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3. SEXUALIDADE EM CICLOS ESPECIFICOS DA VIDA Jodo Arnaud Diniz New Antinia ionésia Areiija do Amaral Hesley Lucena Landins Miranda Jose Henrique Sousa Lutz ‘agao Mundial da Satide (OMS) redefiniu, cm 2006, 0 conceito de sexualidade humana como sendo “um aspecto central do ser humano ao longo da vida, que abrange sexo, géncro, identidades ¢ paptis, oricntagio sexual, erotismo, intimidade e reprodugio. E sentida ¢ expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crengas, atitudes, valores, comportamentos, praticas, papéis ¢ relacionamentos”.! A.OMS a considera, ainda, como uma das dimensdes fundamentais na qualidade de vida do ser humano, sendo a satide sexual condigao necessaria para o bem-estar fisico, psiquico ¢ sociocultural A sexualidade de um individuo passa por dindmicos ¢ densos processos de transformagio ao longo de tempo. Por esse motivo, esse capitulo tem como objetivo apresentar aspectos importantes sobre a sexualidade em fases espectficas da vida, marcadas por profundas alteragdes-de cariter bioldgico, psiquico e soci Sao clast a) infincia c adolescéncia, b) gravider ¢ pucrpério ¢ c) terccira idade. Sexualidade na infancia e adolescéncia ia é complexa, com varidvcis amplas.c diversas. Quando discorremos sobre esse tema, especialmente nessas fases em que obscrvamos miltiplas nuances relacionadas ao neurodesenvolvimento ¢ a determinantes pslquicos ¢ culturais, tudo se torna ainda mais subjetivo. Partindo dessas reflexécs, salicntaremos, a seguir, alguns pontos relevantes sobre a sexualidade de eriangas ¢ adalescentes. A cstruturagae de conceitas sobre a scxualidade na infincia c adolescé: Sexnalidade na infancia As pesquisas sobre scxualidade nessa ctapa da vida cialmente devido a limitagées metodolégicas ¢ éticas que atravessam estudos nda so escassas, cspe~ 48 envolvendo criangas. Ademais, a socicdade ainda impéc obsticulos a discussio sobre a existéncia ¢ a expresso da sexualidade infantil? J4 no inicio de scus trabalhos sobre a investigagio do inconsciente, o psicanalista Sigmund Freud apontava a ocorréncia de manifestagdes sexuais desde a infancia, evidenciando que vida sexual comegava bem antes da irrupcao da puberdade.*’ A sextalidade infantil segundo Freud Foi cm 1905, na obra Tits ensaios sobre a reoria da sexualidade, que Freud res~ saltou expressivas caracteristicas da scxualidade infantil. Ele abscrvow atentamente as manifestagcs scxuais provenicntes desse perfode inicial da vida, argumcntando que amnési sa fase havia sido cquivecadamente perecbida como assexuada porque a infantil fazia os sujcitos esquecerem as experiéncias sexuais remotas. O psicanalista sugeriu que a crianga é um scr cuja sexualidade é “perverso-polimorfa, com pulsdcs parciais derivadas de diversas zonas erégenas situadas em diferentes partes do corpo, apoiando-se em fungées vitais ¢ objetivando principalmente a satisfagao autocrética.“ Dessa forma, a scxualidade infantil, estando presente desde o nascimento, um longo percurso até a maturidade psiquica e organica, Nessa pers- pectiva, Freud delincou o desenvolvimento psicosscxual infantil cm fascs, restu~ midas abaixor™ sofre * Fase oral: Ocorreria desde o nascimento até 18 meses, tendo a boca como principal zona erdgena ¢ coma propiciadora de sensagdes praze~ rosas através dos ates de sugar, chupar, mamar, evar objetos & boca etc. * Fase anal: Compreenderia o perfodo dos 18 meses até os trés anos, tendo o anus como a zona etégena especial, Essa fase estaria com 0 inicio do controle dos esfincteres, cm que acrianca experimen- taria prazer no processo de retengao ¢ inacdo das fezes. Fase fillica: Aconteceria no intervalo dos trés aos cineo anos, em que lo (que nao equivale preci- iquica do érgao sexual mas- culino). A crianga experimentaria a curiosidade em olhar ¢ manipular os genitais, muitas vezes ocorrendo masturhagio, Existiria a fantasia de que todos os seres possuiriam a mesma genitilia, até o momento a principal zona de interesse sexual é 0 samente ao pénis, mas