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Narrada como um drama em cinco atos, Vida maravilhosa é a ins-

tigante crônica de uma das grandes revisões científicas deste século


— desencadeada pela descoberta de estranhos fósseis em uma pedrei­
ra no Canadá e pela brilhante reconstituição e interpretação deles nas
décadas de 70 e 80 —, que vira de ponta-cabeça as noções tradicio­
nais acerca da evolução das espécies animais.
Com esta obra fascinante, que obteve enorme sucesso nos Es­
tados Unidos, onde permaneceu durante semanas na lista dos best-
sellers, o paleontólogo Stephen Jay Gould reafirma seu extraordiná­
rio talento para, de modo irresistível, colocar ao alcance do público
leigo grandes questões que preocupam os cientistas contemporâneos.
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M aravilh o sa
í ............ O ACASO NA EVOLUÇÃO E A NATUREZA DA HISTÓRIA

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Vida maravilhosa, a obra máis recente
do professor de Harvard e paleontólogo
Stephen Jay Gould — conhecido no.
Brasil por seus livros 0 pglegar do panda
e Darwinjs o mistério do homem —, toma
como tfese de sua reflexão sobre
a história da vida ha Terra a ,
reinterpretação^dós fósseis-de Bufgess
Sbale, descobertos nÓTnicio do sédulo
por Charles D. Walçott. Ao relatará
analisar a revisão desses fósseis, realizada
por H. Whittington, S. Conway Morris
e D.íBriggs nas décadak dêj70 e 80, Jay
Gould discupe os principais conceitos
da teoria da evolução em uma linguagem (
que, além de apaixonantè, é coerente -
aom o projeto que informa toda a sua
produção intelectqal, ou seja, a noção de
que tanto os procedimentos quanto os
resultados da atividade científica podem , *
e devem, ser chocados ao alcance de
todos. /*' ■>'
Composta dos animais mais estranhos
e dísparefcque se conhece, a fauna de
Burgess fhife está na origem de uma
reVojuçãoros concepções evolutivas
tçadicionais, todas baseadas na
progressão inelutável de umas poucas
formas simples çje vida para um numero
cada vez mafor de espécies mais
complexas. A enorme variedade desses
^fósseis demonstra que, ao contrário
oo que supunham darwinistas e
evoluciopistas, o começo da vidà se
caracterizou por uma abOhdância de
espécies, das quais foram selecionadas
ao acaso apenas algíimas — aquelas que
incluem todos os animais que hoje
habitam nosso planeta.
Na defesa deste ponto de vista
radicalmente inovador,’que privilegia
o pápel da contingência histórica nos
•i / umo*tomados pela evolução, Stephen
Jay Gould propõe ao leitor um fascinante
Jogo. Inspirando-se no filme’’
VIDA M ARA VILHOSA
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LASER FOTOCOMPOSIÇÃO EM ENGLISH
actior TIMES E IMPRESSA PELA GRÁFICA EDI­
3 TORA BISORDI EM OFF-SET PARA A EDI­
brlan TORA SCHWARCZ EM NOVEMBRO DE
1990.
ciety,
_ Its a wonderful life (A felicidade não se
compra), de Frank Capra, Gould arrisca:
Façamos co rre r de novo a fita da v/da”
desde a época de Burgess Sha/e e
imaginemos pequenas alterações no
enredo da história. A vida sobre a Terra
seria inteiramente diferente e, o quê**^
é mais assombroso,'seria remotíssihja
a probabilidade de que surgisse /
uma espécie capaz de refletir '' -»•
sobre sua prSpria vida e história-
— a espécie humana. *
TJt, - • ____

Stephen Jay ^ ^ Ê È ÊÊ f'na biologia,^


geologia e históriaípPencia na °'
Universidade Harvard. É autor de
Qhtogeny and philogeny, Ever since Darwin
(jjprwin e o mistério dó homem), The
p'anda’s thumb$0 polegar do pando), The
-ymismeasureafcman, Hen's teeth and
horsé’s toes, lhe flamingo’s smile, An í -
urahin in the storm, Time’s arrow, time’s
cvcle é llluminations (com A . W. Purcell).
STEPHEN JA Y GOULD

VIDA
MARA VILHOSA
O ACASO NA EVOLUÇÃO
E A NATUREZA DA HISTÓRIA

Tradução:
PAULO CÉSAR DE OLIVEIRA

C om panhia D às L etras
Dados de Catalogação na Publicação (C1P) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gould, Stephen Jay, 1941-


Vida maravilhosa: o acaso na evolução e a natureza
da história / Stephen Jay Gould ; tradução Paulo César
de Oliveira. —São Paulo : Companhia das Letras, 1990.

Bibliografia.
ISBN 85-7164-141-2
1. Burgess Shale (Colúmbia Britânica) 2. Contingên­
cia (Filosofia) 3. Evolução 4. Invertebrados fósseis - Co­
lúmbia Britânica 5. Paleontologia - Colúmbia Britâni­
ca 6. Yoho National Park (Colúmbia Britânica) I.
Titulo.
CDD-560.9711
-123
-562
90-2028 -575

índices para catálogo sistemático:


1. Burgess Shale : Colúmbia Britânica : Paleontologia
560.9711
2. Colúmbia Britânica : Paleontologia 560.9711
3. Contingência : Filosofia 123
4. Evolução : Ciências biológicas 575
5. Invertebrados fósseis : Paleontologia 562

Copyright © 1989 by Stephen Jay Gould


Título original:
Wonderful life
The Burgess Shale and the nature o f history
Capa e projeto gráfico da capa:
Moema Cavalcanti
Revisão:
Cecília Ramos
Eliana Medeiros
Paulo Cézar de Mello

1990
Editora Schwarcz Ltda.
Rua Tupi, 522
01233 — São Paulo — s p
Telefone: (011) 826-1822
Fax: (011) 826-5523
A Norman D. Newell

Que fo i, e ainda é, no sentido mais nobre do termo,


meu professor.
I
ÍNDICE

Prefácio e agradecimentos, 11
1- A iconografia de uma expectativa, 19

Um prólogo ilustrado, 19
A escada e o cone: iconografias do progresso, 23
Fazendo correr novamente a fita da vida:
o experimento crucial, 45
Os significados de diversidade e disparidade, 49

2- Algumas informações sobre Burgess Shale, 54

A vida antes de Burgess: a explosão cambriana


e a origem dos animais, 54
A vida depois de Burgess: faunas de organismos de
corpo mole como janelas para o passado, 63
O cenário de Burgess Shale, 68
Onde, 68
Por quê: os meios da preservação, 73
Quem, quando: a história da descoberta, 75
3. A reconstrução de Burgess Shale:
rumo a uma nova concepção da vida, 86

Uma revolução silenciosa, 86


Uma metodologia de pesquisa, 93
A cronologia de uma transformação, 107
Taxonomia e o status dos filos, 108
A classificação e a anatomia dos artrópodes, 113

O drama de Burgess, 119

Ato 1. Marrella e Yohoia: o nascimento e


a consolidação da desconfiança, 1971-1974,
O universo conceituai com que Whittington
se defrontou, 119
Marrella: Primeiras dúvidas, 125
Yohoia: Aumenta a suspeita, 135
Ato 2. Firma-se um novo ponto de vista:
homenagem a Opabinia, 1975, 139
Ato 3. A revisão se amplia: o êxito de uma
equipe de pesquisa, 1975-1978, 153
Estabelecendo uma estratégia para uma
generalização, 153
Orientadores e estudantes, 156
A temporada de Conway Morris nos armários
de Walcott: uma indicação transforma-se numa
generalidade e a transformação se consolida, 159
Derek Briggs e os artrópodes bivalves:
o fragmento final não tão brilhante mas
igualmente necessário, 178
Ato 4. Conclusão e codificação de um raciocínio:
Naraoia e Aysheaia, 1977-1978, 186
Ato 5. A maturação de um programa de pesquisa:
a vida após Aysheaia, 1979 — Dia do Juízo
Final (não existem respostas definitivas), 196
A saga corrente dos artrópodes de Burgess, 197
Órfãos e especialistas, 197
Um presente de Santa Claws, 210
Prossegue o desfile das fantásticas maravilhas, 214
IViwaxia, 215
Anomalocaris, 221

Coda, 235

Síntese do bestiário de Burgess Shale, 236


Disparidade seguida de dizimação: uma
regra geral, 236
Avaliação das relações genealógicas entre
os organismos de Burgess, 242
Burgess Shale como uma amostra representativa
do Cambriano, 249
Predadores e presas: o universo funcional dos artrópodes
de Burgess, 250
A ecologia da fauna de Burgess, 253
Burgess como uma fauna mundial primitiva, 256
Os dois grandes enigmas de Burgess Shale, 260
A origem da fauna de Burgess, 261
A dizimação da fauna de Burgess, 267

A visão de Walcott e a natureza da história, 276

A origem da adesão de Walcott ao cone


de diversidade, 276
Uma nota biográfica, 276
A razão mundana para o fracasso de Walcott, 280
A base racional mais profunda para a calçadeira
de Walcott, 292
O caráter de Walcott, 292
A visão geral de Walcott sobre a
evolução e a história da vida, 297
A calçadeira de Burgess e a luta de Walcott
com a explosão cambriana, 304
Burgess Shale e a natureza da história, 321
Uma defesa do elevado slatus da
história natural, 325
5• Mundos possíveis: o poder da “ simples história” , 341

Uma história das alternativas, 341


Padrões gerais que ilustram a contingência, 350
O padrão Burgess de máxima proliferação
inicial, 352
Extinção em massa, 357
Sete mundos possíveis, 362
A evolução da célula eucariótica, 363
A primeira fauna de animais multicelulares, 365
A primeira fauna da explosão cambriana, 369
A subseqüente origem cambriana da
fauna moderna, 372
A origem dos vertebrados terrestres, 372
Passando a tocha aos mamíferos, 374
A origem do Homo sapiens, 375
Um epílogo sobre Pikaia, 378

Bibliografia, 381
Créditos, 389
PREFÁCIO E
A GRADECIMENTOS

ciên ' Ste ^Vr° tenta a^or(iar uma das questões mais amplas que a
por Cm P0C*e n° S apresentar — a natureza da própria história — não
nuirwj11 ,aSSa*t0 c**ret0 30 centro (para usar uma metáfora baseada
* 0S esPortes de que menos gosto), mas por uma corrida pelas
a n ^ 3trav^s ^ os detalhes de um estudo de caso verdadeiramente
esc 't r° S° A° ^az^l°> seg n ia estratégia que usei em todos os meus
va/ ' ? Paia ° leig°- O detalhe, por si só, não pode nos Ie-
não iante; na melllor das hipóteses, expresso com uma poesia que
S0,u capaz de exibir, apresenta-se como uma admirável “ escrita
vit * Um atac*ue fr°ntal às generalidades, porém, escorrega ine-
nat C mente para 0 ^ d io ou para a tendenciosidade. A beleza da
a reza está nos detalhes; a mensagem, nas generalidades. Uma
tica Claça° ótima exige ambas as coisas e não conheço nenhuma tá-
melhor que a ilustração de princípios instigantes através de por­
r e s bem escolhidos.
0s , ^ eu íema específico é o mais precioso e importante de todos
p o^Itlos pale°ntológicos — Burgess Shale, na Colúmbia Britânica.
a r tras sua descoberta e interpretação, abarcando quase oitenta
tid°S’. desenr° i° u-se uma história humana maravilhosa, no forte sen-
0 °. dcral desta palavra tão desgastada. Charles Doolittle Walcott,
rj princlpal paleontólogo e o mais poderoso curador da ciência ame-
cana, descobriu em 1909 essa antiqüíssima fauna de animais de cor-
o mole perfeitamente preservados. Sua postura profundamente tra-
00 entant0>acabou forçando-o a uma interpretação con-
e *onal, que não oferecia nenhuma nova perspectiva a respeito

11
'I

da história da vida e que, portanto, deixou esses organismos sin


res afastados das atenções do público (embora sua contri uiçao
tencial para o esclarecimento da história da vida ultrapasse em mu_
a dos dinossauros). Entretanto, vinte anos de meticulosas e*cn<^!
anatômicas feitas por três paleontólogos da Inglaterra e da r an >
os quais iniciaram tal trabalho sem a mais vaga idéia de seu enox
potencial, não só alteraram radicalmente a interpretação de a co
acerca destes fósseis específicos mas também fizeram com que noss
visão tradicional a respeito do caráter progressivo e previsível a is
tória da vida tivesse de se confrontar com o desafio da questão is o
rica da contingência — o “ cortejo” da evolução é visto^Qrnojurna
sucessão extremamente improvável de acontecimentos, bastante ra
zoáveis quando vistos em retrospecto e sujeitos a uma rigoi osa exp '
cação, é verdade, mas completamente impossíveis de prever e pra 1 ^
camente irreproduzíveis. Volte a fita do drama da vida até o s prmn
tivos dias de Burgess Shale e deixe-a córrer novamente a partjr desuse jjA
mesmõpõnto. À probabilidade de que algo semelhcmte à inteligên.cia j
humana sêlaçaApresente no repíay será infinitamente pequena.
Os organismos de Burgess Shale, porém, são ainda mais mara­
vilhosos do que qualquer esforço humano ou interpretação revisada,
especialmente quando reconstituídos da maneira apropriada e de for­
ma a preservar sua extraordinária singularidade: Opabinia,çomj>eu_§
cinco olhos e um “ focinho” frontal; Anomalocuns^ o maior anima
de^súa época e um temível predador dotado de uma boca circular,
Hallucigenia, cuja anatomia está à altura de seu nome.
O título deste livro expressa a dualidade de nossa admiração
pela beleza dos organismos em si e pelo novo modo de conceber a
vida inspirado por eles. Opabinia e companhia constituíram a estra­
nha e maravilhosa vida de um passado remoto; eles também impuse­
ram o grande tema da contingência histórica a uma ciência que não
se sente à vontade com tais conceitos. Este é o tema central da cena
mais memorável de um dos filmes preferidos pelos americanos — o
anjo da guarda de James Stewart fazendo correr novamente a fita
da vida sem a presença deste e demonstrando a espantosa importân­
cia de coisas aparentemente insignificantes. Embora a ciência não te­
nha em geral sabido lidar adequadamente com o conceito da contin­
gência, o cinema e a literatura sempre o acharam fascinante. O filme
lí s a wonderful life [A felicidade não se compra] é não apenas um
símbolo como também a melhor forma que conheço de ilustrar o te­
ma central deste livro — cujo título, aliás, é uma homenagem a Cla-
rence Odbody, George Bailey e Frank Capra.

12
A história da reinterpretação dos
vas idéias que surgiram a partir dest . elenco. No entan-
xa, envolvendo o esforço coletivo de u g fizeram
to, três paleontólogos dominaram 0 cf tr° ^ J a n a n jo taxo-
o grosso do trabalho técnico de de^criça0 & Universidade de Cam-
nômico - Harry W hittington, p r°fesso ^ q mund0) e De.
bndge e o maior especialista em tnlon de Whittington
rek Briggs e Simon Conway Morris, dois b os fósseis
que fizeram carreiras brilhantes com seus estudos
de Burgess. formas de apresentar o
Considerei durante meses as dive nciusão de que somen-
conteúdo deste livro, e acabei chegando a co ^ influência da
te uma poderia dar unidade e inteireza a o ^ enta0 tenho de
história na organização atual da vida e a0 deste hvro. O tra-
respeitar sua ascendência no âmbito m aisres in s titu i uma his-
balho de W hittington e de seus colegas tam rit£rio para a de-
tória e, no domínio de contingência, o princí ^ reinterpreta-
terminação de ordem é, e tem de ser, a cron° diosa e admirável
ção de Burgess Shale é uma história,_™ íL nenhuma morte e nem
história do mais alto mérito intelectual reVelou um novo
mesmo um ferimento ou um arranhão, mas gsta história na
mundo. O que mais podemos fazer atem e c n de ^urosa-
correta ordem cronológica? Como no füm uma história
wa, dois observadores ou participantes nunc ^ aQ menos te-
complexa exatamente da mesma maneira, P°' ’ ^ vej0 esta se-
mos a possibilidade de nos basear na crono^ permjti-me até mes-
qüência temporal como um intenso drama apresentá-
mo a extravagância de, no terceiro capitulo deste
la, como uma peça em cinco atos. „i d a iconogra-
O capítulo 1, por meio do expediente mal dis-
fia, expõe as atitudes tradicionais (ou expe esta0. o capítulo
farçadas) que Burgess Shale agora co oca e aQ início da his-
2 apresenta o indispensável plano de fun cenário específico
tória da vida, à natureza do registro ossi a ^ em ordem cro-
de Burgess Shale. A seguir, o capítulo oc: . reVjSao em nossos
nológica e na forma de um drama, essa 8r fjn£d procura situar
conceitos acerca da vida primitiva. Uma se jutjva parcialmente
esta história no contexto geral de uma teori ^ capítulo 4 exami-
contestada e revisada por essa mesma is numa tentativa
na a época e a psique de Charles Doo it e jncorretamente a na­
de compreender por que ele interpretou
tureza e o significado de sua maior descoberta. A seguir é apresen­
tada uma visão diferente e antitética da história enquanto contin­
gência. O capítulo 5 desenvolve esta visão da história através de ar­
gumentos gerais e de uma cronologia de episódios cruciais que, se
tivessem sofrido pequenas alterações em suas fases iniciais, pode­
ríam ter feito a evolução tomar um curso dramaticamente diferente
embora igualmente inteligível — caminhos bastante sensatos e ra­
zoáveis que não teriam produzido nenhuma espécie capaz de deci­
frar seu próprio passado ou de produzir uma crônica a respeito de­
le. O epílogo é a última surpresa de Burgess — vox clamantis in de­
serto, uma voz oportuna e adequada, que não irá endireitar o sinuoso
nem aplainar o irregular, pois ela se diverte com a tortuosidade dos
caminhos destinados a produzir apenas resultados interessantes.
Ao escrever este livro fui pego entre os dois pólos de uma reda­
ção convencional. Não sou um repórter ou divulgador de assuntos
científicos que entrevista, com passiva imparcialidade, pessoas de
uma outra área. Sou um paleontólogo profissional, colega e amigo
pessoal de todos os principais personagens deste drama. Porém, eu
mesmo não tomei parte na pesquisa original — e nem poderia, pois
não tenho o tipo específico de genialidade espacial que este traba­
lho exige. Todavia, o mundo de Whittington, Briggs e Conway M or­
ris é o meu mundo. Não só conheço suas esperanças e seus pontos
fracos, seu jargão e suas técnicas, como também convivo com suas
ilusões. Se este livro vier a cumprir sua função a contento, terei com­
binado a sensibilidade e o conhecimento profissional com distância
necessária para fazer um julgamento equilibrado, e o meu sonho de
escrever um relato interessante com informações privilegiadas do
campo da geologia poderá ter obtido êxito. Caso contrário, serei ape­
nas a última de tantas vítimas — e todos os chavões a respeito de
peixes e aves selvagens, rochas e regiões agrestes serão aplicáveis.
(A dificuldade de viver neste mundo e, ao mesmo tempo, escrever
sobre ele manifesta-se com muita freqíiência na forma de um pro­
blema simples que me parece insolúvel. Os meus heróis chamam-se
Whittington, Briggs e Conway Morris ou são eles Harry, Derek e
Simon? Por fim renunciei à coerência e resolvi que ambas as desig­
nações eram apropriadas, embora em circunstâncias diferentes —
e simplesmente segui meu instinto e minha intuição. Tive ainda de
a otar uma outra convenção, Para apresentar cronologicamente o
rama de Burgess Shale, ordenei a literatura científica pertinente de
acor o com as respectivas datas de publicação das pesquisas sobre

14
1

valo decS .” tretant0»como todos os pesquisadores sabem, o inter­


ne mane'01” ° entre a entreSa do manuscrito e a impressão varia
Ihos fora^3 Caprichosa e casual; assim, a seqüência em que os traba-
que a ne m PU°^ cac*os Pode guardar pouca relação com a ordem em
mento SqUlSa ^ealmente feita. Por isso, submeti o meu ordena-
cobri co eXame minu^ o de todos os principais envolvidos e des­
de pub]i°m ~m m^sto a^vr° e prazer, que neste caso a cronologia
f°ram feitas ^ representou fo m e n te a ordem em que as pesquisas ■
Ti , '
meus ass' ° *U/ ado ^er02mente para preservar uma norma pessoal em
em seu s lnJ-^ am ad °s “ escritos populares” . (O termo é admirável
sim piific^ 1 ° **tera^’ mas tem sido envilecido para significar algo
dade e s 3 ° ° U distorcido, feito para ser compreendido com facili-
leu» ao CXlg*r nenhum esforço.) Eu acredito — tal como Gali-
l°gos S.Pr®yer os seus dois maiores trabalhos sob a forma de diá-
tim; como' Th300’ em VCZ ^az^'*° como tratados didáticos em la-
em prosa° omas Henfy Huxley, ao produzir suas magistrais obras
livros pa 1SCnta dejargão; e como Darwin , ao publicar todos os seus
cos escrit^3 ° Pdddco — due ainda podemos ter livros científi-
m° temo ° S num ,es^ ° apropriado para os profissionais e, ao mes-
com toda°" a<?essive^s ao ^e'S° interessado. Os conceitos da ciência,
aPresentad3 nqueza.e ambiguidade que lhes é peculiar, podem ser
e sem qual ° S nUma *inguagem acessível a todas as pessoas inteligentes
bulário ^ UCr concessao ou simplificação que os distorça. O voca-
ja para ^ naturaimente, deve ser modificado, ainda que mais não se-
^Hiciados1^r^ mar ° jargão e a fraseologia que iriam confundir os não-
ma, tanto pr° f l,ndidade conceituai, no entanto, deve ser a mes-
0 Público 113 pu^ dcaçao especializada como numa divulgação para
tanto em° ^era^‘ ^ sPero due este livro possa ser lido com proveito
for ruim Semi” ar*os de cursos de pós-graduação como — se o filme
exernt; C ! ° Cês t'verem esquecido as pílulas para dormir — na classe
Obvi Um VÔ° Para TÓquÍ°-
Cretize iamente’ Para due estas nobres esperanças e fantasias se con­
de g Urm ’ az~sc necessário um certo esforço. A beleza da história
due v0 ê ' SS eSt^ em seus detalhes, e estes são anatômicos. É claro
der a 'd*"5 Podem deixar a anatomia de lado e ainda assim apreen­
do lev 613 ®era^ f ^ eus bem sabe, sempre repito isso quando me dei­
te cas ar Pe^°.entus*asmo) — mas, por favor, não o façam, pois nes-
inten Jarna*_s le g a ria m a compreender a arrebatadora beleza e a
senta*3 ern°^ao do drama de Burgess. Fiz todo o possível para apre-
°s dois assuntos técnicos — anatomia e taxonomia com
o máximo de coerência e o mínimo de intromissão. Elaborei os su­
plementos como textos introdutórios a esses temas e limitei a termi­
nologia ao estritamente necessário (felizmente podemos evitar qua­
se todo o esmagador jargão da linguagem especializada e entender
as questões fundamentais relativas aos artrópodes através da sim­
ples compreensão de uns poucos fatos acerca da ordem e da dispo­
sição dos seus apêndices). Além do mais, todos os trechos descriti­
vos estão acompanhados de ilustrações.
Considerei rapidamente (mas foi apenas o Diabo se manifes­
tando) a possibilidade de eliminar toda esta documentação e enve­
redar por um desvio feito de acenos de mão, belas ilustrações e ape­
los à autoridade. Todavia, não pude fazê-lo, e não apenas em virtu­
de da política geral acima mencionada. Não pude porque qualquer
supressão de argumentos anatômicos, qualquer utilização de fontes
secundárias em vez das monografias originais, seria um sinal de des­
respeito por algo verdadeiramente belo — por alguns dos trabalhos
técnicos mais refinados e graciosos já realizados em minha especia­
lidade e pela notável beleza dos animais de Burgess. Implorar é um
tanto indigno, mas permitam-me apenas uma linha: por favor, se­
jam pacientes com os detalhes; eles são acessíveis e constituem a porta
de entrada para um novo mundo.
Uma obra como esta torna-se, forçosamente, uma espécie de
empreendimento coletivo — e agradecimentos pela paciência, gene­
rosidade, compreensão e boa vontade de inúmeras pessoas devem
ser fartamente distribuídos. Harry Whittington, Simon Conway Mor­
ris e Derek Briggs suportaram muitas horas de entrevistas, detalha­
dos interrogatórios e leituras de manuscritos. Steven Suddes, do Par­
que Nacional de Yoho, gentilmente organizou uma excursão à san­
tificada área da pedreira de Walcott, pois eu não poderia escrever
este livro sem fazer tal peregrinação. Laszlo Meszoly preparou qua­
dros e diagramas com uma habilidade que tenho admirado e da qual
venho dependendo há quase duas décadas. Libby Glenn ajudou-me
a examinar penosamente o volumoso arquivo de Walcott, em Wash­
ington.
Jamais publiquei um trabalho que dependesse tanto de ilustra­
ções. Mas é assim que tem de ser. Os primatas são animais visuais
por excelência, e o trabalho anatômico, em particular, é muito mais
pictórico do que verbal. Logo de início decidi que a maior parte das
min as ilustrações deveríam ser aquelas usadas nas publicações ori­
ginais de Whittington e de seus colegas — não apenas por sua exce-
encia no âmbito desta modalidade mas principalmente porque não

16
\r "*í

conheço nenhuma outra maneira de expressar meu imenso


pelo trabalho dessas pessoas. Neste sentido, estou agin o ap
mo um fiel cronista das fontes originais que irão se torna
para a história da minha profissão. Com a costumeira es rei ez
tal do ignorante, presumi que a reprodução das ilustrações j p
cadas deveria ser um procedimento simples e automático,
tipo fotografar e imprimir. Entretanto, aprendi muita coisa
peito de outras formas de excelência profissiona ao ver
man e David Backus, meu fotógrafo e meu assistente e p ’
trabalharem durante três meses até obterem resultados QU
receram superiores às próprias ilustrações originais, s
lhores agradecimentos à dedicação de ambos.
Estas ilustrações — cerca de uma centena, ao to o
camente de dois tipos: desenhos dos próprios animais e re
ções esquemáticas de organismos inteiros. Eu po eria er e rtes
do desenho dos espécimes as indicações dos nomes as iver ,
que os constituem, por vezes muito numerosas, pois a mai
tes nomes não tem relação com os argumentos desenvo vi °
e os demais acham-se sempre muito bem explica os nas
gendas. Mas quis que os leitores vissem essas ilustrações
te como elas apareceram nas publicações oiiginais. Pr \
leitores irão notar que as reconstruções, seguin o a conv • „j
tada para as ilustrações científicas, raramente mostram f ,Q
da maneira como um observador provavelmente o veri
de um mar cambriano — e por duas razões. Algumas Pa ,^0r
cem aqui transparentes, para que a anatomia tota Pos^ ou_
visualizada, enquanto outras (geralmente aque as rep
tras seções do livro) são omitidas pela mesma razao.
Visto que as ilustrações técnicas não apresen am ue
mo como uma criatura realmente viva, cheguei a con recons.
deveria incumbir um artista científico de fazer uma jjus.
tituições completas. Eu não estava satisfeito com nei^ „areciam de
trações até então publicadas — ou eram imprecisas esenho de
vigor estético. Por sorte, Derek Briggs mojtmu-me
Sanctacaris (fig. 3.55), feito por M ananne CollinSl' * , atença0
um organismo de Burgess desenhado com uma escri recor(jar a
aos detalhes anatômicos e um tino estético que Museu
inscrição existente no busto de Henry Fair íe ’s jescarna-
Americano de História Natural: “ Através das Se junta­
dos ganharam vida, e as formas gigantes as era Marianne
ram ao cortejo dos vivos” . Estou extremamente feliz po
in
Collins, do Museu Real de Ontário, em Toronto, ter podido prepa­
rar cerca de vinte desenhos dos animais de Burgess exclusivamente
para este livro.
Este trabalho coletivo une gerações. Conversei prolongadamente
com Bill Schevill, que trabalhou com Percy Raymond, na década
de 1930, e com Evelyn Hutchinson, que publicou suas primeiras no­
táveis observações a respeito dos fósseis de Burgess Shale logo após
a morte de Walcott. Tendo quase entrado em contato com o pró­
prio Walcott, voltei ao presente e falei com todos os pesquisadores
em atividade. Estou especialmente grato a Desmond Collins, do Mu­
seu Real de Ontário, que no verão de 1988, enquanto eu escrevia
este livro, estava acampado na pedreira original de Walcott e fazen­
do novas descobertas num outro sítio paleontológico acima da pe­
dreira de Raymond. Seu trabalho acarretará a ampliação e a revi­
são de diversas partes deste livro. A obsolescência é um destino a
ser reverentemente desejado, para que a ciência não fique estagna­
da e morra.
Estou obcecado por Burgess Shale há mais de um ano e tenho
conversado incessantemente sobre seus problemas com colegas e es­
tudantes de todos os lugares. Muitas de suas sugestões, dúvidas e
advertências contribuíram enormemente para melhorar este livro.
A fraude científica e a generalizada mesquinhez competitiva atual­
mente estão na ordem do dia, e eu temo que os leigos estejam sendo
mal informados a respeito deste fenômeno reconhecidamente sério.
Há tantas notícias sobre isso que se poderia quase imaginar um ato
de cavilação para cada episódio comum de decência e integridade.
Não, de modo algum. A tragédia não está na freqüência de tais atos,
mas na esmagadora assimetria que permite que qualquer exemplo
e maldade, mesmo sendo a exceção, possa anular ou encobrir mi­
ares de gestos cordiais, nunca registrados porque nós o tomamos
como coisa natural e corriqueira. A paleontologia é uma profissão
soci ve . ão estou dizendo que todos nós gostamos uns dos ou-
ros^ existem com certeza muitas coisas a respeito das quais não con-
° r. f m° S' as tendemos a nos ajudar mutuamente e a evitar a mes-
liaün Manobre tradição facilitou a trajetória deste livro, auxi-
se tratavam1 ,are^ de gestos de bondade que nunca registrei porque
Deus sisnifira at° S usuais de Pess°as decentes — o que, graças a
po Èu me rei f ■ínaior Parte de nós durante a maior parte do tem-
=onhedme2
conhecimento ída vhistoria
C! m “ ída
f panilha> em maravilhosa.
nossa vida noss° « * * pdo

18
1
A ICONOGRAFIA
DE UMA EXPECTATIVA

UM PRÓLOGO ILU STRAD O

Cobri-vos-ei de tendões, farei com que sejais cober­


tos de carne e vos revestirei de pele. Porei em vos o
meu espírito e vivereis. Ezequiel 37:6

Desde que o próprio Senhor mostrou suas habilidades a Ezequie ,


no vale dos ossos secos, ninguém manifestou tanta giaça e perícia
na reconstituição de animais a partir de esqueletos desarticulados, o
das aquelas clássicas ilustrações de dinossauros, que até hoje nos ms
piram medo e excitam nossa imaginação, foram pintadas por ar
les R. Knight, o mais célebre dentre os artistas que se dedicaram a
reanimação de fósseis. Em fevereiro de 1942, Knight desenhou uma
série cronológica de panoramas para a National Geographic, re ra
tando a história da vida desde o advento dos animais multice u are
até o triunfo do Hom o sapiens. (Este é aquele número que semprt-
é conservado — e que, portanto, sempre está faltando quan o en
contramos uma coleção “ completa” da revista, a 25 centavos e o
lar o fascículo, nas prateleiras do fundo de uma mercearia e uc
lia, no Maine.) Knight baseou os primeiros desenhos desta ser^ * V
animais — apresentados na sobrecapa deste livro de Burgess
Sem hesitação ou ambigüidade, e plenamente cônscio e 1
ravilhas paleontológicas como os grandes dinossauros e 0 .
macaco africano, eu afirmo que os invertebrados e urge >
descobertos no alto das Montanhas Rochosas cana enses,
rior do Parque Nacional de Yoho, próximo à fronteira on ^
Colúmbia Britânica, são os animais fósseis mais imp

70
mundo. Comprovadamente, os av-.nais multicelulares modernos apa­
receram pela primeira vez no registro fóssil há cerca de 570 milhões
de anos — e de modo repentino, não num prolongado crescendo. Esta
“ explosão cambriana” assinala o advento (ao menos no que tange
a evidências diretas) de praticamente todos os principais grupos de
animais modernos — e isto dentro do que, em termos geológicos, é
um breve intervalo de uns poucos milhões de anos. Os animais de
Burgess Shale pertencem a um período imediatamente posterior a es­
ta explosão, a uma época em que a quase totalidade dos seres vivos
resultantes deste processo habitavam nossos oceanos. Estes fósseis ca­
nadenses são preciosos porque preservam com primorosos detalhes
as partes moles dos organismos, tais como os filamentos branquiais
de um trilobito ou uma última refeição no intestino de um verme.
Nossos registros fósseis limitam-se quase que exclusivamente à histó­
ria das partes duras. No entanto, a maioria dos animais tem somente
partes moles e, mesmo naqueles que fogem a esta regra, o revesti­
mento externo não revela muita coisa sobre a anatomia interna des­
tes organismos (o que se poderia inferir a respeito de um mexilhão
com base apenas em sua concha?). Conseqüentemente, os raros re­
gistros fósseis de partes moles constituem preciosas janelas para a ver­
dadeira distribuição e diversidade da vida primitiva. Os fósseis de Bur­
gess Shale são a única fonte ampla e bem documentada sobre uns
dos acontecimentos mais cruciais da história da vida animal: o pri­
meiro florescimento da explosão cambriana.
A. história de Burgess Shale é fascinante também em termos hu­
manos. A fauna foi descoberta em 1909 por Charles Doolittle Wal-
cott, o maior paleontólogo dos Estados Unidos, administrador de ins­
tituições científicas e secretário (a designação deles para chefe) do Ins­
tituto Smithsoniano. Walcott acabou interpretando estes fósseis de
forma equivocada, abrangente e perfeitamente coerente com suas con­
cepções convencionais a respeito da vida: em resumo, ele forçou a
inclusão de todos os animais de Burgess Shale em algum grupo mo­
derno, considerando-os coletivamente como versões primitivas ou
ancestrais de formas posteriores mais aperfeiçoadas. O trabalho de
alcott não enfrentou nenhuma contestação séria durante mais de
cinquenta anos. Em 1971 o professor Harry Whittington, da Univer-
si a e e ambridge, publicou a primeira monografia de um amplo
reexame que começou com as suposições de Walcott e terminou com
uma mterpretaçao radicalmente diferente não só da fauna de Bur­
gess Shale mas (por implicação) de toda a história da vida, incluindo
nossa própria evolução.

20
Este livro tem três objetivos principais. Primeiro, trata-se e uma
narrativa do intenso drama intelectual por trás da aparente tranqui 1
dade desta reavaliação. Em segundo lugar, e por uma inevitave ím
plicação, é um depoimento sobre a natureza da história da vi a e a
espantosa improbabilidade da evolução humana. E, por tim, procu
ro descobrir por que se permitiu que um programa de pesquisa ao
fundamental permanecesse desconhecido do público. Por que pa
binia, um animal crucialmente importante no contexto desta nova con
cepção da vida, não é um nome familiar a todas as pessoas que se
interessam pelos enigmas da existência?
Em poucas palavras, Harry Whittington e seus colegas emon
traram que a maioria dos organismos de Burgess não pertencem a
grupos conhecidos e que as criaturas desta única pedreira^ a 0
bia Britânica provavelmente excedem, em diversidade anatômica, o
o espectro da fauna de invertebrados existentes nos oceanos mo
nos. Cerca de quinze a vinte das espécimes encontradas em urgess
Shale não podem ser associadas a nenhum grupo conhecí o e, pr
vavelmente, deveríam ser classificadas como filos distintos. mp
estes organismos para além dos poucos centímetros de seu taman
real e você estará no cenário de um filme de ficção cien 1 íca,
criatura particularmente curiosa recebeu o nome de a u c i g e •
espécies de Burgess que podem ser classificadas entr° ° •
nhecidos, a diversidade anatômica excede de muito os ™ ,
A fauna de Burgess inclui, por exemplo, representan es p .
todos os quatro grandes grupos de artrópodes, os am ^
tes do mundo de hoje - os trilobitos (hoje
(incluindo lagostas, caranguejos e camarões), os Quetorados (mclum
do as aranhas e os escorpiões) e os unirremes (mc
Mas Burgess Shale também

descreveram quase um milhão de e w t o a ^ ünk0 sitio palcorr


encaixam num dos quatro grupos prmc p > nrimeira explosão
to,ógico da Colúmbia M U . • « ! — £ , s a S n a i s de^rga-
de vida multicelular, revela mais de vint d^ de remoções
nização dos artrópodes! O romance da , ões sobreviven-
maciças seguidas de difereuciaçào das poucas 3 cm djre.
tes. e não a fábula convencional de uma cammhad1. sefs ira
ção a uma excelência, complexidade e d.vers.dade cada
Como exemplo desta nova interpretação, comparemos a rec° ^ s
tituição da fauna de Burgess Shale feita por Charles R. Knight ^
1.1), baseada inteiramente na classificação de Walcott, com aque
que acompanha um artigo publicado em 1985, defendendo um ou
tro ponto de vista (fig. 1.2). . ,
1) Na reconstrução de Knight o elemento central é um anim ^
denominado Sidneyia, o maior dos artrópodes de Burgess con ect
dos por Walcott e, no seu entender, um ancestral dos quelicera os^.
Na versão moderna Sidneyia foi enxotado para o canto inferior i
reito e seu lugar ocupado por Anomalocaris, o terror dos mares ca^
brianos — com mais de sessenta centímetros de comprimento
um dos “ inclassificáveis” de Burgess Shale.
2) Knight reconstitui cada animal como se fosse membro e UIT1
grupo bem conhecido que, posteriormente, tivesse alcançado um
grande sucesso. Marreila é reconstruído como um trilobito e aP
tia como um protocamarão (fig. 1.1), embora ambos estejam entre
os artrópodes que hoje não se sabe exatamente onde colocar. A ver
são moderna apresenta alguns filos singulares — o grande Anotna
locaris; Opabinia, com seus cinco olhos e um “ focinho” fronta ,
e Wiwaxia, com seu revestimento de escamas e duas fileiras de espi
nhos dorsais.
3) As criaturas de Knight seguem a convenção do “ reino paci­
fico” . Estão todas aglomeradas numa harmonia aparente baseada
na tolerância mútua; eles não interagem. A versão moderna man­
tém o ajuntamento irreal (um costume necessário, a bem da econo­
mia de espaço) mas retrata as relações ecológicas reveladas por pes­
quisas recentes: priapulídeos e vermes poliquetas enterram-se no lo­
do; o misterioso Aysheaia alimenta-se de esponjas; Anomalocaris
everte suas mandíbulas e tritura um trilobito.
4) Considere o Anomalocaris como um exemplo da revisão de
Whittington. Knight inclui animais omitidos na reconstituição mo­
derna: uma medusa e um estranho artrópode que parece ser a extre­
midade posterior de um camarão com a frente recoberta pela con­
cha de um bivalve. Ambos representam erros cometidos na tentati­
va de forçar a inclusão dos animais de Burgess Shale nos grupos
modernos. A ‘medusa” de Walcott revelou-se um pequeno círculo
de placas ao redor da boca de Anomalocaris e a extremidade poste­
rior do seu “ camarão” nada mais é que um apêndice alimentar des­
te mesmo predador. O que Walcott considerava serem os protóti­
pos de dois grupos modernos veio a se converter em partes do cor-

22
po do maior e mais esquisito dos animais de Burgess (o qual, muito
apropriadamente, recebeu o nome de Anomalocaris).
Assim, uma complexa modificação de conceitos é exemplifica­
da por uma alteração nas ilustrações. A iconografia tem sido um
instrumento negligenciado na alteração de pontos de vista relativos
à história e ao significado da vida, de maneira geral, e à fauna de
Burgess Shale, em particular.

A ESCADA E O CONE: ICONOG RAFIAS DO PROGRESSO

Afirmam as nossas máximas que a familiaridade tem produzi­


do de tudo, desde o desprezo (segundo Esopo) até crianças (conforme

v U l
W '" ' ¥ ' ' ...;
í ^

> / . v .j J H m

1.1. Reconstituição da fauna de Burgess Shale feita poi Chat cs . >


a qual provavelmente serviu de modelo para suas ilusti açoes e • sidnevia
mais foram desenhados como membros de grupos modernos, cn (es
o maior animal do cenário, Waptia é reconstituído como um cat , soectiva-
que na verdade pertencem ao estranho Anomalocaris são reptes extremi-
mente como uma medusa comum (no alto, a esquerda o cen ' centro na-
dade posterior de um artrópode bivalve (a criatura g/an e, a
dando acima de dois trilobitos).

23
1.2. Uma moderna reconstituição da fauna de Burgess, ilustran o 1 charles
Briggs e Whittington sobre o gênero Anomalocaris. Ao contrai io i occsen i canto
Knight, este apresenta organismos bizarros. Sidneyia foi transferi 0 P jocaris.
inferior direito e o cenário é dominado por dois espécimes dogran e n gjdneyia-
Três Aysheaia, comem esponjas ao longo da borda inferior, à esquer a e
Um Opabinia rasteja pelo fundo, logo à esquerda de \ ysheaia, e c ots[ ^
alimentam-se no fundo do mar, abaixo do Auomalocaris em posição mat

observou Mark Twain). Polônio, num de seus loquazes passei ^


exortou Laerte a procurar amigos sinceros e de comprovado va o >
e depois, tendo-os escolhido com cuidado, a “ prendê-los à sua a
ma com aros de aço” . Todavia, como afirmou o assassino de o
nio, no mais famoso solilóquio de todos os tempos, “ é aí que es
a dificuldade” . Aqueles aros de aço não podem ser soltos com aci
lidade, e o que era confortavelmente familiar passa a aprisionar o
nosso pensamento.
As palavras constituem a nossa maneira preferida de impor um
consenso. Não há nada melhor do que uma máxima habilmente cons­
truída para inspirar ortodoxia e unanimidade de ação. Mas a recen­
te invenção da fala não sepulta inteiramente uma herança mais an­
tiga. Os primatas são animais visuais por excelência e a iconografia
da persuasão, mais do que as palavras, penetra profundamente no
âmago de nosso ser. Todo demagogo, t do humorista e todo publi­
citário conhece e já explorou o poder evocativo de uma ilustração
bem escolhida.

24

A
Os cientistas perderam esta noção em a g ^ ilustrações do
caminho. Tenho certeza de que fazemos mais dos especia-
que a maior parte dos outros estudiosos, com r „ supera até
listas em história da arte. ‘‘Próxim 05 . ' f ’inPaisCom umnosencon-
mesmo “ Em minha opinião” como a t trações apenas como
tros científicos. Entretanto, encaramos as 1 us ^esenvojvicja no tex-
um recurso auxiliar em relação à argumentaça ^ tgm um conteú-
to. Poucos cientistas considerariam que as im _exQS fiéis da na­
do ideológico intrínseco. As imagens, enquan
tureza, simplesmente estão aí. _ f tn„rafias de obje-
Eu posso entender tal atitude em re açao para uma
tos — muito embora, mesmo neste caso, as °P . de nossas figu_
sutil manipulação sejam enormes. To avia, descrições im-
ras são encarnações de conceitos, disfarça as ,erosas do contor-
parciais da natureza. Essas são as causas ma' s forina de descrições
mismo, pois as idéias que se apresentam so ^r.0 aQ inequivoca-
lcvam-nos a equiparar o experimental ou Pr0 pensamento são
mente verdadeiro. Subsídios para a or enaç natureza. Palphes
elevados à categoria de padrões estabelecí o
e suposições transformam-se em latos. estão todas dire-
As iconografias mais conhecidas a ev° com sutileza •— n0
cionadas — às vezes de modo grosseiro, o jnevitabilidade e su-
sentido de reforçar uma cômoda concepção ^ eVolutiva ou
perioridade humanas. A versão mais remata > antiga, Pfé-
escada de progresso linear, tem uma o n 8 chain 0f being,
evolutiva (veja o clássico de A. O. Lovejoy, u nrneirt, de Alexan-
1936). Considere, por exemplo, Ensaio sobre o Home,
der Pope, escrito no começo do século x ■
À medida que o amplo espectro
A escala dos poderes físicos e mc araça humana
Observe como ele se eleva ate a n as canipinas.
A partir das verdes miríades que po ' culo (fig 1.3).
E veja uma famosa versão do tmal desse cQ Charles White
Em Regular gradation in man, o m e d i c o dos vertebrados
forçou a inclusão de toda a ramificada ayes até 0s crocodilos
numa única seqüência heterogênea que ia do homem e subin-
e cães, passando pelos primatas mais pioxi nQS até chegar ao
do a escada racista convencional de giup branco, descíito
exemplo de perfeição representado pe o
1.3. /Is gradações lineares da evolução, segundo Charles White ( ■ ..
qüência heterogênea vai das aves e crocodilos até os cães e macacos (as u
de baixo) e, a seguir, sobe a convencional escala racista dos grupos humanos
fileiras de cima).

com o floreado estilo rococó característico do século que estava se


encerrando:
Onde, a não ser nos europeus, iremos encontrar essa nobre cabeça ar­
queada, contendo tamanha quantidade de cérebro...? E a face perpen­
dicular, o nariz protuberante e o queixo arredondado e saliente? Onde
encontrar aquela variedade de feições e tanta expressividade l-.-l aquelas
bochechas rosadas e lábios coralinos? (White, 1799).
Esta tradição nunca desapareceu totalmente, mesmo em nos­
sos tempos, em que o nível de esclarecimento é maior. Em 1915
Henry Fairfield Osborn proclamou o crescimento linear da capaci­
dade cognitiva numa ilustração repleta de erros bastante instrutivos
(fig. 1.4). Os chimpanzés não são nossos ancestrais e sim primos mo­
dernos. Em termos evolutivos eles e nós estamos igualmente distan­
tes do desconhecido antepassado que deu origem aos macacos afri­
canos e aos seres humanos. O Pithecanthropus (Homo erectus, na

26
I

'■4; A vanços na evolução do cérebro humano tal como foram ilustrados por Henry
'oirfield Osltorn, em 1915.

,"5' U,na ilustração pessoalmente constrangedora de nosso apego à icort< g


"tocha do progresso. Embora os meus livros procurem desmascara fm_
!' ev°iuçâo, não tenho nenhum controle sobre as capas das traduçoes. Q
“ç° es de meus livros já utilizaram a "marcha do progresso ttiman mistérios
■ao de capa. Esta é da edição holandesa de Ever since Darwin [Dar
ia vida].
nomenclatura moderna) é um possível ancestral e o único mem to
legítimo da seqüência. A inclusão do homem de Piltdown é particu
larmente reveladora. Sabemos hoje que o homem de Piltdown 01
uma fraude, produzida com um crânio humano e uma mandibu a
de macaco. Como se tratava de um crânio contemporâneo, o o
mem de Piltdown possuía um cérebro do tamanho moderno. a°
obstante, os colegas de Osborn estavam tão convencidos de que os
fósseis humanos deveriam apresentar valores intermediários numa
progressão ascendente que reconstituíram o cérebro do homem
Piltdown de acordo com suas expectativas. Quanto ao homem e
Neanderthal, essas criaturas foram provavelmente primos próximos
pertencentes a uma espécie distinta, e não nossos ancestrais. De qua

- . Comprei esta revista Científica infantil num bazar de Agra, na índia. A falsa
1 6
iconografia da marcha tio progresso tem agora aceitação transcultural.

28
#30-

---------------------------------—------— ----- çSCqcIü Este exemplo,


1.7. Um cartunista pode fazer bom uso ^ ^ ' ^ J l n t e s de uma partida en-
desenhado por L.arry Johnson, apareceu no
tre Patriots e Raiders.

quer forma, eles tinham cérebros tão osborn.


ainda maiores, a despeito da progre^s nossa geração. Con-
E nós não desistimos dessa iconogr ancjesa de um de meus
sidere a fig. 1 .5 , extraída de uma tra uça indiana, não pode-
próprios livros! A marcha do progresso, &s cuituras ociden-
ria ser mais vivida. Para que não pensem resento aqui um exem-
tais são as únicas a promoverem esta 1 ei > bazar de Agra,
Pio de sua disseminação (fig. 1-6), comprado num
em 1985 • ^ tacão canônica da evolu-
A marcha do progresso é a repres g viSCeralmente com
ção — aquela imagem imediatamente ca ,-a{j 0 através de seu
preendida por todos. Isto pode ser me p . s áreas de atuaçao
freqüente uso no humor e na pubhci a • ^ público. As P'a
nos proporcionam o melhor teste da pet pei rapidamente nos u
das
das “e os anúncios=_____«er
precisam compreendidos
ser compre Considere fÍK. 1.7
.Aorp aa fig-
gazes segundos que nossa atenção 1 ^s co Q QOSton Globe an
um cartum desenhado por Larry Jo nso patriots e Rai crs.
tes de umana partida de futebol americano
american e cabe ao terrorts
terroris
Ou a fig. 1.
’ 8o, do
.................
cartunista Szep, sobre o ‘u 8 „ ^ acionismo cientlfi-
Szeo. sobre o lugar qu ;_ . cmo cientifi-
mo, e a fig. 1.9, de Bill Day, a resPelt° Mike Peters, sobre a
co". Ou, ainda, a fig. 1.10. do m*U * S t a s aos homens e as mu-
Possibilidades sociais tradicionalment
18 q - 1 y
lhe cabe m marcha do

S°. Desenho de Bill Day, p u b li^ d o Z o ^ lu Z itfté c V r ls s d°

"S á® »
lheres. Quanto à publicidade, considere a evolução da cerveja Guin-
ness (fig. 1 . 1 1 ) e do aluguel de televisores (fig. 1 . 12 ).*
A camisa-de-força do avanço linear ultrapassa os limites da ico­
nografia e alcança a própria definição do termo evolução: a pala­
vra tornou-se sinônimo de progresso. Os fabricantes dos cigarros
Doral certa vez apresentaram uma seqüência de produtos aperfei­
çoados” ao longo dos anos, sob os dizeres, ‘‘Teoria de evolução de
Doral” .** (Talvez eles agora se sintam embaraçados por esta asser­
ção equivocada, já que me recusaram a permissão para reproduzir
o anúncio.) Ou, então, considere um episódio extraído da tira cô­
mica Andy Capp (fig. 1.13). Fio não tem dificuldade em aceitar a
evolução mas a define como progresso e considera a maneira de Andy
chegar em casa (de quatro) como sendo exatamente o oposto.
A vida não é uma escada em que o progresso se faz de forma
previsível e sim um arbusto profusamente ramificado e continua-
mente desbastado pela impiedosa tesoura da extinção. A maioria
das pessoas talvez tenha conhecimento disto como uma frase a ser
pronunciada mas não como um conceito profundamente entranha-
do. Por conseguinte, estamos continuamente cometendo erros de­
vido a uma aceitação inconsciente da escada de progresso, mesmo
quando rejeitamos explicitamente esta visão obsoleta da vida. Con­
sidere por exemplo estes dois erros, o segundo dos quais nos ajuda
a compreender por que os fósseis de Burgess Shale foram interpre­
tados de maneira equivocada.
Primeiramente, num erro que chamo de ‘‘pequena piada da vi­
da” (Gould, 1987a), somos praticamente compelidos ao colossal
equívoco de citar linhagens malogradas como exemplos clássicos de
‘‘evolução” . Assim o fazemos porque tentamos extrair uma única
linha de desenvolvimento a partir de uma miríade de ramificações.
Neste esforço mal direcionado somos inevitavelmente arrastados para

(*) Invocando um outro aspecto da mesma imagem a identi ícaçao o v


e do extinto com o inadequado —, a Granada nos exorta a alugar em vez e
prar, porque “os modelos mais recentes podem se tornar obso etos an es
possa dizer brontossauro” . „fír„
(**) Admiravelmente irônica, já que a seqüência mostrava f.ltros mais ef:tea-
zes. Para os especialistas, a evolução é um processo de adaptaçao
transformação, e não progresso. Como os filtros foiam termo
— consciência do público em relação às ameaças à sua sa e , “ oositiva
evolução corretamente. Não há dúvida, porém, de que eles queriam dizer poaüva
mente melhor” e não “ feito para manter os lucros - uma asserçao um tanto
cabra à luz de milhões de mortes atribuíveis aos cigarros.

31
a n d w w a n .

1.10. M a is u m e x e m p lo d a ic o n o g r a fia d a e sc a d a . D e s e n h o d e M i k e P e l o s , p
ca d o n o Dayton Daily News. ( R e p r o d u z id o c o m a p e r m is s ã o d e u t s , I n c .)

1.11. O está g io m a is e le v a d o d a a sc e n sã o h u m a n a , c o n fo r m e f o i f o t o g r a f a d o d e
u m c a rta z d e ru a inglês.

32
arbustos tão próximos da aniquilação total que conservam apenas
um galho ainda vivo. E a seguir, então, consideramos este galho co­
mo a culminância de um processo que se desenvolveu no sentido de
uma perfeição cada vez maior e não como o provável último suspi­
ro de uma linhagem mais rica.
Considere o caso do grande cavalo de batalha da tradição
a progressão evolutiva dos cavalos (fig. 1.14). Não há dúvida de que
uma ininterrupta cadeia evolutiva liga o Hyracotherium (antigamente
chamado Eohippus) ao moderno Equus. E também é verdade que
os cavalos modernos são maiores, têm menos dedos e dentes mais
altos. Mas a seqüência que vai do Hyracotherium ao Equus não e
uma escada ou mesmo uma linhagem central. Esta série é apenas
um caminho labiríntico entre milhares de outros existentes num ar­
busto complexo. Este trajeto em especial alcançou proeminência ape­
nas por uma irônica razão — todos os outros ramos estão extintos.

G R A N A B A T V R E N T A L S

t h e o k y t

O F E V O L U IT O N .

1.12. A marcha do progresso retratada em outro anúncio.

33
ANDY CAPP
ByRrjtSmytlw
7 mnE'IM'1SRin&
•ACK, JuST , oontteulm e i x iso. an1x also k u e v e £
w bbntçuiteb / e w m VOU BEUEVE TUAT SOME MEM8ERS OF THE
Th e INTnitCTUAL tm a tso rto f IS P E O B 'AVESTARTECON
T fP E — TWAm E .P U O .' I THE RETj RN TRlP

auatm "1 Cf m° sin° nimo de Progresso. A postura de Andy, ao ficar de


missão de M. g T iohT ' ^ a. eV0‘UçãT° em marcha " (Reproduzido com a per-
[I “Eu decicf ri r, ’ Syndication International/North America Syndicate, Irtc.)
tual ” 2 “imn ■° i _ empre%° 'm° era para nós. Queriam alguém do tipo intelec-
o p r o b l e m a ? QUB BU d'scutisse evolução e tudo o m ais.” “E qual
só acredim i a o ™e di%a <?we você acredita nesse tipo de tolice, Fio!" 4. “Não
zer a viagem devolta ™ ^ membros da esPécieJd começaram a fa-

c m n o ta ga^ ° qu.e restou e. por isso, está no alto da escada


sicos d? a s a ' conogra^^- Os cavalos tornaram-se exemplos clás-
cem foi evt° UÇa° progress'va Porque o arbusto ao qual eles perten-
anlamnc ma^sucedido- Nunca concedemos os devidos
Ouem iá ^ a eir°s triunfos da evolução entre os mamíferos,
tílones ou rnèa a gUma história sobre a evolução dos morcegos, an-
contamos PQQaTv^T ° S atuds campeões entre os mamíferos? Não
doso êxito dessa 1S -°naS porque nao podemos linearizar o estron-

ração um visrr.rr.Qr, c u CS exemPlos submetem a nossa conside-


Haveria necessidachfde lembrar a ^ d ^ galh° S *
uma outra linhagem de mamífT d° S QUe GX1Ste pel° menOS
corações, por motivos p a r o q u í^ ’ CSpeclalmente cara aos nossos
no sentido de ser comDaráv^ ’ QUC Se assemelha a dos cavalos
ainda vivo e de facilitar 6 3 Um ar^ust0 com apenas um galho
gresso? t3r falsa 1C0n°grafia de uma marcha para o pro-
Num segundo erandp
escada e reconhecer o caráT™’ podemos abandonar a idéia de
e ainda assim representar a&l ramdicado das linhagens evolutivas
nossas expectativas de nm rvore da v' da de modo a corroborar
O crescimento da á Pr° gresso P^visível.
Ções cruciais relativas à siía*? & VÍ<1? esta su->eit0 a algum as injun-
gem de quaiquer grUp0 ™ &; E m prim ei™ lugar , co m o a ori-
8 P taxonôm ico -bem d efinido rem onta a um

34
MOTOHXWJ».
(Blpparion).

« iio n iw u i

GKNHALOGY OF TIIU IIORSK

114. A versão original da progressão evolutiva dos cavalos, desenhada pelo pa­
leontólogo norte-americano O. C. Marsh para Thomas Henry Huxley, após Marsh
ter lhe mostrado os fósseis que coletara há pouco tempo no oeste dos Estados Uni­
dos. Marsh convenceu o visitante inglês a respeito da correção desta seqüência, o
que obrigou Huxley a modificar sua conferência sobre a evolução dos cavalos, pro­
ferida em Nova York no ano de 1876. Observe a constante redução no número de
dedos e o aumento na altura dos dentes. Como Marsh desenhou todos os espécimes
com o mesmo tamanho, não se pode notar a outra tendência clássica no sentido do
aumento de estatura.

35
umco ancestral comum, uma árvore evolutiva tem apenas um tron­
co em sua base.* Segundo, todos os ramos de uma árvore ou mor­
rem ou continuam a se ramificar. A separação é definitiva; ramos
distintos nao voltam a se juntar.**
p „PlMr ° ^SS™’ no 'nter'or dos limites impostos pela monofilia
a ivergencia, as possibilidades geométricas da árvore evoluti-
.Sa,° ^Uase infinitas. Um arbusto pode se expandir com rapidez
a mgir sua largura máxima, e então afunilar-se continuamente,
^ ^,nun?a drvore-de-natal. Ele também pode diversificar-se depres-
e., ,ff° ls conservar sua largura máxima através de um contínuo
ramif- n ° inovaÇão e morte, ou ainda, como um amarilho,
lcap"se desordenadamente numa mixórdia confusa de formas
e tamanhos.

mado de mnnnfiu?' cori'eitarnente definido e com um único ancestral comum é cha-


nofilia. Entretam IC° ■ aS ClaSSÍfica?ões form« s os taxonomistas insistem na mo-
vos corretamentp°» "laltos.r‘omes do vernáculo não correspondem a grupos evoluti-
grupos < (
“polifilétirS«Mivvrewuus
í ® ecldos porqi
porque______V
incluem ,criaturas com diferentes
WOorigens —
P POllfllétlCOS , no lineuaiar a« ~i__ic:__ i ______________^ COlO-
cam os morceeofent *n° lingua^ar téciúco. As classificações populares que colo-
léticas O Drónrin ^ ^ aV-CS ° U&S baleias entre os Peixes, por exemplo, são polifi-

organismos próximo ° C° m cerleza^’ Provavelmente também os corais e outros


e n q u a r X T o ' r " 81ram Separadamen* a partir de ancestrais unicelulares -
Burgess Shale contenha „ animais Pertencem a um terceiro grupo distinto. Embora
bros do filo a que Dertem'UmeT° SaS eSpoiqas e> Provavelmente, também alguns mem-
srupo - òs S r i Ca °Z : este Uvr0 W tratar apenas d° terceiro grande
incluem todos os vertebrados e’o ' *** C° m Uma cavidade corporal. Os celomados
Ponjas, corais e organismos afinsS ^ V®rtebrados mais comuns, com exceção das es-
ticos (Hanson, 1977), os person ^ ° ^ ° S ce'omados sao claramente monofilé-
evolutivo. ’ agens deste livro constituem um verdadeiro grupo
(**) Este princípio fundamental u
mais multicelulares discutidos neste ’ emb° ra verdadeiro para os complexos ani-
A hibridização entre linhagens dist t**0’ na° Se ap*'ca a todas as formas de vida.
origem a uma “ árvore da vida” cmp1 es.°corre com freqüência nas plantas, dando
que a um arbusto convencional (En m^ltas. vezes assemelha-se mais a uma rede do
re da vida, utilizada desde Darwin na" ? divertido due a clássica metáfora da árvo-
adequada para os animais, talvez nSr,™ ' astrar a evo'ução e tão maravilhosamente
m disso, hoje sabemos que os s e n /6 ajaste bem as Plantas, a fonte da imagem.)
ra através de vírus, e atravessa?a s K ^ tranSferÍdos E m e n t e , em ge-
. h lmportante Para a evolução de alenm .entre as espécies- Este processo talvez
desempenha um papel pouco importam*8 unicelulares mas provavelmen-
volvim mais aao seja porque dois sistema " na. fdogenia dos animais complexos, ain-
de m !T ° dlferentes e complexas não ÓgÍC° S baSeadosem vias de desen‘
dC m° SCas e humanos ° P° dem fundir^ . aPesar de filmes a respeito

36
n

METAMERIA: MOLLUSCATA: LOPHOPHORATA: DEUTEROSTOMIA: AMERIA:


ANELlDEOS CLASSES DE FORONlDEOS EQUINODERMOS SIPUNCULIDEOS
ARTRÔPODES MOLUSCOS, ECTOPROCTOS UROCORDADOS
ETC. TALVEZ FILOS BRAQUIÔPODOS HEMICORDADOS
EXTINTOS FILOS EXTINTOS COR DADOS, ETC.

FILOS E
CLASSES DE
CELOMADOS
(MUITOS
OMITIDOSI

APROX. 570 M.A.


/ s
ATRAS
ÁMEROS
SUPERFILOS METAMERIZADOS PSEUDOMETAMERIZADOS gUGÔM ERO^^

PROTO-MOLUSCO PROTO-LOFOFORADO .—
r PROTO-DEUTEROSTÔMIO

RAMOS DOS
APROX. 700 M.A. PROTO-OLIGÔMEROS
ATRAS
p r o t o - c e Lo m a d o s
SERIADOS

p l a t e l L in t o s
SERIADOS

1.15. Uma iconografia recente para a evolução dos animais celomados, desenhada
de acordo com a convenção do cone de diversidade crescente (Valentine, 1977).

Ignorando estas variadas possibilidades, a iconografia conven­


cional agarrou-se a um modelo principal, o “ cone da diversidade
crescente” , uma árvore-de-natal de cabeça para baixo. A vida co­
meça com o simples e limitado e avança invariavelmente para cima,
rumo a uma quantidade cada vez maior e, por implicação, a uma
qualidade cada vez melhor. A fig. 1.15, que mostra a evolução dos
celomados (animais com uma cavidade no corpo, os personagens
deste livro), apresenta uma ordenada origem de todas as coisas a
partir de um único platelminto. O tronco se divide em alguns pou­
cos ramos fundamentais, nenhum deles sofre extinção e todos con­
tinuam a se diversificar, produzindo um número cada vez maior de
subgrupos.
A fig. 1.16 apresenta alguns cones extraídos de manuais mo­
dernos e populares — três exemplos abstratos e três concretos, estes
últimos a respeito de grupos fundamentais para a argumentação de­
senvolvida neste livro. (No capítulo 4 eu discorro sobre a origem
desse modelo, nas árvores evolutivas criadas por Haeckel, e de sua
influência no grande erro cometido por Walcott ao reconstituir a
fauna de Burgess.) Todas essas árvores apresentam o mesmo padrão:
os ramos sempre crescem para cima e para fora, dividindo-se de tem­
pos em tempos. Se algumas linhagens antigas morrem, ganhos pos-

37
. . IC,onotjraf ‘a do cone de diversidade crescente, conforme é vista em seis exem-
nrpspntlr- °S •* didáticos. Todos estes diagramas são apresentados como re-
mpntp n r S"pP BS~e ° ^ elivas do evolução; nenhuma delas representa explicita-
exemntnJnh^,1 , ^ 0 6m contrasie com algum outro processo evolutivo. A pós três
oecíficm.■ j ™ °S seguem-se três concepções convencionais de filogenias es-
Os dados rtp n 5 verteja d o s (D), dos artrópodes (E) e dos mamíferos (F, na p. 42).
através d con,radizem a concepção de que os artrópodes evoluíram
através de um processo contínuo de crescente diversificação.

38
AMPHIOXUS
ELASMOBRANCHII

{ VIIVlAllAIVIAl
I I
paleoceno

1.16. (co n tin u a ç ã o ) Uma visão c o n v e n c io n a l d a filo g e n ía d o s m a n u fe io s .

teriores rapidamente compensam estas perdas. Extinções p recoce


podem eliminar apenas pequenos ramos próximos ao tronco cen
trai. A. evolução se dá como se a árvore estivesse crescendo ' um
acima, sempre preenchendo o cone de possibilidades em co n tin u a
expansão.

40
Em sua interpretação convencional, o cone de diversidade di-
unde uma interessante combinação de significados. A dimensão ho­
rizontal representa a diversidade — os peixes, insetos, moluscos e
estrelas-do-mar que estão no topo ocupam muito mais espaço late­
ral do que os platelmintos da base. E a dimensão vertical, o que re­
presenta? Numa leitura literal deveria significar apenas a idade em
termos geológicos: os organismos do gargalo do funil são antigos,
°s da borda, recentes. Mas nós também interpretamos o desloca-
rnento para cima como indo do simples para o complexo, do primi-
ivo para o avançado. A disposição no tempo écombinada com um
juízo de valor.
Ao falarmos sobre os animais geralmente nos guiamos por esta
iconografia. A diversidade é o tema da natureza. Vivemos rodea-
os pelos ramos contemporâneos da árvore da vida. No mundo de
arwin, todos os seres vivos (enquanto sobreviventes de um jogo
l*ro) têm um certo direito a um status igualitário. Por que, então,
normalmente preferimos construir uma escala que sugere uma hie­
rarquia de valores (através de uma suposta complexidade ou de uma
relativa proximidade em relação ao homem, por exemplo)? Ao re­
senhar um livro sobre a corte no reino animal, Jonathan Weiner {New
York Times Book Review, 27 de março de 1988) descreve o esque­
ma de organização do autor: “ Trabalhando com uma ordem evolu­
tiva imprecisa, o sr. Walters começa com os límulos, os quais vêm
se encontrando e se acasalando nas praias escuras, em sincronia com
as marés e os ciclos lunares, há 200 milhões de anos” . Os últimos
capítulos acompanham o “ longo salto evolutivo até as cambalho­
tas do chimpanzé pigmeu” . Por que esta seqüência é chamada de
‘ordem evolutiva” ? Os límulos, anatomicamente complexos, não
são ancestrais dos vertebrados. Os dois filos — Arthropoda e Chor-
data — estão separados desde os primeiros registros disponíveis de
vida multicelular.
Num outro exemplo recente, que revela a presença deste erro
tanto no discurso técnico como no leigo, um editorial da revista
Science, a principal publicação científica dos Estados Unidos, deli­
neia uma ordem tão desprovida de sentido quanto a “ gradação re­
gular” de White (veja fig. 1.3). Comentando sobre as espécies co-
mumente utilizadas em pesquisas de laboratório, os redatores dis­
cutem a “ zona intermediária” entre os organismos unicelulares, na
base, e adivinhe quem, no ápice: “ Situados numa posição mais ele­
vada da escala evolutiva, o nematóide, a mosca e a rã têm a vanta­
gem de ser mais complexos do que as formas de vida unicelulares,

41
embora essas espécies sejam muito mais simples do que os mamife
ros” (10 de junho de 1988). , .itifá-
A. insensata idéia de uma única ordenação em mero a m
ria diversidade de formas de vida modernas decorre de nossas ^ '
nografias convencionais e dos preconceitos que as sustentam
escada da vida e o cone de diversidade crescente. Pela esca a,
límulos são considerados organismos simples; pelo cone, s^ poe"
que eles sejam antigos.* E uma coisa sugere a outra, na grande c
fluência discutida acima — a parte de baixo da escada também £
nifica formas de vida mais antigas enquanto a base do cone rn r
simplicidade. . .
Eu não acredito na existência de algum segredo, misteno ou u
sitada sutileza por trás das razões para o nosso apego às falsas ico­
nografias da escada e do cone. Elas são adotadas porque alimen­
tam as nossas esperanças no sentido de haver um universo com um
significado intrínseco definido segundo nossos termos. Nós simples­
mente não somos capazes de suportar as implicações da sinceridade
de Omar Khayyam:
Vindo ao mundo o porquê e o donde não sabendo,
Eu assim como a água incerto vou correndo;
Eu saio dele como o vento do deserto
Que, sem saber para onde, vai soprando incerto.

Uma quadra posterior do Rubaiyat propõe uma estratégia opos­


ta, mas reconhece que se trata de uma esperança vã:
Ah, Amor! eu e você poderiamos conspirar com o Destino
Para deitar mão em todo este triste Estado de Coisas
Nós o quebraríamos em pedaços — e então
O refaríamos segundo o desejo de nossos corações!

A maior parte dos mitos e das primeiras explicações científicas


da cultura ocidental rendem homenagem a este “ desejo do coração’’ •
Considere a história do Gênesis, apresentando um mundo com ape­
nas alguns milhares de anos, habitado por seres humanos já a par-

(*) Uma outra verdadeira ironia: apesar da imagem de “ fósseis vivos” , costu­
meiramente atribuída ao límulo, não existe qualquer espécie de registro fóssil de Li-
mulus polyphemus (espécie da costa leste dos Estados Unidos). O gênero Limulus
surgiu há cerca de apenas 20 milhões de anos atrás, e não 200 milhões. Considera­
mos erroneamente o límulo como um “ fóssil vivo” porque o grupo nunca deu ori­
gem a muitas espécies e, portanto, nunca desenvolveu um grande potencial evolutivo
para a diversificação. Em consequência, as espécies modernas são morfologicamen-
te similares às formas primitivas. A espécie em si, porém, não é particularmente antiga.

42
tir do sexto dia e povoado por animais e plantas criados para nosso
benefício e subordinados às nossas necessidades. Tais antecedentes
geológicos poderíam inspirar a confiança de Alexander Pope, no Es-
say on man, na existência de um significado mais prolundo das apa­
rências imediatas:
Toda a' Natureza é apenas arte, desconhecida de vós;
Toda casualidade, direção que não podeis ver;
Todo conflito, harmonia não compreendida,
Todo mal parcial, um bem universal.
Entretanto, como observou Freud, o nosso relacionamento com
a ciência é necessariamente paradoxal, visto que somos força os a
pagar um preço quase insuportável por cada ganho importante e
conhecimento ou de poder — o custo psicológico da perda progres
siva da condição de centro das coisas e, conseqüentemente, de uma
sensação cada vez maior de marginalidade num universo onde esta
mos entregues à nossa própria sorte. Assim, a física e a astronomia
relegaram o nosso mundo à condição de mais um canto 0 un^ er
so, enquanto a biologia nos fez trocar o status de imagem e eus
neln inArr^c mcmannQ ralados oue adotaram a postura ere

da milha cósmica ou o último segundo


padronizadas —~t~c------- ^««Amcsis.
Não poc
mundo novo
queno broto
modo algum
jamos apena
nada mais qr
evolução. —
Quais as
dor da geolo;
de este livro,
co e aprende
a origem d a :
toicamente, i
der enfrentar t..., ---- - --

43
consiste em continuarmos a buscar consolo cósmico na natureza atra
vés de uma interpretação distorcida da história da vida.
Se escolhermos a segunda estratégia nossa margem de m ano­
bra será severamente limitada pela história geológica da Terra. Quan
do aceitamos a versão de que sempre estivemos presentes neste mun
do, exceto durante os cinco primeiros dias, a história da vida po
ser facilmente explicada em nossos termos. Todavia, se quisermos
afirmar o papel central do homem num mundo que até o último m °
mento funcionou sem nós, teremos de encontrar alguma maneira
para considerar tudo o que veio antes como uma grande prepara
ção, uma espécie de prenuncio do nosso aparecimento.
Embora pudéssemos nos sentir bem mais à vontade com as ve

Cone de Diversidade Crescente

1.17. A fa ls a m a s a in d a a d o ta d a
ic o n o g r a fia d o c o n e d e d iv e r s id a d e c r e sc e n te , e
o m o d e lo re v isto d e d iv e rsific a ç ã o
e d iz im a ç ã o , s u g e rid o p e la r e c o n s tr u ç ã o c o r r e ta
d a fa u n a d e B u rg ess S h a le.

44
as séries evolutivas, hoje sabemos que, em sua grande maioria,
as criaturas “ mais simples” não são ancestrais dos seres humanos,
mas ramos colaterais da árvore da vida. Portanto, o cone do pro­
gresso e diversidade crescentes torna-se a nossa iconografia preferi-
a. O cone sugere um desenvolvimento previsível, que vai do sim-
P es para o complexo e de um pequeno para um grande número de
esp cies. Embora o Homo sapiens possa ser apenas um pequeno bro-
°> se a vida caminha — ainda que espasmodicamente — rumo a
uma maior complexidade e a uma capacidade intelectual mais ele-
a, então o eventual surgimento de uma inteligência consciente
e si mesma talvez esteja implícito em tudo o que veio antes. Em
suma, eu não consigo entender a continuada adesão às iconografias
rnanifestamente falsas da escada e do cone a não ser como uma de­
sesperada tentativa de impedir a derrocada de nossas esperanças e
e nossa arrogância cosmicamente justificadas.
Deixo a última palavra sobre este tópico a Mark Twain, que
compreendeu perfeitamente, numa época em que a Torre Eiffel era
a construção mais alta do mundo, as implicações do fato mais as­
sustador da geologia:
/ D homem está aqui há 32 mil anos. Que tenham sido necessários 100
milhões de anos* para preparar o mundo para a sua chegada é uma
Prova de que foi para isto que ele foi feito. Eu imagino que sim, não
sei. Se a Torre Eiffel representasse a idade do mundo, a camada de
tinta que recobre a saliência da parte mais elevada de seu topo repre­
sentaria o período de tempo que corresponde à presença humana. Qual­
quer pessoa percebería que a torre foi construída por causa da pelícu-
la de tinta. Eu acho que percebería, não sei.

f a z e n d o c o r r e r n o v a m e n t e a f it a d a v id a :
° EXP ERIM EN TO c r u c ia l

a iconografia do cone tornou inevitável a primeira interpreta-


ção da fauna de Burgess feita por Walcott. Animais cujo apareci-

( ) Twain usou a estimativa de lorde Kevin para a idade da Terra, na ocasião


Ida COtI>o válida. Desde então a idade estimada aumentou substancialmente, embo-
ra as proporções de Twain estejam próximas da verdade. Ele considerou a idade da
esPécie humana como cerca de 1/30 000 da idade da Terra. Pelas estimativas atuais,
que atribuem 250 milhões de anos à nossa espécie (Homo sapiens), a Terra deveria
er 7,5 bilhões de anos para que a presença humana correspondesse a 1/30 000 da
SUa lda<te. Segundo as melhores estimativas atuais a Terra tem 4,5 bilhões de anos.

