modos dle construgio de coletividades e testam repertérios politicos proprios, relativamente auténomos. Sio novas subjetividades, novas formas de. | produgio social que, a despeito de uma tradicio de opressio, vém_ 148

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