A representagao p cm que a crianga se depararia com conhecimento da diferenga anaté- mica entre 0 sexos ¢, consequentemente, com a angiistia de castragio. Nessa ctapa também aconteceria 0 complexo de Edipo uma trama de rclagées que configuraria um processo importante para estruturagao: da subjetividade descjante. Scriam as rclagécs triangulares de amor, SEXUALIDADE HUMANA: fundamentos clinicos e terapéuticos 45 dlessjo © gozo advindas desse processo paiquico ineonseicnte que per- mitiriam ao sujcito ter accsso 4 sua posig3o sextada ¢ aos caminhos para a constituigso da scxualidade adulta, estabelecendo-se, assim, a sua identificagao sexual. + Perfodo de laténcia: Estendendo-se dos cinco anos até a puberdade, ssa fase succdcria a dissolugo do complexo de Edipo, havendo um deslocamento da cnergia sexual para objetivos nao sexuais, possibili- tando o desenvolvimento cultural, intelectual ¢ social da crianca, © Fase genital: E a partir da puberdade, nese estagio aconteceria a convergéncia das pulsées parciais infantis ¢ 0 amadure- cimento dos drgaos genitais. Uma vez que os objctos de investimento stabeleeendo- libidinal da infincia tiveram que ser renunciados, cmergiria o momento de se fazer a escolha de noves alvos sexuais, podendo haver um inves- timento libidinal dirigido para fora do grupo familiar. Como é possivel perceber, a crianga faz uma travessia que se inicia em um contexte de -auitocrotisme até alcangar uma posigdo em que fantasias, desejos ¢ praveres sexuais tornam-se de ser compartilhados, valido ressaltar que, no decurso desse processo de subjctivacao da sexualidade, a referencia a0 corpo comporta um grau de importancia, Todavia, essa aparelhagem anatomica, por sis6, no é suficiente para determinar a constituicio do ser sexuade enquanto. homem ou mulher nem a orientagio do seu desejo, A identificagdo sexual na infancia segundo Piaget Para Piaget, o descnvolvimento é um continuo processo de caminhada para o estado de equilibrio. Assim, conforme demonstra a Tabela |, as fases do desen- volvimento das opcragées mentais também permitem pensar sobre a constituigio: da ident de vida, os bebés jd comegam a associar voves masculinas ¢ femininas com rostos em testes de percep¢ao ¢ que, ao final do primeiro ano, conseguem discriminar fotografias represcntativas de cada géncro.®? Entre dois ¢ trés anos, podem scr lade scxual,’ Alguns cstudos apontam que, ao redor dos quatro meses capaves de claborar conceitos sobre os géneros, utilizando corretamente rétulos de “papai” € “mame”, “menino” ¢ “menina”.® A maioria das eriangas, nesta faixa etiria, conseguem se referir a si como pertencentes ao género masculine ou femi- nino. Porém, ainda demoram um pouco para pereeber que este é um atributo dotado de um certo grau de estabilidade, pois algumas criancas chegam a acreditas, por exemplo, que uma pessea que troca de roupa ou muda o pentcade poderia se tornar de outro géncro, Por fim, ao redor de cinco ¢ sete anos, geralmente esta- belece-se a percepeio de que a identidade sexual é algo relativamente estdvel.!"!9 Tabela 1 — O proceso de identificacio sexual de acordo com a fase de desenvo! iageti: fasede . tdade inksaccolvments’ Identidade sexual Conduta sexual = SensGro-motor Agee Hasina soec Dezerve SUBUESE oatie conse meats soe percenchese i novivenon +2 anos: aprende palavras “mening” & 2 4, “mening” s, -Pré-opersiéas: . + Masturbae§e colitzria, Inicio da pee a ee eee com curiosidad= sexual representacSe eer iste ree cam jogos de carder Badan “lingagen “Ezmes onsrienn de ness Sota. por eqocéntrea an ae ; ee Io. 7OuRaazes, com attuden, twansig$o para a i ‘exibicionistas © valoads farce pepactetens wie orcas ane aches guar tanto #8 forma de algunas ewectrstese ~Apareciments de episédios masturbatcrion ~B 7-ance: conssincla no conceito de: sexo © eatabllidade da igentidade sexual anos = Operages concratas individuaizados oa rmdtuas, surgind jogos PAtZianos -Operagies formais _ ~ Experinias diretas sobre sexuslidade - Retscionamento genital Fonte; Adaptade de Piaget, 