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Pattvinscis| Média, ndo se hesitava em utilizar as pedras dos omanos para cons 5 novos. Ninguém se om isso: néo se atribuia uma relevancia particular & jas construcdes do passado. Ndo se considerava iam um patriménio histérico o qual era neces- © contraste com a nossa época é marcante ‘Mo, © patriménio, tornou-se palavra-chave da ura, como 0 mostram os textos aquireunidos. >, esta antologia retine os documentos essenciais culo XII 20 XX, permitem-nos compreender como se desenvolveu a preocupagio com a preservagio 0s, mas, sobretudo, as confusdes e os amélgamas que esto associados & nocéo de €. Querendo-se engajade, a antologia é precedida intradugéo :fundadora na qual ombateigue'é preciso cBhtra tudo o que tende a transformar nosso am- época de mun- struido em simples objeto de lucro ou de museu. ‘GOISE CHOAY 0 PATRIMONIO EM QUESTAO SIA PARA UM COMBATE Frangoise Choay coLegho | O Patriménio em Questao Pavinénio Antologia para um Combate ‘TRADUGAO Joto Gabriel Alves Domingos FINOTRACO, Fy Belo Horizonte 201 ‘Tradugio autorizada da edigto francesa, publicada ns du Seuil, de Paris, Franca ms Du Seuil, 2009 Este liveo ou parte dele no pode ser reprodusido por qualquer meio sem a autorizagio da editora AAs ideias contidas neste livro sfo de responsabilidad de seu autor € nko expressain necessariamente a posiglo da editora CP-BRASL CATALOGACNO-NA-FONTE | SCNDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVED, RI 5 Frangoise, 1925+ oem questo: antlogia para ur combate /Fraugoise Choay ;tedugho Alves Domingos. - Belo Horizonte, MG : Fino Trago, 2011 imi: 8) anthologie pour un combat 5 ~ Conservagto o resteuragto. DD: 363.69 (CDU: 351.853 ago 21.10.11 030599 in Fernandes, sine sko PavLo 2011 Fato de capa © Mi onsen eotromat Cataco Parnono Castro Gomes | FGVIRJ Flévio de Lemos Carsalade | UFMG Thais Velloso Cougo Pimentel | UFMG Ipiano Toledo Bezorea de Meneses | USP Fino Trago Editora Lida, ‘Av. do Gontorno, 9817 A | 2° andar | Barro Preto Belo Horizonte. MG. Brasil ‘Telefax: (81) 3212 9444 www-finotracoeditora.com.br Agradecimentos Este livro, resultado de uma longa aventura coletiva, é dedicado aos meus Companheiros de combate. Aqueles cujo trabalho cito no livro. Mas também a0s outros, no menos engajados: aos mais velhos, Ernesto d'Alfonso, Filipe Lopes, Claude Soucy, assim como aos das geragies seguintes, Maria Bertrand. Soazo, Mare Desportes, Gilles Duhem, Kazmer Kovacs, Bernard Landau, Jacques Saint Mare, Vincent larie Gauthier e Makan Rafetdjou, Sumario A conferéncia de Atenas sobre @ conservagdo dos monumentos de arte e de histér Desde 1992, o processo de mundializagao e sua repercussio no conjun- to de praticas relativas ao patriménio edificado de nosso planeta aceleram-se de modo espetacular. E 0 motivo pelo qual gostaria hoje de promover uma tomada de consciéncia, mobilizando si neamente dois tipos de leitores: por um lado, os profissionais e os especialistas; por outro lado, 0 piiblico no especializado e nfo informado dos cidadios, que slo os primeiros afetados por esta evolugao. Este & 0 objetivo da mit método cuja eficdcia te: © patrimSnio, destinado original nos meus cursos na Exole de Chi te aos futuros uxbanistas, destinados aos arquitetos interessados io, seja tratando dos projetos contem- pordineos, ou de restauracdo. Cada um desses cursos & ou era, entretanto, seguido e completado pela leitura obrigat6ria de um texto emblemético da Epoca tratada. Assim, depois da exposicdo tebrica e das dificuldades levan- tadas pelo seu carter abstrato, os estudantes confrontaram-, da gestdo dos museus ¢ dos monumentos histricos, advinda do Ministério da Educagdo Nacional, © oconjunto das competéncias da Secretaria de Estado para as Belas Artes, suprimida desde entdo. Esse ministério da Cultura da cultura como questio do Estado", & fundado sobre uma concepeao Populista da cultura, A acepcdo do termo nao & mais a de Kultun mantide viva na lingua alema, e desenvolvida desde o séeulo XIX pela etimologia © 8 antropologia cultural, que a tornou sinGnimo de “civilizagdo” on, em outras palavras, de uma obra col iadore. Para Malraux € seus su- cessores, a cultura reduz-se a um privilégio de classe, essencialmente ligada a0 lazer: “nao haveria cultura se no houvesse lazeres” afirma Malraux, Assim, a cultura torna-se um objeto de consumo que trata