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Pauta Costa & Sttva Profesonn Catdritica da Faculdade de Direto da Universidade de Lisboa Cautela e certeza: breve apontamento acerca do Proposto regime de inversio do contencioso na tutela cautelar Um dos regimes mais profundamente alterados pela Comissio de Reforma do Codigo de Proceso Civil foi o da tutela cautelar. Esta circunsténcia podia, jé, adivinhar-se uma vez que era patente o desconforto sentido em face da necessidade de propositura de aces principais orientadas a discussio daquilo — , afirmava- -se, somente daquilo — que havia sido anteriormente discutido nos procedimentos cautelares. A acessoriedade da providéncia acabava por se repercutit numa multi- plicagao de meios — o procedimento cautelar e a ulterior ago principal — desti- nados 4 resolusdo de um mesmo conflito. Ora, um sistema que faga depender a vigéncia — nio temporalmente limitada - de uma decisio cautelar de uma ulterior decisio definitiva confirmativa, porque propiciaria 0 desperdicio e a desadequada afetagio de recursos humanos, seria um mau sistema processtal de realizagao de Justiga. Havia que mudé-lo. Foi este © ponto de partida da Comissio de Reforma do Cédigo de Processo Civil. Foi-nos gentilmente pedido pela Senhora Dra Rita Lynce de Faria que, neste mo- mento, passissemos a escrito as diversas notas que fomos deixando ao longo dos tiltimos meses acerca da tutela cautelar, especialmente em debates puiblicos ocorri- dos a propésito da reforma do Cédigo de Processo Civil. Cautela e cerceza: breve apontamento acerca do proposto regime de inversio do contencioso na tutela cautelar © tempo joga contra nés: dispomos de cerca de vinte e quatro horas para levarmos tal tarefa adiante. Dir-se-d que 0 tempo até é muito se 0 nosso objetivo presente for apenas 0 de realizarmos uma mera transcrisio daquilo que fomos dizendo. Sucede que, da nossa perspetiva, a matéria daquela tutela — a que, no nosso Sistema, temos cha- mado tutela cautelar ~ é de tal modo complexa que haveria, desde logo, que come- ar por fixar a terminologia com base na qual, uma vez estabelecido um consenso, pudéssemos verdadeiramente comunicar. Com efeito, é comum lerem-se os termos providéncia cautelar, tutela cautelar, procedimento cautelar como se sinénimos fossem: mas nio o sio. Assim como, apesar da identidade da expressio “tutela cautelat”, sob esta expresso albergam- -se, em diferentes sistemas juridicos, diferentes contetidos, Por seu turno, técnica (entendida como técnica processual de decisio, porventura, uma técnica sumaria, termo que, note-se, denota uma relagio jé que uma técnica s6 é suméria por referéncia a uma outra que o seja em menor grau) e tutela ndo se confundem nio obstante a relativa indiferenciagéo de uso. Muito haveria, também, a dizer acerca dos termos tutela cautelar e tutela de urgéncia, assim como quanto ao par tutela de urgéncia ¢ tutela de evidéncia, ambas deferidas na sequéncia de procedimento sumério. Por fim, também alguma atengio deveria merecer o par tutela anteci- patéria e tutela cautelar, especialmente num Sistema em que, através da técnica suméria da tutela cautelar, se podem antecipar efeitos e em que tanto a tutela de urgéncia como a tutela antecipatéria esto submetidas aos pressupostos processu- ais especificos e, por quanto conseguimos discernir, as condigdes processuais de procedéncia da tutela cautelar, 3. Infelizmente nao teremos como analisar todos estes pontos na presente unstan- cia. A contingéncia de tempo marcaré o estilo desta intervengdo. Nas palavras de Ferndo Lopes — mas ao invés daquilo que o cronista amiudadamente faz na sua obra =, nfo poderemos aqui dar nota dos “grandes volumes de livros de desvairadas linguagens ¢ terras" que fomos consultando ¢ que nos levaram a0 ponto de relativa certeza que, com alguma cautela, aqui deixaremos enunciado no que respeita aquela que poder ser a pedra de toque de um modelo de tutela cautelar mais racional e eficiente. Pauta Costs & Suva [140] 141] Deixaremos entinciadas as tazes que