1977 Tipificagdo de génera ua infincia A tipificagao de géncro de scu género ¢ adquire motivagées, valores ¢ comportamentos relacionados a ele, Nese contexto, é valido reflctir que esse € um proceso que pode se iniciar antes mesmo do nascimento, quando as pessoas que compéem o ambiente em é © proceso pelo qual uma crianga se torna ciente tomo da crianga jd tém tragadas as mais variadas expectativas a respeito do género do bebé, muitas vezes tomando como base o referencial bioldgico ¢ os esteredti- pos culturais para cada género, Nesse cendrio de padrées definidos, ox meninos geralmente sio encorajados a desempenhar um papel instrumental (dominantes, determinados, independentes e competitives), enquanto as meninas usualmente sao cstinuladas a sustentar um papel expressive (bondosas, cooperativas, doces, materais c sensiveis). Mesmo com as vertiginosas mudangas culturais obscrvadas no transcorrer dos anos, tais estereétipos tradicionais ainda sto obscrvados em varias culcuras,"""” ‘Tal fato, quando dotado de uma fixidez, podem obstruir as mais variadas formas de expressio da sexualidade, acarretando conlfitos ¢ sof mento das mais diversas ordens, mesmo na infincia. SEXUALIDADE HUMANA: fundamentos clinicos e terapéuticos 47 Sexualidade na adolescéncia As transformacées bioldgicas, psiquicas ¢ sociais que acorrem durante a adolescéncia acarrctam mudangas na forma com que o individuo vivencia sua sexualidade, repercutindo no desenvolvimento da personalidade, tio processo de aprendizagem, na satide mental ¢ fisica: A partir dessa fase, dé-sc infcio a um processo de ruptura com a dependéncia da familia e de contestagéo dos pais ¢ demais adultos, destituindo-os do lugar de detentores de saber, incluindo no que diz respeito aos conhecimentos scxuais. Esse ¢ 0 periodo da vida em que cles comegam a sc preocupar com 4 auitoimagem, em que a convivén torna mais intensa, pasando a sc relacionar frequentemente com grupos. Como social se culturalmente ainda predomina um conceito bindrio acerca dos géneras, inicial- mente tais arranjos grupais encontram-se segregades em masculinos ¢ femininos. ‘Todavia, posteriormente os adolescentes exercitam as méltiplas possibilidades (ani de relacionamento com varios individuos, independentemente do géncro. mudancas corporais, cm decorrén- A adolescéncia ¢ marcada por drastics cia da atuagio de horménios. [rrompem as caracteristicas sexuais secundarias (pelos pubianos ¢ axilares, broto mamério, aumento de volume do pénis ¢ dos testiculos ctc,), quc surgem em velocidades ¢ momentos distintos para cada um. A partir disso, os individuos tornam-se porencialmente reprodutares, com » ¢ liberacio de évulos ¢ produgio de cspermatozoides c emissio de cjacu inicio dos ciclos menstruais.” Quanto ao inicio da vida sexual, algumas pesquisas demenstram que ado- lescentes do género feminino a comesam na idade entre 15 a 17 anos, enquanto no género masculino ocorre geralmente entre 13 ¢ 15 anos. No pitblico adoles- cente feminino, a parecria da primcira rclacdo sexual, em geral, é provenicnte de uma relacéo de namoro ¢, cm alguns casos, uma parceria eventual. Por sua vew hi dados de que, no géncro masculino, a maioria reportou que iniciar com parcerias que vem de um contexto de amizade. A maioria dos adolescentcs, mesmo conhccendo o uso de prescrvativos ¢ outros métodos contraceptives, inicia a vida scxual de forma desprotegida. No seguimento da atividade sexual, recursos deixa quase 30% sem protegio, tornan- cia de gravidex indesejada c 4 aquisigéo de infecgdes S224 9 uso nao sistematico dess do-os vulnerdveis 4 ocort sexualmente transmnisdiveds (S's) Educagdo sexual Muitas vezes os pais consideram delicado abordar questées de sexualidade com seus filhos criangas ¢ adolescentes, geralmente por nao terem elaborado como esse processo sc deu com cles proprios durantes essas fases de suas vidas, Dessa 48 mancira, atribuem 4 escola a responsabilidade da cducagao sexual." Entretanto, a familia © a escola tém papeis diferentes ¢ complementares na execugao dessa tarefa, em