de redistribute igualmente, notadamente gracas aos mediadores chamados “animadores”, Tende-se desde entdo a afastar a nocdo viva e nto conceitualizada, igual, ‘mente partilhada pelos membros de uma eomunidade regional, nacional ie marca “o reconhecimento politico ‘eas jurcicas e restauradoras inclufam os monumentos sem qualitativo como uma tegoria de monumentos histéricos. aud, LBxception culturlle, Culture et powvoirs sous la Ve République, Pats: 1995. "ervengdo no Senado, 9 de novembro de 1963 (Jornal Oticial). Essa posigdo nto de nenhur modo ser assinilads équela da Frente Popularm 1986. As “lenges ” sBo da competéncia do dizeto do trabalho. ou supranacional, ¢ cujos verdadeiros mediadores sfo, antes de tudo, as familias ¢ as escolas. - Esse novo sentido mais claramente traduzido e afirmado ao longo das mudangas da designacao do ministério que em se seguida se tornou Secre- taria do Estado para a Cultura (1974); depois Ministério da Cultura (1977) ¢, por fim, Ministério da Cultura e da Comunicagao. Esse desvio semantico fez escola. Rapidamente adotado pela maior parte dos pafses europeus, ele foi acompanhado pela inflagao do adjetivo “cultural” aplicado a um niimero sempre crescente de substantivos (“a ‘idade”, “administragao", “desenvolvimento”, “mundo”, “oferta”, 2.) Correlativamente, 0 termo “patriménio” sofreu a mesma inflacdo tende, pouco a pouco, a sub is 0 Servigo do Inventario do Patriménio & criado em 1964, ¢ a morte sim- bélica do monumento histérico 6 avalizada quando, em 1978, a Diregao dos monumentos histéricos torna-se a Direcio do Patriménio.** Os paises europeus seguem alegremente o movimento, quando o Conselho da Europa rultiplica recomendagdes, declaragBes, cartas e resolugo ao servigo do “patriménio europeu”. De fato, desde 1972, a *Convengio para a protegto do patriménio mun- dial, cultural e natural”, elaborada pela UNESCO, consagra o amélgama das duas nogdes de “monumento” e de “monumento hi ”, ocultando totalmente a origem étnica e a especificidade seméntica da segunda sob a cobertura de uma identidade planetéria de valor universel ~ 0 de espécie humana. Essa consagragao lexical planetéria nflo é imputdvel a insignifican- tes evolucdes societais. Ela marca simbolicamente o acontecimento, aescala do globo terzestre dessa veu, de uma nova revolugdo cultural. A vestimenta nova do patriménio e todo o guarda-roupa patrimonial dissimulam desde ‘entiio um grande vazio, uma dupla auséncia, a do monumento memorial e a do monumento histérico. Retomaremos isso mais a frente. A revolugao eletro-telematica traumatismos resultantes da Segunda Guerra Mundial. Eu escolhi qualificé- Ja de “eletro-telematica” (Le Débat, maio-agosto de 1990) a fim de pontuar a natureza técnica dos dois de seus fatores mais importantes, o duplo desen- 40 artigo 1.11] da lei de descentralizacdo de 7 de julho de 1983 “integra o patri- ménio na vida nacional”. 28 volvimento dos instrumentos eletronicos e das redes de tlecomunicagio que entram assim em retroagio com o conjunto das atividades e dos comporta: ‘mentos societais contemporineos, Mas se, por um lado, seu impulso provém do que se convencionou a ‘por “Ocidente”, portador de uma dinamica i » essa nova revoluedo cultural abarcou em algumas décadas a toaldade do planeta. Nés a qualifcamos de “mundial adjetivo que nae se encontra — significativamente ~ nem no Dictionnaire de Littré," nem no Larousse do século XX, nem antes de 2002 no Dictionnaire de 'Académie Francaise. A denotagio da expressio revolugdo “eletro-telemética” & assim coextensiva no tempo aquela do termo “mundializacao™® para a qual ela representa 0 motor téenico, Colocando provisoriamente entre parénteses a dimensao positiva dos novos poderes técnicos que essa revolucdo cultural mundial nos dotou, eu . para concretizar meu propésito, alguns exemplos de suas incidéncias © societais: * engajamento progressivo das sociedades humanas em um mundo virtual, acompanhado de um enfraquecimento correlative da relagao estabelecida pela mediacio do corpo com o mundo concreto da terra € dos vivos, animais e vegetais, que dali se alimentams utilizacdo correlativa de proteses mais © mais sofisticadas, Sol influéncia de Carlyle, Ruskin afirmara que “é pr eames fazer da criatura uma ferramenta ou um homem. Mas [que] os dois ‘do so compativeis”.