45
mento se deu tão próximo à origem da vida multicelular teriam de
estar situados na parte mais estreita do gargalo do funil. Os animais
de Burgess, conseqüentemente, não poderiam apresentar mais do
que uma diversidade rigorosamente limitada e uma simplicidade ana­
tômica elementar. Em suma, eles tinham de ser classificados ou co­
mo animais primitivos dentro de um grupo moderno ou como for­
mas ancestrais que, à medida que fossem se tornando mais comple­
xas, poderiam progredir e se transformar em algum organismo bem
conhecido existente nos oceanos modernos. Não é de surpreender,
portanto, que Walcott tenha interpretado todos os organismos de
Burgess Shale como membros primitivos de um ramo proeminente
da futura arvore da vida.
Não conheço. . nenhum
, desafio mninr ai iconografia
MUÜ maior ... ,
do cone —
e, por conseguinte, nenhum areumentr,
, _ . tu&umento mais importante em favor
de uma concepção revisada da história da vida - do oue as novas
e radicalmente diferentes reconstitui™,» - . d0 ^ue as n
gess Shale feitas por ^ n
pé da letra a nossa metáfora mais respeitávll p7 a e v ô l u " i r a -
ram a interpretação convencional h» L u P o ç .
teram o cone ao reconhecer a existência â t T baiX° ' ElCS mVer’
tômicas singulares entre os fósseis dP n UntaS caracteristicas ana‘
quela época grupos hoje bem .EUrgess e ao mostrar que na-
ências com designs que se situava heCldos estavam fazendo experi-
Ção encontrado n a s S S » T além d° Umite de varia‘
riedade anatômica atingiu seu . . modernas- A amplitude de va-
inicial dos animais multicelulares a™ 0 l0g.° apÓS a diversificação
seguimento através de um nr A Posterior história da vida teve
sdo. Embora atua,m e„7o7o T J Z * * * » e não de expan­
des do que jamais teve, a mai ^ P aneta ta'vez possua mais espé-
de uns poucos designs básicosr P^-te delas sao variações em torno
creveram mais de meio milhão d” 81113'8’ taxon°mistas já des-
todos são cópias quase inalterad 6 p^c*ef de besouros mas quase
verdade, o provável aumentn &S ^ Um dn’co Pr°jeto básico.) Na
tempo simplesmente acentua namero de espécies ao longo do
oceanos modernos contenham „ mã° e 0 Parad«xo. Embora os
quando comparados aos marpc h*namero muito maior de espécies,
seia numa menor variedade do Uy8ess’ essa diversidade se ba-
. _ A fig. U 7 apresenta,!™ traçados anatômicos,
hçoes de Burgess Shale. A amplitud™8^ revisada Que reflete as
tomicas se deu com o primeiro das P°ssibii'dades ana-
S0’ ° numero de espéeieTvd sTredu 1 d^ r s if ic ação. Depois dis­
se reduzindo, à medida que fracassa
46
a maior parte dos experimentos iniciais e a vida põe se a P1 oc*
infinitas variações de uns poucos modelos sobreviventes.
Esta iconografia invertida, por mais interessante e representa­
tiva de uma mudança radical, não implica necessariamen e urn
visão no conceito de que a evolução se faz de forma previsive
de a seguir uma determinada direção. Mesmo abandonando o con
e aceitando a iconografia invertida, ainda poderemos nos
inteiramente fiéis à maneira tradicional de encarar a evo uça°
tarmos a seguinte interpretação: embora só uma pequena p
gem das possibilidades de Burgess tenha escapa o a e* ’
perdedores eram o refugo e estavam previsivelmen e co _
sucumbir. Os sobreviventes triunfaram por seus proprios
entre os quais, uma decisiva vantagem em termos e comp
anatômica e capacidade competitiva.
(*) Esforcei-me por encontrar um nome apropriado para este ^ ^ n tr a ç lV d e
minação maciça a partir de um conjunto de formas muit0 tempo
toda a história futura numas poucas linhagens sobrevt ■ reteitar esta me-
pensei neste processo como um “joeiramento” , mas agora tenho J* entre
táfora porque todos os significados do termo ‘‘joeirar re aigumas das possi-
o bom e o ruim ao passo que, para mim, a preservação de ^ ^
bilidades de Burgess se deu de forma m a i s i n a ç ã o ” , pois assim posso combi-
Por fim, resolvi chamar este padrao de . os dois aspectos funda-
nar os sentidos literal e vernacular desta palavra para s determinadas em
mentais enfatizados em todo este livro: sobrevivência ouextmçao
grande parte pelo acaso e alta probabilidade gera cada grUpo de dez)
Acaso. “ Dizimar” deriva do latim decimaie (t ^ no exército romano
A palavra faz referência a uma punição regu amen covardia ou de algum outro
a grupos de soldados considerados culpados e ra0 ’ executado. Eu não pode-
crime. Um soldado em cada dez era escolhido por sorteio e execut
ria desejar melhor metáfora da extinção aleat na. entant0> poderia sugerir erro-
Magnitude. O significado literal da pa avra’ . uajs para todas as espécies,
neamente que as probabilidades de extiaç^ ° ’ emQ exemplo de Burgess indica exata-
seriam bastante baixas — apenas cerca de «• e s(j umas poucas foram esco-
mente o oposto. A maioria das espécies desapare ^ oa estjmativa para as princi-
lhidas — uma chance de extinção de 909/0 seria,d -mate>’ (dizimar) passou a signi-
Pais linhagens de Burgess. No inglês moderno, ^ ^ uma pequena porcentagem,
ficar “ destruir uma esmagadora maioria ,_em ^ E n g lis h D ic tio n a r y indica que
como se costumava fazer na antiga Roma. ^ de sjgnificado e tem sua origem
essa nova acepção não representa erro ou !a''e dfl com 0 significado de “ tirar
própria — a palavra “ decimation” também te
nove em cada grupo de dez” . ,.onceito de casualidade explícito na de-
Seja como for, eu gostaria de jun a maior parte morre e só uns
finição original romana ao significado s sentidos, o termo “ dizimação”
Poucos sobrevivem. Combinando-se estes fauna de Burgess Shale — eli-
transforma-se numa boa metáfora para o destino
minação ao acaso da maioria das linhagens.

47
Mas o padrão de eliminação de Burgess também sugere
alternativa radicalmente diferente, excluída pela iconografia °
ne. Suponha que os vencedores tenham sobrevivido simplesm ^
por acaso. Pode ser que o impiedoso ceifeiro dos designs anato ^
cos seja apenas a Senhora Sorte atuando sob disfarce. Ou ta
verdadeiras razões pelas quais os sobreviventes escaparam do ex
mínio não apoiem as idéias convencionais que sugerem como po ^
veis causas uma maior complexidade e grau de desenvolvimento
qualquer traço que contribua para dar origem a algum avanço
direção ao homem. Talvez o impiedoso ceifeiro atue durante breves
episódios de extinção em massa provocados por imprevisíveis ca
tástrofes ambientais (muitas vezes desencadeadas por impactos
corpos extraterrestres). Muitos grupos podem triunfar ou desapare­
cer por razões que nada têm a ver com o que serve de base para o
êxito darwiniano em tempos normais. Mesmo que os peixes apurem
as suas adaptações até chegar ao máximo da perfeição aquática, to­
dos eles irão morrer se os lagos secarem. Mas o velho desajeitado
peixe pulmonado, antes objeto de riso de toda a comunidade pís-
cea, poderá sair-se bem — e não porque um joanete na nadadeira
de seu bisavô preveniu o seu antepassado de um ameaçador come­
ta. O peixe pulmonado e sua família poderão triunfar porque uma
característica que evoluiu há muito tempo atrás para uma função
diferente permitiu por acaso a sobrevivência deles durante uma sú­
bita e imprevisível mudança nas regras. E se somos parte da descen­
dência do peixe pulmonado e o resultado de mil outros acidentes
igualmente felizes, como poderemos considerar nosso desenvolvi­
mento mental como inevitável ou, mesmo, provável?
Como dizem os humoristas, vivemos num mundo de boas e más
notícias. A boa notícia é que podemos conceber um experimento que
decida entre a interpretação convencional da extinção e a outra, ra-
dicalmente diferente, que estamos defendendo aqui. Com isso esta­
ríamos respondendo à pergunta mais importante que podemos for-
mu ar a respeito da história da vida. A notícia ruim é que não te­
mos como realizar esta experiência.
., exPer™ ent-0 de “ fazer correr novamente a fita da
V 1 ^ ?CCPress'ona 0 botão que reenrola a fita, certificando-se
an es e er apagado tudo o que realmente aconteceu, e volta até
res de e,lugar 110 Passado — digamos, para os ma-
a reneticãn Shale' M V0Cê faz correr novamente a fita e vê se
nareciõn m * parefe com 0 original. Se cada replay for bastante
m o verdadeiro caminho que a vida seguiu, então seremos

48
o s SIGNIFICADOS DE DIVERSIDADE E DISPARIDADE

am reCIS° aqu*fazer nma importante distinção, a qual deverá contribuir para


term U™Q c^ ss'ca f ° nte de mal-entendidos. Os biólogos empregam o
se a^- lvers^ acle com vários sentidos técnicos diferentes. Eles podem referir-
os 0 lVe',J'dade como o número de espécies distintas em um grupo: entre
a de am/ eros’ a diversidade de roedores é alta (mais de 1500 espécies) e
a d e^ Umos e baixa, uma vez que zebras, jumentos e cavalos não chegam
com eSp^C'es' ^ as os diálogos também fazem uso do termo diversidade
Três Sentl(*° de diferença entre os traçados anatômicos dos organismos.
dQ S ratos de espécies diferentes compõem uma fauna menos diversificada
a m ü const'tu,da P°r nm elefante, um peixe e uma formiga — embora
os Scupos tenham o mesmo número de espécies,
ta s ' eV, ISCl0 dafaunade Burgess Shale baseia-se em sua diversidade nes-
m ico^M acep<r°° do íermo>is10 é, disparidade entre os traçados anatô-
ta F cdida pelo número de espécies, a diversidade de Burgess não é al-
mo f ■ corP°r,fica um paradoxo fundamental da vida primitiva: co-
. [Pcssivel que tamanha disparidade entre os traçados anatômicos tivesse
j ! 0 na aPcrente ausência de uma diversidade significativa em termos
numei o de espécies? Pela iconografia do cone, as duas coisas são corre-
as c caminham mais ou menos juntas (veja a fig. 1.16).
t „ Ao falar de dizimação refiro-me à redução do número de designs ana-
lcos e não do número de espécies. A maioria dos paleontólogos concor-
que a Quantidade de espécies aumentou com o passar do tempo (Sepkos-
1et al., 1981), donde se conclui que este crescimento no número de espé-
les cleve ter ocorrido no âmbito de um número reduzido de traçados
«"atômicos.
A maior parte das pessoas não compreende plenamente o quanto as
°s' mas de vida atuais são estereotipadas. Na escola secundária aprendemos
t S nomes de fitos estranhos e enrolamos a língua com os priapulídeos, gnas-
oniados e pogonóforos (pelo menos até o término dos exames). Ao nos
centrar numas poucas formas excêntricas, esquecemos de como a vida
P°de ser desproporcionada. Aproximadamente 80% de todas as espécies
nunais descritas são artrópodes (principalmente insetos). No fundo do mar,
ria veZ One você tenha enumerado os vermes poliquetos, os ouriços-do-
^ a>. os caranguejos e os moluscos, não resta muita coisa mais em termos
e Vda celomada. A estereotipiu ou concentração da maioria das espécies
nuns poucos planos anatômicos é uma característicafundamental das atuais
ormas de vida — e sua maior diferença em relação ao mundo dos tempos
de burgess.
,0o7) sug^iraf^
Vários de meus colegas (Jaanusson, 1981; Runnegar, ' jdflde res-
que eliminemos a confusão existente em torno do termo $ para a
tringindo seu emprego à primeira acepção — numero a p ^ wsfl(jo o
segunda — diferença entre os traçados anatômicos e hecer uM
termo disparidade. Utilizando esta terminologia, podemos ^ dim'-
fato fundamental e surpreendente da história da vida — oce entre
nuição da disparidade seguida de um notável aumento de tve
os poucos designs sobreviventes. ____ _

forçados a concluir que o que aconteceu tinha mesmo de oC e0_


No entanto, suponha que todas as versões experimentais a
tem resultados bastante razoáveis e sensatos mas notave s0.
ferentes da verdadeira história da vida. O que poderiamos , ^ e_
bre a previsibilidade do desenvolvimento de alguma forma ^
ligência que tenha consciência de si mesma? Ou dos mamífct ° s> ^
vertebrados ou da vida terrestre? Ou ainda, simplesmente, so
previsibilidade da persistência da vida multicelular durante 6
lhões de difíceis anos?
Agora estamos em condição de avaliar a fundamental imp
tância da revisão de Burgess e de sua iconografia da dizimação.
a escada ou com o cone a questão da fita da vida não se apresen •
A. escada tem apenas uma base circular e uma só direção. Faça co
rer a fita infinitas vezes e o Eohippus sempre estará galopando par ^
o nascente e sustentando um corpo cada vez maior sobre um núme­
ro de dedos cada vez menor. Similarmente, o cone é estreito na par­
te de baixo e apresenta possibilidades limitadas de movimentos as­
cendentes. Faça voltar a fita até o vértice do cone e você sempre
obterá os mesmos protótipos compelidos a ascenderem na mesma
direção geral.
Todavia, se a radical dizimação de uma enorme proporção das
possibilidades iniciais determinou o padrão da vida posterior, ia
cluindo a própria possibilidade de surgimento da espécie humanai
considere então estas alternativas. Suponha que dez em cada cem
designs irão sobreviver e diversificar-se. Caso se possa predizer quais
serão os dez sobreviventes com base em sua superioridade anatômi­
ca (interpretação 1), então eles triunfarão todas as vezes — e as eli­
minações de Burgess não desafiam nossa confortadora concepção
da vida. Mas se os dez sobreviventes forem protegidos da sorte ou
a or una os beneficiários de contingências históricas extraordiná­
rias (interpretação 2), então cada replay produzirá um novo con-

50
junto de sobreviventes e uma história radicalmente di erente.
você relembrar a álgebra que aprendeu no segundo grau e veri íca
como se faz o cálculo de permutações e combinações, vera que o
número total de combinações de um conjunto de cem elementos o
mados dez a dez chega a mais de 17 trilhões. Estou disposto a a mi
tir que alguns grupos possam ter gozado de alguma vantagem em
bora eu não tenha nenhuma idéia de como identificá- os e e in
los) mas desconfio que a segunda interpretação capta uma ver ac
fundamental a respeito da evolução. Ao tornar intehgive es a s
gunda interpretação, através do hipotético experimento com a j
Burgess Shale cria uma concepção radicalmente diferente a respei
dos caminhos evolutivos e da questão da previsibili a e-
A rejeição da escada e do cone não nos joga nos raços
presumível oposto — o puro acaso, no sentido de se atirai uma m
da para cima ou de Deus jogando dados com o universo, ssim
mo a escada e o cone são iconografias limitantes da istoria
da, a simples idéia de dicotomia também restringe cruelmente o n o _
pensamento. A dicotomia tem sua própria e infeliz iconogra
uma linha abrangendo todas as opiniões possíveis, com uas
midades representando os pólos opostos — neste caso, e e
mo e acaso. Arictótples
Uma antiga tradição, que remonta pelo menos a Ansto ele*,
recomenda à pessoa prudente buscar uma posição 1
eqüidistante dos extremos — a aurea mediocritas. e ’
rém, o meio da linha não tem sido muito feliz, e o jo da
mia tem dificultado seriamente nossa reflexão íío inismo do
vida. Embora possamos compreender que o ve nossa
progresso previsível não pode maiS^ ^ c°a^ aM aáe. Assim, so-
unica alternativa está no desespero da p confusos
mos empurrados de volta ao nosso velho pon 0 intermediária,
e pouco à vontade, acabamos aMumta omma p qu£ colo_
Rejeito vigorosamente Qualquer Q a única alternati-
que nossas opções sobre uma linha , ,ugar entre elas.
va para duas posições extremadas est com frequência exige que
A busca de perspectivas mais proveit dJ a dicotomia.
deixemos esta linha e tomemos pos* ^ aUernativa; fora da
Escrevi este livro para sugerir um interpretada de
linha. Penso que a fauna reconstituída de Burgess m P ^ ^
acordo com a idéia de se fazer correr ^ m • história
rece um poderoso apoio a esta nova caminho ra.
da vida: qualquer replay conduziría a

51
dicalmente diferente daquele que foi realmente trilha • m qüe
quentes diferenças no resultado final, porém, não sig signifi'
a evolução seja algo desprovido de sentido e de um pa retável
cativo; o percurso do replay, em retrospecto, seria tão m ^ ^ di-
e explicável quanto o caminho que foi realmente percorr
versidade dos itinerários possíveis, no entanto, demonstra ^ pr0-
que os resultados finais não podem ser previstos no imC1 , ta(j 0 fi-
cesso. Cada etapa tem a sua razão de ser mas nenhum res
nal pode ser precisado no momento da largada e n®n , Uoutra por­
ção jamais se desenvolvería de uma forma idêntica à e uc0
que qualquer caminho passa por milhares de est gio ^a
prováveis. Altere qualquer acontecimento do início da 1S(.einente
vida, mesmo de forma tão ligeira que, na ocasião, aparen ^
não tenha nenhuma importância, e a evolução enveredara P
trilha radicalmente distinta. a eS-
Esta terceira alternativa é nada mais nada menos do ^ ^a £
sência da história. Seu nome é contingência — e a continge^ ^
algo com existência própria e não a titulação do determimsm _ Q
acaso. A ciência tem demorado para admitir em seus dorm
universo explanatório da história — e as nossas interpretaço ^
sido empobrecidas por esta omissão. Quando forçada a uma
frontação com a história, a ciência tem demonstrado uma te
cia para denegri-la ao considerar qualquer invocação de conting
cia menos precisa ou significativa do que as explicações base
diretamente nas eternas “ leis da natureza” .
Este livro trata da natureza da história e da esmagadora tht
probabilidade da evolução humana, utilizando nesta discussão a ideia
de contingência e a metáfora de se fazer correr repetidas vezes a fita
da história da vida. Ele se concentra na nova interpretação dos fos
seis de Burgess Shale como melhor exemplo das implicações da con­
tingência em nossas investigações para compreender a evolução da
vida.
Eu me concentrei nos detalhes de Burgess Shale porque não acho
que conceitos importantes devam ser discutidos de forma predomi­
nantemente abstrata (embora tenha transgredido esta norma neste
capítulo inicial!). As pessoas, enquanto primatas curiosos, adoram
objetos concretos que possam ser vistos e acariciados. Deus está nos
detalhes e não no reino da generalidade abstrata. Embora tenhamos
de enfrentar e compreender os grandes e abrangentes temas do nos­
so universo, o melhor é abordá-los através das pequenas curiosida-
es que prendem nossa atenção — todos aqueles belos seixos na praia

52
do conhecimento. O oceano da verdade banha os seixos a cada on
da, e eles retinem produzindo o som mais maravilhoso que existe.
Nós podemos discutir indefinidamente em torno de idéias a s
tratas. Podemos fazer pose e lançar mão de estratagemas para con
fundir o adversário. Podemos “ provar” um determinado ponto, pa
ra o deleite de uma geração, e nos tornarmos alvo de riso num sécu­
lo posterior (ou, pior ainda, sermos totalmente esquecidos). Podemos
até mesmo validar uma idéia falsificando um objeto da natureza —
e assim participando realmente da grande aventura humana chama­
da “ progresso do pensamento científico” .
Os animais de Burgess Shale, porém, em sua inflexível rea 1 a
de, de certa forma nos proporcionam uma satisfação ainda maior.
Podemos nos perder em eternas discussões a respeito do sigm íca o
da vida, mas Opabinia ou teve ou não teve cinco olhos e po e
mos saber com certeza qual dessas alternativas é a correta, s am
mais de Burgess Shale são também os fósseis mais importantes do
mundo, em parte porque nos obrigaram a rever nossa concepção
da vida, mas também por serem objetos de extraordinária e eza.
O encanto deles está não apenas na dimensão das idéias que e es cor
porificam e na magnitude da nossa luta para interpretar sua a n a o
mia, mas também na elegância de suas formas e no seu exce e
estado de conservação. .•
Os animais de Burgess Shale são objetos sagra os n
do pouco convencional que esta palavra assume em a gu
ras. Nós não os colocamos em pedestais e os a oramos
Nós escalamos montanhas e dinamitamos encostas P l e i t e o u ^
los. Nós os extraímos da pedreira, os partimos, os
desenhamos e os dissecamos, lutando para arranc ^ jn_
dos. Nós os xingamos e os amaldiçoamos por su
transigência. Embora sejam criaturas nós os sau.
habitavam o fundo de u m ," T “ ^ q s vS hos e estào tentando nos
damos com reverencia, pois eles sao u s
dizer algo.
2
ALGUMAS INFORMAÇÕES
SOBRE BURGESS SHALE

A VIDA ANTES DE BURGESS:


A EXPLOSÃO CAMBRIANA E A ORIGEM DOS A N I M A S

Agastados, talvez, pela lembrança das tabuadas, os estudantes


versitários detestam o ritual de memorização da escala de tempo ^
lógico que se repete todos os anos nos cursos introdutórios sobr
história da vida. Nós, professores, insistimos, afirmando que esta
nerável seqüência é o nosso alfabeto. Os nomes são esquisitos — Ca
briano, Ordoviciano, Siluriano — e fazem referência a coisas desco­
nhecidas para a grande maioria das pessoas, tais como o nome roma­
no para a região do País de Gales e uma série de três camadas geológicn
encontradas na Alemanha. Nós usamos pequenos truques e engod°s
para incentivar a colaboração dos alunos. Durante anos eu promoví
um concurso para selecionar a melhor frase para substituir a tradicio­
nal e insípida “ CampbelVs Ordinary Soup Does Make Peter P a le -
fA sopa Campbell comum faz mesmo Peter empalidecer.. d ou aí*
pudoradas versões clandestinas cuja lembrança, mesmo hoje, me fa
ria corar de vergonha. Por ocasião das convulsões políticas do início
da década de 1970, a frase vencedora (para as épocas do Terciário>
veja a fig. 2.1) dizia: “Proletarian Efforts Off Many Pig Police.
Onl (Proletário repele muitos porcos da polícia. Muito bem!] O me-
Ihor de todos os auxüios à memória fazia a crítica de um filme porno­
gráfico chamado Cheap Meat (Carne barata] - com rima e escansão
perfeitos e apenas um neologismo, necessário e de fácil interpretação,
no mal da terceira linha. Esta “ poesia” adota uma ordem inversa à
convencional, indo do mais recente para o mais antigo, e relaciona pri­
meiramente todas as eras, depois todos os períodos:

54
Cheap Meat performs passably,
Quenching the celibate’s jejune thirst,
Portraiture, presented massably,
Drowning sorrow, oneness cursed.
[Carne barata funciona razoavelmente
Satisfazendo o desejo imaturo do celibatário,
As imagens, apresentadas exuberantemente,
Afogam a dor da detestável solidão.]
Havia também um epílogo, para as épocas da era Cenoz"
Rare pornography, purchased meekly
O Erogeny, Paleobscene.*
[Rara pornografia, comprada docilmente
Oh! Erogenia, Paleobscena.]
Quando tais agrados não derem resultado, sempre digo > ^
perimente um sincero argumento intelectual, se es®es e tj_
pondessem a divisões arbitrárias num continuum e tempo,
vessem se desenvolvido de maneira uniforme ao o Dodería-
eu teria alguma simpatia pela oposição — P01S nes ^ ^qq
mos tomar a história da moderna v i d a u’nidades iguais
milhões de anos, e dividir este espaço de te P unida-
e arbitrárias fáceis de lembrar, tais como
des de 50 milhões de anos. «uficacões e, em sua irri-
Mas a Terra despreza as nossas si P ? d& yida não se de.
são, torna-se muito mais mterwsanie. q interrompido por
senvolveu de forma contínua; antes, e „„iAairn s_episódios
breve, - às vezes instantâneos era * ™ “ ^ ° f e Scala de tempo
de extinção em massa seguidos de div consütuem nosso pnn-
geológico reflete esta historia, pois ral das rochas. As di-
eipal critério para estabelecer a oide esses grandes acon-
visões da escala de tempo são determma s diversifiCações dei-
tecimentos, uma vez que as extinções e ntQj a esca[a de tempo
xam fortes marcas no registro to ssi. e’tudantes e sim uma
não é uma manobra diabólica para tor ur . da vjda me.
crônica dos momentos mais importantes nnrendendo os princi-
morizar aqueles nomes infernais voce es
(orogcnia) é um termo técnico da
(*) Esta linha contém dois gracejos: orogeny ^ minam a formação de mon-
geologia que significa o conjunto dc fenômenos Q velciadeiro nome da épo-
tanhas; Paleobscene é extraordinariamente pare
ca — Paleoceno.
pais episódios da história da Terra. Não é preciso buscar razões Pa
ra se justificar a fundamental importância de tal conhecimento.
A escala de tempo geológico (fig. 2.1) está dividida hierarqui­
camente em eras, períodos e épocas. Os limites entre as maiores di­
visões as eras — assinalam os acontecimentos mais importantes.
ois os três limites entre as eras designam as mais célebres extin-
çoes em massa. A extinção em massa ocorrida no final do Cretá-
2 ^erca e 65 milhões de anos, estabelece o limite entre as eras
S p ^ t n m ? " ? Z01Ca' Embora nâo seJa a maior de todas as “ gran-
fama Tstn a ’ CSte acontecimento ultrapassa todos os outros em
con ece porque os dinossauros desapareceram na esteira


Período de
Ipoca (e>

1 Quaternário 1 ioloceno
(Recente)
Cenozóico Pleistoceno

Plioceno
1Terciário 1Mioceno
Oiigoceno
Eoceno
Paleoceno 1
Cretáceo ' ------- ----- 1 6
Mesozóico Jurássico
Triássico

Permiano
Carbonífero
1 (Pensilvaniano
Paleozóico
:o e ^ississipiano)
Devoniano
Siluriano
Ordoviciano
Cambriano
Pré-
Cambriano 570

geológico.

56
dessas transformações, o que tornou possível a ev0' ^ nróürfa es-
des mamíferos (inclusive, muito mais tarde, a a n° n25
pécie). O segundo limite, entre as eras Paleozóica e õgs __
milhões de anos atrás), assinala a maior de to as ^ 9507,,
o evento ocorrido no final do Permiano que, ao e 1 Dadrão
das espécies marinhas, determinou de forma irreversível o padra
de toda a história da vida posterior. temDOS
O terceiro e mais antigo de todos os hnntes, . . . . de anos
do Pré-Cambriano e a era Paleozóica (cerca e enigmáti-
atrás), assinala um acontecimento diferente e mui neste jj.
co. Embora talvez tenha ocorrido uma extinção em inten_
mite ou próximo a ele, o começo da era P.leozoica marca um mi*
so processo de diversificação — a “ explosão cam , , s com
meiro aparecimento, no registro fóssil, de animais m reiação
partes duras. A importância de Burgess Shale es a ^ Bur.
com esta etapa fundamental da história da vi a. registra
gess não se situa dentro da explosão propnamen e • antes
um momento logo depois, há cerca de 53 mi o estragos
que a implacável tesoura da extinção tivesse ” de d;Versifi-
e, por conseguinte, quando os resultados o P Sendo &única
cação ainda podiam ser vistos em toda a sua va temp0S prime-
grande fauna de organismos de corpo mo nanorama do
vos, Burgess Shale nos proporciona um imgualavel panoram
início da vida moderna em toda a sua plemíu e.
A explosão cambrianaé um eveu.o
como a Terra tem 4,5 bilhões de anos, a vi , . pjaneta.
siSn moderno ocupa pouco mais do que 10 o a i losao cam-
Esta cronologia sugere os dois clássicos 306-10) e que
briana - problemas que obcecaram Darwin (1»». VV- por
continuam sendo os principais mistérios da ts ° n ^ regjstro
pue a vida multicelular apareceu tão taide. ) t sem ais sim-
fóssil do Pré-Cambriano não contém precursoí es d^
Pies dessas criaturas anatomicamente complexas. . de um
Essas questões são bastante difíceis agora, n -s 1950 .
rico registro da vida pré-cambriana, todo e e esc Burgess
Mas em ,909. quando Charles D oolhtleW aeo,t de cobrm Bu g ^
Shale, elas pareciam quase inabordáveis. a ep . nc0 Não
v'da pré-cambriana era um quadro absolutamen dQ anterior
havia sido encontrado um único fóssil bem oc an-majs multice-
a explosão cambriana e os indícios mais antigos espécie
hdares coincidiam com os mais remotos sinais de qualqv
de vida! De tempos em tempos alguém reivindicava a desco
animais pré-cambrianos — o próprio Walcott o fez, algum _.Q_
— mas nenhuma dessas reivindicações resistira a um exame m
so. Esses achados fundamentavam-se apenas em esperanças e p ^
riormente verificou-se que eram marcas formadas por ondulaç _
águas, precipitados inorgânicos ou fósseis autênticos de épocas
tenores. hiStó-
Essa aparente ausência de vida durante a maior parte da
ria da Terra e o seu subsequente aparecimento num estado de a
çada complexidade não representava problema para os antievo
nistas. Roderick Impey Murchison, grande geólogo e pioneiro no
tudo do registro fóssil da vida primitiva, via a explosão cambrta
simplesmente como o momento da divina criação e interpretava a c0 .
plexidade dos primeiros animais como um sinal de que Deus bavf
tomado os necessários cuidados com seus modelos iniciais. Murem-
son, escrevendo cinco anos antes da publicação de A origem das es­
pécies, de Darwin, considerou explicitamente a explosão cambrian
como uma prova de que não houve evolução (“ transmutação” ,
sua linguagem), ao mesmo tempo que exaltava o olho composto dos
primeiros trilobitos como uma maravilha de apurado design.
Os mais antigos sinais de coisas vivas, ao indicarem, como o fazem,
uma alta complexidade de organização, excluem inteiramente a hip
tese de transmutação de formas inferiores para níveis de vida superio­
res. Não há dúvida de que o primeiro fiat da Criação assegurou a per­
feita adaptação dos animais ao meio circundante; assim, ao mesmo
tempo que o geólogo reconhece a existência de um começo, ele tam­
bém pode ver nas inúmeras facetas do olho de um crustáceo primitivo
as mesmas evidências do dedo de Deus presentes na perfeição das for
mas dos vertebrados (1854, p. 459).
Darwin, sempre honesto ao expor as dificuldades enfrentadas
por sua teoria, considerou a explosão cambriana como uma das prin-
s u n t o SUa! atUçòes e dedicoa toda uma seção a este as-
antievohitív/lf6™ aS esp*Çies- darw in reconhecia a interpretação
notáveis eeóW mUlt0S ged' ogos Proeminentes; “ Vários dos mais
Sir R- Murchison à te n te, estão convenci-
sentam a amor ™ es,centes «pânicos do Siluriano* Inferior repre-
a da vida neste planeta” (1859, p. 307). Darwin admt-

(*) O “ Siluriano Inferior” ,


briano, um periodo ainda n- • Sp0Uí^e ao c'ue atualmente é chamado de Cam-
cho que Darwin fala sobre" Z S S Z Z S Z ^ ^ “ l 8W- É — ^

58
sores d n « 3 í f ° I'a e^ ia um registro pré-cam briano rico em precur-
prim eiros anim ais com p lexos:

camada. S í ? ™ f° r verdadeira é certo que antes da deposição das


tensos t s ^ S' Unano Infedo1' devem ter decorrido ciclos bastante ex-
0 intervai° ° nê° S 0U.’ Provavelniente, muito mais longos do que todo
Porém nr.i° entre r° ^dur‘ano e 0 presente, e que durante esses vastos
yas (1859 p° 307)eCÍCÍOS penodos 0 mundo fervilhava de criaturas vi-

mento clás^ '80^ 01 CSSe *nc°m odo Problema, Darwin usou seu argu-
de ovidêncf100 ° reê*stro ®tao imperfeito que não dispomos
m° Darwin3S Para 3 ma' or*a dos eventos da história da vida. Mes­
ta estava f ' ^ ° rem ’ reconhecia que neste caso sua desculpa favori-
^acilmenteICan ~ Um pouco hágil. Seu argumento poderia explicar
gem, mas s&razao da ^a^ta de um estágio numa determinada linha-
terado abs ^UC ° S azares do acas° poderíam realmente ter obli-
Criaturas d° U amente todas as evidências de praticamente todas as
tiu: “ Por Urante a mai° r parte da história da vida? Darwin admi-
e Pode serv'11^ 1*311'10’ ° pro*3*cma Permanece inexplicado, insolúvel,
(1859 p 308)6 S^ '° ar®ument0 contra °s pareceres emitidos aqui”

d° ele deT*11/ 0**nocentado P°r um rico registro pré-cambriano, to-


liar desta C°. ,e„rto nos últimos trinta anos. Todavia, o caráter pecu-
nu° aumeT* ?ncaa nao cori'espondeu à sua previsão de um contí-
mando do r C comPlexidade à medida que a vida fosse se aproxi-
Permanece ~ am'3r^ano’ e 0 problema da explosão cambriana
n°ssa eonf re(ratário como antes — se não mais, já que agora
n°rância US3° ° causada ma' s Pel° conhecimento do que pela ig-
HojeaCCrCa C*3 natureza da vida pré-cambriana.
mais ant. 0 nosso registro pré-cambriano estende-se até as rochas
bilhões dçãS ^UC poder' am conter vida. Embora a Terra tenha 4,5
(guando anos’ ° cal°r gerado pelo impacto dos corpos celestes
de *sóton°S ^ anetas se aglntinaram) e pela desintegração radiativa
e Se d ifer°S • 6 V*^a curta ^ez com Que nosso planeta se derretesse
res mais Cnc.lasse no começo de sua história. As rochas sedimenta-
3,75 bilhõntl^aS ^ aS s^r*es ^sua> no oeste da Groenlândia, com
Cr°sta te ° 6S an° S — registram o esfriamento e a estabilização da
terados Frestr<l' ®sses estratos são por demais metamorfizados (al-
P^nesce301^aÇa° C*° ca*or 6 Pressa°) Para poderem preservar re-
(1^88) f ní,es m°rfológicos das criaturas vivas, embora Schidlowski
en a recentemente afirmado que essa velha fonte potencial
de evidências conserva uma assinatura química de atividade o ^
ca. Dos dois isótopos de carbono comuns, o l!C e o nC, a
síntese utiliza diferencialmente o 12C, mais leve, elevando co ^
a proporção ’2C /'3C acima dos valores que seriam medidos
do o carbono presente nos sedimentos fosse de origem inorga ^
As rochas Isua apresentam os valores aumentados de ,2C que
gem como resultado de atividade orgânica.*
Assim como os indícios químicos de existência de vida a
, ves-
cem possivelmente nas primeiras rochas capazes de exibi-las, os ^
tígios morfológicos são também tão antigos quanto poderiatn s
Nos sedimentos não-metamorfizados mais antigos da Terra, remo
tando 3,5-3,6 bilhões de anos na África e na Austrália, foram en
contrados tanto estromatólitos (esteiras de sedimentos capturados
e aglutinados por bactérias e cianofíceas) como até mesmo células
propriamente ditas (Knoll e Barghoorn, 1977; W alter, 1983).
Embora um começo assim tão simples pudesse ter agradado a
Darwin, a história ulterior da vida pré-cambriana depõe vigorosa­
mente contra sua suposição de que tenha havido um longo e gra­
dual aumento de complexidade que culminou na explosão cambria-
na. Nos 2,4 bilhões de anos que se seguiram aos sedimentos lsua,
ou quase dois terços de toda a história da vida sobre a Terra, os
únicos organismos eram criaturas unicelulares do tipo mais simples,
os procariontes. (As células procarióticas não possuem organelas
não têm núcleo, cromossomos pareados, mitocôndrias ou cloroplas-
tos. As células eucarióticas dos outros organismos unicelulares e de
todas as criaturas multicelulares são muito maiores e mais comple"
xas e podem ter evoluído a partir de colônias de procariontes; de
qualquer maneira, mitocôndrias e cloroplastos assemelham-se no­
tavelmente a organismos procariontes completos e conservam certa
dpnpndênrin prbpr\° ’ ta'vez um resquício de sua antiga m-
Todos os outrrT enaS 6 cianoííceas (algas azuis) são procariontes.
A m n lh a e T p ° rgamSmos unicelulares comuns - incluindo a
íeT undLas ^ laboTató™ s de biologia das escolas
secundarias — sao eucariontes.)

(*) Embora a proporção l2C /'3r r„ . , . r


cionamento orgânico, o excesso rte n r - ? . S lsua mdk'uc a ocorrência de tra-
reriores. Schidlowski areimww na° e tao e'evado c°mo nos sedimentos pos-
chas lsua reduziu a nronnr,..r V ^ u 0 sut>seqüente metamorfismo sofrido pelas ro-
orgânicos), equeasprooorcfsr ^ m -0r^ <*eixando"a dentro dos limites dos valores
tos posteriores. S ongmais eram Provavelmente iguais às dos sedimen-

60
X

E m b ora o ad ven to das células m com plcxida-


há 1,4 b ilh ão de a n o s, assinale um granae triunfalm ente
de da vid a, os anim ais m ulticelulares n ao cjm en t0 das primei-
em sua esteira. O tem p o decorrido entre o ap ,ticeluiares é m aior
ras células eucarióticas e os prim eiros annua explosão
do que to d o o p eríod o de su cesso m ult.celular que
cam briana aos n o sso s d ias. f „ de anim ais m ulti-
O registro pré-cam briano con tém u m a de Ediacara, as-
celulares an teriores à ex p lo sã o cam b rian a, A ustrália m as ho-
sim d en om in ad a por cau sa de u m a lo ca 1 a f auna, no entan-
je recon hecida em rochas de to d o o m un ° ' tatjVas de D arw in,
to , em n ada con trib u i para con firm ar as e E diacara é pouco
por duas razões. E m prim eiro lugar, a au n con trados exclusi-
anterior ao P ré-C am b rian o. E sses anim ais s vaveim ente com
vam ente em rochas p ou co anteriores à exp os ' ^ g egundo, os
não m ais do que 700 m ilh ões de a n o s, ta v jm en t0 indepen-
anim ais de E d iacara p od em representar u ^ co n ju n to de an-
dente e fracassad o de vid a m ulticelular e n &s de p artes du-
cestrais m ais sim ples de criaturas p ostcriore serão discutidos
ras. (A natureza e o status da fau n a de Ediacara
no capítulo 5.) ,. a cria mais problemas
Num certo sentido, a tauna de E mistério que a
do que ajuda a resolver, no que tange ^ r w i n . A versão da “ teo-
explosão cambriana representava para sustentava que a ex-
ria da imperfeição” , muito mais promissora, ^ partes duras
Plosão cambriana assinala apenas o apai ecí paSsado por um
no registro fóssil. A vida multicelular ta vez ^ue não dei-
longo período de gradual aumento de comP nenhuma fauna
Xou registro nas rochas por não termos enco ^ datada do Pré-
animais de corpo mole, como a de Burgess , te argumento emi-
Cambriano. Eu não contestaria a contri mça cambriano, mas e_'e
nentemente sensato para a resolução do emg ^ Ediacara não
não constituirá uma boa explicação se os ananl cambriana. P °is
f°rem os ancestrais dos organismos da exp
forem està0 confinadas
confinadas
as criaturas de Ediacara têm corpos moles alian0 peculiar;
a algum bizarro enclave fincado num am , n do todo. Assim, se
elas representam uma fauna espalhada pe 0 ' brian0 não tinham
° s verdadeiros ancestrais das criatuias o rjc0s depósitos
Partes duras, por que razão não os encontra ída por organis-
'íne contêm a fauna de Ediacara, também c
m°s de corpos moles?
Os enigmas vão se acumulando à medida que consideramos os
bo esPanl0S0 período de 100 milhões de anos entre a fauna
e íacara e a consolidação dos modernos traçados corporais, já
evi entes em Burgess Shale. O início do Cambriano não se caracte­
riza pelo aparecimento dos trilobitos e de todo o amplo espectro de
A Crn?S *JaÇados anatômicos associados à explosão cambriana-
T a ° rgan'smos com partes duras, chamada de Tom-
encontrarW om^nagem a uma localidade da Rússia (mas também
se node identTf ° ° 0 mundo), contém algumas criaturas nas quais
_____ . lcar um design moderno, embora a maioria de seus
membros m° demo’ embora a mai° ria de ^
incerta - laminas>taças e barretes de afinidade
a chamamos, 00^ 3^ C° nchosa’’>como nós paleontólogos
to Talvez a nda n' tranqueza e inequívoco constrangimen-
c lIu r r C m o S a S ° C° rrido uma ' as
senvolvido « q X s "â° tinham ^
daços de matéria mineral!, a°S6 apenas dePOSitavam pequenos pe-
Mas talvez a ^ de seus corpos.
sado, posteriormente substituí!? *^1 maÍS Um exPeriment0 fracaS'
espasmo final da explosão n ° S trilobitos e sua coorte, no
Assim, em vez de uma T™ r!ana'
complexidade, conforme f C .e v a ç a o 8radual rumo a uma crescente
de anos entre Ediacara e B* lmaginado P°r Darwin, os 100 bilhões''
tência de três faunas radical^ 8655 podem ter testemunhado a exis-
cara, grandes, com corpos rrM 16 d^ erentes — as criaturas de Edia-
minúsculas taças e barretes t° ^ 6 acbatadas como panquecas; as
moderna, culminando em Bu ° mrnot' anas; e, finalmente, a fauna
dade anatômica. Quase 2 5 w n T C° m 0 limite «láximo de diversi-
e nada mais — dois terços u^S de. anos de cóhilas procariótica;
baixo dentre todos os níveis r» íStória da vida em estase no mai:
00 milhões de anos de células êlStrad? s de complexidade. Outro
intricadas, mas sem nenhuma eucaridticas, maiores e muito mai
mento de vida animal multicel, que Pe™itisse o aparecí
geo oglco de 10Q milhõ™ ce^ ar. E então, num piscar de olhe
n,,e! de Ediacara a Tommof S> trêS faunas notavelmente dif<
nenh°es 6 &n° S de histórias m ala” ^ &B w g e ss' D «POÍs d isso, 5C
iá ex k ? n° V0 fU° 0U ^ anat ° SaS’ .t rÍUnfos e tragédias mi
VohemrTs étP° Ca dC ° miC° baSÍC° acrescentou-se ai

interpretar esta seqüência co^o umaV1^ 0108 6 VOcê talvez quei


uma historia de progresso previsiV
62
v
t
t

ticeluT™ pS PrOCar'ontes’ depois os eucariontes e, então, a vida mul-


se co xam*ne cuidadosamente os pormenores, no entanto, e es­
tão b° ° rtac^or enret^° desaba. Se a complexidade é uma coisa assim
histór°aò ^:°r ^Ue 3 v’c*a ^ cou no estágio 1 durante dois terços de sua
tinia na ' i ^0I ^Ue a or^ em v^ a multicelular se deu através de
Um , *api a sucessão de três faunas radicalmente diferentes e não por
é infi nf° 6 contlnuo aumento de complexidade? A história da vida
Para m am eníe R ein an te e curiosa mas dificilmente servirá de base
os pensamentos e esperanças que costumamos acalentar.

pA DEpOIS DE BURGESS:
C O M n r DE ORGANISMOS DE CORPO MOLE
° j a n ELAS PARA o PASSADO

mífe R ^ Un<^° Uma ve^ a Ptac^a paleontológica, a evolução dos ma-


Para d ° Uma ^’stc™ dentes se acasalando com outros dentes
é muitor ° r'^em 3 ^entes ügeiramente modificados. Como o esmalte
cem nn m? 1S res'slente do Que os ossos normais, os dentes permane­
ço a an ° tUC*° ° ma's l' ver sucumbido à ação do tempo geológi-
vé« ^ mai0r’a d °s fósseis de mamíferos são conhecidos apenas atra-
es de seus dentes.
lha-se>arW'n ,escreveu óue o nosso imperfeito registro fóssil asseme-
gjnas. .Um ^'vro ó° qual foram preservadas apenas umas poucas pá-
óas pài CStaS pag'nas’ Poucas linhas; das linhas, poucas palavras; e
ver as aVTas’. poucas letras. Darwin usou esta metáfora para descre-
mesmoP° r ibÍIÍdaCleS PrescrvaÇao das partes duras normais e, até
ter a c - ° S ^entes ma*s resistentes. Que esperança então poderíam
verso? a*16 C ° san8ue em meio às vicissitudes de um destino tão ad­
de sorte S *5aites m°les só podem ser preservadas — por um golpe
n° num c°ntexto geológico incomum: insetos preservados
CXen in | 3 11^11 excrementos dessecados de inegatério em cavernas, por
de fato° ’ e outro modo elas rapidamente sucumbem aos milhares
e dccorCS natura's a Que a carne está sujeita — morte, desagregação
s ntposição, para citar apenas três.
Podem m aS ‘n^ormaÇões fornecidas pelas partes moles, porém, não
nem ta°S ^ esPeranóa de compreender a constituição anatômica e
zoes ób11101100 3 d*versidade real dos animais antigos, por duas ra-
Vl£ts. Primeiro, a maioria desses animais não tem partes
duras. Em 1978, Schopf analisou o potencial de fossilização de u ^
típica fauna marinha moderna da zona das marés e concluiu Q
apenas 40°/o dos gêneros poderíam figurar no registro fóssil- A ®
do mais, a representação possível é fortemente influenciada pelo
bitat. Cerca de dois terços das criaturas sésseis (imóveis) que vive
no fundo do mar poderíam ser preservadas, em contraste com ape
nas um quarto dos carnívoros móveis e detritívoros cavadores-
segundo lugar, enquanto as partes duras de algumas criaturas ^er
tebrados e artrópodes, por exemplo — são ricas em informações»
permitindo uma boa reconstituição da função e anatomia básicas
de todo o animal, os abrigos e revestimentos simples das outras cria
turas não nos dizem quase nada a respeito de seus organismos,
tubo de um verme e a concha de um caracol nos fornecem poucas
indicações sobre os organismos que viviam dentro deles e, na au
sência de partes moles, os biólogos muitas vezes os confundem. Não
esclarecemos o status da primeira fauna multicelular de organismos
com partes duras, o problema tommotiano (discutido no capítulo
5), porque esses minúsculos barretes e coberturas nos proporcionam
pouquíssimas informações acerca das criaturas a que pertenceram-
Desde o início da paleontologia, portanto, seus praticantes têm
procurado e atribuído grande valor às faunas de organismos de cor-
X 1 ° Í S- ? 0, ? te pérola mais Preciosa no registro fóssil. Reco-
m os 0 P1° neir0 de nossos co 'e8as alem ães, denom ina-

r ü ^ r r ^ r icas e " e
ç“ ^ o t ° n h ° S Lagerstütte" "Sam rTros^suaTontribui-
nalmente alto. Ao c L ^ r T c a f t WStÓrÍa d& VÍda é desprop° rC'° '
gens, meu colega e ex-alunn T u ° gar a hlstória de todas as hnb
grupos principais são conhecidosCexdePk° SkÍ desCobrÍU que ^ d°r!
dos três maiores Lagerstátten do !, f usivamente P°r sua presença num
rückschiefer devoniano d T Í Pale° ZÓÍC0 ~ ^ g e s s Shale, o Huns-
ro, próximo a Chicago.’ (No e™anha’ e 0 Mazon Creek carbonife-
dronizados da escala de te restante deste livro usarei os nomes pa-
Se você, caro leitor, rejeitmP° ^ ° ldg'co sem explicações adicionais,
zar esse alfabeto consnit» exortaÇão no sentido de memóri­
as frases mnemônicas anrf 01 &j ° r a ^ . 1 . Também recomendo
Há uma enorme biblioTrafí ^ ^ míd° deste caPÍUl'o.)
pretação dos Lagerstàtter, respeito da formação e da inter-
Embora nem todas as QUI r WhlttlnSton e Conway Morris, 1985).
dros dos detalhes nos n r n l tCnham sido resolvidas e os mean-
proporcionem uma infinita fascinação, três
64
mo condicã mC^ te encontrados ao mesmo tempo) sobressaem co-
de corpo mnl para a PreservaÇão das faunas de organismos
agitados- de 6 •" sePu^tament0 dos fósseis em sedimentos não-
responsáveisPOS1Ç^° nUm am^ ente isento dos agentes normalmente
nio e outros SUa desírtdção imediata — essencialmente o oxigê-
riedade de o r& °^CS ^ Ue promovem a deterioração, bem como a va-
cadáveres êanis.mos>de bactérias e animais que se alimentam de
em quase tod ^US1S rap^ amente eliminam a maioria das carcaças
mento r e s u lta m ^ a™bientes deste Planeta; e mínimo despedaça-
A título d” 6 ^ anos causados por calor, pressão e erosão.
nam a produ ~ e*emPl° das dificuldades quase insuperáveis que tor­
do oxigênio rÇa° ° S ^ agersí^ tlen assim tão rara, considere o papel
iância do o x ' ^ ^ Um ponto de v^sta discordante acerca da impor-
bientes d e s n r S ' ? „ hábÍt5 S anóxicos- veja Allison, 1988). Am-
das partes m ° S ^ ox'gbrdo sao excelentes para a preservação
bactérias aerób'S nenbuma oxidação, nenhuma decomposição por
Particularme 1CaS- Ta*S cond*ções sao comuns em nosso planeta,
bacia. E n tr e i &^ m a*sas de dgua estagnada no interior de uma
Ção também ant°ú 3S prdpr^as condições que promovem a preserva-
iagares. o es^abe*eceiT1 Que poucos organismos irão viver nesses
Servado! o ° r a™b*ente> P°rtanto, nada contém para ser pre-
incluindo Bu rUC^Ue env°lvido na produção dos Lagerstatten —
to Peculiar d ^ SS ^ba!f’ como iremos ver — consiste num conjun-
iauna para ue Clrcunstâncias que podem ocasionalmente levar uma
rar°s Dor no»m Ugar tao ' nóspito. Os Lagerstatten, portanto, são
Se B natUreza
mas certaCSS ^ba*e nao existisse, não seríamos capazes de inventá-
doso Deus f i a r í a m o s por sua descoberta. Embora o Bon-
Ces>ele o fez eabdade Terrena raramente atenda às nossas pre-
recido a algum° C?S° ®urgess. Se o gênio de Aladim tivesse apa-
ramente, ihe 0 f P3 eontólogo antes da descoberta de Burgess e, ava-
Sern Qualquer, Crec*d<? aPenas um desejo, o nosso feliz beneficiário,
de animais de eSlta^ao’ certamente teria dito: “ Dê-me uma fauna
a exPlosão camt? 1-150 m ° ^ e d e u m P e n ° d o imediatamente posterior
^ n t e produz- ,? ana’ Quero vcr o que aquele grande episódio real-
ama história 1U ®Ur®ess Shale, a dádiva do nosso gênio, conta
1Vr°dedicad0maraVÍlh0Sa’ mas não o suficiente para justificar um
Para a compre 3 p<Inas a *sso- Esta fauna transforma-se numa chave
rões de diso e^!ao da história da vida por comparação com os pa-
tr° s Lagerstütte ^ notave^mente diferentes encontrados em ou-
A raridade tem apenas um lado bom — decorrido um *nter ^
de tempo suficientemente grande ela começa a aparecer com u
freqüência razoável. A descoberta e o estudo dos Lagersta ^
acelerou-se muito nos últimos dez anos, em parte por influência
que se descobriu em Burgess Sbale. Agora o número total de
gerstatten é suficientemente elevado para nos fornecer uma boa ide
dos padrões básicos de disparidade anatômica ao longo do temp
Se os Lagerstatten não estivessem razoavelmente bem distribui o >
não saberiamos quase nada sobre a vida pré-cambriana, uma v
que a história do período que vai das primeiras células procario
cas até a fauna de Ediacara é contada exclusivamente por criatur
de corpo mole.
O principal fascínio de Burgess Shale é que ele nos permite co­
nhecer a espantosa diferença entre a vida antiga e a atual: com um
numero muito menor de espécies, Burgess Shale — um a pedreira
da Colúmbia Britânica não maior que um quarteirão urbano — c° n'
tem uma disparidade de designs anatômicos que excede em muito
o limite de variação existente em todo o mundo moderno!
era que urgess Shale representa o que acontecia normalmen
aepxnlnSSad° t nã° Uma característica especial da vida logo apos
s e r v a d a s 'a ^ e T * ' ^ qUe t0das as fa™ as ^ I m e n t e bem pre-
m i c o í u S T T Uma amplitude semelhante de designs anato-
nadrõestómnn?ae r ! r SÓ P° dem ser A c io n a d a s estudando-se os
p ad res temporais de disparidade exibidos pelos outros Lagerstatten-
Burgess ShaT é * ambígUa; a vasta d^paridade anatômica de
s s ü r ~ ; ca exc,uswa da pdmdra explor s°e
de Burgess na a m p litu d e í LageJ statten Posterior aproxima-se
Ao contrário, conforme avan * " ^ 0 d° S designs dos organismos.
podemos seguir o curso de J Çam.°S. no tempo>a Partir de BurgeS ’
que sobreviveram ao ™ ra?lda estabilização dos seres vivos
briano Superior da Sué ■ de d™maéão. Os artrópodes do Cam-
magnificamente p"esemd^ ÜUer’.1983; MüUer e Walossek, 1984),
membros da linha dos cn t! ?m tr^s d™ensões, talvez sejam todos
dades da preservação n e ^ ^ f 05' conseqüência das excentrici-
núsculos artrópodes comS & aUna tovam recuperados ápenas mi­
to. Assim, não podemos _me,n0S de dois milímetros de comprimen-
depósitos com a das forma6^ ™ ' 16 Compaiar a disparidade destes
na de Brandon Bridge Wis CBurgess- de tamanho maior.) A fau-
descrita por Mikulic Bru>a,C° v?0’ datada do Siluriano Inferior —•
tém, tal como Burgess Kluessendorf (1985a e 1985b) - con-
6 ' ’0<lc,s 05 W atro grandes grupo, de artró-

66
trón^H 3 ^ncIui umas poucas excentricidades — alguns ar-
prol° CS Ínclassificáve^ (inclusive uma criatura dotada de bizarros
uiifo°n8amentOS ^atera*s semelhantes a asas) e quatro animais ver­
de B meS’ em*30ra nenhum tão peculiar quanto os grandes enigmas
^"gess, como Opabinia, Anoma/ocaris ou Wiwaxia.
do a Ce^e^ re Hunsrückschiefer do Devoniano, tão bem preserva­
r a c V Ut*S ^eta^ es aparecem em radiografias da rocha sólida (Stür-
classif' f rêStIõm’ 197d e 1978), contém um ou dois artrópodes in-
Marr I,yaveis’ incluindo Mimetaster, provavelmente aparentado com
via se ° ’ ° an’ma* ma*s c°mum de Burgess. A vida, porém, já ha-
creçõ esta^'*'zac^°- A rica fauna de Mazon Creek, abrigada em con-
go dasS,? UC *eg’° es c°letores arrebentaram aos milhões, ao lon-
form U tlmas ^ a d a s , inclui até mesmo um bizarro animal vermi-
numaC COn^ec'^ ° como o Monstro de Tully (honrado oficialmente
ca n V?rsaPlada formal em latim como Tullimonstrum). Nessa épo-
e QUa rem’ 3 ^a^r^ca invenções de Burgess já havia sido fechada,
tavoiSC tOC*os os belos fósseis de Mazon Creek encaixam-se confor-
l^ente nos filos modernos.
atais f ° passarmos Pe*a extinção permo-triássica e chegarmos ao
do Ju am? so c*e tC)dos os Lagerstàtten — o do calcário Solnhofen,
afirmar SS*C° ' 03 ^^ernan^a — reunimos evidências suficientes para
Isfenh F C° m se8urança que o jogo de Burgess chegou mesmo ao fim.
sionaiUma ° Utra ^auna deste planeta foi mais bem estudada. Profis-
de UmS é am a^01 es v^m fendendo esses blocos de calcário há mais
dame t e?u^0- (Essas pedras uniformes e de granulação fina são fun-
dade ° 3' S ^ara a ^to 8rafia e têm sido usadas, quase com exclusivi-
inven ^ t0C*as. as ™Prcssões finas feitas com esta técnica desde sua
sr«. j Ç30’ no Enal do século xvm .) Muitos dos fósseis mais famo-
S0S do mundo
c*mes d v>cram dessas pedreiras, inclusive todos os seis espé-
■Ptact 6 ^ ' ch?eoPteryx, a primeira ave, preservada com as penas
animaT ^ 3 l'*t' ma fiárbula. Mas o Solnhofen não contém nem um
cont, Sf ^ uer ‘fae não pudesse ser incluído em grupos taxonômicos
ácidos e bem documentados.
tômic ° V'° ^Ue 0 Padrão de assombrosa disparidade de designs ana-
nas fó°S ^ncontrado em Burgess não é uma característica das fau-
vação°SSeiS ^em preservadas em geral. Ao contrário, a boa preser-
Sament10S perm'fido identificar um aspecto digno de nota e imen-
'ntedi \ en'8rnáfico da explosão cambriana e de suas conseqüências
ra ve 9 ^ ^ lIase l°dos os filos modernos apareceram pela primei-
junta 2 nUlT1 momento geológico próximo ao início do Cambriano,
mente com um conjunto ainda maior de experimentos anatô­
micos que não sobreviveram por muito tempo depois disso. Os
milhões de anos subseqüentes não produziram nenhum novo 1 *
apenas modificações em cima de designs já estabelecidos — mU1
embora algumas variações, como a consciência hum ana, consig aIT1
causar impacto sobre o mundo de maneira curiosa. O que desenca
deou a produção de designs em Burgess? O que a interrompeu ta°
rapidamente? O que, se é que algo o fez, favoreceu o pequeno nu­
mero de designs sobreviventes em relação às outras possibilidades
que floresceram em Burgess Shale? O que este padrão de dizimação
e estabilização está tentando nos dizer a respeito da evolução e da
história da vida?

O CENÁRIO DE BURGESS SHALE

ONDE

No dia 11 de julho de 1911, Helena, a esposa de C. D. Wal-


cott, morreu num acidente ferroviário em Bridgeport, Connecticut.
Segumdo um costume de sua época e classe social, Charles manteve
seus filhos homens junto de si mas enviou sua mortificada filha He-
en para uma onga viagem pela Europa, escoltada por uma dama
de companhia com o improvável nome de Anna Horsey, a fim de
amenizar sua dor e permitir que ela se recompusesse. Helen, com
o en usiasmo característico do final da adolescência, ficou realmen-

^ t UÍZaÇã0 ° dd"
- o cenário de Burgess Shale a COm &be 6Za de um ° Utr° °
tanto d u r a n t e a descoberta t o e " m S T * compan“ a £
meira temporada de coleta ! ? ^ A909’ como por ocasiao da P
para sen U ^ ^ p a , Heten escreveu

no topo dasTevtçõesf O u íeT fascinantes- encarapitados bem


rateiramente pelas encot 86 conseêue ver 0 inimigo subindo sor-
dras e setas atiradas sohrAi e.s,endo entâo surpreendido pelas pe-
Ápia e o que sobrou d™ ^ Vimos’ naturalmente, a famosa Via
arcos em ruínas foram m n ü y ? romanos — imagine só, aqueles
rica parecer um tanto io rUld°Shá quase 2 mil anos! Isso faz a Amé-
Passo Burgess a auaint V6m 6 reluzente>mas continuo preferindo o
gess a quaiquer outra coisa que vi até agora
S 6ndaS S° bre ° S trabalho* campo situam todos os locais
68
fer r antes no interior das selvas inacessíveis, repletas de animais
fação^ 6 nat*V0S desapiedados, onde não faltam miasmas de putre-
a centé6 -enxanies de m°scas tsé-tsé. (Modelos alternativos incluem
^nda f/ 1013 ^ una aPÓs a morte de todos os camelos ou a milésima
dade d° desaparecimento de todos os cães de trenó.) Na ver-
ver, são°f • ’ mu*tas ^as nielhores descobertas, como logo iremos
niaís i CltaS nas gavetas dos museus. Para se chegar a alguns dos
dável ^ ortantes sid°s naturais não é preciso mais que uma agra-
^lazo ° U Um Passei0 carro- Pode-se quase ir a pé até
ree^> Partindo-se do centro de Chicago.
visitei _^êCSS ^dale ocupa um dos cenários mais majestosos que já
0fiental h”0 3*t0 ^as Montanhas Rochosas canadenses, na fronteira
zada n 3 ^°Jdmbia britânica. A pedreira de Walcott está locali-
crista Um r a^ tuc*e de 2400 metros, na vertente ocidental de uma
tas f o r / 3 ° monte Pieid ao monte Wapta. Eu havia visto mui-
1987 J p 3 ^ ec*re*ra de Walcott, antes de visitá-la, em agosto de
tament ^ a^ umas outras segundo a perspectiva convencional (exa-
eu não f ^ ^ reçao ao leste, focalizando a pedreira, fig. 2.2). Mas
Vire.se m 3 percebido a força e a beleza de uma simples meia-volta.
Paisage ° 0CSte e voc® se ver^ diante de uma das mais lindas
além c nS 130 nosso c°ntinente — o lago Emerald embaixo e, mais
da tard ° r° 3C*3 ^ neve’ a cade^a President, todos iluminados, ao cair
ihosos C> <° S°*poente- Walcott encontrou alguns fósseis maravi-
que Co113? 1813 ®urgess mas só agora realmente compreendí por
tais ano 0 em ma*s setenta anos, ele tomava trens intercontinen-
de lomh a^ ° S 300 ^3ra passar longos verões em tendas e em cima
Passate ° Cava^0- Também entendo todo o encanto do principal
irabalh 01^-5 ^ e. ^ aicott — a fotografia de paisagens, inclusive seu
Srandp pioneiro com a tecnologia de tomadas panorâmicas com
Mas R tUr3 3ngUl3r (fig’ 2AY
está situSH Urge?s não está oculto num ermo inacessível. Ele
Centros f ° ” ° *nter*or do Parque Nacional de Yoho, próximo aos
nadian p UnSt'C0S ®an^ e d° lago Louise. Graças à ferrovia Ca-
troveja 3C1^ C’ CUJ°S tfens de carga com uma centena de vagões ainda
está à J 11- ^Uase c°ntinuamente através das montanhas, Burgess Shale
lação d lra da civilizaÇao- A cidade ferroviária de Field (cuja popu-
qUe n 0 ■C CCrca de 3 mil pessoas, é provavelmente menor hoje do
way Walcott, especialmente depois que o hotel Rail-
tros estru>do por um incêndio) está somente a poucos quilôme-
dnental Ufgesíí e ainda se pode embarcar no grande trem transcon-
a Partir dessa minúscula estação.

69
2.2. Três vistas das pedreiras de Burgess Sliule tomadas durante a minha vtsdt
agosto de 1987. A) A extremidade norte da pedreira Walcott, com o monte WUI
ao fundo. Observe a parede da pedreira com orifícios perfurados para a inscrç
de cargas de dinamite e fragmentos de rochas produzidos pelas explosões espalha( ^
sobre o piso da pedreira. B) Vista similar da pedreira aberta por P e r c y Ruytno
em 1930, com seu fiel servidor e três ávidos geólogos. Esta pedreira, muito nten01’
está acima do sítio original de Walcott. C) Meu filho Ethan sentado sobre o p ‘sl
da pedreira de Walcott, em sua extremidade sul.

70
O panorama visto da pedreira de Wuicott. No ptinteiio P^un° .
corre 11 encosta à procura de fósseis. Ao fundo está <> taxo tm i

’ ^sta versão reduzida de uma das famosas fotogiajias original,


L0" nos dá uma boa idéia de sua técnica mas carece da gian ^ Q foc/o
‘We tinha vários pés de comprimento. Waicott tirou esW/o/OÍ' observe na
dlre“o mostra a pedreira de Burges*. com o monte Wapta a es e td ^
Pedreira a presença de alguns coletores e ferramentas usadas

71
Hoje pode-se ir de rarm o*t
próximo ao Whiskev T ° acamPamento de Takakkaw Falis,
uma ave e não de alo a<u . Ste^ ^ass™ denominado por causa de
subir cerca de novJÜ T hefÓ1 embria8ado do velho Oeste), e então
lômetros em torno do V ^ metros atrav^s de uma trilha de seis qui-
à crista de Burgess A anC° n° roeste do monte W apta, até chegar
pode ser considerada aSCensao tem alguns trechos íngremes mas
dável, mesmo nara „ ,COmo pouco mais que uma caminhada agra-
excesso de peso e arnet seuj humilde servidor, fora de forma, com
de campo de maior v u lt^ ° &V'V6r ao mve^do mar. Um trabalho
transporte de suDrimrnt ° / ° de agora utüizar helicópteros para o
Ções do Serviço de T pva°? C° m° foi feito P°r ocasião das expedi-
de 1960, e do Museu Rm i am^nt0 Ueológico canadense, na década
Walcott teve que recorre de, ° ntário’ nas décadas de 1970 e 1980).
raria o trabalho de canrnc^ Ul-r° S de ?arga mas ninguém conside-
ticamente desafiador O n r T •' excessivamente cansativo ou logis-
encantadora descrição de ^ a^cott (1912) nos forneceu uma
rada de trabalho de campo e l ^ 05 durante a primeira tempo-
narrativa mistura tecnologia b um instantâneo verbal cuja
í » « pl„ rand; ™ ™ n , t u , . social antigas, com filhos
os espécimes no acampamento ^ ^ Uma esposa zel° sa arrumando
Acompanhado pelos meiK H .
ocaiizamos a faixa fossilífe° f fdhos>Sidney e Stuart [...] finalmente
j ,an 6 vários dias, transportam 6POlS d*sso>cavoucamos a pedreira
em h^ar Pela encosta da montanhaS°Sblocos até a trilha, fazendo-os
enmd"0S ^ Carga‘ U com a ^ V ^ mos pa™» acampamento
t o v t aParad° 6 emPacoTado ^ * a- Walcott- 0 foltolho foÍ
ia e Field, novecentos
iv /v c u e n t n ç m *1 ° depois levado ypara
iv»«+ a testação
ai a a a ia y M v
Um ano antes da Hp. / S mtros
metros abaixo.

coletas noUf^mleCn?logiaS c a e i g u a l ^ 8^ Shale>Walcott (1908)


um sítio paleontmi 6-10 d° tril°bito encantadora Para fazer
depois da nró • óglco com idade cr, Syg0psis’ no monte Stephen,
da Proxtma curva; ^ d u r á v e l à de Burgess, e logo
A melhor maneira de h ,

ta" " ^ p é c S e r t Cl rCa* ^ ^ t o s m e t fÓSSÜ” é subir a tri'


saco, amarrar o L mbrulhá-los firmement r°S acima da ferrovia, cole-
se °bter um bom i ° ^ SC*a e c°nduzir 0 r,~ C°m papel>colocá-los num
às 18h00. 0te ao cabo de um , b°ne' montanha abaixo. Pode-
O rom m l° n80dia de trabalho, das 6hOC
0 romance de Burgess teve ao
enos um efeito permanente
72
nomes °' ° ? .estudo futuro de seus fósseis — a atribuição de seus
seres v.Clentl^ cos- Os nomes gregos e latinos formais atribuídos aos
c°mo nV° S POC*em as vezes assumir formas notáveis ou melífluas,
donotus CaS° mCU ^avor*to >dado a um caracol fóssil — Pharki-
c*a). A Percar*natus (recite-o algumas vezes para sentir a pronún-
mum é !?ai0r*a das designações, porém, é seca e literal: o rato co-
a ütorin üttUS rattus rattus>° rinoceronte de dois chifres é Diceros;
litorân^3’ uma esPécie de molusco gastrópode que habita as águas
Os aS> 6 ^ ‘^ or*na littorea.
estranhon° n eS ^ ° S organ*srnos de Burgess, em contraste, têm sons
Sao mel rr 0r’gem Positivamente não-latina, eles algumas vezes
Quase i ° 10S0S’ como em Opabinia, embora em outros casos sejam
sheaia r ? f onunc*aveis. quer pela sucessão de vogais, como em Ay-
1110 ern 1 C ^ arao‘a’ quer por suas consoantes incomuns, co-
^f°ntanh lWaxm’ Takakkawia e Amiskwia. Walcott, que amava as
s°u os v 3' ^ ocdlosas canadenses e durante um quarto de século pas-
Picos e 1 r° eS acamPad° iá, batizou os seus fósseis com o nome de
lacionad^ 0'5 ^oca*s’* e^es mesmos derivados de termos indígenas re-
nifica “ ° S fS condiÇões meteorológicas e à topografia. Odaray sig-
P ^ tu o s o ^ f° rma de cone” : opabin é “ rochoso” ; wiwaxy, “ tem-

0R QVÊ: OS MEIOS DE PRESERVAÇÃO

numa ^ cot* encontrou quase todos os seus espécimes aproveitáveis


ra, que ?lada de f°lhelho com apenas 2,1 a 2,4 metros de espessu-
Uma ex C 6 C!}arnou de “ leito filópode” . (“ Filópode” , derivado de
antigo ^ ressao *atina que significa “ pés em forma de folhas” , é o
brânquj 0If 6 Um grupo de crustáceos marinhos com fileiras de
c°lheu ° ^ aceas num prolongamento de suas pernas. Walcott es-
° r8anism ^ nome em homenagem a Marrella, o mais comum dos
hrânquj ^ urgess> Citando as numerosas fileiras de delicadas
relia
e‘‘a Co
comS’ ^<* alcott icicuu-se
referiu-se em suas anoiaçoes
anotações ae
de campu
campo a iviui-
Mar-
ri°res a/ ° caran 8uejo rendado” . De acordo com estudos poste­
mos a r tr ' Qrre^ a nao ® nem caranguejo e nem filópode, e sim um
r°podes taxonomicamente singulares de Burgess Shale.)

(*) E h
íess, w-
®Ur8ess, i°ra n° s^cu*° x,x 0 Canadá tenha tido um governador-geral
Wai°ra j chama
®ess’ que fi d COtt
cn" °K.......
at*zou a formação comi esse
esse nome
nome por
por causa do desfiladeiro Bi
Cd entre a pedreira e a cidade de Field-

73
Nesse nivel os fósseis são encontrados ao longo de u ^ ju­
mento com menos de sessenta metros de comprimento, na
perfície da pedreira. Embora desde a época de Walcott ven ^ eS.
coletados fósseis de organismos de corpo mole em outr 0gncontroU'
tatigráficos e localidades da área, em nenhum outro lugar ^ grande
se algo que se aproximasse da diversidade do leito filopo original
maioria das espécies de Burgess é proveniente da cama ^ c0ln-
de Walcott. Com altura pouco maior que a de um hom urnape-
primento menor que o de um quarteirão! Quando digo q tgmica
dreira da Colúmbia Britânica abriga uma disparida e faiando
maior que a de todos os mares do mundo moderno, es rjqueza
de uma pequena pedreira. Como foi possível que taman
tivesse se acumulado num espaço tão diminuto? m0iexa área
Pesquisas recentes esclareceram a geologia desta co ^ ^ g u t o
e forneceram um cenário plausível para a formação ^ 4. e a
que preservou a fauna de Burgess (Aitken e Mcllrea » g urgess
discussão mais geral de Whittington, 1985b). Os animais ^ ^ j0n-
Shale provavelmente viveram sobre bancos de lama forma ^ rpajude
go da base de um paredão maciço e quase vertical, cham cajcárias
Catedral — um recife constituído basicamente por a g ^ g sses
(os corais formadores de recifes ainda não tinham evo qurnina-
hábitats de águas moderadamente rasas, âdcqua-damen^ c0in
das e bem aeradas, geralmente abrigam faunas marin as ^ ^ ftá-
alta diversidade. Burgess Shale preservou uma fauna n° r gispa-
bitats bem representados no registro fóssil. A extraor in^ a sjngu-
ridade dos designs anatômicos não pode ser atribuída a
laridade ecológica. f , . do aih'
É aqui que aparecem as dificuldades. O czxéísx tip ^ preser-
biente de Burgess deveria excluir qualquer possibilida e.^umjnação
vação de organismos de corpo mole. Embora uma boa 1 ^ n te
e aeração possa estimular o desenvolvimento de uma taun r£-
diversificada, essas mesmas condições também promov ^ ^ pro-
pida atuação de animais que se alimentam de cadáveres sejs ge
cessos de decomposição. Para serem preservados com° .„uln ou-
corpo mole esses animais tinham de ser removidos para aredes
tro lugar. Talvez os bancos de lama acumulados sobre a ^ eífí0-
do talude tenham se tornado espessos e instáveis. Pequen jmpeli-
res de terra poderiam ter provocado “ correntes lodosas agaj-
do nuvens de lama (contendo os organismos de Burgess) ta enteS
xo, as quais poderiam ter-se depositado em depressões a conten<jo
estagnadas e desprovidas de oxigênio. Uma vez que a lama c

74
OS organismos de Burgess tenha se depo ^ di£ culdades de
xieas, todos os fatores necessários par P &soluçãQ do nos.
preservação dos animais estarao present g ambiente
so Quebra-cabeças - deslocamento, de para um
em que a anatomia das partes mole" n ment0 num meio des­
locai onde poderia ocorrer o rápido um ponto de vis-
provido de oxigênio. (Veja Lud^ ’ t^ f de soterramento numa
ta alternativo que conserva a ldéia c® , mas e substitui o des-
depressão anóxica relativamente profu deoosição na base
lizamento de sedimentos talude abaixo por uma deposição
de uma rampa suavemente inclinada.) confirma a idéia de
A distribuição exata dos fosseis d t de iama loca-
que eles foram preservados graças a um deshzamento _ con_
lizado. Outras características dos fósseis nos de deterioração,
clusão: pouquíssimos espécimes apresentam ^ pista ou qual-
o que sugere um rápido soterramento; ne encontrado nos leitos
quer outro vestígio de atividade organica rreram e foram so-
de Burgess, indicando assim que os ammais foram fossi-
terrados pela lama tão logo chegaram ao &nossas esperan-
lizados. Visto que a natureza geralmen cjrCunstâncias que
Ças, agradeçamos por esta rara concatenaça egistr0 fóssil ge-
nos permitiu arrancar um grande segredo de um r g
ralmente pouco cooperativo.

QUEM, QUANDO: A HISTÓRIA DA DESCOBERTA


, grande trabalho de pes-
Como este livro é uma crônica de u convencional dos
quisa que modificou radicalmente a interpr ^ piano abstra­
íss e is de Burgess, eu achei bastante apr0ÍD,earne’nt0 desta narrati-
t°. e maravilhosamente simétrico, no enca descoberta seja tam-
va, que a história tradicional a respeito e s ^ revisão.
hém uma venerável lenda muito necessi a ^ podemos supor-
Somos animais contadores de hist ria ^ vjda coddiana (e
tar o reconhecimento da mediocridade e ^ vistos em re-
nté mesmo da maior parte dos acontecim destino ou a nossa
trospecto, parecem ter sido cruciais para o n ntecimentos reais co-
história pessoal). Assim, nós recontamos a aqueles pou-
mo histórias com mensagens morais, as qu dos temp0s de-
cos temas que os narradores vêm^cultivando at
vido à sua capacidade de instruir e d p

75
em P° rque ^ Ul graciosament ^ rgess ^hale tem um interesse pró-
ratjv„a estrutUra basicamente sf ^ tens®io para a resolução e inclui
lhn ç* .C° nvenc’°nal ■— cjesro, mp es c*°>s dos maiores temas da nar-
tóln IStemático que recebe sim felizes e inesperadas, e o traba-
convS° COnhece a história seia merecida recompensa. * Todo paleon-
com 6rSaS noturnas em torno h Cr™ 0 Uni elemento indispensável nas
i . ° Uma anedota contada 3 ogue*ra de um acampamento, seja
at° da versão tradicionai n t ” ° S CUrS° S intr°dutórios. O melhor re-
, e^Cr' to Por seu velho am -CSCf encontrado num obituário de Wal-
Schuchert, professor h lê°,e antig° assistente de pesquisa Char-
Uma das J s n PaIeont°logia em Yale:
P°rada de coleta d e ^ o t^ 0^!?35 de Walcott ocorreu no final da tem-
30 descer a trilha e virou ! ,^ a?d° ° caval° da sra- Walcott escorregou
e seu marido. Ali estava n™3 3Je qUe lmediatamente atraiu a atenção
nano Médio totalmenm T grande tes°uro — um crustáceo do Cam-
queiugar da montanha esconhecido — mas era preciso saber em
ara- A neve já havia com* V^ 3 rocha"mãe de onde aquela laje se sol-
e ser deixada para a nróviÇa 0 a ca’r e a resposta desta questão teve
P°rém, os Walcott estavam*^3 temP°rada de coleta. No ano seguinte,
cobrindo que a laje Drovínt, ®,vo^a 30 monte Wapta e acabaram des-
teriormente recebeu o nnm a ^ ™ 3 camada de folhelho — que pos-
metros acima da cidade h c- 6, ®urgess Shale — situada novecentos
Considere as nri . ^ Fldd (1928’ PP-283-84).
de sorte proporcionado^No ^ 3^ 6135^ 351 desta bistória — o golpe
grande descoberta feita L h eSCOrregao de um cavalo (fig. 2.5), a
de coleta (com a neve e a ° err3deiro in«ante de uma temporada
ensifícando ainda mais o h Undao tom ando conta do cenário e in-
m inverno de insatisfação ^ na^ ’ a angustiosa espera durante
íca e cuidadosa do veio de'r,° n u n ^ante retorno e a procura metó-
ccf Tt nao diz quanto tempo Jh** 3 havia se desprendido. Schu-
erta mas a maioria das v ~°U ° didrno ato dessa paciente des-
emana ou mais tentando l o ^ r 0^ a ^ rma que Walcott passou uma
Sidney, entregando-se a .em0 3 '23" aorigem daquela laje. Seu filho
eu (1971, p. 28); “ Fomos ln^ cencias sessenta anos depois, escre-
rar o leito de rochas do ai,a | U Ind° p d a encosta> tentando encon-
ma semana depois e cerra w desc°berta original se soltara,
víamos encontrado o lUga ” 23° metros acima percebemos que

76
.. uma de suas últimas
2.5. Walcott em seus setenta e tantos an0*’ í, °\ seu cavalo, o que nos faz recor
temporadas de coleta no Oeste. Ele está ao a
ClQt Q Ipnrln rln rfocnnhortíl íÍP. BUHíSSS Shü €•

. disso é verdade. Walcott, um


Uma história adorável, mas na caDítulo 4), com seus me-
grande administrador tradicionalista rve deixou um precioso
ticulosos hábitos de manter registros ass ’ dia em seu diário,
Presente aos historiadores. Ele nunca tecjmentos de 1909 com
de modo que podemos reconstituir os ac . Q fdssil de corpo mole
razoável precisão. Walcott encontrou o p Em suas anotações
-a crista de Burgess no dia 30 ou 31 de agosto. B
relativas ao dia 30 pode-se ler: , ue inclui „ que
Coletando na formação Stephen íUI^a ** ghale] durante todo o dia.
W alcott posteriormente chamou e a vertente ocidental da cris
Descobertos muitos fósseis interessan sjtua Burgess Shae].
ta, entre os montes Field e Wapta [ l o c a l a s s i s t e n t e e fllho]
Helena, Helen, Arthur e Stuart i6h00.
chegaram com o restante do equipa descoberto um rico
No dia seguinte eles obviamente haviam mole. Os rápidos
agrupamento de fósseis de organismos g possível identifi-
esboços de Walcott (fig. 2.6) são tão c•a cima, à esquerda), um
car os três gêneros lá descritos: Marre a ^ direita); e o sin-
dos artrópodes inclassificáveis; Waptia t ’ Walcott escreveu:
guiar trilobito Naraoia (mais abaixo, a es

77
‘Coletando fósseis c
tn o s m ^ u 8 Um extraordinárir>na ° Stuart na formação Stephen. En-
P born número de e x c e l J P 0 de Crustaceos filópodes. Leva-
dente rp U,anto a° cavalo escorr” 6S espécimes Para o acampamento” .
to n a,mente ocorreu ? gando e a neve caindo? Se esse inci-
no S T SUa íam «ia subin ^ t6r 56 Passad0 *> dia 30 de ag0S"
Passar 3 ta rd e - E le s p odería & encof ta Para encontrar-se com ele
ra enr &n° lte no acampamenf01 tCr VIrado a ,aje ao descerem para
Esta ° ntrar 1°s espécimes oue W r,etornando na manhã seguinte pa-
escrev^C° nStÍtUÍÇao encontra ai 3 COtt esboçou no dia 31 de agosto,
ran&i -U Para ^ arr (Que ele ri apoi° numa carta que Walcott
ejo rendado” de Á//?/- / f ? 1S homenagearia batizando o “ ca-
Quando estávamos * * ° UtUbr° de I909:
tramos uma iaje trazida n n r ^ mater'al do Cambriano Médio encon-
ce° filópode num canto n T j ava,anche, a qual exibia um belo crus-
3r 1 °- Eu e a sra. W. trabalhamos na laje
"'en- t uks. . ....- ............. _
Wea. T........
uur.. „»Sep t . , 1909 Ther.
• A.
'■'iV a / /Ct-rv eu?— - i i • tsL J z.
1 1Á . 0J* $
(L*oJL<UcA^ /rA
j

Wca.
Wea. F hiday
rijjav 3 Ther,
I
^ y r f u L r j
* L* (rcistAi.
'Íí ^

. OUi
1 CsL
-hs-~~.jr

Trcs<J-í /ÇyUL»^C tsy*


• o '

^depois ^ o S u o ^ ° reSpei'° de como se deu a deS


mUÜU a ^ e ta r com ° Z ™ gêneros * « « 31 de ago
dE ex"° Por mais uma semana.