que é fundamental que scja constituldo um vincule que po: construgio de estratégias de educagio convergentes, mas que consigam explorar a diversidade de opinioes. A cscola complementa 6 que é iniciado no lar, atuxiliando adesfarer precenceitos, promaver o respeito pelo corpo, pela intimidade ¢ pelos sentiments,” Nessc sentido, percebe-sc a importincia do professor na funcio de educador sexual na escola, ¢ a necessidade de renovacio continua dos seus préprios conhecimentos sobre sexualidade, para‘o cumprimento cficaz de seu papel.?” As indagagdes ¢ as diividas sobre sexualidade emergem 4 medida que o individuo vai crescendo ¢ descobrindo o seu préprio corpo. Nesses momentos, nio somente ‘0s pais ¢ os educadores, mas também os profissionais de sade podem encontrar ocasiées pertinentes para responder a essas demandas de forma adequada 3 idade do sujcito, reconhecendo que essas intervengées podem propi ériangas ¢ adolescentes sexuialmente saudaveis.? iar a formagao de Sexualidade na gravidez ¢ no puerpério ‘A atengio ao periodo gravidico-puerperal reveste-se de grande importincia por acarretar transformagécs significativas na vida das pessoas que cstio viven- ciando esse momento, E uma fase de intensas modificages bioldgicas, psicolégi- cas, sociais ¢ relacionais, desencadeando a necessidade de se experimentar ajustes c integrar novos aspectos da sexualidade.”* O periodo gestacional é marcado por intensa clevagao nos nivcis de horménios como cstrogénio c progestcrona, cna redugio das gonadotrofinas hipofistrias, FSH ¢ LH.” As modificagées corpors s40 diversas, ocorrendo principalmente: altcracdcs na pele ¢ nas mucosas, favo- rocendo a clasticidade tecidual pélvica; aumento do débito cardiacos redugao da motilidade géstrica ¢ cxcitabilidade ves do volume abdominal das mamas." O puctpério, por sua ver, também acarrcta ripidas modificagies corporais ¢, nese perfodo, os fenémenos da parturicao, como lesdcs vaginais ou abdominais, ical.” Exrernamente observa-se aumento afetam intensamente o bemeestar."? A redugio abrupta dos niveis hormonais ¢ a clevagio da prolactina, responsdvel pela lactagio, implica na inibigao da pro- dugao dos horménios ovarianos causando altcragées importantes nos sistemas corporal ¢ psiquico.** Dados da literarura reforcam a importancia das alteragées hormonais deste perfodo como fator de vulncrabilidade a problemas de satide mental, levando a aumento de até 18 veres nas taxas de internagao psiquidtrica.”* Para além das modificagécs corporais c hormonais, é atribuigao dos pais 0 desempenho de novos papéis sociais, implicados pela passagem da condigaio de filhos até a incorperacio da fungio parental, além da conjugal."® Espera-se que os ‘SEXUALIDADE HUMANA: fundamentos clinicos e terapéuticos 49 novos pais realizcm os cuidados do bebé, desafio. capar de causar sentimentos de medo, impoténeia, inseguranga, o que poder afetar a sua sexualidade,”* Nume- rosos cstudos deixam claro que o interesse pelo scxo, a frequéncia das relagdes ¢ a satisfagao sexual mostram uma curva de diminuicée durante a gestacio, atin- gindo nivcis mais baixos no primeira c tercciro trimestres, ¢ afetande também o pos-parto."4! Néuseas no inicio da gestagio, sonoléncia excessiva, fadiga e medo de abortamento séo as principais causas relacionadas com 0 comprometimento da sexualidade.* No final da gestagio, questécs relacionadas 4 autoimagem corporal, desconforto fisico, urgencia ¢ frequéncia miccional © medo de causar danos ao bebé, sio os problemas mais citados. Embora pesquisas tenham sido realizadas com o intuito de investigar s¢ rela- sbes sexuais causam prematuridade, amniorrexe, baixo peso a nascer, andxia ou mortalidade perinatal, nao foi possivel confirmar associagao direta ¢ exclusiva com. esses cventos."” Por conscguinte, clinicos obstctras proibem formalmente a pri- tica de relagies sexuais nos seguintes casost sangramento uterino vaginal, placenta prévia, dilatago precoce do colo utetino, amniorrexe, histérico de prematuridade © gestagdo gemelar.”