* Em 1929, Freud descobria “o homem feito, Por assim dizer, um deus protético™ e a alienagao que resultaria © 0 termo sb apareoeria em 2004 no Noweeu Litré. Lembremos que a edigto do Dictionnaire de Litré aparece em 1863. on “2.0 Trisor de la langue frangaise indica que esse adjetivo, Aializar’, assim como ess itimo, tem sido reservado primeiram éxpansto nacional (Pal Valéry, 1986) eas trocas econémicas internacional (F Perrour, 1964).E precise aqu poe see ar a8 antecipagBes da lingua na pena de Marx, ate, desde 1848, fla om Walgschichto de Waluirachfis Ch abuso, p84, ‘Segundo a 9* ed, em curso do Dictionnaire de 'Académie francaise (Journal offcil, 2008): *Novo conceito que designa a generalizagdo das relagSes intenacionais nos dominios politico, econémieo e cultural”. Acepeto comparével no Nowen Litre 4s Pedras de Veneza, 1" ed. Cf. abaizo, “I. Ruskin’, p. 120. © Das Unbehagen in der Kultur. Vienne, 1929 ; trad, fr: Malaise dans la civilisat ‘Trad. de Ch, etJ. Odier Paris: PUF, 1971, p, 89. (FREUD, S. 0 Mal-EstarnaCivize, $¥, Obras Completas,, 18 (1980-1936). Sho Paulo: Compania das Letcae, 2010} ido do verho “mun rente As politices de 29 por outro lado, em 1956 Gunther Anders nomeara essa alienagio de a “obsolescéncia do homem”; * «+ desinstitucionalizagto latente em proveito de uma pseud individual, que Giambattista Vico teria qualificado de ruptura com a duragio ¢ 0 uso da meméria viva em favor da ins- tantaneidade; + normalizacdo das culturas em detrimento de suas diferencas. No escopo da presente introducao, nfo se pode esperar um inventério aprofundado, mas somente uma evocaclo sugestiva, fundada sobre a ex- trapolagdo de tendéncias que se sublinha para fins de adverténcia, Meu objetivo nfo 6, repito-o, denegrir os poderes fabulosos com que as novas técnicas e préteses desde entio nos dotaram, mas colocar-se em guarda contra uma hegemonia, muito facilmente ligada aquelas, que ameacaria nossa condigio de humanos. Jé que é também essa identidade que esta em jogo e trata-ce de prote Com efeto, e contrariamente as afirmagdes muito respaldadas, a globa- Tiago, quanto & amplitude do seu impacto, ndo teve precedente na historia das sociedades humanas desde a sedentarizagao de nosea espécie. Ela 6 de natureza diferente das repercussbes das relagdes entre civilizagbes ~ inter- continentais ou transcontinentais ~ que t&m sempre existido e das quais, dentre as culturas de posse da escrita, as sociedades antigas e medievais da Europae da Bacia do Mediterraneo tem nos deixado um paradigma: tratava de normalizagio, mas de assimilagSo seletiva, ja descrita por Riegl na sua Grammaire historique des arts plastiques* (Historische Grammatik der bildenden Kiinse), daquilo que, vindo de fora, estava apto a enriquecer @ identidade cultural das sociedades envolvidas. Desde entto, nés vivemos ‘um processo de normalizaedo, sinénimo de perda e cujo horizonte € uma sociedade globalizada, Para todos aqueles que se rejubilam, sob 0 nome Cf, G, Anders, Die Antiquiertheit des Menschen. Munich: C.H. Beck Verlag, 1956; trad, fr L?Obsolescence de Phomme, Paris: Ed. Encyclopédie des nuisances, 2001. 5. Vieo, Principi di seienza nuova, 1725 [VICO, G. Ciéncia nova, Sto Paulo: Editora Hucitec, 2010}: trad. fr. de edigto de 1744: La Science noutelle,apresentada e anotads Fayard, 2001, p. 105: “a feror liberdade bestial [que caracteriza 30 de um progresso pretendido, convém lembrar as palavras de Claude Lévi- Strauss: “Nao hé, ndo pode haver, uma civilizacdo mundial, no sentido absoluto que se dé frequentemente a esse termo, jé que a civilizagao implica a coexisténcia de culturas oferecendo entre elas o maximo de diversidade ela consiste mesmo nessa coexisténcia” Incidéncias da globalizagdo na morfogénese e na organizagiio dos territérios humanos “ 0 emblema espacial da “mundializagao” & desenbado pelo conjunto de redes de infraestruturas téenicas, materiais ¢ imateriais, normalizadas e fre de eels, pe canal por onde se transite desde ena os fans de formagio e circulago de hens e de pessoas, € um ntidade ~ global ~ ao nose planeta. ‘me confrem ums nove Além disso, essa rede, produto de uma verdadeira engenharia ter- ritorial, nfo € somente libertada de nossos ancestrais constrangime espago-temporais (dito de outro modo, de toda dependencia contextual): oferece esse idéntico privilégio a todas as categorias de edificios humanos, de conectarem-se-sob a égide de uma nova pratica disciplinar que, na falta de uma designaco oficial, pode-se qualificar de urbanismo ou de um ordenamento de “ramificagses” . Essa tecnizagao de nosso ambiente, tornada pratica para todas as escalas do ordenamento, é descrita com justeza, mas falaciosamente posta como incontornével pelo holandés Rem Koolhaas quando ele convida os arquitetos de hoje a celebrarem juntos a desmedida de nosso novo ambi técnico e seu fuck context.5” 0 impacto exercido pela normalizagio planetéria das redes de infra- wstrutura técnica e pela extensdo correlativa sobre a totalidade de nosso ice et histoire”, Paris: Unesco, 1952 (LEVESTRAUSS, C. Raga hi . 