nos levam a optar por um modelo diverso daquele que foi seguido pela Comissio de Reforma, se bem que 0 tomemos como ponto de partida, Com efeito, apesar de este visar a ctiagio de um sistema de tutela cautelar globalmente mais eficiente — desde logo porque, em certos casos, se propde que a decisio cautelar no caduque, produzindo-se os seus efeitos indefi- nidamente no tempo, sem necessidade de confitmagio por decisio a proferir em ago principal —, cremos que aquilo que acaba por se alcangar é uma solugio mais complexa e menos eficiente do que aquela que 0 nosso sistema ja continha, Referimo-nos, mais concretamente, ao regime constante do art. 16° do Regime Processual Experimental — quando esteja verificado um pressuposto comum a ambas as propostas: a obtengio, pelo tribunal, de um juizo de certeza quanto a exis téncia do direito acautelando. Perante este juizo de certeza — na expressio do projetado art. 387-A/L, conviegio segura acerca da existincia do direto acautelando - no modelo proposto pela Comissio a parte requerente da providéncia fica dispensada de instaurar a agdo principal a fim de evitar a caducidade da medida decretada. Estaremos, nesta hipétese, perante © proferimento de uma decisio que inverte o contencioso, Com isto se pretende representar dois efeitos decorrentes da decisio que defere a providéncia, Em primeiro lugar, 0 de que a providéncia tende a criar tum efeito estavel na ordem juridica. Em segundo lugar, o de que incumbe ao requerido que pretenda pér em causa a decisio propor ago destinada a impugnar a existéncia do direito acautelando. 4, Se, na sua enunciagio geral, a solugo merece a nossa adesio imediata, uma vez que parece dispensar um contencioso inttil — 0 que resulta muitas vezes da du- plicagio de procedimentos, um cautelar, outro, principal, destinados a conhecer dos mesmos fatos e a atingir idénticos resultados, 0 que é particularmente visivel quando estivermos perante providéncias cautelares antecipatérias —, certo € que cla permite perguntar se, perante a natureza do juizo que o juiz atinge para in- verter 0 contencioso — convicgio segura acerca da existéncia do direto acautelando —, no deveria ter-se disposto um efeito similar aquele que o art. 16° do RPE comporta: © procedimento cautelar serviré um duplo objetivo, o de proferimento de uma decisio definitiva acerca do direito acautelando, desde que a tutela requerida se Cautela e certeza: breve apontamento acerca do proposto regime de inversio do contencioso na tutela cautelar mostre compativel com aquela que é adequada a satisfagio dos interesses que 0 requerente poderia procurar através de uma acio principal, aliada ao proferimen- to de uma decisio cautelar, nomeadamente conservativa, que tutele, ja no o peri- callum in mora aferido pela delonga do processo principal, mas o interesse substantive do requerente. Um exemplo ilustra a nossa proposta: se, em providéncia cautelar de arresto, 0 requerente cartear pata 0 processo todos os elementos que permitam ao juiz atingir tum juizo de certeza acerca do direito de crédito que se alega perigar, ese, para além deste requisito, for viavel que, numa qualquer fase do procedimento, ao pedido de arresto acresca o pedido de condenagio do requerido/réu no cumprimento da obrigagio, pergunta-se: porque nao podera o juiz proferir imediatamente decisio igagao, pergur porq Bs Juiz pi condenatéria do réu no cumprimento, acrescida do decretamento do arresto? 