** Em decorréncia das transformagdes anaromico-corporais, as posigics utilizadas durante as relagées sexuais mudam medida que-a gravider progride, pasando da posigio masculina superior, comum para 80% dos casais hetcrossexuais antes da gravidez, para posigdes como de quatro c lado-a-lado.*! reinicio da vida sexual no pés-parto é prejudicado por varios facores: sono reduide, cansago, estresse ete.” O trauma tecidual decorrente do parto a amamentagao, com elevada produgio de prolactina ¢ reduzidos niveis estrogé- nicos, promovem atrofia c diminuigio na lubrificagio vaginal, compondo fatores importantes para disparcunia c levando 50% dos casais a reportarcm dor 3 Gpoca da primeira relagdo sexual."* Cerca de 10% das mulheres experimentam depres- s40 pés-parto, o que também pode afctar adversamente a sua sexualidade.* O nascimento de um filho costuma mudar de forma irreversivel o relacionamento do casal e scus papéis sociais, sondo necessirio tempo apropriado para que sejam feitos ajustcs antes de se revomar a vida sexual, Sexualidade na terceira idade A sexualidade © 0 desejo de intimidade sio earacteristicas humanas essenciak ¢ importantes desde o nascimento até a morte.** Gerontéloges ¢ outros especia- listas geralmente concordam que a atividade sexual continua pode ser terapéutica para as pessoas mais velhas,” Além disso, para a maioria dos idosos, a atividade sexual ainda é uma mancira importante para cxpressar amor ¢ cuidado.” Apesar deo envelhecimento ser alvo de pesquisas nas mais diversas dreas do conhecimento, no tocante A temitica da sexualidade verifica-se wma escassex de 50 camudos.*" A expeceativa de vida tem crescido rapidamente no mundo todo -«, por lidade catre a populagie idosa é de suma impor- tincia.*” No Brasil, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geagrafia ¢ Estatistica (IBGE) aponta para o real envelhecimento da populagao, com 26,3 milhoes de isso, o comhecimento sobre sexe pessoas com mais de 60 anos. Estima-se quc esse numero dobre em 2050, tra~ duzindo-se em uma vida mais produtiva, porém nao mais reprodutiva, durante a qual cstaremos habilitados a gozar de intimidade sexual enquanto envelhecemos.** A sexualidade nao finda com 0 envelhecimento, apesar do declini da diminuigao da frequéncia da atividade sexual. Para os idasos, a scxualidade é fisiologicamente possivel, cmacional c afctivamente enriqueccdora, porquanto fortalece o carinho, o apego, a comunicagao, 0 companhcirismo ¢ o cuidado.*! fisico & Os profissionais de satide devem cstar abertos a discutir preocupagécs com a satide sexual dos idosos ¢ ofcrecer tratamento ¢ aconselhamento para maximizar sua satide sexual ¢ bem-cstan® Desconstruindo mitas e preconceitos O esteredtipo de que @ idoso ¢ um individue dependente e que nao explora sua sexualidade tem se tornado cada yeu mais inadoquado. Algumas pesqtiisas populacionais mostraram que muitos idosos estio cnvolvidos cm relacionamentos fntimos ¢ consideram a sexualidade como uma parte importante da vida. Devido ao desconhecimento, ao precenccito 4 pressao cultural, muitos dos que ainda possum desejo sexual podem experimentar culpa ou vergonha, que acarreta grande perda em sua qualidade de vida.** Evidéncias crescentes confirmam quc a atividade sexual permanece mesmo na idade avangada, com 5444 dos idosos entre 75 € 85 anos mantendo relagdes sexuais duas ou trés veres por més,” Quadrol — Mitos ¢ preconceitos comuns sobre sexualidade na terceira idade 1. Distungo anit normal ne-idowo: 2. Pessoas idosas nde tim dessio seal; 5. dosos sb0 muito frégeis e doentes pa 4 Idosos no sho sexuatmente stroentat 5 ldesos gue tazem sexo sho promiscuos, Fonts: Autorfa prépris. Abordagem da sexualidade na populacao idosa Do ponto de vista assistencial, observamese dois problemas principais na abordagem dessa temdtica com idosos. Por um lado, 0 profissional de satide sente-s exual; por muitas vezes envergonhado em fazer perguntas de Ambito SEXUALIDADE HUMANA: fundamentos clfnicoe € terapéuticos st outro, é comum o idoso nao ter coragem de questionar o