5, C. Rapa ¢ histria, resenga, 1973] publicada sob o mesmo thulo em Pais: Gonthier, 196). p ambém abaio, p. 34. — ot memo do pe ins Arch a8, com a colaboragao de B. Mau e do OMA, S, ML, XL (Rotterdam- 010 Publishers, 1995, p. 502) fom “Dignes, or the robo: of ves, p494 1g). Pae uma ds creas mais cds dene pose, Ct 1 mstruisons joyeusement! Lirresponsabilié érigée en vert (Bruel 4 novembre 1998). ie ener Bawls 31 globo de um “urbanismo de ramificagdes” pode, com efeito, ser resumida segundo trés perspectivas respectivamente focalizadas sobre: + as formas materiais dos estabelecimentos humanos, urbanos ¢ ru- rais, cujas tipologias tradicionais se desintegram e se desarticulam, ‘enguanto que emergem entidades nao designdveis nos léxicos existen- tes, sendio pelo termo de “aglomeragdes”. Na Europa, notadamente, assiste-se a uma “supresstio da diferenca entre cidade e campo”, cujo sentido ~ essencialmente fisico ~ ndo tem nada a ver com aquele da formula marsiana; + astelagbes das populagBes envolvidas com seu meio, que induz perda das solidatiedades locais (geofisicas ¢ humanas) em proveito de solida- riedades virtuais, admitindo que essa expresso tenha win sentido; o estatuto profissional do arquiteto tal como foi definido ¢ teoriaado na cultura da Europa ocidental no Quattrocento, para ser adotada em seguida no mundo ocidental. Lembremos que, se 0 arquiteto, como © pintor ou o poeta, contribui pela singularidade do seu tabelho pessoal para a transformagfo e para o enriquecimento da cultura a qual ele pertence, ele nao deixa de ter af uma vocagdo especifica, @ cde waduzir no espaco, proveniente de uma relagao dialégica, neces- sidade préticas e aspiragdes societais. Agora, tiplamente amputado de suas competéncias de desenhista pelo computador), de construtor (assuinidas pelo engenheiro) e de dislogador-tradutor (Confiadas pelo mestre de obra aos outros intermediarios)** o arqi teto tende a tomar-se um produtor de imagens, o designer de objetos artisticos “ramificados” (nos sentidos dois sentidos do termo, concreto sos de vocagio midistica, supostamente capazes de cexprimir 0 puro poder criativo do conceituador; objetos narcisioos ¢ compardveis as produgSes atuais do mercado da arte; objetos iden- ticamente vendidos em todos os continentes e que normalizam sua realizagto técnica pelos eseritrios de engenhaa e, mais ainda, ofato de que os arquitetos “criam” com a ajuda dos mesmos softwares. 7 art market information”, Digno de nota (Ci. Le Monde, 27 de sotembro 2008): 0 primeiro leilao de uma casa (a Kaufmann House de Neutra) como objeto de arte pela sociedade Christie's, rae Mas, objetar-se-&, nfo subsist geral, um grande nimero de cen ‘samente ligados ao seu context novo, descrevo uma tendéncia dos lugares de vida e das ativids movimento, despoj fungao simbélic que, portadores de um v issmann, Mémoires, Ed, estabelecida Idade de demarcagto & bem tr do patrimdnio mundial, que rem jemorial, no so menos anacrbni te, tanto na Franga quanto na Europa em itros ¢ vilas antigas bem vivos e harmonio- local, natural e humano? Certamente, De ue, trazida pela normalizagfo planetiia Indes, rompe as amarras e, em um mesmo ola os estabelecimentos ¢ as paisagens humanas de sua a, garantiora da diferengae da identidade © tendéncia que provocou a fetichizagto do patriménio sob o efeito s (opostos) de respostas. Em um caso, uma rea, © nostilgica erigida em modelos das formas e dos modos of passadista de organizagao por F. Choay. Paris: Seuil, 2000, 8 monumentos citados e, em par. lesde o artigo 1° da C ia Convento pars como uma litania, & nog de “ves transferir de modo dogmitico a universalidade antropolégica do monumento para o conjunto de criagbes de diferentes eulturas humanas nas quais, por tum