5. A hipétese que acab4mos de expor ¢ que assenta numa solugio que tinhamos ja proposto, permite racionalizar todos os meios sem prejuizo de garantias processu- ais fundamentais. Isto porque pensamos que deve ser reponderado 0 dogma relati- vo a natureza dos juizos que podem ser alcangados em procedimento cautelar. Com efeito, se é tipico que num procedimento em que a atividade instrutéria é mais sumétia do que aquela que comporta um procedimento com uma fase mais extensa ¢ intensa de instrugio se alcance um juizo de probabilidade, e se é igual- mente tipico ~e desejével — que num processo com instrutério amplo se atinja um juizo de certeza quanto 4 existéncia — ou no existéncia — de uma dada situagio juridica (ou fato jurfdico no caso da simples apreciagio de fatos), nada impede que num procedimento que segue uma técnica suméria o juiz logre um juizo de certeza acerca da existéncia de uma posigio juridica, assim como que, num processo que nfo siga uma técnica suméria, o juiz apenas logre formar um juizo de probabili- dade acerca da existéncia de uma determinada situacio juridica. Este cruzamento justifica a solugio constante do art. 16° do RPE: atingindo-se um juizo de certeza acerca da existéncia do direito acautelando, apesar de esta certeza se ter formado em procedimento que seguiu uma técnica suméria, nao deve o juiz ignorar as consequéncia do grau de convicgio que logrou formar. Ao invés de se limitar a proferir decisio de acolhimento da pretensio cautelar — decisio que Pauta Costa & Sttva [142] 143] ficaria muito aquém daquela que os resultados processuais lhe permitem proferit — deve o juiz, em cumprimentos do principio da eficiéncia e em concretizagio do acesso a tutela efetiva proferi, de imediato, decisio sobre o objeto processtal de que pode realmente conhecer, Esta razdo determinou que rejeitemos qualificar a solusdo contida no art. 16° do RPE como equivalendo a uma antecipagio de tutela Isto porque, ao abrigo desta regra, nada verdadeiramente se antecpa, posto que ante- cipar é fazer alguma coisa antes do tempo devido. Ora, nos grupos de casos atingidos pela revisio do art. 16° do RPE, 0 juiz no antecipa uma tutela por referéncia ao tempo em que ela devia ser concedida; a0 invés, 0 juiz, quando profere imediatamente decisio sobre 0 direito acautelando, profere esta decisio no tempo devide, Isto porque nada mais ha a fazer em ordem a que semelhante decisio seja. Se o juiz cria um juizo de certeza acerca do diteito acautelando, nenhuma prova mais é requerida. Os problemas que envolviam 0 art. 16 do RPE nio se localizam, deste modo, na sua compatibilizagio com a teoria geral da jurisdigao. Nesta, a juizos de proba- bilidade somente podem corresponder decis6es prectias. Inversamente, a juizos de certeza correspondem decisses definitivas, E estes pares de valores sio respeitados. Bem pelo contritio, os referidos problemas relativos ao artigo 16 do RPE decor- riam da insuficiéncia de regulamentagio que deixava sem resposta direta questdes relevantes como a da articulagio deste regime nomeadamente com o principio do dispositivo mas nao, como eventualmente se poderia julgar, da sua compatibiliza- gio com a teoria geral da jurisdisao. Para além da questo que acabamos de enunciar, o regime de inversio de conten- cioso proposto suscita-nos, ainda, interrogagées de outras ordens. Vejamos: em primeiro lugar, surge-nos a complexidade do esquema de impugnagio. Dispée-se, no art. 387-B/1, a recorribilidade da decisdo de inversio de conten- cioso. Mas a decisao de inversio nao é autonomamente recorrivel, jé que se prevé que esta decisio sé é recorrivel conjuntamente com o recurso da decisio sobre a providéncia requerida. O requerido nao pode rebelar-se apenas contra a estabili- dade da providéncia, ele deve rebelar-se contra o seu decretamento. Mas temos de Cautela e certeza: breve apontamento acerca do proposto regime de inversio do contencioso na tutela cautelar ir mais longe ¢ temos de pensar na causa da inversio. Ora, quando o requerido se rebela contra a inversio, ele rebela-se contra o juizo realizado pelo tribunal e que legitimou a decisio de inversio E sobre que assunto recai tal juizo? A lei, se entrar em vigor tal como proposta, sera clara: sobre o juizo de existéncia do diveitoacautelando, Se assim é, supomos que nio erraremos se dissermos que ao recorrer da deci sao de inversio, o requerido rebelar-se-4 contra a legalidade do juizo do decisor: onde este afirma cer elementos que Ihe permitem formar uma convicsio segura acerca da existéncia do direito acautelando, vé o requerido um quadro de falta de convicgao ou de incerteza. O que vem a significar que quando 0 requerido recorre da decisio de inversio, aquilo que ele poe em causa € a decisio judicial que con- cluiu, com convicgio segura, que 0 diteito acautelando existe. Do ponto de vista do requetido, nao é assim, tal direito ou ndo existe ou acerca dele nao foi possivel alcangar um juizo de certeza. 