profissional sobre esse assunto, temendo ser mal interpretado. De acorde com Viana e Madruga, 0 idoso deve se sentir confortdvel pata expréssar emogécs ¢ necessidades, sem ficar temeroso ou envergonhado ao discutir problemas a respeito da sexualidade, Os profissionais devem se mostrar interessados no tema, falar diretamente sobre assunto, responder a tod: questées, sem rodcios ou constrangimentos, Pesquisas sobre a sexitalidade de idosos na populagao LGBTQUA+ sto cscassas, silenciando as diversas nece és, ladcs desc grupo c cspelhanda o cas ¢ programas de satide frequentemente negligenciam as necessidades de saiide sexual ¢ reprodutiva na terceira idade, incluindo os dessa populacio, fazcndo cam que profissionais de satide tenham heteronormative da sociedade. Politi pouce accsso a informagées ¢ treinamento, além de se sentirem desconforeiveis na abordagem.” E importante ressaltar quea gestio da satide sexual dos idosos deve cnvolver também as parcerias, a fim de melhorar a qualidade de vida do casal.@ Além disso, as politicas de side devem incluir a abordagem das iveis (IS Ts). B transmissio de HIV na populacio idosa c aproximadamente 120.000 pessoas nfeegbes sexualmente transm tudos recentes tém avaliade aumento da com mais de 50 anos sio infectadas pelo virus anualmente nos paises cm descn- volvimento, nquanto fatores biolgices desempenham um importante papel na suscetibilidade & infeceao nessa faixa ctdria, outras varidveis sociocconémicas ¢ culturais resultam cm um maior risco, ineluindo: baixa percepgae de risco, pritica sexual desprotegida ¢ conhecimento limitade sobre sexualidade ¢ satide sexual.” Alteragées biologicas e socioambientais na terceira idade DeLamater ¢ Sill (2005) asseveram que fatores biolégicos fornecem uma condicao necessiria, mas nao suficiente, para o funcionamento sexual, Portanto, para chegar a uma abordagem abrangentc do envelhec! cnto da scxualidade, é necessdria uma perspectiva biopsicossocial.° Elencaremos nessa segdo algumas das altcragécs biologicas ¢ socioambientais na terceira idade que podem afetar a scxualidade. Homens Embora um deelfnio relacionada & idade na atividade sexual ¢ no desejo tena sido rclatado cm imimeros cstudes, a manuten¢io de um interesse saudavel pela atividade sexual nao é incomum entre homens de diversas idades.% Pfeiffer colaboradores relataram que 95% dos homens de 46 a 50 anos c 28% dos de 66 a7] anos tém relagies ‘xuais semanalmente. A diminuigao da libido associada 4 idade é frequentemente atribuida ao declinio dos niveis de testosterona c Ais 52 alecragées na scasibilidade local do receptor ao horménio. O estado hormonal sexttal de um homem saudavel permanece telativamente cstivel desde a puberdade até a quinta década de vida, quando a produgio de andrégenos gradualmente diminui.“““ Embora a queda nos niveis de testosterona claramente se relacione a0 declinio da libido, hd poucas cvidéncias sugerindo que a terapia de reposigio de testosterona aumenta o interesse sexual em homens com niveis normais de basais,” testosteron Mutheres Hd estudos que comparam a prevaléncia de relagdes sexuais na terecira idade em ambos os sexos ¢ sugerem que o declinio no interesse sexual com a idade é mais intenso em mulheres que em homens da mesma faixa etéria.** No entanto, pesquisas recentes indicam que 56% das mulheres casadas com mais de 60 anos sao sexualmente ativas, assim como 30% das mulheres com a idade entre 80 a 102 anos.™”! Dado que aos 80 anos ou mais hé 39 homens para cada 100 mulheres, a falta de oportunidade para relagao com parccria pode ser um fator importante para essa diferenga, considerando-se que estatisticamente hd uma maior preva- léncia de pessoas heterossexuais. Mais importante, as diferengas na incidéncia de relagées sexuais ¢ masturbagio entre homens ¢ mulheres sio observadas ao longo da vida, ¢ nao apenas na terccira idade. O relatério Janus indicou surpreendentemente pouca mudanga na atividade scxual ao longo da vida média da mulher.”