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2 APRENDIZAGEM UM CONCEITO MULTIFACETADO DESDE SEMPRE SE APRENDEU. “Cada pessoa sabe perteitamente que se pode aprender sempre @ em varios con- textos, e que esta actividade estranha nao se deixa confinar aos contextos & lugares para os quais 6 habitualmente remetida.” + MEIRIEU Apprendre ou’. mais comment? A aprencizagem esta inevitavelmente ligada a toda a Histéria do Homem, Desde sempre se ensinou © aprendeu, @ por isso o Homem se interrogou sobre a natureza deste processo. E facilmente compreensivel o valor deste processo chamado eprendizagem e do seu valor adaptativo na construgo do Homem. E gragas a ela que se conseque dar respostas adaptadas, isto 6, eficazes, em diferentes contextos ou a novas situagées. Num mundo em mudanga cada vez mais acelerada, conhecer a natureza da aprendizagem @ como se processa é uma tarefa cada vez mais urgente, A PSICOLOGIA E A APRENDIZAGEM Mas se antes do inicio deste século existiam explicagSes para a aprendizagem, © seu estudo esta intimamente ligado com 0 desenvolvimento da Psicologia, enquanto ciéneia. Contudo, 0 seu estudo nao se processou de uma forma uniforme e concordante, ‘A aprendizagem foi abordada de formas diferentes pelas diferentes correntes da Psicologia, Destas, as que adquirram maior relevo foram: * a8 comportamentalistas (behavioristas), em que a aprendizagem & vista como o resultado de uma resposta manifesta a um estimulo, sendo © sujeito relativamente passivo nesse proceso; + as humanistas, em que a aprendizagem assenta essencialmente no cardcter Unico e pessoal de cada um, em fungéo, também, das suas cexperiéncias tnicas e pessoais. O sujeito que aprende adquire neste {quadro um papel activo, mas a aprendizagem 6 vista muitas vezes como algo de espontaneo; + as cognitivistas, em que a aprendizagem @ vista como um processo dindmico de codificagao, processamento e recodificagao da informacéo. (O estudo da aprendizagem centra-se nos processos cognitivos que per- mmitam estas operagdes e nas condigdes contextuais que as faciliam. O Homem é visto como um ser interactivo com o meio e é gragas aesta © nesta interactividade que se aprende, Estas diferentes vis6es sobre o Homem e particularmente sobre a aprendizagem Cconduzitam a diferentes abordagens e delimitacées deste conceito. TTodavia, longe de isto consttur um problema, 6 antes uma vantagem, jé que pos- sibilta uma visdo mais ectéctica desta fungdo psicolégica. O problema resice ape- ras quando se quer reduzir toda a diversidade deste proceso a uma Gnica te0- ria; por exemplo, explicar a aprendizagem de “resolugdo de problemas” através da teoria comportamentalista. A APRENDIZAGEM E UM PROCESSO EXCLUSIVAMENTE HUMANO? Evidentemente que todos sabemos que a aprendizagem néo é um processo exclusivamente humano. Além disso, se a definimos como uma modificacéo estavel do comportzmento devido a experiéncia, vemos que ela tanto recobre homens como animais. Mas sera possivel e desejavel "meter no mesmo saco” aprendizagem humana e animal? Durante bastante tempo este procedimento nao sé foi possivel como desejivel. A ‘maior parte dos estudos @ experiéncias era feita em laboratérios e com animals = tratava-se de identificar 0s processos basicos ¢ as leis gerais da aprendizagem. ‘Uma vez descobertas, estas eram “Wransferidas” para o Homem. Certamerte que © Homem uiliza nos seus processos de aprendizagem leis e principios comuns 20s utiizados pelos animais; mas seré possivel reduzir toda a aprendizagem hhumana a estes principios ou leis? Dae ae on ane, fio vous fos arewo')| |facomas |] [emmcone)| || cast eae os Bescon! femmes] Ya seca | [ogve e's a eens 40/9 |/? |/? | GE Fig. t 10 Parece-nos que nao. © Homem tem de facto algumas caracteristicas que con- ferem uma qualidade propria ao estudo dos seus processos de aprendizagem. + Podem comunicar entre si utlizando um vasto leque de linguagens. + Ligam 0 tempo de uma forma especitica; 0 passado @ o futuro projectam- -8@ no presente. + Tém uma grande capacidade imaginativa. + Tem uma cultura + Tem um conjunto de competéncias que permitem a interaccao social + Podem ver-se simultaneamente como sujeitos @ objectos do conhecimento. ra estas caracteristicas conferem ao Homem a capacidade e possiblidade de Ultrapassar 0s impulsos orgénicos derivados da fome, sede, etc. Embora se aprenda através do ensaio e erro e das satisfagdes que eventualmente isso provogue, o potencial do ser humano esta largamente ligado & capacidade de extenso da sua experiéncia num mundo simbdlico, 'Nao & 0 estimulo fisico em si ou