7. Ora, & neste ponto que as dificuldades da solugio do projeto de reforma comegam a adensar-se. Isto porque, segundo o art. 387-C/I, uma vez transitada em julgado a decisdo que haja decretado a providéncia e invertido 0 contencioso, é 0 requerido notificado com a admonigio de que, querendo, deverd intentar a ago destinada a im- pugnar a existéncia do direito acautelando. Aqui esta o efeito principal da inversio. No entanto, o transito em julgado da decisio de inversio surge como incompa- tivel com a propositura de uma agio destinada a impugnar a decisio que inverteu o contencioso, exatamente porque essa decisio transitou em julgado. A solugio proposta permite que esgotada a via de impugnagio geral das decisdes judiciais — 0 recurso — a mesma questo que foi objeto de decisdo transitada seja apreciada em nova agio, desta feita, proposta pelo requerido na providéncia, lembre-se, o recorrente sucumbente. Dir-se-4 que a nossa colocagio esta errada porquanto a agio a instaurar pelo requerido nio visa impugnar a decisio de inversio mas 0 jusizo acerca da existéncia do direito acautelando. Mas, como acima dissemos, a decisio de inversio pre poe um jutizo de certeza acerca da existéncia do direito acautelando. E é este juizo gue € posto em causa através de uma dupla via: o recurso e a ulterior ago. Pavta Costa & Siva (144 | 145] 8. Para além da estranheza que um esquema tio pesado de impugnagio de uma de- cisio suscita, se pensado no contexto do nosso sistema processual, hi mais um dado que se deixa para reflexio. Seré desejavel criar um mecanismo de impugnagio de uma decisio que, apesar da omissio legal de qualificasio, nio pode deixar de formar caso julgado material', tanto porque recai sobre uma questio de mérito — a existéncia do direito acautelando -, como porque o juizo que permite a sua pro- Iago é um juizo de certeza e no de mera verosimilhanga? Na verdade, se uma decisio proferida a partir de um juizo de probabilidade pode ser considerada precaria — exatamente porque uma prova exauriente poderd levar o juiz a alcangar um juizo de certeza daquele divergente —, uma decisio fundada numa certeza dificilmente se poder conceber como precétia. Ora, a ndo precariedade da decisao encontra a sua tradugio direta na definitividade que Aquela é conferida pelo instituto do caso julgado. Se o que até agora se disse jogar com os dados do Sistema, teremos criado, atra- vés da dupla impugnagio da decisio de inversio de contencioso, uma agio de revisio do caso julgado formado sobre a questo da existéncia do direito acautelando. 9, Acima afirmdmos que o regime de inversdo de contencioso, nio obstante a total adequasio do pensamento que the subjaz — o de evitar uma duplicacao de apre- ciagdes de uma mesma questio —, acaba por se revelar menos poderoso do que aquele que, em face de idénticas condigées, o regime do art. 16° do RPE comporta. Neste, a certeza acerca do direito acautelando leva ao proferimento de uma decisio definitiva sobre este mesmo direito acautelando. Naquele, esta decisio pode ser revogada, ainda que confirmada em recurso, através de nova ado. Pode sustentar-se ser esta necessaria uma vez que tem de ter-se em presenga dois pontos do 1 Neste sentido, para a tutela ante- cipairia, © projeno de aemasio 20 segue a tutela cautelar, tem menor abrangéncia do. Césigo de Procesio Cul bra, regime, Por um lado a instrugio, na técnica que apresentado por uma comisso ince. grada por Ada Pellegrini Grinover, submetida a uma técnica no sumaria. Por outro Kazuo Watanabe, José dos Santos Bedaquee Luiz Guilherme Marinni aque contou com acolaboraio de Jose abrangente do que aquela que pode ser levadaa cabo Caslos Bubosa Moreies. que a instrugio que pode ser realizada numa aso