78
, . ipvamos de volta a melhor cole-
das oito da manhã às seis da tar oportunidade de ver.
ção de crustáceos filópodes que j anterior transforma-
A transformação é sutil. Uma a va rececje um dia feliz no cam-
se numa nevasca presente, e a noite qu js(^r;0 de toda uma tem­
po transforma-se no fim apressado e c tante> a temporada de
porada de coleta. Todavia, muito mai descobertas dos dias 30
coleta de Walcott não se encerrou co at£ 0 dia 7 de setem-
e 31. O grupo continuou na crista e ta e coietou com avi-
bro. Walcott estava excitado com sua embora Walcott tivesse
dez nos dias subseqüentes. Além o \ ó icas em todos os dias,
anotado assiduamente as condições m .^Q neve. Sua ditosa
seu diário não traz uma só palavra a vjalureza. No dia 1- de se
semana colheu apenas louvores a ,, ^
tembro ele escreveu: “ Lindos ias Walcott localizou a
Por fim, tenho uma forte s u s ^ a semana da temporada de
origem do bloco perdido naquela u dQ afloramento, se nao
coleta de 1909 - pelo menos a área br0> um dia após ter dese-
o próprio leito filópode. Em 1 ? de s «continuamos co e an
nhado os três artrópodes, Walcott es esponjas numa escarpa i
do. Encontrado um magnífico grupo Q original]” - Em o
situ) [isto é, não perturbado e em su P m também ser en-
as esponjas, que têm algumas par es ^ se acham Pres^rva
contradas fora das camadas mais ri espécimes vêm do e
os organismos de corpo mole, os me_üentes ele achou muitos < e®P,
filópode. Em cada um dos dias su s aparentam ser o r
cimes de corpo mole, e suas descnço ^ aqui e ali- No ia
um homem encontrando um bloco rarapaça de um ostraco o
setembro ele descobriu que a sup0S filópode: “ Traba a
nha na verdade abrigado o corpo nas proximidades a
no alto da encosta enquanto Helen c carapaça semelhan
lha. Descobri que o que eu acha^ ? ocje’’. A pedreira de a
de Leperditia é o abrigo de um soitos teriam desliza
fica “ no alto da encosta” enquan o
do até a trilha. , . !nda mais bem-sucedido: b -
Em 3 de setembro Walcott foi amda m # recolhidas dlversas
contrado um belo lote de crustace0S f^ mento” • D® q u d q u *
lajes para serem fragmentadas no a uma jornada mteg ^
neira, eleno
trabalho continuou
dia 7 de asetembro,
coletar eocultimo daquela
daq têmpora a.

79
r

bida aos leitos fósseis em


m°s fora das 7h00 às de Stuart e do sr. Rutter. Fica-
to temporada de 1909” ^ osso último dia de acampamento Pe"
Se eu estiver
1909>então a segunda qUanto a descoberta do leito principal em
de paciente procura e da bistória tradicional — uma semana
perdido deve ser 'io!** > at^ ser encontrada a origem do bloco
relativa a 1910 c o n fim ^ mente ^ sa- A parte do diário de Walcott
too, não se agüentand Ü eSta miaha interpretação. No dia 10 de ju-
Pamento, no desfi]ade° enlmPacicncia, ele subiu até o local de acam-
uma camada de neve h ° UrgCSS’ mas enc°ntrou a área coberta por
escavação. P Gr fim e e™as’ado profunda para permitir qualquer
P° se estabelecera ‘‘n m de ^uIIlC)> Walcott escreveu que seu gru-
desfiladeiro B u r g e s s ^ 0Ca^ do acamPamento de 1909, no
monte Field e coletar *■ de Íutoo eles escalaram o vizinho
Primeira tentativa nara™ fosseis> Walcott conta que eles fizeram a
to: “ Todos coletando ma^ear os |f*tos de Burgess no dia 1 ? de agos-
a chuva e o vento frio ^ V)rmação Burgess até as 16h00, quando
Medida a seção da fo ^ í.orçaram a voltar para o acampamento.
Sidney comigo Stuart Ç3° Burgess — 125 metros de espessura,
ninharias no acamnam’ c° nJ,sua mae e Helen, perdendo tempo com
seção” significa í r L ^ 0 ..'N ojargão dos geólogos, “ medir uma
tipos de rochas e fóssei&Se<5|ü^nc*a vertical das camadas e anotar os
gem de um bloco aue t * encontrados- Caso quisesse encontrar a ori-
cê mediria a seção da 1VCSSe se s°ltado e rolado encosta abaixo, vo-
Que tivesse maior acima, tentando encontrar a camada
P ® o q J c h a r l « “t ? ade * corresPOnder ao seu bloco,
de logo neste primeiro d' 1 ney Wâlcott localizaram o leito filópo-
t°, Walcott escreveu- <‘r a ’iP° 'S na anotaÇão seguinte, de 2 de agos-
contramos um excelentei ° letai^do com Helen, Stuart e Sidney. En-
de organismos” “Ca ° e caranguejos rendados’ e vários restos
_Walco„ ,eferia.se , .« * a expressão pela qual
Pode. Se quisermos conT^t ° Pr*ncipal organismo do leito filó-
tradicional e a r e u m ^ ., ^ todo ° benefício da dúvida à história
dia 2 de agosto foram rpt^°w^Ue esses Caranguejos rendados” do
Poderemos admitir aue í™ r de„b,°cos soltos, mesmo assim não
nndo uma semana de t r a ^ m ^ 30 do leit0 Principal tenha consu-
em 4 de agosto W airwt ° dur°, já que apenas dois dias depois,
dade de crustáceos f iló n ^ n ^ j611' <<fíeien retirou uma boa quanti-
A história tradicional T ^ Camada ‘caranguejo rendado’ ” ■
fatos narrados no diária t 31S romantica e estimulante, mas os
10 fazem mais sentido. A trilha fica apenas

80
Burgess a S C C ntenas d c m e tro s a b a ix o d o s le ito s principais de
Encontrar enC0Sta e reta e íngreme, com os estratos bem à vista.
do um sra í\ ° ngem de um b,oco que se tivesse soltado não teria si-
Iogo __ n 6 prob,ema, pois Walcott não era apenas um bom geó-
ciPais enHQno grande geólogo- E,e deve ter localizado os leitos prin-
fósseis d ^ 113 semana seSuinte à sua primeira descoberta de
a pedre ' 6 ° rganismos de corpo mole. Não lhe foi possível cavoucar
tenipo ^ 601 1909 ~ a única limitação imposta pela escassez de
mente 0135 e^e encontrou muitos fósseis excelentes e, provavel-
°ndeir ° S prdp” os leit°s principais. Em 1910 ele sabia exatamente
começou a cavoucar no lugar certo logo que a neve derreteu.
trabalha COtt P° s' se a cavoucar no leito filópode de Burgess Shale e
Cargas d U C° m martei°s> cinzéis, longas barras de ferro e pequenas
e p exPÍ°SIVo durante um mês ou mais todos os anos entre 1910
qUjnz d - m *9^> aos ^7 anos, ele voltou para um período final de
ra Wash'3S ccdcta’ todo ele levou cerca de 8 mil espécimes pa-
maior !ngí ° n’ Ei-C., onde eles ainda se encontram — as jóias da
rja jq eçao úe fósseis de nosso país, no Museu Nacional de Histó-
^ u r a j do Instituto Smithsoniano.
OA.., cott coletou com empenho e meticulosidade. Ele amava o
este e encarava
encaro„„ tais
*„.•_____ - como uma. fuga
excursões ________
necessária das ten-
sões de
f ° r ^ e seus encargos administrativos em Washington, e como uma
grande' Preservar sua saúde mental. De volta ao comando de seu
trar s Império administrativo, porém, ele jamais conseguiu encon-
nar, D 9” er urna Pequena parcela do tempo necessário para exami-
nalnle°,n Crar’ ruminar, reexaminar, preocupar-se, reconsiderar e, fi-
desses C’ Publicar os elementos essenciais de um estudo adequado
üm i C° mp,exos e preciosos fósseis. (O significado deste fracasso será
^Portante tema do capítulo 4.)
Cou d ? « . Cheg0u a Publicar diversos trabalhos, que ele qualifi-
grande pre,iminares” , com descrições dos fósseis de Burgess — em
n0nij 6 Parte para exercer seu tradicional direito de outorgar as de-
trabai|,aÇOes taxonômicas formais às suas descobertas. Quatro desses
°Prim ° S f° ram publicados em 1911 e 1912 (veja a Bibliografia) —
Iacio ^ ro sobre artrópodes que ele (incorretamente) considerava re-
c]llSa ,la 0s aos límulos, o segundo a respeito de equinodermos e me-
aCercS odos Provavelmente colocados em filos errados), o terceiro
Ele ^ vermes e ° quarto e mais extenso tratando dos artrópodes.
rios d R ÍS V° It0U a pubIicar um grande trabalho sobre os metazoá-
lobit C BlIrgess- (Um artigo de 1918 a respeito dos apêndices dos tri-
s aseou-se em grande parte no material de Burgess. Seu traba-

81
Iho de J 9 J 9 e SUa
tCSy 0ní as de Burgess resDect^ ^ 192° ’ 3 respeito das al8as e daS
taxonômicos e não t o c a m t,V3mente’ ‘ratam de diferentes grupos
s raçados anatômicos questao contrai da disparidade entre
° ,re ac!onadas aos outrn anirna's celomados. As esponjas não es-
d0 ^ forma independem' amniais e é pr°vável que tenham surgi-
coad'° de descrições a d ic i ô n ^ lT de ancestrais unicelulares. O com-
60tt’ ÍQi compilado^ aoó, ° 6 1931 ’ publicado em nomede Wal'
sser. a partir de anotarn m° rte deste por seu colega Charles E.
1 atrever e publicar ) CS qUe ^ a^cott nunca encontrou tempo

a ? Í dade Ffarvard, le v o u ^ r ^ ’ pro^essor de paleontologia na Uni-


elha pedreira de Walcno eÍ alunos ao sítio de Burgess e reabriu
outra pedreira, bem menor Também iniciou a exploração de uma
J°s acima de onde Wai* nUm novo s,tio localizado apenas vinte
ncontrado apenas umas nCOtt extraira seus fósseis. Apesar de ter
ma excelente coleção ain^UCaS espécies novas, Raymond reuniu
Foram esses esnécim! que modesta.
com uma pequena contribuir ~ c° letados essencialmente por Walcott,
a todos os estudos sobre Raym >"d - Que serviram de base
,q pre®ndlda por Whittinpfr.rgSSS Shale realizados antes da revisão
• Em virtude da enormr” 6 seusc°legas, no final da década de
pesquisas de que foram o h 1laiportância desses fósseis, o número
0 esto, além do que nenh. ^ ü P° de ser cons'derado relativamente
de u / 7 interPretação
deu/™? ucrPretação suhsia,w
substaü” ' ^, trabalhos
“ UcUnos chegou
cnegou sequer a suge-
si
* Wal“alcott,
«. segundo „ ua n 13 mente
* ê u „ d o oo ema! menK diferente
dife™ « do d° ponto
P ° « ° de
<“ visi
™ ‘a
„ S Ser
Ser acomnHrs^»-
ac°modados d.e n fr OS S°0 rganÍSm 0 S de
rganismos Rumwe poderíam
de Burgess rvr-v/Wiam to-
to
Lembro ° S m° dern° " "'mÍtes taxonômicos dos bem

mea^ 3 e*tudante de pós-M alfaJ^11161™ VÍSÍta a Burêess Shale, duan'


descre°S da década de 1960 P er^h-™ Universidade Columbia, em
nun 6 .eraaque,es Preciosos f n / bl qU3° suPerficialmente Walcott
total r i aVÍ3 SÍdo reestudada aSÍ"!S e descobri <jue a maior parte deles
nistr r ta de apddão ou de vn ! de tomar consciência da minha
tí uíd CUsonhara em reUn Para ,Ídar Com questões admi'
nos fu Pe*°S pr^ncipais taxonn lr Uma comissão internacional cons-
^ ^ a o m a k ) reSentadOS em SetÍVessem especializado
decano h esPecialista do m i ! ' A guir eu entregaria Amis-
Mar P kS especia,|stas em onie -f ° em cluetógnatos, Aysheaia ao
do à rr™ ° Fa nenfluma dessas ai° ° r°~S CEldonia ao sr. Pepino-do-
Vlsa° subsequente mpi ° Caçdes taxonômicas tenha resisti-
> meu sonho certamente reflete o ponto
82
V

de vista tradicional propagado por ^ a^ ° V , Burgess poderíam


testado - o de que os excêntricos organismos de
ser acomodados dentro dos grupos mo com a intenção deli-
Visto que não podemos nos a n ç a r ^ inspirou nossa ra-
berada de encontrar o inesperado, de Levantamento Oeo-
dical revisão teve raízes modestas. e . nrograma de mapea-
lógico do Canadá, no decorrer de um g ntanhas Rochosas e
mento, estava trabalhando no su as da década de 1960.
Alberta e da Colúmbia Britânica, em m1 mente a um reexame
Esse esforço amplo levou quase q u e ine . 0iógic0 da região. Nm-
de Burgess Shale, o mais famoso sitio pa rande novidade,
guém, entretanto, esperava encontrar .jogo-chefe porque era
Harry Whittington foi indicado para pa artrópodes fósseis — e
um dos maiores especialistas mun íais , QS organismos de Bur
todo mundo pensava que a maioria os e
gess pertencia a este grande filo. . ca chefiava o Serviço
Meu amigo Digby McLaren, que." . . jnstigador do reexame
de Levantamento Geológico e foi o pnncd? dg l9gg que ele ha-
dos fósseis de Burgess, contou-me em1 1 iustificadas) essencial-
via estimulado o projeto por razoes ( reensão a respeito e
mente chauvinistas, e não por uma cia ^ norte-americano,
possíveis recompensas intelectuais. a .„ ranadenses e levado to o
havia en con trad o os m ais fam o so s ossei , nses nao possuíam
o butim para W ash ington . M uitos museu ic0 quC) p o r direito,
um ú nico espécim e do p atrim ôn io pa e ger jss0 um a ‘ vergo
deveria lhes pertencer. M cL aren, ahrm enas em parte 3oCOsas^
nha n acion al” , p rop ôs (em suas pa avr
“ o repatriamento de Burgess Sha e ■ g jçg'7, um grupo
Durante seis semanas, nos verões r iarry Whittington e
dez a quinze cientistas, sob a lidertmça d£ ^/alcott e de Ray-
geólogo J. D. Aitken, trabalhou n_as lcott em cerca de qum
mond. Eles ampliaram a escavaçao de xiinadamente setece
metros em direção ao norte e extraíra v /alcott e dezessete
tos metros cúbicos de rochas da pe rei p0f helicópteros
de Raymond. Além de substituírem o de nã0 confundir
de usarem cargas explosivas mais raca fossilíferos a uma
informações estratigráficas atiran 0 os de impedir sua
tância demasiado grande de suas f o n w a P ^ trabalharam de for­
reta identificação), essas expedições » invença0 desde a p
ma muito semelhante à de Walcott'.^hinjngton ( 1985b, P- 2 ^
ca de Walcott, conforme observa

83
mo de 1929 e
esPonjas de R u r? monografia de J 9?n
^ o n ô m ic o , eU3 ess>^ sp ec tiv a m en te , 3 reSpeito das aJgas e daS
0S traçadoSanaf a0.t0cani na qiIesf* ’ tratam de diferentes grupos
tão relacionar) ° m,cos dos animais re iCCníral da disParidade entre
do de forma in T 3° S ° utros animais e ° mados- As esponjas não es-
Pêndio de des dependente, a part • . e Provável que tenham surgí-
Cott>foi cornai 906'5 adlc,°nais de JQ anccstrais uniceluiares. O com-
Pesser
Res.ser a na fPi ado após aPós aa m
morte
orfV w ^’’PubJicado
pubIicacio em
em nome
nome de
de Wa
Wal-
Para -vr è erP:
v J e rl "t !^ "anotaÇões
° ta^ S que
due w T P° f SCU C0,ega “CharJeS *£
Em J930P ,ÍCar-> ° £t nUnCa enCOntrOU temP<

dC pa,eontoI° gia na U ni-


° utra pedre[eiraude Wa,c°tt. T a m Z 30 Slti° de Burgess e reabriu
metros acim a,!,bem menor, num nn™ IniCiou a exploração de uma
encontrado 3 de ° nde Walcott evt V'° Sltio ,ocalízado apenas vinte
uma excele apenas umas poucas e ^ — S6US fósseis- Apesar de ter

eom F° ram QUe ^ t a nOVaS’ ^


a todoTosPeq.Uenacontribuiçã0CdeeR dOSessenciaJm entepor WaJoott,
empreendidaS Ud° S Sobre Burgess que serviram de base
1960. Em v' fP° r ^ d t i n g t o n e se. e reaiiz ad os an tes da revisão
de Pesquisada Ude da en orm e im nn ?„CO eg a s> n o fin al da década de
moPd ~ QUe foram S Pn ° :anCÍa desses o núm ero
rir uma im e em d° qUe nenhum dos°f CuCr considerado relaíivamente
de W alcott rP ,e£ação ^ b s ta n c ia ,m e r? baí,,10S ch egou sequer a suge"
d° s ser acn egUndo 0 qual os ort?a ” C d,ferente do p o n to de vista
su cedid os fiio s°dad° S dentro d os íj!!1? 05 de B urgess Poderíam to-
Lem J dmeni0dern0S- * taXOnômicos dos bem'

m e a d o s ^ a 31112 de P ^ - S r a d u a c a Z ^ / 1^ 3 3 Burgess sha,e>duan'


deserevera dfCada de ^ 60. j f e 1» d iv ersid a d e Columbia, em
nunca h a v i Z Z preci°sos fósseis e T ' ™ SUperfic'almente Walcott
total falta de L?-w~eStUdada- Antes d e f ^ QUe 3 m aiorparte ddeS
nistrativas e„ P ldao ou de vontade ° mar conscjencia da minha
titu/da peióc S° nbara em reunir P3r3 bdar com questões admi-
nos « C o m i2 a lnIernacional cons-
ao maior e!nta^ 0S em Burgess A *16 se.tlvessem especializado
decano dos esne PCjCla,Is!a do mundo SeêUir eu entregaria Amis-
M ar- Embora nenhu ' 135 Cm 0 ninóforos'e ?tÓgnatos’ ao
do a revisã0 suhs ma dessas alocacõe f donif ao sr. Pepino-do-
eqúente, meu sonh S taxonômicas tenha resisti-
° ceríamente reflete o ponto
«2
,■ r Walcott e até então nunca con­
de vista tradicional propagado por Burgess poderíam
testado - o de que os excêntricos o r g a n u » * ^
ser acomodados dentro dos grupos mo e a intenção deli-
Visto que não podemos nos lanJar a ue inspirou nossa ra-
berada de encontrar o inesperado, o ^ Levantamento Geo-
dical revisão teve raízes modestas. O ervi , pr0grama de mapea-
lógico do Canadá, no decorrer de um gt Montanhas Rochosas de
mento, estava trabalhando no su as ^a j ^ d a de 1960.
Alberta e da Colúmbia Britânica, em ^ jmente a um reexame
Esse esforço amplo levou quase que ine fOiógico da região. Nin-
de Burgess Shale, o mais famoso sítio pa ma grande novidade,
guém, entretanto, esperava encontrar hefe porque era
Harry Whittington foi indicado para pa artr 5 podes fósseis — e
um dos maiores especialistas mundiais s organismos de Bur-
todo mundo pensava que a maioria dos es
gess pertencia a este grande filo. , oca chefiava o Serviço
Meu amigo Digby McLaren, que n |nstigador do reexame
de Levantamento Geológico e foi o Pnac _ • Q 1988 que ele ha-
dos fósseis de Burgess, contou-me em e iustificadas) essencial-
via estimulado 0 projeto por razões (m J ensa0 a respeito de
mente chauvinistas, e não por uma c‘ara um norte-americano,
possíveis recompensas intelectuais. a ’ adenses e levado to 0
havia encontrado os mais famosos f ssei >enses não possuíam
0 butim para Washington. Muitos museu a que> por direito,
um único espécime do patrimônio pa eo ^ jSSo uma vergo
deveria lhes pertencer. McLaren, a irma nas em Parte j° cosas'
uha nacional” , propôs (em suas palavra
“ o repatriamento de Burgess Shale • e 1967, um grupo e
Durante seis semanas, nos veiões whittington e o
dez a quinze cientistas, sob a liderança ^ Walcott e de Ray
geólogo J. D. Aitken, trabalhou nas Pe tt em cerca de quinze
mond. Eles ampliaram a escavaçao de imadamente setecen-
metros em direção ao norte e extraíram ^ aicott e dezessete a
tos metros cúbicos de rochas da pedreir por helicópteros e
de Raymond. Além de substituírem os ^ n_0 confun ir as
de usarem cargas explosivas mais traças fossilíferos a uma is
informações estratigráficas atirando os ^e impedir sua coi
tância demasiado grande de suas fontesa trabalharam de or
teta identificação), essas expedições mo ;nvenção desde a epo
ma muito semelhante à de Walcott. * . (1985b, P- 20). 01
ca de Walcott, conforme observa Whitt

83
ara etiquetat
a caneta com ponta de feltro — uma dádiva celeste p
cada rocha imediatamente após a coleta. em j 975 u1113
Des Collins, do Museu Real de Ontário, organizo^ fragmen'
expedição para coletar fósseis nas vertentes forma as_^ ^ teve per-
tos de rochas em torno de ambas as pedreiras. E e n . s pr0pria'
missão para dinamitar ou efetuar escavações nas Pe ^ te ri3
mente ditas, mas mesmo assim seu grupo encontrou extra°r'
precioso. (Burgess Shale é tão rico que algumas noV1ontes de entu'
dinárias talvez ainda possam ser encontradas nos m c;rcunja'
lho de Walcott.) Em 1981 e 1982 Collins explorou as ^ fósseis
centes e encontrou mais de uma dúzia de novos si 1
de organismos de corpo mole em rochas de idades ap oXjme de
te equivalentes. Embora nenhum desses novos sítios s ^ de n°'
Burgess em riqueza, Collins fez algumas descobertas 0
ta, incluindo Sanctacaris, o primeiro artrópode qu ente de 1°'
leito filópode de Walcott foi produzido quando uma ^ f0S desh'
do provocou um deslizamento de lama, então mui o ^pQca e ou'
zamentos devem ter ocorrido mais ou menos na mes ^ escreV°
tros Lagerstatten devem existir em abundância, nq ^ Mon'
este livro, no verão de 1988, Des Collins está em cavn‘ ’ paleont°'
tanhas Rochosas canadenses, à procura de novos si
lógicos. tanto inceS"
A comunidade dos paleontólogos é pequena e u _ c0ino n01
tuosa. Burgess Shale sempre pairou acima do meu mU RaY'
colosso. Bill Schevill, o último sobrevivente da expe ^ autoti'
mond em 1930 e que mais tarde veio a se tornar uma g para ufl1
dade em baleias, passa de vez em quando em min a s njj0 Ay~
bate-papo. G. Evelyn Hutchinson, que descreveu o ^ aSjcamente
sheaia e o igualmente enigmático Opabinia, em 19 ^ tornoU-se
acertando, num caso, e errando, no outro), e que eP , regalou'
o maior ecologista do mundo e meu próprio guru inte ec ^ fósseis
me com histórias sobre sua incursão no peculiar munR° VIti0nd está
quando era um jovem zoólogo. A coleção de Percy a ^ esJTl0 en-
em dois grandes armários bem diante da minha sala. u ^ ^ j f arry
trei em Harvard como uma espécie de substituto Jaruo_^ eGiogia
Whittington, que havia acabado de assumir a cáte ra ^ gui­
na Universidade de Cambridge (onde estudou os organis Mes-
gess ao longo de vinte anos graças à ponte aérea transocea toinia
mo não sendo uma autoridade em rochas antigas ou em ,prata.
de artrópodes, não pude escapar ao fascínio de Burgess « sSional
se de um ícone e de um símbolo da minha especialidade Pro

84
e escrevi este livro para apresentar meus cump nsegueni inspi-
débito intelectual pela excitação que tais cria u entQ Quasí-
rar numa profissão que poderia reinterpretar <<oh! Por
modo como uma súplica otimista em prol ^a ra
que não fui feito de pedras como estas!” .

! i

85
3
A RECONSTRUÇÃO
DE BURGESS SHALE
Rumo a uma nova concepção da vida

UMA REVOLUÇÃO SILENCIO SA

Algumas transformações são patentes e heróicas; outras se de­


senrolam de forma tranqüila e silenciosa mas produzem resultados
não menos significativos. Karl Marx, numa frase famosa, compa­
rou sua revolução social a uma velha toupeira escavando com dili­
gência abaixo do nível do solo, invisível durante um longo tempo
mas solapando tão completamente a ordem tradicional que seu pos­
terior aparecimento à superfície precipita uma súbita e radical trans­
formação. As modificações intelectuais, no entanto, muitas vezes
permanecem abaixo da superfície. Elas vão se incorporando lenta­
mente à consciência científica e pode acontecer que as pessoas aos
poucos se desloquem de um pólo ao outro sem nunca terem ouvido
o chamado às armas. Embora a nova interpretação dos fósseis de
Burgess Shale esteja entre as transformações mais invisíveis por duas
razões fundamentais, sua capacidade de alterar nossa concepção da
vida não pode ser igualada por nenhuma outra descoberta paleon-
tológica.
Em primeiro lugar, a revisão de Burgess é um intenso drama
intelectual — e não a história de uma luta pessoal entre cientistas
rivais disputando o ouro do Nobel ou a narrativa jactanciosa de uma
descoberta de campo. A nova concepção foi apresentada aos pou­
cos hesitantemente, no início, mas depois de modo mais confiante
— numa série de monografias anatômicas e taxonômicas, extensas
e altamente técnicas, publicadas em sua maioria no Philosophical
'fransactions o f The Royal Society, o mais antigo periódico cientí­
fico em língua inglesa (remontando à década de 1660) mas que, qua-

8 6
se certamente, não poderá ser encontrado na banca de jornal da es­
quina ou mesmo na biblioteca pública de sua cidade. Além disso,
ele não está entre as publicações esquadrinhadas pelos jornalistas
responsáveis pela seleção da diminuta parcela da atividade científi­
ca que chega ao conhecimento do público em geral.
Segundo, todas as concepções convencionais da descoberta cien­
tífica foram violadas pela revisão de Burgess Shale. Todas as lendas
românticas acerca do trabalho de campo e todos os mitos tecnocrá-
ticos a respeito de procedimentos inovadores baseados em equipa­
mentos modernos foram destruídos ou, simplesmente, ignorados.
O mito do trabalho de campo, por exemplo, apregoa que as
grandes alterações nas idéias surgem a partir de novas descobertas.
No fim da trilha, após semanas de sangue, suor, trabalho duro e
lágrimas, o intrépido cientista fende uma rocha de um local inaces­
sível, perdido no mapa, e grita “ Eureca!” ao examinar o fóssil que
irá abalar o mundo. Como a revisão de Burgess foi precedida por
duas temporadas de coleta, em 1966 e 1967, a maior parte das pes­
soas poderia supor que a reinterpretação foi estimulada por estas
descobertas. Bem, Whittington e seu pessoal realmente encontraram
alguns espécimes maravilhosos e umas poucas espécies novas, mas
o velho Walcott, um colecionador compulsivo, tinha chegado lá pri­
meiro e trabalhara durante cinco temporadas completas. Foi ele, por­
tanto, que achou os melhores espécimes. As expedições de 1966 e
1967 efetivamente serviram de estímulo a Whittington mas as me­
lhores descobertas foram feitas nas gavetas de museu em Washing­
ton — através de um reexame dos bem conservados espécimes de
Walcott. A maior parte do “ trabalho de campo” , como iremos ver,
foi feita em Washington, na primavera de 1973, quando Conway
Morris, o brilhante e eclético aluno de Whittington, efetuou uma
busca sistemática em todas as gavetas que continham os espécimes
de Walcott, procurando deliberadamente os mais extravagantes, pois
ele já havia captado o germe da idéia central relativa à disparidade
dos organismos de Burgess.
O mito do laboratório recorre à mesma concepção equivoca­
da, agora transferida para um recinto fechado — a de que as novas
idéias surgem somente a partir de descobertas originais. Segundo
esta “ mentalidade desbravadora” , só podemos avançar “ vendo o
que nunca foi visto” através do desenvolvimento de algum método
novo para discernir o que, em princípio, antes não poderia ser per­
cebido. O progresso, portanto, exigiria o desenvolvimento de novas
tecnologias e o aprimoramento de equipamentos caros e com­

87
plexos. As inovações estariam inextricavelmente associadas a quilô­
metros de tubos de ensaio, m ontanhas de computadores, milhares
de cálculos, centrífugas em ação e equipes de pesquisa grandes e dis­
pendiosas. Embora talvez tenhamos percorrido um longo caminho
desde aqueles maravilhosos cenários art déco dos antigos filmes de
terror em que o barão Frankenstein utilizava a força de um raio pa­
ra dar vida a seus monstros, a verdade é que as luzes intermitentes,
as fileiras de botões e os ponteiros rodopiantes desse empreendimento
traduziram concisamente um mito que desde então só tez crescer.
A revisão de Burgess certamente exigiu um conjunto limitado
de métodos altamente especializados, mas as ferramentas desta tec­
nologia específica não vão além de microscópios, máquinas foto­
gráficas e brocas de dentista comuns. Por não ter usado estes méto­
dos, Walcott deixou de fazer algumas observações cruciais — mas
o fato é que ele poderia ter empregado todas as técnicas de Whit-
tington se alguma vez tivesse encontrado tempo para refletir melhor
acerca de suas descobertas e chegasse a reconhecer o quanto eram
importantes. Tudo o que Whittington fez no sentido de enxergar me­
lhor e mais longe poderia ter sido feito nos tempos de Walcott.
Ainda que a verdadeira história de Burgess possa retratar a ciên­
cia tal como ela é praticada, esta verdade básica não torna mais fá­
cil minha tarefa. A mitologia tem sua utilidade própria como uma
poderosa auxiliar da narrativa. Não obstante, após considerar di­
versas formas possíveis de redação, finalmente concluí que havia ape­
nas uma maneira de apresentar estas informações. Embora desti­
tuída de esplendor e ostentação, a revisão de Burgess Shale é um
dram a — e a melhor forma de narrar um drama é obedecendo à
ordem cronológica dos acontecimentos. Assim, esse capítulo, a pe­
ça central deste livro, vai se desenvolver na forma de uma narrativa
na seqüência temporal correta (precedida por uma introdução so­
bre os métodos de estudo e seguida por uma discussão a respeito
de suas implicações mais amplas).
Mas como estabelecer a cronologia? O método óbvio de sim­
plesmente pedir aos principais personagens que relatem suas remi-
niscências não basta. Eu fiz a minha parte em relação a isto, que
não reste dúvida. Visitei-os a todos, papel e lápis na mão. A tarefa
fez com que me sentisse um tanto tolo, pois conhecia bem aqueles
homens e havíamos passado quase duas décadas conversando sobre
Burgess Shale em meio a copos de cerveja e xícaras de café.
Além do mais, a pior fonte possível para se saber o que Harry

88
Whittington pensava em 1971, quando publicou sua primeira mo­
nografia sobre Marrella, é Harry Whittington em 1988. Como se
pode remover toda uma estrutura posterior de pensamento para se
recuperar um estado mental embrionário não afetado pelas conten­
das intelectuais diárias dos quase vinte anos subseqüentes? Vista em
retrospecto a cronologia dos acontecimentos nos parece confusa. Isto
acontece porque organizamos nossos pensamentos numa ordem ló­
gica ou psicológica que faz sentido para nós, e não numa seqüência
cronológica.*
Eu chamo a isto o fenômeno do “ meu Deus, como você cres­
ceu” . Nenhum comentário de parente é mais universalmente detes­
tado pelas crianças. Mas os parentes estão certos; como faz muito
tempo que não aparecem para uma visita, eles conseguem recordar-
se com precisão daquele último encontro ocorrido vários anos atrás,
ao passo que a criança vê seu passado de forma indistinta através
de todos os acontecimentos intermediários. Freud certa vez disse que
a mente humana assemelha-se a uma Roma psíquica ao transgredir
a lei física de que dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar
no espaço ao mesmo tempo. Nenhum edifício é demolido e estrutu­
ras do tempo de Rômulo e Remo juntam-se à Capela Sistina restau­
rada, numa confusa mixórdia em que a trattoria local acaba empi­
lhada sobre uma das termas. O restabelecimento da ordem tempo­
ral requer o concurso de documentos da época.
Assim, trabalhei basicamente com material publicado'. Meu pro­
cedimento era a própria encarnação da simplicidade. Li as mono­
grafias técnicas segundo uma ordem estritamente cronológica,
concentrando-me nos trabalhos originais de descrição anatômica,
não nos poucos artigos interpretativos derivados dos primeiros. Tal­
vez eu seja um péssimo repórter mas pelo menos posso fazer o que
nenhum jornalista ou “ divulgador científico” jamais poderia ou con­
seguida fazer. Os homens responsáveis pela revisão de Burgess Shale
são meus colegas, não o meu tema. Seus escritos são a minha litera­
tura e não documentos distantes de um outro mundo. Li mais de
mil páginas de descrições anatômicas apreciando cada palavra —
bem, a maioria delas, pelo menos — e, por experiência pessoal,

(*) Sei disso por experiência pessoal. As pessoas costumam nte perguntar o que
estava pensando quando Niles Eldredge e eu desenvolvemos pela primeira vez a teo­
ria do equilíbrio com repetidas interrupções, no início da década de 1970. Eu lhes
digo para lerem o trabalho original, pois eu não me lembro (ou, pelo menos, não
sou capaz de encontrar essas recordações em meio à desordem dos anos subseqüen­
tes de minha vida).

89
sabendo exatamente como o trabalho havia sido feito. Comecei com
a primeira monografia de W hittington, sobre Marrella (1971), e só
parei depois de ler os trabalhos a respeito de Anomalocaris (Whit­
tington e Briggs, 1985), Wiwaxia (Conway Morris, 1985) e Sancta-
caris (Briggs e Collins, 1988). Não me lembro de alguma vez ter sen­
tido mais prazer ou apreciado com maior intensidade um trabalho
primoroso e maravilhosamente bem-feito do que durante os dois me­
ses que dediquei a esta tarefa.
Este procedimento distorce ou limita a descrição da ciência? É
claro que sim. Todo cientista sabe que a maior parte das atividades
— especialmente os enganos e os inícios incorretos — não entra no
material publicado e que as convenções de prosa científica iriam
transmitir uma falsa visão do modo como a ciência é realmente fei­
ta se fôssemos suficientemente tolos para ler os trabalhos técnicos
como crônicas do que foi efetivamente feito. Tendo em mente esta
verdade evidente por si mesma, à medida que for avançando irei re­
correr a uma variedade de fontes. Mesmo assim, eu prefiro concen­
trar-me nas monografias científicas publicadas, por uma razão es­
pecífica e, em grande parte, pessoal.
A psicologia da descoberta é infinitamente fascinante e eu não
irei ignorar este aspecto. A lógica da argumentação, porém, tal co­
mo é apresentada nos trabalhos científicos publicados, tem seu en­
canto próprio e legítimo. Pode-se desmembrar uma argumentação
em suas bases sociais, psicológicas e empíricas — mas também é pos­
sível apreciar sua inteireza como obra de arte coerente. Eu tenho
um grande respeito pela primeira estratégia, que representa o esteio
do conhecimento, mas também gosto de exercitar a segunda (tal co­
mo fiz no meu livro Tim e’s arrow, times cycle, uma análise da lógi­
ca central de três textos fundamentais a respeito da revelação do tem­
po geológico). A mudança cronológica em uma série de argumenta­
ções, cada uma das quais coerente em seu próprio momento, constitui
o registro primário do desenvolvimento intelectual.
A revisão de Burgess Shale envolve centenas de pessoas, desde
os pilotos de helicóptero que transportaram suprimentos para o
acampamento de Burgess e retiraram o material coletado até os de­
senhistas e artistas que prepararam as ilustrações para os trabalhos
publicados, passando também por um grupo internacional de pa­
leontólogos que ofereceu apoio, sugestões e críticas. Mas o progra­
m a de pesquisa de revisão monográfica concentrou-se numa equipe
coesa. Três pessoas desempenharam um papel central nesta realiza­
ção: Harry Whittington, o iniciador do projeto e, do princípio ao

90
fim, a principal força a influenciá-lo, catedrático de geologia na Uni­
versidade de Cambridge (o que, na terminologia britânica, significa
chefe de departamento e o professor de nível hierárquico mais ele­
vado), e dois homens que começaram como estudantes de pós-
graduação orientados por ele, no início da década de 1970, e a par­
tir daí construíram brilhantes carreiras com base em suas pesquisas
sobre Burgess Shale — Simon Conway M orris (agora também em
Cambridge) e Derek Briggs (atualmente na Universidade de Bristol).
Whittington também trabalhou em conjunto com dois colegas ju­
niores, principalmente antes da chegada dos estudantes de pós-
graduação — Chris Hughes e David Bruton.
As sementes do drama convencional encontram-se nessas pes­
soas, especialmente no relacionamento de W hittington e Conway
Morris, embora eu não tenha nenhuma história desse tipo para con­
tar. Whittington é meticuloso e conservador, um homem que gosta
da paleontologia feita de forma direta e cuidadosa, evitando a espe­
culação e atendo-se às rochas — exatamente o oposto da imagem
que qualquer pessoa teria de um agente de transformação intelec­
tual. Conway M orris, antes do inevitável amadurecimento da onto-
genia, foi um jovem e impetuoso radical nos movimentos sociais da
década de 1970. Embora seja por temperamento um intelectual, ele
felizmente é dotado da paciência e do Sitzfleisch necessários para
passar horas a fio contemplando manchas em pedaços de rochas.
Segundo a lenda, a reinterpretação de Burgess Shale teria surgido
a partir de uma tensa sinergia entre esses homens — Harry ensinan­
do, pedindo cautela, chamando a atenção para a necessidade de con­
centrar a atenção nas rochas; Simon insistindo, lutando por liber­
dade intelectual, empurrando paulatinamente seu velho e relutante
mentor rumo a uma nova luz. Podemos imaginar as discussões, o
tom cada vez mais acalorado dos debates, as ameaças, os quase rom­
pimentos, a ruptura, a volta do filho pródigo, a reconciliação.
Não creio que qualquer dessas coisas tenha ocorrido, pelo me­
nos não abertamente. E quem conhece o sistema universitário bri­
tânico sabe por quê. Os estudantes de doutorado britânicos traba­
lham com um a independência quase completa. Eles se dedicam ape­
nas a suas dissertações e não cursam nenhuma disciplina. Eles
definem o tema do estudo em comum acordo com o orientador e
iniciam suas pesquisas. Se tiverem sorte talvez possam avistar-se com
o orientador mais ou menos uma vez por mês; uma vez por ano se­
ria mais provável. Harry Whittington, um homem pacato, conser­
vador e bastante ocupado, não estava pronto para desafiar esta sin-

91
1

turbado” , visto que el " ° U’me que “ Harry não gostava de ser per­
dido de continuar cn n ^ resmur,gava todas as vezes que era impe­
dido orientador” inci as^ aas Pesctuisas” . Mas ele foi “ um esplên-
va prosseguir sozinhos” lm° n ’ < po*s nos dava apoio e nos deixa-

explorar minha descr-31^ ’ e Derek inúmeras vezes, tentando


se consideraram um a6” ^ - ln*c*a*’ Todos eles insistiram que nunca
geral. Eles não estava 6qUlpe com um mesmo propósito ou atitude
em conjunto uma int m ^ es^orÇando ativamente para desenvolver
regularmente- na v e r H ^ i^ ^ - 0 centra*- Eles nunca se encontraram
chegaram a sè reunir * 6’ lns*stem due jamais e de forma alguma
no único ponto de en ° m,° Um 8m po' Eles não se viam nem mesmo
versitário britânico _^ °n r° se8uro de qualquer departamento uni-
manhã — pojs Simon ° qP3Se indef'ectível ritual diário do café da
um pequeno gruno a l t e r n , ^ 1em questões sociais, havia formado
Quanto Harry oue sen, 3 V^-em SUa sala’ e nunca aparecia, en-
aparências externas (a ^ poc*'a enxergar a essência por baixo das
gess, afinal de contas) li! ™ f ^ 3 dpcifração dos animais de Bur-
formidade. É claro aúe t a ez questão de qualquer espécie de con-
fecundação m ú tu a_au ° ° S SC empenharam numa complexa
dos trabalhos uns dos om P° rém’ desconfio que a leitura
discussão programática ou rem i'*? n ™ ^ 0^ 3111® qU3nt° qualquer
de qualquer dos membros d o r ü í r ° maximo que pude arrancar
de Derek Briggs de nnr a 10 fo1 0 reconhecimento, por parte
coletiva, ainda que não at S f senv°*veram “ uma certa percepção
o drama que le" °ela ”7 “ “ma cotidiana” ,
transcende os temas efêmer * e mfen®° e de caráter intelectual. Ele
pertório. O que está em iogS ind*vidualidade e do teatro de re-
do que qualquer recomnpnc° e a 8° maior e muito mais abstrato
da história da vida. Esta m p? mater’a^ uma nova interpretação
ma vantagem material. Não p - Um3 VCZ alcan<?ada, não traz nenhu-
tologia — ainda assim en nenílum prêmio Nobel de paleon-
trio formado por Whittinotr,° QS1.taria em conceder o primeiro ao
dizem os velhos lugares-comí ~lggs e ^°nw ay Morris. E, como
nova concepção da vida e nem 030 SCP° de ^ tar um ovo com uma
que você tenha um bilhete (A tampouco tomar um metrô, a menos
conto nas companhias de aviae~ ° qVe nem mesmo garante um des-
voadas, ao contrário de nratieJ ^ 0 PC 3 grande quantidade de milhas
obtém a gratidão de seus colec™6^ qualquer outra atividade.) Você
suas perspectivas profissionais a p a .eont°logos e isto não prejudica
issionais. A principal recompensa, no entanto,
92
é a satisfação interior — o privilégio de trabal ai em a mun_
a alegria da realização, o raro prazer de deixar sua ma podc
do e saber que sua vida fez uma diferença. O que uma -t
querer mais do que ouvir, de uma fonte qualquer que ela
como absoluta e permanente, a afirmação final q
útil: “ Agiste bem, meu bom e fiel servidor .

UMA M ETODOLOGIA DE PESQUISA

Uma concepção comum e equivocada sustenta que| nte sã 0


de organismos constituídos apenas de partes^ mo es g a su_
preservados na forma de uma fina camada e car ° forte-
perfície das rochas. É claro que os organismos e u se(y.
mente comprimidos — o peso cada vez maioi a ag vido
mentos que se acumulam sobre um corpo sepu1 a ervaç- o de sua
de partes duras não permite um bom grau P sem_
estrutura tridimensional. Os fósseis de Burgess, p o ’pr 0pOrcio-
pre são completamente achatados — e esta esco revelar a
nou a Whittington a base para um método que P dQS Qr.
estrutura desses organismos. (A propósito, as par . carb0.
ganismos de Burgess não se acham preserva as na carbono
no. Graças a um processo químico ainda d e s c o n h m d ™ bono
original foi substituído por silicatos de cálcio e e a co’m prome-
do uma camada refletora escura. Esta substituição nao comprome
teu a excelente preservação dos detalhes anatomic ■ n.
Walcott nunca reconheceu - ou
te — que parte da estrutura tridimensiona avl fícies achata-
Ele tratou os fósseis de Burgess como se osse™ les que haviam
das e, portanto, procurou entre seus especime q cQnfu_
sido preservados numa posição mais revetedora ( teral) deita.
sa) — em geral, no caso dos animais com Daralelo ao eixo
dos de lado e achatados no sentido üustração de Wal-
do comprimento (como na fig. 3.1, ,, u frontal por
cott). Ele ignorou os espécimes em posrçao ° “ e'stariam lo.
achar que nesses casos as diferentes partesJ retdvei depositada so­
das comprimidas numa só película na° '‘" e dm£i) em contraste, per-
bre o plano de estmtificação; u m a ^ ^ n ^ características.
mitiria a máxima resolução das de fotografias, muitas
Walcott ilustrou seus espécimes através de

93
1
tarnbéí10
vezes escandalosamente retocadas. O grupo d® \ 0 que c0^ °
Utilizou a fotografia, mas o fez mais para pu BurgesS a
uma ferramenta básica de pesquisa. Os esp ci exceçaCu ’
saem bem nas fotografias (a fig. 3.2 é uma esP nã0 existe1^
por mais ampliadas e filtradas que sejam as cop » g trabalh
ta vantagem em deixar de lado os verdadeiros esp _ teI0 a luz
com elas. As superfícies de silicato de alumínio ___ g tem-se ga
maneira diferente, conforme o ângulo de ilumina nS opaca ’
nho algum poder de resolução comparando-se oS refle*
obtidas através de ângulos elevados de ilummaça , ^
brilhantes, obtidos com ângulos baixos. . todos os &
Whittington, portanto, utilizou o mais anüg _ 0 pacie '
todos como a principal forma de obter suas 1 us básico Par
te e detalhado desenho dos espécimes. O ecl^1Pa ,Q p o r ^ a^c0.
isto, a câmara lúcida, não é diferente do mo e o ^nventad° Pe
e não sofreu muitos aperfeiçoamentos desde que i^cidâ é ess6^
mineralogista W . H. Wollaston em 1807. A cam m de uh10
cialmente um conjunto de espelhos que projeta a i -mara lúci
jeto sobre uma superfície plana. Pode-se acop a ^ jentes Par
aa , um
u m microscópio
m iv iu o w p iw e transferir a
w v * v * * * ^ * ---- — imagem
— visive s £ciiue e se
___
umar_ii__ folhajde ______
papel. simultaneamen o ”vei. os nlhos
i Observando simultaneamente olhos
-
reflexo sobre o papel, pode-se desenhar o anima se ecjiiuento de(
da ocular. Whittington e sua equipe adotaram o P &s espéc'eS
desenhar com grande ampliação cada espécime e Q utna séi'e
que estavam sendo estudadas. Pode-se estudar em co 0 utnet°soS
de desenhos mas não é fácil observar simuUaneam ampUaÇão.
espécimes de tamanho diminuto, todos precis c0mo d
Whittington utilizou a câmara lúcida e sua a 1 1 ^ seU reco-
senhista num conjunto de métodos, todos relaciona conservaVaIia
nhecimento fundamental de que os fósseis de Burges ^u ú n aS
parte de sua estrutura tridimensional e não eram a Q p0der deS'
achatadas sobre os planos de estratificação. Irei | us r ^ eS^udo d°
ses procedimentos simples mostrando sua uthida e ^ ^ aPzoU de
maior dos artrópodes de Burgess, a espécie que a c0 ^ aVja epcoU'
Sidneyia inexpectans, em homenagem a seu filho, que n 0 grafia
trado o primeiro espécime. (Escolhi Sidneyia Porcl'^“ a ^ ern minha
de David Bruton sobre este gênero, publicada em 1 ’ jes e preC*sa
opinião a publicação mais atraente e tecnicam entesim^ tes>) CoU'
de toda a série elaborada por Whittington e seus assis
sidere as três operações principais:

94
?^ U m a b e la ilu stra ç ã o m o s tr a n d o a lg u m a s d a s f o to g r a f ia s d e^ anÍS! ^ S fÍL'_
*ess q u e a p a re c e m n a m o n o g r a fia , p u b lic a d a p o r W a lc o tt e m > S° , / L - ,,<-n u er.
io d e s . A s f o to g r a f ia s f o r a m b a s ta n te r e to c a d a s . Canadaspis e s ta n o a
/</; Leanchoilia a p a re c e e m b a ix o .
1) Desgaste e dissecação. Se Walcott estivesse cer ^nica Pe'
tomia dos organismos estaria comprimida, forman o ^ reVjVe r ul11
lícula, e a tarefa de reconstituí-los seria semelhante n rolo oo»P'“ ;
personagem de desenho animado achatado por um q (Ja fan
sor. Mas o que dá resultado com o gato Frajola no m
tasia não pode ser reproduzido numa laje de f°l_e ‘ encontra'
Felizmente, os fósseis de Burgess em geral nao s ^ qUe oS
dos num único plano de estratificação. Tragados pe a ^ la ­
soterrou, os animais foram fossilizados em diversas P °^ Çpartes eIf
ma muitas vezes se infiltrou nos corpos, dividindo su de sedi'
microcamadas diferentes separadas por delgadas pe ^ pernas
mento a carapaça acima das brânquias e estas acima _ tridi'
— garantindo com isso a preservação de algumas es j^ida-
mensionais mesmo após a lama ser posteriormente co

r-,y •

3 .2 .
, d e B u r g vc.
A m e lh o r f o t o g r a f i a s e m r e to q u e s ja m a i s tir a d a d e u m o r g a n is m o <
S h a le . D e s C o llin s tir o u e s ta f o t o d e Naraoia, p r e s e r v a d o e m v is ta la te ra l. s cOIII
c im e n ã o v e io d a p e d r e ira d e W a lc o tt e s im d e u m a d a s v á ria s o u tr a s /o c ff/W ^ ^
f ó s s e i s d e o r g a n is m o s d e c o r p o m o le e n c o n tr a d a s r e c e n te m e n te p o r D e s C o i ^
m e s m a área. O s e s p é c im e s d a p e d r e ir a d e W a lc o tt n ã o p e r m ite m u m a f o t o g r a j
s im tã o b o a .

96
3 -3. R e c o n s titu iç ã o d e Sidneyia a p a r tir de u m , g m s e jS s e g m e n to s , c o ­
le ç õ e s , f e i t o p o r B r u to n . A ) O a n im a l in te ir o . > ,Q a b a ix 0 a p la c a d e re-
m e ç a n d o d a e x tr e m id a d e in fe r io r e s q u e r d a - a c a o e ç , cíwda/. C ) A ca b e ç a
v e s tim e n to v e n tr a l; o c o r p o , d iv id id o e m tre s p a r te s , p ^ g &djreita, ob-
U gada à re g iã o f r o n t a l d o c o r p o , s e n d o q u e a p r im e s e e m c im a , o s ra-
se rv e , e m b a ix o , o s a p ê n d ic e s b ir r e m e s c o m p e r n
m o s b ra n q u ia is .

Utilizando pequenos cinzéis ou uma hroca


na, não muito diferente da que é usada pe os modo a revelar
superiores podem ser cuidadosamente removí_ tgm com fre-
as partes internas abaixo delas. (Como « traba.
qüência apenas poucos microns de esP®s*u^ ’xflio de uma agulha,
lho pode ser feito também à mao, com
grão por grão ou fragmento por fragm® ^ ° \etamente achatados,
Embora alguns artrópodes estejam ssllía um con-
Sidneyia , como mostra a reconstituição ( / formava um se-
siderável relevo; sua carapaça ou cobe situadas abaixo.* Em
micilindro abobadado sobre as parte

(*) Embora essas coberturas externas carapaças dos organismos


as partes moles localizadas abaixo delas, a mal ntravam em sua constituição as
de Burgess não era mineralizada e, portanto, n facilidade. Essas carapaças
convencionais “ partes duras” que se 0SS1 modernos, enrijecidos mas não mi-
m n i i a n exosaueleto dos inseto

97
3 '4 . D e s e n h o e m c â m a r a lú c id a
d e u m e s p é c im e c o m p le to d e Sidneyia»
m o s tr a n d o o r e v e s tim e n to
e x te r n o in ta c to .

LWwwi J
alguns espécimes as brânm.ic
Projetadas para fora de » 3S CaS pernas situadas abaixo delas sao
de a c°nipressão natural carapa?a rompida, uma vez que é gran-
ton descobriu que era nr* & ragrnentaÇão dos espécimes. Mas Bru-
Pécimes a fim de exnor n c.ont*nuar removendo material dos es-
de muitos artrópodes m ar-°u ldade sua anatomia. Os apêndices
suplemento sobre a n a t o m - a Sã° de dois tipos (ver PP- 104' 5’ n0
n° ’ botado de brânquias e artrópodes) — um conjunto exter-
conjunto interno, consritii,vtUSa^ ° para nataÇão e respiração, e um
mentação. Assim, quando 6 pernas e utilizado também na ali-
centro do corpo encontra-** pe.net[a na cobertura externa acima do
as Pernas. Bruton descobri» pnmeiramente as brânquias e, depois,
exterior completa (fig. 3 4n „que podia c°meçar com uma cobertura
continuar a dissecação até expor a ca-
neralizados. Talvez se’
sc°inexísipteS m° IeS’’’ eraboraa posTibílíf'.^"1'21116 endurecid° ” do que “ constitui­
nte em qualquer dos casos. a e de f°ssilização convencional seja qua-

98
Desenho em câmara lúcida de um espécime de Sidneyia, mostrando principal­
mente os ramos branquiais dos apêndices, sob a carapaça. O traçado incompleto do
intestino (centro) é indicado por faixas oblíquas. Os ramos branquiais são estruturas
delicadamente digitadas, marcadas com um g (o número que se segue indica o seg­
mento do corpo).

^■6. A s pernas locomotoras estão à vista, sob os ramos branquiais. Neste desenho
em câmara lúcida, as pernas estão marcadas com um Rl, de “ right leg perna
direita”, em inglês — (o número que se segue indica o segmento do corpo).

99
( lê- 3.6). (Estes desenhnc J e’ em segu^ a , um conjunto de pernas
os próprios fósseis usand 0ram to^ os feitos diretamente a partir
icroscópio binocular ) R ? 'SG Uma c^mara lúcida acoplada a um
lva convencional das mr.™ ° n c*escreveu 0 seu método na voz pas-
A Preparação ° n° grafias técnicas:
níveis sucessivos no^ml^68 Cj P°e características (...) que ocorrem em
removendo-se cuidados»™01 3 roc^ a' os quais podem ser revelados
camada de sedimentos aZZ™* “m após 0 outro ou retirando-se a fina
remoção sucessiva do evns/-,°Sfepara f---J O método utilizado foi o da
a seguir, revelar as n e r n » ^orsat f---J Para expor as brânquias
°s membros se ligam tnnJ 3 r„egiao adjacente à linha média onde
orsal-brânquia-pernà pcts 3S tTZ. camadas sucessivas, exosqueleto
outra, sendo uma questãr.^ posicionadas diretamente uma sobre a
ln mitamente delgada dp ™ f r.emover confiantemente uma camada
no 0981, pp. 6 2 3 -4) matenal com a ajuda de um cinzel vibrató-

cJn ,nf-Ste espécime de Sidneyia mostra


tritnh refeição, um minúsculo
posterin PT grVad° na etern id a d e
O tríi h- d ° trat° a,imen<ar.
exposta Z eStá na pequena porção
logo ar ° '"tes,ino (indicada p o r alj,

100
■5.S. Duas figuras de Whittington (1978), ilustrando a preservação de Sidneyia em
diversas posições. A) A orientação convencional: vemos de cima para baixo a_suPer'
fície dorsal ou superior; os apêndices estão espalhados em ambas as direções. ) ma
orientação muito menos comum: o animal fo i sepultado de lado, e ofóssi resu tan e
mostra um dos flancos, com os apêndices de ambos os lados comprimidos num so
conjunto.

Existem outras recompensas abaixo da cobertura externa. O ca­


nal alimentar passa logo abaixo da carapaça, ao longo da linha mé­
dia do corpo. Um espécime desenterrado (fig. 3.7) apresentava um
minúsculo trilobito no interior do canal, próximo a sua extremida­
de posterior — um remanescente da última refeição de Sidneyia an­
tes do grande deslizamento de lama.
2) Posições peculiares. Como o leito filópode formou-se pela
fossilização de diversos deslizamentos de lama, os animais estão en­
terrados em diversas posições. A maioria foi sepultada em sua posi­
ção hidrodinâmica mais estável, pois a lama depositou-se aos pou­
cos e os animais deslizaram para o fundo. Alguns deles, no entan­
to, acabaram ficando de lado ou com o corpo inclinado num
determinado ângulo — torcidos e virados de várias maneiras. Em
sua monografia sobre o enigmático Aysheaia, Whittington ilustrou
tanto a posição convencional, com o animal achatado e seus apên­
dices espalhados para os lados, quanto uma das posições mais ra­
ras, com o animal torcido e de lado, de modo que os apêndices de
ambos os lados acham-se comprimidos e misturados (fig. 3.8).
Embora Walcott tivesse coletado espécimes fossilizados em po­

101
sições estranhas, ele tendia a ignorá-los, considerando-os po ^
formativos ou mesmo de interpretação impossível, devido
posição de diferentes superfícies num único plano de estratm
Whittington, porém, compreendeu que essas posições in c o m u n s ^ ^
tamente com espécimes que se fossilizaram na posição n °r „
eram indispensáveis para se desvendar toda a anatomia °s
nismos. Assim como não se pode reconstruir completamen
casa a partir de fotografias tiradas de um único ponto priví ^ ^ . Ra.
a reconstituição de um organismo de Burgess requer uma co ^ . s
ção de in stantâneos tirad os de vários â n g u lo s. C on w ay __^
contou-me como conseguiu reconstituir o curioso Wiwctxia _
animal que não possui formas modernas afins e para o qua * ^
tanto, não existe nenhum protótipo conhecido que possa se ^
modelo — desenhando espécimes que haviam se fossilizado a
versas posições e, a seguir, passando incontáveis horas m jjo
maldita coisa girar em minha mente” , da posição de um e eg_
para o ângulo diferente do outro, até que todos os e sp é c im e sP ^ tQ
sem ser mudados de uma posição para outra sem o aparecí ^
de nenhuma contradição. Somente então ele teve a certeza
nada importante estava faltando ou fora de lugar. te
A maioria dos espécimes de Sidneyia apresentam-se inteira
achatados — como se os estivéssemos vendo de cima para baixo
3.5). Esta posição, melhor do que qualquer outra, revela as di ^
sões básicas das partes do corpo, embora deixe várias questões
resposta, especialmente a quantidade de saliências e o grau de a
dondamento do corpo. Com base num animal fossilizado nessa P
sição não se pode dizer se Sidneyia tinha a form a de uma panque
ou de um tubo. As vistas frontais são necessárias para se recons
tuir o contorno básico e para se determinar alguns aspectos cruciai^
da anatomia que “ de cima” não podem ser vistos direito — a for'
ma das pernas, em especial.
A fig. 3.9, uma visão frontal, revela a forma arredondada da
cabeça e os locais de inserção dos olhos e do único par de antenas.
A fig. 3.10, uma visão do dorso, com a cabeça à frente, ilustra a
forma arredondada do corpo e a sucessão de pernas, com todos os
seus numerosos segmentos espinhosos bem preservados. Pode-se ver
também as dimensões do sulco central de alimentação, correndo entre
as coxas, o primeiro segmento das pernas, situadas de ambos os la_
dos. As gnatobases — as bordas espinhosas das coxas — margeiam
o sulco alimentar e proporcionam algumas indicações a respeito dos
hábitos do maior artrópode de Burgess, o qual provavelmente era

102
predador ou alimentava-se de cadáveres. Presumivelmente, grandes
pedaços de alimento eram levados até a boca — este animal não era
filtrador. A fig. 3.11 mostra um desenho bastante ampliado de uma
perna locomotora vista de frente.
3) Parte-contraparte. Quando se quebra uma rocha em busca
de um fóssil obtém-se duas coisas pelo preço de uma — o fóssil pro­
priamente dito (chamado de parte) e a impressão produzida pelo or­
ganismo nas camadas situadas acima dele (chamada de contrapar­
te). A parte, sendo o verdadeiro fóssil, tem sido privilegiada pelos
cientistas e colecionadores; a contraparte, por ser uma impressão,
costuma ser menos valorizada. Walcott trabalhou quase que exclu­
sivamente com as partes e muitas vezes nem sequer se preocupou
em conservar as contrapartes. (Quando coletava as contrapartes, ele
com freqüência não as catalogava junto com as partes correspon­
dentes. Elas acabavam em gavetas diferentes ou eram relegadas aos
montes de entulho formados pelo material menos interessante. Ele
chegou a desfazer-se de algumas contrapartes, trocando-as por ma­
terial de outros museus.) ^ , .
No caso de um fóssil convencional, constituído por uma umca
Peça — a concha de um mexilhão ou de um caracol, por exemplo
~ a distinção entre parte e contraparte é óbvia. O espécime é a par
te e o molde impresso na superfície acima dele é a contraparte. e
acordo com a visão que Walcott tinha dos organismos de Burgess,
considerando-os como simples películas, a mesma nítida distinção
é aplicável a essas criaturas — a película propriamente dita seria a
Parte, e sua impressão, menos interessante, a contraparte.
Quando Whittington revelou a natureza tridimensional dos lôs-
seis de Burgess, porém, essa cômoda distinção desapareceu. m ar
trópode possui centenas de peças articuladas; uma vez que em ur
gess Shale essas peças acham-se preservadas em diversas camadas
adjacentes, fender uma rocha no sentido do plano de estrati ícaç
Pode não produzir uma divisão bem definida, com o organismo i
tciro (a parte) sobre uma superfície e apenas a sua impressão a
traparte) sobre a outra. Qualquer quebra deixaria algumas partes ao
organismo de um lado e o restante no bloco oposto, a ’
distinção entre parte e contraparte acaba deixan o e u” ,
caso dos fósseis de Burgess. A única coisa que se po eressan-
uma das superfícies preserva aspectos an^ 0™^OSssI^ cab0u-se con­
tes do que a outra. (No caso dos animais de Bu1 g seria a parte
vencionando que o organismo visto de cima p a ^ ^ esquema,
e de baixo para cima a contraparte.

103
f araum animal como Sidneyia, os olhos, as antenas e outros aspec-
trsma ,carapaça externa estariam freqüentemente preservados na con-
r e, e as pernas e a anatomia interna na parte.)
mp_t °fdas as expedições feitas a partir de 1966 coletaram rigorosa-
„ ! ant0 a parte como a contraparte (quando preservadas),
hprtne h n"aS 6 catal°gando-as juntas. Algumas das maiores desco-
tntr, ç 6 . Ur®ess feitas nos últimos vinte anos ocorreram no Insti
nãn rP1,t son*ano> quando uma contraparte de Walcott, às vezes
rp„Acata ®gada ou até mesmo classificada num filo diferente, era
Vir , i m u da 6 reunida à parte correspondente. Você gostaria de ou-
vá hlstona mais simpática e satisfatória (visto que menos p r°'
P vn2 d~° T 6 ° encontro de Gabriel com Evangelina? Em 1930, a
nm ? a° Raymond achou um espécime de Branchiocaris pretiosa,
ar ropode extremamente raro, do qual se conhecem menos e
oez exemplares. Em 1975 (quando Derek Briggs já havia entregue
^ .PU, ! lcaçã0 sua monografia a respeito desta espécie), a expedi-
çao do Museu Real de Ontário encontrou a contraparte deste espé-
ime ainda sobre o talude da Colúmbia Britânica em que Raymond
seu grupo a tinham descartado há 45 anos!
r f i p c ;_ís_ or q u e t a n t o a pp aa rr ti ee cc oo mm oo aa cc oo nn tt rr aa pp aa rr tt ee cc oo nn tt éê mm íi nn fi uo ri »m* a- -
c o n <s5Hi mt ,^p °o~r t aa "n tt ee ss ,’ ss ee qa uu ii ss ee rr m a r u emm a or be -t e r u m a re-
m no cs nn ^o cs e m p e n h,___
em J 5 3 0 b a s ta n te c o m p le ta te r e m o s o b v ia m e n te d e e s tu d á -la s
( N ° S d e s e n h o s f e it o s c o m c â m a r a lú c id a , W h ittjn g '
ra in fr. S c o „e ®a s s e 8 u i r a m a c o n v e n ç ã o d e i n c l u i r n a m e s m a fíS u '
r m a ç o e s p r o v e n ie n te s ta n t o d a p a r te c o m o d a c o n tr a p a f

orientação incomum p lt* UC‘ ° Um espãcime de Sidneyia preservado nutra


cabeça e, portanto n o d e m 0lhando de fren te para a extremidade fron tal dt
que não podemos obter n S apreciar a convexidade do animal — informação
locais de inserção das orientaÇões usuais. Observe em especial oi
das antenas (mdicadas p o r Ra e La) e dos olhos (e).
e0 A junção de parte com contraparte contribuiu para solucio-
ay um problema surgido no estudo de Sidneyia. Com base num
ruc° eSp^cjm e^ Yyaicott havia sugerido uma determinada recons-
1 uição das brânquias de Sidneyia. Bruton, porém, estudando ao
g esmo tempo a parte de W alcott e a “ contraparte que o dr. D.
• G- G. Briggs, graças a sua capacidade de observação, encon-
trou eutre o material não catalogado da Coleção W alcott” (Bru-
. n > ^ 8 1 , p. 640), descobriu que a suposta brânquia não perten-
?a m°do algum a Sidneyia. Conway Morris identificou poste-
lormente este fóssil como um espécime dobrado e fragmentado
0 verme priapulídeo Ottoia prolífica.
Essas três coisas — desgaste dos espécimes, posições peculia-
res e parte-contraparte — fornecem indicações que orientam a re­
constituição tridimensional de fósseis achatados e distorcidos. Elas
na? n° s dizem muita coisa acerca dos outros aspectos da vida dos
animais de Burgess — como se deslocavam, qual era sua alimen-
açao e como cresciam, por exemplo. Embora Burgess Shale te-
a preservado a constituição anatôm ica dos organismos lá fossi-
tzados, o fato de eles terem sido arrastados e sepultados por um
eslizamento de lama não permite que este sítio paleontológico nos
Proporcione outros indícios encontrados com freqüência em fau-
as mais convencionais. Não temos nenhum vestígio ou rastro, ne-
n um abrigo, nenhum organismo surpreendido no ato de comer
um de seus companheiros — em suma, poucos sinais de atividade
organica em curso. Infelizmente e por alguma razão ainda não bem
entendida, a fauna de Burgess Shale quase não inclui organismos
em estágio imaturo.
Todavia, alguns outros métodos além dos já expostos mostra­
ram-se úteis em casos específicos e serão discutidos à medida que
o organismo em questão entrar na história. Já mencionei o conteú-
o intestinal de Sidneyia. Outros organismos também foram identi-
ícados como carnívoros através do estudo de seus aparelhos diges­
tivos. No intestino de um verme priapulídeo, por exemplo, Conway
orris encontrou indivíduos menores dessa mesma espécie — o ca­
so mais antigo de canibalismo que se conhece. Ele também utilizou
os diversos graus de deterioração para decifrar a anatomia do ver-
me Priapulídeo Ottoia prolífica. Bruton (no caso de Sidneyia, Lean-
choilia e Emeraldella) e Briggs (para Odaraia) fizeram modelos tri­
dimensionais a partir de desenhos e fotografias. Conway Morris usou
os ferimentos e os padrões de crescimento para entender os hábitos
do enigmático Wiwaxia. Ele afirma (1985) que no único caso de um

105
3.10. Um espécime de Sidneyia numa orientação incomum que mostra o arrran
das pernas. Estamos olhando de frente para uma secção transversal através da ex
midade frontal do corpo, logo atrás da cabeça, e podemos ver as primeiras qaa
pernas do lado direito do animal prensadas num só conjunto (Rl-Rl,)- O cana °
mentar (a\j, no centro do corpo, também está visível.

3.11. Desenho em câmara lúcida de uma perna locomotora de Sidneyia. Observe


os fortes espinhos (indicados por gn, de “gnatobase ”) no ponto de inserção da per­
na no corpo. Esta série de espinhos em torno do sulco alimentar sugere que o anima!
era um predador. A perna está tão bem preservada que podemos contar os segrnen-
tos e inferir sua orientação no animal vivo.

106
flagrante de crescimento entre os organismos de Burgess, um espé­
cime foi enterrado quando estava em processo de muda — trocan­
do o revestimento velho por um revestimento externo inteiramente
novo constituído de placas e espinhos.

A CRONOLOGIA DE UMA TRANSFO RM AÇÃO

O que os cientistas “ fazem” com algo como Burgess Shale de-


Pois de terem tido a sorte de fazer uma descoberta tão importante?
Primeiro, precisam realizar algumas tarefas básicas para determi­
nar o contexto — cenário geológico (idade, ambiente, geografia),
orma de preservação, inventário do conteúdo. Como a diversidade
° principal tema da natureza, as principais tarefas da paleontolo­
gia, além dessas preliminares, são a descrição anatômica e o arran­
jo taxonômico. A evolução produz um ordenamento ramificado or­
ganizado na forma de uma árvore da vida, e nossas classificações
refletem essa ordem genealógica. A taxonomia, portanto, é a expres­
são do arranjo evolutivo. O veículo tradicional para isso é a mono­
grafia uma dissertação descritiva, com fotografias, desenhos e
uma denominação taxonômica formal. As monografias quase sem­
pre são demasiado extensas para serem publicadas nos periódicos
científicos tradicionais, de maneira que os museus, universidades e
sociedades científicas criaram publicações especiais para divulgar es­
ses trabalhos. (Como já foi mencionado, a maioria das descrições
os organismos de Burgess foram apresentadas em monografias pu-
licadas pela Real Sociedade de Londres em sua Philosophical Tran-
sactions — um periódico para trabalhos extensos.) Essas publica­
ções são caras e têm uma circulação bastante limitada, sendo ad­
quiridas principalmente por bibliotecas.
Esta situação engendrou um lamentável desprezo em relação
as m°nografias e aos seus autores por parte de muitos cientistas de
outras disciplinas. Esses trabalhos são menosprezados como exercí­
cios de “ mera descrição” , uma espécie de catalogação que poderia
muito bem ser feita por um balconista ou um vadio. O máximo que
concedem é algum crédito pelo cuidado e atenção aos detalhes mas
as monografias nunca emergem como a vanguarda da inovação
criativa.
Algumas monografias são modestas, é claro — a descrição de
um ou dois braquiópodes novos de uma formação bem conhecida

107
t a x o n o m ia e o
STATUS DOS FILOS

iiíunuo esta repleto de tantos


Que deveriamos ser tão felizes quanto reis.