a situagao fisica 0 mais importante, mas a repre- sentagao que dela fazemos e esta esta ligada as nossas experéncias passadas, ‘A prendizagem é assim algo mais do que uma “coisa” que se pode descrever Cobservar: é essencialmente um processo cognitiv. Mesmo as aprendizagens essencialmente motoras implicam uma “ideia’. $6 assim elas 880 organizadas de forma correcta. Pode saber-se pressionar a embraiagem, travao acelerador, e pode saber-se engrenar as mudangas; contudo, isto ndo chega para guiar um carro. & ecessario que estes gestos se organizem numa Sequéncia de acgdes e numa sequéncia temporal. E necessério insorever estes saberes num plano de utiliza- G40 @ isto 6 da ordem da representacao simbdlica, no & algo de fisico (motor) apenas, ALGUMAS IDEIAS DE SENSO COMUM SOBRE A APRENDIZAGEM ‘A primeira ideia & a de que a aprendizagem se resumiria a um prestar de atengdo aos saberes enunciados pelo formador, que estéo num livfo ou que alguém executa. ‘A atencdo permitira um trabalho cada vez mais perteto em termos de imitagao do modelo te6rico ou pratco Uma segunda ideia 6 a de que a aprendizagem seria apenas um processo ‘cumulativo, como uma pirdmide bem regular em que, sessdo apés sesso, se iriam depositando conhecimentos adquiridos até se chegar ao topo: | 4 bass ae Sts Aterceira idela ¢ a de que os conhecimentos seriam semelhantes a coisas que se podem adqui, coleccionar, acumular e, tal como as coisas quando se tornam indteis, se deitam fora e substituem por novos. ‘Mas serio estas ideias sustentéveis? De facto, se nés olharmos a aprendizagem apenas pelos seus resultados 6 faci construir estas ideias. Etectvamente, o resultado de uma aprendizagem traduz-se num comportamento, numa acgdo que é facilmente associada a algo de concre- to que podemos descrever e, a partir daqui,inforr so 0 sujeito aprendeu ou néo. TTodavia, & importante ter em conta que mesmo que uma aprendizagem se mani: {este desta ou daquela forma, ndo se processa dessa forma. Quando dizemos que para aprender & preciso imitar, repeti, estar atento, apenas estamos a deserever comportamentos. Nada se diz sobre as operagées mentais, envolvidas na aprendizagem, Como estas operactes nao sao directamente observaveis, associam-se facil mente quer aos seus sinais exteriores, quer as condigses da sua realzagao (repetigdo, atengao, perseveranca, etc) Acredita-se entéo ingenuamente que basta garantir a presenca destes para que ‘se aprenda, ou ainda para garantir a emergéncia dos processos mentais ~ estar atento, ou realizar tudo aquilo que o formador prescreve nao garante s6 por si que se aprende. A APRENDIZAGEM HUMANA... HOJE. A Aprendizagem € hoje vista como um proceso dinamico e activo uma vez que ‘no somos receptores passivos do conhecimento nem espectadores da nossa experiéncia. ‘Somos processadores activos da informacao que descodificamos, processamos ¢ recodificamos em termos pessoais. Todos nés (ainda que cada um sua maneira) aprendemos a “aprender” ‘Somos capazes de encontrar respostas para situagbes ou problemas quet mobi- lizando a nossa experiencia passada em situacées relativamente idénticas, quer projectando no futuro uma “ideia ou "solugao” que temos no presente. Interagimos com os estimulos (situacbes, problemas, etc.) de uma forma pessoal. Dois individuos submetidos ao mesmo "processo" de formagao podem desen- volver competéncias diferentes do mesmo modo que dois espectadores de um ‘acidente rodovidrio tém diferentes opinides sobre 0 hipotético culpado. ‘Como se pode perceber, entdo, estas diferencas pessoais perante um mesmo acontecimento ou processo? E preciso olhar no s6 para 0 “acontecimento", mas também, ¢ sobretudo, para © modo como essa informagao & percebida, interpretada e compreendida ‘Todo este processo de interpretagdo e compreensio esta dependente de varios {actores (pessoais), dos quais destacamos dois: + Qual o envolvimento na situagao (valor afectivo)? 