lado, porque a instrugio na tutela cautelar € menos Cautela certeza: breve apontamento acerca do proposto regime de inversio do contencioso na tutela cautelar em procedimento nao sumério, o recurso nao é meio de impugnagio suficiente quando se pretenda obter uma decisio acerca da existéncia do diteito fundada em prova exaustiva. Isto porque o recurso se limita a verificagio da legalidade da decisio proferida e nao a realizagao de nova instrugao. A necessidade de previsio de uma agdo que permita ao requerido impugnar a decis3o que concluiu pela existéncia do direito acautelando resultaria da impossibilidade de compressio do direito a prova do requerido. Nio entraremos aqui na discussio acerca da verdade daquele primeito pressu- posto na sua ligagio 4 potencial estabilidade da decisio cautelar. Basta pensar-se que a instrucao possivel em procedimentos sumarios nio fica aquém daquela que © procedimento cautelar comporta. E supomos que no se pretende questionar, com a reforma, que as decisdes proferidas em procedimentos sumatios nao sejam definitivas ¢ nao formem caso julgado material. Mas j4 quanto ao segundo pressuposto — 0 da necessidade de assegurar © direito a prova do requerido que apenas péde contar com uma instrugio menos abrangente — supomos que nao se verificaré. Se é verdade que as téc- nicas sumarias, exatamente porque sio sumarias, preveem fases de instrugio menos amplas do que aquelas que conhece um proceso ordinario, a ideia de tum juizo de certeza dificilmente se compatibiliza com uma instrusio que 0 decisor sabe ser amputada. 10. As observagdes antecedentes permitem-nos afirmar que a proposta de inversio do contencioso na tutela cautelar, se bem que destinada a prevenit ages intiteis, acaba por se revelar fragil. O problema que através dela se visa atalhar, encontrava, jé, uma resposta mais eficaz no regime vigente (repita-se, a do art. 16° do RPE). No entanto, em rigor, qualquer uma destas duas solucdes somente resolve parte das ineficiéncias que a tutela cautelar parece apresentar. Pergunta-se: nio seria possivel repensar a cutela cautelar de modo a que as decis6es, proferidas em procedimentos sumirios pudessem considerar-se estéveis sem necessi- dade de confirmagio ou de infirmasio das decisées proferidas através de nova agio? Chegar a este resultado implicatia enfrentar mais um dogma: o da natureza necessatiamente precitia das decisdes cautelares. Pauta Costa r Siva (146 | 147} 11. Pergunta-se: a natureza precaria da decisio cautelar decorre de que caracteris- tica do seu regime? Supomos que do grau de prova que é exigido para que o juiz defira a provi- déncia. Uma vez que o grau de prova exigido na tutela cautelar é 0 da mera jus- tificagao ~ prova sumiria do direito acautelando e no prova em sentido estrito deste direito que a ser, num concreto proceso, realizada deve levar ao proferi- mento de uma decisio nao preciria sobre o direito acautelando —, imporé a fali- bilidade da decisio a sua precariedade intrinseca. Alias, seré esta precariedade, fundada na diminuta seguranga acerca do direito acautelando, que justificara, por sua vez, a impossibilidade de a decisio cautelar format caso julgado mate- tial: nao se pode aceitar que fique sem mais discussio uma situagio juridica cuja existéncia é meramente provavel e nao certa. Impeditao todos estes elementos que se repense a tutela cautelar de modo a que ela seja tornada mais eficiente? Antes de mais, veja-se que somente nos resta, neste ponto, discernit uma solu- 40 para aqueles casos que nao poderao ser resolvidos através de uma técnica seme- Ihante aquela que o art. 16° do RPE conhece. Quer isto dizer que falta encontrar uma saida para as hipdteses em que o juiz nao logra alcangar um juizo de certeza — ou, na expresso do proposto art. 387-A/I, uma convicgao segura — acerca da existéncia do direito acautelando. Pergunta-se: haverd forma de racionalizar a tutela cautelar, preservando- -se a estabilidade das decisées proferidas nestes procedimentos sumarios, se no seu decurso o juiz nao atingiu um juizo