* Neste relatério, 68% das mulheres de 39 a 50 anos afirmaram praticar atividade sexual pelo menos uma vez por semana, assim como 65% das mulheres de 51 a 64 anos ¢ 74% das mulheres com mais de 65 anos. Como ¢ 0 caso dos homens, a frequéncia de masturbagio nas mulheres diminui com a idade, mas continua a scr praticada por aproxima- damente metade da populacéio feminina com mais de 60 anos. Uma das prin- cipais causas de diminuigao do desejo sexual em mulheres pés-menopausa é a diminuigao da lubrificagao ou um afinamento do revestimento vaginal. Nesses casos, o descjo sexual geralmente retorna desde que alguma forma de tratamento ic os sintomas.” Ao contririo do que geralmente indicam pesquisas anteriores, 9% das mulheres entrevistadas em um cstudo recente rclataram um aumento no desejo- scxual durante ou apés menopausa. Isso pode ser cxplicado por altcragocs hormonais, sobretudo um aumento nos niveis de FSH ¢ LH. Esse aumento estimula certas ¢¢lulas no tecido ovariano a produsir testosterona, o que pede levar a um aumento do descjo sexual, Fatores psicaldgicos, como a climinagdo do medo da cancepeao, também podem desempenhar um papel nesse aumento apés a menopausa.” SEXUALIDADE HUMANA: fundamentos clinicos e terapéuticos: 53 Comorbidades, uso de medicamentos e sexualidade entre idosos As comorbidades podem afetar dirctamente a fungio sexual, interferindo nos processos endécrinos, neurais ¢ vasculares que mediam a resposta sexual, causando fraqueza ou dor e provocando mudangas na imagem corporal ¢ autoestima.“ Em homens, cirurgias abdominais ou pélvicas, sobretudo cirurgias de prés- tata podem estar relacionadas 4 disfungSo erctil. Doengas vasculares, endécrinas cia renal c hepatica podem afetar signifi- cativamente a fungio sexual. Nas mulheres, a presenga de incon pode causar sensagdo de constrangimento durante as relagdes sexuais, ¢ cirurgias para tratamento de cancer de mama ou ginccolégico podem alterar a percepeao da imagem corporal, levando-as a ficarem desconfortéveis na prética sexual. Dia- betes mellitus ¢ insuficiéncia renal também tém sido relatadas como causas de altetagées no desejo, anorgasmia dificuldade de lubrificagio vaginal, Diversas medicag6es como anti-hipertensivos, quimioterspicos e drogas cardiovasculares podem levar & disfungio erétil. Muitos psicofiirmacos e drogas ilicitas podem estar relacionado 45 disfungées sexuais, porém esse assunto sera abordado com mais detalhes no capitulo 9, ec neuroldgicas, assim como insul éncia urindria Aspectos Psicolégicos do Envelbecimento e da Sexualidade Nao é de surpreender que uma série de fatores psicolégicos que influenciam xualicade de pessoas jovens também aferem as pessoas mais velhas, De grande importincia é a natureza da relago interpessoal: conflitos conjugais, problemas de compromisso, intimidade ¢ comunicagia, falta de confianga, incompatibilidades no desejo sexual, tédio técnica sexual pobre séo algumas das fontes comuns de insatisfagio observadas cm todas as idades. Em pessoas mais velhas, esses fatores podem ser amplificados pela raiva e pelo resscntimento construidos ao longo dos anos, bem como por scntimentos de armadilha c resignagio se a opie de sair da relagio ndo parece vidvel. Como nos casais jovens, a satisfag4o conjugal estd também ligada & satisfagio sexual, Estresses psicossociais, como a morte do cinjuge, perda de emprego ou. status social, deterioragio das redes de apoio ¢ problemas familiares relacionados A satide © As finangas sdo expcriéneias comuns entre os idasos. Essas mudangas podem contribuir para dificuldades scxtais, aumentando a probabilidade de depressio ou ansicdadc. A “sindrome do vitive” sc refere 3s dificuldades scxuais cm pessoas idosas que retomam a pritica sexual apés um periodo de cclibato decorrente da morte de um conjuge. Essas dificuldades sao geralmente atribulveis a sentimentos nao resolvides de lito, culpa, raiva ou mesmo allvie tos casos em quc o parcciro esteve docnte por um longo periodo antes da morte." Ansicdade de descmpenho relacionada 4 atividade sexual com nova(s) parceria(s) pode ser um problema para todos