Robert Louis Stevenson

exprime o principaíl^rn Ve.rsos’ extraída de A child’s garden of verses,


evolução — uma innrrod; °- ? mundo natural e o resultado imediato da
mana (em sua versão ad' lt 6 6 irreclut,vel variedade. Como a mente hu-
a sistemas de classificar ~U PS ° menosl anseia por ordem, recorremos
tido. A taxonomia (a r ° Pam/ azer com que essa diversidade adquira sen-
vista como uma fnrm classificação) é muitas vezes depreciada e
cm sua pasta da m e d s °nficada de arquivamento — com cada espécie
Que lhe éprescrito a apormaqomo se coloca um selo no lugar do álbum
dedicada a investiear axonom‘a’ P°rém, é uma ciência básica e dinâmica,
os organismos As rinjL fdUSa~ d°S re^acionamentos e similaridades entre
tural e não insípidos / ** S°° teor‘as acerca das bases da ordem na-
Como a Z t ã o T n ? ° S? mpÍlad0S OP*™ Para evitar o caos.
entre os organismos doca> °Se da or^em e dos relacionamentos existentes
Que nos faz ter necessidndH°I nossas classificações incorporem a causa
<°nte apropriadas^artfeste S t * ^ á rq u ic a s são bas-
da vida — a junção de hrot jetlV0 P°rque a topologia básica da árvore
em troncos à medida que remom mmos’ de ramos em Salhos e de galhos
antigos —pode ser represe / d tamos a ancestrais comuns cada vez mais
inclusivas. (Os seres huma ° ° P°r Um sistema de catégorias cada vez mais
matas; os primatas e os c a c h o l^ macacos se juntam para formar ospri-
ros e os répteis para formar o °Sf araf ° rmar os mamíferos; os mamífe-
Para formar os animais e ave' Vertebrados; os vertebrados com os insetos
darwinianos também utilizarlZ P° l d,ante; Vist0 que Lineu e outros pré-
lução não é o único princípio n l d ^ T hierárquicos, fica claro que a evo-
ma; não obstante, a evolução n e?ador que P°de ser expresso desta for-
mificação a partir de um anre ^ i lversif ‘caCão efetivamente implica a ra-
representada por uma clnnifl* ^ co'num e taí topologia pode ser melhor
As taxonomias modernas Ça° h,erárquica-)
cia crescente — das espécies n,veis básicos de abrangên-
dutíveis da evolução) aos rein eradas as unidades fundamentais e irre-
mentos); espécies, gêneros f d l a ° m°'S abrangente de todos os agrupa-
Nonível mais eleva d o -o re!Z ’ Classes> e reinos,
tas e animais e o antigo sistema dT°i ° velba divisão popular entreplan-
utilizado em nossos tempos da P a?tas’ animais eprotistas unicelulares,
sco a, foi em larga medida desbancado

108
por um sistema mais preciso e conveniente constituído de cinco reinos: Plan-
tae<Animalia e Fungi para os organismos multicelulares; Protista para os
organismos unicelulares com células complexas; e Monera para organismos
umcelulares (bactérias e cianofíceas) com células simples e destituídas de
núcleo, mitocôndrias e de outras organelas.
O próximo nível — o filo — é a unidade básica de diferenciação den-
ro dos reinos. Osfilos representam os traçados anatômicos fundamentais,
ntre os animais, por exemplo, os grupos básicos mais amplos são designa-
os pelos filos — esponjas, "corais” (incluindo hidras e medusas), anelí-
eos (minhocas, sanguessugas e poliquetas marinhos), artrópodes (insetos,
aranhas, lagostas etc.), moluscos (mexilhões, lesmas e lulas), equinodermos
(estrelas-do-mar, ouriços-do-mar e bolachas) e cordados (vertebrados e or­
ganismos afins). Em outras palavras, os filos representam os grandes tron­
cos da árvore da vida.
Este livro trata do início da história do reino animal. Ao focalizarmos
a origem dos filos e seu número e grau de diferenciação iniciais nós nos
Jazemos a mais fundamental de todas as perguntas a respeito da organiza­
d o do nosso reino animal.
Quantosfilos de animais existem na Terra atualmente? As respostas va-
riam, vEto que esta questão envolve alguns elementos subjetivos (um broto
ermmal é uma coisa objetiva, e as espécies são as verdadeiras unidades da
natureza, mas quando é que um ramo passa a ser grande o suficiente para
ser considerado um galho?). Todavia, observamos a existência de algumas
concordâncias; osfilos tendem a ser grandes e distintos. A maioria dos ma­
nuais reconhece entre vinte e trintafilos de animais. Nosso melhor compên-
1 0 moderno, um livro explicitamente dedicado à denominação e descrição

osfilos (Margulis e Schwartz, 1982) arrola 32 filos animais — uma estima­


da generosa quando comparada à maioria dos outros livros sobre o assun-
o' ^ ^ m dos sete grupos familiares já mencionados, estão entre os filos ani-
m°'s os Çtenóforos (enterozoários marinhos radiados), platelmintos (vermes
c atos, incluindo a familiar planária de laboratório), braquiópodes (inverte-
rados bivalves comuns entre os fósseis do Paleozóico embora mais raros
nos dias de hoje) e nematelmintos (vermes cilíndricos não-segmentados, em
geral diminutos e fantasticamente abundantes no solo e como parasitas).
Após tão longa explanação, o ponto desta exegese que diz respeito a
urgess Shale pode ser rapidamente exposto: Burgess Shale, uma pequena
pedreira da Colúmbia Britânica, encerra os restos de cerca de quinze a vin-
e or8anismos tão diferentes uns dos outros e de qualquer outro ser vivo
atual que cada um deveria ser considerado um filo distinto. Nós hesitamos
cm atribuir uma qualificação assim tão “elevada” a uma única espécie por­
que nossas tradições estabelecem que osfilos adquirem um caráter distinto
através de centenas de especiações, cada uma delas acrescentando uma pe­
quena parte da diferença total. Assim, a anatomia de um grupo não deve­
ria se tornar suficientemente bem definida para ocupar a posição de um

109
filo independente até que uma razoável diversidade tenha sido acumulada
através de repetidas especiações. Segundo esta concepção convencional —
obviamente incorreta ou incompleta diante das evidências de Burgess — li­
nhagens constituídas de uma ou poucas espécies não podem divergir o sufi­
ciente para serem classificadas como filos. E, no entanto, o que acontece?
Os quinze a vinte notáveis designs de Burgess são filos em virtude de sua
singularidade anatômica. Este fato extraordinário precisa ser reconhecido
com todas as suas implicações, qualquer que seja nossa decisão final em
relação às formalidades da atribuição de nomes.

do período de rtiaior êxito do grupo fará levantar poucas sobran­


celhas — mas grande parte das pesquisas física e química rotinei­
ras também nada fazem além de reiterar o óbvio. As melhores mo­
nografias são trabalhos geniais que podem transform ar o modo
como encaramos assuntos que despertam nosso apaixonado inte­
resse. Como foi que tomamos conhecimento de Lucy, do “ homem-
macaco” de Java, dos nossos primos de Neanderthal, do antigo
homem de Cro-Magnon ou de qualquer dos outros fósseis hum a­
nos que excitam nossa imaginação tanto quanto o pouso da nave
Apoio sobre a Lua se não através de m onografias taxonômicas?
(É claro que, nestes casos de reconhecido apelo jornalístico, as pu­
blicações técnicas são precedidas de notícias preliminares altamente
elogiosas e que, como diz o lugar-comum, produzem muito calor
e pouca luz.)
O pior da mesquinhez hum ana se m anifesta na avaliação ne­
gativa do trabalho m onográfico como sendo meramente descriti­
vo. O talento científico é igualado a um subconjunto estranhamente
limitado de atividades intelectuais, como se qualquer um fosse ca­
paz de descrever um fóssil mas apenas os maiores pensadores ti­
vessem a capacidade de conceber a lei do inverso do quadrado.
Eu me pergunto se algum dia nos veremos livres do pior legado
da teoria do q i , em sua interpretação linear e hereditária — a idéia
de que a inteligência pode ser apreendida por um único número
e de que é possível dispor as pessoas numa seqüência simples que
vai do idiota a Einstein.
O talento tem tantos componentes quanto a própria mente.
A distância entre a reconstituição dos organismos de Burgess e uma
“ simples” ou “ m era” descrição é a mesma que há entre Caruso
e um de nós cantando debaixo do chuveiro. Não se pode simples­
mente olhar para uma mancha escura numa laje de Burgess Shale
e então, por meio de uma negligente cópia, transform á-la num ar-

110
trópode complexo com a mesma facilidade com que se transcreve
uma lista de números de uma fita de caixa registradora para um
livro de contabilidade. Eu não consigo imaginar algo mais distan­
te de uma simples descrição do que a reconstituição dos organis­
mos de Burgess. Começa-se com uma mixórdia achatada e terri­
velmente distorcida e chega-se a uma imagem aceitável de um or­
ganismo vivo elaborada a partir de informações provenientes de
diversas fontes.
Esta atividade requer um tipo incomum e específico de habili­
dade visual ou espacial. Consigo entender como o trabalho foi feito
porém jamais seria capaz de fazê-lo eu mesmo, de maneira que es­
tou relegado a escrever sobre Burgess Shale. A capacidade de re­
construir formas tridimensionais a partir de massas achatadas, de
integrar numa única entidade informações provenientes de uma vin­
tena de espécimes em diferentes posições, de combinar fragmentos
díspares de partes e contrapartes num todo funcional — essas são
habilidades raras e preciosas. Por que depreciamos estas faculdades
integrativas e qualitativas, ao passo que exaltamos as realizações ana­
líticas e quantitativas? Por acaso uma delas é melhor, mais séria ou
mais importante do que a outra?
Os cientistas conhecem suas limitações e sabem quando neces­
sitam de colaboração. Nem todos temos a capacidade de montar um
todo a partir dos elementos que o constituem. Certa vez passei uma
semana em trabalho de campo com Richard Leakey e pude perce­
ber a frustração e o orgulho que ele sentia pelo fato de sua esposa
Meave e seu colaborador, Alan Walker, conseguirem, a partir de
minúsculos fragmentos de ossos, como se estivessem armando um
quebra-cabeças tridimensional, montar um crânio, coisa que ele po­
dería fazer apenas de forma imperfeita (ao passo que eu não vi na­
da além de fragmentos numa caixa). Tanto Meave como Alan ma­
nifestaram essas habilidades já a partir de uma idade precoce, prin­
cipalmente através de uma paixão por quebra-cabeças de armar
(curiosamente, quando crianças os dois gostavam de armar os
quebra-cabeças com as peças viradas de cabeça para baixo, traba­
lhando apenas com as formas, sem nenhum auxílio da figura).
Harry Whittington, que compartilha esta rara habilidade visual,
também manifestou o seu dom desde criança. Harry começou sem
nenhuma vantagem particular em termos de cultura e classe social.
Ele cresceu em Birmingham, filho de um armeiro (que morreu quan­
do Harry tinha apenas dois anos) e neto de um alfaiate (que então

111
o criou). Seus interesses penderam para a geologia graças princi­
palmente à inspiração de um professor de geografia que teve na
sexta série. Todavia, H arry sempre soube reconhecer e explorar
sua habilidade de visualização tridim ensional. Quando pequeno
ele adorava construir modelos, principalmente de carros e aviões,
e seu brinquedo favorito era o Meccano (um conjunto de tiras de
metal que podiam ser aparafusadas umas às outras para dar ori­
gem a inúmeras estruturas). Nas matérias básicas do curso de geo­
logia ele se sobressaiu na interpretação de mapas e, especialmen­
te, no desenho de diagramas de matacões. O tem a constante é ine­
quívoco: uma queda para construir estruturas tridimensionais a
partir de componentes bidimensionais e, inversamente, para re­
presentar objetos sólidos no plano. Esta capacidade de passar de
duas para três dimensões e vice-versa foi fundam ental para a re­
constituição da fauna de Burgess Shale.
Harry W hittington foi obviamente a melhor escolha possível
para o projeto de Burgess. Ele não somente era a m aior autorida­
de mundial em trilobitos fósseis (os artrópodes mais conspícuos
do registro fóssil) como também havia feito seu trabalho mais re­
finado e gracioso (W hittington e Evitt, 1953, por exemplo) a res­
peito de raros espécimes tridimensionais preservados em sílica. O
carbonato de cálcio original desses fósseis havia sido substituído
por sílica, enquanto o calcário circundante conservava sua base
de carbonato. Como os carbonatos são dissolvidos pelo ácido clo­
rídrico, que não afeta os silicatos, a m atriz podia ser totalmente
dissolvida, proporcionando a rara vantagem de preservação tridi­
mensional completamente separada da rocha circundante. Whit­
tington, portanto, fora favorecido com uma formação ideal em­
bora involuntária — para, muitos anos depois, lidar com Burgess
Shale. Ele tinha estudado estruturas tridimensionais no interior
das rochas e depois mostrou-se capaz de avaliar seus palpites e hi­
póteses dissolvendo a matriz e recuperando o fóssil intacto. Esses
estudos “ pré-adaptaram ” W hittington, para usar uma das pala­
vras favoritas do jargão da biologia evolutiva, para a descoberta
e a exploração da estrutura tridimensional dos fósseis de Burgess
Shale.
Se desde o início H arry W hittington soubesse o quanto um
reexame de Burgess Shale iria exigir-lhe em termos de tempo e de­
dicação, ele provavelmente não teria começado. Ele estava com
cinquenta anos por ocasião da prim eira tem porada de coleta, em

112
A CLASSIFICAÇÃO E A ANATOMIA DOS ARTRÓPODES

Não aceite a tradição chauvinista que considera os nossos tempos a era


dos mamíferos. Esta é a era dos artrópodes. Eles nos superam em númeio
segundo qualquer critério — em quantidade de espécies, de indivíduos e nas
perspectivas de continuidade evolutiva. Cerca de 80% de todas as espécies
animais conhecidas são artrópodes, a grande maioria insetos.
Assim, a taxonomia das grandes categorias dos artrópodes transforma-
se em objeto de grande interesse e importância. Muitos arranjos têm sido
propostos e as diferenças existentes entre eles continuam a causar polêmi­
ca. Apesar disso há uma concordância geral por parte da maioria das pes­
soas quanto ao número e à composição dos subgrupos básicos do filo. (Os
relacionamentos evolutivos entre os subgrupos são mais problemáticos mas
este assunto será abordado em profundidade neste livro.)
O arranjo que adotei aqui é conservador e tradicional, o mais próximo
do consenso a que se pode chegar. Reconheço a existência de quatro gran­
des grupos, três ainda vivos e um exclusivamente fóssil (fig. I), e não apre­
sento nenhuma sugestão quanto às possíveis relações evolutivas existentes
entre eles.
1) Uniramia, incluindo insetos, centopéias, miriápodes e, possivelmente,
também os onicóforos (um grupo pequeno e incomum mas particularmen­
te fascinante, do qual mais tarde voltaremos a falar visto que um de seus
membros possivelmente está entre os fósseis de Burgess Shale).
2) Chelicerata, incluindo aranhas, carrapatos, escorpiões, límulos e os
extintos euripterídeos.
3) Crustacea, basicamente marinhos (o tatuzinho, um isópode terres­
tre, constitui uma exceção) e incluindo vários grupos de organismos peque­
nos e pouco conhecidos do leigo mas que apresentam uma fantástica diver­
sidade e são extremamente comuns nos oceanos (copépodos e ostracodos,
por exemplo), além das cracas e dos decápodes (caranguejos, lagostas e ca­
marão), os quais comemos com prazer ao mesmo tempo que consideramos
seus primos insetos repugnantes e intragáveis.
4) Trilobita, o invertebrado fóssil favorito de todas as pessoas, extinto
há 225 milhões de anos mas comum nas rochas do Paleozóico.
Como a decifração da fauna de Burgess Shale depende muito de uma
compreensão a respeito dos espantosamente multiformes e díspares artró­
podes, seremos obrigados a entrar em alguns detalhes relativos a sua ana­
tomia. A fim de que esta perspectiva não lhe pareça assustadora, deixe-me
assegurar que limitarei o jargão a um mínimo absolutamente necessário e
inteiramente compreensível — apenas cerca de vinte termos entre os mais
de mil disponíveis. (Não farei uma relação destes termos mas eles serão de­
finidos no decorrer da discussão. Todos os termos serão sublinhados na pri­
meira vez em que aparecerem.)

113
/. Espécimes fósseis representativos dos quatro grandes grupos de artrópodes, ti­
rados do manual mais utilizado na história da paleontologia, o trabalho de Zittel,
publicado no fina! do século xtx. A) Uma libélula gigante do Carbonífero, repre­
sentando os Uniramia. B) Um euripterídeo fóssil, representando os Chelicerata. O
primeiro par de apêndices da cabeça é pequeno e está oculto sob a carapaça; os ou­
tros cinco pares estão visíveis nesta figura. C) Um caranguejo fóssil, representando
os Crustacea. D) Um trilobito.

O princípio fundamental do traçado dos artrópodes é a metameriza-


ção, divisão do corpo numa série de segmentos repetidos. A chave para o
entendimento da diversificação dos artrópodes está em reconhecer que uma
forma inicial constituída de numerosos segmentos praticamente idênticos
pode evoluir, por meio da redução e da fusão de segmentos e através da
especialização de partes inicialmente similares de segmento diferentes, dan­
do origem ao grande número de anatomias divergentes encontradas nos ar­
trópodes superiores. Felizmente, poderemos compreender as complexida­
des desde aspecto fundamental da evolução dos artrópodes através do exa­
me de apenas duas questões: afusão e a diferenciação dos próprios segmentos
e a especialização dos apêndices.
Os numerosos segmentos independentes e similares dos artrópodes pri­
mitivos (fig. 2) tenderam a sefundir num número menor de grupos especia­
lizados. O arranjo mais comum é uma divisão em três partes: cabeça, re­
gião média e região posterior (também chamadas de céfalo, tórax e pigídio,

114
nos trilobitos, ou cabeça, tórax e abdômen nos insetos e crustáceos). A maio­
ria dos quelicerados tem o corpo dividido em duas partes, com um prosso-
ma seguido por um opistossoma. A extremidade posterior fundida de mui­
tos crustáceos é chamada de telso.
Os artrópodes têm esqueletos externos ou exosqueletos (rígidos mas não
mineralizados na maioria dos grupos, o que explica a raridade dos fósseis
de muitos artrópodes). À medida que os segmentos se fundiram, as partes
de seus exosqueletos se juntaram para formar unidades descontínuas de es­
queleto chamadas tagma. Este processo de fusão recebe o nome de tagmo-
se. Os diferentes padrões de tagmose do esqueleto nos proporcionam o prin­
cipal critério para a identificação dos artrópodes fósseis.
A especialização e a diferenciação dos apêndices é igualmente impor­
tante para a história de Burgess. Cada segmento do artrópode fundamental
não-especializado tinha um par de apêndices — um de cada lado do corpo.
Cada apêndice era constituído de dois ramos ou rami (singular ramusj. Es­
ses rami recebem um nome de acordo com a posição que ocupam — ramus
interno e ramus externo — ou conforme sua função usual. Como o ramus
externo com freqüência tem uma brânquia usada na respiração ou na nata­
ção (ou em ambas as coisas), ele muitas vezes é chamado de ramo bran-
quial. O ramo interior geralmente é usado na locomoção e pode ser chama­
do de ramo da perna, ramo locomotor ou perna locomotora. (O termo co­
mum "perna locomotora” talvez dê ao leitor a impressão de ser ridiculamente
redundante mas “perna” é um termo anatômico e não funcional e nem

A B

2. Os numerosos segmentos similares de um artrópode primitivo, tal como pode


ser visto no trilobito Triarthrus. Com exceção das antenas centrais, todos os pares
de apêndices são semelhantes e birremes. Cada segmento do corpo possui apenas um
par. A) Visto de cima. B) Visto de baixo. Extraído de Zittel.

115
Par de típicos m em b rZ u segment0 do corpo de um artrópode, mostrando um
nembros btrremes. Desenho de Laszlo Meszoly.

tos, por e x e Z Z T pernasPara a Comoção; o aparelho bucal
constituído de pernas ligeiramente modifica-

(literalmente, ' Z m T o ls Z m n Z ffç ^ ° /,ome de membro birreme


desta discussão, inscreva nn f VOCê nãof ixou nenhum outro termo
memória de longa du ~ r ~!VOr a definição de membro birreme em sua
da anatomia dos a r t r á Z Prata~se do aspecto isolado mais importante
Burgess.) Os artrónodp° ^ coníexto da nossa discussão em torno de
ramos, conservando n ^ eSpeaadzadosf re(lüen/emente perdem um dos dois
mo”). (por ravor . outr° como um membro unirreme ("com um só ra-
mória de longa dúrací Z a Unirreme” ao ,ado de "birreme” em sua me­
dos artrópodes registra ^ axonomia das categorias mais elevadas dentro
e birremes nas várias partesde™ntes combinações de membros unirremes

empenham uma oipraf™* maior parte dos artrópodes marinhos de-


tir de uma perspectiva nosparece estranha quando vista apar-
nhos alimentam-se da mesma f vertebrad°s- Alguns artrópodes mari-
res diante da cabeca » / J orma que nós, apanhando os itens alimenta-
»sa suas pernas lo c o m Z * * boca- A maioria, porém,
™Para a frente atéahn ^ ™ P ^ c u la s de alimento e as le-
média ventral (na parte d p ’h at. mvf s de um su*co alimentar situado na Unha
mui ée chamada de dorsal
ma! \ - e^ , tre as Pernas.
d o r s a l jia fartas. (A(síparte
partede
aecima
cimadoaoani-
am
dicessão constituídosderíivl
dices são constituídos de HiJo .rr°P0° P° 6 sign'f‘ca “Pés
es'gn'f'ca “pés articulados”, eosapên-
e osapên-
corno são
ximos ao corpo cõ--------
proximai< . [sos seSmentos. Os
SOSsegmentos- ° s segmentos localh
localizados pró-
apêndices, são distais. O seem ^ mWS distantes>nas extremidades dos
cebe o nome de coxa. A b o rZ á * ma‘s proxin,ul da perna locomotora re-
mentar muitas vezes está Dnm rovrt a ° cfí 0xa
oxa due faz fronteira com o sulco ali­uu
mento t P ^ i o l l
mento Pe levá-lo para aTfrente prov,da
ífi ° ?de
f dentes
dentes utilizados
utilizados para capturar oo ali­
ali
mente, “base mandibu/ar”) 8 ’ 6 recebe 0 n°me de gnatobase (literal
Nós construímos a taxonomia das categorias mais elevadas de artró-
0 e reunindo os dois princípios acima discutidos: padrões de tagmose
fusão de segmentos e especialização dos apêndices através da perda
um ramo e diferenciação do outro. Começando com um artrópode an­
cestral constituído de muitos segmentos não-fundidos, cada um com seu
membro birreme, os principais grupos evoluíram através de diferentes rotas
c tagmose e especialização. Considere os quatro grandes grupos de ar-
lropodes:
1) Uniramia. Como diz o nome, os insetos e formas afins perderam
>nvariavelmente o ramo branquial do membro birreme original; eles cons-
tram seus apêndices (antenas, pernas, partes da boca) exclusivamente a
Partn das pernas locomotoras. (Os insetos respiram através de invagina-
íoes na superfície externa do corpo, chamadas traquéiasj
2) Chelicerata. Os queticerados mais modernos têm seis apêndices unir-
remes no prossoma. O primeiro par — as quelíceras — assemelha-se a den­
ta extremidade dista! e é usado para agarrar. (Este grupo não possui
r íafnC'S ^ ^ se!*unc*0 par — 05 pedipalpos — geralmente tem função senso-
<
‘a ' Quatro últimos pares são usualmente semelhantes a pernas (dando
aranhas suas oito pernas). Todos esses apêndices anteriores evoluíram
Partu do ramo das pernas. Na seção posterior a situação se inverte. Os
apêndices opistossômicos também são unirremes masforam formados apenas
Par trr dos ramos branquiais. (Os órgãos respiratórios das aranhas estão
no abdômen.)
_ ^ Ciustacea. A despeito de uma enorme diversidade de formas que
ao desde cracas a lagostas, todos os crustáceos podem ser reconhecidos
raves de seus padrões estereotipados de cinco pares de apêndices sobre
a cabeça (indicando que a cabeça foi formada por uma tagmose de pelo
menos cinco segmentos). Os dois primeiros pares, geralmente chamados de
j ç t*ínas e antênulas, são unirremes; eles ocupam uma posição pré-oral, adian-
C
e a boca, e têm funções sensoriais. Os três últimos pares ocupam uma
Posição pós-oral, atrás da boca, e em geral são usados na alimentação, co­
mo peças bucais. Os apêndices do tronco muitas vezes conservam a forma
orrreme originai
4) Trilobita. A cabeça de um trilobito apresenta um par de apêndices
Pré-orais (antenas) e três pares pós-orais. Cada segmento do corpo geral­
mente possui um par de membros birremes com pouquíssimas modifica­
ções em relação à presumível forma ancestral.
A estereotipia desses padrões talvez seja o fenômeno mais notável en­
volvendo os artrópodes modernos. Dentre os quase um milhão de espécies
e msetosjá descritas, nenhuma possui um apêndice birreme, e quase to­
das têm exatamente três pares de membros no tórax. Os crustáceos mari­
nhos exibem uma incrível diversidade de formas mas todos apresentam o
mesmo padrão de tagmose na cabeça — dois pares de apêndices pré-orais
e ,res pares pós-orais. A evolução aparentemente escolheu apenas uns pou-

117
c o s te m a s o u p la n o s

m i m a i Ç° a° fim da ^ aferrou'se a eleS


ia d a d iv e rsific a ç ã o d e to d o o reino
caso de B urges ç c/, /
r * * « i * s r m ? - * — os mais assombrosos da
re ução dos pianos bá . e^ te no doe tange a este fenômeno de posterior
Sh re,Presentantesprimitivo w °rganizaCáo dos artrópodes —já que, além
° e: Uma dnicapedreira JL %l°dos os quatro grupos uiteríores, Burgess
se tãolnte designs bdsicos de an ° Umbia Eritânica, contém aindafósseis de
Estas ™Pldarnente? P0r qu r°p °des. Como tal disparidadepôde originar-
estões constituem o n ew<75 Quatro designs básicos sobreviveram?
------ -------tema deste livro.

j 966>e já tinha com • _


tinhA lém d° mais>c omonr ' Sf S suficientes Para o resto de sua vi-
gado„Pesados encargos admi eSSOr de geo,°Sia em Cambridge ele
a outros. mstrativos que não podiam ser dele-
A fauna de Bur
m ai~ a para que’4°ner t0 ’ era uma jóia demasiado bela
S a i h n ° mUndo sabia q u resisp> a« seu fascínio. Ade-
pr°blemasPtaxon-° P° r ^ t i C t o ^ - n f “ ~ ° ^ centralf °
balhar axon°micos. UarrJ nao apresentavam grandes
crevendC00^ Burgess ^ ao * decidir a tra‘
e do n . gUns artrópodes — perava passar um ano ou dois des-
Cponto final”- Ponto final da frase,
Não foi assim
g r l f “a (qa are 0 an° S apenas aC° n tecera m - H arry W hittington
a p ó s a o u t r a PClt0 d° gên ero Marrel/o ^ Crever sua Prim eira m ono-
tidade Hp ’ COmeÇando lentamp ° A s surPresas surgiram uma
nova J ? CCrt0s a« r ó p o d e s eT C’ C° m dúvidas a respeito da iden-
f l o ^ s c e u r ^ 0 ’ em m edos da dí ra n d o-se até co n so lid a r-se uma
tados5 r r " de guia P a i t o d ' ^ de 1970‘ * * p ° " to de vista
f°rm e f Uj le T n ova c°n cep çã 0 da h,°sL trab a,h os su b seqü en tes vol-
ca Passefa con° 38 g r a f i a s taxoS * da VÍda primitiva’ Con'
co atos. Nino ^ lderar esta história r> ° micas em ordem cronológi-
frritadas. RnfU foÍ morto e poucas°m° Um drama clássico em cin-
P°r um períodetant0’ assim como D Pessoas chegaram sequer a ficar
a t o m u S f ° de * «'açâo de 2 , “ r í deix° '1SM P“ ar
um período de 3 PUb,Ícação>no caso d ° S basicamente serenos entre
teri°r. urn dra emp° Simi,ar Produ7,da reavaliaÇao de Burgess Shale
um intelectua, ^ía rn ^ U’ ^ ° r baixo de um pMcido ex-
maior intensidade.
118
O DRAMA DE BURGESS

A to 1. Marrella e Yohoia: O nascimento


e a consolidação da desconfiança, 1971-1974

O UNIVERSO CONCEITUAL COM QUE WHITTINGTON SE DEFRONTOU

Harry Whittington é, por temperamento, um homem cautelo­


so e conservador. Embora tenha contribuído para produzir uma
grande transformação intelectual, ele até hoje se considera um em-
Pirista com capacidade para fazer meticulosas descrições de artró-
Po es fósseis. Seu lema favorito exorta os colegas mais jovens a co-
ocarem os fatos e as descrições antes das teorias, pois “ não se pode
correr antes de aprender a andar” .
W hittington, como faria qualquer paleontólogo que acredi-
asse em fazer as coisas com tranqüilidade e ponderação, come­
çou com o gênero Marrella, o organismo mais abundante em Bur-
gcss Shale. Marrella splendens tem o predomínio absoluto em Bur-
gess Shale simplesmente em razão de sua abundância. Walcott
co etou mais de 12 mil espécimes. O grupo de W hittington reuniu
outros oitocentos e eu estou custodiando mais duzentos coletados
Por Percy Raymond em 1930. Muitas espécies de Burgess são co-
n ecidas a partir de menos de dez espécimes e algumas com base
upenas em um. Com quase 13 mil exemplares, porém, não preci­
samos nos preocupar muito com a possibilidade de destruirmos
uma evidência única através da dissecação ou de não conseguir­
mos encontrar uma posição crucial.
Marrella splendens é o primeiro organismo de Burgess que
alcott encontrou e desenhou; ele está praticamente associado a
Burgess Shale. Ao descrever formalmente Marrella, em 1912, Wal­
cott reconheceu que seu “ caranguejo rendado” não era um trilo-
bito convencional mas mesmo assim colocou Marrella na classe
Trilobita, ordem anteriormente desconhecida. Obedecendo a sua
necessidade de encarar os organismos de Burgess como membros
primitivos de grupos posteriores bem-sucedidos, ele escreveu: “ Em
Marrella o trilobito é prenunciado” (1912, p. 163).
Nem todos os colegas de Walcott ficaram convencidos disso.
Nos arquivos do Instituto Smithsoniano, encontrei uma interessan­
te correspondência entre Walcott e Charles Schuchert, o célebre pa-

119
leontólogo de Yale e ..
descoberta de Bureess oi? ^cador da *enda canônica a respeito da
de seu amigo Walcott s t . 6 6113 P° r ^ a*cott- Após ler o trabalho
escreveu-lhe no dia J>° re ° S artróP°des de Burgess, Schuchert
aia 26 de março de 1912:
Quero lhe dizer cjue d d
'ainda agora, graças à ^ 6 3 primeira vez que vi Marrella — e mais
consigo pôr em minha U^exce*entes desenhos desse animal —, eu não
• c°mo possa ser um triloh? 3 m 6 aQUÍ1° é um trilobito [...] Não vejo
em qualquer trilobito ■° Nunca se v*u brânquias como aquelas
estas idéias mal digerid^ 6*0 6U Por®m estou apenas submetendo
de que Marrella não é mn tri^ ^0ns*deraçao>sem tentar convencê-lo
Mas Schuchert ta
idéia de que todas as c rf t° ^Uanto Walcott comprometido com a
nhecidos, nunca sugeriu ®urgess Pertenciam a grupos co-
limitando-se a insinuar Q orrella fosse um organismo singular,
categoria do bem conhP .b osslbilidade de se colocá-lo numa outra
Para dar u m a T d t h f Up° d° S artrópodes.
tington se defrontou ar. ^ arreiras conceituais com que Whit-
Burgess Shale, agora n r ^ 01” ! ^ 3 redescrever os artrópodes de
do este volume, irei cham 1S°, f r Um exemPlo do que, durante to-
cisão de incluir todos os ^ & calçadeira de W alcott” — sua de-
já existentes. A maior rm f C" eros de Burgess nos grandes grupos
siderar estas páginas ^ e os S to re s terá a necessidade de con-
xonomia e a anatomia d° 3ment,e com os suplementos sobre a ta-
de Pedir um certo esforc °* artrópodes (PP- 109 e 114). Aqui terei
da biologia dos i n v e r t í j S eitores com poucos conhecimentos
de acompanhar, as r e c o m ™ ' Todavia> a História não é difícil
Penharei ao máximo naraPf conceituais são grandes e me em-
forem necessários. O mat ”ec.er 0 contexto e a orientação que
a soluto, e os detalhes c s ^ 13 ° 3? ^ conceitualmente difícil, em
mais, você pode acomnanh maravi,hosos e fascinantes. Além do
Precisar entender todas as ^ acdmente o fio do raciocínio sem
a compreender que Waler>tt°1!1P,eX*d3des da classificação — bas-
e antes de Whittington sih.Q6 ° os os Que estudaram Burgess Sha-
vencionais e que W h ittW r,r3m CSSes orêanismos em grupos con-
diÇao e acabou chegandí a ?, P° Uc° 5 P °uco afastou-se dessa tra-
IS dÍversificação da vida radicaImente diferente da

dgS df Burgess à p. 154 Iteseut^ k flC3Ç3° comPIeta dos artrópo-


03 tabela 3.1). Ele distribuiu de 1912 p r o d u z id a aqui
generos de Burgess em quatro sub-
120
C asses> todas incluídas em sua versão da classe Crustacea. Wal-
c°tt definiu esta classe de forma muito mais ampla que a adotada
atualmente. Ele incluiu praticamente todos os artrópodes marinhos
e de água doce, organismos que abrangem todo o filo dos artró-
Podes tal como ele é hoje definido. Quanto às suas quatro sub-
c asses, os modernos branquiópodes (1) formam um grupo cons-
^ ui o predominantemente por crustáceos de água doce, incluin-
0 o camarão-de-salmoura (Artem ia salina) e os cladóceros ou
Pulgas-d água; os malacostráceos (2) constituem um grande gru-
Po de crustáceos marinhos, que inclui os caranguejos, os cama­
rões e as lagostas; os trilobitos (3) são, obviamente, os artrópodes
osseis mais famosos; e os merostomados (4), abrangendo os eu-
npterídeos fósseis e os modernos límulos, estão estreitamente re-
acionados com os escorpiões, carrapatos e aranhas.
O destino da tabela que Walcott elaborou em 1912 exemplifi­
ca bem toda a história de Burgess. Apenas dois dos seus 22 gêne­
ros pertencem realmente aos grupos em que ele os colocou. Na-
orstia (agora chamado Olenoides serratus) é sem dúvida algu­
ma um trilobito (W hittington, 1975b); Hymenocaris (hoje
anadaspis) é realmente um crustáceo da linha dos m alacostrá­
ceos (veja o Ato 3). Três gêneros (Hurdia, Tuzoia e Carnarvonia)
sao carapaças de artrópodes bivalves cujas partes moles não fo­
ram preservadas; eles não podem ser colocados apropriadamente
em um dos subgrupos dos artrópodes e até hoje permanecem in-
c assificados. Três outros nomes não fazem parte da história dos
artrópodes de Burgess: Tontoia, que possivelmente tem origem
inorgânica e cuja posição continua indefinida, veio do Grand Can-
y°n e não de Burgess Shale; Bidentia é um nome impróprio e esses
espécimes pertencem ao gênero Leanchoilia; Fieldia, identificada
incorretamente por W alcott, é um verme priapulídeo e não ar-
trópode.
Dos catorze gêneros restantes, dois (Opabinia e Anomaloca-
r>s) foram colocados em filos próprios sem qualquer relacionamen­
to conhecido com os grupos modernos; eles e pelo menos uma dú­
zia de outros em situação semelhante (a maioria classificada por
W alcott como vermes anelídeos) constituem os elementos centrais
da minha história. Outros onze foram retirados dos conhecidos
c confortáveis locais aos quais Walcott os havia designado e fo­
ram reclassificados como artrópodes anatomicamente singulares,

121
1912
T A B E L A 3 .1 C l a s s i f i c a ç ã o d o s A r t r ó p o d e s d e B u r g e s s f e i t a p o r W a l c o t t e m

CLASSE CRUSTACEA

1. Subclasse Branchiopoda
Ordem Anostraca
Opabinia
Leanchoilia
Yohoia
Bicientia

Ordem Notostraca
Naraoia
Burgessia
Anomalocaris
Waptia

2. Subclasse Malacostraca
Hymenocaris [Canadaspis]
Hurdia
Tuzoia
Odaraia
Fieldia
Carnarvonia

3. Subclasse Trilobita
Marrella
Nalhorslia [Olenoides serratus]
Mollisonia
Tontoia

4. Subclasse Merostomata
Molar ia
Habelia
Emeraldella
Sidneyia

ora dos limites de variação de qualquer outro grupo fóssil ou too-


aerno. Apenas Naraoia, que W alcott classificou como um crustá-
° yanQulópode, pertence a um grupo conhecido, embora Wa
to . lvesse errac*° na escolha. Naraoia, na verdade, é um trilobx-
ío altamente peculiar (W hittington, 1977).
í” ° ra eu tenha afirmado que ninguém contestou a calÇa'
nroan* W ajcott até W hittington e seus colegas redescreverem os
ismos e Burgess Shale, isso não quer dizer que todos os pa'

122
9*

leontólogos aceitaram as classificações de a co • s.


a escassez de artigos sobre os organismos de Burgess a
senta anos que transcorreram entre as descrições e ^
primeira monografia de Whittington — especia men e .. *
importância da fauna, reconhecida por todos os pa taxonô-
— a limitada literatura existente propôs diversos arran
micos que se afastavam substancialmente daque es mo

Embora divergentes entre si, nenhuma ^dessas <


xou de se manter fiel à principal pressuposição de a

(*) Perguntei a Whittington por que haviam sido feitos tao


sobre os organismos de Burgess Shale antes de suas re e ç^^hsoniano. Ele
espécimes de Walcott sempre estiveram disponíveis no ns 0 que ocorreu
citou diversas razões, todas as quais sem dúvida contn u urioso fato. Em
mas que, em seu conjunto, não são suficientes para e*P embora não tivesse
primeiro lugar, a esposa de Walcott era muito poss ’ desencorajava
nenhum direito de propriedade sobre os espécimes, mesmo a s.m d e ^ ^ ^
os que desejavam estudá-los. Ela odiava Percy aym . , em j927. Ray-
em Burgess tão pouco tempo após a morte de seu mari ° ’dmirador de Walcott, e
mond, por sua vez, não era o que se possa chamar naleontólogo executi-
costumava referir-se sarcasticamente a ele como “ o grandes paleoat S j q que
vo” , por deixar as tarefas administrativas absorverem /yinda de Raymond
impossibilitava um estudo adequado dos fósseis e urg ‘um homem extrema-
esta é uma afirmação excepcionalmente áspera, pois Raymond
mente afável. Al Romer, que o conheceu bem, isse'"* esD0Sa, filhos e o ca-
ocupava a base da “ ordem de bicadas” fami iar, co de peltre, sem dú-
chorro acima dele. Seu passatempo favorito, co ecio no w alcott esteve
vida alguma contribuía para sua imagem pouco viri . sempre teve a in-
Vivo ninguém mais trabalhou com os espécimes, cie„tista
tenção de estudá-los adequadamenle e nlngu m d£ exciusividade são tra­
mais poderoso dos Estados Unidos. (Tais reiv n cientistas de menor pres-
dicionalmente respeitadas na paleoiltologia, mes estatuto de prescrição
tígio; a descoberta implica o direito de descr'ça° ’ eSDOSa de Walcott e a me-
que em geral se estende até a morte do desco ” . &relutância em trabalhar
mória do poder que ele exerceu conseguna p ^ A^ m j o mais, como conta
com o material de Burgess para alé™ d® f o s s e m acessíveis (os poucos utilizados
Whittington, embora os espécimes tip material estava guardado em ga­
na descrição original das espécies), quase g0 disponíveis para exame ca-
vetas situadas no alto dos armários e, por ’oníológicos são iniciados. Outro
suai — a maneira pela qual muitos estu os ecüfício sem ar condicionado
fator é que os espécimes estavam guar a tó)ogos trabalha em universi-
(situação agora remediada). A maioria 0 verão. É preciso dizer mais
dades e tem um razoável tempo livre ape as delícias de Washington nos
alguma coisa a quem quer que tenha exper
meses de julho ou agosto?

123
dc vistâ comp^f^j|
expresso em palavras °jPOr todos os Paleontólogos, e quase nunca
mitado de grupos era' cf ^ ° S ídsseis Pertencem a um número li-
yida geralmente caminh6* 6 bem conílecidos>e de que a história da
cada vez maiores 3 rUmo a uma complexidade e diversidade
y ^ *Sti0
trópodes de Burgess^” ”” 3 3 tare^a de descrever a maioria dos ar-
inverte b r a te p a le o n tn ^ ^ ° bra coletiva intitulada Treatise on
dos], e publicou sp,,* ° Sy\ iTratad° de paleontologia de invertebra-
me dedicado princinJeSU tad° S (Stdrmer> 1959) num grande volu-
foi diametralmente trilobitos- A solução de Stórmer
trópodes de Burgess enfS WalcotL Em vez de distribuir os ar­
eie levou a maioria dei r6 ' eientes 8ruPos ao longo de todo o filo,
não poderia pretende ^ P313 "*Unto d °s trilobitos. Obviamente ele
tre si e tão pouco n a r e ^ 36 t0dos aól>eles animais tão diferentes en-
à classe Trilobita r,r^C1 -°S C° m os trü°bitos pertencessem realmente
blema da disparidaHpPn3ment^ d’ta ' ^ as ^tórmer resolveu o pro-
elegante (embora falsai” 05 artróp°d es de Burgess de uma maneira
grupo evolutivo simostamp0?311(10 t0d° s os PrinciPais gêneros num
trilobitos. Ele chamr,,, nte coerente> situado bem ao lado dos
melhante a trilobito” )65 egrUpo de Trilobitoidea (literalmente, “ se­

ria para que possam™”2 . ^ á ^ 3 demasiado conveniente ou arbitrá-


mas Stórmer teve uma ,lt3r que tenfla sido realmente proposta,
lo* avanços posterior” . T S ? (ÍnValÍdada , como iremos ver, pe-
conhecia a grande di ve^idYdTdP ftaX0nômica)■EIe obviamente re­
des de Burgess mae u ■ de de formas existente entre os artrópo-
base no argumento de Hp ° ngado
n®ado a forjar
f°rj ar uma união taxonômica com
anpnrlipon
apêndices < ■ . . tJUe todos
“<primitiv™’’*36 todos eles nnsdiíam n
e*es Possuíam osc mac
mesmos tipos de
?a — uma estrutura bir n° S Segmentos do corpo posteriores à cabe-
ramo da perna fvein rem®’ COm um ramo branquial acima de um
Como o "trilo íit SUplemento- p - 117).
figuração, os trilobitos n*331^ 111 possuem apêndices com essa con-
tranhos e heterogêneos 10pn?mente ditos e os Trilobitoidea (os es-
Pados num táxon maior *?anisraos de Burgess) puderam ser agru-
sentou o seguinte raciocínio”13” 0 ^ rd°bit°m orpha. Stormer apre-

dices. Visto que os m e m h r r ü ^ 08 pela estrutura básica de seus apên-


característica e bastante a n t ’ ° S trd°hitos parecem ser um a estrutura
talvez possa ser in te ro re tarJ83’ SU3 presença nos artrópodes fósseis
mento entre os diferentes n ro !° m° indício de um estreito relaciona-
ê msmos que os possuem (1959, p. 27).
124
A classificação do, Trilobitoidea feila por S w m er é apresed;
tada na tabela 3.2. Quase todos os dezesseis generos, ç[ul|c
duas exceções, são encontrados exclusivamente em ^
{Tontola, como já foi dito, veio do Grand Canyon,
do Lagerstàtte devoniano do Hunsrückschiefer). ,r agru.
gêneros de Burgess em três grupos: 1) Marre a, soz* ’ ata 0
pamento que Walcott havia colocado na subc asse ef rec0_
grupo dos límulos, uma similaridade super ícia d g aQS
nheceu ao atribuir-lhes o nome de Merostomoidea ( Notos-
merostomados»); e 3) os gêneros q u e s u -
traca, um grupo de crustáceos branquiópod ( Pseudonotos-
perficial que Stòrmer respeitou na escolha d --«seguia aco-
traca). Por mais que tentasse, porém, Stòrmer na sT r}i0bitoidea.
modar todos os organismos de Burgess no grupo de
Quatro gêneros o deixaram perplexo e ele os c° ° ) _ soiu-
sua classificação, na categoria “ subclasse ncer os
Ção que deixou de lado a elegância e o latim. adacom-
Foram duas as razões pelas quais apresentei es a de ^ a l-
paração entre o sistema de Stòrmer e a classi ícaçao o dQ pe_
cott. Primeiro, porque o poder da calçadeira po^ e bora di-
la demonstração de que todas as soluções taxonomí > ^
vergentes em numerosos detalhes, trabalharam com um po tu ado
que nunca sofreu contestação. Tanto Walcott, ao
ganismos de Burgess por um grande número e g™ m jntei_
como Stòrmer, ao juntá-los nos Trilobitoidea, per gurgess
ramente fiéis à regra da calçadeira - todos os generos de Burgess
pertencem a grupos já estabelecidos. Em seg^ t ão de Stòr-
quando Whittington deu início ao seu projeto a 1 noinião in-
mer, publicada no maior compêndio representau
ternacional, era a classificação padrão e m al, a f
podes de Burgess. Os Trilobiloide» de S.drmer fo™»™™ra0 “ X e
to com que Whittington se defrontou ao iniciar su
Marrella.

MARRELLA: PRIMEIRAS DÚVIDAS

A monografia inicial de Harry


rella, não dá de modo algum a imp introdução escrita por

125
- ~ ^ ^ ü ! l Cl0S Trilob»toidea feita por Stbrmer em 1959
SUBFILO TRlLOBITOMORPHA ------------------------
c l a s s e t r il o b it a

CLASSE TRILOBITOIDEA

'■ Subc,asse Marrelomorpha


Marrelia

2- Subclasse Merostomoidea
Sidneyia
Amiel/a
Emeraldetla
Naraoia
Molaria
Habelia
Leanchoilia

3- Subclasse Pseudonotostraca
Eurgessia
Waptia

4. Subclasse Incertos
Opabinia
Cheloniellon
Yohoia
Helmetia
Mollisonia
Tontoia

calçadeira de W alcof/e?*601611*6 3S trad*cionais pressuposições da


tier deu início a todn r ,» ° C° ne d.e diversidade crescente, o sr. For-
B mPreendimento com o seguinte parágrafo:
Lgess Shale, no P arm ip m •
mundialmente famoso p • • acionaI ^oho, na Colúmbia Britânica, é
feros que Charles D w !nigualáveI’ Foi a partir desses leitos fossilí-
creveu [.„] um notável e -Vd Coletou e>subsequentemente, des-
Pelos ancestrais primitivos J 6™ *Cacl0 conj unto de fósseis constituído
como diversos outros fti 6 ^Uase !°das as classes de artrópodes, bem

,'”a i , ' 0!8rif0!Sâ<,meUS1'


Sas que vêm no corpo do trak cont®m nenhuma sugestão das coi-
o trabalh0‘ Ele seguiu o clássico arranjo tá-

126
xon, lugar e tempo. Ele chegou até mesmo a adotar — mas apenas
uma única vez e para seu grande arrependimento futuro — o termo
Trilobitoidea, criado por Stòrmer: “ Redescrição de Marrella splen-
dens (Trilobitoidea), de Burgess Shale, Cambriano Médio, Colúm-
bia Britânica” .
Marrella é um animal pequeno e gracioso (fig. 3.12), inteira-
mente merecedor do nome formal escolhido por Walcott — Mar­
rella splendens. Os espécimes têm de 2,5 a 19 mm (menos de uma
Polegada) de comprimento. A carapaça da cabeça é estreita, com
dois pares proeminentes de espinhos voltados para trás (figs. 3.13
e 3.14). Atrás da cabeça existem 24 a 26 segmentos corporais, cada
um com um par de apêndices birremes (fig. 3.15), constituídos de
uma perna locomotora, na parte de baixo, e de um ramo superior
dotado de longas e delicadas brânquias (a origem do nome infor-
nial de Walcott, “ caranguejo rendado” ). A extremidade posterior
é coberta por um minúsculo botão chamado telso. Em alguns espé­
cimes acham-se preservados traços do intestino. A superfície da ro­
cha adjacente ao fóssil muitas vezes apresenta uma mancha escura
característica — provavelmente um vestígio da matéria corporal que
ressumou para fora do esqueleto externo após a morte do organismo.
Harry trabalhou com Marrella durante quatro anos e meio, pre­
parando, dissecando e desenhando pessoalmente esboços de espéci­
mes fossilizados em diversas posições em relação ao plano de estra-
tificação dos sedimentos. Embora esse tipo de tarefa seja em geral
entregue a assistentes, Whittington sabia que ele mesmo teria de fa-

2 .1 2 . V is ta la te r a l d e Marrella. D e s e n h o d e M a r ia n n e C o llin s .

127

é
!frVe os dois Pares de ap^dice^n P°r WhittinS>on (1971), vista de cima. Ob-
segundo par de espinhos estenri S °'Spares de espinhos na carapaça da cabeça.
S^smo. Os ramos b r a n a Z T * /* Para írás e coh/e todo o comprimento do or-
°s das
ydas aspernas no,adõTèdn
no lado direito ° 0 omitidos no
n° ‘ado
lado esquerdo do animal e os c ra­
das estro,
estrutum<■
estruturo* ao dm eito ~~ em
e"°
,re“° ambos os casos,para.facilitar
______visual
a resolução v
fundir o comuns nas ilustrações científicas mas podem con~
qUe nao esta a par deste costume.

3-14. Visão frontal de MarrpUo


para o leitor (Whittington, 1 9 7 1 ) V‘St° Como se estivesse caminhando diretamente

128
k
3 .1 5 . Urn p a r d e a p ê n d ic e s b ir r e m e s d e Marrella: o s r a m o s b r a n q u ia is e s q u e r d o
e d ir e ito e m c im a , o s r a m o s d a p e r n a e m b a ix o .

zer esse trabalho básico repetidas vezes se quisesse ter alguma espe­
rança de compreender adequadamente os organismos de Burgess e
°s problemas relativos a eles. Muito embora esse esforço às vezes
fosse repetitivo e tedioso, o fato é que ele não deixava de lhe pro­
porcionar um estímulo mais do que suficiente para conservar-lhe a
perseverança. Harry falou-me a respeito de sua decisão de executar
ele mesmo todo o trabalho, um encargo envolvendo vários precio­
sos anos de pesquisas:
Penso que isso foi fundamental. É claro que isso custou muitas horas
do meu tempo mas pude ver tudo com meus próprios olhos e muitas
coisas vão penetrando lentamente em nosso espírito. Eu adoro fazer
a preparação [limpar e expor os espécimes contidos nas rochas, no jar­
gão dos paleontólogos]. É tão excitante encontrar essas coisas ocul­
tas. É uma incomparável emoção revelar uma estrutura escondida no
interior de uma rocha.
Os estudos realizados por Whittington e sua equipe a respeito
dos animais de Burgess são na maior parte revisões e não descrições
originais de espécies recém-descobertas. Assim, eles são apresenta­
dos no contexto das interpretações anteriores e se mantêm como uma
avaliação dos trabalhos feitos no passado. Walcott achava que Mar­
rella era um trilobito ou que, pelo menos, estava suficientemente
próximo deste grupo para compartilhar sua assinatura anatômica.
Stòrmer fizera de Marrella o carro-chefe dos seus Trilobitoidea, o
grupo-irmão dos trilobitos na grande classe Trilobitomorpha. Por­
tanto, Whittington estudou Marrella dentro do contexto básico do

129
relacionamento entre esta espécie e os trilobitos, aos quais e e
cou toda uma vida de estudos. , y ,ar.
Whittington afirmou que a aparência geral do corpo e ^
rella tinha pouca semelhança com o dos trilobitos. A singular
paça da cabeça, com dois pares de espinhos proeminentes; o co >
com tantos segmentos uniformes de tam anho gradualmente eC
cente; o minúsculo botão da extremidade posterior — por certo
nhuma dessas coisas lembra o trilobito “ clássico’ com seu esq«e'
-ões bá-
leto externo geralmente largo e ovalado, dividido nas três seções ^
sicas representadas pelo céfalo, tórax e pigídio (cabeça, corp
cauda, para aqueles que preferem evitar o jargão). ^
Por outro lado, ninguém jamais havia recorrido à f ° rrna, ^ oS
do corpo para sustentar a afinidade de Marrella com os trilo 1
Stérmer havia feito referência a uma forte similaridade entre os aP
dices birremes do corpo e utilizou essa semelhança como a o ^
cional para estabelecer seu conceito de Trilobitoidea. Todavia,
forme Whittington foi estudando centenas de espécimes, ele
mente começou a descobrir diferenças consistentes e, provavelrn
fundamentais entre os apêndices de Marrella e aqueles de to o ^
trilobitos conhecidos. Whittington obviamente admitiu que ^
truturas básicas eram similares. Esta semelhança global nunca
via sido posta em dúvida, e Whittington citou as próprias pa aV ^
de Stórmer ao enfatizar esse ponto: “ Esses apêndices são mais
menos semelhantes aos dos trilobitos (Stòrmer, 1959, p. 26), no s
tido geral de que existe uma perna locomotora segmentada e um
mo branquial cheio de filamentos” (Whittington, 1971, P- 21)- ^
as diferenças começaram a causar uma impressão cada vez mais p
funda em Whittington. A perna locomotora de Marrella, com se ^
subdivisões e espinhos terminais (fig. 3.15), tem um ou dois segmen
tos a menos do que as pernas dos trilobitos. Whittington concluiu
“ Nenhum dos ramos é semelhante ao de qualquer trilobito con
cido e as pernas locomotoras têm um (ou dois?) segmento a meno^
do que as pernas dos trilobitos conhecidos, sendo que os ramos cheio
de filamentos apresentam uma constituição diferente” (1971, P-
A forma como Walcott interpretou a carapaça da cabeça e seu
apêndices (1912 e 1931) proporcionara o mais forte argumento para
que Marrella fosse classificada como um trilobito. Os apêndices a
carapaça da cabeça dos trilobitos (veja o suplemento, p. 119) estão
arranjados de modo característico, quase estereotipado — um Par
(as antenas) na frente da boca e três pares atrás da boca (estudos
mais antigos indicavam existência de quatro segmentos pós-orais mas

130
trabalhos posteriores, especialmente a monografia de Whittington
sobre os trilobitos de Burgess, publicada em 1975, sugerem que três
é um número mais provável). Walcott reconstitui a cabeça de Mar-
rella em perfeita conformidade com o plano de organização dos tri­
lobitos — um par de antenas e três pares subseqüentes que ele cha­
mou de mandíbulas, maxilulas e maxilas (1931, p. 31). Walcott che­
gou a publicar fotografias (1931, prancha 22) com as quais pretendeu
mostrar esse arranjo em detalhes nítidos e complexos. Esta recons­
tituição proporcionou uma forte razão para vincular Marrella aos
trilobitos.
Todavia, à medida que foi estudando várias centenas de espé­
cimes, Whittington logo começou a desenvolver dúvidas que aos pou­
cos cresceram até se transformarem em refutações. Autores poste­
riores haviam aceito a versão de Walcott. (Stõrmer, por exemplo,
que sustentou a existência de um vínculo entre Marrella e os trilobi­
tos, rejeitou a reconstituição que Walcott fizera da cabeça e con­
fiou nas similaridades entre os apêndices corporais.) Whittington foi
o primeiro a descobrir que as ilustrações de Walcott haviam sido
retocadas e que não representavam com fidelidade as estruturas en­
contradas no interior das rochas. Na p. 13, Whittington explica por
que os desenhos que ele fez a partir dos espécimes de Walcott pare­
cem ser tão diferentes das fotografias apresentadas por Walcott em
1931: “ Os originais mostram que suas fotografias foram considera­
velmente retocadas” . Na p. 20, esta avaliação comedida deu lugar
a uma das poucas observações acerbas de todos os escritos de Whit­
tington: “ Várias são tão retocadas que chegam ao ponto de falsifi­
car certos caracteres, especialmente a representação das supostas
mandíbula, maxila e maxilula” .
Whittington encontrou apenas dois pares de apêndices, ambos
pré-orais — na frente da boca — ligados à carapaça da cabeça de
Marrella: as primeiras antenas, longas e com muitas articulações
(equivalente à “ antena” de Walcott e assim interpretada por todos),
e um par de segundas antenas, mais curtas e fortes (a “ mandíbula”
de Walcott), constituídas por seis segmentos, vários deles cobertos
de cerdas ou pêlos. Whittington não conseguiu encontrar nenhum
traço das maxilas ou maxilulas de Walcott, e chegou à conclusão
de que este havia confundido algumas pernas esmagadas e desarti­
culadas do primeiro segmento do corpo com estruturas da carapaça
da cabeça. O próprio Walcott havia admitido que não fora capaz
de encontrar esses supostos apêndices na maioria dos espécimes: “ As
maxilulas e as maxilas eram tão delgadas que elas em geral não
T e Z X S Z 2 » * * •— sid0 dilaceradas ou esmagadas
ton] e os memhrnc S segunc^0 Par de antenas de Whitting-
T odavt . u áC1C° S” (Walcott> 1931, pp. 31-2).
orais (a primeira'Ta s e ^ " ^ 1110 ^ existência de dois apêndices pré-
paça da cabeca de M 8^.nda antenas) e nenhum pós-oral na cara-
tômica- S ^ : rSlla^ resolve inteiramente a questão ana-
vés de uma varieHaH j apen.dlces Poderíam estar relacionados atra-
afinidade taxonômip6 ^ &meios P°SSIVeis e uma decisão acerca da
tington defrontou <se & ep®nde de uma análise do problema. Whit-
an^riorm ent^e c ã ^ u m a 1rfSi8ran<^eS ^ ternativas, todas já propostas
m e i r o lu g a r a s d u a c a n t C a S C o m d i f e r e n t e s i m p l i c a ç õ e s . E m p r i-
n o e in t e r n o ' d e u m 6n aS P ° d e r ia m r e p r e s e n ta r o s r a m o s e x te r -
t e n d o e v T íd o a n c e str a l ~ a P ™ e ir a a n te n a
fila m e n to s e a p r e s e r v a ç ã o 7 ^ ° b r a n q u ia l e x te r n o (c o m a p e r d a d e
m e r o so s se g m e n to s! 7 a d e llc a d a h a s te c o n s t it u íd a d e n u -
r a m o d a p e r n a i n t J n ? s e g u a d a a n t e n a , m a i s s ó l i d a , a p a r t ir d o
m e n t e o r i g e n s d i s t i n t a s ^ h ^ 0 ’ &S d U a S a n t e n a s P o d e r í a m t e r r e a l-
v a s d e d o is D ares \ n d ° s u r g ld o c o m o m o d if ic a ç õ e s e v o lu ti-
a se g u n d a a n te n a n d e d o is s e g m e n t o s d ife r e n te s . P o r fim ,
P o d e r ía n a v e r d a d e S& p a r e c e c o m u m a p e r n a l o c o m o t o r a ,
r io r à c a b e ç a s e m I T T &° P r Í m e Í r o s e g ™ n t o d o c o r p o p o s t e -
cab eça. N esse ca so a 6 m a n .e i r a a l g u m a l i g a d a à c a r a p a ç a d a
a s p r im e ir a s a n t e n a s . & ^ t C n a a p e n a s u m P a r d e a p ê n d i c e s —

Whittington se debateT n^’ mai? d° qUe com qualquer outra, que


se defrontou com um orohlp CSC arCCer a anat°m ia de Marrella. Ele
cimes, se é que algum exihia”13 técmco PorQue pouquíssimos espé-
da cabeça e a carapaça m &crucial ligação entre os apêndices
A extremidade do aDêndi™ „ .
Po — a extremidade distai v ° pos.ta ao P°nto de inserção no cor-
preservada e facilmente v-’ P ° .lnguajar técnico — é geralmente bem
do eixo central do corpo P0rque
ela se Projeta para bem além
— chamada de extremid H &extremidade que se liga ao corpo
Porque permanece sob o &- 6 Pr0X*maI ~ raramente pode ser vista
a mixórdia formada C SC confunde inextricavelmente com
corpo. Peças anatômicas dessa região central do

nar esse problema — t 0da a Sua habilidade para solucio-


busca dos pontos de i n s e r r a ^ ° através da carapaça da cabeça em
curando posições incomuns o u ? ™ ? 110™5’ situados abaixo’ e pr0'
Q pudessem revelar as extremidades

132
proximais dos apêndices. A fig. 3.16 é um esboço feito em câmara
lúcida do espécime chave que finalmente conduziu Whittington à
segunda interpretação — as duas antenas são apêndices distintos,
ambos ligados à carapaça da cabeça. Este é o único espécime que
mostra claramente as extremidades proximais de ambas as antenas,
ligadas separadamente à parte de baixo da carapaça da cabeça.
Considere agora o dilema que Whittington teve de enfrentar
quando começou a escrever sua monografia sobre Marrella. Ele se
fiava na velha concepção de que os fósseis pertencem aos grandes
grupos já conhecidos e que a história da vida move-se em direção
a uma complexidade e diferenciação cada vez maiores. Todavia, Mar­
rella parecia não pertencer a parte alguma. Whittington havia des­
coberto que as pernas dos segmentos do corpo não eram suficiente­
mente semelhantes às dos trilobitos para justificar a inclusão de Mar­
rella neste grupo. Ele havia estabelecido uma seqüência de apêndices
da cabeça — dois pré-orais e nenhum pós-oral — não apenas dife­
rente da encontrada nos trilobitos — um pré-oral e três pós-orais
— mas também completamente desconhecida entre os artrópodes.
O que ele iria fazer com Marrella?
Hoje, esta situação não causaria nenhum problema. Harry iria
simplesmente sorrir e dizer a si mesmo: “ Ah! Outro artrópode que

3 .1 6 . D e s e n h o e m c â m a r a lú c id a d o e s p é c im e c h a v e d e Marrella q u e re so lv e u o g ra n ­
d e p r o b le m a d a r e c o n s titu iç ã o d a a n a to m ia d a ca b eça . E s te é o ú n ic o e s p é c im e q u e
m o s tr a o s d o is p a r e s d e a p ê n d ic e s (in d ic a d o s p o r a( e a J lig a d o s s e p a r a d a m e n te à
c a ra p a ç a d a ca b eça .

133
a disparidade adngTuteu^nfc05!m° dem° S’ mais uma prova de que
história da vida fni f piCe °®° no mício e due a subseqüente
de crescente de d e s i s n s ^ W ^ dizimaçâo e não P°r uma varieda-
ponível em 1971 / ESta interpretação, porém, não estava dis-
cavalo-guia- na v é r ^ 31™ 53 conceitual não podería empurrar este
Em 1971 u a e>a carr°ça nem mesmo havia sido construída,
lhos, os fósseis h/ r " ,estava Preso à idéia de que, sendo ve-
membros não-esnerí^86^ tmham de ser Primitivos — fossem eles
te desenvolveram f &lzados de gruP°s grandes, que posteriormen-
sores m a if d S t er Z maisespecializadas> ou, mesmo, precur-
e podiam ser c o n s id l ^ reuniam características de vários grupos
piorou a idéia de n, ^ ° S ancestra' s de todos eles. Assim, ele ex-
cursor tanto dos t ú \l h \t l nella P° deria ter sido uma esPécie de pre'
razão da vaEa s m 1 p Í C° m° d° S crustáceoí>- dos trilobitos em
pelos característicos Hr,ade " 3 estrutu™ da Perna, e dos crustáceos,
da cabeca íTlm a 1S pares de apêndices pré-orais na carapaça
pois Whittington u®Uí” ento fraco mesmo em seus próprios termos,
ças entre as n í T « o , em detalhes, importantes diferen-
cms á os Z ^ Mr ella 6 38 dos trilobitos, ao passo que os
rella não t e m ln b ^ * PÓS‘° raÍS na carapaÇa da cabeça e Mar'
noção convenciona]11^ ont“ do>Whittington estava aferrado a uma
recer a Marrella daS formas Primitivas e não podia ofe-
dos fósseis mie • a - maiS ?Ue 1SÍ0' Ele escreveu: “Marrella é um
tiva, c a ra c te riz a i1Cam 3 existência de uma fauna artrópode primi-
melhantes aos dns P° r ™embros uniformes em série, geralmente se-
ços associados a ” 0r ltos !•••]e Pda ausência de mandíbulas, tra-
(1971, p. 21) ma 3 lmentaçao haseada em partículas e detritos”

v e z u m ^ Z m a ^ n S s 1^ 111013//1111113 d e c l a s s i f i c a r M a r r e lla . M a i s u m a
v a m a s c a r a c t e r í s t i c a s fu n d í ** P ° S SU Ía t r a ç o s s i n g u l a r e s , q u e v i o l a -
d e s . H a r r y à b e ir a d e te a m e n ta is d e to d o s os g r u p o s d e a r t r ó p o -
t o u p e l a c a u t e l a e nela r a m _ in siS h t r e v o l u c i o n á r i o , d e s t a v e z o p -
lo b ito id e a d e S tó r m e r 1 1 ' ^ ° 6 C o lo c o u M a r r e lla e n t r e o s T r i -
A o f a z ê - l o nfirím / ° P r° d a m a o títu lo d e s u a m o n o g r a fia ,
f h o r j u f e o ’w * ““ “ “ ° d e s g o s t o d e W t a d o ^ ■»«-
Q ue p u s d e a l8 ° ” ' d is s ' - m e e le - m 0d°
t r e g a d o s m a n n s e r ít o d a v ia , n o te m p o d e c o r r id o e n tr e a e n -
t i n g t o n p e r c e b e u m i e ! 6 -° ^e c e b i m e n t o d a s c ó p i a s i m p r e s s a s , W h it -
p o r ser este u m m m f b a n d ° n a r a d e s ig n a ç ã o T r ilo b ito id e a
a história extremamemrimereísanrdâ1313 f® - X°dos
essante da evolução ” QUe eSC0"dÍ3
artrópodes.

134
Disse-me ele: “ Quando vi o termo ‘Trilobitoidea’ impresso acima
de Marrella, eu sabia que aquilo era um erro” . Na verdade, porém,
Marrella constituira o início de uma torrente estrepitosa — e a do­
cumentação desta explosão anatômica logo iria transformar nossa
concepção da história da vida.

YOHOIA: AUMENTA A SUSPEITA

Em sua cautelosa exploração dos artrópodes de Burgess, Whit-


tington tencionava prosseguir de acordo com a ordem de abundân­
cia. O próximo na fila era Canadaspis, mas Whittington queria que
um dos estudantes sob sua orientação se ocupasse de todo o grupo
de artrópodes dotados de carapaça bivalve (Derek Briggs iria exe­
cutar este trabalho com brilhantes resultados, como será visto no
Ato 3). Os próximos, em termos de abundância, eram Burgessia e
Waptia, dois gêneros que Stormer havia reunido na subclasse Pseu-
donotostraca. Contudo, Whittington havia entregue esses gêneros
ao seu colega Chris Hughes (que publicou um estudo sobre Burges-
Sla’ em 1975, mas ainda não terminou seu trabalho sobre Waptià).
Portanto, Whittington atacou o próximo artrópode mais abundan­
te (cerca de quatro centenas de espécimes) — o curioso gênero Yo-
hoia, assim denominado em homenagem ao parque nacional no qual
Burgess Shale está localizado.
A segunda monografia de Whittington, seu estudo de 1974 so-
re Yohoia, assinala uma transição sutil porém interessante em sua
maneira de pensar, um passo necessário rumo à grande transforma­
ção que viria a seguir. Whittington se debatera com Marrella e ha­
via chegado à conclusão empírica correta — que o gênero mais co­
mum de Burgess não podia ser colocado em nenhum grupo conhe­
cido de artrópodes. Faltava-lhe, porém, a estrutura conceituai para
encarar os organismos de Burgess como outra coisa que não formas
primitivas ou ancestrais — e ele por certo não estava inclinado a
elaborar uma nova sinalização para um único exemplo que podería
ser atípico. Todavia, enquanto um é uma esquisitice, dois já é uma
possível generalidade. Com Yohoia, Whittington fez seu primeiro
movimento explícito rumo a uma nova concepção da história da vida.
Yohoia é um animal bastante peculiar. À primeira vista parece
ser “ primitivo” e pouco complexo (fig. 3.17) — um corpo alonga­
do e uma carapaça da cabeça simples, sem excrescências ou espi­
nhos estranhos. Walcott classificara Yohoia entre os branquiópo-

135
certos no final d a c l l! ! 1? ^ . 65?6 organismo entre os gêneros in-
rém, Whittington ficava rU° b,toidea-Conforme ia avançando, po-
Yohoia encaixava « Cada vez mais intrigado. Nada relativo a
O estadode cZJ mQ~UalqUer grUpo conhecido-
los padrões de B u rg e s s ^ W h ^ 70^ * deixava muit0 a desejar pe'
frar a ordem e n n rf •’ j Wblttington teve dificuldades para deci-
nomia dos artrÓDod3^ ^ ° S apêndices ~ um fator crucial na taxo-
cabeça tinha nrovav^ 6 acabou chegando à conclusão de que a
remes — até aaui tr^S pares de Pernas locomotoras unir-
dos trilobitos e está & 6 excePc*onaI, já que esse padrão é típico
situou Yohoia entr* co®r®” te com a classificação de Stormer, que
todas as anomalias estó bem 'blt° ldea’ Entretanto, a mais curiosa de
de par de ao ê n d l.c í na parte frontal do animal - um gran-
tes segmentos, na base T agarrar’ constituídos por dois for-
Este design é uni™ o í P° r ^ uatro espinhos, nas extremidades,
guiu encontrar nenhum16 ° S artrópodes e Whittington não conse-
ponível. Com eleeanm .noi” e p a ra ele em todo o vasto jargão dis-
tizou essa estrutura d í?1*3 icidade>ele optou pelo vernáculo e ba-
Y o h o ia S T gfande apêndice” .*
cabeça - nenhum ^a^teía ° Utr° 3pêndice " a CarapaÇ3 ^
sim chamadas . a’ nenbuma estrutura alimentar (as as-
podes são pernas modUf I PCÇ&S bucais de insetos e outros artró-
Ção de estranheza ou mT* as ~ a principal causa de nossa sensa-
insetos ampliados ^ ao assistirinos filmes que mostram
corpo poaeriOTe, i ™Kltand‘« ') - Os primeiros dez segmentos do
dos de cerdas ffío i i o6Ça possuem apêndices lobulares guarnecí-
os apêndices do primeirn I T t3mbém a fig‘ 3‘17)' E possível que
em que havería tamhóm gment0 tenham sido birremes, hipótese
tington não íòi cana7 d T ^ de PCrnas ^ m o t o r a s - mas Whit-
capaz de esclarecer satisfatoriamente a condição dos

gularidade deste criou um problem ^ 6'* 011 de n° tar esse Proem inente órgão, e a sin-
qui poc*e - Ele escapou deste dilema P3ra SUa co n c^us®° d® Qu® Yohoia era um bran-
estrutura utilizada pelo m acho Dara argum entando que o grande apêndice era uma
sente em m uitos branquiópodesl 3 ^ m ea durante o acasalam ento (e pre-
tmes apresemavam os g r a n d e s a ^ " 810"' p orém - verific° u que tod os os espé-
) W alcott colocara duas esr»V *C refutanc|o o raciocínio de W alcott.
W hittin8ton Percebeu que os d o“ 1dem ro do gênero Yohoia - Y. tenuis e Y.
, j ®rentes. Y. plena, que possui am e an™ a,s ef am distintos e pertenciam a gêne-
tiro íS 6 Carapaça bivalve que logo será j Um fil°ca ríd eo , um d os artrópodes do-
o oh t ta: SPéCÍe de Y°*oia e cd o u ^m ' d a d 0 P° r Derek W hittington re-
je o da m onografia de 1974 e z n° V? 8 ®nero> Plenocaris. Yohoia tenuis foi
• e é um anim al bastante estranho.

136
cap ^ V -> apl ap5

^7. Reconstituição de Yohoia feita por Whittington (1974). Observe o grande apên-
‘ce s‘n8ular (indicado por rga e \ga), preso à cabeça.

apêndices devido a sua má preservação. Os segmentos 11-13 são ci­


líndricos e não possuem apêndices, ao passo que o último segmento
(o 14) forma um telso achatado ou cauda. Outra vez, a disposição
dos segmentos e dos apêndices diverge fortemente do típico padrão
dos trilobitos, em que há membros birremes em cada um dos seg­
mentos do corpo. Com seu grande apêndice frontal e a curiosa dis­
posição dos seus membros, Yohoia era um órfão entre os artrópodes.
Whittington (entrevista de 8 de abril de 1988) recorda-se do es­
tudo sobre Yohoia como um momento decisivo em sua maneira de
pensar. Ele havia assimilado Marrella, apesar de sua singularidade,
por considerá-la um organismo primitivo e um precursor de outras
formas de vida. Yohoia, porém, forçou-o a ver as coisas por uma
otica diferente. Esse animal alongado, basicamente simples e com
o corpo constituído de muitos segmentos, realmente tem, sob alguns
aspectos, uma aparência primitiva. “ Este animal” , escreveu ele,
“ assemelha-se ao artrópode primitivo hipotético de Snodgrass, pois
o canal alimentar estende-se por todo o comprimento do corpo”
(1974, p .l). Mas Whittington não ignorou as peculiaridades do ani­
mal, especialmente a forma dos grandes apêndices. Ele havia pro­
curado fazer uma reconstituição dinâmica de Yohoia — mostrando
de que modo os apêndices lobulados guarnecidos de cerdas pode­
ríam ter sido usados na natação, na respiração (como brânquias)
e no transporte de partículas de alimento, e como os grandes apên­
dices poderíam ter capturado presas com suas extremidades seme­
lhantes a espinhos e então se dobrado para trás, levando o alimento
diretamente à boca.
Todas essas características eram especializações anatômicas úni­
cas que provavelmente ajudaram Yohoia a atuar de forma eficiente
e, à sua própria maneira, adaptativa. Esse animal não era um pre-

137
vesenho

com uma mistura HP „„ UCaS esquisitices>mas uma entidade própria,


diz respeito ao exosnn i ^ enst*cas Primitivas e derivadas. “ No que
“ Yohoia tenuis é evidp ? &3° S apêndices” . escreveu Whittington,
Assim, ao i n l S se? d mpente eSpeda,izado” 0974, p.l).
concluído monografias s o h r o T - ™ 300 d e 1975, Whittington havia
mo curioso resultado. Marrel/ae S ° P° d ~S * ^ °^
nhum lugar e não era • ‘ ° e \ ° ' loia nao se encaixavam em ne-
aurora dos tempos nr” Cnaturas ^mples e pouco especializadas da
tes complexos e ° n 3S P3ra serem substituídas por descenden-
zados, com caracterí«r0rnP^tenteS' ° S dois eram animais especiali­
zados ao seu modo de^ ^d SmgU,ares e’ aParentemente, bem adap-

SYSTEMATIC DESCRIPTIONS
CIF a™ v Y °BITOIDEA S.tormer> 1959?
GemT, v ° í D.AE ^enriksen, 1928
enus Yohoia Walcott, 1912

cou Y ohoia na classe TrZbUoidea WhÍttin«ton P- 4) ainda colo-


e Massificação de Stetrmer ' ^ man‘f eslasse sua dúvida quanto à vaii-

138
Whittington continuava df n® ^ p ■vez ele ainda
essas suspeitas em taxonomia formaL com duas diferenças
colocou Yohoia na classe Tnlobitoid , n0 título de sua
fundamentais. Ele não usou acategori ,nterrogação após a de_
monografia e inseriu um Pr^ J 1C° P° 74? 0 primeiro sinal aber-
signação taxonômica forma! (1974, P- vJhitüngton eScreveu: “ Es­
to de desafio à velha ordem (fig- 3.19). dentro dos Trilobi-
tou em dúvida se YoHcU, s' r “ ^ n S a l de um ponto
toidea” (1974, p. 2). Nunca duvide da torça
de interrogação.

A to 2. Firma-se um n o v o ponto de vista,


homenagem a Opabinia,

_f:a de 1975 com uma de-


Harry Whittington abriu sua monogr ^ notáveis da his.
claração que deveria ser considerad ontro da Sociedade Pa-
tória da ciência: “ Ao ser exibida num figura 82 [reprodu-
leontológica, em Oxford, uma versão m sonoras risadas,
zida aqui como fig. 3.201 M ^ í i d í d e t o s e animal” (1975a,
presumivelmente um tributo à singua minha afirmação? O
p. 1). Você está se sentindo frustraa° inofensiva que nem deixa
que há de tão incomum numa sentei v científica? Bem, você pre-
de lado a tradicional voz passiva a Pr° dem famiiiarizado com o
cisa conhecer Harry Whittington e es como já disse mui-
estilo tradicional das monografias tecm duvjdo que nos vários mi-
tas vezes, é um homem conserva or. ^ tivesse escrito algo pes-
lhares de páginas de sua lavra ele a gu -t0 de um acontecimento
soai e, muito menos, uma anedota a gdo apenas na voz passi-
transitório. (Mesmo aqui ele chegou _ _ Whittington a abrir uma
va.) O que, então, poderia te r leva ° .,nsoDhiCal Transactions ofthe
monografia técnica publicada na ,jva pessoal que parece to-
Royal Society, London com uma n , Alguma coisa bas-
talmente inadequada nesse tipo e P
tante incomum estava prestes a aco
d história geral deste livro
(*) Considero este um asPectoJ rUCiai eh£ ton chegou a esta nova interpre-
- isto porque não há dúvida de Harry^ « 1 ^ dos indicios e nao por um
tação a respeito de Burgess a partir o acu reformador radical,
desejo « p rio ri de entrar para a história como um

139
tm v w

3.

m o s tr a n d o 0S C inc0 0 ,h o s ° o b r è nò Y eita/ ° r W h ittin Z t o n (1 9 7 5 ). A ) V is ta d e c im a ,


te n ta ç ã o d a s n a d a d e ir a s c a u d a P e r fw ,e d o r s a l d a c a b e ç a . B ) V ista la te ra l: n o te
a d ire ita . ™ « d a ,s e m re la ç ã o a o c o r p o . A s u p e r fíc ie d o r s a l e s tá

3,21 ■ Opabinia, mostranH

e T cau d^ d^ n -Cabeça- as subdilTsõesfd ° ntal C° m ° QUe,a terminal< ° s cmco olhos


d » i d i d a e m tr ê s s e g n J ° ? ° ’ c o m b r â n q u ia s n a p a r t e d e c im a ,
tos- d e s e n h o d e M a r ia n n e C o llin s .