passe de mégica, vocabulo de “patriménio” metamorfoseia-se entao em monumentos histéricos e artisticos. E »petimo-lo, que uma demarcacao particular, propria & cultura europeia, 6 erigida como um universal cultural, Ora, nés vimos que as “antiguidades”, uma ves promo mentos hist6ricos”, foram objeto de uma protegdo it nde para a museificago e que 6 agora globalmente transferida zo “patriménio”. As consequéncias dessa transferéncia foram anunciadas ha trinta e sete anos Por Claude LéviStrauss, nos termos que nfo precisam de glosa, quando ele evocava o “movimento que leva a humanidade rumo a uma eivilizagdo ‘mundial, destrudora dos velhospartcularismos aos quas concede a honra de terem criado os valores est irituais que dio seu preco a vida € que nés recolhemos preciosamente nas bibliotecas e nos museus porque nos sentimos cada vez menos certos de que seremos capazes de produzi-los também com tanta clareza”,* Da minha parte, limitar-me-ci mortiferos da museificagso do ss - da cultura de massa, de uma parte, a mercantilizagdo do patri cado, assim como dos museus, de outra parte. Os limites dessa introdugo no me permitem estender sobre o caso particular dos museus franceses. Lembraria somente a lei 2000-5 de 4 de janeiro 2002, qi to de “estabelecimentos de cardt a sublinhar dois aspectos A cultura de massas 4 escala do Planeta Defines acim no quadropioneiro da Frangs, 0 que, por abuso de Jinguagem, é desde enti designado em escala planetéria pela locugao “cultura de massa”. Essa acepcao do termo “cultura” repousa sobre um postulado se- Jor universal excepcionl”. Vor também as justifcativas confuss dessa excesto” dadas pel Contr do patrindnio mundial da UNESCO na oes de ea triggsimo aniversério. "Race et culture”, Revue internationale des sciences sociales, Paris, XII (4, 1971, repu- Dlicado em Race et histoire, Race et culture, Pi in Michel, 2001, pp. 171-1 + Publicado pelo Comité Patrimoine et Résistance (23, rue Harlay, 95590 Ne ctiado ness ocasido pelo descontente Daniel de Coppet. © Acima, p. 28. ld, WwTRODUGEO undo oqual um contatofsic direto com o objeto patrimonial proporciona ‘site ow ao espectador,aludado ou ndo pr painés ou folhetos explicate ou conferencistas, uma satisfagao cultural imediata, Eles s30 assim ooultade ¢ otempo e o labor necessérios também, tanto para o entendimento histérie Entzetanto, € & ago da UNESCO, com sua classificagio do patriménio mundial, que ¢ mercantilizagto patrimonial deve seu desenvolvimento expo- nencial. Portanto, élégico e legitimo que em “reconhecimento das diretivas, da assisténcia e dos encorajamentos fora do comum que ela prodigalizou para 185 paises do mundo inteiro para Ihes permitir estabelecer e reformar 878 sitios do patrimdnio mundial”, “e levando em conta suas performances excepcionais na indtstria do turismo”* considere-se atribuir ao Centro do Patriménio Mundial da UNESCO o prémio 2008 do Turismo Mundial (World Tourism Award), patrocinado pelo Corinthia Hotels, American Express, The "Rapport de Grégoire au Comité d’instruction publique sur les destructions opérées par le vandalisme et sur les moyens de les réprimer”, sessio de 14 do Fructidor, segundo ano da Repiblica "J, Rigaud, “Patimoine, 6volution cuturelle”, In: Monuments historiques, 5, 1978, p. 4. In: Monuments historiques, setembro de 1986, * Le Monde, 5 margo de 2007. * Iullicos meus. 36 anos depois, 0 ministro do Turismo + INTRODUCAO International Herald Tribune e Reed Travel Exhibitions, conceddido ex Londres na ocasiaio do World Travel Market. Essa cruzada pelo consume mercantil do patrimnio nao & somente prejudi tes, enganados quanto & natureza do hem a ser com. sumido ¢ ao mesmo tempo colocados nas condigBes de amontoamente c de ruido impréprios a qualquer muito frequentemente também a d pels clevacto de nevessérias estrutura quanto pela eliminagao de atividades eriativas ligadas 8 c sa identdade, em particular no easo dos pafses do Sul. Mas, por outce Cio para tna un expo europes,podesequlifea os eco de ua ssificagdo sobre o importante sitio normando que foi, ao * 9 Mont-Saint-Michel? : ee Como se no bastasse, a cruzada da UNESCO nto recia diante da rotulagdo do falso, Dois exemplos: na China, em um sto magnifico etuada 1800 metros de altitude, nos confins do Tibete, no Yunnan, avila soko os canais de Lijiang, em cerca de tés quartos destrulda por um terreno foi mais ou menos