os géneros. Como as mulheres vivem em média sete a oito anos a mais que os homens, las sio mais propensas a expcrimentar a morte de um cdnjuge do sexo mascu- lino na velhicc, levando as idosas que sc rclacionam com homens a ter maior risco de passar os iiltimos anos de vida sozinhas, quando comparadas a cles." Embora a masturbacdo seja uma opgio, ainda hé muitos tabus relacionados a ‘esa pritica, sobretudo na terccira idade, ¢ informagao a respeito de tema por um profissional de saiide habilitado pode ajudar a redurir alguns mitos ¢ melhorar a qualidade de vidas dessas pessoas. ‘Também sio comuns entre os idasos falsas expectativas em relacio aos efeitos da envelhecimento na sexualidade. Ansiedades, autocriticas excessivas sobre as habilidades sexuais ou imperfeigdes fisicas podem set perturbadoras para o prazcr sexual ¢ a excitagao nessa populagao.” Portanto, far-sc necessdria levar em considcragao essas questécs ao abordar a sexualidade ina populagao idosa. IDEIAS-CHAVE + A vexualidade passe gor dinfimicos # Sensos processos oe transtormagio ao longo das varias faxes ts vide de uma pess08 + Freud descreveu © desenvelvimente psicossexual infantil em fases: oral, anal tdice, laténcia & genital. + Asfases do desenvolvimente das aperagbes mentais Geseritas porPiaget também petmitem pensar sobre a consituigio da identidade sexual infantil + Radolescncis & marcada por drdsticas mudlangas comorais e psiquiéss, como surpimento das caracteristcas seusis secundsrias. aquisigao da capacidade reprodutiva, preoaupagies oom autoimsgem., rupture com 3 sutaridade dos sduitos, buscs por aceitacSo em grupos, micio da stividade sexusl ee + Assdividas sobre a sexuaidade de criangas @ adclescentes dever ser adequadamente acolhidas © respondidas pela familia, pels escola e por profissionais da sade, uma ver que a educacSo sexual pode propiciar uma vids sexual ssudSvel + Ateneo a0 periodo pravidico-puerpersi reveste-se de grande impertincia por acarretar ransformagbes signifcatvas na vida das pessoas que estio vivenciando esse momento +O periods gestacionai & maroado por mudancas corporais, hormonais e orgSnicas. que tazem sintomas fisicos e psicoldgicos que compromatem a sexualdade + Durante o puerpério. os fendmenos da parturi¢bo e as sltecagbes hormansis implica akteracSes corporsis iquicas-que sumentam a winerabdade da sade mental +O desempenho da nova funcSo parenia! e # pressio pars prover adequadamente os cuidadas do Bebé _aados 20 sono redurido, cansaco © estresse podem gersr sentimentos de medo e inseguranga, sietando a sexvalidade + Aénfase social que tem kigado 3 sexualidade quase exciusivamente aos jovens pode levar algumas pessoas mais velhas a sentr vergonha de seu interesse sexual e desencorajd-os a buscar atendinanto em saide sexual + Informac$es dos proflesionais de salide sobre mudancas nonmais na sexualidade como passar ds dade, aim de uma postura ivre da tabus e preconcalton pode Gesempenhar papal fundamental ra mudanca de algumas atitudes e pensamenios negativos a respeito da ativxdade sexual na rerceira idade. + Diversas patologaas © medicarbes podem interfenr nagativamente na fungSo sexual, assim oma quests psicelégieas © Beligieas. Materiais complementares Filmes * — Kids (1994), Diregio: Larry Clark. SEXUALIDADE HUMANA’ fundamentos clinicos e terapéuticos 55 Minha vida em cor de rosa (Ma vie em rose, 1997). Diresio: Alain Berliner. Houve uma ver dois verdes (2002). Diresio: Jorge Furtado. = Juno (2008), Direcio: Jason Reitman. © Gerontophilia (2013). Direcéo: Bruce La Bruce. + Antes que eu me esque (2018). Diregio: Tiago Arakilian. . ac Fred: um amor de paixio (Kha & Fred, 2014), Diregao: acl Radford. Série + Grace and Frankic (2015-2020). Diregao: Tate Taylor, Seote Winant. Documentarios © Meninaé (2006). Direcao: Sandra Werneck. + Scereto c proibido (A seerer love, 2020). Diregao: Chris Bolan Livras Capities da arcia (1937). Autor: Jorge Amado, A casa dos budas ditosos (1999), Autor: Joao Ubaldo Ribeiro.

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