140
Em 1912, Walcott havia descrito Opabinia como mais um crus­
táceo branquiópode. O curioso design e, especialmente, o bizarro
focinho frontal (fig. 3.21) fizeram de Opabinia a principal atração
dentre os organismos de Burgess. Muitas reconstituições diterentes
foram tentadas mas todos os autores haviam encontrado um lugar
para Opabinia no grande grupo dos artrópodes. Opabinia, na con­
dição do mais intrigante de todos os artrópodes de Burgess, conti­
nuava sendo um desafio e, pela lógica, era o próximo passo de Harry
Whittington, que já havia escrito duas monografias sobre gêneros
comuns (Marrella e Yohoia) e uma acerca da estrutura dos mem­
bros dos trilobitos (1975b).
Whittington começou a estudar Opabinia sem entreter a me
nor dúvida acerca de sua condição de artrópode. Logo ele teve a
maior surpresa de sua vida, embora extravagâncias menores, como
Marrella e Yohoia, o tivessem preparado para a estranheza da fau­
na de Burgess. Whittington apresentou sua primeira reconstituição
de Opabinia em 1972, no encontro anual da Sociedade Paleontoló-
gica, em Oxford, a principal associação profissional dos paleontó­
logos britânicos.
O riso é a mais ambígua das atitudes humanas, pois pode in­
corporar dois significados contraditórios. Whittington reconheceu
que as risadas de seus colegas de Oxford expressavam perplexidade
e não escárnio — mesmo assim elas o deixaram bastante chocado.
Tanto Simon Conway Morris como Derek Briggs — seus dois es­
plêndidos alunos — admitiram que essa reação de Oxford assinalou
um momento decisivo no trabalho de Harry com os organismos de
Burgess Shale. Ele simplesmente precisava dissipar o efeito daquele
riso inesperado e incongruente. Ele precisava desarmar seus colegas
com uma reconstituição de Opabinia tão incontestável que todas as
suas peculiaridades pudessem ser reconhecidas como fatos e nunca
mais voltassem a perturbar os encontros dos membros da comuni­
dade científica com o espírito do Allegro, de Milton:
Apressa-te, ninfa, e traze contigo
Gracejos e Jocosidade juvenil, [...]
Escárnio que zomba da Preocupação,
E Gargalhadas a morrer de rir.
Embora Opabinia seja um animal raro, do qual existem ape­
nas dez espécimes em boas condições (Walcott encontrou nove e o
Serviço de Levantamento Geológico do Canadá coletou outro, na
década de 1960), Walcott estabeleceu sua importância como elemento

141
uma posição elevada^de ^ Bur?ess ShaIe- Ele conferiu a O p a b in ia
tre os artrópodes de’B SCreve"do esse ^nero em primeiro lugar en-
O p a b in ia no alto de , ess (ve J a a tabela 3-i). Walcott colocou
Po alongado com saa classificação porque ele considerava o cor-
Plexos ou nròemin»°! ° &muitos segmentos e sem apêndices com-
possível ancestral dm f ’ r°,m° Uma <<forte indicação de ser ele um
ou vermes s e lm e n S an? dfos 0912, p. 163). Como os anelídeos
quetos marinhos) são ° S ^nclumdo as minhocas terrestres e os poli-
lacionado com os ar/ ?resam,velmente, um grupo estreitamente re-
rísticas dos dois fjir> ropodes’ um an™al que combinasse caracte-
e agir como um pi S P° Cna mud0 bem ser um ancestral de ambos
dos. Para Walcotf° ^ntr®esses dois grandes grupos de invertebra-
de Burgess o ! ! ’,” era 0 mais Primitivo dos artrópodes
todos^os grupos posterioíesPrÓXim0 ^ Um Verdadeiro ancestral de
cott reconheceu^™ caracten'sticas de artrópode que Wal-
diz respeito à cah* P°- E*e P °uco tinha a oferecer no que
apêndice nesta nart^w V1St° nã° ter conse8uido encontrar nenhum
terpretado como 1 C° rP° ‘ ° “ focinho” frontal podería ser in-
Patíveis com o m o d e lo ^ 6 a" tenas fundidas e os olhos eram com-
olhos, mas Whittin ° S artr°P°des (Walcott observou apenas dois
«ao. W a S a lrr - d0is paread0S ‘ um * •
ços de antênulas a m ^ nenhuma das cabeças [...] apresenta tra­
ces eram grandes ei n3S’ mandlbu*as ou maxilas. Se esses apêndi-
ficado ocultos por baLn6^ ^ 3™111’ Se eram Pe<3uenos>Podem ter
foi comprimida e achat h a,,8™nde porÇao posterior da cabeça, que
Ção um admirável exerrf \ a 1912, P‘ !68^ Considero esta afirma­
mente inconsciente w ? ° de tendenciosidade científica aparente-
Pode, de modo Que o I S S T que ° P abi™ era um artró-
Como não encontrou 3mn?a tinba de possuir apêndices na cabeça,
a ausência deles — 0u T " Um’ ^?ram fornecidas explicações para
vam ou tão pequenos n,?f r 3m tã° grandes que sempre se quebra-
Walcott nunca cheeon 9 lcavam escondidos debaixo da cabeça,
a de que os apêndices nâ* me” ?’onar a terceira e óbvia alternativa —
(Walcott, aliás ta °hPOdiam ser vistos porque eles não existiam.
ximo parágrafo_qUeT ,em cometeu um outro erro — veja o pró-
gencial mas que salienta3 ^ pareça meramente engraçado ou tan-
servações de acordo com &laiportante questão de que fazemos ob-
não somos capazes de “ ve ” Cg° r*aS preestabelecidas e muitas vezes
um conjunto de irre c io \ ? que está bem diante de nós. Embora
gulandades empíricas possa ter impulsionado

142
I
I a revisão de Burgess Shale por parte de Whittington e seus colegas,
a verdade, como iremos ver, é que a estrutura conceituai da nova
visão, aglutinando-se entre 1975 e 1978, estabeleceu um novo con­
texto que permitiu a realização de novas observações. Não estou de­
fendendo nenhuma espécie de relativismo; os animais de Burgess são
o que são. Todavia, os antolhos conceituais podem tornar impossí­
vel a observação, ao passo que um conhecimento mais preciso das
generalidades não garante a elucidação de questões anatômicas es­
pecíficas, embora certamente possa orientar nossa percepção para
caminhos mais profícuos.)
Walcott, obedecendo a nossa tendência básica para classificar
os seres vivos de acordo com o sexo, encontrou dois espécimes que
Pareciam não ter o focinho frontal. (Embora Walcott pensasse que
esses espécimes eram realmente desprovidos de focinhos, Whitting­
ton posteriormente dissecou um desses espécimes e encontrou a borda
dentada do ponto de ruptura, provando que os focinhos haviam se
quebrado.) Num dos espécimes, Walcott encontrou uma estrutura
delgada, com duas pontas, no lugar do focinho. (Isso revelou-se um
fragmento de um verme, mas Walcott interpretou-o como uma au­
têntica parte de Opabinia, na mesma posição do focinho dos outros
espécimes.) Assim, Walcott concluiu que havia descoberto a exis­
tência de dimorfismo sexual em Opabinia: o focinho forte e vigoro­
so deveria pertencer ao macho (naturalmente) e a estrutura delgada
à fêmea, mais delicada. Ele escreveu que essas supostas fêmeas “ di­
ferem do macho [...] possuindo um apêndice frontal delgado e bi-
fendido, em vez da sólida estrutura do macho” . Ele chegou até mes-
mo a introduzir os estereótipos dos agentes ativos e passivos em suas
distinções fictícias, argumentando que o focinho “ provavelmente
era usado pelo macho para agarrar-se à fêmea” (1912, p. 169).
A principal justificativa de Walcott para ter considerado Opa­
binia um artrópode está em sua interpretação dos segmentos parea-
dos do corpo. Ele via essas abas como ramos branquiais de apêndi­
ces ancestralmente birremes. Ele julgou ter observado dois ou três
artículos “ curtos e razoavelmente fortes” (1912, p. 168) na base de
cada aba, vindo em seguida um extenso lobo dotado de brânquias.
Ele também esperava encontrar os ramos da perna (interiores) mas
nunca conseguiu convencer-se disso e acabou concluindo que as per­
nas locomotoras provavelmente assumiam uma forma “ insignificante
ou rudimentar” (1912, p. 163).
Walcott estava evidentemente incomodado com o fato de Opa­
binia não ter preservado nenhum sinal de afinidade com os artró-

143
podes. Chegou até mesmo a esmagar alguns anostráceos modernos
entre placas de vidro, tentando simular as condições em que ocor
reu a fossilização dos animais de Burgess. Esse ato drástico
proporcionou-lhe algum consolo, porque tal tratam ento com tr
qüência eliminava todas as evidências dos delicados apêndices,
escreveu: “ Após ter comprimido espécimes de Brachinecta e Bran
chipus entre placas de vidro e tê-los estudado, é para mim uma gran
surpresa que alguma característica nítida dos apêndices esteja pre
servada nos fósseis em condições de ser reconhecida” (1912, p. 1 J ’
Walcott demonstrava assim a principal habilidade de sua profissão
adotiva, a administração: ele havia apresentado a advérsidade so
a luz mais favorável. Opábinia continuaria sendo um artrópo
Walcott havia sido bastante cauteloso em comparação com
constituições posteriores, as quais acrescentaram cada vez mais^_
racterísticas de artrópodes com cada vez menos compunção.
1931, o grande ecologista G. Evelyn Hutchinson, impelido para
paleontologia pela fascinante questão de como os anostráceos pu
deram alterar suas preferências ambientais e trocar os mares do P
ríodo Cambriano pelos modernos lagos de água doce, reconstitui
Opabinia na típica posição de cabeça para baixo de um anostr
em natação (fig. 3.22). Ele transformou as abas laterais em
apêndices em forma de lâmina elegantemente adaptados ao flan
de uma carapaça de artrópode. . •
O clímax desta imaginativa tradição ocorreu com a recons i
ção de Simonetta (1970),* esteticamente admirável porém fantasi^
sa. Opabinia transformou-se num artrópode ideal (fig- 3.23).
cinho frontal é apresentado com uma sutura longitudinal (inteir
mente imaginária), indicando que ele se originara de um par
antenas, agora fundidas. Simonetta “ encontrou” dois pares adicio

(*) A. M. Simonetta, um paleontólogo italiano, merece um crédito muito n*3


do que este livro tem espaço para lhe proporcionar. Sozinho, após Walcott e an
de Whittington, ele tentou levar adiante um amplo projeto de revisão dos artr P° ^
de Burgess. Utilizou o mesmo método e os mesmos espécimes de Walcott, encara
do os fósseis basicamente como películas sobre a superfície das rochas, sem ten ^
fazer nenhuma preparação dos espécimes. Assim, cometeu muitos equívocos num
longa série de trabalhos publicados ao longo das décadas de 1970 e 1980. Todavia,
ele também acrescentou substanciais aperfeiçoamentos a muitos estudos anterior
e, através de sua extensa produção científica, não permitiu que a grande riqueza re
presentada pelos organismos de Burgess Shale fosse esquecida pelos paleontólogos^
Como a ciência é um processo de correção e aprimoramento, os erros cometidos p°
Simonetta também proporcionaram um importante estímulo a Whittington e seu
colaboradores.

144
nais de apêndices curtos de artrópodes na cabeça de Opabinia
um reconstituído a partir de um par de olhos e o outro a partir de
uma saliência da carapaça. Em cada segmento do corpo, Simonetta
desenhou um apêndice forte e birreme — um ramo branquial em
forma de lâmina acima de um pequeno mas sólido ramo da perna.
Ao iniciar seu trabalho com os dez preciosos exemplares de Opabi­
nia, Whittington encontrou diante de si essa tradição nunca antes
contestada.
Agora cheguei ao fulcro deste livro. Ainda tenho um pouco de
vontade de escrever as páginas seguintes usando apenas maiúsculas
ou letras vermelhas, mas desisto em atenção às tradições estéticas
da impressão de livros. Também me abstenho porque não quero criar
mais uma lenda (após ter desfeito uma em relação à descoberta de
Burgess Shale). Minhas emoções e meus desejos são ambíguos. Es­
tou prestes a descrever o principal momento deste drama mas tam­
bém estou comprometido com o princípio histórico de que tais mo­
mentos não existem, pelo menos não como nossas lendas os pro­
clamam.
Momentos decisivos são coisas de criança. Numa história co­
mo esta, envolvendo tantas pessoas empenhadas em complexas con­
tendas intelectuais, como seria possível dizer que um determinado
momento é o único foco dos acontecimentos ou mesmo o mais im­
portante? Eu tenho me esforçado para conhecer a fundo todos os
detalhes e dispô-los segundo a ordem mais apropriada. Como po­
dería pôr a perder todo esse esforço em favor do mito da descober­
ta triunfal? Eu suponho que se possa descobrir um único objeto —
o diamante Hope, digamos — num determinado momento, mas mes­
mo um acontecimento como esse envolve um labirinto de inevitá­
veis antecedentes na forma de conhecimentos geológicos, intrigas

3.22. Opabinia reconstituído por Hutchinson como um anostráceo nadando de ca-


beça para baixo, na posição moderna (1931).

145
políticas, relacionamentos pessoais e sorte. Eu, no entanto, est
alando de uma transformação abstrata e importante em n0^ a 0
sao acerca dos padrões e do significado da história da vida. L0
uma alteração tão complexa poderia influenciar um momento a
nor, em que ainda não havia acordo, e outro posterior, em Qu
avia passado a existir? Será que a seleção natural, o conceito ^
aissez-faire na economia, o estruturalismo, a base racional J>at _
Imaculada Concepção de Maria ou qualquer outra proposição
ral ou intelectual complexa foram formuladas por uma única P
soa, num determinado dia e lugar?*
Todavia, como disse Orwell a respeito de sua Rússia, represe
tada metaforicamente por um terreiro de fazenda, alguns anl1*1
são mais iguais do que outros. Nós temos necessidade de deta
heróicos e de momentos nos quais possamos concentrar nossa a
ção a maçã que atingiu Newton e os objetos que Galileu não
rou da torre inclinada de Pisa. A busca continua, mas podemos
cernir um ponto de relevo na continuidade. a
Penso que a transformação de Burgess Shale realmente teve
espécie de Rubicão, pelo menos simbolicamente — uma desco e
fundamental que possa marcar a divisão entre o antes e o depo ^
E assim retornamos a Harry W hittington, tendo diante e
todo o estoque mundial de Opabinia. Todos sempre haviam
ficado este animal como um artrópode, mas ninguém encontrara
apêndices segmentados que caracterizam o grupo. Por outro Ia ’
ninguém antes de Whittington tivera ao seu alcance as técnicas n
cessárias para se procurar pequenos apêndices ocultos sob uma ca^
rapaça externa. Poucos anos antes, Whittington havia feito a
coberta metodológica fundamental de que os fósseis de Burgess S a
eram objetos tridimensionais (ainda que comprimidos), com cama
das superiores que podiam ser removidas para revelar as estrutura
situadas embaixo. Com este método, Harry já havia decifrado o
segredos de Marrella, Yohoia e dos trilobitos de Burgess.
Opabinia praticamente implorava para ser submetida a um cru
ciai estudo com a utilização das novas técnicas: dissecação atra ves

(*) Meus amigos católicos talvez citem Pio ix e o dia 8 de dezembro de 185
em re ação ao (ritmo item da minha lista> mas Ineffabjlis Deus foi uma resoluça
ícia sujeita s regras da instituição, e ninguém seria capaz de apontar um determ
nado momento como o mais importante de todo um milênio de debates que anteo
eram a medida. Quanto à longa e complexa luta de Darwin para desenvolver a te<
na da seleção natural, veja a obra de Howard Gruber, Darwin on man. (Nova Yorl
Dutton, 1974),

146
3,23. Bela porém enganosa restauração de Opabinia corno um artrópode, feita por
Simonetta (1970), A ) Vista de cima. B) Vista lateral. Simonetta representou o foci­
nho frontal como se fosse constituído por antenas fundidas e desenhou ap n ic
birremes em cada um dos supostos segmentos do corpo.

da carapaça para encontrar os apêndices do corpo e seus acessórios,


e dissecação através da carapaça da cabeça para expor os apen ices
frontais. E assim Harry dissecou, crente de queria encontrar os apên­
dices articulados dos artrópodes. Harry dissecou e não encon
trou nada sob a carapaça.
Opabinia não era um artrópode. E, com certeza, tampouco era
alguma outra coisa que alguém pudesse especificar. Observan o me
lhor, nada de Burgess Shale parecia encaixar-se em qualquer grupo
moderno. Marrella e Yohoia pelo menos eram artrópodes, ainda que
orfanados dentro desse grupo gigantesco. Mas e Opabinia, o que era.
Embora a conclusão a que Whittington chegou possa ter-sido
desconcertante, ela foi também libertadora. Opabinia não tin a e
se conformar aos requisitos do design dos artrópodes ou de qua
quer outro grupo. Whittington poderia chegar mais perto da inatin­
gível meta de Parsifal do que qualquer outro paleontólogo jamais
havia chegado — o perfeito ignorante, sem nenhuma idéia precon­
cebida. Ele poderia simplesmente descrever o que via, por mais es­
tranho que aquilo fosse. , ,. .
Opabinia é de fato peculiar, porém não inescrutavel. Ela e oi-
lateralmente simétrica e funcionalmente semelhante à maioria dos
animais. Tem uma cabeça e uma cauda, tem olhos e um intestino
que vai da extremidade anterior até a posterior. Trata-se e uma cria
tura ideal para qualquer cientista decidido — não tão louca a ponto

147
de ser intratável porém estranha o suficiente para fazer vibrar q
quer pessoa curiosa. deces-
Whittington iniciou a monografia repreendendo seus pre ^
sores pela adesão incondicional ao modelo artrópode e por sua ^
seqüente tendência a confiar mais nas expectativas do mo ®0
que na observação dos espécimes: “ O contínuo interesse em P ^
nia não foi acompanhado de um estudo crítico dos espécimes,
modo que a fantasia não foi inibida pelos fatos. O presente
lho tem por objetivo proporcionar uma base mais sólida para
culações futuras” (1975a, p. 3). Com um a característica a te n u a ^
dos fatos (uma tendência pessoal, acrescida da norma britam ^
Whittington afirmou em seguida: “ Minhas conclusões a respei ^
morfologia levaram a uma reconstituição que difere de todas a
teriores sob vários aspectos importantes” (1975a, p. 3).
Esses “ vários aspectos importantes” resultaram num a ,Q
que, se consideravelmente aumentado, tornando-o bem rnaio ^
que seus 43-70 mm, poderia fazer parte do cenário de um 1 ^
ficção científica. Considere as principais características da reco
tuição de Whittington: ( . eS.
1) Opabinia não tem dois olhos mas, conte-os, cinco. ^
tão dispostos na forma de dois pares de pedúnculos curtos, co ^
quinto olho, provavelmente desprovido de pedúnculo, engasta
bre a linha média do corpo (veja a fig. 3.20). Q.
2) O focinho frontal não é uma probóscide retrátil nem um P
duto da fusão de antenas (as duas interpretações favoritas
tentes com o design artrópode). Ele se liga ao corpo através da ^
da inferior frontal da cabeça e estende-se para diante. Trata-se ^
um órgão flexível, constituído por um tubo cilíndrico estriado
literalmente semelhante à mangueira flexível de um aspirador de P
e, talvez, arqueável de acordo com os mesmos princípios. Sua P°
ção terminal é dividida longitudinalmente em duas partes iguais, ca ^
qual apresentando um conjunto de longos espinhos apontados pa
dentro e para a frente. O tubo possivelmente continha um canal ce -
trai cheio de fluido — um bom meio de se obter a necessária rigi
com suficiente flexibilidade.
3) O intestino é um tubo simples que, na maior parte do com­
primento do corpo, corre em linha reta ao longo do centro do ani­
mal (veja a fig. 3.24). Na cabeça, porém, o intestino faz uma curva
em forma de U, virando ao contrário abruptamente para produzi
uma boca voltada para trás. Curiosamente, o focinho frontal tem
exatamente o comprimento certo para alcançar a boca e a flexibi i

148
dade adequada para curvar-se e levar o alimento até ela. Whitting-
ton sugere que Opabinia alimentava-se basicamente capturando ali­
mento com as “ quelas” formadas pelas partes espinhosas da ponta
do focinho e, em seguida, virando-o ao contrário para conduzir o
alimento até a boca.
4) A porção principal do tronco possui quinze segmentos, ca­
da qual dotado de um par de delgados lóbulos laterais, um em cada
lado do eixo central. Esses lóbulos se sobrepõem e estão voltados
para baixo e para fora (veja fig. 3.20).
5) Cada lóbulo, com exceção dos que fazem parte do primeiro
par, possui em sua superfície dorsal uma brânquia em forma de re­
mo, inserida perto da base do lóbulo. Embora a superfície inferior
da brânquia seja achatada, a superfície superior é constituída por
um conjunto de tênues lamelas, sobrepondo-se como um baral o
de cartas aberto. it ,
6) Os três últimos segmentos do tórax formam uma cau a
constituída por três pares de lâminas lobadas voltadas para cima e
para fora (veja fig. 3.20). _ .
Para elucidar a morfologia desse animal tão peculiar, Whitting-
ton precisou recorrer a todos os seus métodos especiais de disseca­
ção, a espécimes fossilizados em diferentes orientações e às infor­
mações proporcionadas pelas partes e contrapartes. Ele também des­
cobriu que o fato de não terem sido empregados tais métodos havia
proporcionado o principal argumento em favor do modelo artró-
pode. Walcott havia confundido a parte e a contraparte de um im­
portante espécime. Ele pensou que estava examinando a superfície
inferior de um animal quando, na verdade, olhava para a superfície
superior. Raymond, aceitando esta interpretação às avessas, fez a
afirmação perfeitamente razoável de que as brânquias de Opabinia
ficava embaixo da carapaça externa — como no arranjo padrão dos
artrópodes, em que os ramos branquiais são os membros superiores
de apêndices birremçs localizados logo abaixo da carapaça. Na orien­
tação correta, porém, as brânquias ficam acima dos lóbulos corpo­
rais, uma disposição extremamente diferente daquela encontrada nos
artrópodes.
As figs. 3.24 a 3.26 proporcionam uma admirável ilustração da
eficácia dos métodos de Whittington. Esses são seus desenhos em
câmara lúcida de três espécimes, em diferentes orientações, cada de­
senho combinando aspectos da parte e da contraparte do mesmo es­
pécime. A fig. 3.24 apresenta uma visão a partir de cima (dorsal).
Vemos a posição dos olhos e do focinho, a seqüência completa dos

149
3 .2 4 . D e s e n h o e m c â m a r a lú c id a
d e u m e s p é c im e d e Opabinia n a p o s iç ã o
c o n v e n c io n a l, v is to d e c im a . A s
b r ã n q u ia s (g ) e o s l ó b u lo s (\J p o d e m s e r
v is to s c o m c la r e z a e m a m b o s o s la d o s;
o tr a ç a d o d o in te s tin o e s te n d e -s e a o
lo n g o d a lin h a m é d ia . D o is p a r e s
d e o lh o s e s tã o v is ív e is e o f o c i n h o
p r o lo n g a - s e p a r a f r e n t e a p a r t i r d a
e x tr e m id a d e f r o n t a l d o c o r p o .

lóbulos laterais, e as brãnquias situadas acima dos lóbulos. O intes­


tino estende-se na form a de um tubo retilíneo até a metade do cor­
po. A fig. 3.25 é uma vista lateral e revela diversas características
que não poderíam ser percebidas de cima. Agora distinguimos o pon­
to de inserção do focinho e observamos que o intestino faz uma curva
em U para formar a boca voltada para trás. (Vistas de cima, a cur­
vatura e a porção voltada para trás ficam por baixo da parte retilí-
nea e não podem ser discernidas de form a alguma.) A visão a partir
de cima também não nos diz coisa alguma a respeito das posições
relativas dos lóbulos laterais e das nadadeiras da cauda, pois eles
juntam-se num mesmo plano. A visão de lado da fig. 3.25, porém,
mostra os lóbulos laterais apontados para baixo e para longe do cor­
po, enquanto as nadadeiras da cauda ficam na vertical e apontadas
para cima — bem posicionadas para atuarem como remos e lemes,
respectivamente.

150
3 .2 5 . U m e s p é c im e d e Opabinia p r e s e r v a d o n u m a p o s iç ã o m e n o s c o m u m , v ira d o
d e la d o . A q u i o s ló b u lo s e a s b r â n q u ia s d o s la d o s d ir e ito e e s q u e r d o f o r m a m u m a
m a s s a c o n fu s a e s ã o d ifíc e is d e d is tin g u ir . T o d a v ia , m u ito s a s p e c to s q u e n ã o e ra m
v isív e is n o e s p é c im e d a f i g . 3 .2 4 , e m p o s iç ã o c o n v e n c io n a l, p o d e m a g o ra s e r c o m ­
p r e e n d id o s : a o r ie n ta ç ã o d a s n a d a d e ir a s d a c a u d a fRf.l-Rf.3^ e m re la ç ã o a o s ló b u ­
lo s la te ra is, o p o n t o d e in se rç ã o d o f o c i n h o e a c u r v a tu r a d a e x tr e m id a d e f r o n t a l
d o in te s tin o e m d ir e ç ã o à p a r t e p o s te r io r d o c o r p o .

3 .2 6 . U m te r c e iro e s p é c im e d e
Opabinia, n o v a m e n te n a p o s iç ã o
c o n v e n c io n a l. D iv e r s o s a s p e c to s q u e n ã o
e s ta v a m v is ív e is n o s o u tr o s e s p é c im e s
p o d e m s e r d is c r im in a d o s a q u i: o q u in to
o lh o (in d ic a d o p o r u m m, d e “ o lh o
m é d i o ”) p o d e s e r v is to n o c a n to
s u p e r io r d ir e ito e o b s e r v a m o s q u e o
f o c i n h o p o d e d o b r a r -s e n a a ltu r a d a
boca.

151
As figs. 3.24 e 3.25 proporcionam as duas orientações básicas
mas ainda deixam muitas questões sem resposta — e mais espéci­
mes são necessários. Nenhuma, por exemplo, mostra os cinco olhos
(eles são delicados e muitas vezes se desintegram). A fig. 3.26 preen­
che algumas lacunas cruciais: os cinco olhos podem ser vistos com
nitidez e o focinho frontal dobra-se em torno da região da boca.
Embora Marrella e Yohoia tivessem desafiado a calçadeira de
Walcott, esses gêneros estavam apenas orfanados dentro dos artró-
podes. Com Opabinia, a coisa passou para um outro nível, e alterou-
se de forma irreversível. Opabinia não pertencia a nenhum grupo
conhecido, moderno ou fóssil. Se Whittington tivesse optado por
dar-lhe uma classificação formal (coisa que saibamente declinou de
fazer), ele teria sido forçado a criar um novo filo para este único
gênero. Cinco olhos, um focinho frontal e brânquias acima de abas
laterais! A calçadeira de Walcott havia se quebrado. Whittington
escreveu de modo impessoal e com sua característica brevidade: “ Não
se considera que Opabinia regalis tenha sido um artrópode trilobi-
tomorfo ou um anelídeo” (1975, p. 2). H arry pode ser um homem
ponderado mas ele sabia o que Opabinia implicava para o restante
da fauna de Burgess. “ Burgess Shale” , observou ele, laconicamen-
te, “ contém outros animais segmentados ainda não descritos e com
afinidades incertas” (1975, p. 41).
Acredito que a reconstituição de Opabinia feita por Whitting­
ton em 1975 ficará situada entre os grandes documentos da história
do conhecimento humano. Quantos outros estudos empíricos nos
conduziram a uma visão essencialmente revista a respeito da histó­
ria da vida? Ficamos assombrados com o Tyrannosaurus', maravi­
lhados com as penas do Archaeopteryx\ e festejamos ruidosamente
todos os fragmentos de ossos humanos fósseis encontrados na Áfri­
ca. Todavia, nenhuma dessas descobertas nem de longe nos ensi­
nou tantas coisas acerca da natureza da evolução como um peque­
no e estranho invertebrado do período Cambriano, com duas pole­
gadas de comprimento, chamado Opabinia.

152
Ato 3. A revisão se amplia:
o êxito de uma equipe de pesquisa, 1975-1978

ESTABELECENDO UMA ESTRATÉGIA


PARA UMA GENERALIZAÇÃO

Pense em todas as canções de acumulação do folclore inglês.


O primeiro item nunca vale muito — uma perdiz numa pereira ou
um cartão de alfinetes. “ Green Grow the Rushes, H o” é a que me­
lhor exprime isso: “ Um é apenas um e assim será cada vez mais” .
Opabinia encerra toda a essência da mensagem de Burgess no
sentido de uma nova visão da história da vida. Trata-se de um ani­
mal tão bizarro e tão diferente de todas as criaturas atualmente vi­
vas como nenhum outro de Burgess Shale. Todavia, um é apenas
um e assim será cada vez mais. O registro fóssil contém algumas
esquisitices aqui e ali — como o Monstro de Tully de Mazon Creek
(veja p. 69). Opabinia, um caso isolado, é um encolher de ombros
e não uma descoberta a respeito da vida em geral. Este exemplo não
institui uma nova e indiscutível interpretação. Ao contrário, ele ape­
nas sugere uma possibilidade digna de ser explorada — especialmente
com Marrella e Yohoia indicando que alguma coisa parecida, em­
bora menos gritante, também ocorria entre os outros artrópodes de
Burgess.
Todos os problemas interessantes da história natural são ques­
tões de freqüências relativas e não de exemplos isolados. Em meio
à opulência da natureza tudo acontece ao menos uma vez. No en­
tanto, quando um fenômeno inesperado ocorre repetidas vezes —
e acaba se transformando numa expectativa — aí as teorias são der­
rubadas. Opabinia não iria adquirir o status de elemento desenca-
deador e carro-chefe de uma nova concepção da história da vida até
que sua mensagem de singularidade taxonômica se tornasse usual
entre os organismos de Burgess Shale, por maior que fosse a rarida­
de com que isso tivesse ocorrido nos últimos tempos.
Esta necessidade de se ter vários exemplos — para uma avalia­
ção da freqüência relativa das esquisitices entre toda a fauna de Bur­
gess — em princípio impede que seja aplicado a esta história o mito
do herói no estilo dos filmes de faroeste nível B. Harry Whittington
não poderia ser o solitário homem da lei dominando um bando de
celerados após o outro. Marrella havia lhe tomado mais de quatro
anos. Só os artrópodes de Burgess exigiríam diversas existências.

153

À
Whittington poderia entoar o lamento da frustrada Mercedes —
“ Tantos pedestres e tão pouco tem po” — ou poderia reunir uma
equipe para ajudá-lo. Ele ficou com a segunda alternativa. De qual­
quer forma, a ciência é um empreendimento coletivo.
Após selecionar os gêneros que iria estudar pessoalmente, Whit­
tington dividiu os demais artrópodes em três grupos, cada um deles
apropriado para um grande projeto de pesquisa conduzido por um
colaborador. Além desses grupos, havia também os diversos gêne­
ros que Walcott classificara entre os vermes anelídeos (1911c), os
quais se tornaram mais incômodos e importantes a partir da identi­
ficação de Opabinia como uma extravagância que não pertencia a
nenhum dos filos então existentes. Se a calçadeira de Walcott tives­
se ocultado a questão da singularidade taxonômica, a história toda
provavelmente iria emergir (se não explodir) de forma ainda mais
límpida com os anelídeos do que com os artrópodes. Os artrópodes
são definidos como tal através de características nítidas e comple­
xas. Embora Walcott pudesse ter forçado impropriamente a inclu­
são de seus artrópodes entre os grupos convencionais do filo, pelo
menos a maioria deles eram artrópodes genuínos (Opabinia e, pos­
teriormente, Anomalocaris constituem exceções). Entretanto, qual­
quer coisa mole, segmentada e com simetria bilateral poderia ser con­
siderada um verme. A probabilidade de se encontrar organismos es­
tranhos atingia seu máximo entre os “ anelídeos” de Walcott.
Whittington tinha dúvidas quanto aos três grupos de artrópo­
des constituírem conjuntos taxonômicos coerentes. Embora todos
compartilhassem características que superficialmente aparentavam
ser semelhantes, Marrella e Yohoia já haviam ensinado a ter cuida­
do com as exterioridades. Mesmo assim, os três grupos formavam
divisões apropriadas para os trabalhos de pesquisa, e o postulado
de coerência poderia tornar-se uma questão central a ser testada.
(Todos os três grupos revelaram-se heterogêneos — uma conclusão
importante, que confirmou o status dos organismos de Burgess co­
mo criaturas espetacularmente díspares em relação a todas as fau­
nas posteriores.)
Os três grupos, todos em geral reconhecidos nas classificações
dos organismos de Burgess, desde Walcott até Stormer, eram: 1) o
grande conjunto formado pelos artrópodes com carapaças bivalves,
que sempre se supôs serem autênticos crustáceos malacostráceos;
2 ) as espécies “ merostomóides” , de forma geralmente oval e com
a carapaça da cabeça grande e separada do revestimento do restan­
te do corpo, parecendo lembrar o grande grupo fóssil dos euripterí-

154
3.27. Reconstituição de Burgessia feita
por Hughes (1975).

deos e seus primos, os límulos; e 3) animais obviamente crustáceos,


com carapaças simples e não divididas em duas partes (valvas).
Quando Whittington iniciou seu trabalho, no final da década
de 1960, dois outros professores concordaram em levar adiante os
projetos subsidiários. David Bruton, da Universidade de Oslo, fi­
cou com os “ merostomóides” . (Discuti seu trabalho a respeito de
S id n e y ia em minha seção dedicada às técnicas, no começo do capí­
tulo 3, e irei relatar as suas conclusões, na correta ordem cronológi­
ca, no Ato 5). Chris Hughes, da Universidade de Cambridge, ata­
cou B u rg e ssia e W a p tia , o terceiro e o quarto artrópodes mais co­
muns de Burgess e membros do grupo dos crustáceos com carapaças
simples. A monografia sobre W a p tia ainda está por ser publicada,
mas o estudo de B u rg e ssia forneceu uma importante confirmação
do padrão já indicado por M a r r e lla e Y o h o ia . B u rg e ssia , com a ca­
rapaça oval e o longo aguilhão da cauda (quase o dobro do tama­
nho do corpo) não era um branquiópode notostráceo, como Wal-
cott havia pensado, mas sim um outro artrópode órfão de d e sig n
singular (fig. 3.27). Hughes não quis classificar formalmente B u r ­
g e s sia porque julgava que esse gênero apresentava características em

155

Á
geral consideradas como pertencentes a diversos grupos distintos de
artrópodes. Eis a conclusão a que chegou:
Uma vez que o reexame de todos os artrópodes de Burgess Shale, atual­
mente em curso, está revelando que muitos detalhes da morfologia des­
ses organismos não são o que anteriormente se pensara que fossem,
este autor considera prematura qualquer discussão adicional em rela­
ção às afinidades de Burgessia [...] O que este reexame deixa claro é
que Burgessia apresenta uma mescla de características [...] muitas das
quais podem ser encontradas em diferentes grupos de artrópodes mo­
dernos (1975, p. 434).
A história dos artrópodes estava ficando cada vez mais inte­
ressante.

ORIENTADORES E ESTUDANTES

Em seus programas de doutoramento, as universidades man­


têm um dos poucos remanescentes do velho sistema de aprendiza­
do. Veja que anomalia. Você passa toda sua vida de estudante, des­
de o jardim de infância até a faculdade, tornando-se cada vez mais
independente do poder individual de cada professor (contrarie seu
professor da primeira série do primeiro grau e sua vida poderá virar
um inferno durante um ano; desagrade um de seus professores na
faculdade e o máximo que poderá lhe acontecer é ser reprovado num
único curso). E então você se torna um adulto e resolve fazer um
doutorado. O que é que você faz? Você encontra uma pessoa cuja
linha de pesquisa desperta seu interesse e, se ela o aceitar e lhe der
apoio, você começa a fazer parte da equipe.
Em determinadas áreas, especialmente naquelas que possuem
grandes e custosos laboratórios dedicados ao solucionamento de pro­
blemas definidos, o estudante precisa abandonar qualquer idéia de
independência e trabalhar no tópico que lhe foi designado para ela­
borar sua dissertação (em matéria de pesquisa, a escolha do tema
é um luxo do pós-doutoramento). Em campos mais estimulantes e
individualistas, como a paleontologia, você em geral tem mais li­
berdade para escolher o tema do seu estudo e talvez possa desenvol­
ver um projeto unicamente seu. De qualquer forma, porém, você
é um aprendiz e está sob a autoridade do orientador — mais do que
em qualquer outra ocasião desde os seus primeiros anos na escola
primária. Se você e ele têm um desentendimento, ou você cede ou
arruma suas coisas e vai procurar outro lugar. Se vocês formarem
uma boa equipe e se os laços do orientador com a comunidade cien­

156
tífica da sua área forem firmes, você obterá seu título e, em virtude
da influência dele e de suas próprias comprovadas realizações, seu
primeiro emprego decente.
Trata-se de um sistema esquisito, que dá muita margem à críti­
ca mas que, à sua própria e estranha maneira, funciona. A partir
de um determinado ponto você não consegue avançar mais apenas
com livros e cursos; torna-se necessário juntar-se a alguém que este­
ja fazendo pesquisa de boa qualidade. (E você precisa estar por per­
to e pronto para assimilar os ensinamentos o tempo todo, dia após
dia. Não basta aparecer às duas da tarde de quinta-feira para uma
aula sobre como separar as partes das contrapartes.) O sistema efe­
tivamente produz seus horrores — professores que se aproveitam
dos alunos, desviando o fluxo de entusiasmo e brilhantismo da ju­
ventude para seus próprios poços secos, sem nada lhes dar em tro­
ca. Mas quando ele funciona bem (e isso acontece com mais fre-
qüência do que um cético poderia esperar, considerando a falta de
controles e contrapesos), é difícil imaginar melhor forma de trei­
namento.
Muitos estudantes não compreendem o sistema. Eles se candi­
datam a uma universidade por causa de sua fama ou porque ela es­
tá localizada numa cidade de que eles gostam. Isso é um grande er­
ro. Você se candidata para trabalhar com uma determinada pessoa.
Assim como no velho sistema de aprendizado das guildas, o orien­
tador e o estudante têm obrigações um para com o outro; essa não
é uma rua de mão única. Acima de tudo, o orientador tem a obriga­
ção de arranjar apoio financeiro para os estudantes. (A orientação
intelectual é obviamente mais importante, mas essa parte do jogo
é um prazer para o mentor. O verdadeiro problema é a obtenção
de dinheiro. Muitos professores de primeira linha passam pelo me­
nos metade de seu tempo buscando auxílio financeiro para seus es­
tudantes.) O que os orientadores ganham em troca desse esforço?
Essa retribuição é mais sutil e muitas vezes não é compreendida fo­
ra da nossa corporação. A resposta, por mais estranho que isto possa
parecer, é fidelidade no sentido genealógico do termo.
O trabalho que um estudante de pós-graduação venha a desen­
volver torna-se para sempre parte da reputação de seu orientador,
porque é assim que reconstituímos as linhagens intelectuais. Eu fui
orientado por Norman Newell e tudo o que vier a fazer ao longo
de minha vida será visto como um legado transmitido por ele (e se
eu fizer uma trapalhada isso redundará em desabono para ele — ain­
da que sem muita gravidade pois reconhecemos uma assimetria ne­

157
cessária: os erros são pessoais; o êxito, parte da linhagem). Eu acei­
tei de bom grado esse costume e jurei fidelidade a ele — e não por
motivo de aprovação teórica mas porque, novamente como no ve­
lho sistema de aprendizado, ganhei o direito de me beneficiar com
a próxima geração. A maior alegria que tive em meus doze anos de
Harvard foi a de ter sido abençoado com diversos alunos realmente
brilhantes. No momento, a maior vantagem disso é uma excitante
atmosfera de laboratório — mas eu não estou insensível ao costume
de que seus êxitos futuros devam ser interpretados, ainda que em
pequena medida, como o meu próprio sucesso.
(A propósito, esse sistema é o grande responsável pelo triste es­
tado do ensino de graduação em muitas universidades voltadas pri­
mordialmente para a pesquisa. Um estudante pertence à linhagem
do seu orientador na pós-graduação e não à linhagem dos professo­
res de seus cursos de graduação. Para pesquisadores cada vez mais
preocupados com sua própria reputação, não existe nenhuma van­
tagem em lecionar para cursos de graduação. Você pode fazer isso
apenas por amor ou responsabilidade. Seus alunos de pós-graduação
são prolongamentos de você mesmo ao passo que os de graduação
não acrescentam nada a sua reputação como cientista. Eu gostaria
que isso pudesse ser mudado mas nem sequer sei o que sugerir.)
Mas é na Inglaterra que esse sistema é levado às últimas conse-
qüências. Nos Estados Unidos, você se candidata, através de um de­
partamento, para trabalhar com um orientador. Na Inglaterra, vo­
cê se oferece diretamente a um orientador em potencial, e ele lhe
garante os recursos financeiros, quase sempre destinados a projetos
específicos. Harry Whittington sabia que o êxito final do projeto
de Burgess — sua expansão, passando da descrição detalhada de uns
poucos organismos estranhos para uma compreensão de toda uma
fauna — dependia dos estudantes de pós-graduação. Dos dois in­
gredientes necessários para isso, ele podería influir apenas sobre um
— a obtenção de dinheiro. Quanto ao outro, tudo que ele podería
fazer era rezar para que a deusa da sorte o abençoasse com o inte­
resse de alunos brilhantes.
Harry cumpriu suas obrigações no que diz respeito ao primeiro
item. Ele tinha dois projetos importantes — artrópodes bivalves e
“ vermes” . Ele arranjou dinheiro para dois estudantes — para um,
a partir de subvenções governamentais, e para o outro com dinhei­
ro doado por particulares e administrado por sua faculdade, a Sid-
ney Sussex. A deusa da sorte saiu-se bem em relação ao segundo
item (com uma ajuda do próprio sucesso de Harry Whittington, pois

158
os bons alunos conservam os olhos abertos e gravitam em torno dos
orientadores que estiverem fazendo o trabalho mais excitante). Em
1972, exatamente na fase mais propícia da marcha dos acontecimen­
tos relativos a Burgess Shale, os fatos provaram a falsidade da mi­
nha estimada teoria do espaçamento acadêmico — a de que alunos
brilhantes surgem apenas uma vez a cada cinco anos (como cinco
anos é a duração normal dos cursos de graduação, você nunca tem
mais de um durante muito tempo). Harry Whittington — um ho­
mem de muita, muita sorte — foi procurado simultaneamente por
dois alunos brilhantes: Derek Briggs, um irlandês que estudara no
Trinity College, em Dublin; e Simon Conway Morris, um londrino
que acabara de completar seus estudos de graduação na Universi­
dade de Bristol (onde Harry havia integrado, na qualidade de exa­
minador externo, a banca encarregada de avaliar sua tese de gra­
duação). Daí em diante, apesar do pouco contato no dia a dia e não
obstante as diferenças existentes em seus estilos de trabalho impedi­
rem a formação de um grupo de pesquisa coeso, o trabalho sobre
Burgess transformou-se no esforço conjunto de três parceiros cada
vez mais semelhantes — Briggs, Conway Morris e Whittington (em
ordem alfabética sem juízo de valor), três homens com um propósi­
to e um conjunto de métodos em comum, mas tão diferentes quan­
to se pode ser em idade e no modo de encarar a ciência e a vida.
Harry Whittington conhece as regras e as realidades da vida.
Em nossas conversas, ele enfatizou, acima de qualquer outra coisa
e sem falsa modéstia, que a revisão de Burgess Shale deixou de ser
apenas uma seqüência de monografias e se transformou num proje­
to completo e coerente apenas quando obteve a colaboração de Briggs
e Conway Morris. A partir desse momento passou a ter a possibili­
dade de estabelecer uma meta que ele poderia viver para completar,
e não, como no caso do arquiteto de uma catedral da Idade Média,
apenas desenhar a planta e lançar os alicerces sem nunca ter a espe­
rança de ver o edifício finalizado.

A TEMPORADA DE CONW AY MORRIS NOS ARMÁRIOS DE WALCOTT:


UMA INDICAÇÃO TRANSFORMA-SE NUMA GENERALIDADE
E A TRANSFORMAÇÃO SE CONSOLIDA

Duplas estranhas são comuns em dramas e comédias. Intelec­


tuais conservadores de valor muitas vezes aceitam estudantes com
estilos de vida bizarros porque enxergam a luz do brilhantismo e,

159
a partir daí, nada mais importa. Bernie Kummel, que na década de
1970 ameaçou estudantes radicais com uma mangueira de água e que
desprezava (e temia) qualquer excentricidade na maneira de agir ou
de vestir, gostava de Bob Bakker (um de meus alunos, na época,
e agora ponta de lança de novas idéias acerca dos dinossauros) co­
mo se fosse um filho, apesar de seus cabelos à altura do ombro e
de suas posições radicais a respeito de absolutamente tudo. (Nem
sempre a avaliação de Bernie foi tão boa. Houve uma época em que
ele e Harry Whittington formavam o grupo de paleontologia de in­
vertebrados em Harvard. Bernie achava Harry excessivamente con­
servador e ficou contente quando este resolveu ir para Cambridge.
Nessa ocasião ele me contratou para ser o substituto de Whitting­
ton. Não se pode dizer que ele tenha feito um grande negócio.)
Simon Conway Morris, que se descreveu para mim como “ tão
pouco cooperativo como um adolescente e geralmente anti-social’’,
causou profunda impressão em Whittington ao revelar-se o melhor
candidato para o mais maluco de todos os desafios de Burgess —
os “ vermes” de Walcott. Os professores de Simon na Universidade
de Bristol haviam-no descrito a Harry como um homem que “ fica
sentado num canto da biblioteca, lendo, e usa uma capa” . Harry
lembra-se de sua primeira reação a essas informações: “ Oh, meu
Deus... um anarquista” . Mas Harry também percebera o brilho de
sua inteligência e, como eu já disse, nada mais realmente importa.
Os vermes representavam ao mesmo tempo a maior dor-de-
cabeça e a maior esperança de um projeto que, desde a elucidação
da anatomia de Opabinia, estava voltado explicitamente para a pro­
cura de criaturas estranhas. Se estas existiram em grande número,
os estudos anteriores teriam colocado na velha categoria dos ver­
mes a maior parte dos organismos que pareciam não se encaixar em
nenhum lugar. O grupo dos vermes era a tradicional lata de lixo da
taxonomia — o balde de dejetos para as criaturas que não se encai­
xavam em lugar algum mas que tinham de ser colocadas em alguma
parte. Os vermes vêm desempenhando esse papel desde o próprio
Lineu, que reuniu um grupo extraordinariamente heterogêneo de
criaturas sob essa categoria. A maioria dos animais são basicamen­
te alongados e apresentam simetria bilateral. Assim, se um organis­
mo qualquer apresentar essas características e você não souber o que
ele é, classifique-o como um verme.
Harry, um homem extraordinariamente bondoso, estremecia
com a idéia de que ele poderia estar encerrando no início uma pro­
missora carreira ao atribuir um projeto tão difícil a um principian­

160
te. Até hoje ele parece ser dominado por uma grande angústia ao
recordar-se do que fez — muito embora os resultados tenham sido
espetaculares. Ele me confessou o seguinte: “ Foi com temor e an­
siedade que sugeri esse assunto a Simon [...] Senti-me péssimo. Que
tema horrível para se propor a um estudante! Por Deus, como tive
coragem de fazer isso com alguém? E no entanto eu tinha um forte
pressentimento de que ele seria capaz de dar conta do recado” .
Simon ficou encantado e desde então não parou de pesquisar.
O núcleo deste projeto é constituído pelas suas duas excelentes mo­
nografias a respeito dos vermes de Burgess que realmente perten­
cem aos filos modernos — os priapulídeos (1977d) e os poliquetas
(1979). Esses trabalhos serão discutidos no momento oportuno. Mas
Simon não começou por esse material convencional. Você realmen­
te esperaria um início tão tradicional de um homem que usa uma
capa e não aparece para o café da manhã?
Na primavera de 1973, Whittington enviou Briggs e Conway
Morris a Washington para desenharem os espécimes tipo de Wal-
cott (aqueles usados nas descrições originais das espécies e que le­
vam oficialmente os nomes com que Walcott os batizou), e fazerem
a seleção dos espécimes a serem emprestados a Cambridge. Um ve­
lho provérbio, atribuído a Pasteur, diz que a sorte favorece a mente
preparada. Simon, um intelectual, optara por trabalhar com Harry
e ficou deliciado ao receber os vermes como tema de seu projeto
porque sentia que a perspectiva de uma descoberta mais importante
envolvendo os organismos de Burgess estava centrada na documen­
tação das criaturas estranhas — tanto de suas constituições anatô­
micas como de suas freqüências relativas. Opabinia havia se impos­
to à atenção de Harry. Simon, em perfeito contraste, começou a pro­
curar pelos organismos mais estranhos de Burgess. “ Tenho uma
tendência natural para dar ênfase ao que é incomum” , disse-me Si­
mon. “ Um novo braquiópode da Irlanda do Norte não é páreo pa­
ra um novo filo.”
Imagine a situação e a oportunidade. Simon tinha pela frente
os cerca de 8 mil espécimes da coleção Walcott. A maior parte deles
nunca havia sido descrita ou mesmo observada com atenção. Nin­
guém jamais examinara esse tesouro com a idéia de que as aberra­
ções taxonômicas pudessem ser abundantes. Assim, Simon fez uma
coisa simples e óbvia e no entanto profundamente diferente de qual­
quer das abordagens anteriores dos organismos de Burgess — e, por­
tanto, corajosa. Ele deu início a uma prolongada exploração das ga­
vetas do Instituto Smithsoniano em que estava guardado o material

161
a partir daí, nada mais importa. Bernie Kummel, que na década de
1970 ameaçou estudantes radicais com uma mangueira de água e que
desprezava (e temia) qualquer excentricidade na maneira de agir ou
de vestir, gostava de Bob Bakker (um de meus alunos, na época,
e agora ponta de lança de novas idéias acerca dos dinossauros) co­
mo se fosse um filho, apesar de seus cabelos à altura do ombro e
de suas posições radicais a respeito de absolutamente tudo. (Nem
sempre a avaliação de Bernie foi tão boa. Houve uma época em que
ele e Harry Whittington formavam o grupo de paleontologia de in­
vertebrados em Harvard. Bernie achava Harry excessivamente con­
servador e ficou contente quando este resolveu ir para Cambridge.
Nessa ocasião ele me contratou para ser o substituto de Whitting­
ton. Não se pode dizer que ele tenha feito um grande negócio.)
Simon Conway Morris, que se descreveu para mim como “ tão
pouco cooperativo como um adolescente e geralmente anti-social” ,
causou profunda impressão em Whittington ao revelar-se o melhor
candidato para o mais maluco de todos os desafios de Burgess —
os “ vermes” de Walcott. Os professores de Simon na Universidade
de Bristol haviam-no descrito a Harry como um homem que “ fica
sentado num canto da biblioteca, lendo, e usa uma capa” . Harry
lembra-se de sua primeira reação a essas informações: “ Oh, meu
Deus... um anarquista” . Mas Harry também percebera o brilho de
sua inteligência e, como eu já disse, nada mais realmente importa.
Os vermes representavam ao mesmo tempo a maior dor-de-
cabeça e a maior esperança de um projeto que, desde a elucidação
da anatomia de Opabinia, estava voltado explicitamente para a pro­
cura de criaturas estranhas. Se estas existiram em grande número,
os estudos anteriores teriam colocado na velha categoria dos ver­
mes a maior parte dos organismos que pareciam não se encaixar em
nenhum lugar. O grupo dos vermes era a tradicional lata de lixo da
taxonomia — o balde de dejetos para as criaturas que não se encai­
xavam em lugar algum mas que tinham de ser colocadas em alguma
parte. Os vermes vêm desempenhando esse papel desde o próprio
ineu, que reuniu um grupo extraordinariamente heterogêneo de
criaturas sob essa categoria. A maioria dos animais são basicamen­
te alongados e apresentam simetria bilateral. Assim, se um organis­
mo qua quer apresentar essas características e você não souber o que
ele é, classifique-o como um verme.
Harry, um homem extraordinariamente bondoso, estremecia
com a 1 ia de que ele poderia estar encerrando no início uma pro­
missora carreira ao atribuir um projeto tão difícil a um principian­

160
te. Até hoje ele parece ser dominado por uma grande angústia ao
recordar-se do que fez — muito embora os resultados tenham sido
espetaculares. Ele me confessou o seguinte: “ Foi com temor e an­
siedade que sugeri esse assunto a Simon [...] Senti-me péssimo. Que
tema horrível para se propor a um estudante! Por Deus, como tive
coragem de fazer isso com alguém? E no entanto eu tinha um forte
pressentimento de que ele seria capaz de dar conta do recado” .
Simon ficou encantado e desde então não parou de pesquisar.
O núcleo deste projeto é constituído pelas suas duas excelentes mo­
nografias a respeito dos vermes de Burgess que realmente perten­
cem aos filos modernos — os priapulídeos (1977d) e os poliquetas
(1979). Esses trabalhos serão discutidos no momento oportuno. Mas
Simon não começou por esse material convencional. Você realmen­
te esperaria um início tão tradicional de um homem que usa uma
capa e não aparece para o café da manhã?
Na primavera de 1973, Whittington enviou Briggs e Conway
Morris a Washington para desenharem os espécimes tipo de Wal-
cott (aqueles usados nas descrições originais das espécies e que le­
vam oficialmente os nomes com que Walcott os batizou), e fazerem
a seleção dos espécimes a serem emprestados a Cambridge. Um ve­
lho provérbio, atribuído a Pasteur, diz que a sorte favorece a mente
preparada. Simon, um intelectual, optara por trabalhar com Harry
e ficou deliciado ao receber os vermes como tema de seu projeto
porque sentia que a perspectiva de uma descoberta mais importante
envolvendo os organismos de Burgess estava centrada na documen­
tação das criaturas estranhas — tanto de suas constituições anatô­
micas como de suas freqüências relativas. Opabinia havia se impos­
to à atenção de Harry. Simon, em perfeito contraste, começou a pro­
curar pelos organismos mais estranhos de Burgess. “ Tenho uma
tendência natural para dar ênfase ao que é incomum” , disse-me Si­
mon. “ Um novo braquiópode da Irlanda do Norte não é páreo pa­
ra um novo filo.”
Imagine a situação e a oportunidade. Simon tinha pela frente
os cerca de 8 mil espécimes da coleção Walcott. A maior parte deles
nunca havia sido descrita ou mesmo observada com atenção. Nin­
guém jamais examinara esse tesouro com a idéia de que as aberra­
ções taxonômicas pudessem ser abundantes. Assim, Simon fez uma
coisa simples e óbvia e no entanto profundamente diferente de qual­
quer das abordagens anteriores dos organismos de Burgess e, por­
tanto, corajosa. Ele deu início a uma prolongada exploração das ga­
vetas do Instituto Smithsoniano em que estava guardado o material

161
de Burgess Ele abriu todos os armários e deitou os olhos em todas
buscando deliberadamente as coisas mais incomuns e pe-
siippsKr, ? UC,PU CSj Cencontrar- As recompensas foram grandes e o
xo- rlenn'113^6 atordoante- No início você pula para cima e para bai-
Orinntno*- u a ,8Um temP°> a riqueza o entorpece. Ao encontrar
foi- “rCaramba!
roí. ariP ^Outro
Ja P‘filo
147^’ tudo . que e^e P°de dizer a si raesm0
novo”
plprupíf0 oonsigo imaginar maior contraste (e, portanto, melhores
tinotrm ° Si >aia um diama) do Que os estilos dessemelhantes de Whit-
frVaHor 6 0nway Morris Harry, o velho e conservador sistema-
nrinpinin^tCSte^ -3 .lniciar ° maior projeto de sua vida, e Simon, o
, b n e radica ’ buscando conscientemente subverter as opiniões
fprpnff.eC1 CUS m^todos de trabalho não poderíam ser mais di-
Hn ne S Um -° outr° - Harry começou com grande cautela, escolhen-
,Prip!ianimaiS mmS COmuns de Burgess. Ele prosseguiu com uma
• e mon°grafias acerca de gêneros individuais, cada uma das
n q_ consumiu vános anos de preparação: Marrella (1971), Yohoia
mo irpm°S memb™s dos trdobitos (1975b), Opabinia (1975a) e, co-
tmbalbo?ncVer; e Aysheaia 0978). Ele limitou seu
conhecia m ei^ F CS ass™ Pensou, ao iniciá-lo), o grupo que
vencionais n or' . e começou seu projeto com pontos de vista con-
só mudou de 61t° a taxonomia dos organismos de Burgess, e
consciência Sim ™ C[Uando ‘ndlcios inesperados se impuseram à sua
fiança — come ° n’ k° contrar'° ~ c°m inocência, habilidade e con-
ficassem a ma- .^0 Uj -uscando exPÜcitamente criaturas que exempli-
dos organismo* J ^ r 03 d3S interPretações a respeito da anatomia
fantásticas m aratilhaTfe
único c 7 S i S " sao
blmon * reconstituições
r3r° melh° r; dÍVerS3Snum
baseadas d3S
“uâ car T 1976 ' <977. Conway Morris iniciou
com a sin o u h rv /^ f11 ° clnco art^ os a respeito de cinco criaturas
com a ngulandade anatômica dc novos filos.*
to. Nada dissTaromTOu™ ° V0Car. desaven«as e contlito abcr~
goria sim m a t.» . . - • drama mtelectual da mais elevada cate-
m istorias maliciosas de ostensivo antagonismo.

1972, O ano das infames a trabalhar com H arry W hittington e


presumira que eles deviam fer P ° r C3USa cle ° P a b in ia < n o encontro de Oxford, i
clamar C * à S ^ 3 í ~ a E s ti c a resolução de pr
É assim que se espera n»p nm • Uma anatom *a sem igual, com o s t a t u s de fil
conservadores para as luzes SSlga 0 sc riP t — os jovens radicais arrastando os velh<
da semelhante à com i ex,7l i m° der" idada- Um péssimo enredo, em n
complexidades da vida. Simon pode ser ideologicamente radie

162
É claro que Derek se lembra de Harry resmungando algo acerca de
pessoas querendo correr antes de aprenderem a andar e é bem pos­
sível que alguns sentimentos íntimos até hoje não tenham sido ma­
nifestados. Entretanto, quando perguntei a Harry o que ele achara
de um estudante que havia publicado cinco breves artigos antes de
obter o seu Ph.D., às vezes baseando novos filos em apenas um es­
pécime, ele respondeu: “ Fui solidário com ele e manifestei-lhe mi­
nha aprovação com um sorriso. Jamais passaria pela minha cabeça
a idéia de desencorajar um de meus orientandos” .
Eu sei que o comentário seguinte é banal, mas a banalidade mui­
tas vezes se baseia na verdade manifesta: a coalescência final da trans­
formação de Burgess surgiu a partir de um admirável sinergismo en­
tre essas duas abordagens distintas. É possível que o processo de in­
terpretação tivesse conduzido de qualquer maneira ao resultado final.
Pode ser que tanto a lenta seqüência de monografias descritivas co­
mo a rápida sucessão de monografias contendo asserções radicais
acabassem impondo a aceitação da nova maneira de encarar os or­
ganismos de Burgess. Todavia, nada supera a combinação de uma
laboriosa descrição, tão cuidadosa que não pode ser contestada, com
ousadas afirmações tão escassamente documentadas e tão afasta­
das da tradição que podem inspirar apenas fúria — e atenção. Sei
que esta combinação “ simplesmente aconteceu’’, ao longo de um
dos caminhos mais estranhos e imprevisíveis dos acontecimentos hu­
manos; todavia, se alguém estivesse encarregado de regular o pro­
gresso do conhecimento, ele não poderia ter agido com mais delibe­
rado propósito ao planejar essa mistura de juventude e experiência,
cautela e ousadia.
Já interrompí esta narrativa uma vez (com Opabinia) para anun­
ciar um momento tão importante que merecería ser destacado com

mas é um anatomista descritivo danado de bom — e qualquer um que se deixe enga­


nar pelas aparências, a ponto de classificar Harry como um velho conservador, não
entende nada a respeito da natureza multíplice do gênio. De qualquer maneira, to­
dos os três protagonistas me asseguraram que Harry formulou sua interpretação acerca
de O p a b in ia sem qualquer encorajamento dos radicais. O inverso é igualmente ver­
dadeiro e contraria o s c r ip t. Harry não procurou desencorajar Simon quando este
escrevia seus cinco artigos, e nem o ajudou com freqüentes recomendações. Harry
não teve praticamente nenhum papel nas primeiras incursões de Simon. Ele conse­
gue lembrar-se de apenas uma única intervenção — uma insistência para que Simon
utilizasse suas técnicas de dissecação para escavar os espinhos de H a llu c ig e n ia exata­
mente no ponto em que eles se ligavam ao corpo. Um excelente conselho mas por
certo nada que se assemelhe a uma orientação geral.

163
o uso e um tipo especial, e deverei fazê-lo novamente (para Ano-
na ocüns) não obstante, do modo como vejo a história de Burgess,
3 em ^ue ^inion explorou os armários do Instituto Smith-
*an° marca a segunda das três grandes transições. Quando Si-
• COme<^ u ’ OPabinia estava sugerindo a existência de alguma
ff>nAr*?S r3n a ’ maS n*n8u^m conhecia a natureza ou a extensão do
tr . 6n° ’ 6U acredito cIue H arry ainda tendia a interpretar as es-
hinao~S Cj iatUraS de ®urgess como grupos-tronco, primitivas com-
° t S. 6 caracteres due Posteriormente se dividiríam para dar ori-
m-ntp 1 ° S n^° ernos distintos, e não como experimentos singular-
i- . esPe^ ia lzados de design de organismos multicelulares,
tn Hr>^enS ln,j ependentes Que foram interrompidas em algum momen-
„ 3 ° ‘ Quar*do Simon completou a seqüência inicial de cin-
vi o3* ° S3 respe*t0 das curiosidades, o tentativo e o peculiar ha-
„ 6 rans ormado na norma para Burgess e a noção de Iinha-
moripr-11 T 63 CnteS .£ddn dos •imites da diversidade anatômica
mitivo” 3 <3Via substituído o convencional recurso aos termos “ pri-
cohprfa C,i precursor • Whittington recorda-se de sua reação às des-
v. y , e im? n ' Toda a atmosfera foi alterada. Nós não está-
j 1 an ° simplesmente com predecessores de grupos conheci­
dos. A coisa toda começava a fazer sentido” .
távpi H- CmCÜ eJstranhos organismos de Simon apresentam uma no-
vida r»V^rS-1 3 e em termos de constituição anatômica e modo de
n x / T 0 tema que 08 une é a peculiaridade,
um ccr«4pfC 0cans' ^ Ste estranho animal é representado por apenas
tuiu n n r 6V T " 3 contraparte — a qual Conway Morris substi-
ele nrÓYimr»3 °, °®ra *3’ retocada como de costume, encontrada por
blicara e nãrfh em preParado espécime. Todavia, Walcott nada pu-
tificou assim - eiX3do nenhuma anotação. Conway Morris jus-
màções ‘‘T Y3 í CC1Sã0 dC PUbHcar com ba=* em tão poucas infor-
cam a atenção ír ^ C preservaÇão e a anatomia incomum justifi-
Cam Do pescoço” nai^f 3 ÚnÍC° espécime” <1976a’ p‘ 705)’
artrópode (fie 3 osn a uCnte’ Nectocaris assemelha-se mais a um
dices curtos^\ » ^ apresenta um ou pares de apên-
articulados (e, portanto8 dife &frem,e’ embora aparentemente não-
Logo atrás há um par de o lh o "^ 5 d°,S apêndices dos artrópodes).
sobre hastes A narm „ * . ° s grandes, provavelmente apoiados
paça oval tZpS d m e m T ? 6
X «*»
rém, não apresenta nenhuma * blvalve- O restante do corpo, po­
des e, sob vários intrieantes C3ractenstIca específica dos artrópo-
mtrigantes aspectos, lembra os cordados - nosso

164
próprio filo. O corpo é comprimido lateralmente e constituído por
cerca de quarenta segmentos (uma característica comum aos artró-
podes e a diversos outros filos, inclusive o nosso). Conway Morris
não encontrou nenhum sinal da característica que define os artró-
podes — apêndices articulados. Em vez disso, tanto a superfície dor­
sal como a ventral (a parte de cima e a parte de baixo do animal)
apresentam estruturas contínuas que, ao menos superficialmente,
assemelham-se a nadadeiras de cordados sustentadas por raios! (Com
um único espécime não se pode ir muito além do superficial, de mo­
do que este ponto crucial permanece sem solução.)
Três características dessas nadadeiras e de seus raios negam a
existência de afinidades com os artrópodes e sugerem semelhança
com os cordados. Primeiro, uma estrutura delgada e contínua, pre­
servada na forma de uma película escura sobre a rocha, parece ligar
as séries paralelas de raios curtos e endurecidos para formar uma
nadadeira coesa; os membros dos artrópodes, em contraste, são dis­
tintos. Segundo, as nadadeiras estendem-se ao longo das superfí­
cies superior e inferior do animal, como nos cordados primitivos;
os apêndices dos artrópodes em geral se ligam às partes laterais do
corpo. Terceiro, as nadadeiras de Nectocaris têm cerca de três raios
enrijecidos por cada divisão do corpo; a presença de um par de apên­
dices por segmento original do corpo é uma característica que defi­
ne os artrópodes. (A tagmose ou fusão dos segmentos dos artrópo­
des é identificada pela presença de mais de um par de apêndices por
divisão do corpo. Os segmentos de Nectocaris são demasiado estreitos

3 .2 8 . O e n ig m á tic o Nectocaris, c u ja p o r ç ã o a n te r io r a s s e m e lh a -s e p r in c ip a lm e n te
a u m a r tr ó p o d e e q u e n a p a r t e d e trá s p a r e c e -s e m a is c o m u m c o r d a d o d o ta d o d e
u m a n a d a d e ir a c a u d a l. D e s e n h o d e M a r ia n n e C o llin s.

165
e numerosos para serem interpretados como resultado da fusão de
diversas divisões ancestrais.)
O que se pode fazer com uma tal quimera — uma criatura que
se assemelha mais a um artrópode quando vista pela frente (com
apêndices possivelmente não-articulados levantando algumas duvi­
das) e que se parece mais com um cordado (ou com um organismo
de design desconhecido) quando vista por trás? Não muito, quando
se tem apenas um espécime. Assim, Conway Morris escreveu um ar­
tigo curto e provocativo e jogou Nectocaris dentro da grande va a
comum da taxonomia — o filo Incertos. O título de um trabalho
de taxonomia tradicionalmente registra as afinidades filogenéticas
do animal que estiver sendo descrito, porém Conway Morris optou
por uma abordagem ostensivamente evasiva: “Nectocaris pteryx, um
novo organismo do Cambriano Médio de Burgess Shalé, Colúmbia
Britânica” . Suas palavras finais não expressam nenhuma surpresa
em relação à existência de uma criatura tão peculiar mas, em vez
disso, sugerem uma generalidade emergente: ‘‘O fracasso em escla­
recer definitivamente as afinidades dessa criatura não deve ser cau­
sa de surpresa. Pesquisas atualmente em curso estão mostrando que
um certo número de espécies de Burgess Shale não pode ser acomo­
dado de maneira aceitável em qualquer dos filos atuais” ( 1976a,
P. 712).
2) Odontogriphus. Conway Morris conseguiu mais um indicio
com seu segundo tesouro de 1976. Ele ainda tinha apenas um único
espécime mas desta vez encontrou tanto a parte como a contrapar-
te. Ainda que Walcott tivesse posto Nectocaris de lado, ele ao me­
nos providenciara uma fotografia para indicar sua importância. Mas
Odontogriphus — apropriadamente batizado por Conway Morris
com um nome que significa “ enigma denteado” — foi uma verda­
deira descoberta, um espécime que passara inteiramente desperce­
bido, cuja parte e contraparte encontravam-se em diferentes seções
da coleção de Walcott. Embora Conway Morris tivesse iniciado seu
artigo na convencional voz passiva, sua paixão e seu orgulho pes­
soal transpareceram através da cobertura estilística:
Por ocasião de uma busca [...] na vastíssima coleção dos fósseis de
Burgess Shale [...] foi notada a existência de uma placa serrada con­
tendo o espécime aqui descrito, a qual foi posta de parte para poste­
rior estudo. Pouco depois sua contraparte foi encontrada em outra
sala da coleção. O espécime obviamente não havia chamado a aten­
ção de nenhum outro pesquisador. Nenhum outro espécime foi encon­
trado (1976b, p. 199).

166
O fóssil de Odontogriphus não está bem preservado e poucas
estruturas podem ser reconhecidas, mas estas são verdadeiramente
estranhas. Este animal alongado, ovóide e bastante achatado tem
de cinco a sete centímetros de comprimento e, atrás da região fron­
tal, apresenta o corpo marcado por uma série de finas linhas trans­
versais paralelas, distanciadas aproximadamente um milímetro umas
das outras. Conway Morris julgou que essas marcas eram anéis e
não divisões entre verdadeiros segmentos. Ele não encontrou nenhum
apêndice e nem sinais de áreas endurecidas, e presumiu que Odon­
togriphus era gelatinoso.
O corpo inclui apenas duas estruturas reconhecíveis, ambas na
superfície ventral da extremidade anterior (fig. 3.29). Um par de
“ palpos” (provavelmente órgãos sensoriais) ocupa as bordas da ex­
tremidade dianteira do animal. Estes são depressões rasas e arredon­
dadas constituídas por até seis camadas laminares de tecido parale­
las à superfície do corpo. A característica mais interessante, presu­
mivelmente uma boca circundada por algum tipo de estrutura
alimentar, está logo adiante dos palpos, mas exatamente sobre a li­
nha média do corpo. A estrutura tem a forma de um U achatado,
com a abertura voltada para a frente. Ao longo desse U, Conway
Morris encontrou cerca de 25 “ dentes” — estruturas cônicas e pon­
tiagudas com menos de meio milímetro de comprimento. Como es­
ses dentes eram demasiado pequenos e frágeis para raspar ou mor­
der, Conway Morris conjeturou, de forma bastante razoável, que
eles atuavam como suportes para a base dos tentáculos, os quais te-
riam a função de apanhar os alimentos e rodeariam a boca forman­
do um anel.

3 29 O a n im a l n a d a d o r a c h a ta d o O d o n to g rip h u s . N a p a r te d e b a ix o d a cabeça p o d e -
s e v e r o p a r d e p a lp o s e a b o c a ro d e a d a d e te n tá c u lo s . D e s e n h o d e M a r ia n n e C o ilin s .

167
Esse anel de tentáculos assemelhava-se muito a um lofóforo —
a estrutura alimentar de diversos filos modernos, notavelmente os
briozoários e os braquiópodes. Por conseguinte, Conway Morris co­
locou provisoriamente Odontogriphus entre os assim chamados fi-
los lofoforados. Todavia, nenhum lofoforado moderno apresenta
dentes internos para servir de apoio a seus tentáculos e não existe
nenhum outro aspecto de Odontogriphus que lembre a forma ou a
estrutura de qualquer outro animal lofoforado. “ Enigma dentea-
do continua a ser uma boa denominação.
Aqueles que adotam estratégias de alto risco precisam aceitar
os constrangimentos causados pelos erros juntamente com as ale­
gria de uma vitória incerta. Ao tomar a decisão de publicar traba­
lhos a respeito dos espécimes mais raros e mais estranhos e de
estender-se amplamente em suas interpretações, Simon quase garan­
tiu a ocorrência de alguns erros importantes. Esses vêm junto com
o território conquistado e não constituem demérito. Simon errou
ao tentar fazer uma avaliação das implicações mais amplas da des­
coberta de Odontogriphus. Ele não pôde deixar de notar que os “ den­
tes tinham uma vaga semelhança com os conodontes, na época os
objetos mais enigmáticos do registro fóssil. Os conodontes são es­
truturas semelhantes a dentes, às vezes bastante complexas, que ocor­
rem abundantemente em rochas que vão do Cambriano ao Triássi-
co (fig. 2.1), um grande intervalo de tempo mesmo em termos geo­
lógicos. Embora estejam entre os fósseis mais importantes, em
virtude de sua utilidade na datação de camadas geológicas, suas afi­
nidades zoológicas há muito permaneciam misteriosas, alimentan­
do assim o mais famoso e duradouro de todos os enigmas paleonto-
lógicos. Os conodontes eram obviamente as únicas partes duras de
um animal de corpo mole. Mas a criatura propriamente dita nunca
havm sido encontrada - e o que se pode dizer com base em alguns
dentes desarticulados?
Conway Morris achou que os “ dentes” de Odontogriphus pu­
dessem ser os conodontes e que, talvez, ele tivesse descoberto o es­
quivo animal que produzira os conodontes. Ele até mesmo arriscou
uma chance e colocou seu enigma denteado na classe Conodonto-
^ ori a ' e 0 ^ance para um novato — descobrir o segredo dos
segredos e por fim a um século de discussões! Mas Simon estava
erra o. anima conodonte de corpo mole foi posteriormente en-
con ra o com incontestáveis conodontes no lugar certo, a extre­
midade anterior do intestino. Essa criatura também foi descoberta
numa gaveta de museu — numa coleção reunida na década de 1920 ,

168
a partir de um Lagerstàtte escocês do período Carbonífero conheci­
do como Granton Sandstone. O animal conodonte, que hoje se co­
loca entre as poucas esquisitices zoológicas posteriores a Burgess,
não é nem um pouco parecida com Odontogriphus. Derek Briggs
foi um dos autores da descrição original e acha (embora eu não es­
teja convencido disso) que o animal conodonte pode ser um corda-
do, ou seja, um membro do nosso próprio filo (Briggs, Clarkson
e Aldrigge, 1983).
3) Dinomischus. O terceiro animal misterioso de Simon tam­
bém reforçou os indícios de que ele dispunha. Uma vez mais, Wal-
cott havia separado e fotografado um espécime mas não publicara
nada e não deixara nenhuma anotação. Desta vez, porém, Conway
Morris viu-se praticamente nadando num mar de indícios, uma vez
que dispunha de três espécimes — o de Walcott, em Washington;

Imm

3 30 Reconstituição original de Dinomischus, feita por Con way Morris (1977a).


Parte do cálice fo i removida para mostrar a anatomia interna do organismo. Obser­
ve o intestino em forma de U estendendo-se da boca (indicada por um MJ até o ânus
(An.), e os feixes musculares fSus. Fb„ de "suspensory fibers“ - em inglês, ' fibras
suspensoras”), fixando o intestino à parede do cálice.

169
3.31. Três espécimes do animal pedunculado Dinomischus. Um deles inclina-se em
nossa direção, exibindo as aberturas da boca e do ânus na superfície superior do cá­
lice. Desenho de Marianne Collins.

um outro em nossa coleção, em Harvard; e um terceiro encontrado


na encosta de Walcott pelo Museu Real de Ontário, em 1975.
Todos os animais discutidos até aqui eram móveis e bilateral­
mente simétricos. Dinomischus representa um outro grande design
funcional: trata-se de uma criatura séssil (fixa e imóvel) com simetria
radial, apto a receber alimento de todas as direções, tal como muitas
esponjas, corais e crinóides pedunculados de hoje. Dinomischus
assemelha-se muito a um copo ligado a uma haste longa e fina, com
um apoio bulboso na base para fixar o animal ao substrato (fig- 3-30)-
A criatura toda tem pouco mais de 2,5 centímetros de comprimento.
O copo, que recebe o nome de cálice, tem em sua borda uma
serie de aproximadamente vinte lâminas alongadas e paralelas cha­
madas bracteas. A superfície superior do cálice contém uma aber­
tura central e outra periférica, presumivelmente a boca e o ânus,
por analogia com criaturas modernas de hábitos similares (fig. 3.31).
m intestino em forma de ferradura, com um estômago dilatado
na ase, esten e-se entre as duas aberturas através do interior do

170
cálice. Filamentos que se irradiam a partir do estômago para a su­
perfície interior do cálice podem ter sido fibras de sustentação (do
intestino) ou feixes musculares.
Notam-se diversas semelhanças superficiais com uma miscelâ­
nea de animais modernos, mas estas são provavelmente analogias
gerais relativas a designs similares (como as asas das aves e dos inse­
tos) e não homologias detalhadas que reflitam afinidades filogené-
ticas. Conway Morris encontrou estreitos paralelos com o pequeno
filo Entoprocta (incluído entre os briozoários nas classificações mais
antigas), mas Dinomischus é uma criatura fundamentalmente estra­
nha. Embora Conway Morris tenha demonstrado alguma hesitação
em seu trabalho original (1977a, p. 843), sua opinião final é inequí­
voca: “ Dinomischus não apresenta nenhuma afinidade óbvia com
outros metazoários e provavelmente pertence a um filo extinto”
(Briggs e Conway Morris, 1986, p. 172).
4) Amiskwia. Com Amiskwia, Simon finalmente atacou um dos
organismos de Burgess que, apesar de ser um dos mais raros, fora
tema de diversos estudos. Cinco espécimes haviam sido descobertos
e Walcott descrevera formalmente o gênero — como um quetógna-
to — em 1911. Amiskwia também inspirara algumas discussões vei­
culadas em trabalhos anteriores, embora nunca se tivesse levantado
a possibilidade de que ele não pertencesse a nenhum dos filos mo­
dernos. Dois artigos publicados em 1960 haviam sugerido sua trans­
ferência dos quetógnatos para os nemertinos. Embora os nomes des­
ses filos não sejam familiares, ambos são de uso corrente na moder­
na taxonomia.
Amiskwia, sendo um animal achatado e provavelmente gelati­
noso, desprovido de carapaça externa, apresentou-se realmente com­
primido na superfície das rochas de Burgess. Assim, esses fósseis
foram efetivamente preservados da maneira que Walcott equivoca­
damente pensara ser a normal para todos os organismos de Burgess
__ como uma folha de papel. Na ausência da estrutura tridimensio­
nal que Whittington encontrou nos artrópodes e cuja existência Si­
mon confirmou em diversas outras curiosas criaturas, pouca coisa
da anatomia de Amiskwia pode ser claramente elucidada — embo­
ra o que foi preservado seja suficiente para excluir a possibilidade
de colocá-lo em qualquer filo moderno.
A região da cabeça possui um par de tentáculos, inseridos na
superfície ventral anterior (fig. 3.32). O tronco exibe dois tipos de
nadadeiras, sem a presença de raios ou qualquer outra estrutura de
sustentação, no plano do achatamento do corpo — as laterais (nos

171
3.32. O animal nadador achatado Amiskwia, com um par de tentáculos na cab Ç
e nadadeiras laterais e caudais na parte de trás. Desenho de Marianne o

flancos) e uma terminal (formando uma cauda). (Os quetógnatos


freqüentemente têm nadadeiras em posições mais ou menos si
res, daí a classificação feita por Walcott. Todavia, um verda eir^
quetógnato também apresenta uma cabeça com dentes, ganchos
um capuz proeminente — e sem qualquer espécie de tentáculo,
existe nenhum outro aspecto de Am iskwia que, mesmo vagamen .
sugira qualquer afinidade com os quetógnatos, e a grosseira seme
lhança entre as nadadeiras representa um caso de evolução indepen
dente de características funcionalmente similares.) Am iskwia e Pr°
vavelmente um dos poucos animais de Burgess que não vivia na co­
munidade do fundo do mar que foi tragada pelo deslizamento
lodo. Tratava-se provavelmente de um organismo pelágico, viven­
do nas águas abertas acima da bacia estagnada que recebeu o desli­
zamento de lama de Burgess. Esse tipo diferente de vida explicaria
a grande raridade de Amiskwia, Odontogriphus e de algumas ou­
tras criaturas que podem ter vivido nas águas abertas acima da se­
pultura do grosso da comunidade de Burgess mas longe do seu ha­
bitat original. Apenas alguns poucos animais da coluna d’água te-
riam morrido e assentado no fundo durante o curto período em que
o deslizamento de lama estava se aglutinando para dar origem à ca­
mada de sedimentos da bacia estagnada.