de certeza acerca do direito acau- telando? Nao pode a decisio cautelar, proferida num contexto de incerteza aliado a um juizo de probabilidade, deixar de ser pura e simplesmente acess6- tia de uma decisio a proferir em agio principal? Nao pode uma decisio que assenta numa probabilidade ser estavel? Nao pode, por hipétese, um arresto ser tendencialmente estavel? E evidente que se esperaria aqui uma resposta tio concludente quanto aquela que deve justificar uma decisio definitiva. Nao estamos em condigdes de chegar tio longe. CCautela e certeza: breve apontamento acerca do proposto regime de inversio do contencioso na tutela cautelar 12, No entanto, nao deixaremos de enunciar aquele que nos parece o vector determinante para a construsio de uma solugio nova: ele entronca na tutela da parte que se vé confrontada com a necessidade de conformar a sua conduta por uma decisio cautelar, assente num juizo de mera probabilidade. Mas nio ha uma relagio de implicacio necessaria entre esta tutela e a precariedade da decisdo. Para tanto basta que a parte sejam atribuidos meios que lhe permitam requerer a revogacéo da medida cautelar quando esta perder o seu fundamento. No fundo, uma solugio eficiente poder passar pela aplicagao do regime de revogagio do caso julgado por alterasao dos pressupostos da decisio as deci- sdes cautelares. Regressando ao exemplo do arresto, este manter-se-ia até que, por alterago dos pressupostos da decisio que levara ao seu decretamento, ele fosse revogado, Com isto estamos longe de um esquema que pressuponha a propositura de ago confirmativa ou infirmativa da decisio cautelar. Esta, uma vez proferida e ainda que fundada em juizo de verosimilhanga, adquiriria estabilidade. Sé com alteragao dos pressupostos do seu decretamento, judicial- mente demonstrada, a decisio seria cassada ow adaptada. © ponto a que acabamos de chegar permite construir um sistema mais racional de tutela tramitada segundo ritos sumérios para os casos em que © requerente deduz pretenses conservatéria ¢ inibitéria. A decisio conservativa ou inibitéria mantera estabilidade até eventual alteragio da situago que determinow a sua prolagio, Este sistema, nao pressupondo um sactificio do direito de defesa do requerido (tanto até a formasio da decisio cautelar como, uma vez. esta profe- rida, por exercicio ulterior de contraditério ou de impugnagio), nio Ihe impée tum sacrificio injustificavel. Dir-se-i que acabamos de suprimir a tutela proviséria, Em alguma medida, a observagao sera pertinente mas nao perturbadora, Note-se que a supressio da provisoriedade da decisio proferida em procedimento sumério (quer a tutela através dele requerida dependa ou nio da verificasio de uma situasio de urgén- cia, se, seja essa tutela uma verdadeira tutela cautelar ou nao) nao significa, ainda, uma dispensa do contencioso ordenado a cognigio exauriente. Na verdade, nem Pauta Costa t Sitva [ 148 |149 ] toda a tutela deferida através de procedimentos com cogniso suméria, ainda que tenha natureza satisfativa, esgota o conflito ou tem aptidio para o solucionar, E aqui surge aquele que poder ser o campo reservado as tradicionalmente cha- madas ages principais. Como confessado, ficimos longe da apresentagao de um sistema completo de tutela que responda as necessidades que tradicionalmente se imputam A tutela cautelar. E um campo extremamente complexo j4 que absorve, através de uma técnica tinica ¢ suméaria e da submissdo de todas as pretensdes a idénticos re- quisitos de admissibilidade e condigdes processuais de procedéncia, realidades substantivamente muito distintas. Esta diversidade nfo pode, no entanto, desviar 0 foco de atengio quando se questiona se a provisoriedade, refletida na caducida- de e na instrumentalidade, é inerente a tutela cautelar. Tem sido percorrido um longo caminho em outras latitudes e longitudes que nos leva a supor que nao. Mas neste particular s6 um tempo mais longo de reflexo nos permitiria alcangar um juizo de moderada certeza.

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