1 12 + Como 6 "percebida” a situac’o? Como ¢ vista, como é relacionada com a sua experigncia anterior, com 0 que ja sabe? © contributo destes factores na aprendizagem s6 6 possivel porque em cada momento somos capazes de mobiizar o que temos guardado (armazenado) na ‘nossa meméria e, em fungdo da experiéncia presente, enriquecer essa infor- magdo e vottar a armazend-ia para uma posterior utiizagao (se nao fosse assim tinnamos sempre de aprender tudo de novo em cada situagao) fees rasan Soa a atten ee Fio.2 Este "armazenamento” nao é feito pela ordem de entrada da informagao, mas antes pelo sentido ou significado que Ihe atribuimos. Assim, cada nova infor- ‘ago vai juntar-se ou recombinar-se com aquela a que julgamos ou sabemos que ela pertence. ‘Anossa capacidade para aprender novas coisas aumentard, portanto, se ja sabe- mos algo sobre um assunto ~ na medida em que aumenta a capacidade de inter- pretacao do estimulo ou situagao e, consequentemente, a emergéncia de uma Tesposta mais adequada. Nao se pode aprender sobre o vazio ou sobre 0 nada, ‘assim como também a aprendizagem nao é um proceso de tudo ou nada, como ‘se houvesse um fosso entre a ignorancia @ 0 saber. ‘Aaprendizagem é o processo responsavel pela transformagao de um estado ini- Cial (situagao presente em termos de competEncias, saberes, etc), num estado final (aquisigao ou desenvolvimento de novas competéncias ou saberes), através da experiéncia (vatios tipos de actvidade ou procedimentos) a Estado tnicial p Experiéncia Estado g (Competéncias, (Leituras, Final 8 Saberes Observacao, (Novas a Actuais) Fazer descobertas, Competéncias = etc.) ‘ou Saberes) Acexperiéncia, 0 erro, a reflexdo sobre 0 processo sao elementos importantes de todo este percurso. Quando, por exemplo, compramos uma maquina de lavar, para aprender a tra- balhar com ela nao vamos estudar exaustivamente o manual. Temos uma ideia eral de como funciona, e vamo-la usando de varias maneiras, em funcéo dos ‘nossos objectives, tipos de roupa, etc.; por vezes consultamos 0 manual ou vemos as instrugGes. Ao fim de algum tempo & que somos capazes de trar 0 méxi- ‘mo rendimento @ usévla em fodas as condigdes possiveis. Aprendeu-se a utlizar a maquina ‘Se nunca a utiizamos directamente ou autlizamos na mesma situacao, demeramos Inais tempo a aprender. ‘Também em termos de aprendizagem se podem criar condigBes que favoregam ‘ou faciitem, ou, pelo contrério, dficultem ou inibam este processo que é a apren- dizagem, Mas ctiar estas condigGes, tarefa central de um formador, implica que se conhega o mais exaustivamente possivel os mecanismos © 0s processos desta funcéo psicolégica chamada aprendizagem. APRENDIZAGEM... UM CONCEITO POLIMORFO Duas definigdes sobre aprendizagem: Modificago estavel no comportamento do sujeito devido & sua experiéndia, ‘Aquisigdo de estruturas de comportamentos e de representaodes de objectos que permitem agir no e sobre o meio ou sobre as representagoes que dele temos. Entre uma e outa definicdo vao talvez cinquenta anos de estudo e trabalho sobre ‘a Aprendizagem. Procure agora, cafo letor, as diferencas entre elas em fungao de seu caracter mais ou menos ecléctico ¢ mais ou menos espectico da aprencizagem humana, Veja ainda os pontos de apoio de cada detinigdo @ 0 que significam: APRIMEIRA + Mudanca no comportamento observavel; + Experiéncia do sujeito; + Estabilidade de resposta. SEGUNDA —_- Estruturas de comportamento; + Representacées; + Agir no e sobre o meio — intencionalidade do que se aprende e funcionalidade da aprendizagem. * Representacio ~ Unlzada aqui como aduedo imedlata do real. como um esquema riguatvo na nossa mente sobre a reakdade para cada um. A repesentagio confunde-se muita vezes com & nossa readade: por exemplo,peranie dois auloméve’s que chocam, cada pessoa tem una versdo o aciente. A reaidade 6 uma. As representagdes ca reakiade sto diferentes dal as derenes oie, Mas para cai incviduo a sua vrsdo 6a corecta: a rpresentaco coniunde-se com a propia read. 13 14 Como ¢ facil perceber, elas pertencem a duas correntes distrtas de abordagem dda aprendizagem. A segunda contém a primeira, embora pondo a ténica nao nos produtos mas nos processes, vai mais longe na especticidade da aprendizagam humana. Ela contempla igualmente a plasticidade ¢ a diversidade da aprendizagem humana. [Ninguém aprende de uma tinica maneira, ¢ as tarefas de aprandizagem que se os colacam so extremamente diversas @ variadas, quer quanttativa, quer quaitat- vamente. Cada tarefa tem especifcidades proprias e, como tal, exige diferentes formas de aprendizagem. PROPOSTA DE TRABALHO Forme um grupo com mais dois ou trés colegas o, face a relexo que fize- ram, as suas experiéncias e ao que cada um sabe, procurem recordar e is- cutir em que situagées efectuaram duas ou trés aprendizagens realmente importantes (do ponto de vista de cada um dos partcipartes). Procurem ‘encontrar 0s pontos comuns nas varias situagbes: *Contexto de realizacao (escola, familia, emprego, eta); + Quem ensinou; * Como foi 0 processo de aprendizagem (a estudar, a ver outros fazer, descoberta, etc.) Certamente que encontrara aqui elementos de reflexdo e situagées que ilustram 0 que foi dito.

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