172
No interior da cabeça, um órgão bilobado talvez represente os
gânglios cerebrais, enquanto o intestino é constituído por um tubo
reto que vai de uma região expandida no interior da cabeça até um
ânus situado na outra extremidade do corpo, logo adiante da nada­
deira caudal (fig. 3.33). A cabeça, desprovida das características pro-
bóscides com uma proeminente cavidade preenchida por um fluido
e dotada de paredes musculares, não se parece em nada com a de
um nemertino ao passo que a nadadeira caudal apresenta apenas uma
semelhança superficial (nos nemertinos, a nadadeira é bilobada e
o ânus se abre bem na ponta do corpo). Conway Morris, já então
sentindo-se bastante à vontade com a idéia de singularidade anatô­
mica em níveis taxonômicos elevados, concluiu:

3 33 Reconstituição de A m iskw ia feita por Con way Morris (1977b). A) Aspecto


do animal visto de baixo: note a inserção dos tentáculos (indicadospor Tt.), aposi­
ção da boca (Mo ) a trajetória do intestino (Int.) até o ânus (An.), e a estrutura in­
terpretada como um possível gânglio cerebral (Ce. Ga.). li) Aspecto do animal visto
de lado.

173
Hallucigenia, sustentada por seus sete pares de escoras, apóia-se sobre o fu ,l‘
do do mar. Desenho de Marianne Collins.

'mboia Amiskwia sagittiformis certamente não seja um quetógnato,


[...] o verme tampouco pode ser colocado entre os nemertinos. A rela­
tiva semelhança [com os nemertinos] é considerada superficial e um
mero produto de evolução paralela. Amiskwia sagittiformis não pare­
ce ter afinidades mais estreitas com qualquer outro filo conhecido
(1977b, p. 281).

5) Hallucigenia. Nós precisamos de símbolos para representar


uma diversidade que não cabe completamente em nossas cabeças,
be tivesse que ser selecionada uma criatura para ser a portadora da
mensagem de Burgess Shale - a espantosa diversidade e singulari-
dade de estruturas anatômicas geradas tão cedo e tão rapidamente
na historia da vida multicelular moderna — a escolha da esmagado­
ra maioria dos aficionados recairía certamente sobre Hallucigenia
(embora eu talvez optasse por Opabinia ou Anomalocaris). Este gê-
neio ganharia a votação por dois motivos. Primeiro, porque ele é
realmente fantástico. Segundo, já que os nomes são tão importan-
es quando se trata da escolha de símbolos, Simon escolheu uma de-
e*tremamente incomum e verdadeiramente adorável para
ua descoberta mais estranha. Ele chamou esta criatura de Halluci-
a,v!á &af ar^nc’a bizarra e irreal do organismo (1977c,
rj t m . Cim ’ talvez, como um memorial a uma época de expe-
mentos sociais da qual ele não se lamenta.
seu nrínHnü aVm c° i° caci° sete espécies de Burgess em Canadia,
genero e poliquetos. (Os poliquetos, membros do fi-

174
Io Annelida, os vermes segmentados, são os equivalentes marinhos
das minhocas terrestres, e estão entre os mais diversificados e bem-
sucedidos de todos os grupos animais.) Conway Morris posterior­
mente (1979) mostrou que esse gênero estava ocultando uma notá­
vel diversidade sob um guarda-chuva extremamente ampliado — pois
entre as sete “ espécies” de Walcott ele acabou reconhecendo três
gêneros distintos de poliquetos verdadeiros, um verme de um filo
inteiramente diferente (um priapulídeo que ele rebatizou de Lecy-
thioscopa) e Hallucigenia. Walcott, confundindo a mais estranha
de todas as criaturas de Burgess com um verme comum, batizou es­
se animal de Canadia sparsa.
Como se pode descrever um animal quando nem mesmo se sa­
be qual lado está para cima e quais são as extremidades anterior e
posterior? Hallucigenia é bilateralmente simétrica, como a maioria
dos animais móveis, e tem diversos conjuntos de estruturas repeti­
das em comum com o design padrão de muitos filos. Os maiores
espécimes têm aproximadamente 2,5 centímetros de comprimento.
Se quisermos ir além dessas indicações extremamente vagas seremos
forçados a entrar num mundo verdadeiramente fantástico (fig.3.34).
Em linhas gerais, Hallucigenia tem uma “ cabeça” bulbosa numa

3 .3 5 . Reconstituição original cie Hallucigenia feita por Conway Morris (1977c).

175
extremidade, mal preservada em todos os espécimes (cerca de trin­
ta) e, portanto, não elucidada. Não podemos nem sequer ter certe­
za de que essa estrutura representa a região frontal do animal; trata-se
de uma “ cabeça” apenas por convenção. Esta “ cabeça” (fig-
está ligada a um tronco alongado, estreito e basicamente cilíndrico.
Sete pares de espinhos pontiagudos — não apêndices articu a
dos, como os dos artrópodes, mas estruturas simples e distintas
ligam-se aos lados do tronco, próximos à superfície ventral, e
prolongam-se para baixo, formando uma série de suportes. Esses
espinhos não se articulam ao corpo, dando a impressão de estarem
implantados na parede do corpo, a qual estende-se por uma cur
distância ao longo da parte de cima de cada espinho, formando u
espécie de bainha. Ao longo da linha média da superfície dorsa
corpo, do lado diretamente oposto ao dos espinhos, sete tentacu
com pontas bifurcadas estendem-se para cima. Os sete tentácu
parecem estar coordenados aos sete pares de espinhos de uma
neira harmônica porém estranhamente deslocada: o primeiro te
culo (o mais próximo da “ cabeça” ) não corresponde a nenhum P
de espinhos. Cada um dos outros seis tentáculos está diretamen
acima de um par de espinhos. O último par de espinhos não corres
ponde a nenhum tentáculo. Um feixe de seis tentáculos dorsais mu
mais curtos (talvez dispostos na forma de três pares) encontra-se
go atrás da fileira formada pelos sete tentáculos maiores. Nesse P°n
to, a extremidade posterior do corpo estreita-se, formando um tu
bo que se dobra para cima e para a frente.
C om o um taxonom ista p ode interpretar esse designl Sim on cne-
gou à con clu são de que prim eiro teria de tentar im aginar de que m a­
neira esse anim al poderia operar, ap ós o que ta lv ez p ud esse reunir
alguns indícios que o ajudassem a elucidar sua an atom ia. Procurando
an alogias, Sim on n otou que alguns anim ais m od ern os ap óiam -se ou
até m esm o se d eslocam com o auxílio de esp in h o s lig a d o s à parte
d e baixo de seus corp os. O peixe “ trip é” a p ó ia -se sobre d o is lo n g o s
esp in h os peitorais e um espin ho cau d al. O s ela síp o d es, um curioso
gru p o de h olotu róid es (p ep in os-d o-m ar, do filo d o s eq u inod erm os)
de mar aberto, deslocam-se em conjunto pelo fundo do mar apoia­
dos sobre espinhos que têm a forma de tubos alongados (Briggs e
Conway Morris, 1986, p.173). Em Hallucigenia os dois espinhos de
cada par formam um ângulo de aproximadamente setenta graus, um
excelente arranjo para que uma série de apoios sustente o corpo com
boa estabilidade. Assim, Conway Morris partiu do pressuposto de
que os sete pares de espinhos permitiam que Hallucigenia se

176
firmasse sobre um substrato lodoso. Esta suposição define um há­
bito de vida e uma orientação: “ As superfícies ventral e dorsal são
identificadas com base na suposição de que os espinhos ficavam en­
terrados nos sedimentos do fundo” (Conway Morris, 1977c, p 625)
Até aqui tudo bem; Ha/lucigenia podería apoiar-se sobre o fun
do do mar com razoável estabilidade. Mas o animal não podia ficar
parado eternamente como se fosse uma estátua. Criaturas bilateral­
mente simétricas, com cabeças e caudas, quase sempre são móveis
Eles concentram seus órgãos sensoriais na frente e têm seus ânus
atrás porque precisam saber para onde estão indo e se afastar do
que deixam para trás. Como, em nome de Deus, Ha/lucigenia po­
dería se locomover sobre uma série de espigões firmemente fixados
na parede do corpo? Conway Morris conseguiu sugerir um modelo
plausível, no qual feixes musculares prendem a extremidade proxi-
mal dos espinhos à superfície interna da parede do corpo. A exten­
são e a contração diferencial desses músculos poderíam movimen­
tar os espinhos para frente e para trás. Uma onda coordenada desse
movimento ao longo dos sete pares podería propelir o animal, ain­
da que um tanto desajeitadamente. Ele não ficou muito impressio­
nado com as perspectivas dessa forma de locomoção, e sugeriu que
“Ha/lucigenia sparsa provavelmente não avançava com rapidez so­
bre rochas ou lodo e que em boa parte do tempo ela se mantinha
parada” (1977c, p. 634).
Se os espinhos eram difíceis de interpretar, o que dizer dos ten­
táculos, em que as perspectivas de órgãos análogos modernos eram
mais pessimistas? As tenazes presentes em suas extremidades pode­
ríam ter servido para a captura de alimento, mas os tentáculos não
chegam até a região da cabeça e a passagem de alimento de um ten­
táculo para outro em direção à boca frontal não oferece muitas pos­
sibilidades de uma alimentação eficiente. Observando a possibilida­
de de haver alguma espécie de conexão entre um tubo oco no inte­
rior de cada tentáculo e um intestino no interior do tronco (nenhum
dos quais suficientemente bem preservado para inspirar confiança),
Conway Morris propôs uma fascinante alternativa. Talvez Ha/luci­
genia não tivesse nenhuma boca frontal. Talvez cada tentáculo apa­
nhasse alimento de forma independente e o fizesse descer através
de seu próprio esôfago, após o que ele iria para um intestino comu­
nal. Quando se trabalha com um animal tão estranho é preciso le­
var em conta soluções bizarras.
Todavia, Ha/lucigenia é tão peculiar e tão difícil de se imagi­
nar atuando com eficiência que temos de considerar a possibilidade

177
de uma solução muito diferente. Talvez Hallucigenia não seja um
animal completo e sim um apêndice complexo de uma criatura maior,
ainda não descoberta. A extremidade da “ cabeça” de Hallucigenia
não é mais do que uma mancha incoerente em todos os fósseis co­
nhecidos. Talvez isso não seja cabeça coisa nenhuma e sim um pon­
to de fratura em que um apêndice (chamado Hallucigenia) separou-
se da parte principal do corpo (ainda não descoberta). Essa pers
pectiva talvez seja frustrante, já que o próprio Hallucigenia e um
animal tão assombroso. Portanto, estou apoian o a m erpre açao
de Conway Morris (embora, se fosse obrigado a apostar, colocar,a
meu dinheiro na teoria dos apêndices). Por outro lado porem a
a- de
perspectiva i-T„ih,,~iopnia sei
a Hallucigenia ser aF
apenas um apendice
1 e ainda mais
. a ex-

citante - pois o animal todo, se algum dia fosse descoberto e re­
constituído poderia chegar a ser mais peculiar do que Hallucige­
nia, tal como ela atualmente é interpretada. Não é a primeira vez
que isso acontece com os animais de Burgess. Anomalocaris (veja
o Ato 5) já foi considerado um artrópode completo e um crustáceo
bastante obscuro. Então Whittington e Briggs (1985) descobriram
que se tratava de um apêndice alimentar de um animal que só per­
dia para Hallucigenia em termos de estranheza entre os animais de
Burgess. Nós certamente ainda não vimos a última surpresa de Bur­
gess e, talvez, nem mesmo a maior delas.

DEREK BRIGGS E OS ARTRÓPODES BIVALVES: O FRAGMENTO FINAL


NÃO TÃO BRILHANTE M AS IGUALMENTE NECESSÁRIO

Devo começar pedindo desculpas a Derek Briggs por uma des­


feita invisível resultante de minha ignorância e imprudência. Come­
tí um grave erro ao esboçar pela primeira vez este núcleo cronológi­
co do livro — ou seja, antes de ler minuciosamente as monografias.
Eu via a revisão de Burgess como uma dramática interação entre
Hariy Whittington, o sistematizador tradicionalista que deu início
a tudo, e Simon Conway Morris, o jovem radical que desenvolveu
uma interpretação revolucionária e a impôs a todos. Eu já havia
apontado meu erro ao interpretar essa interação de acordo com o
script convencional.
Deixe me agora confessar um outro equívoco, um que eu não
everia ter cometido. Trata-se de um erro típico daqueles que escre­
vem sobre ciência sem uma compreensão intuitiva dos seus procedi­
mentos cotidianos; quem é do ramo deveria estar livre disso. A im-

178
prensa costuma exaltar tanto a novidade e a descoberta sensacional
— mais fáceis de relatar e mais apropriadas para o noticiário — que
as narrativas que chegam ao conhecimento do público geral não ape­
nas omitem as atividades científicas habituais mas também, o que
é ainda pior, transmitem uma falsa impressão a respeito do que im-
pulsioná a ciência.*
Um projeto como o da revisão de Burgess tem aspectos poten­
cialmente notáveis e outros menos conspícuos. Ambos são necessá­
rios. Um repórter convencional comunicaria apenas os conceitos ex­
citantes e os fatos sensacionais — Hallucigenia ganha destaque e os
trilobitos de Burgess são ignorados. Tomadas isoladamente, porém,
as estranhas criaturas de Burgess não significam muito. Colocadas
no contexto de toda a fauna, incluindo também a presença de ele­
mentos convencionais, elas sugerem uma nova concepção da histó­
ria da vida. As criaturas convencionais precisam ser estudadas com
o mesmo empenho e paixão — pois elas são igualmente importan­
tes para o quadro geral.
Derek Briggs entregou-se ao estudo dos artrópodes bivalves —
obviamente o grupo mais convencional da fauna de Burgess. Ele es­
creveu uma série de excelentes monografias sobre esses animais, en­
contrando algumas surpresas mas também confirmando algumas ex­
pectativas. Eu não tinha avaliado o papel central que o trabalho de
Briggs acerca dos artrópodes bivalves desempenhou na transforma­
ção de Burgess. Ao ler as monografias de Derek, reconhecí meu er­
ro, com um pouco de vergonha, e passei a ver Harry, Derek e Si-
mon como um trio de iguais, cada um com um papel distinto e ne­
cessário no conjunto do drama.
Walcott e outros autores haviam descrito cerca de uma dúzia
de gêneros de artrópodes dotados de carapaça bivalve (usualmente
envolvendo toda a cabeça e a parte anterior do corpo). Vários des­
ses gêneros não podem ser classificados com segurança pois apenas
as carapaças foram encontradas, não havendo sinal de suas partes
moles. Os outros gêneros, sem qualquer dúvida ou hesitação, sem­
pre foram identificados como crustáceos — tal como todos os ar­
trópodes modernos possuidores de carapaça bivalve. Derek Briggs

(*) Não digo isto com a intenção de fazer críticas ou denúncias. A imprensa
tem estado à altura do papel que lhe cabe executar. Apenas chamo a atenção para
o fato de que abordagens diferentes contemplam apenas determinadas partes de um
todo — tal como no desgastado símile do cego e o elefante — e que se pode cometer
um enorme erro ao confundir uma porção pequena e pouco representativa com a
entidade a que ela pertence.

179
iniciou seu projeto sem qualquer dúvida consciente: “ Havia algu­
mas descrições a serem refeitas. Presumi que estaria lidando com
um punhado de crustáceos” .
Briggs descreve duas notáveis descobertas em sua primeira mo­
nografia a respeito dos artrópodes bivalves de Burgess Shale. Junte
a isso as estranhas criaturas de Simon e os artrópodes órfãos de Harry
e você terá, em 1978, uma exposição inteiramente nova e bem arti­
culada de como se deu a evolução da vida animal multicelular.
1) Branchiocaris, a primeira descoberta. Os crustáceos são um
grupo enorme e diversificado — desde os quase microscópicos os-
tracodos, cujo corpo é todo coberto por uma carapaça bivalve se­
melhante às conchas de um mexilhão, até os caranguejos gigantes
do Pacífico, com tenazes que chegam a alcançar até 3,5 metros de
comprimento. Não obstante, todos são construídos de acordo com
um projeto fundamental estereotipado, com uma clara assinatura
na estrutura da cabeça. A cabeça dos crustáceos é o resultado da
fusão de cinco segmentos originais, com o acréscimo dos olhos. Por-
tanto, estão presentes cinco pares de apêndices — e dispostos num
arranjo definido: dois pré-orais (em geral antenas) e três pós-orais
(comumente peças bucais).* Como todos os artrópodes bivalves mo­
dernos são crustáceos, Briggs presumiu que iria encontrar essa assi­
natura frontal em seus espécimes. Mas Burgess logo proporcionou
mais uma surpresa.
Em 1929, Charles E. Resser, o braço direito de Walcott no Ins­
tituto Smithsomano, descreveu um espécime de Burgess como sen­
do o crustáceo^ P ro to c a ris p r e tio s a . O gênero P ro to c a ris fora esta­
belecido em 1884 pelo propno Charles Doolittle Walcott, em seus
t r S n n õ ^ artróP°de d° Cambriano encon-
trado no Parker State, no estado de Vermont. Resser julgou que o
animal de Burgess estivesse suficientemente próximo para ser incluído
" ° T r t o Z l i n f ' SCOrdOU e cri0" 0 ^ n e r o BrancUocaris.
Bnggs conseguiu reunir um total de cinco espécimes - aquele
descrito por Resser, mais três da j 4
cuia Darte foi enmntraHa n co*eçao de Walcott e um quinto
cuja parte fo, encontrada por Raymond, em 1930, mas cuja contra-

( ) As peças bucais dos artrópodes rer »h»


funcionalmente comparáveis n r r o e r a m os mesmos nomes de estrutur
sim por diante. Da mesma forma aS L " ? ~ maxila> mandíbula e «
nomes — trocanter e tíbia — que as - ^ ** ^ pernas d°s insetos têm os mesm
nomenclatura lamentavelmente confu^"^** COrrelatas dos vertebrados. Esta é ur
as estruturas não têm nenhuma r„i.„.-Sa poi"que>aPcsar das similaridades funciona
ram a partir de pernas- as mandíhni 30 evolutlva: as PeÇ»s bucais dos insetos evoli
’ mand'bUlaS dos vertebrados a partir de arcos branquiai:

180
ran

3 .3 6 . R e c o n s titu iç ã o d e Branchiocaris f e i t a p o r B rig g s (1 976). A ) A s p e c to d o a n i­


m a l v is to d e la d o . B ) V isto d e b a ix o , m o s tr a n d o a s u p e r fíc ie v e n tr a l d o o rg a n is m o
circ u n d a d a p e la s d u a s va i vas d e su a ca ra p a ça . O b se rv e e sp e c ia lm e n te o s p a r e s d e a p ê n ­
d ic e s u n irre m e s, e m p a r tic u la r o sin g u la r a p ê n d ic e p r in c ip a l (in d ic a d o p o r lpa e rp a )
N o te ta m b é m a a u sê n c ia d e q u a lq u e r a p ê n d ic e n a p a r te d a c a b e ç a p o s te r io r à b o c a -
e s te a rr a n jo é d e s c o n h e c id o e m q u a lq u e r o u tr o g r u p o d e a r tr ó p o d e s m o d e r n o s .

parte permaneceu na encosta de Burgess até ser coletada pela expe­


dição do Museu Real de Ontário, em 1975, conforme foi relatado
na emocionante história apresentada anteriormente neste capítulo.
A carapaça bivalve de Branchiocaris cobre a cabeça e os dois terços
anteriores do corpo (fig. 3.36). O corpo propriamente dito apresen­
ta cerca de 4.6 segmentos curtos, com a parte posterior do corpo ter­
minando num telso bifurcado. Os apêndices não podem ser vistos
com clareza no limitado número de fósseis disponíveis, mas possi­
velmente eram birremes, com um ramo segmentado curto (presu­
mivelmente homólogo à perna locomotora da maioria dos artrópo­
des birremes ainda que demasiado pequena para ter tal função em
Branchiocaris), e uma apófise maior em forma de lâmina, prova­
velmente usada para nadar próximo ao fundo do mar.

181
presa Vêenr^ e ^ r a n c ^ o c a r ‘f< porém, constituía uma grande sur-
para a frente e Cara™ente dois Pares de apêndices curtos voltados
convencí o T ^ * 8 a “ tonas - o primeiro de aparência
mais peculiar fortè Umrreme e com diversos segmentos; o segundo
uma garra ou urm CConstltuido de Poucos segmentos, talvez com
de “aoêndiee • Pin.ça na P°nta- Briggs chamou este segundo par
plexo diante ? nncipal” ~ da mesma forma que Whittington, per-
“grande apêndte” . eStrUtUra SÍmilar em Y o h o i a , inventou o termo

rais daSSeahpPên vrCCS estavam ligados às superfícies superior e late-


três nares h Ç& - a Parte ventral, após a boca, deveria haver mais
nhum anênH,aPen 1CCS’ Briggs nao encontrou nada. Não havia ne-
mente d ' na suPeidl'cie ventral. Branchiocaris, com dois e so­
ta esnéoie nt,31-68 &aPcndices na cabeça, não era um crustáceo. “ Es-
artrónodes Vlamente nao P°de ser colocada em qualquer grupo de
artropodes modernos” , concluiu Briggs (1976, p. 13).
ser um rnü; ° ! artrdpodes bivalves — o grupo que mais prometia
também m U?-t° ?oerente de f°rmas evolutivamente aparentadas —
prevista H’ ^ V T * uma cateê°ria artificial que ocultava uma im-
ria ser e n m T a 6 anatdm*ca- Que espécie de regularidade pode-
parecia Cntre ° S artróP°des de Burgess? Cada um deles
terísticas _ S1 ° construído a Partir de uma multiplicidade de carac-
do todas as C° mo se ° arQuiteto de Burgess tivesse um saco conten-
uma variar>~eS P°SSIVe's de artrópodes e apanhasse ao acaso
iava cnnstt-30 C Cada Uma. das partes necessárias sempre que dese-
sente nos trh ^ n ^ 3 n° Va criatura- membro birreme do tipo pre-
de como de ° t 1 ° 8 podeida servir de complemento a qualquer tipo
bertura n a m ^ ropode^ ^ ma carapaça bivalve podería servir de co­
va a c o n g r u ê n c i a anat0mia? ° nde estava a ordem >onde esta"

artrÓDode^ d e ^ o ^ ’ 3 segunda descoberta. Considere a história dos


do ano de 107< a!,8688 COm base no ^ue f° ra publicado até o final
tos estava órfã supostamente aparentada com os trilobi-
curso^de cohwfai Y° h° Ía' com seu grande apêndice, não era o pre-
lizado e não rei 3 guma e sim um organismo singularmente especia-
m T Até
órfã c : „mpsmn
^ eir ;DS
: i T , ■mhomomma
ramemfda afauna,
^ era ° outra
utro oreanis-
espécie
c r tlá tl i Z B™ ch,ocaris, r forte candidato a
Além do mais, e s s e s q i í T r Smgularsob sua carapaça bivalve.
mum; cada um deles exibia Ffa° S tmham muita coisa em co‘
um deles exibia suas próprias peculiaridades. Será que

182
algum dos artrópodes de Burgess aceitaria fazer parte de um dos
grupos modernos em que Walcott, com o auxílio de sua calçadeira,
os enfiara?
Canadaspis é o segundo animal mais comum de Burgess Shale.
É grande pelos padrões de Burgess (até 7,5 centímetros de compri­
mento) e tende a ser preservado com uma conspícua cor avermelha­
da. A criatura tem uma carapaça bivalve mas, como Briggs logo des­
cobriu, sua anatomia é muito diferente da de Branchiocaris.
Num artigo publicado em 1977, Briggs situou duas espécies bi-
valves num novo gênero, Perspicaris. Suas reconstituições sugeriam
coisas excitantes, mas a raridade dos espécimes e seu mau estado
de preservação tornaram impossível qualquer conclusão definitiva.
Ele não podia provar a existência de uma afinidade filogenética, mas
nada do que se sabia acerca dessas duas espécies excluía a possibili­
dade de pertencerem ao grupo dos crustáceos. Será que finalmente
havia sido encontrado um representante de um grupo moderno?
Em 1978, Briggs elucidou esta questão de modo elegante e de­
finitivo. Sua longa monografia sobre a bem preservada e supera-
bundante Canadaspis perfecta por fim colocou uma criatura de Bur­
gess em um bem-sucedido grupo moderno. Canadaspis não apenas
era um crustáceo como também se podia determinar sua posição

3 37 R e c o n s titu iç ã o d e Canadaspis f e i t a p o r B rig g s (1978). A e s tr u tu r a d e s te a n i­


m a l é típ ic a d e u m c r u stá c e o v e r d a d e iro d a lin h a d o s m a la c o s tr á c e o s : d o is p a r e s d e
a p ê n d ic e s d ia n te d a b o c a (in d ic a d o s p o r anl e an2), trê s p a r e s d e a p ê n d ic e s a trá s
d a b o ca (m a , mxl e mx2), um tó r a x c o m o ito s e g m e n to s (c o m e ç a n d o p e lo s e g m e n to
in d ic a d o p o r ü ) e u m a b d ô m e n c o m s e te s e g m e n to s ( a b l - a b l ) . C a d a s e g m e n to to ra -
c ic o a p r e s e n ta u m p a r d e a p ê n d ic e s b irre m e s.

183
dentro desse filo Qn w
representante do ara^H °S^ S era um malacostráceo primitivo — um
lagostas. Brigas enrvTf6 grupo dos caranguejos, dos camarões e das
tipo dos malacostrá ° r° U todos os elementos do complexo estereó-
com cinco pares de „Ceos ,na anatomia de Canadaspis: uma cabeça
°s olhos; um tórax c*5611 1CeS e.constituída de cinco segmentos mais
men (porção posteri^ri ^ média^ cortl oito segmentos; e um abdô-
so> os cinco pares de ’ C? n\ sete segmentos e mais o telso. Além dis-
com dois pares de ant apen ,es estão dispostos na ordem correta,
Pares de apêndice* „QC? aS-Uldrremes curtas na frente da boca e três
nais não têm apêndi ° 3tras ^ a ^oca-* ®s segmentos abdomi-
de apêndices birreme6^ ^ Ca<3a seSmento torácico possui um par
e um ramo branouiai^w 1008’ C° m Um ramo interior- 0 da Perna’
A brevidade desta de n0r~ ^ larg° (figs‘ 3 3 1 e 3 J 8 ) ’
nadaspis no contexto da T °~'diminui a ™ Portância de Ca-
tranho torna necessário e orniula<^ao de Burgess. Um animal es-
ridade seja exDliVaria- Um tGXt° mais ,ong° para que sua singula-
Plesmente como “ n a r * cr'atura familiar pode ser definida sim-
Todavia, Canadaspis & C° m Joe’ que todo mundo conhece” .
Para a história de Buraess°„meSm° temp° Uma chave e uma ancora
> a criatura tão importante quanto qual-

Uás das conclusões expôsta^mm”!3 'dé!f de. quanta luta e esforço podem estar por
ressante nota em que Derek RHo« 3013 rcv'dade em meu texto, considere esta inte-
pis transformou-se numa b u s e / f COmenta este trech°: “ O trabalho com C a n a d a s -
era de que seriam muito peauenasa pnm®ir°. crustáceo [...] Na época, a expectativa
pudesse pertencer a grupos mnH» S pr°kabilidades de que qualquer dos artrópodes
consistia em reunir as decisivas eviHa°S’ Em S6 tratando de C a n a d a s p is , o problema
enores. O u s n m 1 8 9 0 1 7 fnúmprr, ncias rePresentadas pelos apêndices cefálicos pos-
C1f ’ no Museu Nacional dos Esrad 6 C^tá!°s ° de um espécime de importância cru-
tres (dentre milhares) desses esné ^ Umd° S] é.° me,hor entre os apenas cerca de
ros (eles quase sempre estão totalm65 dUC perm'tem uma visão lateral desses mem-
6tC') e’ c°mo você pode ver na Pranrh ^te obscurecitlQs pela carapaça, compactação
mostrar isso representou um enorme trah ,íBri| êS’ l978i ’ Preparar o espécime para
a Prancha representam o máximo n„» Em minha opinião, as figs. 6 6 - 6 9 des-
em serie de partes e contrapartes Deniv a Ser alcançado em matéria de preparação
vencer Sidnie Manton (guru de Harrv n ^ ,SS° dve um trabalho danado para con-
mente dispunha de indícios cruciais — ° ^ tange aos artrópodes) de que eu real-
hzaçao! [Manton era a maior autoridad! ?,CaS'â° ®U considerei isso uma grande rea-
em termos das categorias taxonôm icast mUnd° Cm das^ icação de artrópodes
tratava apenas de encontrar espécimes e^ Penores e ™ osso duro de roer.] Não se
necessar,0 demonstrar que os primeiros d o i ^ ° S apêndices Pudessem ser vistos; era
no n i T T !emelhant« Pertenciam à de Uma série de d“ Pa™ de apên-
Pois deles” .£ 330 “ signif'cativamente difeTentesToÍapênd5 f° SSem
tes uos apendices que vinham de-

184
3 .3 8 . O c r u s tá c e o v e r d a d e iro Canadaspis.Os c in c o s e g m e n to s d a c a b e ç a p o s s u e m
d o is p a r e s d e a n te n a s e trê s p a r e s d e a p ê n d ic e s p o s te r io r e s à b o c a , s e n d o q u e o s d o is
ú ltim o s s ã o u m a c o n tin u a ç ã o d o s a p ê n d ic e s b ir r e m e s d o c o r p o e tê m f o r m a s im ila r
à d e s te s. D e s e n h o d e M a r ia n n e C o iiin s .

quer das fantásticas maravilhas de Simon. Suponha que todos os


animais de Burgess fossem bizarros habitantes de um mundo perdi­
do. Que importância teria para nós essa fauna? Um experimento
malsucedido, um fracasso completo, uma primeira tentativa sem
qualquer relação com os animais modernos e que, portanto, não ofe­
rece nenhuma indicação que nos ajude a compreender a origem da
fauna atual. Todavia, a presença de Canadaspis e de outras criatu­
ras de design moderno sugerem uma visão diferente e mais esclare­
cedora A fauna de Burgess inclui efetivamente protótipos de ani­
mais modernos e, no que diz respeito a este aspecto fundamental,
trata se de uma fauna comum do período Cambnano; entretanto,
a enorme diversidade de designs anatômicos que vieram a desapare­
cer talvez revele o mais importante de todos os padrões da história
da vida primitiva. ,. , ,. , .
Ao mesmo tempo que Derek se dedicava a deshndar a anato­
mia de Canadaspis, Simon havia deixado para trás seu turbilhão de
fantásticas criaturas para ocupar-se com o principal tema de seu pro­
jeto os verdadeiros vermes de Burgess. Seus resultados, publicados
em duas monografias (1977 e 1979), confirmaram a lição de Cana-

185
da fauna dotarin^H?1811108 de Burgess, mesmo entre os membros
encaixam-se comoria** C° rpos constituídos apenas de partes moles,
sim a importância d a T ^ ^ grupos modernos — acentuando as-
malidade. Em 1977 cnaturas estranhas como acréscimos à nor-
ros de vermes nrin ’ onwaY Morris reconheceu seis ou sete gêne-
por três filo, l , . PUhde° S entre organismos que Walcott espalhara
oceanos modern<a^Uet° S’ crus,taceos e equinodermos). Embora nos
cerca de dez gên ern i pnapulldeos formem um pequeno filo, com
de Burgess Shaie m ’ 6 68 prec*om*navam entre a fauna de vermes
deos de Burgess) P3rte d° capítul° 5 é dedicada aos priapulí-

fusões de W a/co ít™ ^ ^ 0rr^s p° s em ordem uma das maiores con-


liquetos (reDresenta t° S poIic?ue,;os de Burgess. Walcott usara os po-
los vermes segment es marinhos do filo Annelida, constituído pe-
tranhas c r i de des™ o para muitas das es-
Poliquetos de Walcott Ü 8688- C° nway Morris encontrou entre os
ros de criaturas e stra t,° 1S 8^neros de Priapulídeos e quatro gêne-
havia identificaHn ai ° 38 c desconhecidas. Mas Walcott também
tura, Conway M o r r i T h W f - ^ 108 verdadeiros- A Partir dessa mis'
de Burgess. Esse gn flC0Ue criou seis gêneros de poliquetos
eclipsado pelos nriaraiKH190 dommante nos oceanos modernos, foi
muito mais esDérim i 608 COm 0 mesmo número de gêneros mas
clamam a mesma m n l f 6P° Ca de Burgess- Ambos grupos pro-
abundância tanto a n gerap a fauna de Burgess continha em
tanto anatomias comuns quanto singulares.

Nnm^° c L u a iJ l c a Ç a o de um raciocínio:
ola e Aysheaia, 1977-1978
APÓS um terceiro ato t'
curto, para assinalar de mÍ° extenso Precisamos de um quarto, m:
cidação de dois im p o rtan tes^ 1^ Cm grande parte simbólica, a el
outras razões que não apenasl061X18 de Burgess Que se destacam p
se impossíveis de se pronunciai n° mes carregados de vogais e qu

alguns artrópodes que^anTerior010 &° Seu drama tornando órfã*


Posjá estabelecidos (Ato mente, todos haviam colocado e
era de maneira1 CleVara a aposta mostrando q.
Fa otada de uma anatomia ^ &Um artróP°de mas, sim, un
tomia desconhecida e singular (Ato 2
186
mmr

Em seguida, seus colegas e alunos documentaram a manutenção desse


padrão através de toda a fauna, transformando aquelas anomalias
numa generalidade acerca de Burgess e de sua época (Ato 3). Quan­
do Harry Whittington por fim aceitou a nova interpretação e come­
çou a encarar a singularidade anatômica não como um último re­
curso mas, em princípio, como uma hipótese a ser preferida, a his­
tória havia atingido seu final lógico; a transformação de Burgess se
completara (Ato 4). Embora em termos conceituais o restante seja
apenas uma operação de limpeza, as melhores histórias pessoais ainda
estão por ser contadas (Ato 5).
Naraoia acrescentou a última peça importante à estrutura lógi­
ca da nova concepção. Esse velho e indefectível elemento de Bur­
gess, descrito por Walcott como um crustáceo branquiópode, pos­
sui uma carapaça composta de duas valvas achatadas, lisas e ovais,
cujas bordas retas se juntam uma atrás da outra. Essas valvas, dis­
tintas e brilhantes na maior parte dos fósseis, fazem de Naraoia um
dos mais notáveis e atraentes organismos de Burgess mas também
impõem severos problemas de interpretação. Elas cobrem toda a ana-

3 .3 9 . D esen h o em câm ara


lú c id a d e u m e x c e le n te e s p é c im e
d e Naraoia ( W h ittin g to n , 1977).
yli d u a s v a lv a s d a c a r a p a ç a
o c u lta m q u a s e to d a
a a n a to m ia d a s p a r te s m o le s
e a p e n a s as e x tr e m id a d e s
d o s a p ê n d ic e s e s te n d e m - s e
p a r a a lé m d ela s.

187
rr*

A 3 .4 0 . D e te r m in a ç ã o d a a fin id a d e
l a x o n ô m ic a d e Naraoia p o r d isse c a ç ã o .
A ) U m e s p é c im e c o m p l e t o a n te s d a
d iss e c a ç ã o . 13) O m e s m o e s p é c im e ,
d is s e c a d o p a r a e x p o r a s p e r n a s
n o p o n t o e m q u e e la s s e lig a m a o
c o r p o . C ) D e s e n h o e m c u m a r u lú c id a
d e u m e s p é c im e d is s e c a d o ,
y i s to q u e a c o n fig u r a ç ã o d a s p e r n a s
e tip ic a m e n te a d e u m tr ilo b ito ,
Naraoia é id e n tific a d a c o m o s e n d o
o p r im e ir o tr ilo b ito b iv a lv e c o n h e c id o .

À \ 188
tomia das partes moles; a maioria dos espécimes exibe apenas as ex­
tremidades distais dos apêndices, que se projetam para fora das bor­
das da carapaça (fig. 3.39). Como são as extremidades proximais
(e invisíveis) que proporcionam a base taxonômica primária para
a identificação dos grupos de artrópodes — tanto pela forma quan­
to pelo padrão de inserção no corpo — Naraoia corria o risco de
jamais ser corretamente interpretada.
Whittington resolveu o dilema com sua descoberta relativa à
estrutura tridimensional dos fósseis de Burgess. Ele percebeu que
poderia dissecar através da sólida carapaça de modo a revelar as ex­
tremidades proximais dos apêndices e os seus pontos de inserção.
Ao penetrar na carapaça de Naraoia (fig. 3.40) ele expôs os apêndi­
ces o suficiente para poder contar seus segmentos e tornar visíveis
suas extremidades proximais, inclusive as gnatobases e os sulcos ali­
mentares. Whittington também teve uma das grandes surpresas de
sua vida profissional. Ele estava olhando para o ramo da perna do
animal que ele melhor conhecia — um trilobito. A não ser por uma
vaga similaridade nas linhas gerais, porém, a carapaça, com suas
duas valvas, pouco se parecia com o exosqueleto de um trilobito.
A maioria dos trilobitos apresenta-se dividida em três partes: cabe­
ça, tórax e pigídio. (Ao contrário do que pensa a maioria das pes­
soas, não foi essa divisão que deu origem ao nome “ trilobito” , que
significa “ trilobulado” . A referência aos três lóbulos diz respeito
à tripla divisão longitudinal em um eixo central e duas regiões late­
rais que recebem o nome de pleuras.)
Whittington também encontrou em Naraoia outros traços típi­
cos dos trilobitos, em especial a característica segmentação da cabe­
ça, com um par de antenas pré-orais unirremes e três pares de apên­
dices ventrais pós-orais. Apesar da estranha carapaça, Naraoia era
com certeza um trilobito. Assim, ele descreveu esse gênero como uma
classe nova e independente dos Trilobita. Ele escreveu com mal dis­
farçada alegria e um toque pessoal pouco comum em seus escritos
— e por que não, já que Harry é o grande especialista em trilobitos,
internacionalmente reconhecido. Aqueles eram os seus bebês e ele
havia acabado de dar à luz uma criança assombrosa e diferente:
A primeira escavação foi ao mesmo tempo surpreendente e excitante
[...] A nova reconstituição mostrava um animal muito diferente da­
queles produzidos pelas reconstituições de Walcott e de outros [...] mui­
to mais semelhante a um trilobito do que se pensara. Na verdade, con­
cluí que N a r a o i a era um trilobito que havia perdido o tórax e eoloquei-o
numa ordem separada dessa classe (1977, p. 411).

189
Essa mudança pode parecer insignificante, uma transferência
de um grupo bem conhecido para outro e, portanto, um aconteci­
mento de pouco interesse conceituai em meio a toda a agitação e
descobertas de Burgess. Nem tanto. A classificação de Naraoia é a
peça final de um quebra-cabeças e mostra que o padrão básico de
Burgess — disparidade anatômica além dos limites de variação das
épocas posteriores aplica-se a todos os níveis. As estranhas e des­
conhecidas criaturas de Simon haviam confirmado o padrão no ní­
vel elevado dos filos, os planos básicos da vida animal. As mono­
grafias de Whittington haviam contado a mesma história no próxi­
mo nível mais baixo de disparidade dentro dos filos — grupo após
grupo de artrópodes orfanados indicava que a anatomia de Burgess
estendia-se para muito além da amplitude de variação de qualquer
época posterior. E isto apesar do grande aumento no número de es­
pécies de artrópodes, inclusive a moderna fauna de insetos, com qua­
se um milhão de espécies descritas. Agora Harry demonstrara no­
vamente o mesmo padrão no nível de disparidade mais baixo den­
tro dos grandes grupos de um filo. Ele havia descoberto uma aparente
contradição em termos um trilobito de corpo mole com uma ca­
rapaça formada por duas valvas. (Em 1985 ele iria descrever um se­
gundo trilobito de corpo mole, Tegopelte gigas, um dos maiores ani­
mais de Burgess, com cerca de trinta centímetros de comprimento,
de maneira que Naraoia não é uma solitária extravagância entre os
trilobitos.) O padrão de Burgess parece exibir um caráter “ fractal”
de mvariância através das escalas taxonômicas: levante o telescópio
ou espie pelo microscópio e você verá a mesma imagem - grande
íspari a e entre os organismos de Burgess, seguida de dizimação
e diversificação dentro dos poucos grupos sobreviventes.
A monografia sobre Naraoia representou um divisor de águas
conceitua para Whittington. Ele finalmente fez o enterro oficial da
c asse ri o ítoi ea, visto ser uma lata de lixo artificial sem valida-
e evo u iva. e por fim havia se permitido encarar os artrópodes
de Burgess como uma série de designs singulares, além dos limites
de vanaçao dos grupos posteriores-

A classe Trilobitoidea de Stormer (1959) foi proposta com o um a cate-


gon a conveniente para se colocar vários artrópodes supostam ente se-
me an es a ri o ítos e que se considerava estarem no m esm o nível
a c asse ri o ita, a maioria vinda de Burgess Shale. Estudos recen-
emen e pu íca os, e outros ainda em curso, estão fornecendo gran-
r6 ? a^ i * -3 t ' f ,n ° VaS 'nf ° rmaÇões, em especial sobre os apêndices
c asse rilobitoidea não pode mais ser considerada um conceito

190
útil e uma nova base para a avaliação das afinidades tilogenéticas está
emergindo (1977, p. 440).
A monografia seguinte de Harry, a respeito de Aysheaia, inicia-
se com o mais explícito reconhecimento da nova visão: “ Os animais
desta comunidade incluem uma espantosa variedade de artrópodes
e também formas bizarras, tais como aquelas descritas por Whit-
tington e Conway Morris, que, como Aysheaia, não podem ser pron­
tamente colocadas nos taxa superiores modernos (1978, pp. 166-7).
Aysheaia foi talvez o mais famoso e o mais amplamente discutido
organismo de Burgess — por uma interessante razão ligada aos con­
ceitos de “ primitivo” e “ precursor” . Walcott (191 lc) havia descri­
to Aysheaia como um verme anelídeo mas seus colegas logo obser­
varam com excitação que, ao menos superficialmente, a criatura qua­
se não podia ser distinguida de um pequeno grupo de invertebrados
rnodernos chamados onicóforos, representados basicamente por um
gênero com o adorável nome de Perípatus. Os onicóforos possuem
uma mistura de características de anelídeos e de artrópodes, razão
pela qual muitos biólogos consideram este grupo uma das raras for­
mas de ligação (elos “ não-perdidos” , se você preferir) entre dois fi-
los. Mas os modernos onicóforos são terrestres, ao passo que a tran­
sição de anelídeo para artrópode, ou a derivação de ambos a partir
de um ancestral comum, deve ter ocorrido no mar. Além do mais,
os modernos onicóforos sofreram mais de 550 milhões de anos de
evolução desde o suposto elo entre anelídeos e artrópodes e não po­
deríam ser vistos como cópias diretas da forma de transição. Um
onicóforo marinho do Cambriano seria uma criatura extremamen­
te importante do ponto de vista evolutivo — e Aysheaia, interpreta­
da por todos como sendo exatamente isso (Hutchinson, 1931),
transformou-se num herói de Burgess. O grande ecólogo G. Evelyn
Hutchinson, que realizara importantes estudos acerca da taxonomia
de Perípatus, na África do Sul, e que recordando sua profícua car­
reira do alto dos seus noventa anos de idade ainda coloca seu traba­
lho sobre Aysheaia entre os mais significativos que fizera (entrevis­
ta em abril de 1988), escreveu:
Em Aysheaia temos um organismo vivendo em uma época muito re­
mota, em condições ecológicas completamente diferentes daquelas ex­
perimentadas pelas espécies modernas, e que, não obstante, tinha em
vida uma aparência externa que deve ter sido extraordinariamente se­
melhante à dos representantes modernos do grupo (1931, p. 18).
Aysheaia possui um corpo cilíndrico, organizado em anéis ou

191
segmentos que se repetem no sentido do comprimento do animal,
e com dez pares de membros igualmente organizados em anéis e li­
gados às laterais do corpo, próximos à superfície inferior e aponta­
dos para baixo, presumivelmente usados na locomoção (figs. 3.41
e 3.42). A extremidade anterior não está separada do restante do
corpo por nenhuma espécie de divisão e, portanto, não existe cabe­
ça bem definida. Ela possui um único par de apêndices, muito se­
melhante aos outros na forma e na organização em anéis porém in­
seridos em pontos mais elevados das laterais do corpo e apontando
para os lados. A boca terminal (um traço no centro da superfície
frontal) é rodeada por seis ou sete papilas. Os apêndices da cabeça
apresentam três extensões espinhosas em suas extremidades e mais
três espinhos ao longo da borda anterior. Os membros do corpo ter­
minam numa ponta rombuda, com um grupo de até sete minúscu­
las garras curvadas. Espinhos maiores saem dos membros propria­
mente ditos. Esses espinhos estão ausentes no primeiro par, apon­
tam para a frente nos pares 2-8, e para trás nos pares 9-10.
Whittington combinou essas informações anatômicas com ou­
tros dados para reconstituir um modo de vida interessante e inco-
mum para Aysheaia. Em cerca de seis dos dezenove espécimes de
Aysheaia, ele encontrou restos de esponjas — uma associação qua­
se nunca encontrada nos outros organismos de Burgess. Whitting-
ton presumiu que Aysheaia poderia ter se alimentado de esponjas
e também vivido entre elas para se proteger de eventuais predadores
(fig. 3.43). As minúsculas garras terminais dos membros não teriam
sido eficientes na lama, mas possivelmente o ajudariam a subir nas

3.41. Aysheaia, provavelmente um onicóforo. Desenho de Marianne Collins.

192
’42' . Reconstituição de A y sh e a ia /e /to por Whittington (1978). A) Aspecto do ani-
ma v*s*° de cima. B) O animaI visto de lado; pode-se ver no alto o anel de tentáculos
em redor da boca terminal; a superfície dorsal está à direita.

193
esponjas e a manter-se agarrado a elas. Os apêndices anterio ^
poderiam ter levado alimento diretamente para a boca mas ,
servissem para lacerar as esponjas com os espinhos, permi 1
o animal absorvesse os sucos nutritivos e os tecidos moles. .
ras e espinhos voltados para trás, presentes nos membros PoS
res, poderiam ter atuado como âncoras para manter o anim
lugar quando posicionado em ângulos estranhos. gX-s.
Mas Aysheaia era um onicóforo? Whittington admitiu a ^
tência de algumas impressionantes semelhanças nos apêndices ^
riores, nos membros curtos e unirremes e no fato de o corpo
membros serem organizados em anéis. Todavia, também m
nou algumas diferenças, inclusive a inexistência de mandíbulas IP
sentes nos modernos onicóforos) e o término do corpo na a' tur^ . _
último par de membros (o corpo se estende mais para trás nos
cóforos modernos).
Na opinião de Whittington, essas diferenças ocasionavam
vidas suficientes para excluir Aysheaia do grupo dos onicóforos^
para reconhecer esse gênero, ainda que provisoriamente, como
grupo singular e independente. Citando as lições proporcionadas P
los outros gêneros, ele escreveu: “ Aysheaia, assim como outros
mais de Burgess tal como Opabinia, Hallucigenia e Minornisc
não pode ser acomodada prontamente em qualquer das categor
superiores que existem atualmente” (1978, p. 195).
Eu considero estas palavras momentosas e (simbolicamente, Pe
menos) como o término da transformação de Burgess. Ironicamen
te, digo isso porque acho que, por uma vez, Harry provavelmente
estava errado a respeito de Aysheaia. Penso que, pesando-se os in­
dícios, Aysheaia deveria ser mantida entre os onicóforos. As simi­
laridades são impressionantes e anatomicamente profundas e as di­
ferenças superficiais e sem grande importância evolutiva. Dentre as
duas principais diferenças encontradas por Harry, as mandíbulas po­
deriam simplesmente ter evoluído numa época posterior. As estru­
turas podem ser acrescentadas ao longo da evolução desde que as
anatomias ancestrais não tornem impossível seu desenvolvimento-
Foi exatamente isso que aconteceu com pelo menos um proeminen­
te grupo de Burgess. Embora os poliquetos de Burgess não possuís­
sem mandíbulas, elas evoluíram na época do Ordoviciano e têm-se
mantido desde então. Quanto ao prolongamento do corpo para além
dos dois últimos pares de membros, isso me pareceu uma mudança
evolutiva fácil de ocorrer, inteiramente dentro da capacidade de um
grupo amplo como os onicóforos. O paleontólogo americano Ri-

194
chard Robinson elaborou uma lista muito maior de diferenças entre
Aysheaia e os modernos onicóforos e, não obstante, admite que Ays-
hmict faz parte do grupo. A respeito da segunda grande diferença
encontrada por Whittington, ele escreveu o seguinte:
Nos onicóforos terrestres, o prolongamento do corpo para além do
ultimo par de membros posteriores parece representar nada mais do
que uma pequena modificação para melhorar as condições sanitárias
através de um ligeiro deslocamento do ânus. Tal característica é me­
nos importante nos animais que vivem na água, onde as correntes fa­
cilitam a remoção dos resíduos tóxicos para longe do corpo. Assim,
a forma da parte posterior do corpo talvez seja mais indicativa de há-
bitat do que de afinidades filogenéticas (1985, p. 227).

Por que então Whittington separou Aysheaia dos onicóforos


e Proclamou sua singularidade taxonômica? Como essa conclusão
partiu de um homem que, durante anos, havia resistido à tentação
e ret_'rar os organismos de Burgess de grupos bem conhecidos, e
que só fizera essas separações forçado pelo acúmulo de indícios, nós
naturalmente iríamos presumir que ele fora levado a essa incômoda
conclusão em virtude de novos dados originários de Aysheaia. Mas
leia com atenção a monografia de 1978. Whittington não derrubou
nenhuma das afirmações básicas de Hutchinson acerca de Aysheaia.
Harry arrolara e discutira as mesmas diferenças; ele basicamente con-
irmara, de forma mais elegante e detalhada, o excelente trabalho
e Hutchinson. Mas Hutchinson havia classificado Aysheaia como
um onicóforo — com base nos mesmos dados que Whittington pos­
teriormente usou para chegar à conclusão oposta.
O que, então, levara Whittington a mudar de idéia, se não foi
a anatomia de Aysheaia? Temos aqui um experimento psicológico
razoavelmente bem controlado. Como os dados não haviam sido
a terados, a mudança de opinião só pode ter sido conseqüência de
uma pressuposição revisada acerca do status mais provável dos or­
ganismos de Burgess. Obviamente, Whittington acabara aceitando,
e at® uiesmo preferindo, a idéia de singularidade taxonômica dos
animais de Burgess Shale. Sua conversão foi completa.
Muitos gêneros fascinantes ainda aguardavam descrição; não
se percorrera nem a metade do caminho. Todavia, a monografia pu-
ucada por Whittington em 1978, a respeito de Aysheaia, assinala
a codificação de uma nova concepção a respeito da história da vi­
da. Como foram estonteantes esses poucos anos decorridos entre
1975 e 1978 — começando com a perturbadora descoberta de que
Opabinia não era artrópode e nem tampouco qualquer outra coisa

195
, Si*
conhecida, passando pela cascata de fantásticas maravilhas e ^
mon e chegando à plena aceitação da singularidade taxonômica ^
mo hipótese a ser em princípio preferida. Um breve período e
anos e um novo mundo!

Ato 5. A maturação de um programa de pesquisa,


a vida após Aysheaia, 1979 Dia do Juízo Fina

(não existem respostas definitivas)

Os sete curtos anos de Marrella (1971) a Aysheaia (1978) ^


viam produzido uma extraordinária mudança de perspectiva ^
um projeto planejado para redescrever alguns artrópodes c as ^
cados em grupos familiares para uma nova concepção a respei
Burgess Shale e da história da vida. *0
O caminho não havia sido suave e direto, claramente marCjor_
pelo acúmulo de indícios e pela lógica dos argumentos. As trans ^
mações intelectuais nunca se dão de forma tão simples. O flux
interpretações havia serpenteado e retrocedido, atolando-se ^
te algum tempo numa variedade de hipóteses abandonadas (a
peito do status primitivo das criaturas de Burgess que se des a
vam pela peculiaridade, por exemplo), mas finalmente penden
favor da explosiva disparidade.
Em 1978, a nova concepção já se consolidara, tal como f o isina
bolizado pela forma como Whittington interpretou Aysheaia■O P
ríodo seguinte, que se prolonga até os dias de hoje — o Ato 5
meu drama —, goza de uma nova espécie de tranqüilidade que eman
da confiança compartilhada por todos acerca do staíusgeral da fauna
de Burgess Shale. Não obstante, este último ato, com seu esquema
conceituai inalterado, não é nenhum anticlímax. Isso acontece por­
que a confiança apresenta uma grande virtude prática — você p °de
ir avante nas questões específicas sem ter de preocupar-se contim13'
mente com os princípios básicos. Assim, o Ato 5 testemunhou uiua
extraordinária produtividade na elucidação dos organismos de But
gess.
Os velhos mistérios caíram como fileiras de soldadinhos de
chumbo não com a mesma facilidade que na brincadeira das criah
ças (para prosseguir com a comparação), mas com uma eficiência
muito maior agora que uma sólida estrutura estava orientando um

196
esforço coerente. As reconstituições da última década incluem al­
gumas das mais estranhas e excitantes criaturas de Burgess. Mal posso
esperar para ler o Ato 6.

A sa g a c o r r e n te d o s a r t r ó p o d e s d e bu rg ess

Órfãos e especialistas

No final de 1978 o placar dos artrópodes de corpo mole assina­


lava claramente uma vantagem da singularidade e da disparidade.
Quatro gêneros — Marrella, Yohoia, Burgessia e Branchiocaris —
haviam ficado órfãos entre os artrópodes. Apenas Canadaspis (e tal­
vez Perspicaris) pertencia a um grupo moderno; Naraoia havia sido
reclassificado como um trilobito, porém na condição de um mem­
bro extraordinariamente estranho do grupo e um protótipo de uma
nova ordem. Opabinia fora tirado dos artrópodes e Aysheaia ficara
num limbo. Um bom começo, mas ainda não havia o convincente
peso dos números. Como já argumentei, as “ grandes” questões da
história natural sãb respondidas em termos de freqüências relativas.
Havia necessidade de uma maior quantidade de dados — algo co-
m ° um tratado completo sobre os artrópodes de Burgess. O Ato 5
preencheu esta necessidade e, falando com franqueza, o modelo re-
visório resistiu.
Em 1981, Derek Briggs continuou a distribuir os artrópodes bi-
valves por uma série de grupos orfanados (com Canadaspis ficando
cada vez mais solitária na posição de um verdadeiro crustáceo).
Eriggs utilizou todos os 29 espécimes para decidir o destino de Oda-
raia, o maior artrópode bivalve de Burgess Shale (com mais de quinze
centímetros de comprimento). Na frente da cabeça, e estendendo-se
para além da carapaça, Odaraia possui olhos maiores que os de qual­
quer outro artrópode de Burgess (fig. 3.44). Contudo, Briggs con­
seguiu encontrar apenas uma outra estrutura na cabeça — um úni­
co par de apêndices ventrais curtos atrás da boca. (A inexistência
de antenas e a ocorrência de apenas um par de apêndices pós-orais
constitui um arranjo único que, por si só, seria suficiente para ca­
racterizar Odaraia como um órfão entre os artrópodes. Por baixo
da forte carapaça de Odaraia, no entanto, a cabeça não estava bem
preservada, e Briggs não tinha certeza de que fora capaz de ver to­
das as estruturas.) O tronco, envolto por uma grande carapaça em
mais de dois terços de seu comprimento, possuía até 45 segmentos

197
dotados de membros tipicamente birremes, com a possível exce
de dois primeiros pares. Tares.
Odaraia exibe também duas especializações únicas e pecu i
Este animal possui uma cauda dotada de três pontas (fig- 3.4 )> _
dois lobos laterais e uma projeção dorsal — um a estrutura
que lembra mais as baleias e os tubarões do que as lagostas.

3.44. Reconstituição do artrópode Odaraia feita por Briggs (1981a). A) Animal visto
de cima, mostrando a carapaça bivalve como se fosse transparente afim de revelar
a anatomia das partes moles situadas abaixo dela. Observe a saliência dos olhos na
frente da carapaça e, atrás, o arranjo da cauda trifurcada. B) Animal visto de lado-

198
3.45. Odaraia, nadando de costas. Os numerosos apêndices birremes podem ser
vistos através da carapaça tubular transparente. Observe também os grandes olhos
frontais, a curiosa cauda, situada na parte de trás, e o único par de apêndices ali­
mentares, posteriores à boca. Desenho de Marianne Collins.

existe nada parecido em qualquer outro artrópode. Em segundo lu­


gar, a carapaça bivalve não é achatada e, sim, essencialmente tubu­
lar. Além disso, Briggs argumentava que os apêndices relativamen­
te curtos não se estendiam para além do tubo — e mais, que as duas
valvas que formavam o tubo provavelmente não podiam abrir-se o
suficiente para permitir que os apêndices se protraíssem a partir de
alguma abertura ventral. Odaraia obviamente não caminhava so­
bre o fundo do mar. Briggs escreveu: “ A combinação de uma cara­
paça essencialmente tubular com um telso dotado daqueles grandes
lobos é única entre os artrópodes” (1981a, p. 542).
Briggs realizou um estudo funcional e juntou essas duas pecu­
liaridades a fim de fazer inferências a respeito do modo de vida de
Odaraia. Ele argumentou que Odaraia nadava de costas, usando a
cauda de três pontas como leme e estabilizador e a carapaça como
uma câmara de filtragem para a captura de alimentos. A água po­
dería ser captada numa extremidade e os apêndices separariam as
partículas de alimentos e fariam com que o fluxo saísse pela outra
extremidade da carapaça.
Briggs provara mais uma vez que a divisa dos artrópodes de
Burgess era “ singularmente especializados” e não “ primitivamente

199
simples . Em setembro de 1988, Derek escreveu-me, fazendo uma
avaliação de sua monografia de 1981, e disse-me o seguinte: “Oda-
raia revelou-se não apenas taxonomicamente incomum porém, mais
importante em minha opinião, funcionalmente única entre os ar-
trópodes” .
Foi também em 1981 que David Bruton publicou uma mono­
grafia sobre Sidneyia, já discutida nas pp. 87-96. A elucidação de
Sidneyia constituiu-se num importante marco no estudo dos artró-
podes de Burgess, e isso por duas razões. Em primeiro lugar, há mui­
to tempo que Sidneyia tem desempenhado o papel de elemento cen­
tral ou símbolo da fauna de Burgess. Walcott considerou esse gêne­
ro o maior dos artrópodes de Burgess (hoje sabemos que o trilobito
de corpo mole Tegopelte e um ou dois artrópodes bivalves eram
maiores). Além do mais, ele supôs equivocadamente que um apên­
dice eriçado de espinhos, encontrado separadamente, pertencesse à
cabeça de Sidneyia (pois ele não conhecia nenhum outro animal gran­
de o suficiente para possuir tal apêndice). Com esse acréscimo Sid­
neyia passou a ser não apenas grande mas também feroz. Visto que
nossa cultura valoriza essas características, Sidneyia chamou aten­
ção. (Um psicólogo amigo meu explica a fascinação de nossa socie­
dade pelos dinossauros através de uma simples lista — “ grandes,
ferozes e extintos” . Sidneyia, na versão de Walcott, era todas essas
três coisas.) Na revisão de Bruton, ainda era um predador, mas o
par de membros pertence a Anomalocaris. Sidneyia não possui ne­
nhuma estrutura alimentar na cabeça.
Em segundo lugar, Sidneyia foi a primeira forma a ser redes-
crita no último e potencialmente coerente grupo dos artrópodes de
Burgess os assim chamados “ merostomóides” . Embora não es­
tivesse sendo fácil conservar a esperança de colocar algum dos gran­
des grupos de Burgess dentro de taxa modernos, os “ merostomói-
des representavam uma última oportunidade para o tradicionalis-
mo. Os merostomados são um grupo de artrópodes marinhos que
inclui os modernos límulos e os euripterídeos fósseis. Juntamente
com os escorpiões, as aranhas e os carrapatos, eles formam um dos
quatro grandes grupos de artrópodes, os quelicerados. O modelo
básico dos quelicerados — evidenciado com mais clareza nos eurip­
terídeos do que nos límulos — inclui uma forte carapaça da cabeça,
um tórax constituído de diversos segmentos amplos, com a mesma
largura da cabeça, e uma cauda mais estreita, muitas vezes forman­
do um ferrão. Vários gêneros de Burgess, incluindo Sidneyia, com­
partilham esta forma básica.

200
Bruton frustrou a última esperança do tradicionalismo ao mos­
trar que Sidneyia não poderia ser um parente próximo ou um an­
cestral dos merostomados. O corpo “ merostomóide” não define um
grupo evolutivo coerente e sim uma série de criaturas díspares uni­
das apenas pelo que em nosso jargão chamamos de um traço sim-
plesiomórfico (uma característica primitiva compartilhada por to­
dos os membros da série). Essas características primitivas comuns
são ancestrais para grandes grupos e, portanto, não podem definir
subgrupos dentro do conjunto. O simples fato de possuírem cinco
dedos, por exemplo, não faz com que os ratos, os seres humanos
e os ancestrais dos cavalos constituam um grupo genealógico den­
tro dos mamíferos. A presença de cinco dedos é uma característica
ancestral para os mamíferos como um todo. Algumas criaturas re­
tiveram essa condição inicial; muitas outras desenvolveram modifi­
cações. O corpo de forma “ merostomóide” é uma característica pri­
mitiva compartilhada por muitos artrópodes. Os verdadeiros gru-

3.46. Sidneyia vista de ângulos diferentes: no alto, aspecto do animal visto de bai­
xo, mostrando a form a dos membros e a inserção dos olhos e das antenas; embaixo,
o animal visto de cima. Desenho de Marianne Collins.

201
pos genealógicos, ao contrário, baseiam-se no compartilhamento de
características derivadas — as especializações únicas de seus ances­
trais comuns.
Os verdadeiros quelicerados possuem seis pares de apêndices
e nenhuma antena na carapaça da cabeça. No que diz respeito a es­
se aspecto fundamental, Sidneyia não poderia ser mais diferente.
A cabeça (fig. 3.46) tem um par de antenas e nenhum apêndice! Bru-
ton chegou à conclusão de que Sidneyia representava um curioso
mosaico de características. Os quatro primeiros dos nove segmen­
tos do corpo possuem pernas locomotoras unirremes semelhantes
àquelas dos merostomados. Os cinco segmentos posteriores, no en­
tanto, têm apêndices birremes comuns, com ramos branquiais e per­
nas locomotoras. A região da “ cauda” , constituída por três segmen­
tos cilíndricos e um leque caudal, assemelha-se mais à dos crustá­
ceos do que à dos merostomóides. Bruton encontrou ostracódios,
hiolítidos e pequenos trilobitos no intestino de Sidneyia e interpre­
tou o animal como um carnívoro que vivia no fundo do mar. Toda­
via, em virtude da ausência de apêndices alimentares na cabeça e
da existência de um nítido sulco alimentar entre as pernas, pode­
mos presumir que Sidneyia alimentava-se como a maioria dos ar-
trópodes, fazendo o alimento chegar até a boca a partir da parte
posterior do corpo e não procurando e apanhando o que estivesse
à frente.
O ano de 1981 foi fundamental para os artrópodes de Burgess
e para a debandada final dos últimos remanescentes da esperança “ me-
rostomóide” porque, no mesmo ano de Odaraia e Sidneyia, Whit-
tington publicou sua monografia “ operação limpeza” : “ Artrópodes
raros de Burgess Shale, Cambriano Médio, Colúmbia Britânica” . A
maioria ou todos esses animais haviam caído (ou teriam, se fossem
conhecidos na época) dentro do grupo dos “ merostomóides” . Whit-
tington, porém, não pôde reconstituir nenhum deles como quelicera­
dos. Todos tornaram-se órfãos, artrópodes únicos desvinculados fi-
logeneticamente de qualquer outro organismo conhecido.
Molaria possui uma grande carapaça da cabeça, moldada na for­
ma de um quarto de esfera e seguida por oito segmentos torácicos
que diminuem de tamanho à medida que se aproximam da parte pos­
terior do corpo. Este termina num telso cilíndrico, com um espinho
posterior articulado bastante longo, mais comprido do que o próprio
corpo (fig. 3.47). Embora esta forma básica seja impecavelmente “ me-
rostomóide , a cabeça possui um par de antenas curtas seguidas por
tres pares de apêndices birremes.

202
Apesar de Habelia ter a mesma forma básica de Molaria, Whit-
tington relacionou um impressionante conjunto de diferenças, al­
gumas de grande significado taxonômico. A carapaça é coberta de
tubérculos — uma diferença superficial porém visualmente marcante
(fig. 3.48). O tórax possui doze segmentos, sem telso cilíndrico. O
aguilhão da cauda tem farpas e arestas, e não é segmentado, embo­
ra apresente uma única articulação na altura do final do segundo
terço a partir da base. A cabeça apresenta um par de antenas e ape­
nas dois pares de apêndices ventrais subseqüentes. Os seis primeiros
segmentos torácicos possuem apêndices birremes mas os últimos seis
provavelmente têm apenas os ramos branquiais (em Molaria todos
os oito segmentos do corpo têm apêndices birremes).
Whittington também descobriu um novo gênero de artrópodes
— uma criatura complexa e minúscula com pouco mais de um cen­
tímetro de comprimento (fig. 3.49). Neste animal extraordinário e

3.47. Molaria, um singular artrópode


de form a ' ‘merostomóide ’’
( Whittington, 1981).

203
Pode tuberculado Habelia. Desenho de Marianne i

~ , a cabecT 3 Cabeça W o la r ia e H u _________


sos cujo segmento termin J ? SSUl um Par de apêndices fortes e gros-
encontrou dez pares de anê duas pontas- W hittington também
eça e os outros em cada j C6S bastante peculiares (um par na ca-
turas alongadas em forma d d° S n° Ve seêmentos do corpo — estru-
quiais porém sem qualanor ^ p,e nte>Presumivelmente ramos bran-
constituiu Sarotrocercus cn 103 d° ramo da perna. Whittington re-
costas e, juntamente com a ”*” #Um animal pelágico que nadava de
os raros organismos de Buró” W W‘ü e Odontogriphus, estava entre
una de água acima da bania CSS ^Ue provavelmente viveram na co-
e '^ a . estagnada que recebeu o deslizamento

co centímetros de comprjmentPardr de um dnico espécime com cin-


com um lobo ocular marginal ° ’ apresenta uma carapaça da cabeça
po e por uma placa terminai ’ s.eguida Pelos onze segmentos do cor-
3.50). A cabeça possui um par d° ngada de formato triangular (fig.
uma porção inicial grossa que not^ve's apêndices, cada um com
grupo de quatro espinhos. D ois^ T™ 3 P3ra baixo e termina num
gos, em forma de chicote lieanf™ °"gamentos extremamente lon-
se à borda interior do último seg-
204
3.49. O minúsculo artrópode Sarotrocercus, nadando de costas. Observe os olhos
grandes, o vigoroso par de apêndices alimentares e os ramos branquiais, presumivel­
mente usados para natação. Desenho de Marianne Collins.

mento dos apêndices e estendem-se para baixo e para trás. Depois


dessa estrutura a cabeça tem provavelmente três pares de apêndices
birremes comuns.
Alalcomenaeus tem aparência e disposição dos apêndices basi­
camente similares (veja fig. 3.50) e pode estar relacionado a Actaeus.
A carapaça da cabeça, com um lobo ocular marginal, é seguida pelos
doze segmentos do corpo e por uma placa terminal ovalada. A cabe­
ça possui um par de apêndices grandes, cada um com uma parte ini­
cial larga seguida de um longo e delgado prolongamento — não tão
complexo como o de Actaeus mas similar no formato e na posição.
A cabeça também tem três pares de apêndices birremes. Um espéci­
me exibe um impressionante conjunto de espinhos na superfície inte­
rior das pernas locomotoras — em posição apropriada para fazer o
alimento deslizar para frente, em direção à boca. “ Estes notáveis apên­
dices” , escreveu Whittington, “ sugerem um organismo bentônico que
se alimentava dos corpos de outros animais e tinha a capacidade de
prender-se às carapaças e dilacerá-las” (1981a, p. 331).
Com exceção de um relacionamento muito provisório entre A c­
taeus e Alalcomenaeus, cada um dos cinco gêneros apresentava um
design altamente especializado, baseado em características e dispo­
sição das partes singulares. Whittington, fazendo eco à já familiar
história de Burgess, concluiu:
Foram reveladas muitas características novas e inesperadas,,aumen­
tando enormemente as lacunas morfológicas entre as espécies. Todos,
com raras exceções, apresentam uma combinação de características ex-

205
tremarnente particular a i
os limites das caract ' • Se eçao f^os gêneros] aqui abordada amplia
e aumenta a varier^?^)35 n?0r^°*°8icas dos artrópodes não-trilobitos
(1981, p. 332) 2 6 e diferentes combinações de características
£m | ^
golpe de misericórd?n I ^ it t in g t o n associaram-se para desferir o
portantes de Burees-T escrevenc*° os dois últimos artrópodes im-
derradeiros memhrr. a grandes Emeraldella e Leanchoilia, os
Stdrmer. S 0 esacreditado grupo Merostomoidea, de

bora acompanhadTno1113 ^?rma basicamente “ merostomóide” , em-


peculiares. A típica c 1 maiS Um conj unto de estruturas e arranjos
muito longas, curvadas Cabeça possui um Par de antenas
pares de apêndices o n ‘ • Cima e para tras e seguidas por cinco
birremes (fig. 3 .51) pnmeiro curto e unirreme e os quatro últimos
gos mas vão ficando nr 0026 pr*me*ros segmentos do tórax são lar-
se caminha em direcãn à° gr.essivamente mais estreitos à medida que
Par de apêndices birrem °X ^ m*dade Posterior. Cada um possui um
es‘ s dois últimos segmentos são cilíndri-

A> *” *'“ » • * M W , ,w u u m , 0.

206
•3.5/. Emeraldella, vista de cima (A) e de lado (B), apoiando-se no substrato. Os
minúsculos ramos branquiais dos apêndices birremes indicam que este animal cami­
nhava sobre o fundo do mar.

cos e um longo espinho caudal não-articulado estende-se a partir da


extremidade posterior do corpo.
Superficialmente, Leanchoilia compartilha da forma geral “ me-
rostomóide” , com uma carapaça da cabeça triangular (terminando
num curioso “ focinho” virado para cima) seguida por onze segmen­
tos corporais que vão estreitando-se e curvando-se para trás a partir
do quinto. A extremidade inferior é coberta por um curto espinho
caudal triangular com cravos laterais (fig. 3.52).
Mas Leanchoilia também possui o mais curioso e interessante
apêndice já encontrado em qualquer dos artrópodes de Burgess —
uma versão exagerada da estrutura frontal de Actaeus, uma forma
possivelmente aparentada a ela. Na falta de um nome técnico apro­
priado e tomando emprestado um termo de Yohoia, Bruton e Whit-
tington chamaram esta estrutura de “ grande apêndice” . Sua por­
ção basal possui quatro fortes segmentos, apontando primeiramen­
te para baixo mas fazendo uma volta de noventa graus e passando
a estender-se para frente. O segundo e o terceiro segmentos termi­
nam em prolongamentos muito longos em forma de chicote, apre-

207
sentando anéis na última metade de sua extensão. O quarto segm ^
tem uma haste afilada, terminando dorsalmente num grupo e
garras e estendendo-se ventralmente como uma terceira estrutura ^
forma de chicote e dotada de anéis. As diferentes orientações e ^
rios espécimes indicam que o grande apêndice girava sobre sua
(fig. 3.53) e podia estender-se para frente, a fim de auxiliar e
choilia a firmar-se sobre o substrato (fig. 3.54), ou curvar-se P ^
trás, talvez para reduzir a resistência da água quando o anima es
vesse nadando. Os apêndices birremes nos proporcionam evid nC
adicionais de que se tratava de um animal basicamente nadador,
contrário de Emeraldella, com suas longas pernas locomotoras e P
quenos ramos branquiais, Leanchoilia possui ramos branquiais a ^
grandes que formam uma verdadeira cortina de lóbulos lamela 0
sobrepostos, cobrindo completamente e estendendo-se para além 0
curtos ramos da perna situados embaixo deles. ,»
A redescrição completa de todos os gêneros “ merostomóides
induziu Bruton e Whittington a refletirem a respeito da inacre 1
vel disparidade descoberta sob a similaridade superficial do aspecto
exterior. Considere apenas o arranjo dos apêndices da cabeça uma

3.52. Leanchoilia, vista de cima.


Observe na região anterior os três
prolongamentos em forma de chicote
do grande apêndice e, atrás, o espinho
caudal triangular.

208

A
I IQmrn |

aPêndices estão ^ ^ C‘*mara túcida de dois espécimes de Leanchoilia. Os grandes


rados. A) Os ° ° 'nc*'cac*os Por Lga e Rga e os seus principais segmentos estão nume-
pria p arg ®/W7_ es apêndices dobrados para trás, presumivelmente em posição pró-
Pouco abaixo’0^ 0' ° ap^n^ ce direito está situado junto ao corpo e o esquerdo um
eaudal (tso)°Ri °^e se ver Criais do intestino ou canal alimentar (íü) e do espinho
a fiimentação ° S ap*nc*'ces estendem-se para a frente, em posição própria para

c°mnIÇã0 d° S padrões originais de segmentação e um guia para a


Par d e ^ 3 CStrutura anatômica dos artrópodes. Sidneyia possui um
Um para ,n tenas e nenhum outro apêndice. Emeraldella também tem
djCes ad’6 antenas P io r a is mas apresenta ainda cinco pares de apên-
choiiia 1C~10naÍS atras da boca>um unirreme e quatro birremes. Lean-
aPênd° P° ssui antenas porém exibe os seus notáveis “ grandes
Qlces > seguidos por dois pares birremes atrás da boca.
Uma e S t®mpos de Burgess foram uma época de experimentação,
na ■ ra de tal flexibilidade evolutiva, de tamanha potencialidade
das n ° rporaçao e rearranjo aleatório de características encontra-

209
3.54. Leanchoilia vista de dois ângulos diferentes: ao alto, em posição Ricota
com os grandes apêndices dobrados para trás e os tentáculos em forma apên-
estendendo-se para além do comprimento do corpo; embaixo, com os gra ^
clices estendendo-se para frente afim de auxiliar o animal a apoiar-se so re
Desenho de Marianne Collins.

deria ser tentada (e aquilatada). Se atualmente somos capazes e


conhecer a existência de grupos distintos, separados por gran es
cunas morfológicas, isso só acontece porque a maioria desses eXP ^
rimentos não estão mais conosco. “ Foi somente mais tarde que
gumas dessas soluções foram fixadas em combinações que permi e
o reconhecimento dos artrópodes modernos” (Bruton e Whitting
ton, 1983, p. 577).

Um presente de Santa Claws*

A.s dificuldades burocráticas nos proporcionam um possível be^


nefício em meio a sua característica e inimitável frustração. Voce
às vezes fica tão irritado que, ao tentar contornar a intransigênciUi

(*) O autor faz um trocadilho com os termos claw , “ garra**, e Santa Claas ,
“ Papai Noel” . (N. T.)