reconstruida de forma idéntica, esvaziada de seus ent 20s habitants ¢ colocada em cena segundo as normas do turismo cultwral que desde entio atrai para o stio milhes de visitantes anuais, chineseg estrangeiros. Na Franca, a obra de Le Coubusier, brutalimnte restaureda c coroada por uma obra flea [few intgrall,® colocada a caboa des eandide, turas francesas para a classificagtio de 2007, foi vencida no timo instante Pelo conjunto multissecular de fotiicagBes de Vauban, Foi adindo, Simultaneamente, sobre todos os continentes, pias de monumentos so presenteadas nos parques de atracoes teméticas, enquanto 0 pastiche acdguie sua cidedania, Assim, cidades novas, de cem mil habitantee, pros detadas no oeste de Shanghai para cidadios privlegiados: Thames City, & partir do modelo de um bairzo londrino da época vitoriana, mas dor nado por uma réplica da catedral de Bristol, Nuremberg City eo estilo Bauhaus, so concluidas; as réplicas de Vencaa e Barcelona estte em cansy de acabamento, Feminy:pimsra pda posta em 1970, elaco anos dep da mare suguragto em 2006, Ess igre, cj cleo leal utes scene be inpulo de milan cossieritat oat “fsconar coat ang ze, ns vanos naar um eoagesaa ue no, ora citar, Duasdesenas de empregos eo ann cece a et ang ¢conervadores, Quanto dca ds ctr, lava esbes 6 “Gene retagho da rade Le Corbusier Esclerose Museificagio, disneylandizacdo, pastiches edo os signos de uma esteri- Tizagio progressiva, de uma incapacidade de construir uma alternativa a um universo tecnizado e monossémico. E desde entao ao prego de um redobrado deslizamento epistemol6gico e de um impasse ético que os sectérios do pés-humano e seu movimento tecnélatra”® reduzem a ciéncia a finalidades: téenicas. Ora, os produtos normalizados dessa “tecnocincia” implantados no espago geofisico de nosso Planeta ndo podem, de modo algum, substi- tuir a incontorndvel diversidade de patrimdnios — agora fetichizados ~ que edificaram, ao longo do tempo, nossas diferentes culturas terrestres. ois o tinico e verdadeiro problema com o qual deparamos hoje na po- sigdo de uma sociedade globalizada 6 continuar a produair meios humanos diferentes, cob pena de perder, desta vez, nfo nossa identidade cultural, ‘mas sim uma identidade humana cuja diversidade de culturas é a indisso- civel condigdo para tal.7” O que est& em causa na problemética atual do ppatriménio, se quisermos optar pelo destino do Homo sapiens sapiens em detrimento do destino do Homo protheticus, é, dizemos novamente, a capa- ‘cidade de nossa espécie de habitar 0 mundo e de continuar a desenvolver © que chamei em outro lugar” de nossa “competéncia de edificat”, Com como a competéncia de falar (uma linguagem articulada) engaja iden- 1e locutor e ouvinte, a competéncia de edificar engaja identicamente nstrutor ¢ habitante. fei Conclustio: resisténcia e combate Devido so seu esquematismo, esta breve introdugdo terd mostrado, assim espero, a necessidade e a urgéncia de uma tomada de consciéncia, “Tomada de consciéncia das ameagas que pesam no presente sobre nossa identidade humana. Conscigncia de nosso duplo estatuto de seres vivos falantes, implicados em uma dupla eindissociavel relagio com os mundos da natureza e da cultura, Consciéneia do fato de que a institucionalizagio das 1 Procedente dos Estados Unidos ao longo dos anos 1990. Cf., mais recentemente, 0 relatrio do National Science Foundation (2003), e 0 de James Canton para.o Institute {or Global Futures de Sto Francisco. * Cf. acima, p. 34, nota Le nota 2. Cf, LAllégoie du patrimoine, op. cit a iéncia é 86 o pré- necessério i tis nests eo iene ~ qu se sinioaga ¢ convida ao combate expostan ul desta antologi: combate ceatepiasaserem empregad no somentea fim de renovar as difrenges olieradase deselovizadas, mes sobretudo afm de prossegur no presente a invenglo das particlaridad isuaie materis qu fundam a riquera da humaniade, “ © modo de uma incitagao, eu apenas evocaria trés frentes da luta Prneiro, «da educaed eda formacio; em sepia, a da SSID fs de noses Bonga efcades he mercantile oh alo de ptringi"s ej enfin, ada patito colt na produsio 1+ Atenuay a euséncis de una cultura de base em matria de expaco sien Franca, uma primeira urgncia & qual caberia Tahpuglaconal responder em ds dominios compenentres, Por Snr Soe ol ler re nas ofrecessem um ensino que permite a aqusigto de um saber rico, Por outro lado, importaria: licagto do corpo inteio ede “todos os sentios finluindo a eontibuigao também do andar] como os ohos, oolfato eo tao, om 0 ailéncioe som” exe tuna explarato concreta do espag constrafd como seu meio atu rl es en genes ep conhecimento e o reconhecimento ; mia do espaco virtual. Ainda que o Estado se desengaje de suas tradicionais respon: mma patsintnio en proveto ds especiales leis, cosa cee ees assumir semelhantes tarefas em um pais onde, da escola prinria 2 fim do secundirio, nao existe neahuma iniiagdo nem isartese as prticas do espago em geral, nem a arqutetur e 20 urbanism _ Particular? Nés deveriamos, a esse respeito, tomar como exem. plo nossos vizinhos europeus, notedamente os italianos.® Da mesma Espaces ouvertslesp: llectifs Epc omer cl ado fans de Epc skein Sods conan de ees sas epee Boga 200 Sarscomapentaa -zembro de 2007, pp. 86-90. " E Ghoas, 3 sto eiads coment. nl pind riod histia da ares platens, du segues ae forma, com os futuros arquitetos e com os diversos profissionais do espago, eta promover nes ss esol nen encontros com a histéria e, mais ainda, com a esp: : no seio das quais a concepgao auxiliada pelo computador® tendew progressivamente a evacuar o desenho manual” e o ideal da criagéo individual a substituir o tradicional didlogo com o mestre de obras. usta da competéncia de edificar e de habitar um patri- Se eee eS ae ae também por uma propedéutica, engajando juntamente ucbanisas angus ehabiantesnreaproprito ens esinago seria das herancas (sitios e prédios) nacionsis e locais e de suas escalas de ordenamento, Em outras palavras, nbs devemos arrancar sitios e edificios antigos do seu gueto museol6gico e financeiro. 0 objetivo é realizdvel sob as condigbes estritas de: + dotar esses lugares de novos usos adaptados & demands societal contemporgnea; « renunciar ao dogma de sua intangibilidade e ao formalismo his- t6rico da restauracaio; rigs, associando o respeito + saber proceder as transformagbes necessétias, do passado e a aplicagao de técnicas contemporaneas de ponta, ‘Aqui, ainda nossos vizinkos italianos continuam a ser mestres no tra balho de reapropriagao viva das herangas urbanas e monumentais. Basta lembrar o exemplo das universidades italianas, em sua maioria instaladas nos sitios edifcios antigos de prestigio. Tomemos apenas fa de Veneza, surgida no espaco de uma série de palécios histéricos is fandado abe ride durante os uts mes anos dos ees send, and ‘rans sem eqtleme na rane, mesmo onl nierstri na edie, iran sorminsne da cara qs acco ataguga dese unis, Dede tows rnin edgd Beso ton poston aces ries 81 CAO (conception assstée par ordinateur) on CAD (computer-aided design) [Note do cg fundamental. Emble © Un movimento se desenha para a rebilitagto dessa prtica fundar ied some respeito, a agdo de A. Scobeltzine no seio de Ecole d'architecture de x . Scobeltzine, Apprendre a dessiner au XXle sidele (Montpellier. Ed. Espérou, 2008), e, ne Internet, www.ledessinplaisir.com. 40 desativados, que (sobre o Grande Canal, o da Ca’Tron) foi remanejada por Carlo Scarpa e que acolhe o Instituto de Urbanismo, Na Franca, s estudantes sio, na maior parte dos casos, relegados ao interior de objetos técnicos banalizados, 3. E necessdrio pontuar, dentre nossas estratégine de resistencia & normalizagto planetéria, o papel das associagbes locais de ci ¢ de todas as estruturas adi novo ser afirmada a necesséria reivindicacao da diferenga, marca da identidade, Porém, & preciso que se entenda isso, No é uma questdo de promover uma espécie de retorno aos comunitarismos tr is. Trata-ee, a0 contrério, de chamar-se a formagdo de munidades cujos membros seriam solidarizados nfo pelas origens unicas ou geogréfcas, préximas ou distantes, mas por sua comunhao € presente insergAo nos espagos concretos, naturais e societais, E reaprendendo a inserever as probleméticas societais do presente & escala e na base de uma heranca local (natural e edificeda) que setdo inventadas as novas entidades espaciais para, sobre afundagao destas, reencontrar-se ¢ continuar a enriquecer a hierarquia dae ‘identidades regionais, nacionais, europeias, A mise en garde alarmista desta introdugdo tem por ‘nica finalidade convidar a um combate que continua possivel de se ganhar. Eu concluirei também por um manifesto de otimismo quanto a sobrevivéncia de nos- sa competéncia de edificar, evocando, simbolicamente, duas