210
acaba fazendo uma coisa útil. Quando, após sublime paciência e pro-
undas dificuldades, foi negada a Des Collins permissão para efe-
uai escavações na pedreira de Walcott, sendo-lhe autorizado ape­
nas coletar espécimes na vertente da montanha (sob restrições adi­
cionais e com delongas quase intermináveis), ele percebeu que teria
6 transferir para outro local seu interesse por Burgess.*
de começou a procurar por fósseis equivalentes aos
urgess nas áreas circunjacentes, onde a coleta e a escavação po­
diam ser autorizadas. Ele teve grande êxito, encontrando fósseis de
^ imais de corpo mole em mais de doze locais das proximidades.
maioria desses agrupamentos de fósseis continham as mesmas es-
tá v ^ pedre’ra de Walcott, mas Collins também fez algumas no­
táveis descobertas próprias. Numa localidade situada oito quilôme-
os ao sul da pedreira de Walcott (Collins, 1985), e trinta metros
caj 1X0 na secinência estratigráfica, Collins fez a descoberta da dé-
n —- um artrópode grande, com tantos apêndices cobertos de es-
t r ^ °iti601 SUa ca'3e<^a ^ue Collins, seguindo uma velha tradição do
^ a a o d e campo, deu-lhe um apelido. Assim como Walcott cha-
c - arrella de “ caranguejo rendado” , Collins batizou sua des-
g rj 6rta de ^anta Claws” . Trabalhando em conjunto com Derek
ggs, Collins já formalizou esse nome em sua descrição técnica
^Hggs e Collins, 1988). “ Santa Claws” agora é, oficialmente, Sanc-
aaris, o que significa quase a mesma coisa.
Carapaça da cabe?a de Sanctacaris é bulbosa, mais larga do
t . C comPrida, e estende-se lateralmente formando uma projeção
suangUlar ac^atada em cada lado da cabeça (fig. 3.55). O corpo pos-
mès°nZe Segmentos lar8 °s» os dez primeiros com apêndices birre-
^ eS' A extremidade posterior termina num telso largo e achatado.
bre°mk 'naÇa° ^ormada Por grandes ramos branquiais lamelados so-
os apêndices do corpo e um telso largo, bastante apropriado pa-

^ ^ ®u’ ma's que ninguém, estou comprometido com a “ ecologia” (no sen-
<tua.scetnaCU'ar 6 podt'co de deixar a natureza em paz), e certamente penso que a
fóssã Sa^ rac*a 'nte8r>dade dos parques nacionais deve ser respeitada. Todavia, um
de sinS° i re ° S0'° ’ nao tem ubsolutamente nenhum valor. Não se trata de um objeto
ral , 8 . e pristina beleza ou de uma parte permanente de qualquer cenário natu-
ja So,tPeCÍalmCIUe n° CaS° de *°sse‘s expostos nas paredes das pedreiras). Caso este-
e«ará°f S° bre ° SOl° ’ P° r ocasião da P^xima temporada de coleta ele provavelmente
enco endldo e tera sido deslocado pelo gelo para um local onde nunca mais será
tífico D° P° nt0 de vista ético e intelectual, a coleta controlada e o estudo cien-
Sao 0 destino mais apropriado para os fósseis de Burgess.
3.55. Sanctacaris. Desenho de Marianne Collins.

ra dar boas condições de estabilidade e dirigibilidade ao anim aU^^


dica que em seus deslocamentos Sanctacaris favorecia mais a
ção do que a locomoção sobre o substrato. , eça
O surpreendente conjunto formado pelos apêndices da
caracteriza este artrópode relativamente grande (mais de dez c
metros de comprimento) como um carnívoro especializado na
seguição direta de suas presas. Os cinco primeiros pares cons i ^
um aparato temível e coordenado que inspirou o apelido imagí
por Collins. Eles são birremes, com os ramos exteriores reduzí
a projeções em forma de antenas (e não brânquias) e os ramos m
riores dispostos na forma de um conjunto de apêndices alimenta
articulados, de aspecto feroz e com espinhos aguçados sobre as 0
das internas. Esses ramos alimentares aumentam de tamanho da tre
te para trás, começando com quatro segmentos no primeiro Par
aumentando para oito ou mais no quinto. O sexto par, diferente tan
to na forma quanto na posição, fica atrás e ao lado do quinto Par'
O ramo exterior, cuja forma mais uma vez assemelha-se à de UIT1
antena, é no entanto muito maior do que o ramo corresponden
nos cinco apêndices alimentares. O ramo interior é curto mas termi­
na numa impressionante franja de espinhos radiais.
À primeira vista alguém poderia pensar que se trata de apenaS
mais um daqueles “ merostomóides” de Burgess tendo como marca
característica uma floresta de apêndices na cabeça, assim como Ha
belia tem seus tubérculos, Sidneyia suas fortes pernas locomotoras

212
e Leanchoilia seu grande apêndice. Interessante, sem uvi
não a descoberta da década por mim anunciada.
Não é bem assim. A diferença entre Sanctacaris e os o
taxonômica e conceitualmente assombrosa: Sanctacaris pa
um genuíno quelicerado, o primeiro membro con eci o a
gem que acabou dando origem aos límulos, aranhas, escor
carrapatos. Sanctacaris tem os necessários seis pares e ap
na cabeça. Embora nenhum desses apêndices tenha so ri o a
cesso de especialização para dar origem a uma garra cara
— a quelícera, que define o nome do grupo a ausência
trutura numa época tão antiga pode indicar simp esmen e
especialização ainda não havia se desenvolvido. o ,prpt.
Briggs e Collins (1988) também identificaram ou tro scar
quelicerados derivados (incluindo a diferenciação entre os .
ces do corpo e da cabeça e a posição do ânus), con irman o
o status de Sanctacaris através de mais de um único aspec o.
fizeram a seguinte afirmação:
Tal combinação é única entre os quelicerados. A patente au^ n
quelíceras, uma característica avançada presente em o os ,
quelicerados, é consistente com os apêndices birremes pn . .
cabeça e do corpo. Isto coloca Sanctacaris num grupo p
mão em relação a todos os outros quelicerados.
Os quelicerados modernos possuem membros unirremes, _
do perdido os ramos exteriores dos apêndices da ca eça s ’
nas locomotoras das aranhas estão todas no prossoma, a
cefalotórax) e os ramos interiores dos apêndices do C0^P Ao
Quias das aranhas estão no opistossoma, a região o a
preservar todo o conjunto de possibilidades existen es za_
minação seletiva que ocorreu em linhagens posteriores do
das, Sanctacaris serve como um interessante precursor
seu grande grupo. sanctacaris é seu
Todavia, o que há de mais interessante em , ão aos
Papel chave na complementação de um raciocínio 0_
artrópodes de Burgess. Com a descoberta de Sanctacari , ^
ra em Burgess representantes de todos os quatro gian , repre-
artrópodes — trilobitos em razoável abundância; crus ’nd0-se
sentados por Canadaspis-, unirremes, por Aysheaia
- nrovavelmente abriga
(*) O status dos onicóforos, a categoria taxonom Q ^ onicóforos um
Aysheaia, continua controvertido. Alguns especialistas consi e , jmos unjr-
filo totalmentc independente e não julgam que eles estejam nv

213
de R° bÍSOn’ COmo eu faÇ°); e quelicerados, repre-
d á lo m n d n , SanCtacaris- Eles estão todos lá - mas o mesmo se
ro equivalenm treZe outras linhagens (e, talvez, por um núme-
tam a idêntír * 0l!tras ainda aguardando descrição) que apresen-
emre os m Singularidade morfológica. Alguns desses treze estão
numéricos ^Specia lzados (Leanchoilia) ou, ao menos em termos
Bureess P» h rCr ° S ma*S bem-sucedidos (Marrella) artrópodes de
ríamos volta r S& 10 qua*quer Paleontólogo a demonstrar que pode-
do que efetivam^ de Burgess e>sem qualquer conhecimento
pis a ysheain ^ ^ 3 acontecer- selecionar Naraoia, Canadas-
como destinadas ao e identifi'
prontas naraser ^ v ’ Sldneyia e Leanchoilia como formas de vida
a correr n 1 *?»***• ^ a Ata da história da vida e faça-
a produzir al? ^ 6 eJ 3 dUe em alguma ocasião o replay voltaria
produzir algo parecido com o que conhecemos hoje?

' u^ ‘LE das fantásticas .

des, também^pstpSda> uã° satlsfatória Para o estudo dos artrópo


m am vT harJ sereTdo^H &? Uddação de duas fantástica:
que mereceríam sPr ^i a ,>.0S de anatomias únicas e independente:
mos c o X tá v e is e m ^ fÜ0S à parte caso nos sentíSS&
vada com base em a p e n a s Uma categona taxonômica tao ele
ris, 1986, para encontrar „ &esf ec*e (vei a Briggs e Conway Mor
Que ainda estão por ser esti”! ^ 6 aÇâ° dessas criaturas de Burges!
jam os melhores e os ma- adasl; Bsses dois trabalhos talvez se^
feitos abordando os orean' persuaslvos dentre todos os que forair
cho apropriado nara mi !Smos de Burgess. Eles constituem um fe-
para mmha peça pols combinam a mais eleíad!

remes do cjue de íiusIquç


argumentação estará errada^s^m*!.150 ^°S artróP°des- Se isto for verdade, minha
fflo a "th A pnmeira é a de que os o n tr tf^ alternativas principais apóiam meu ra-
r r r°Poda, na linha dos unirrem*» . ° r° S dever*am ser classificados dentro dc
n ’ .Pre om’nante) é de que os onicrtf S’ ° Se8undo P°nto de vista (e, provavelmen-
P ndente mas estão mais o status de uma categoria inde-
pendenf°S artr0podes- (Este último Umrremes do due de qualquer outro grupo
tro — 6 Para diversas d®s grandes linha**T ”10 SUpÕe Uma origem evolutiva inde-
c ó fo r o s T ° S UnÍrremes ocuPando um senâo Para todas as qua’
) & r genealogicamente próximo aos ont-
s a tis fa ç ã o e s té tic a e in t e le c tu a l c o m a g a r a n tia d e q u e e s t e d r a m a
p a r t ic u l a r n ã o t e m n e n h u m f i n a l p r e v i s í v e l .

W iw axi,ia

°P ta d ^ U a n ^ ° p e r g u n te ^ a S im o n C o n w a y M o r r is a r a z ã o d e h a v e r
p le x ° ^ ° r t r a ^ a ^ a r d u r a n t e t a n t o s a n o s c o m u m a n i m a l t ã o c o m -
H a r ° C° m ° W iw a x ia e l e , c o m g r a t a f r a n q u e z a , r e p l i c o u q u e t a n t o
Q u e r ia C° m ° ^ e r e ^ ^ a v l a m f e i t o s u a s “ s u p e r p r o d u ç õ e s ” e q u e e l e
u io n p r ° v a r <l u e t a m b é m s e r i a c a p a z d e e s c r e v e r u m a “ r i g o r o s a
Ç ão ^ g F a ” a d e a c o r d o c o m a t r a d iç ã o ” . (E u c o n s id e r o e s ta a fir m a -
e m j g ^ a s ^a ^ a m e n t e m o d e s t a . O s t r a b a l h o s p u b l i c a d o s p o r S i m o n
m on r a r e sP e lto d o s p r ia p u líd e o s e d o s p o liq u e t o s , s ã o
g ê n e r o s 3 ^ aU t^ n t 'c a s e e x t e n s a s . T o d a v i a , c a d a u m a b o r d a v á r i o s
o tr a t 6 ’ p o r t a n t o ’ n a o f ° i p o s s í v e l d a r a n e n h u m a d a s e s p é c i e s
a m e n t o e x a u s t i v o q u e W h i t t i n g t o n p r o p o r c i o n a r a a M a r r e lla
s e n t id o T '5 ° ,U ^ r 'g g S a C o rw d c isp is p e r f e c ta . T a l v e z S i m o n t e n h a s e
s u a d ' a ° m s a t ' s f e d o p o r h a v e r e s c o l h i d o c r ia t u r a s a s s i m r a r a s p a r a
e o c a n m e i r a *n c u r s a o e n t r e e s s a s f a n t á s t i c a s m a r a v i lh a s q u e , n o s c i n ­
t e s D ° S' P ° d e e s c r e v e r a p e n a s tr a b a lh o s c u r to s e in d e p e n d e n -
P r im o 6 ^ U a ^ U e r m a n e ir a > s u a m o n o g r a f i a s o b r e W iw a x ia é a l g o d e
P e it o h ° i T 6 ^°* a ^o n t e o r i g i n a l d o m e u i n t e r e s s e e m e s c r e v e r a r e s -
V ez e f iu r g e s s S h a le (G o u ld , 1 9 8 8 ) — p e lo q u e , S im o n , m a is u m a
P r e s e n to -lh e m e u s m e lh o r e s a g r a d e c im e n t o s .)
o v a l Wiwaxiah C U m a c r *a t u r a p e q u e n a , m o l d a d a n a f o r m a d e u m a
2 ,5 a c d &t a d a ( le m b r a u m s e i x o b e m a r r e d o n d a d o ) , c o m c e r c a d e
x -m o e n P m e t r o s d e c o m p r i m e n t o , e m m é d i a , e o d o b r o d i s s o , n o m á -
e s c le t C° r P 0 s im p le s é c o b e r t o p o r e s p in h o s e p la c a s ( c h a m a d a s
s o b r e ; 1 ° S^ e x c e t o p e la s u p e r fíc ie v e n tr a l d e s n u d a , q u e s e a p ó ia
c o t t i ° s.u b s t r a t o q u a n d o W iw a x ia r a s t e j a p e l o f u n d o d o m a r . W a l-
to s c f o r ç a d o a i u d u s ã o d e W iw a x ia e n t r e o s v e r m e s p o l i q u e -
^ e j c o n f u n d in d o e s s e s e s c le r ito s c o m e s tr u tu r a s s u p e r fic ia lm e n te s e ­
c o e a n t6 S dC U m v e r m e m a r i n h o b e m c o n h e c i d o c u j o s n o m e s t é c n i -
0 t r a n s m it e m im p r e s s õ e s m u i t o d i f e r e n t e s — A p h r o d ita ,
n e m ° ° m a r ' ^ ° d a v i a , o c o r p o d e W iw a x ia n ã o é s e g m e n t a d o e
___ p ° s s u i c e r d a s v e r d a d e i r a s ( a s p r o j e ç õ e s p i l o s a s d o s p o l i q u e t o s )
0 g r ' P O r ta n to > n a o a p r e s e n ta a s d u a s c a r a c te r ís tic a s q u e d e fin e m

su i u P °" ^ s s *m c o m o t a n t o s o r g a n i s m o s d e B u r g e s s , W iw a x ia p o s -
d if íc iT d a n a t o m i a t o d a p r ó p r i a . W iw a x ia é t a m b é m e x t r e m a m e n t e
1 d e r e c o n s titu ir p o r q u e o s e s c le r it o s s e d is p e r s a m p e la s u p e r -

215
i.sl.

jo so r ie e n ^ - amál&ama formado^efn Um espécime completo de Wiwaxia. Obsei


'o R.d.sl
pio, Rh ^ . n°S!s,nteressam
nteressamaaui comPnmidos. A
aqui, idenUficn'05 comprimidos- A ss indicações,
indicações, cu-
cu
,Sp V '[ (no
L.sn alto, à direita) é n'oe™i
n° ato> etri í '^‘Cam°s
osescleritos
escIeritosindividuais.
individuais.Por
Porexem
exem-
de um' t (esr/0alto,
ÍO‘ °à esquerda)
esauerrtn\ éa o_ primei™
. erlto° dorsaldireito
cíorsa* direitndaHnprimeira
nrímoi™fileira.
fileira.
Próximo à i n d ' Pa~ ‘CUlarmen,e in‘eressanm /” y° d° esquerdo- B> Ampliação
rante a virin w 'Caçao Um pequenn h ^sltuado embaixo e à esquerda em A,
truir o modo de'* ?*pécime de Wiwaxia. A n a ,?.P° de ^ d fixou-se ao esclerito du-
‘rato poraue ,<• ^ desse an‘mal. Ele nãn ** d6Sta indicação, é possível recons-
SO ,er'a Provocado a m p °deria ter vivido enterrado sob o subs-
. ° morte do braquiópode.
ricie da rocha num
u r á t e 1 \ COmpri™ t>™ ra‘“ é u h„ l 7 iw ! 'n c m e co n fn s!> 4 m e d id a <*“ '
r * " í ° « c â m a r a J S P 'a " ° d ' e s t r a t i f i c a ç ã o . N a f i g . 3 .5 6 ,
e n v o lv ia '* '^ aAp e|
®volv,d°s. r o P r ia d a pp r oporc
o p o r e i „o 6na m a ’sidéia
5 * * 0 1 1 1 6 boa c o e r e n t e e n a o remas
ie n -

. 9 S escIeritos de W'■ P^ram a de pesquisa de


e d0's tipos; a maior a0C'!avf pa™ Sua reconstitu
p m tiò
e Co^erta por escamas achata-
216
a s o r n a m e n ta d a s c o m e s tr ia s p a r a le la s e d u a s file ir a s d e e s p in h o s
^ a em d a s u p e r fíc ie s u p e r io r , u m a d e c a d a la d o d o e ix o c e n tr a l ( f ig s .
e A s e s c a m a s e x i b e m u m p a d r ã o t r i p a r t it e s i m é t r i c o e
m o r d e n a d o : 1) u m a á r e a d e p la c a s s o b r e p o s t a s , s o b r e a s u p e r fí-
2 )e ^ ^ e r *o r.’ d i s p o s t a s e m s e i s a o i t o f i l e i r a s p a r a l e l a s ( f i g . 3 . 5 7 A ) ;

r e g iõ e s e m c a d a u m d o s la d o s ( f ig . 3 .5 7 B ) , c o m d u a s f ile i-
ú n ‘ 6 E .a .c a s .a P o n t a n d ° p a r a c i m a e d u a s v o l t a d a s p a r a t r á s ; 3 ) u m a
lc a 1 e ir a i n f e r i o r d e e s c l e r i t o s e m f o r m a d e m e i a - l u a , s e p a r a n d o
P a r t e s u p e r io r d o c o r p o , o r n a m e n t a d a , d o v e n t r e n u .
a d t'S ^ U aS f U e Í r a s s e t e a on ze esP*nhos a lo n g a d o s elevam -se
a r ir das fileiras superiores de escleritos de cad a um d os lad os,

q0 ' R e c ° n s tilu iç õ e s d e Wiwaxia f e i t a s p o r C o n w a y M o r r is (1 9 8 5 ). A ) A s p e c to


área s V>S,° * C>ma: u m a (ia s d u a s f ile ir a s d e e s p in h o s f o i o m itid a ( o b s e r v e as
m e t h o r ^ ^ n o s p o n t o s d e in se rç ã o ) d e m o d o q u e o s e s c le r ito s p u d e s s e m s e r v is to s
r - B ) o a n im a I v is to d e la d o : a e x tr e m id a d e a n te r io r e s tá à e s q u e r d a .

217
Próximo ao limite com a c i
se Projetam para cima e P aC3S da SUperficle superior. Os espinhos
teger o animal contra ’ ^r^surr” velmente, tinham a função de pro-
yersos espécimes (duram / orf*’ conf° rme indica a ruptura em di-
ramento). a V]|da do animal e não após o soter-
Simon pôde ver nn
a lé m d e u m i n t e s t in o retn ? J ° ' S a d a a n a t o m i a i n t e r n a d e W iw a x ia ,
a m e n t e c o m o v e n t r e nnP ° Xlrno,à s u P e r f íc i e v e n t r a l — o q u e , j u n -
P a r a e s t a b e le c e r a p o s i c a r / e s P ' n ^ o s v o l t a d o s p a r a c i m a , s e r v iu
c a r a c t e r í s t i c a in t e r n a t a l v * / - ^ p e l ° a n i m a l e m v i d a . M a s u m a
e W iw a x ia q u a n t o p a r a n m ^ 3 c r u c ia l t a n t o p a r a a c o m p r e e n s ã o
g e s s . A c e r c a d e c i n c o m H i W I n t e ;r p r e t a Ç ã o g e r a l d a f a u n a d e B u r -
M ° r n s e n c o n t r o u d u a s f n iv ^ d& e x t r e m i d a d e a n t e r i o r , C o n w a y
S ° ” U m a O le ir a d e d e n t e s c ô n ,6 ” 1 f o r m a d e a r c o > c a d a u m a d e la s
;5 9 )- A e s t r u t u r a d a f r e n m n ° S s i m p l e s v o l t a d o s p a r a t r á s ( f ig .
a s s i n a l a n d o u m a á r e a d e s n m P^ e s ^ n t a U m a c h a n f r a d u r a n o c e n t r o ,
c a d a u m a d a s q u a i s c o m s e f / 1^ dC d e n t e s e n t r e a s r e ê l õ e s la t e r a is ,
n m a b o r d a f r o n t a l m a is c u r v ' d e n t e s ' A e s t r u t u r a d e t r á s t e m
o a a e x te n s ã o d a o r la n o c i l / & P ° r é m m a is r e g u la r , e d e n te s em
e m e n t e lig a d a s a o in íc io d o iní-1 0 *- ^ s t a s e s t r u t u r a s e s t a v a m p r o v a -
« fin tu r a s e su a p o s ^ o n r i ? T e n d o e m v is t a a f o n n a d e s s a s
, p a r e c e s e g u r o in t e r p r e t a i m a S ^ e x t r e m i d a d e a n t e r i o r d o a m ­
a m e n t a ç ã o - “ m a n d í b u l l t - í “ C° m ° d i s p o s i t i v o s e m p r e g a d o s n a
U la s ’ s e v o c ê q u i s e r .

DeSenh° * e T a r Z 7 e S £ "■•ciando-.

218
M o r r is e s t e n d 'V& ^ r e u n ’r e i n t e g r a r t o d a s a s e v i d ê n c i a s , C o n w a y
s ic a d e W iw CU SCUS CStUC*0 S p a r a a ^ m d o s l i m i t e s d a a n a t o m i a b á -
s ib ili d a d e d e ^ h ' p r o c u r a n b o i n d í c i o s o n d e q u e r q u e h o u v e s s e a p o s -
n o s f e r im e n t o * ^ a ^ U m f i n f o r m a ç ã o p r e c i o s a — n o c r e s c i m e n t o ,
n o s , o s e s p i n h ' n a e c o 'o g 'a e n a p r e s e r v a ç ã o . N o s e s p é c i m e s p e q u e -
P ° r c i o n a n d o ° S- S a ° m e n o r e s ° u i n e x i s t e m c o m p l e t a m e n t e — p r o -
® U rg e s s , d e a p S S lm ~U m ^ o s r a r o s e x e m P l° s > e n t r e o s o r g a n i s m o s d e
ju sta p o sto s era<^a o n a ^o r m a c o m ° c r e s c i m e n t o . D o i s e s p é c i m e s
d a m u d a , e n ã o ri "6111 r e p r e s e n t a r u m s ó i n d i v í d u o f l a g r a d o n o a t p
Z am e n t o d e la m ° 1S a n ' ? 1 f * s s o b r e p o s t o s a c i d e n t a l m e n t e p e l o d e s l i -
Se 0 c o r p o m o : - 3 '. . 0 e s p ®c ™ e m e n o r é e n c o l h i d o e a l o n g a d o , c o m o
X an d o s e u v e l l m 1VCSSC a c a b a d o d e s e a r r a s t a r p a r a f o r a d e l e , d e i -
Pe<i u e n a s c o n c h r e y ,e s b m e n t 0 P a r a t r á s c o m o u m a “ c a s c a v a z i a ” .
P r e s a s a o s e s c l e r ’^ * y a n q u i ó p o d e s o c a s i o n a l m e n t e e n c o n t r a d a s
lc 'e d o s e d i m e n t o ° S m<^ C a m cl u e W iw a x ia r a s t e j a v a s o b r e a s u p e r -
os caronas n erm C n a o _ s e e n te r r a v a n e le , p o is n e s te ú ltim o c a -
.e r u p t u r a d o s p c r ,a iv,e n te S n a o p o d e r ia m t e r s o b r e v i v i d o . O s p a d r õ e s
S lb il id a d e d e e s m ^ j S s u ®e r e m a e x i s t ê n c i a d e p r e d a d o r e s e a p o s -
c ° n t r a d o s n u m a f i f 1- e } f S ‘ ^ s p ^n b o s p e q u e n o s o c a s i o n a l m e n t e e n -
P o s s ib ilid a jjjg He r p C f s p *n b o s g r a n d e s e u n i f o r m e s i n d i c a m a
u a d o d e s u b s t i t u i c ã 6I! e r a ç a o a P d s a q u e d a o u d e u m p a d r ã o o r d e -
e d en tes em v e r te h ° C o m o n o d e s p r e n d im e n to e r e n a s c im e n to
ra o s s e m d e n tiç ã o p e r m a n e n te ). A p r e s e n ç a d e

219
au

de Anom alocaris em c',alu'a Sesmentada que recebeu originalmente o nome


fóssil fosse a cauda e o tóra j 'S8S> ,97^- Durante muitos anos pensou-se que este
tificado como um elemento d ^ a,tr°pode- Atualmente ele foi corretamente iden-
os animais do Cambriano &^ PC" ^ ap^nd'ces alimentares do maior de todos

d e tr ito s s o b r e o w b r t r a t o ^ d ed ÍC a d a a r a s p a r a lg a s o u a c o le ta r

o r g a n i s m o c o m p i e t o e ( W 6 ™ 0 ? 6 W iw a x ia a p r e s e n t a - s e c o m o u m
r o q u e s e n u t r ia d e n e n 1003 ~ U m a n im a l h e r b ív o r o o u o n ív o -
P e r f íc i e d o s u b s t m t ^ U e n a s P a r tl'c u la s d e a l i m e n t o c o l e t a d a s n a s u -
m ar. s u b s tr a to a m e d id a q u e e le s e a r r a s ta v a p e lo f u n d o d o
C o n q u a n t o t o d a s essa ®
w a y M o r r is r e c n n c t i t , • 3S i n d l c a ç o e s t l v e s s e m p e r m i t i d o a C o n -
p a z d e e n c o S r S - ° m ° d ° d e ,id a d e e le n ã o fo i ca -
m o l o g i a , i s t o é , d o s r e la ° * l g u a *m e n t e P e r s u a s i v o s a r e s p e i t o d a h o -
Q u a lq u e r o u t r o e r u n n ,c l o n a m e n t ° s g e n e a l ó g i c o s d e s s e a n i m a l c o m
o u a p ê n d i c e s e n ã o a n r e t 0 r g a n *s m o s - S e n d o d e s p r o v i d o d e c e r d a s
tr ó p o d e n e m a n e líd e o s e g m e n t a Ç ã o , W iw a x ia n ã o é a r -
d a d e c o m a e s t r u t u r a a m J 1 1 3 1 1 ^ ^ 3 e j d b e u m a i n t r i g a n t e s im il a r i-
p o r é m q u a n t o a o m a is n ã n h t * d ° S m ( d u s c o s > c h a m a d a d e r á d u la ,
s e a s s e m e lh e a u m m e x i lh ã & ° a d a e m ^ ‘ w a x ‘a Q u e n e m d e l o n g e
o u t r o m o l u s c o v i v o o u e x t i n t ’ U*m ,i í e s m a > u m p o l v o o u a q u a l q u e r
t u r a d e B u r g e s s , t a lv e z m a is ° ' • lW axia ® m a is u m a e s t r a n h a c r ia -
q u er o u tr o filo m o d e r n o p r o x ir n a d o s m o l u s c o s d o q u e d e q u a l -
r a d u la d o s m o l u s c o s - ^ m a n d í b u la s f o r e m h o m ó l o g a s à
P r o v a v e lm e n te n ã o m u it o p r ó x im a .
(*) Embora os aplac'f
do e vermiforme T " te Ser mais semelhantes" n 6 P° UC° conhecido gr«P° de moluS'
uma imDrpn«" ’ vezes coberto por nln • ° sentldo de terem um corpo alonga-
■onante lista de detalhadas dif&S 6 espícu,as> c °nway Morris enumera
erenças em sua monografia.

220
Anomalocaris

Para ilustrar a força e a extensão da revisão de Burgess eu não


eria capaz de escrever uma história melhor do que a verdadei­
ra crônica de Anomalocaris — uma narrativa que envolve humor,
erro, contendas, frustração e mais erros, culminando numa eluci­
dação que juntou pedaços de três “ filos” para reconstituir uma só
criatura, o maior e mais feroz dos organismos do Cambriano.
O nome Anomalocaris ou “ estranho camarão” é anterior à des­
ço erta de Burgess Shale porque esta é uma das poucas criaturas
e corpo mole encontradas lá que têm partes suficientemente sóli-
as para serem preservadas em faunas comuns (as espículas de Wi-
Waxia constituem outro exemplo). Os primeiros Anomalocaris fo­
ram encontrados em 1886, nos famosos estratos do trilobito Ogy-
montanha acima de Burgess Shale. Em 1892, o grande
0a eontólogo canadense J. F. Whiteaves descreveu Anomalocaris no
unaaian Record o f Science como um corpo sem cabeça de um ar-
ta°P° e seruelhante a um camarão. Walcott aceitou o ponto de vis-
^ corrente de que este fóssil representava a extremidade posterior
um crustáceo, sendo que o eixo maior deveria ser o abdômen,
°s espinhos ventrais, os apêndices (fig. 3.60). Charles R. Knight

3.61
s in a l R e c o n s ti,u iç ã o d o a p ê n d ic e F , f e i t a p o r B r ig g s (1979). E s ta e s tr u tu r a f o i o ri-
P r e ta d e n ,e ^e s c r ’,a p o r W a lc o tt c o m o u m m e m b r o a lim e n ta r d e Sidneyia e re in te r-
cerxte ° P ° r R r‘^Ss c ° m o u m a p ê n d ic e d e u m a r tr ó p o d e g ig a n te . U m a p e s q u is a re-
alim e m ° S ,ra q u e ° “P Ü ndice F é , n a v e r d a d e , u m d o s e le m e n to s d e u m p a r d e ó r g ã o s
n ta re s d o m a io r a n im a ! c a m b r ia n o c o n h e c id o .

221
seguiu essa tradição e
1•1). na qual ele constr^3 famosa Pintura da fauna de Burgess (fig-
malocaris e Tuzoia u h Um organ*smo composto unindo Ano-
Provida das partes m ni^3 3S cai aPa?as de artrópode bivalve des-
didato para ocultar a A corresP°ndentes e»portanto, um bom can­
g a s o portador ofi escj0,n ^ec'd a cabeça de Anomalocaris.
nas uma parte da nnt™ u'3 . ° nome Anomalocaris representa ape-
zadas por Walcott dp^ lstona- Três outras estruturas, todas bati-
rat>va. ’ mPcnham papéis centrais nesta complexa nar-
1) A cabeça de ç w ■
homenagem a seu filho ° artrdp°de que Walcott batizou em
a ser descrita por ele (IQi ,n?^ 6 a Pr*me^ra das criaturas de Burgess
outro apêndice. Walcott a| ’,P°ssui um par de antenas e nenhum
mentar de artrópode is Cm encontrou um grande membro ali-
teriormente (1979) c h a ^ 0,d° 0rganismo a que pertencera e pos-
taÇão” ] p0r Derelc g . 3 ° e ‘apêndice F ” [defeeding, “ alimen-
e,ra a única criatura de R. { *g' 3' 61')- No Juízo de Walcott, Sidneyia
ora desse apêndice- s i i a / ê6SS gr,an.de 0 suficiente para ser a porta-
Quavam muito bem áo eon C3rateristicas predatórias também se ade-
a na conta de um fero-, ,nCeit0 QUe Wa,cott fazia de Sidneyia, tendo-
ireta, Walcott fez o r 3rnivoro-_Ass»n, sem nenhuma evidência
Jdneyia. Bruton ( 1981-1 rnf nt.° e Junt°u o apêndice F à cabeça de
a cabeça de Sidneyia não°S enorrnente determinou que a carapai
estrutura. ~ era
v,a grande
&rancie o bastante para acomodar t
2} n ,
medusas e holotúrios fnen° ^ a^cott (1911b), sobre as supost
de Burgess Shale, 0 4 ^ ° ^ ° - " “ ' d° ™° d«s equinoderme
escreveu cinco gêneros p n ,.8*16 seus esforços mais acurados. E
nemona-do-mar e, portant 0r* ^ aclcenzia seja provavelmente un
° niesmo a que pertencem a<°’ j Ç 3 parte do fi,C) dos celenterado
Ç3 celenterac
m °utro
°utro grupo,
gruDo on dos lhoIotr,n-edUS3S’
. medusas, Walcott colnrnn
Walcott colocou pksp eên<
esse gên
verme priapulídeo (Conw™0^ ^ ma se®unda criatura revelot
aínda é 'lessificlda c ? J' M° ' riS- 1977d>- U m . terceira,
de a“ r r“Ç5° maís recente m T " pecLlliar Uolotúrio Hutuar
* aposta, „ m bom din“ ™« (Durham, 1974), mas eu seria ca,
tsmos de Burgess que se 0 ° f 3 acabará sendo mais um c
te C r ba,i20“ ™ q u a l « Ia peculiaridade,
notou a -m ? Um holotúrio cnríf , nero’ Laggania, e classificou <
da por um1StênCÍ3 de Uma boca e a em apenas um espécime. I
0S traços c a ? 61 de placas- A má nre°U qUe~ela P°deria estar rode
acterísticos dos holnt - ?ervaçao havia apagado tod
holotunos. Walcott admitiu o que
222
3 ^2
ris e W h ' m a 'S con4lec'^a rec° n str u ç ã o d e B u rgess Sliale, d e sen h a d a p o r C o n w a y M o r-
ve Qs v g 'r l,n g to n P a ra u m a r tig o p u b lic a d o n o Scientific American, e m 1979. O b s e r ­
v a s en p ría p u líc te o s e m su a s to c a s e d iv e r s a s c r ia tu r a s e s tra n h a s e d e s c o n h e c i-
binia (1°9) tr<n r S e m B u rg e ss ~ in c lu in d o Dinomischus (17), Hallucigenia (18), Opa-
d e a b a c 6 ~ 'WaX'a N u m S r a n d e e rro , d u a s m e d u s a s (10) s e m e lh a n te s a f a tia s
^ t r u t u r * 1>S“ ° m o s ,r a B a s n a d a n d o p a r a d e n tr o d o p a lc o a p a r tir d a e s q u e r d a . E s ta
B u r g e s ? s n 10" Br^ aC*e ° *oca d e Anoma*ocar' s- (R e tir a d o d e “ T h e A n im a is o f th e
Scipntsr- ? e ’ Cle B itn on C o n w a y M o r r is e II. B . W h ittin g to n . C o p y r ig h t© 1979
n tiJtc A m e r ic a n , Inc. T o d o s o s d ir e ito s r e s e r v a d o s .)

segue:
p£s ® corpo do animal está tão completamente achatado que os
--- CLestão obscurecidos, o contorno da região ventral per-
u acrais
aido ?e as faix;
*a' xas concêntricas quase obliteradas” (1911b, p. 52).
^njc 3)' Como um quinto e último gênero, Walcott colocou nome na
tUr&a medusa de Burgess, Peytoia. Ele descreveu esta peculiar cria-
EstaCOrn° Um anC^ ^ ^bulos em torno de uma abertura central,
tes , Sec^ nc!a de lóbulos poderia ser dividida em quatro quadran-
2 sèt ayenc^° um lóbulo maior em cada um dos quatro cantos do anel
óbulos menores entre os cantos de cada quadrante. Walcott
p . U 3 ^resença de óois pequenos pontos em cada lóbulo, que se
jetavam para dentro em direção à abertura central. Ele interpre-

223
tou essas estruturas como “ pontos de ligação das partes do co ^
próximas à boca ou, talvez, braços orais” (1911b, p. 56). A nao ^
pela simetria radial, Walcott não encontrou nenhum traço
racterísticas que definem uma medusa — nenhum tentáculo nelTj.atia
xes musculares concêntricos. Peytoia, mais parecida com uma ^
de abacaxi do que com uma água-viva, constituía uma me usa
rivelmente estranha. Nenhum verdadeiro membro do grupo po ^
uma abertura em seu centro. Não obstante isso, a interpretaç;a ^
Walcott prevaleceu. A reconstrução moderna mais conhecida a
na de Burgess, publicada no Scientific American vários a_noS.^ on.
Whittington e seus colaboradores terem iniciado suas revisões (
way Morris e Whittington, 1979), apresenta Peytoia como uma
tura de disco voador e fatia de abacaxi, entrando em cena pc o
te (fig. 3.62). . ã0
Quem é que já sonhou na possibilidade de haver uma r
entre a extremidade posterior de um camarão, o apêndice a ime a
de Sidneyia, um pepino-do-mar achatado e uma medusa com
abertura no centro? Ninguém, obviamente. A fusão desses Qu ^
objetos para dar origem aAnomalocaris apresentou-se como um
que inteiramente imprevisto. Além do mais, a feliz reconstitui
não emergiu a partir desse caos inicial. Vários esforços interme
rios, todos basicamente errôneos mas cada um deles proporcion
do um elo importante para o desenvolvimento da história, p iece
ram a bem-sucedida conclusão. reS_
Anomalocaris tem sido a nêmesis das pesquisas recentes a
peito de Burgess. Esta criatura acabou revelando seus segredos, tu ^
não antes que Simon Conway Morris e Derek Briggs tivessem c ^
metido seus maiores erros tentando lidar com as várias partes de Q
ela era constituída. Não se pode ter a esperança de tazer algo sigu
ficativo ou original em ciência a menos que se aceite a inevitabi i a
de da ocorrência de erros importantes ao longo do caminho. re
passos, porém, fizeram realmente as coisas caminharem pouco a p°u
co rumo a uma resolução, quaisquer que fossem os erros lateral
cometidos.
1) Em 1978, Conway Morris aplicou as novas técnicas de Whh
tington para distinguir estruturas tridimensionais em Laggania, agota
considerada uma esponja e não um holotúrio. Ele aplicou uma tm
crobroca de dentista à contraparte do singular espécime e descobriu
uma fatia de abacaxi correspondente a Peytoia no local em que Wal­
cott identificara a indistinta boca. Conway Morris esteve perto de
fazer a interpretação correta mas acabou cometendo um erro de ava

224
^ “ esponja”
liação. Ele chegou a considerar a p0*s^ a d(stmta e sim um eleine*!
chamada Laggania não fosse uma cr parte centra
to ligado a Peytoia, que se rejeitou essa recons-
um estranho medusóide. Conway lodos os organismos d
tituição porque ele considerava que q distintos e não na
gess haviam sido preservados como e grande maioria dos o
ma de partes desagregadas. Ele escrev • ^ razoável concluir qu
seis de Burgess foram preservados m ;ntegrante de Peytoia n
o corpo de Laggania cambria não e p -ado a0 medusóide du
thorsti e sim um elemento estranho ac -a» (1978, P-
aqui è interpretado como sendo uma um acidente resultan
argumentou que a associação era simp e assoCiação entre o me
do deslizamento de lama em Burgess. acaso. O leito fi °P
sóide e a esponja ocorreu presumive m deslizamentos de lama
de foi depositado através de uma serie ^sinos tenham fica 0
é provável que após o transporte os ois
juntos” (1978, p. 130). E v o c a d o quanto às razoes
Embora Conway Morris tenha se d e laggania, ele havi
para a existência de uma ligação entre fundamental, reunindo o
descoberto (literalmente) uma associaçao ar ^ nomalocans-
dois primeiros dos quatro pedaços que vm singularidade de Pey
2) Em 1982, Simon tentou a tra c a r-s e ^ p eyto ia c°'
toia (Conway Morris e Robison, 19 ” liares” (f982, P-^ '*
mo “ um dos medusóides cambrianos mai p àtico» em seu titulo.
e chegou até mesmo a usar a palavra e etamente seu bic o,
Embora Simon não houvesse interpre a medusóides e, assim,
ele colocou em dúvida sua afinidade co QS Escrevendo acer
manteve os canais de questionamento em , , n concluíram o se
ca da abertura central, Conway Morris e modernos ou s
guinte: “ Este traço é desconhecido em cn cnidário. Seu rela-
seis e pode indicar que Peytoia nathors i n a^nda mais obscuro
cionamento com qualquer outro filo Pare
(1982, p. 118). .. , a extremidade ante-
3) O próprio Anomalocaris, ongm.al™ teaves, fora atribuído
rior de um camarão, na interpretação e sha^e. Afmal de co
a Derek Briggs, na primeira partilha de artrópode com u
las, supunha-se que se tratava do corpo
earapaça bivalve. c a tiv a reconstituição do am
Em 1979, Briggs publicou uma Pr° VOCf táveis observações qu
tual que lhe coubera estudar. Ele fez u .
contribuíram para a elucidação de Anomaloca

225
Primeiro, reconheceu que Anomalocaris era um apêndice com
espinhos pareados em suas bordas internas e não um corpo completo
com apêndices em suas orlas ventrais. Se Anomalocaris fosse o tórax
de um organismo completo, alguns dentre os mais de uma centena
de espécimes deveríam apresentar traços de um intestino e seriam en­
contrados pelo menos uns poucos com articulações de artrópodes no
qué seriam os seus supostos apêndices.
Em segundo lugar, ele argumentou que Anomalocaris e o apên­
dice F (o membro alimentar de Sidneyia, na visão de Walcott) eram
variantes da mesma estrutura básica e, provavelmente, pertenciam ao
mesmo animal. Embora, como iremos ver, esta conclusão não esti­
vesse inteiramente correta, o argumento de Briggs realmente uniu de
maneira apropriada mais duas peças do quebra-cabeças representa­
do por Anomalocaris.
Exceto por estes importantes insights, a reconstituição de Briggs
estava basicamente errada, embora fosse espetacular. Ele continuou
a considerar Anomalocaris e o apêndice F como partes de um artró-
pode conjeturando que Anomalocaris fosse uma perna locomotora
e o apêndice F uma estrutura alimentar de uma única e gigantesca
criatura, provavelmente com mais de noventa centímetros de com­
primento! Ele colocou o seguinte título em seu trabalho: “Anomalo­
caris, o maior artrópode conhecido do Cambriano” .
Mas o próprio Briggs não estava muito convencido de haver re­
constituído corretamente o animal. Ainda restavam muitos mistérios.
Ele ponderou a respeito de sua incapacidade para encontrar qualquer
indício, ainda que fragmentário, do gigantesco corpo ao qual aque­
les apêndices supostamente deveríam ter estado ligados. Uma estru­
tura com noventa centímetros de comprimento poderia estar com­
pletamente ausente de uma fauna de organismos de corpo mole?
Briggs conjeturou que tais fragmentos poderíam existir na forma de
lâminas e películas orgânicas até então ignoradas por carecerem de
estruturas distinguíveis. São dele as seguintes palavras: “ É quase certo
que nas encostas do monte Stephen existam grandes fragmentos da
cutícula corporal de Anomalocaris canadensis, anteriormente não
identificados e relativamente desprovidos de traços característicos, es­
perando por serem descobertos” (1979, p. 657). Derek não percebeu
que o corpo de Anomalocaris havia sido descoberto e recebera um
nome já na época de Walcott, mas estivera disfarçado na forma do
“ holoturóide” Laggania, posteriormente interpretado como uma es­
ponja com uma medusa em cima.
A expedição do Serviço de Levantamento Geológico do Canadá

226
havia descoberto um estranho espécime na pedreira de Raymond, pou­
co acima do leito filópode de Walcott. Whittington havia recolhido
esse fóssil grande, indefinido e praticamente desprovido de traços ca­
racterísticos e o colocara numa gaveta — esperando, creio eu, esquecê-
lo, de acordo com o velho ditado: “ Longe dos olhos, longe do pen­
samento” . Mas ele continuou pensando nesse estranho fóssil de uma
criatura muito maior do que qualquer dos outros organismos de Bur-
gess Shale. “ Eu costumava abrir a gaveta e voltar a fechá-la” ,
explicou-me Harry. Certo dia, em 1981, ele resolveu escavar o fóssil
na esperança de que alguns detalhes de sua estrutura pudessem ser
esclarecidos. Ele esgravatou uma extremidade da criatura e, para sua
surpresa, encontrou um espécime de Anomalocaris visivelmente liga­
do a ela e no seu devido lugar (fig. 3.63). Harry contou a Derek Briggs
a respeito dessa descoberta e Derek simplesmente não pôde acreditar
no que ouviu. O objeto escavado era com certeza Anomalocaris mas,
tal como na interpretação que Simon dera à medusa Peytoia sobre
a esponja Laggania, talvez este espécime de Anomalocaris houvesse
acidentalmente se enleado com uma grande lâmina de alguma outra
coisa quando o deslizamento de lama sedimentou-se.
Pouco tempo depois, Whittington e Briggs passaram a estudar
um conjunto de espécimes emprestados das coleções de Walcott. Es­
sas lajes exibiam glóbulos e lâminas relativamente desprovidas de
traços característicos e que nunca haviam atraído muita atenção, in­
cluindo o corpo de Laggania com Peytoia em cima. Num único e
momentoso dia — a inegável contraparte (não no sentido técnico,
mas no vernacular) de um outro momento fundamental no drama
de Burgess, ocorrido quase uma década atrás, quando Whittington
havia escavado a cabeça e os flancos de Opabinia e não encontrara
nada por baixo — eles escavaram o fóssil e viram que tanto Peytoia
como o apêndice F eram órgãos de uma criatura maior.
Conforme assimilavam esta que foi a maior de todas as surpre­
sas de Burgess, e continuavam descobrindo em outras lajes a mes­
ma associação entre Peytoia e o apêndice F, Harry e Derek percebe­
ram que haviam esclarecido a estrutura de um só organismo e solu­
cionado uma pilha de problemas. Peytoia não era uma medusa mas
sim a boca da grande criatura, situada na superfície ventral, próxi­
ma à extremidade anterior do organismo. O apêndice F não era um
elemento de uma grande seqüência de membros repetidos de um ar-
trópode; na verdade, dois apêndices F formavam um único par de
órgãos alimentares situados adiante da boca e ligados à extremida­
de anterior do novo animal.

227
posiçãodfront:!i0AeSPéCÍme que Whittin8ton deixara na Inglaterra esta
ce F (fíg. 3 63\ / a ° Cupac*a P°r Anomalocaris e não pelo apêndi-
ele encontrou traços hÍ Í ^ espécime de forma mais comPleta’
gundo Anomalocaris f n ^ ’ “ nstltuída P°r Peytoia, e de um se-
mesma oosirãn > formando um par de órgãos alimentares na
W a s h i n g T o ^ n C PC,° ^ ^ aPêndÍCCS F nos espécimes de
anomalias1— n ^ aS 3S f CÇaS haviam se juntado. A partir de quatro
não combinava w m n e n í 0 ^ Cabeça’ um apêndice alimentar que
enhum ammal até então conhecido, uma me-

228
UtTlQ irn n o ... —" w âzòiu c u u m r u tu j c c, j/ vmmmiv,
b o c a ( in d * mr i SP el*la<*a P ° r te esP é c im e r e p r e s e n ta d a n a f i g . 3 .6 3 . O b s e r v e a
u m v e s t i t í d P ° r ^ 6 0 p r ím e ir o “P ê n d ic e d e s c o b e r to ( j l - i W . D e s s a v e z , p o r é m ,
lo g o a b a íx w SegUnc* ° aP ê n d ic e a lim e n ta r f o i e s c a v a d o n o c a n to in fe r io r e s q u e r d o ,
0 o lin h a o b liq u a q u e re p r e s e n ta a r a c h a d u r a n a ro c h a .

^11
saltar ^ Uma f a r t u r a no centro e uma lâmina comprimida que
constit 'h Um para outro — Whittington e Briggs haviam re-
l° c a r is r ° dUaS esp^c‘es distintas pertencentes ao gênero Anom a-
toia 5 h Q^ an‘a era uma Parte achatada e distorcida do corpo; Pey-
não p3 ° Ca r°d eada por um pequeno círculo de placas dentadas e
de óriT Uma Sé” C de ^bulos com ganchos; Anomalocaris, o par
0 apênd°S a^mentares de uma espécie (Anomalocaris canadensis)',
locari 1CC Um ®r®ao alimentar de uma segunda espécie (A nom a-
A.s na^ 0rst‘, tomando emprestado o antigo nome de Peytoia).
n°niin CX~Ve^s regras de nomenclatura que davam preferência à de-
me j mais antiga exigiam que todo o gênero recebesse o no*
^ h ite n° malocaris’ em reconhecimento à publicação original de
ocorr aVCS’ datada de 1892. Mas que feliz e apropriada imposição
camarão’MeSte CaS° — tratava-se realmente de um “ estranho

^om o o órgão que originalmente recebeu o nome de A n o m a -

229
locaris pode ter ma'
do estendido, o animal6 dezo*to cent;ímetros de comprimento quan-
outros organismos de RCOmp^eto ^eve ter diminuído quase todos os
ram que os maiores esn'Ur8eSS Shale‘ Whittington e Briggs estima-
de comprimento de l Clmes Possu>am quase sessenta centímetros
briano! Uma recente ° m5*or tQdos os animais do Cam-
e Whittington, 1985) ,COnstru^ ° de toda a fauna (Conway Morris
blicada em 1979 no 9 ,asic^ment;e uma atualização da versão pu-
caxi representada nor ^ mer‘can’ substituiu a fatia de aba-
ua obliquamente a nart; ° m' ^Ue era desenhada entrando em ce-
çador Anomalocaris r l ° ° eSte ^62), por um grande e amea-
Partir do leste Cfi» í Presentado intencionalmente avançando a
Whittington e Bri&
malocaris em 1985 um ®s. Publicaram sua monografia sobre Ano-
que talvez seja a mais rmtáUt| ° ^astante apropriado para coroar 0
Paleontologia do século * ™Portante série de monografias da
cie dorsal da longa cahoo X’ , gião lateral e posterior da superfí-
grandes olhos apoiados c^K°Va de ^ nornalocaris possui um par de
Perfície ventral, 0 nar a pedúnculos curtos (fig. 3.66). Na su-
jBnw ■ ^ apen *ces aümentares prende-se à cabeça,

tington, ,9°8u COnSt^ ° recente da fm


tamanho destacriatura^ ° ” ° v a interPretacSoS
J SSShale(Conway Morris t
nom.schus (9) e W iw n ” reIaçâo às outras nn * AnomaI°caris (24), e 0 t

’■ m, « m - L”*nchollla 5
thorsti, visto det>P' ^ con^ecicías de Anomalocaris: em cima, Anomalocaris na-
'nc°rretamente i d ^ r r ex^ 'n<^° 0 Par de apêndices alimentares e a boca circular,
r‘s canadensis vist" ri C.ac*a p o r Waicott como uma medusa; embaixo, Anomaloca-
Collins. ° e a^0’ em P°sição própria para nadar. Desenho de Marianne

na ünha méd'tre( T ^ a^e ^ronta^ e acüante do anel da boca, situado


lancialmem 13 - Placas do anel poderiam cingir subs-
^ualquer 0/ & &r~a ^a ^oca’ mas nao fechá-la por completo (em
tuir) t de mod601^ 30 ^UC ^ b ittin g to n ou Briggs pudessem reconsti-
cialmente ° ^Ue &^ ° Ca Provavelmente permanecia, ao menos par-
a ^ c a pode6™1312 a^ erta‘ Whittington e Briggs conjeturaram que
malocaris u n& íer ^uncl°nado como um quebra-nozes, com Ano-
(fig. 3 ,6g-v g&n ° os aPêndices para levar as presas até a abertura
b°rdas int'e entao esma§ando 0 alimento por constrição. Todas as
esPécime C ^aS p' acas do anel de Peytoia tinham dentes. Num
de dentes' e 1^ n®ton e ®rig8s encontraram três fileiras adicionais
fitado pelas”1^1 ” a<^as uma em c*ma da outra e paralelas ao anel for-
Sam ter estad d& l30ca' ^ mbora os dentes dessas fileiras pos-
mentos da ° l^ac*os ao anel> eles provavelmente eram prolonga-
c°njunto d e ^ 636 d° es^ a®° ~ proporcionando assim um temível
ta como na armas &Anomalocaris, tanto na boca propriamente di-
extremidade anterior do intestino (fig. 3.69).

231
3.67. A nom alocaris visto de a
mostrando como os apêndices ^
alimentares poderíam levar a '
a boca (IVhittington e Briggs, ‘ '
Logo atrás da boca, à esquerda, P
do animal fo i omitida para torn ^0s
visíveis as brânquias situadas ac
três segmentos posteriores da ca

de A n o m Z -'!0 T " ' Anomalocaris provavelmente se alimentava. A) /I c a W


( e m c 2 f r Z l T OKti ^ de ,ad0’ com ™ apêndices alimentares estendido-
£ T s t i d e Z T r T ,SVar ° aUme"‘° à doca (embaixo). B) A mesma oper
var alimento à hn * ' Z de baixo- os apêndices alimentares enrolados para
nãdensT s ( e m b a U a ) ! " " An0nUÚOCarb rem c im a ) e em Anomalocaris ca

232
3.69 a froc
p ode-se v er d iv e r s '^ " ° ma*ocar‘s> c o n fu n d id a p o r W a lc o tt c o m a m e d u s a Peytoia.
P o d em e sta r se n ' 1 e ‘ra s ^ e n te s e s te n d e n d o - s e d e s d e o e s p a ç o v e n tr a l, a s q u a is
Pécim e. B j n B« I Ü letan<* ° a p a r t l r d ° e s ô fa g o d o a n im a l. A ) U m a f o t o g r a f i a d o es-
0 e m c â m a r a lú c id a d o m e s m o e s p é c im e .

res de l ó b n ^ C^uVentra^’ atr^s ^ oca>a cabeça apresenta três pa-


divideem o n S S°^ repostos (^8- 3.67). Atrás da cabeça o corpo se
lam e n te t r ^ ,U^°S’ ca<*a um deles apresentando uma forma ba-
^édia. Os l ó b ^ a r’_COm ° v®rt*ce apontando para trás na linha
tornando-se Uf° S sao ma' s *ar8°s na parte central do corpo,
'dbul0s> taj 01 ormemente mais afilados na frente e atrás. Esses
bastante sobr ^ ° S tr^S extremidade posterior da cabeça, estão
r°mbuda semP° Sti°S ^ extremidade posterior do corpo é curta e
estruturaconsf? Ua,^ Uer esp®c^e de espinho ou lóbulo saliente. Uma
sumivelmente 1 Ul a ^ muitas camadas de lamelas empilhadas, pre-
^bulo. Uma brânquia, liga-se à superfície superior de cada

demos presurn°mfl^0Cans nao tem nenbum apêndice no corpo po-


trato. Whittin *t C'Ue e*e nao caminhava nem se arrastava pelo subs-
nadador eficient°n ^ ^ 88S reconstituíram Anomalocaris como um
b e n to s ondule’ a' n<^a due nã° muito veloz, impulsionado por mo­
e d a s (fig j 7 ator'os dos lóbulos do corpo em seqüências coorde-
)• Assim, os lóbulos laterais sobrepostos atuariam

233
alguns neixpc ° ^ "^ Ih a n te à aba lateral inteiriça da nadadeira < ■
semelhado a m Anomaloc“ris em movimento poderia ter se a
de ondulacõe® & moderna>deslizando através da água por me]
Tal comn f r°p UZldaS pela nadadeira larga e contínua,
bém aaui é n n » 0* i ?lt0 em re^açao a Wiwaxia e a Opabinia,
to do modo corno*/! CVantar algumas conjeturas razoáveis a r«
co — afinal de cn t noma!ocar‘s operava do ponto de vista bic
pelas quais ejdste aPenas um certo número de man
que um animal a®®” 3 f - 3 pode comer e se movimentar. Todav
cos? Durante um IT estranho Poderia ser em termos genea
terpretadoscom nnaT ° .° S apêndices alimentares haviam sid
mentado realmente \ k '° corpo de artrópodes — e seu caráter í
culadas. Mas a r e n ^ ~ã ° grande das criaturas de patas a
seqüência
seqüência de
de lóbulo®
lób ulos ?etlÇa°
1Ça° 6C a3 segmentação,
se8mentaÇão, reveladas tanto
reveladas tanto
butos __aos artrd”
butos restritos 01x10 AOS aDêndirpo
10^1108 apêndices qlimontoroe
alim entares, n5
n ã o sã o a:
dos e até m esm o no moiP° CS ~ p ense nos a n elíd eo s, n o s verteb
m a outra característica H ^ Neopilina<um “ fó ssil v iv o ’’. N enl
os artrópodes. O corno ns Anomal°caris sugere u m a lig a çã o c<
sempre aberta e dotada h* 0 P° SSUi aP cndices articu lad os e a b
tudo o que existe n o filo A ^ 3nel de Pla cas, é ú n ica, diferent
m ostra que, em bora seia se»TY,r° POda‘ ^ m a com p a ra çã o d eta lí
noHeStt ! 0nge de ser P a r e c id o T nt3d° ’ 0 par de a Pêndices alim e
animãiW hlttÍngt0n e firiggs conH ? de qualcluer p ro tó tip o de ar
u m T n T t3m erizado e possuí”, U r3m ^Anomalocaris “ era
ia u m ê lf a n e * d e Placas em t r ,U m p a r d e apêndices articulad
coX hh M P° de mas sim u m r rn° da b o ca - N ã o ach a m o s que
° (1985, p. 5 7 ^ p esentante de um filo até agora

234
Coda

restamSPesclu*sas com os organismos de Burgess irão continuar, pois


dos a /,mC*a mu^tos gêneros que merecem um reexame (o grosso
nas ce 1 ^ °^ es ^ f°* m°nografado mas o mesmo foi feito com ape-
c o n h e ^ ^ metade ^as criaturas estranhas de cuja existência se tem
estão ^ ° r ^ versas razões, porém, Harry, Derek e Simon
nos ded'3 aStand0, ® Senhor nos concede tão pouco tempo para
cedo comarm° S & Uma carre^ra ~ quarenta anos, se começarmos
de boa s ? ,estudantes de pós-graduação e continuarmos gozando
uma au ®* cinquenta, se a sorte nos sorrir. O Diabo leva embora
nànistrat'6 * ° grande ~ principalmente na forma de encargos ad-
singularmV° S ^UC recaem sobre todos, exceto os mais resistentes e
°s cargos determinados. (A recompensa mundana da ciência são
quisas) deVados due eliminam a possibilidade de se fazer pes-
P°r mais '°C n^° ded^car toda a sua carreira a um projeto,
casa dos s1^ 1P° rtante ou excitante que ele seja. Harry, que está na
do a revisâ61^ ’ retornou ^ sua antiga paixão e está supervisionan-
[Tratado d ° ? vcdume do Treatise on invertebrate paleontology
tos. As ativ^d^6011*0^0-8^ d° S invertebrados] que trata dos trilobi-
jetos relatiy1 & r Profissionais de Simon incluem um ou dois pro­
c e sse ago ° S ~ Ur^CSS ^ba^e>mas os principais objetos do seu in-
explosão ca& ma*S antigos, tendo retrocedido no tempo até a
tão majs jj. ™ r„lana Propriamente dita. Os interesses de Derek es-
faunas de 1C.ados e concentram-se nas criaturas estranhas e nas
Êürgess. rgamsmos de corPO mole das épocas posteriores a

liz a d o s p o r e s t ° C° n c ^ ' r a C i e d e e s t u d o s s o b r e B u r g e s s S h a l e r e a -
S a r , c o m n o v a ^ e r a ^ a o ' ^ e P ° i s d i s s o u m a n o v a g e r a ç ã o ir á c h e -
d °s o s seu s a ltS 1 6 n o v a s té c n ic a s . T o d a v ia , a d e s p e ito d e to -

d t u la t iv a . O s t° S k , X 0 S ’ d e s e u s a v a n ç o s e r e c u o s , a c i ê n c i a é c u -
Serà o r e v e r e n c i ^ a ^ ° S d e ® " 8 g s > C o n w a y M o r r i s e W h i t t i n g t o n
f o r m a d o r a s en ° S ^ ° r S U a e ^e g a n c i a e p e l a f o r ç a d e s u a s id é i a s t r a n s -
d gs h u m a n a s _ ^ U a n t0 m a n t iv e r m o s a m a is p r e c io s a d a s c o n t in u id a -
E m bora n & C a d e *a i n i n t e r r u p t a d e g e n e a l o g i a i n t e l e c t u a l ,
t a ç à o p o s s a t e rU m ' i r a m a c o m o e s t e n e n h u m o r g a n i s m o o u in t e r p r e -
Ç l h o de u m h & U d m a P a i& v r a > é p r e c i s o r e s p e i t a r o f e c h o d o t r a -
t in g t o n , q U e m 0 m e m ' ® e P d ° g ° d e s t a p e ç a p e r t e n c e a H a r r y W h i t -
8 e «s e m t e r m o & C S C re v ea a r e s P e i t o d e s u a s m o n o g r a f i a s s o b r e B u r -
s c a r a c te r is tic a m e n te c o n c is o s e d ir e to s : “ T a lv e z e s s e s

235
trabalhos obrigatoriamente frios transmitam um pouco da excita
ção da descoberta — tratou-se certamente de uma pesquisa fascí
nante que teve seus momentos de grande alegria quando a prepara
ção revelava uma estrutura nova e inesperada” (1? de março ®
1988). “ Foi o projeto mais fascinante e excitante de que participel
(22 de abril de 1987).

SÍNTESE DO BESTIÁRIO DE BURGESS SH A LE

DISPARIDADE SEGUIDA DE DIZIMAÇÃO: UMA REGRA GERAL

Se os componentes do corpo mole nunca tivessem sido encon


trados, Burgess Shale seria uma fauna inteiramente comum do Cam
briano Médio, com cerca de 33 gêneros. Ela contém um rico con­
junto de esponjas (Rigby, 1986) e algas, sete espécies de braquióp0
des, dezenove espécies de trilobitos comuns com partes duras, quatro
de equinodermos, e um ou dois moluscos e celenterados (Whitting
ton, 1985, pp. 133-9, apresenta uma relação completa). Uma Par e
dos organismos de corpo mole são membros legítimos de gruP°
maiores, elevando a biota total para cerca de 120 gêneros. WhittinS
ton relaciona cinco espécies certas e duas prováveis de vermes Prl^
pulídeos, seis espécies de poliquetos e três trilobitos de corpo mo e
(Tegopelte e duas espécies de Naraoià).
Meu drama em cinco atos, que acabou de ser concluído, enfa
tiza um tema diferente, que me foi ensinado apenas pelos compo­
nentes de corpo mole. Burgess Shale apresenta uma amplitude de
disparidade no design anatômico que jamais voltou a ser igualada,
nem mesmo por todas as criaturas de todos os oceanos modernos.
A historia da vida multicelular tem sido governada pela dizimação
h H Z 8n ndn eSt° qUe inicial- gerad0 rapidamente na explosão cam-
rpnrin h S V ™ 08 ^ milhões de anos-se caracterizaram pela ocor
SC8UÍda pela Proliferação no âmbito de uns pou-
limites de va .ere.o tlPados>e não por um aumento generalizado nos
S a ftvori r a0 C ^ C0I^Plexidade, como sugere nossa icono-
nova iconocraf 0 H0n^ ^ diversidade crescente. Além do mais,^
prevalece em tnH 6 rápido estabelecimento e posterior dizimaça0
d S o 1 racta? A, 6 Parece ter a generalidade de um Pa'
a r e s p e i t o d e B u rg ^ n e t eat al hl haa mr a 1111?
m t r ?ê s 1 n0 "í v e6 i sC° ales cg ea nS deemn tperse. e n d e r a m

236
d f Grandes grupos de um filo. Nenhum grupo de invertebra-
Q0S .e*s foi mais estudado ou goza de mais popularidade do que
nai°S esqueletos mineralizados dos fósseis convencio-
tãòS^ reSentam Uma extraordinária diversidade, mas todos eles es-
0 e acordo com um design básico. Após todos esses estudos difi-
?nte alguém teria previsto que a amplitude total de variação ana-
Todav' ~rU^ ° Poc*er' a ter sido maior nos seus primeiros dias.
moie nao há dúvida de que Naraoia, um organismo de corpo
aPênd' Um tr^°'3^ 0 ' i sso ®indicado pelo arranjo característico dos
oraist1068 ca^ eça ium Par de antenas e três pares birremes pós-
tam t por seus convencionais apêndices do corpo, que apresen-
isso o °rma e 0 nhmero de segmentos “ corretos” . Não obstante
ümites dX° S^ e' et° ^ arao‘a’ com duas valvas, está bem fora dos
VencionaisVar*a^a0 anat^mica d° grupo indicados pelos fósseis con­

de um V ^05’ S° P0denios compreender totalmente a extensão


P°ssibilid ^ rCSa ^uand° também conhecemos toda a amplitude das
ferência r ** convenci°nais — pois precisamos de uma linha de re-
larmentê f ° n.S^ ero a história dos artrópodes de Burgess particu-
e todas as j SCmante P°rque a linha de referência não tem lacunas,
a um con’ 1Spar'd ades adicionais constituem realmente acréscimos
des g r u p ^ n ^UC ^ contava com representantes de todos os gran­
j a s os re S S artr°P °des orfanados de Burgess são espetaculares
Portantes resentantes dos grupos convencionais são igualmente im-
d° o qUe pa^a documentar a primeira parte do tema básico — “ tu-
de SancfaCgr er^amos esPerar e muito mais” . A recente descoberta
d°s os quat” 5 COmPlet;a a hsta dos organismos convencionais. To-
tcs era Burgess S h ^ grUpos artrdpodes possuem representan-

Crt blU ~~ dezen°ve 'espécies comuns e mais três de corpo mole


UniramiT
Unira Canadaspis e, talvez, Perspicaris
cpforo ^ysneata, se estiver correta sua classificação como oni-
helicerata — Sanctacaris
f o d a v ia n ,
experimentos* r?CSS ^ ale contém uma amplitude ainda maior de
c|°Paliuente aai!atÔmicos’ de designs igualmente diferenciados e fun-
s*dade. \jn$ P os’ mas que não levaram a uma subseqüente diver-
hta espécjg .P0Pco®desses órfãos possivelmente mantenham algu-
Vez- Por Cau re acl°namento entre si — Actaeus e Leanchoilia, tal-
sa de seus apêndices frontais característicos — mas

237
a maioria deles são únicos, com características que não são com
partilhadas por nenhuma outra espécie.
í identifi-
A obra monográfica de Whittington e de seus colegas 1
cou treze designs únicos (tabela 3.3), todos discutidos na cron ^
gia precedente. Quantos mais, porém, ainda estão por ser
tos? Whittington arrola 22 espécies (e inadvertidamente omite ^
rella) em sua categoria “ ainda não colocados em nenhum 1 0
classe dos Arthropoda” (1985b, p. 135). Assim, de acordo com
nhas melhores estimativas, Burgess Shale contém pelo menos v ^
designs únicos de artrópodes, além de representantes docume
dos de todos os quatro grandes grupos do filo.* ntás-
3) Vida animal multicelular como um todo. Embora as a _ _
ticas maravilhas de Burgess sejam fascinantes e excitem u °ssa_' c_
ginação, a história dos artrópodes proporciona satisfação m ^
tual equivalente, principalmente em virtude de sua linha de re e ^ a
cia estar completa, possibilitando conseqüentemente urna. __
estimativa da freqüência relativa das criaturas mais bizarras e i

(*) Se quisesse fazer o papel de advogado do d iab o, contra as m inhas


idéias, eu argumentaria que o critério através do qual proclam am os a exis ac0r-
vinte perdedores e de apenas quatro vencedores é falsam ente retrospectivo. ® ffle.
do com os padrões de tagm ose, os artrópodes m odernos são certam ente rnal
nos díspares do que seus antepassados de Burgess. M as por que usar os Pa r o^eSj
tagm ose com o base para a classificação das categorias superiores d os artr P
Um ostracódio quase m icroscópico, um isópode terrestre, um cop ép od e p ar|ecjade
co, um a lagosta do M aine e um caranguejo-rei do Japão alcançam m aior v a r.unt£)S
em tam anho e especialização ecológica do que tod os os artrópodes de Burgess
em bora todas essas criaturas m odernas sejam crustáceos e exibam a tagm os ^
reotipada desta classe. Um paleontólogo que tivesse vivido durante a época e Q
gess poderia considerar os artrópodes m enos variados por não ter nenhum®
para encarar os padrões de tagm ose com o um a característica particularm ente \ V
ante (uma vez que a utilidade da tagm ose na discrim inação das principais m
genealógicas só se tornou evidente m ais tarde, após a m aior parte das altern t
erem sido dizimadas e a estereotipagem ter se estabelecido entre as poucas e
m ente dispares linhagens sobreviventes). . tar
* , aoEm m mha opiniâ0) este argumento não tem consistência. Se quiserm os te)^
um a m enor e^cessivam ente retrospectiva, que outro critério então ir>a >nd
Z r Z i f ! SPa" a"6 Cntre 05 ° rganism os de Burgess? O critério que u O j t f J ,
não a diversifirpÇ-° as paUgorias superiores são os designs anatôm icos b si
Quase todos os ec° ógica (tant0 os m orcegos com o as baleias são m ami
C u í i o a n f r 0S de Burgess representam «m design todo próprio segundo
a Burgèss tal c o m o T ' * realmente « - ta b iliz o u em épocas poster.o J
q u e T n h u m l d “ nr T eCeU C° m 0 arra* ° e a* fu r n a s dos apêndices - ao V * »
zada para definir a !.n J!!país características do design dos artrópodes pode ser
para def.mr a existência de grupos grandes e estáveis entre os animais de Burges*-

238
uns. Entretanto, enquanto M a rre lla e L e a n c h o ilia talvez sejam or-
car'lSm° S ^ os e surPreendentes, O p a b in ia , W iw a x ia e A n o m a lo -
n s nos causam espanto — são ao mesmo tempo profundamente
Perturbadores e emocionantes.
r e v is ã o d e B u r g e s s id e n t i f i c o u a e x i s t ê n c ia d e o i t o d e s ig n s a n a -
em ^ UC n a ° s e e n c a i x a m e m q u a l q u e r f i l o a n i m a l c o n h e c i d o :
nom i dC p u b l*c a ç â o > O p a b in ia , N e c to c a r is , O d o n to g r ip h u s , D i-
e s ta l i t US‘ ^ m 's ^ w ‘a> H a llu c ig e n ia , W iw a x ia e A n o m a lo c a r is . M a s
tiv a a* a CSt^ ' 0 n g e ser c o m p le ta — e la c e r ta m e n te é m e n o s e x a u s -
B ó p o c T a r e *a<^ ° ^ a s c r ia t u r a s b iz a r r a s d o c u m e n t a d a s e n t r e o s a r -
ta d e d ^ ' m e 'b o r e s e s tim a tiv a s in d ic a m q u e a p e n a s c e r c a d a m e -
r a m de&S Cr*a t u r a s e s t r a n h a s e d e s c o n h e c i d a s d e B u r g e s s S h a l e f o -
d e t o d a C ritaS - ^ U aS ^o n t e s r e c e n t e s c o l o c a r a m a o n o s s o a l c a n c e l i s t a s
tr e m a gS aS ^ a t u r a s q u e e s t ã o p o t e n c i a l m e n e n e s t a c a t e g o r i a d e e x -
m a is rr. 1 a r ^ ac^e - W h i t t i n g t o n c o n t a d e z e s s e t e e s p é c i e s d e “ a n i -
t e to ta lU B 0 r m e S ' > ^ ® ^ B , P - 1 3 9 ) . E e u a c r e s c e n t a r i a E ld o n ia a e s -
m °s nr C C o n w a y M o r r is r e la c io n a m d e z e n o v e “ O r g a n is -
C o lú m h ° b e b u r g e s s S h a le , C a m b r ia n o M é d io , n a
d esse serv ' ? ta r b c a ” (1 9 8 6 ). N ã o t e n d o e n c o n t r a d o n a d a q u e p u -
Sas f a n t á s t C k &Se p a r a u r a u r r a n j o g e n e a l ó g i c o o u a n a t ô m i c o d e s -
v e c r ia t ,, 1CaS m a r a v i l h a s , e l e s s i m p l e s m e n t e a r r o l a m s u a s d e z e n o -
ò ^as ordem alfabética.
P r o v e n ie m ° jU t u r o P ° d e r á n o s t r a z e r e m t e r m o s d e m a i s s u r p r e s a s
m in a d a e r r fu 6 ^ u r g e s s S h a l e ? V e j a o c a s o d e B a n f f ia , a s s i m d e n o -
b o e a B u ° m e n a g e m a o f a m o s o p a r q u e n a c io n a l p r ó x im o a Y o -
f r o n t a i 0 rg ê e s s S b a l e - 0 “ v e r m e ” d e W a l c o t t — c o m u m a p o r ç ã o
r io r e m f o r ^ ^ a d& e m a n é *s e i n d e p e n d e n t e d e u m a r e g i ã o p o s t e -
B u r g e s s q u m a 6 SaC ° ~ ® p u a s e c o m c e r t e z a u m a d a s c r i a t u r a s d e
a lo n g a d o q o ^ d e s t a c a p e l a s i n g u l a r i d a d e . O u P o r ta lia , u m a n i m a l
c ° rP o . O u ^ t l ^ e n t ^ l o s B i f u r c a d o s d i s p o s t o s a o l o n g o d o e i x o d o
estr u t u r a t u h ° i ,n g f n a ’ u m o B j e t o e m f o r m a d e e s c a m a c o m u m a
geria c o m o U ^ s ' n u o s a e m s e u t o p o . W a l c o t t i n t e r p r e t o u P o llin -
f it o s d e W i U m a c o u r a ç a B e u m a n i m a l m a i o r , s e m e l h a n t e a o s e s c l e -
Sal; B r ig g s e ^ , a ’ e e x P Ü c o u o t u b o s i n u o s o c o m o u m v e r m e c o m e n -
ja U m o r e a n - ° n w a y M o r r is , p o r é m , a c h a m q u e o o b j e t o t a lv e z s e -
^ ü r g e s s t a l v 1SIT1' 3 C O m p ^e t 0 , ^ c o n f i g u r a ç ã o g e r a l d a h i s t ó r i a d e
a in d a n ã o r Z C Ste^a b e m d e l i n e a d a m a s a p e d r e i r a d e W a l c o t t
e v e o u tQ d o s o s s e u s e x t r a o r d i n á r i o s t e s o u r o s .