experiéncias cexemplares, Para comecar pela reutilizacao no mercantil de nosso patriménio, eu aria um caso francés (de outro modo, excepeional em nosso pals): aquele " pequena cidade fortificeda de Saint-Macaire (com dois mil hebitantes), 's margens do Garonne, na Bordela ‘dininistrativa, prefeto e habitantes promoveram juntos a adaptagio as téenicas em vigor e a transformagao em habitagdes sociais de inde parte de edificios domésticos medievais, lojas de mercadores neias aristocriticas fortificadas; juntos, eles obtiveram a conversdio 41 definitiva de um antigo convento de Ursulinas (século XVII) em um asilo {que fica lado a lado com umm estabelecimento para pessoas com Alzheimer, ‘assim como a instalagio de uma casa de acolhida para criangas autistas no coragio do centro histérico. Em seguida, no que concerne a sobrevivéncia poseivel de uma arquitetura «que nfo possa ser reduzida nem a um suporte midiético nem a uma categoria da arte “evento”, devo precisar que minha descrigo, nfo tendenciosa mas tendencial, aplica-se antes de tudo as vedettes dadas como exemplo nas escolas, nas revistas de arquitetura e na midia. Pois existem, ainda e um pouco por todos os lugares, desconhecidos que, pouco preocupados com publicidade, continuam, longe do ruido miditico, a praticaro oficio de arquiteto com todo seu corpo ¢ em um permanente didlogo com os higares e com os homens. E ‘mantém-se ainda grandes construtores também. E bem porque gostaria, para terminar, de prestar homenagem a experiéncia incansavelmente continua pelo termtério da Coldmbia, entio de trinta anos e até seu titimo dia, do grande Rogelio Salmona. Associando técnicas de ponta & escuta das populagdes © & atengdo sempre maior aos solos, relevo, vegetais, cus ¢ antigos patriménios ‘construidos, ele edificou uma obra contemporanea compardvel a nenbuma outra hoje, porque ela afirma com lirismo, simultaneamente & nossa moder- nidade, a identidade, a alteridade e as diferengas de uma cultura Preconceitos e modo de emprego da antologia ‘Ainda uma ver, esta antologia nfo tem vocagto para ilustrar exaustiva- ‘mente uma histéria geral e extenuante da génese e das préticas patrimoniais: ela esta de acordo com os questionamentos formulados na introduc. Mas, ‘mesmo assim, ela nfo pode ee pretender a uma representatividade completa das quest¥es levantadas, Tal projeto teria requisitado numerosos volumes. O formato da obra impds ura escolha limitada de textos, forgosamente arbitréria ce que foi por vezes dolorosa. Essa escolha foi ditada por quatro campos: 1. De um modo geral, optei por documentos ao mesmo tempo en- bleméticos, particularmente vivos, mal conhecidos ou, por vezes, supostamente muito conhecidos, mas sempre engajados. Esse campo ime levou a excluir notadamente os textos admi 108 do século XIX frances ow ainda as exposigbes técnicas sobre a restauragio dos monumentos. 2 2. Nailustracdo do combate a ser travado hoje, privilegiei sua dimensa Positiva (0 combate por) em detrimento de sua dimensio negative ow (0 combate contra). Essa selecao critica, limitada aos dois om uma tinica excegao, ilustrada documentos internacionais. 2 A introdugdo, tendo sublinhado a origem europeia-ocidental da reflexdo sobre o conceito de patriménio construide e definido, com citagdes e referéncia bibliogrdficas para apoio, os papéis pioneizos € originals exercidos no seu desenvolvimento pela Bretanha ¢ os paises germanéfonos, atribui para o um maior niimero de textos franceses, entretanto. es Quanto a triagem dos extratos escolhidos, procurei evitar a monot rei evitar a monoto eu associei, ao modo de contraponto, textos muito curtos, servindo, 20 contrério, pela sua clareza e sua brevidade, . Esta antologia segue a ordem cronolégi i : gica a periodizagto adotad jo Cad texto 6 precede de uma apresentasao que fomece nana iogrifica e bibliogréfica sobre o autor e oferece as principais bali, etura proveitosa, “one Natranscrigto do conjuno dos texto, a paginacdo foi normalizada. Do yo modo, substtuiu-se a ortografia eas regras de pontuayao at amos anteriores 2 stulo XIX. De fara conti, espe * tiltimos 0 uso das maitscalas, ainda nt ica, f ies se ds mais a nto sistemética, dotada por orpo dos textos escolhidos, as notas de rodapé foram reduzidas a0 las concernem em geral A terminologia ou explicagao de certas li 8 re

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