239
T a b e la 3 . 3 . O D r a m a d e B u r g e s s : D r a m a tis P e rs o n a e e m O r d e m d e A p a r e c im e n to

Ano de Status para Walcott Status Revisado


Nome Revisor
Redescrição

Ato 1 1971 Marrella próxima aos trilobitos artrópode singular Whittington


1974 Yohoia crustáceo branquiópode artrópode singular Whittington
1975 Olenoides trilobito (chamado trilobito Whittington
Nathorstia)

Ato 2 1975 Opabinia crustáceo branquiópode novo filo Whittington

Ato 3 1975 Burgessia crustáceo branquiópode artrópode singular Hughes


1976 Nectocaris (desconhecido) novo filo Conway Morris
1976 Odontogríphus (desconhecido) novo filo Conway Morris
1977 Dinomischus (desconhecido) novo filo Conway Morris
1977 Amiskwia verme quetógnato novo filo Conway Morris
1977 Hallucigenia verme poliqueto novo filo Conway Morris
1976 Branchiocaris crustáceo malacostráceo artrópode singular Briggs
1977 Perspicaris crustáceo malacostráceo (?) malacostráceo Briggs
1978 Canadaspis crustáceo malacostráceo malacostráceo Briggs
(chamado Hymenocaris)

Ato 4 1977 Naraoia crustáceo branquiópode trilobito de corpo mole Whittington


1985 Tegopelte (desconhecido) trilobito de corpo mole Whittington
1988 Aysheaia verme poliqueto (?) onicóforo ou novo filo Whittington
Tabela 3.3. O Drama de Burgess: Dramatis Personae em Ordem de Aparecimento (Continuação)

Ano de
Nome Status para Walcott Stalus Revisado Revisor
Redescrição

A to 5 1981 Odaraia crustáceo malacostráceo artrópode singular Briggs


1981 Sidneyia merostomado artrópode singular Bruton
1981 Motaria merostomado artrópode singular Whittington
1981 Habelia merostomado artrópode singular Whittington
1981 Sarotrocercus (desconhecido) artrópode singular Whittington
1981 Actaeus (desconhecido) artrópode singular Whittington
1981 A lalcomenaeus (desconhecido) artrópode singular Whittington
1983 Emeraldella merostomado artrópode singular Bruton e Whittington
1983 Leanchoilia crustáceo branquiópode artrópode singular Bruton e Whittington
1988 Sanctacaris (desconhecido) artrópode quelicerado Briggs e Collins
1985 Wiwaxia verme poliqueto novo filo Conway Morris
1985 Anomalocaris crustáceo branquiópode novo filo Whittington e Briggs
(Laggania) pepino-do-mar corpo de Anomalocaris
(Peytoia) medusa boca de Anomalocaris
(Apêndice F) órgão alimentar de órgão alimentar de
Sidneyia A. nathorsti

X
al iaç ão das rfi a ^ -

005 °«ü*mMos

!tun\ tratado abstrato ^ temente longo, não pode se transforma1"


aJ ISSo> necessito fa 7Pr f 3S regras da inferência evolutiva. Ape-
„ 1 ° da maneira pela nnai nS poucos comentários explícitos a res-
‘‘«oniicas para pro us Paleontólogos passam das descrições
c o s ^ w í! 8 Para Proposiçõe?aPPí r ! ní IO® OSpassam das deScríÇÕeS
de modo que minhas S acerca de relacionamentos genealógi-
d rcccbcim alguma corrohr>nU™er° Saf afirmações sobre este assun-
esos pr°nunciamentos p raÇao e nao fiquem na condição de in-
Louis Agassiz o c a th e d ra .
^ a l m e n t e d á a b r i ’g 0 T m i t Z° ÓI° g ° q u e f u n d o u a i n s t i t u i ç ã o q u e
n ó s P ° r R a y m ° n d , e sc o lh eu „ e 3 ° S f ° s s e i s d e B u r g e s s S h a l e c o l e t a ­
d a / p n s e r v a r n ° s c o m o r g u lh ™ n ° m e s u P e r f i c i a l m e n t e p e c u li a r q u e
e l e chP r e V e n d ° 0 S i m p u l s o s h a 0 - " ° M U SC U d e Z o ° l ° g i a C o m p a r a -
escoihM°U3té mesmo a soliCiff10êráflC° S de seus contemporâneos,
se o 3 P° r e,e f°sse mantiH * expressamente que a denominação
L n T S6U nã0 fosse 5 T 9 Sempre e que, quando morres-
c S a !nt0S C a manipulação<talCOrn SeU nome'> A realizaçã° *
d u t o s h - .r g U m e n t o u A g a s s i z V ez c o n s t i t u a m o e s t e r e ó t ip o d a
z z t T r
tural h» devem adotar um
exce- S ** tratamdepr°-
mPlexos e que não podem ser re-
t0 de seu n VaICr Se da análise de^mM1™6” 10 diverso- A história na-
Pâlavras a t r a T deresuhadosúnicoandadeSCdiferenças noâmb
As inferência'’6 C° mParações. CCaracterísticos “ em outraS

iconão éad° de semelhaVnçasf<íefaiÓêÍCas baseiam-se no estud°


n a s c °o nmi pp iiliaa r S lm
m p lee s e n e mn i t a m n rn, !* e ,r e n fç a s > s e n d o q u e o t r a b a lh o
ças ee aas? ddifere^3 ? : a m a ll0nga
o n 8 a lis
,istaL de C° ó b v i ° - CaS°
l Tcarl°t°bVl°' C a s o Pudéssem0-
p u d éssem os ape­
8eral de similariH38’ atribuir Um nr Ctensticas>contar as semelh
Ativos com i 1 adee>a ^ eg u T P mer° que expressasse um ní
riamos ligar 0 de siniilari’riaHUlParar os relacionamentos ei
Um Cornputador! ° t0 autornátiCo e ®m®dld°, nós quase que po<
pie ° mund°. tal c níl3r nossas tard as básica;

^ e l m e n f e s e r i a ^ ’, . P o r q u e * ^ ® a c ° n t e c e r . n ã o é a s s i m t ã o si
n ea T 'C n teS f ° r n ia s : a l ° Cal d e c e P c io n a m ^ .m a n e ir a ° h o r i z o n t e p>
d i « f ° ê I C a s ’ o u tr a s r êU rria s s e r v e m n a 6 s im ila r id a d e s a s s u m í
s t ln Ç ã o e n t r e U lt, P r e s e n la n i a r m a d ri l ° r Í e n t a r a s i n f e r ê n c i a s £
* t lp o e o u t r o ^ d l 'h a s e P e r i g o s . P a r a f a z e r
n a m e n t a l f a z e r u m a r íg h
242
ra c t ^ a ° C n tr e s 'm i i a r i d a d e s d e v i d a s s i m p l e s m e n t e à h e r a n ç a d e c a -
d a s a / S 1C,aS p r e s e n t e s e m a n c e s t r a i s c o m u n s e s e m e l h a n ç a s o r i g i n a -
d e s e m raV h e v o 'u ^ a o i n d e p e n d e n t e d e e s t r u t u r a s a n a t ô m i c a s q u e
c h a m a d ^ ^ & m e s m a ^u n Ç ã o . A p r im e ir a e s p é c i e d e s i m i l a r i d a d e ,
Se estab&l 6 h° m0l° ^ > ®due f°m ece indicações apropriadas para
bras ce 6-eC?r a decadência. Eu tenho o mesmo número de vérte-
vian1en^V\CaiS ^ Uma g' ra^a ’ uma t 0UPeira e um morcego, e (ob-
Ças da C 1SS° n^° acontece P°rQne todos nós usamos nossas cabe-
^am ífer 681113 mane' ra e sim P°rque sete é o número ancestral nos
m odern^V transmitido P°r herança a quase todos os grupos
®undo ti°S (CH° mexCe^ ° ^as Preguiças e formas aparentadas). O se-
r° o b s tá ^ 4 fimüuridade, chamada de analogia, é o mais traiçoei-
ceg0s e do ° a ^nvest'®açao da genealogia. As asas das aves, dos mor-
r°dinâm'°S pterossauros compartilham as mesmas características ae-
independ^ ^ ^ cas’ mas cada uma delas evoluiu de forma
tes de d o i T ’ nen^um ancestral comum de quaisquer representan-
e analoa'S ,esses .^upos Possuiu asas. A distinção entre homologia
inos umà3 6 & at!v^ ac^e básica da inferência genealógica. Nós te-
mentar a S'mp' es: excluir rigidamente as analogias e funda-
feros e nãcTav^ 08^ 8 apenas na homologia. Morcegos são mamí-

P r° g r e s s o Z a n ^ ° C Sta r e ®r a f u n d a m e n t a l n ó s p o d e m o s f a z e r a l g u n s
a P re s e n t a S n ° f UC f e r e ^e r e a B u r g e s s S h a l e . A c a u d a d e Odaraia
s im ila r e s ^a n t a s P c a s e m e l h a n ç a c o m e s t r u t u r a s f u n c i o n a l m e n t e
raia é e v i d C gU R S p e 'x e s e m a m í f e r o s m a r i n h o s . A p e s a r d i s s o , Oda-
q u e A rio m ^ l e m e n t e u m a r t r ó p o d e e n ã o u m v e r t e b r a d o . É p o s s í v e l
n a d a r p o r ° ° Car,s t e n h a u s a d o s u a s a b a s la t e r a i s s o b r e p o s t a s p a r a
P e ix e s C om m e i ? m o v im e n to s o n d u la n te s , ta l c o m o fa z e m c e r to s
s à ° a c h a t a d n a ^ a ^ e ' r a S ' a t e r a *s c ° n t í n u a s o u c u j a s b o r d a s d o c o r p o
d e b a s e s a T * •m a S e s t a s im i la r i d a d e f u n c i o n a l , q u e e v o l u i u a p a r t ir
Ca d e r e l a c f ° m 'C as d if e r e n t e s , n ã o f o r n e c e n e n h u m a i n d i c a ç ã o a c e r -
U m e s t r a n h ° n a m e n t 0 S ^ e n e a * h g ic o s . Anomalocaris c o n t i n u a s e n d o
d e a u a ir ,, ° o r ®a n i s m o , n ã o m a is p r ó x i m o d e u m v e r t e b r a d o d o q u e
S ã ? 0 U tr a c r i« “ r a c o n h e c id a .
n a ° n o s ae ,la> & ^ s t in ç a o f u n d a m e n t a l e n t r e h o m o l o g i a e a n a l o g i a
e n tre a s n ^ 1U^ ° i ° n S e - P r e c i s a m o s f a z e r u m a s e g u n d a d i v i s ã o ,
res h u m a 1 ^ n 3 S e str u tu r a s h o m ó lo g a s . T a n to o s r a to s c o m o o s se-
A m b a s a s ° S P O S S U em P ^ i ° s s o b r e o c o r p o e u m a c o l u n a v e r t e b r a l ,
a n c e s t r a l C a r a c te r i s t ic a s s ã o h o m o l o g i a s , e s t r u t u r a s h e r d a d a s d e u m
q u a d o n C° m u m ' e s tiv e r m o s b u s c a n d o u m c r ité r io q u e s e ja a d e -
ra a g ru p a r o s ra to s e o s seres h u m a n o s d e n tr o d o g ru p o

243
genealógico dos mamífp
lo s so b re o co rp o - o fat °^’ n ° S p o d e r e m o s u sa r a p resen ça de pê-
uju dará em n a d a ' P o r ° 6 a m ^o s terem c o lu n a v er teb ra l n ã o nos
p or ser esta u m a c a r a r tp ^ f- 3 d d e r e n Ça? A p r e s e n ç a d e p ê lo s é útil
m a m ífe ro s en tre o s v e t *t lc a comPQrtilhada-e-derivada, restrita aos
n ada p o rq u e esta é u m a & ra<^os; A c o lu n a v er teb ra l n ã o a ju d a em
P resen te n o an cestral e C aracterística compartilhada-mas-primitiva,
e n ã o a p en a s n o s m a m íf 111111 dC t 0 d ° S 0S v e r te b r a d o s terrestres —
E sta d istin ç ã o e n t r e i tT~ C ,n a m a Ío r p a r te d o s p e ix e s ’
(co m p a rtilh a d a s e d e r i v a i h o m o lo 8 ia s a d e q u a d a m e n te restritas
tilh a d a s m a s p rim itiv a s! - 3S Ê a s e x c e s s>vam ente a m p la s (com par-
des ^ e a tu a lm en te en fr ? q u e stã o ce n tr a l d a * m a io r e s d ificu ld a -
S ess.* M u ito s artrÓ D o d eT íf11^ 8 Gm re^a ç a o a ° s o r g a n ism o s d e Bur-
P aça b iv a lv e ; m u ito s e B u rg e s s, p o r e x e m p lo , têm u m a cara-
n rer o sto m ó id e” b ásica ° U r° S c o m p a r td h a m a c o n fig u r a ç ã o
P ° r n u m er o so s se g m e n to Uma C arapaça d a c a b e ç a g r a n d e segu id a
n o ferrão d a ca u d a . Essa«SwC° rP 0ra*S ^a r g o s e c u r to s q u e term in am
e > g en u ín a s h o m o lo e ia s Q, fUx S ca r a cter ística s s ã o , p resu m iv elm e n -
Va ^es n ã o p artiu d o n ada « J 0 p o d e s ~ c a d a u m a d a s lin h a g e n s bi-
Xa de f ° r m a len ta e in den^ ®se n v o ,v e u a m e sm a estr u tu r a co m p le-
nta carapaça b ivalve nem n” Cnte' E n tr e ta n to , n e m a p r esen ça de
e,m caracterizar um e n m r ,m c o r p o d e fo r m a “ m e r o s to m ó id e ” P°"
tro p o d e s d e B u rgess n orm ° g en ! a l° g ic a m e n te c o e r e n te en tre o s ar-
a s-m a s-p rim itiv a s q a m b o s s a o ca r a c te r ístic a s co m p a rtilh a -
A % 3.71 talvez to
características compartilhaíL” 13^ claras as razões para rejeitar as
lj f ntaçao Para a genealogia s' mas;Primitivas como uma fonte de
na o386”1 QUe se diversifiCOii ‘ Esta árvore evolutiva representa uma
s e n c a ^ 3 0 assinalada peia linh"1/ ^ ,ê randes grupos — l, li e III -
br0 ante Um traC° homólogo -1 race-*ada- b m a estrela indica a pre-
muitos en° r ~~ herdado de um P° r exemplo>cinco dedos no mem-
r s ZT
« ? ‘«90 f l S rHm0t0
Por uma Cr ma‘s ser reconhpa'H ° ° U m°dtficou-se tanío a ponto
— (A)-

quatro e s S * C° m duas Pontas ‘ n r Todas as Perdas são indicadas


P r w S S ‘eS<1-4 ,ai" d a r S ^ 3bSeTO ^ " a dpoca escolhida.
Se juntarmos os “ '« « i s t i c a compariilhada-mas-
num grupo genealógico, estaremos
^ ( ) Por outro lado

UV° S abJ nÍa coni segmemS0 d!i 1Viwaxia com™erda8rrfSSeÍr°.S cometidos Por Wa,cott
a dlstinção entre S artrdP°des — rP S de P°hquetos e as abas laterais
tre earacterísticas homólogasreeSanálogm “ “ fa'ha m3ÍS e'emen'

244
3.7], uma *
dhado
cn?°T mas~pr‘mitivos nãnV f flÍP° t^í'Ca mostrando P °r Que os caracteres comparti-
0
deT
;s "'magens
aráter
linhagens e os nnm
Qter ccomPartilharin
o^-
no f 'T
■ POntos
w ” '--'“
P° ra w.cmu,
orientar u
° $ de6 ramificação
a luenujicaçao
identificação aegruposgeneatógi-
de grupos genealógi
..........
ram‘f ‘caCdo assinalados por uma J . estrela
J ' ..............
possuem L r
dSSSe’ ‘^ 0. ^ t,lhad°-’nas-pnmitiV0. Flechas com duas pontas indicam a perda
traço.

^ncia
iencta h de» três^ dos erros possíveis — deixando de perceber a exis-
rros possív<
deles para constru'°S verdade' ros e tomando membros de cada um
artl ancestral dos ^ UI? ^a*S° agruPament°: a espécie 1 poderia ser
SDéoio
a ^Pécie
- a VlIXl f l n cavalos; as espécies 2 ve- j3,
- . v 4 j íroedores
v j t / U U i t j pprimitivos;
A-i m u i u v u j j 'e

^ falácia de «a r„_Ce_Stra^dos P^matas, incluindo os seres humanos


« -— V4. Ç j g í ^ lU U C lL a p j II.

filhadas-mo,, ormar grupos baseados em características compar-


aS'Pnm itiVas deveria ser evidente.*
(*)
J 1. Or8anisrnos de*BuS1Ve' avançar alguns passos no sentido de elucidar a genealogia
gias —. cerdas de n !^6SS' p °demos excluir algumas semelhanças baseadas em ana
eu> deixar de lado a*í 1<ÍUetos e escler>tos de Wiwaxia, por exemplo. Podemos tam
„Inem
de>> Inetn grupos
Sfupos gene Td UmS características
geneafónias Caracterist’cas ccompartilhadas-mas-primitivas
o m p a r t i l h a d a s - . . . . . . . . . que não
M..- .....
nãt
^ .' Até o momeru"1 81C° S caraPaças bivalves e corpo de forma “ merostomói
erivadasnãotems'd' F°rém’ a Identificação de características compartilhadas-e-
13 de apêndices frr! t° • em'suced'da na maior parte dos casos. Talvez haja homolo-
° SS|vel qUe jsso n a’s comPartilhados-e-derivados entre Leanchoitia e Actaeus (é
^u*as em Cjma arn em se aP*ÍQue a Alalcomenaeus). As abas laterais com brân-
nomalocaris co ^ S*r caractenst’cas compartilhadas-e-derivadas em Opabinia e
as estr a n h a s nstltuiudo dessa maneira o único vínculo genealógico entre duas
S SUrPresas de Burgess.

245
' ICI de ser resolvido Fm ’ n° ientanto>é provavelmente ainda mais
zes me referi a um saco«- 1° 3 cron°l°gia em cinco atos, muitas
estí)?niveis- SuPonha que an” Cnd° 3S caracten'sticas de artrópodes
S r ’ na fig- 3-71, cara; f °,Ct° ntrário do fa ç o assinalado com uma
Donh 010 3 caraPaça bivalvp S~'C3S cPmPartilhadas-mas-primitivas,
lab,.|.j ^Ue nessa época nrim ao indiquem linhagens contínuas. Su-
'abl ,dadegenéticaf t ai^ P; ar Va í exPer*mentação sem paralelo e
lenta^”^ n° Va linhagem de S pPdessem surgir, repetidas vezes, em
ÍDok Clndependente como re F Po p o d e s ~~ não através de evolução
D0 tenent,a ° ° S tra?os represem” de Uma similaridade funcional
primif-13 Ídades ,atentes no sicf3” 3”1 analpsias clássicas), mas como
da iinh'VOS’ recrutados separada”13 genético de todos os artrópodes
de e ca agern' Nesse caso tram mente para P,ena expressão em ca-
re evnTaPaÇas bivalves pi nora • C° m° corpo de forma merostomói-
Desconfd° S artrópodes 1301 repetidas vezes por toda a árvo-

da^Renr 6| Burgess>e queUvem0 fenômeno realmente aconteceu nos


g neal°gias de Burgess n ° S t3° pouco êxito na reconstrução
°rque cada espécie surgiu através de

246
de uma refeição a
um processo não muito diferente da montag um item da
partir de um gigantesco cardápio chinês a listas em cada
coluna A, dois da B, com muitas colunas cidade de reco-
coluna. São duas as razões pelas quais temo / . iores primeiro,
nhecer grupos coerentes entre os artropo e origiual para o
as linhagens perderam essa potenciah a e corp 0 a partir
recrutamento de cada uma das principais P a remoção da
de muitas possibilidades latentes. Em segun apenas uns P°u"
maioria das linhagens, através de extinção, ^ 5 ^ ig 3 .72 ).
cos sobreviventes, com grandes lacunas 1 (produzindo uma
A irradiação dessas poucas linhagens so revi disparidade total)
grande diversidade de espécies com uma re m0S como fh °s
deu origem aos grupos distintos que oje c
e classes ■ ntMim modelo semelhante
Acho que Derek Briggs tinha em me ara classificar os
a este quando escreveu a respeito da di ícu ossua característi-
artrópodes de Burgess: “ Em bora ca(*a esJ e m 0utras tendem a
cas únicas, aquelas que são comparti a a portanto, os rela-
ser generalizadas e comuns a muitos artrop' esta0 longe de ser
cionamentos entre essas espécies contempo n^ ec^ as” 0^81 >
óbvios, e as possíveis formas ancestrais sao

Também acho que o modelo do sac0 <Fnão apenas aos


aplique aos animais de Burgess como um ’ apêndices alimen-
artrópodes isoladamente. O que faremos c ser s\do mode a
tares de A n o m a lo c a r is l Eles efetivamente P Q restante do cor
dos de acordo com o projeto dos artropo ( _ ,e ^ \0 . Talvez e es
po não sugere nenhuma afinidade com ess <DOdes, tendo evo ui
sejam apenas análogos aos membros os destituídos de qua
do de forma independente e sendo rea nr arp Culadas dos artro
quer continuidade genética com as estru u
:onstruir

O Nota a , rodapé té c l.a t F o n » °


üadograma para os artrópodes de Burgess ( ri *a^ as, uma vez * de sur-
todas essas tentativas foram nitidamente ma _ Se 0 modelo do Hnha-
Possibilidades não convergem de maneira satis ,aracterísücas de ull'a -unidades
presas” estiver correto, e cada uma das pnncip um conjunto de P biema
gem se manifestar de forma independente a pa , Qs é rompí a embora
iatentes comum a todos, então a ligação entre qs comuns. ° bVia”L amente rela-
talvez se torne inabordável pelos métodos c características gen identif'car-
uma certa continuidade entre alguns conjun o _ -acjos serão dificel
oionadas possa muito bem existir, os traços ap

241
podes. Mas é possível que o saco de surpresas de Burgess ^ ggpé-
através dos filos. Talvez estruturas articuladas com uma jjjjji-
tica comum ainda não estivessem restritas aos artrópo es. ^ ^ 0
tada presença em grupos não implicaria um estreitore‘acl° ariedade
genealógico com os artrópodes mas apenas uma amp a g
de estruturas latentes e recrutáveis que ainda não respeitava
transponíveis fronteiras que posteriormente se estabelecer ^ ^ uja
os filos modernos. As mandíbulas de Wiwaxia (lembran brand°
dos moluscos) e o órgão alimentar de Odontogriphus osSjveis
0 lofóforo de diversos filos) nos vêm à mente como outra
características contidas no grande saco de surpresas. taxonO"
O modelo do saco de surpresas é um pesadelo para 0 or.
mista e um deleite para 0 especialista em evolução. Imagiu® c0lT1
ganismo constituído por uma centena de características ba con.
vinte formas possíveis por características. O saco de surp g em
tém uma centena de compartimentos com vinte fichas di e ç otn-
cada um. Para fazer uma nova criatura de Burgess o Gra ^ arra-
binador retira ao acaso uma ficha de cada compartimento e
as todas juntas. E voilà, a criatura funciona — e o número e
rimentos bem-sucedidos possíveis é quase tão grande Qaant° p eS.
melodias que podem ser feitas a partir de uma escala musical.
de os tempos de Burgess que o mundo não funciona mais dessa ^
neira. Atualmente o Grande Combinador utiliza diversos saC° bra.
ferentes — que trazem as etiquetas “ projeto do corpo dos verte
dos” , “ projeto do corpo dos moluscos” , “ projeto da estrutura
angiospermas” , e assim por diante. As fichas de cada compartu»®
são em número bem menor e poucas, se tanto, do saco 1 P° _
ser encontradas também no saco 2. O Grande Combinador ag
faz um conjunto muito mais ordenado de novas criaturas, iha
jovialidade e a surpresa de seus primeiros trabalhos não existem to» 1 ’
Ele não é mais o enfant terrible de um admirável mundo novo mu
ticelular, moldando Anomalocaris com uma pitada de artrópode’
Wiwaxia com um sopro de molusco e Nectocaris com uma mist«ra
de características de artrópode e vertebrado.
A história é velha e canônica. O jovem incendiário converteu s

(*) Eu exagerei para chegar ao ponto desejado. As regras de ordem e constUu*'


çao impregnam a natureza. Nem todas as combinações concebíveis podem
nar e nem todos os amalgamas podem ser formados dentro das limitações r e la » ^
ao desenvolvimento da embriologia dos metazoários. Recorrí a esta metáfora ape­
nas para expressar a amplitude enormemente aumentada das possibilidades de Burgess.

248
Porém, não e°t'° ° m senso e do design estável. A velha centelha,
dadeirarnentS &mteíramente apagada. De vez em quando algo ver-
da rígida he6 n° V° 'ntrodllz"se sorrateiramente dentro dos limites
lhor sobre e l ^ r f ' ^ a*vez sua vaidade natural tenha levado a me-
idéia de mant ^ Uem sa':)e e'e nao íonha sido capaz de suportar a
e não ter ne vT exce^ente Pe<?a em cartaz durante tanto tempo
roudocormr r ”1 Cron*sta Para admirar sua obra. Assim, ele reti-
bacias cerebrailmenl;0 ^ do saco dos Primatas a ficha para mais acro-
as cavernas d&1t 6 montou uma esPécie que seria capaz de pintar
decifrar o u- C, ascaux>modelar os vidros de Chartres e, por fim,
3r 3 hlst0” a de Burgess Shale.


M o srR A S » A L E C° M O UMA
REPRESEN TATIVA d o c a m b r ia n o

com preensão^ encanto de Burgess Shale reside num paradoxo da


da história ° Umana' Partes mais assombrosas e interessantes
sessenta c e'1V° 'vcrn as criaturas mais estranhas. Anomalocaris, com
suas m andl^T 6^ 08 de comPrimento e triturando um trilobito com
justificad 1 U ^ c*rcu*ares semelhantes a uma medusa, conquista
se no qUeaj!|ente as manchetes. Mas a mente humana precisa estribar-
de caráter ^ 6 familiar. Burgess Shale nos proporciona uma lição
tuais a re*" 6 mod^^ca completamente nossas concepções habi-
na trazeSPClt° *1’stdr^a da vida porque muitos aspectos dessa fau-
alimenta01 & n't^ a marca da convencionalidade. Suas criaturas
ntostra ,m' Se e movem-se da maneira usual; toda a comunidade
tico- ele comPreensível, em termos modernos, a um ecólogo prá-
dadès emeiU° S chave da fauna aparecem também em outras locali-
teihpos ,Ven^ camos flue Burgess representa o mundo normal dos
bia Britân'^'am':,r^an0 Cn**° Uma ^^zarra Sruta marinha da Colúm-
que *ongo de toda minha cronologia em cinco atos enfatizei
rados eSC° ^ erta de criaturas convencionais, crustáceos e quelice-
Pleta riVeindadeÍr0S era tao imPortante para uma interpretação corn­
ei >e Urgess Shale quanto a reconstituição das criaturas mais
m n ,.as’ fizermos agora um exame mais amplo e considerar-
te j a auna como um todo, como uma comunidade ecologicamen-
c i a T - al. veremos que este assunto ganha ainda maior relevân-
singularidade anatômica de Burgess adquire significado con-

249
através dos f i l o T T f QUe ° S3co de surPresas de Burgess esten^ né-
tica comum 3 Vez estruturas articuladas com uma base g
tada presença p a nao estivessem restritas aos artrópodes. Sua 1
genealógico m ü ! grupos nao implicaria um estreito relacionam®
de estruturas lato °tS artr°P °des mas apenas uma ampla varie
transponíveis fr C recrutáveis que ainda não respeitavam as
°s filos moderna.!1 !lr3S QUe Posteriormente se estabeleceram en
dos moluscos! ' - S mandíbulas de Wiwaxia (lembrando a r
0 iofóforo d e d iv í 0rg3° alimentar de Odontogriphus (lembra*»
características conTHS '*°S^ nos v^m a mente como outras PoSSlV
O modelo dn «! 3S i*0 grande saco de surpresas,
mista e um deleite n3C° surpresas é um pesadelo para o taxon
ganismo constituíHr.313 ° esPecialista em evolução. Imagine um 0
v)nte formas Po s s í l P° r Uma centcna de características básicas com
tém uma centena de n P° F características. O saco de surpresas co
cada um. p ara fazer ° mPartimentos com vinte fichas diferentes em
bmador retira ao a l a S * n° Va criatura de Burgess o Grande Co»'
as todas juntas. E v o ilr !* ^ f*cba de cada compartimento e amarr
•mentos bem-sucedido^3 Criatura funciona — e o número de exp
S " iasque Podem se r fenSSÍVeÍS é quase tão grande quanto o de
neira F^mPos de Burgess T 3S 3 part’r de uma escala musical.* P eS
ferent tUa*mente o G ra n ^ ° mundo não funciona mais dessa ma
dos3 o ' que trazem " í C° mbinador utiliza diversos sacos d*
angio'snePr°^et0 d° corpo . lquetas “ projeto do corpo dos vertebra
São8 e ^ n T 8’ ’ e as«m por din,0lUSCOs:’>“ P ^ e t o da estrutUr3 ^
ser encont m!f 0 bem menor 3nte' As fichas de cada compartimen
faz um c adas também n Fe poucas. se tanto, do saco 1 podem
jovialídacje g3nto muit0 mais 3C° 2- ° Grande Combinador agora
Ele "«o é Z?'O '" * * <fe J L " ado * novas criaturas, mas a
ticelular, mold° en^ant te r r ib h ^ r ^ ^ 0* trabalhos não existem mais-
Wiwaxia com ,f 3CÍ0 A n ornalOCa * Um admirável mundo nòvo mu '
de característica^ H°pr° de moluse C° m Uma Pitada de artrópode,

^ t° Vem incendiário converteu-se


(*) Eu exacerpi „
çâ° ™pregnara Ba n ‘.?,arache»ü- ao Do

nas para e x p ™ ‘° da « m b r i f e 1 ^ C a d , ? T C° ncebíveis P°dem fun‘


relati'
nteaumentaH gecorri a esta metáf
mada das possibilidades de
248
P0rèmPÓS~tOl° d° b ° m senso e do design
_____ estável. A velha centelha,
- .............................—
^deiramenf68^ *ntejramente apagada. De vez em quando algo ver-
da n'gida h &n° V° ’ntroc^uz"se sorrateiramente dentro dos limites
lhor sobre e l ^ n ^ a^vez sua va'dade natural tenha levado a me-
idéia de ma t .^ Uem sa':,e e*e nao tenha sido capaz de suportar a
e não ter ne"1 h* exce'ente Pe?a em cartaz durante tanto tempo
roudoconu)1 r*11 Cron*sta para admirar sua obra. Assim, ele reti-
bacias cerebrai iment° ' d° saco dos primatas a ficha para mais acro-
as cavernas (W 6 montou uma espécie que seria capaz de pintar
decifrar Q u- C. ascaux>modelar os vidros de Chartres e, por fim,
ar a hlst° n a de Burgess Shale.

A ^ o s t r a S o A L E COMO UMA
REPRESENTATIVA d o c a m b r ia n o

com preensão^ encant0 ®urgess Shale reside num paradoxo da


da história ° am ana' Partes mais assombrosas e interessantes
sessenta Vem as cr'aturas maís estranhas. Anomalocaris, com
suas m a n d ^ T 6^ 05 ^ comPr™ ento e triturando um trilobito com
justificada1 U &S C' rcu'ares semelhantes a uma medusa, conquista
se no que aS manchetes. Mas a mente humana precisa estribar-
de caráter ^ ^ *am^*a r• ®urgess Shale nos proporciona uma lição
tuais a r J 6 moc^'^ca completamente nossas concepções habi-
na trazeS^eit° ^ '1’st^r^a da vida porque muitos aspectos dessa fau-
alimenta01 & n^ ^ a marca da convencionalidade. Suas criaturas
mostra m SC e movem-se da maneira usual; toda a comunidade
tico- eleSC COmpreensiveí> em termos modernos, a um ecólogo prá-
dadès memOS c^ave da fauna aparecem também em outras locali-
tempóseHVeri^ Camos c*ue Burgess representa o mundo normal dos
bia t>_-. ^°.^ amdrían° e não uma bizarra gruta marinha da Colúm-
“ ntanica.
qUe s^r\ *°n®° de toda m inha cronologia em cinco atos enfatizei
fados eSC° ^ erta de criaturas convencionais, crustáceos e quelice-
P le ta ^ erdadeiros era tão importante para uma interpretação corn­
ei h ^ Ur®ess Shale quanto a reconstituição das criaturas mais
ntos aS ^*zermos agora um exame mais amplo e considerar-
te f 3 aUna com° um todo, como uma comunidade ecologicamen-
cia Uac*.0 na^ veremos que este assunto ganha ainda maior relevân-
singularidade anatômica de Burgess adquire significado con-

249
tra o pano de fundo da disseminação global e da ecologia conven
cional da fauna como um todo.

PREDADORES E PRESAS: O UNIVERSO FUNCIONAL


DOS ARTRÓPODES DE BURGESS

Briggs e Whittington publicaram, em 1985, um fascinante &


go resumindo suas conclusões a respeito dos hábitos de vida
ecologia dos artrópodes de Burgess (quase todas as monografias &
teriores feitas por eles haviam se concentrado nos aspectos an
micos e genealógicos). Juntando todos os artrópodes eles pu er
inferir uma variedade de comportamentos e formas de alimen a ^
comparável à das faunas modernas. Eles dividiram os gêneros
Burgess em seis grandes categorias ecológicas.
1 ) B e n to s p r e d a tó r io s o u q u e s e a lim e n ta m d e a n im a is ja^
to s . (Os organismos bentônicos vivem no fundo do mar e nao
dam ou o fazem muito pouco.) Este grande grupo inclui os tri 0 ^
tos e diversos dos gêneros “ merostomóides” — Sidneyia, Eme
delia , M o la r ia e H a b e lia (fig. 3.73D e F-K). Todos possuem apen° ma
corporais birremes, dotados de fortes ramos locomotores com ^
borda interna espinhosa no primeiro segmento e voltados para o
co alimentar em posição central. O canal alimentar (quando 1 enj;
— indi­
ficado) curva-se para baixo e para trás na altura da boca
cando que o animal fazia o alimento deslizar de trás para a reI? ^
como na maior parte dos artrópodes bênticos. Os fortes espm
sugerem que itens alimentares relativamente grandes eram cap u
dos ou retirados do corpo de animais já mortos e empurrados p
frente até serem levados à boca.
2) B e n to s d e t r ití v o r o s . (Os detritívoros extraem pequenas Par
tículas do sedimento, muitas vezes processando grandes quanti a^
des de lodo; eles apanham ou perseguem ativamente grandes i ej;
alimentares.) Diversos gêneros caem nesta categoria, o que é indi'
cado basicamente por espinhos fracos ou ausentes nas bordas inte
riores do sulco alimentar — C a n a d a s p is , B u r g e s s ia , W a p tia e M ar'
re lla , por exemplo (fig. 3.74D e F). A maioria desses gêneros prova­
velmente poderia andar pelo sedimento do fundo ou nadar
precariamente na coluna de água imediatamente acima.
3) N e c to b e n to s q u e s e a lim e n ta m d e c a d á v e r e s e, ta lv e z , p r c d a
tó r io s . (As criaturas nectobentônicas podem caminhar sobre o fun
do do mar ou nadar.) Os gêneros que pertencem a esta categoria

250
Branchiocaris e Yohoia (fig. 3.74D e F) — não eram primordial-
mente bênticos porque não possuíam apêndices birremes com for­
tes ramos locomotores. Yohoia possui três apêndices birremes na
cabeça mas o corpo provavelmente tem apenas membros unirremes
com ramos branquiais, usados na respiração e na natação; Bran­
chiocaris possui apêndices corporais birremes porém com ramos lo­
comotores curtos e fracos. A ausência de ramos interiores fortes nos
apêndices do corpo também sugere que esses gêneros não se alirnen-

3.73. Artrópodes de Burgess, todos desenhados na mesma escala de modo a mos­


trar suas dimensões relativas (Briggs e Whittington, 1985). A) Odaraia. B) Sarolro-
cercus. C) Aysheaia. D) Habelia. E) Alalcomenaeus. F) Emeraldella. G) Molaria.
H) Naraoia. I) Sidneyia. J) O trilobito Olenoides. K) O grande trilobito de corpo
mole Tegopelte.

251
3.74. Mais artrópodes de Burgess, todos desenhados na mesma escaa. ^ ^
t caris. B) Plenocaris. C) Leanchoilia. D) Branchiocaris. E) Marrella. F) o
Actaeus. H) Canadaspis. I) Waptia. J) Burgessia. Fonte: Briggs e Whitting o

tavam fazendo o alimento deslizar para frente a partir da região P


terior do animal. Ambos os gêneros, no entanto, possuem gra
apêndices na cabeça, com garras nas extremidades, e provave
te levavam diretamente à boca itens alimentares apanhados pe a pa
anterior do corpo. ,
4) Nectobentos detritívoros ou que se alimentavam de ca <t ^
res. Tal como os gêneros da categoria precedente, os membros
te grupo possuem apêndices corporais com ramos interiores ra
ou ausentes, sugerindo pouca locomoção e processamento de co
da a partir de trás; ramos exteriores mais fortes, para nataçao,
apêndices da cabeça que poderíam coletar alimentos diretamen •
Mas esses gêneros — Leanchoilia, Actaeus, Perspicaris e Plenocari
(fig. 3.74A-C e G) — não possuem garras fortes nas pontas dos ape^
dices anteriores e provavelmente não capturavam grandes itens ali­
mentares. Assim, considera-se que eram provavelmente detritívoros.
5) Nectônicos que se alimentam de material em suspensão. Es-

252
ta pequena categoria — consistindo em Odaraia e Sarotrocercus (fig.
3.73A-B) — inclui os animais de Burgess que eram verdadeiros na­
dadores. Esses gêneros ou não tinham ramos locomotores (Sarotro­
cercus) ou possuíam ramos internos curtos que não iam além da ca­
rapaça (Odaraia). Eles tinham os maiores olhos entre os artrópodes
de Burgess e ambos provavelmente procuravam pequenas presas,
alimentando-se por filtração.
6) Outros. Todas as classificações têm uma categoria residual
para membros incomuns. Aysheaia (fig. 3.73C) pode ter sido um
parasita, vivendo entre as esponjas e alimentando-se delas. Alalco-
menaeus (fig. 3.73E) possui fortes espinhos ao longo de todas as bor­
das interiores das pernas locomotoras e não apenas no primeiro seg­
mento, adjacente ao sulco alimentar. Briggs e Whittington conjetu-
raram que Alalcomenaeus pode ter usado esses espinhos para
apanhar algas ou para dilacerar carcaças.
Briggs e Whittington incluíram duas excelentes figuras-síntese
em seus artigos (figs. 3.73 e 3.74). Cada gênero é mostrado em seu
próprio hábitat e todos são desenhados na mesma escala — de ma­
neira que as substanciais diferenças do tamanho entre os gêneros
possam ser apreciadas.
Cada uma das seis categorias cruza as linhas genealógicas. O
conjunto cobre inteiramente uma série de papéis usuais nos mo­
dernos artrópodes marinhos. A grande disparidade anatômica entre
os artrópodes de Burgess não é, portanto, uma simples resposta
adaptativa a uma maior variedade de ambientes disponíveis nessa
época primitiva. O mesmo conjunto básico de oportunidades de
alguma maneira fez surgir originalmente uma amplitude muito
maior de experimentação anatômica. O mesmo mun o eco ogico,
respostas evolutivas muito diferentes, esta situaçao e ine o emg
ma de Burgess.

A ECOLOGIA DA FAUNA DE BURGESS

Em 1986, um ano após sua monografia sobre Wiwaxia, Svmon


Conway Morris publicou uma outra espécie de superprodução
— uma abrangente análise ecológica de toda a comum a e e ur
gess. Ele começou apresentando alguns fatos e a ° s in eressan es-
Em Burgess Shale foram coletados cerca de 73 300 especimes em
33 520 lajes. Noventa por cento deste material esta em Washington,
na coleção Walcott; 87,9% desses espécimes são animais e quase todo

253
o restante é constituído por algas. Catorze por cento dos a
possuem esqueletos conchosos; os demais têm corpo mo e. _
A fauna contém 119 gêneros e 140 espécies; 37% desses ^
ros são artrópodes. Conway Morris identificou os dois princl
elementos da fauna: 1) Uma esmagadora maioria constitui a _
bentos e por espécies que viviam próximo ao fundo, que f° ra^
vados para dentro de uma bacia estagnada pelo deslizamento ^
do. A partir da grande quantidade de algas, que necessitava ^
luz para a fotossíntese, Conway Morris inferiu que esses org
mos viviam originalmente em águas rasas, provavelmente co
nos de noventa metros de profundidade. Ele deu a este compon ^
o nome de grupo Marrella-Ottoia, em homenagem aos animais ^
comuns dentre os que andavam sobre o substrato (o artrópode
r e lla ) e d e n t r e o s q u e f a z i a m t o c a s ( o v e r m e p r i a p u l í d e o O t t o t o ) - ^
Um grupo muito mais raro de criaturas que nadavam permanen ^
mente na coluna de água acima da bacia estagnada e que se depo ^
taram junto aos animais transportados pelo deslizamento
Conway Morris chamou este componente de grupo
Oclontogriphus, em homenagem a duas de suas estranhas criatur •
Ele descobriu que os gêneros de Burgess, apesar de suas ana
m i a s b iz a r r a s e dispares, caem dentro das categorias c o n v e n c i o n
quando classificados segundo o hábitat e a forma de alimentaÇ '
Ele reconheceu quatro grandes grupos: 1) Animais que coletaJ0o/0
material depositado para se alimentar (a maioria artrópodes) ' .
do total de indivíduos; 25-30% dos gêneros. (Esta categoria mc
Marrella e Canadaspis, os dois animais de Burgess mais comun >
sendo este o motivo da alta representação em termos de indivíduo
2) Animais que se alimentavam engolindo material depositado
maioria moluscos comuns dotados de partes duras) — 1% do®111
víduos; 5% dos gêneros. 3) Animais que se alimentavam de m » '
rial cm suspensão (na maioria, esponjas, que retiram o alimento
retamente da coluna de água) — 30% dos indivíduos; 45% dos ge'
neros. 4) Carnívoros e animais que se alimentavam de cadáveres (u
maioria, artrópodes) - 10% dos indivíduos; 20% dos gêneros. ^
O saber tradicional, com suas tendências progressistas e sua ic®
nografia do cone de diversidade crescente, tem considerado as c°
munidades do Cambriano menos especializadas e menos comple*a*
do que suas sucessoras. As faunas do Cambriano têm sido caracte
rizadas como ecologicamente não-especializadas, com espécies
ocupavam grandes nichos. Julgou-se que a estrutura trófica teriasl
do simples, com o predomínio de organismos que se alimentava^1

254
e detritos e do material em suspensão e que os predadores fossem
raros ou estivessem inteiramente ausentes. As comunidades foram
leconstruídas com amplas tolerâncias ambientais, grandes distribui­
ções geográficas e fronteiras difusas.
Conway Morris não subverteu totalmente essas idéias tradicio­
nais a respeito de um mundo relativamente simples. Ele realmente
encontrou uma complexidade comparativamente pequena na capa­
cidade de ataque e de manobra dos predadores de Burgess: “ Parece
Plausível que o grau de sofisticação nos estilos de predação (busca
e ataque) e de defesa tenha sido substancialmente menor do que o
existente em faunas do Paleozóico, mais jovens” (1986, p. 455).
Todavia, sua mensagem básica tornou a ecologia de Burgess
Shale mais convencional e mais semelhante aos mundos de perío­
dos geológicos posteriores. Quando a comunidade completa pôde
s e r a v a l i a d a a p a r t ir d e s e u s e l e m e n t o s d e c o r p o m o l e , v e z e s e v e z e s
seguidas Conway Morris encontrou maior riqueza e complexidade
do que anteriormente se julgara possível. Os organismos que se ali­
mentavam de detritos e de material em suspensão realmente domi­
navam o cenário mas seus nichos não se sobrepunham de maneira
ampla, com todas as espécies simplesmente sorvendo tudo de co­
mestível que estivesse ao alcance da vista. Ao contrário, a maioria
d o s o r g a n i s m o s e r a m especializados em determinados tipos e tama­
nhos de alimentos, num ambiente nitidamente delimitado. Os ani­
mais que se alimentavam de material em suspensão não absorviam
todas as partículas em todos os níveis da coluna de água; tal como
nas faunas posteriores, as várias espécies estavam dispostas em ca­
madas, formando agrupamentos com interações complexas. (Ao se
disporem em camadas, as várias formas se especializam, restringindo-
se aos níveis inferior, médio ou superior da coluna de água à medi­
da que a comunidade se diversifica.) O mais surpreendente de tudo
é que os predadores desempenhavam um papel importante na co­
munidade de Burgess. Este nível superior da pirâmide ecológica es­
tava completamente ocupado e ativo. A disparidade das formas pri­
mitivas não poderia mais ser atribuída às reduzidas pressões de um
mundo fácil, desprovido da competição darwiniana da luta pela exis­
tência e, portanto, aberto a qualquer engenhoca ou experimento frau­
dado. A fauna de Burgess, sustenta Conway Morris, “ mostra ine­
quivocamente que a estrutura trófica básica da vida marinha meta-
zoária foi estabelecida no início de sua evolução” (1986, p. 458).
Conway Morris chegara à conclusão de que as coisas que Briggs
e Whittington haviam demonstrado em relação ao modo de vida dos

255
ar ropo es eiam igualmente válidas para toda a ecologia de Burgess.
i.Cf<D n ° eco^®*co de Burgess Shale havia sido bastante nor­
ma . ode-se afirm ar” , escreveu Conway Morris, ‘‘que a estrutu­
ra a comunidade do Leito Filópode não era essencialmente dife-
rente a de muitas faunas mais recentes de organismos de corpo mole
o a eozóico” (1986, p. 451). Por que, então, o ‘‘jogo evolutivo”
esses tempos primitivos era tão diferente?

b u r g e ss c o m o u m a f a u n a m u n d ia l p r im it iv a

Nada estimula de maneira tão eficaz a atividade científica quan­


to o êxito. A excitação gerada pelos recentes trabalhos a respeito
e urgess Shale levaram a uma explosão do interesse pelas faunas
e. organismos de corpo mole e pela história da vida multicelular
primitiva. Burgess Shale é uma pequena pedreira da Colúmbia Bri­
tânica, que se depositou nos tempos do Cam briano Médio, após a
ce ebre explosão do Cambriano Inferior. Enquanto esta fauna per­
manecesse geograficamente restrita e temporalmente limitada a um
mero momento após o evento principal, Burgess Shale não podería
contar uma história que fosse aplicável a toda a vida. O desdobra­
mento mais empolgante da década passada, que continuou e pros­
seguiu em ritmo ainda mais acelerado enquanto eu escrevia este li-
vr°, está na descoberta dos gêneros de Burgess em todo o mundo
e em rochas ainda mais antigas.
O primeiro acréscimo, e o mais óbvio, ocorreu perto do local
vel f tU<*° começou- Se um deslizamento de lodo num talude instá-
oc ° ? ° U Burgess, então muitos outros deslizamentos devem ter
ale n em re®*°es udjacentes e mais ou menos ao mesmo tempo;
lins11^ MVem tCr S* ^ ° p r e s e r v a d °S - Conforme já vimos, Des Col-
esses ° ■ Seu Real de Ontário, liderou os esforços para encontrar
ranteCC1U1Va*enteS Rurgess e brilhantemente bem-sucedido; du-
de umaSdemPOraC*aS co*eta de 1981 e 1982, Collins encontrou mais
de tr' UZia eciu*va^enI;es de Burgess em áreas situadas num raio
reunir1 & C,ud° metros do sítio original. Briggs e Conway Morris
(V eia^111^ 6 a CClu‘pe de campo em 1981 e Briggs retornou em 1982.
e Collins T 9 8 8 ^ : ^°*^ns’ Briggs e Conway Morris, 1983; e Briggs

BureessSaFi0Ca*'^a^ eS ad‘ci°nais nao são meras cópias carbono de


aüentp 3S cont^m basicamente os mesmos organismos mas fre-
emente em proporções muito diferentes. Um novo sítio, por

256
exemplo, não conta com a presença de Marrella — de longe a espé­
cie mais comum na pedreira original de Walcott. O campeão ali é
Alalcomenaeus, uma das criaturas mais raras do leito filópode, com
apenas dois espécimes. Collins também encontrou algumas espécies
novas. Sanctacaris é particularmente importante, como já foi dito,
por ser o primeiro artrópode quelicerado conhecido. Outro espéci­
me, uma das criaturas estranhas, ainda não foi descrito; trata-se de
“ um animal coberto de espinhos, com pernas peludas e afinidades
desconhecidas” (Collins, 1985).
Acima de tudo, Collins havia complementado a descoberta ca­
nônica de Walcott com coisas tão importantes como uma maior di­
versidade e a possibilidade de se fazer comparações. Suas localida­
des adicionais incluem cinco agrupamentos de fósseis suficientemente
distintos quanto ao número de espécies e suas proporções relativas
para serem considerados agrupamentos diferentes. Significativamen­
te, esses sítios adicionais incluem quatro novos níveis estratigráfi-
cos — todos temporalmente próximos ao leito filópode, sem dúvi­
da, mas mesmo assim nos dando a crucial informação de que a fau­
na de Burgess representa uma entidade estável e não um momento
atípico durante uma primitiva orgia de transformações evolutivas
que nunca mais voltou a se repetir.
Embora sejam basicamente organismos de corpo mole, algu­
mas poucas espécies de Burgess possuem partes do corpo ligeiramente
endurecidas que podem se fossilizar em circunstâncias comuns
sobretudo os escleritos de Wiwaxia e os apêndices alimentares de
Anomalocaris. Há muito que se tem conhecimento da presença des­
ses elementos em sítios de diferentes épocas e distantes entre si. Mas
uns poucos fragmentos não formam um agrupamento de fósseis.
A fauna de Burgess, na condição de uma entidade mais coesa, atual­
mente já foi reconhecida fora da Colúmbia Britânica, em agrupa­
mentos de fósseis de organismos de corpo mole em Idaho e Utah
(Conway Morris e Robison, 1982, sobre Peytoia-, Briggs e Robison,
1984, sobre Anomalocaris] e Conway Morris e Robison, 1986). Es­
ses agrupamentos de fósseis contêm cerca de quarenta gêneros de
artrópodes, esponjas, priapulídeos, anelídeos, medusóides, algas e
organismos desconhecidos. A maioria ainda não foi formalmente
descrita mas cerca de 75% dos gêneros também estão representados
em Burgess Shale. Muitas espécies que já foram conhecidas apenas
por um momento no tempo e um ponto no espaço agora têm uma
ampla distribuição geográfica e uma duração razoavelmente está­
vel. Escrevendo sobre o priapulídeo mais comum de Burgess, Con-

257
way Morris e Robison registram a “ notável extensão geográfica e
estratigráfica do que antes fora uma ocorrência singular [...] Ottoia
prolífica estende-se pela maior parte do Cambriano Médio (15 mi­
lhões de anos?), período durante o qual ele apresenta alterações mor-
fológieas mínimas” (1986, p. 1).
Mais excitante ainda foi a descoberta de muitos elementos de
Burgess em sedimentos mais antigos. Burgess Shale data do Cam­
briano Médio; a famosa explosão que deu origem à vida moderna
ocorreu pouco antes, no Cambriano Inferior. Nós desejaríamos ar­
dentemente saber se a disparidade existente em Burgess foi alcança­
da imediatamente, no centro da explosão propriamente dita.
Mesmo antes das descobertas mais recentes, já existiam umas
poucas indicações positivas, notavelmente alguns elementos seme­
lhantes às criaturas de Burgess encontrados na fauna Kinzers, cons­
tituída por organismos de corpo mole do Cambriano Inferior, des­
cobertos na Pensilvânia, e por um animal estranho e suspeito cole­
tado na Austrália e descrito em 1979 como um verme anelídeo.
Então, em 1987, Conway Morris, Peel, Higgins, Soper e Davis pu­
blicaram uma descrição preliminar de uma fauna completa de orga­
nismos semelhantes aos de Burgess, encontrada na Groenlândia e
datando da metade para o fim do Cambriano Inferior. Tal como
se dá no caso de Burgess, a fauna é dominada por artrópodes não-
trilobitos. A criatura mais abundante, com cerca de 1,3 centímetros
de comprimento, possui uma carapaça bivalve semicircular; a maior,
com aproximadamente quinze centímetros, assemelha-se ao trilobi-
to de corpo mole Tegopelte, encontrado em Burgess. As coleções
existentes são insatisfatórias e a área é, como dizemos no ramo, “ de
difícil acesso” . Mas Simon visitará o local no próximo ano e pode­
mos esperar algumas novas aventuras intelectuais. Nesse meio tem­
po, ele e seus colegas fizeram algumas observações cruciais, confir­
mando que o fenômeno de Burgess ocorreu durante a explosão cam-
briana propriamente dita: “ A extensão da amplitude estatigráfica
de pelo menos alguns taxa semelhantes aos de Burgess até o começo
do Cambriano também sugere que eles foram parte integrante da
diversificação inicial dos metazoários” (1987, p. 182).
No ano passado, meu colega Phil Signor, sabendo de meu inte­
resse por Burgess, enviou-me uma cópia de um trabalho de um co­
lega da China (Zhang e Hou, 1985). Não pude ler o título porém
o nome em latim saltou-me aos olhos — Naraoia. Embora as publi­
cações chinesas sejam notórias pelas fotografias ruins, as ilustrações
que acompanhavam o trabalho mostravam um inequívoco trilobito

258
bivalve de corpo mole. Um elemento fundamental de Burgess fora
encontrado a meio mundo de distância e, muito mais importante,
Zhang e Hou dataram esse fóssil como sendo da parte inicial do Cam-
briano Inferior.
Uma criatura é tantalizante; para tirar conclusões seguras, po­
rém, precisamos de faunas completas. Tenho o prazer de relatar —
pois esse promete ser o achado mais fascinante desde a própria des­
coberta original de Walcott — que desde então Hou e seus colabo­
radores publicaram mais seis trabalhos sobre a nova fauna encon­
trada por eles. Se o gênio da minha fábula anterior (ver p. 65) tives­
se voltado cinco anos atrás e me oferecido uma fauna no estilo de
Burgess Shale em qualquer outro tempo e lugar, eu não poderia ter
feito uma escolha melhor. A fauna chinesa está a meio mundo de
distância da Colúmbia Britânica — demonstrando assim a natureza
global do fenômeno de Burgess. Mais importante ainda, as novas
descobertas parecem datar do início do Cambriano Inferior. Relem­
bre a anatomia geral da explosão cambriana: um período inicial, cha­
mado tomotiano, com partes e fragmentos enrijecidos e sem trilo-
bitos — a “ pequena fauna conchosa” ; em seguida, a principal fase
da explosão cambriana, chamada atdabaniana, marcada pelo apa­
recimento dos trilobitos e de outras criaturas cambrianas conven­
cionais. A fauna chinesa é da segunda zona de trilobitos da fase at­
dabaniana — justo no centro e perto do próprio início do principal
estouro da explosão cambriana!
Hou e seus colaboradores descrevem um rico e bem preservado
conjunto de fósseis, incluindo vermes anelídeos e priapulídeos, di­
versos artrópodes bivalves e três novos gêneros de organismos com
o corpo de forma “ merostomóide” (Lou, 1987a, 1987b e 1987c; Sun
e Hou, 1987a e 1987b; Hou e Sun, 1988).
O fenômeno de Burgess, portanto, remonta ao início da explo­
são cambriana. Num relato preliminar, baseado numa datação con-
fessamente incerta, Dzik e Lendzion (1988) descrevem uma criatura
parecida com Anomalocaris e um trilobito de corpo mole encontra­
dos em estratos da Europa Oriental situados abaixo do primeiro apa­
recimento dos trilobitos comuns. Não podemos ter mais dúvidas de
que Walcott encontrou produtos da própria explosão cambriana em
seus estratos da Colúmbia Britânica ligeiramente posteriores. Em­
bora a disparidade encontrada na fauna de Burgess seja bastante
espantosa para uma época apenas trinta ou quarenta milhões de anos
após o início do Cambriano, não podemos considerar a grande va­
riedade de formas de Burgess como resultado de um processo regu­

259
lar de acumulação durante esse período relativamente curto. A prin­
cipal arrancada ocorreu bem no início do Cambriano Inferior — e
provavelmente produziu toda a ampla variedade de organismos en­
contrados em Burgess, se a fauna chinesa mostrar-se tão rica quan­
to sugerem os relatos preliminares. A fauna de Burgess Shale repre­
senta um período de estabilização ligeiramente posterior para os pro­
dutos da explosão cambriana. Mas o que causou a dizimação ulterior
e o conseqüente padrão da vida moderna, caracterizado pela exis­
tência de grandes lacunas entre ilhas de ampla diversidade no âmbi­
to de designs anatômicos limitados?

OS DOIS GRAND ES P R O B LE M A S D E BU RGESS SH A LE

A revisão de Burgess Shale coloca dois grandes problemas a res­


peito da história da vida. Eles se dispõem simetricamente em torno
da própria fauna de Burgess, um anterior e o outro posterior. Pri­
meiro, como foi possível — especialmente à luz das nossas concep­
ções usuais acerca da evolução, encarando-a como um fenômeno
grandioso — que essa disparidade surgisse tão rapidamente? E, se­
gundo, se a vida moderna é resultado da dizimação de Burgess, quais
aspectos da anatomia, que atributos da função e quais alterações
ambientais determinaram quem iria vencer e quem estava condena­
do a perecer? Em suma, primeiro a origem e, depois, a sobrevivên­
cia e a propagação diferenciadas.
Para a teoria evolutiva, o primeiro problema é, sob muitos as­
pectos, mais interessante. Como, em nome de Deus, tal disparidade
pôde surgir, qualquer que tenha sido o destino de seus espécimes?
O segundo problema, porém, é o tema deste livro, pois a dizimação
da fauna de Burgess suscita uma questão crucial a respeito da natu­
reza da história da vida. Meu experimento fundamental de fazer cor­
rer novamente a fita da vida começa com a fauna de Burgess intacta
e procura saber se um ato independente de dizimação a contar do
mesmo ponto de partida iria produzir alguma coisa parecida com os
mesmos grupos e a mesma história que o nosso planeta tem testemu­
nhado desde o máximo de disparidade orgânica atingido em Burgess.
Assim, irei contornar desavergonhadamente o primeiro problema, mas
não sem apresentar um breve sumário das possíveis explicações, ain­
da que mais não seja porque um aspecto da solução em potencial tem
muito a ver com esse segundo problema da extinção diferencial.

260
A O R IG E M D A F A U N A D E B U R G E SS

Existem três grandes tipos de explicação evolutiva para a ex­


plosão que conduziu à disparidade de Burgess.
O primeiro é convencional e tem sido aceito — em grande par­
te faute de mieux — em quase todas as discussões publicadas. Os
dois últimos possuem pontos em comum e representam tendências
recentes no pensamento evolutivo. Não tenho muitas dúvidas de que
uma explicação completa envolvería aspectos das três atitudes.
1) O primeiro enchimento do barril ecológico. Na teoria darwi-
niana convencional, os organismos propõem e o ambiente dispõe.
Os organismos fornecem a matéria-prima na forma de variação ge­
nética que se expressa através de diferenças morfológicas. Dentro
de uma população, em qualquer tempo, essas variações são peque­
nas e — mais importante para a teoria básica — não-direcionadas.*
A modificação evolutiva (ao contrário da simples variação) é pro­
duzida por forças de seleção natural provenientes do ambiente ex­
terno (tanto condições físicas como interações com outros organis­
mos). Como os organismos proporcionam apenas a matéria-prima
e como essa matéria-prima quase sempre tem sido considerada sufi­
ciente para todas as modificações que se processem de acordo com
os ritmos darwinianos, caracteristicamente lentos, o ambiente
transforma-se no motor que regula a velocidade e a extensão das
alterações evolutivas. Segundo a teoria convencional, portanto, as
taxas máximas da explosão cambriana devem indicar que havia al­
guma coisa estranha nos ambientes daquela época.
Então, quando nos perguntamos que peculiaridade ambiental
podería ter engendrado a explosão cambriana, uma resposta óbvia
nos vem de imediato à mente. A explosão cambriana foi o primeiro
enchimento do barril ecológico da vida multicelular. Foi uma época
de oportunidades inigualáveis. Quase todas as formas de vida po-

(*) Os manuais de biologia falam em variação “ ao acaso” . A rigor isto não


é correto. As variações não são ao acaso no sentido literal de serem igualmente pro­
váveis em todas as direções; os elefantes não têm nenhuma variação genética para
a produção de asas. Mas o sentido expresso pelo termo “ acaso” é crucial; não há
nada que predisponha o sistema genético dos organismos a produzir variações adap-
tativas. Se as condições ambientais passarem a favorecer os organismos menores,
as mutações genéticas não começarão a produzir variações voltadas para uma dimi­
nuição de tamanho. Em outras palavras, a variação em si não possui nenhum com­
ponente direcional. A seleção natural é a causa das modificações evolutivas e a va­
riação orgânica apenas a matéria-prima.

261
diam encontrar seu lugar ao sol. A vida estava se irradiando para
os espaços vazios e poderia proliferar em progressão logarítmica,
tal como uma célula bacteriana numa placa de ágar. Na efervescên­
cia e agitação desse período inigualável, a experimentação imperou
pela primeira e última vez num mundo praticamente desprovido de
competição.
Na teoria darwiniana, a competição é o grande regulador. Dar-
win, metaforicamente, via o mundo como uma tora com 10 mil
cunhas firmemente cravadas ao longo de sua extensão, representando
as espécies. Uma nova espécie só poderia entrar nesse mundo su­
perlotado insinuando-se por uma fenda ou deslocando uma outra
cunha. Assim, a diversidade é auto-reguladora. À medida que a ex­
plosão cambriana prosseguiu ela se completou, enchendo a tora com
cunhas. Todas as alterações posteriores ocorreríam por um proces­
so mais lento de competição e substituição.
Esta perspectiva darwiniana também nos remete a uma óbvia
objeção ao modelo do barril vazio como causa da explosão cam­
briana. Apesar de a vida ter sofrido algumas terríveis extinções em
massa após o Cambriano — a débâcle do Permiano pode ter ani­
quilado 95% ou mais de todas as espécies marinhas — o fenômeno
da explosiva disparidade de Burgess jamais voltou a ocorrer. Em­
bora seja verdade que a vida voltou a diversificar-se rapidamente
após a extinção do Permiano, não houve o surgimento de nenhum
filo novo; todos os recolonizadores de uma Terra esvaziada perma­
neceram dentro dos limites dos designs anatômicos anteriores. Não
obstante, os mundos do começo do Cambriano e do pós-Permiano
eram crucialmente diferentes. Embora 5% talvez não seja uma taxa
elevada de sobrevivência, nenhum modo de vida e nenhuma função
ecológica básica foram inteiramente eliminados pela débâcle do Per­
miano. A tora permanecia ocupada, muito embora as cunhas tives­
sem se tornado mais largas ou mais distanciadas umas das outras.
Mudando de metáfora, todas as grandes esferas permaneceram no
barril e apenas os seixos dos interstícios necessitaram de uma recar­
ga completa. O barril do Cambriano, por outro lado, estava com­
pletamente vazio; a tora estava incólume, sem nenhum golpe de um
lenhador ou arranhão feito pelo canivete de um amante (veja Er-
win, Valentine e Sepkoski, 1987, para um interessante desenvolvi­
mento quantitativo deste raciocínio geral).
Esta visão convencional tem sido aceita em praticamente toda
a literatura relativa a Burgess — não como um argumento ativo ex­
plicitamente apoiado pelas evidências de Burgess mas como um tri-

262
buto que todos nós prestamos de boa-fé às explicações tradicionais
quando fazemos um comentário marginal a respeito de um assunto
que no início não despertou nossa atenção. “ Competição menos se­
vera” tornou-se a senha da interpretação. Whittington, por exem­
plo, escreveu:
H avia provavelmente alimento e espaço abundantes nos diversifica­
dos ambientes que inicialmente foram sendo ocupados por esses no­
vos animais, e a competição era menos severa do que nos períodos pos­
teriores. Nessas circunstâncias, diversas combinações de característi­
cas podem ter sido possíveis, enquanto estavam sendo desenvolvidas
novas form as de captar os estímulos sensoriais dos arredores, de ob­
ter alimento, de fazer a locom oção, de constituir as partes duras e de
com portam ento (por exemplo, predação e utilização da carcaça de ou­
tros animais na alim entação). É assim que podem ter surgido estra­
nhos animais que não se encaixam em nossas classificações, dos quais
alguns remanescentes podem os ver em Burgess Shale (1981b, p. 82).

Conway Morris também apoiou esta visão tradicional. Em res­


posta à minha defesa de alternativas pouco convencionais, ele
escreveu-me o seguinte: “ Acho que a diversidade ecológica obser­
vada talvez se deva às condições ecológicas [...] Assim, talvez a ex­
plosão cambriana possa ser considerada um gigantesco exemplo de
‘libertação ecológica’ ” (carta de 18 de dezembro de 1985).
Este argumento é simplesmente demasiado sensato para ser ig­
norado. Não tenho a menor dúvida de que o “ barril ecológico va­
zio” foi uma das principais causas da disparidade de Burgess, e que
tal explosão nunca teria ocorrido num mundo já apinhado. Toda­
via, nem por um minuto cheguei a pensar que as condições ecológi­
cas externas pudessem explicar todo o fenômeno. Minha principal
justificativa para este corajoso sentimento está na escala dos acon­
tecimentos. A explosão cambriana foi demasiado grande, diferente
e exclusiva. Eu simplesmente não posso admitir que, se os organis­
mos sempre tiveram a capacidade potencial para esse tipo de diver­
sificação — embora apenas a ecologia peculiar do Cambriano Infe­
rior chegasse a permitir sua realização —, nunca, nem mesmo uma
só vez, houvesse surgido um novo filo desde os tempos de Burgess.
Sim, é verdade que o mundo nunca mais voltou a ficar tão vazio,
mas algumas situações localizadas aproximaram-se razoavelmente
disso. Que dizer de uma nova porção de terra que emerge do mar?
E quanto às ilhas de proporções continentais quando são pela pri­
meira vez invadidas por novos grupos? Embora não sejam grandes
barris, trata-se pelo menos de tigelas bem razoáveis. Tenho de acre­

263
ditar que, nos tempos do Cambriano, os ambientes e os organismos
eram diferentes, e que a explosão e a posterior fase de tranqüilidade
se deveram tanto a uma mudança no potencial orgânico quanto a
condições ecológicas modificadas.
Ultimamente tem aumentado a popularidade de idéias acerca
de organismos desempenhando papéis assim tão ativos no encami­
nhamento dos rumos de suas próprias modificações evolutivas (e não
meramente fornecendo a matéria-prima para o motor da seleção na­
tural), à medida que os padrões rigidamente limitados do darwinis-
mo convencional cedem sua preponderância absoluta, embora con­
servando uma grande e justificada influência. A evolução é uma dia­
lética do interior com o exterior e não um quadro em que a ecologia
empurra uma estrutura maleável em direção a um conjunto de posi­
ções adaptativas num mundo bem azeitado. Duas importantes teo­
rias, expostas a seguir, atribuem um papel mais ativo à estrutura
orgânica.
2) Uma história direcional para sistemas genéticos. Na visão dar-
winiana tradicional, as morfologias possuem histórias que restrin­
gem seus futuros, embora o material genético não “ envelheça” . Di­
ferenças nas taxas e nos padrões de mudança constituem respostas
de um substrato material inalterável (os genes e seus efeitos) às va­
riações ambientais que reajustam as pressões da seleção natural.
Mas talvez os sistemas genéticos realmente “ envelheçam” no
sentido de se tornarem “ menos propensos a perdoarem uma grande
reestruturação” (para citar uma frase de J. W. Valentine, que refle­
tiu cuidadosamente a respeito deste problema). Talvez os organis­
mos modernos não possam gerar uma rápida sucessão de designs
fundamentalmente novos, quaisquer que sejam as oportunidades eco­
lógicas.
Não tenho nenhuma sagaz sugestão acerca da possível nature­
za desse “ envelhecimento” genético; peço, simplesmente, que con­
sideremos tal alternativa. No ritmo explosivo em que aumentam nos­
sos conhecimentos a respeito do desenvolvimento e da mecânica da
ação genética, dentro de uma década deveremos ter os fatos e as
idéias necessários para embasar tal concepção. Valentine menciona
algumas possibilidades. Os genomas do Cambriano eram mais sim­
ples e mais flexíveis? Os genes primitivos apresentavam menos inte­
rações com outros genes? A evolução de múltiplas cópias para mui­
tos genes, cópias que então divergiram para dar origem a uma va­
riedade de funções afins, amarrou os genomas em teias de interação
que não podiam ser facilmente rompidas? Os organismos primitivos

264
se desenvolveram com uma tradução mais direta dos genes para o
produto, permitindo a tais criaturas permutar e alterar separada­
mente os seus componentes? E, mais importante, será que a maior
complexidade e estereotipagem do padrão de desenvolvimento que
vai do ovo ao organismo adulto não puseram um freio no potencial
de alterações de grande magnitude? Por ora não podemos ir muito
além dessas sugestões toscas e preliminares.
Todavia, posso apresentar um bom argumento contra nossa jus­
tificativa usual para rejeitar essas idéias em favor do convencional
controle pelo ambiente externo. Quando os evolucionistas chamam
atenção para o fato de que diversas linhagens não-relacionadas apre­
sentam a mesma resposta ao mesmo tempo, eles em geral têm por
certo que alguma força externa à genética dos organismos provo­
cou a resposta comum (pois os sistemas genéticos são muito desse­
melhantes e uma pressão similar vinda de fora parece ser a única
causa comum plausível). Sempre consideramos que as criaturas res­
ponsáveis pela explosão cambriana tinham pouquíssimas afinidades
entre si. Afinal de contas, elas incluem representantes de quase to­
dos os filos modernos, e que coisas poderíam ser mais diferentes
umas das outras do que um trilobito, uma lesma, um braquiópode
e um equinodermo? Esses designs morfológicos eram tão diferentes
no Cambriano quanto o são hoje, de maneira que damos como cer­
to que os sistemas genéticos eram igualmente dessemelhantes — e
que o vigor evolutivo comum a todos os grupos deve, portanto, ter
registrado a pressão externa da oportunidade ecológica.
Este argumento, porém, pressupõe a velha concepção de uma
longa e invisível história do Pré-Cambriano para criaturas que de­
senvolveram esqueletos durante a explosão cambriana. A descober­
ta da fauna pré-cambriana de Ediacara, com a forte possibilidade
de que este primeiro conjunto de fósseis multicelulares talvez não
tenha dado origem aos grupos modernos (veja pp. 366-7), sugere
que todos os animais do Cambriano, a despeito da disparidade de
formas, podem ter divergido não muito antes a partir de um ances­
tral comum do final do Pré-Cambriano. Se isto ocorreu — se eles
ficaram separados apenas por um curto período de tempo — todos
os animais cambrianos podem ter sido portadores de um mecanis­
mo genético muito similar em virtude do seu tempo estritamente li­
mitado de vida independente. Nenhum vínculo é tão forte quanto
os laços de herança. Em outras palavras, a resposta similar dos or­
ganismos de Burgess pode refletir a homologia de um sistema gené­
tico em grande parte ainda conservado em comum e ainda bastante

265
flexível, e não apenas a analogia da resposta a uma pressão externa
comum. É claro que a vida teve necessidade do impulso externo da
oportunidade ecológica, mas sua capacidade de resposta pode ter
indicado uma herança genética comum, agora dissipada.
3) Diversificação inicial e posterior fecham ento como uma pro­
priedade de sistemas. Meu amigo Stu Kauffman, da Universidade
da Pensilvânia, desenvolveu um modelo para demonstrar que o pa­
drão de Burgess, caracterizado por rápida disparidade máxima se­
guida pela posterior dizimação, é uma propriedade geral dos siste­
mas, que pode ser explicada sem a necessidade de uma hipótese es­
pecial a respeito de uma competição inicial mais branda ou de uma
história direcional para o material genético.
Considere a seguinte metáfora. O palco da vida é uma paisa­
gem complexa, com milhares de picos de alturas diferentes. Quanto
mais elevado o pico, maior o êxito — medido em termos de valor
seletivo, complexidade morfológica ou por qualquer outro critério
que você preferir — dos organismos que estão sobre ele. Espalhe
ao acaso uns poucos organismos iniciais sobre os picos dessa paisa­
gem e deixe que eles se multipliquem e troquem de posições. As mo­
dificações podem ser grandes ou pequenas, embora estas últimas não
nos interessem aqui, já que não produzem nenhum novo plano de
organização do corpo e permitem apenas que os organismos elevem-
se um pouco mais no pico onde já se encontravam. As oportunida­
des para o aparecimento de novos planos de organização corporal
surgem com os saltos maiores, bem mais raros. Os saltos grandes
podem ser definidos como aqueles que levam um organismo para
tão longe do seu antigo lar que o novo panoram a não guarda ne­
nhuma relação com o antigo. Os grandes saltos são extremamente
arriscados mas proporcionam uma enorme recompensa para aque­
les que obtêm sucesso. Se você aterrissa num pico mais alto do que
aquele onde se encontrava, você prospera e se diversifica; se aterris­
sa num pico mais baixo ou num vale, você está liquidado.
Agora nós perguntamos: com que freqüência um salto grande
é bem-sucedido (produzindo um novo plano de organização do cor­
po)? Kauffman demonstra que a probabilidade de êxito é no início
bastante alta mas logo cai e chega a praticamente zero — tal como
na história da vida. Este padrão condiz com nossa visão intuitiva
do problema. As poucas espécies iniciais são espalhadas ao acaso
pela paisagem. Isto significa que, em média, metade dos picos são
mais altos e metade mais baixos do que aqueles em que os organis­
mos se encontravam antes. Assim, o primeiro grande salto tem uma

266
chance de sucesso de aproximadamente 50%. Agora, porém, as es­
pécies que triunfaram ocupam alguns dos picos mais elevados que
a média — e a porcentagem daqueles picos que ainda são mais altos
que a média diminuiu. Após alguns poucos saltos bem-sucedidos não
restam muitos picos altos desocupados e a probabilidade de uma es­
pécie saltar de um pico para outro cai acentuadamente. De fato, se
os saltos longos ocorrerem com razoável freqtiência, todos os picos
altos serão ocupados logo no início do jogo e ninguém terá mais
nenhum lugar para onde ir. Assim, os vitoriosos cavam trincheiras
e a evolução produz sistemas desenvolvimentais tão ligados aos seus
picos que, mesmo que surja uma nova oportunidade, as espécies não
poderão mais mudar. Portanto, tudo que lhes resta é aferrar-se ain­
da com mais força a seus picos ou morrer. Trata-se de um mundo
penoso e muitas espécies encontram o último destino — não porque
a ecologia é uma tora darwiniana repleta de cunhas firmemente fin­
cadas mas sim porque mesmo extinções ao acaso deixam espaços
agora inacessíveis a todos.
Kauffman pôde até mesmo quantificar o rápido declínio das
possibilidades de se fazer um salto bem-sucedido. O período de
espera até o próximo pico mais elevado dobra após cada salto vi­
torioso. (Stu contou-me que existe uma montanha de dados rela­
tivos a desempenhos atléticos mostrando que quando um recorde
é quebrado o tempo médio até a próxima quebra é multiplicado
por dois.) Se o primeiro êxito necessitou em média de apenas duas
tentativas, o décimo exigirá mais de mil. Dentro de pouco tempo
não há, na prática, nem mesmo uma única chance de conseguir
um lugar melhor, pois, embora o tempo geológico seja grande, ele
não é infinito.

A DIZIMAÇÃO DA FAUNA DE BURGESS

O padrão descritivo da disparidade de Burgess e da posterior


dizimação basta para impor uma grande mudança em nossas con­
cepções tradicionais a respeito da história da vida. Isto acontece por­
que a nova iconografia (veja a fig. 3.72) não apenas altera mas in­
verte completamente o convencional cone de diversidade crescente.
Em vez de um começo limitado e da ocorrência de limites de varia­
ção cada vez mais amplos com o decorrer do tempo, a vida multice-
lular alcança sua amplitude máxima logo no início e a dizimação
posterior deixa apenas uns poucos designs sobreviventes.

267
Por mais notável que seja, porém, a iconografia invertida não
tem por si mesma um impacto revolucionário porque não exclui a
possibilidade de voltarmos a recorrer à convencionalidade. Lembre-se
do que está em jogo! Nossa mais preciosa esperança para a história
da vida, uma esperança da qual relutaríamos ao máximo em abrir
mão, envolve os conceitos de progresso e previsibilidade. Uma vez
que a mente humana surgiu tão tarde e, portanto, corre o risco de
precisar ser interpretada como uma acidental reflexão tardia num
peculiar jogo evolutivo, nós somos estimulados a fincar pé com fir­
meza em nossas posições e postular que toda a vida anterior seguiu
uma ordem sensata na qual estava implícito o surgimento da cons­
ciência. A maior das ameaças está numa história constituída de nu­
merosas possibilidades, todas passíveis de serem compreendidas após
o fato mas cada uma delas totalmente imprevisível no princípio —
e com apenas um (ou pouquíssimos) caminho levando a alguma coisa
semelhante a nossa sublime condição.
A disparidade de Burgess e a dizimação que se seguiu consti­
tuem um pesadelo que configura a pior hipótese possível para essa
esperança de uma ordem inevitável. Se a vida começou com um pu­
nhado de modelos simples e a partir daí teve um curso ascendente,
qualquer experimento que consistisse em fazer correr novamente a
fita da história da vida a partir do punhado de organismos originais
seguiría o mesmo curso básico, embora diferente nos detalhes. To­
davia, se a vida começou com todos os seus modelos presentes e cons­
truiu uma história posterior a partir de apenas uns poucos sobrevi­
ventes, então nos vemos diante de uma possibilidade perturbadora.
Suponha que apenas alguns fossem triunfar mas que todos tivessem
as mesmas possibilidades de consegui-lo. A história de qualquer con­
junto de sobreviventes faria sentido, porém cada um deles nos leva­
ria a um mundo inteiramente diferente daquele produzido por qual­
quer outro conjunto. Se a mente humana for produto de apenas um
desses conjuntos, então talvez nós não tenhamos evoluído aleato­
riamente, no mesmo sentido do ato de se atirar uma moeda para
cima. Nosso advento, ao contrário, seria produto de poderosas con­
tingências históricas e nós provavelmente nunca voltaríamos a sur­
gir mesmo que se pudesse fazer correr novamente milhares de vezes
a fita da história da vida.
Podemos, contudo, despertar deste pesadelo — com um sim­
ples e óbvio argumento convencional. Certo, as extinções em massa
ocorreram e apenas uns poucos designs originais sobreviveram. Não

268
precisamos, contudo, supor que as extinções tenham sido lances de
azar. Suponha que os sobreviventes tenham sobrevivido por seus pró­
prios méritos. O início do Cambriano foi uma fase de experimenta­
ção. Deixe um punhado de engenheiros remendões se encarregarem
de um trabalho e a maioria dos resultados não valerá nada: os per­
dedores de Burgess estavam destinados à extinção por causa de suas
constituições anatômicas defeituosas. Os vencedores eram melhor
adaptados e tinham a sobrevivência assegurada pela sua superiori­
dade darwiniana. Que importância tem se o início do Cambriano
eliminou uma centena ou um milhar de possibilidades? Se apenas
meia dúzia revelaram-se suficientemente adaptadas para triunfarem
num mundo penoso, então essas seis iriam dar origem a toda a vida
subseqüente, não importando quantas vezes se fizesse correr nova­
mente a fita da vida.
Essa idéia de sobrevivência determinada pela capacidade ana­
tômica ou pela complexidade — “ maior aptidão competitiva” , no
jargão técnico — tem sido a explicação favorita, praticamente nun­
ca contestada, para a redução da disparidade de Burgess e, na ver­
dade, para todos os episódios de extinção da história da vida. Esta
interpretação convencional está firmemente ligada à visão conven­
cional de que a origem da disparidade de Burgess foi o enchimento
de um barril ecológico vazio. Um barril vazio é um local generoso
e complacente. Ele contém tanto espaço que até mesmo um ostensi­
vo desastre de design anatômico pode enfiar-se numa fenda e
agüentar-se lá sem precisar enfrentar a competição com os meninos
maiores que possuem uma anatomia superior. A festa, porém, aca­
ba logo. O barril enche-se e todos são atirados no redemoinho da
competição darwiniana. Nesta “ guerra de todos contra todos” , os
ineficazes sobreviventes dos tempos mais suaves logo desaparecem
para sempre. Apenas os poderosos gladiadores vencem. Polegares
para cima para a boa anatomia!
Você lerá esta interpretação em livros didáticos, em artigos pa­
ra revistas de divulgação científica e até mesmo no Yoho National
Park Highline, o boletim informativo do parque nacional que abri­
ga Burgess Shale (edição de 1987). Sob a manchete “ Os fósseis de
Yoho têm significado mundial” , é dito que: “ Os primeiros animais
se instalaram num ambiente destituído de competição. Posteriormen­
te, formas de vida mais eficientes passaram a dominar, apenas para
serem suplantadas repetidas vezes à medida que as condições se al­
teravam e a evolução seguia seu curso” . E quando, em 1988, o Ser­
viço de Parques Nacionais do Canadá publicou a primeira brochu-

269
mais de Burgess Sha^ ” ? S ^*sse's ma^s famosos do seu país (“ Ani-
estão fora dos limit ^ h 6^ S escreveram que todas as criaturas que
saída evolutivos destí hS ^ ° S rnoc^ernos “ parecem ser becos sem
Ihor adaptados nu as a serem substituídas por organismos me-
Até recente S eflcientes” -
safiado essa cômoda vi ^ ^ tT^ ngton e seus colegas não haviam de-
grafia sobre Wiwaxia 1Sa0 *St° ^az mu^to sentido. Em sua mono-
famente os dois cenárirfT exemplo>Conway Morris reuniu explici-
causa da disparidade se** radicionais ~ enchimento do barril como
subsequente extinção- ^U* ° de severa competição como causa da
É Possível que adi v e jf. .
rsponibilidade de u m P Ça° tenha sido simplesmente um reflexo da
veis de competição w f a^° ec°lógico quase vazio e com baixos ní-
vanedade de pianos de o r™ ?ossibilitado a evolução de uma grande
caPazes de sobreviver no[8an!?aÇa0’ dos quais apenas alguns foram
competitivos com o decor anV 6nteS que se tornavam cada vez mais
Briggs disse a m ° t6mp° 8eológico (1985, p. 570).
gação científica france^: ^ a° S leit0res de uma revista de divu1'
Essa diversidade t
cns a Uma fase anterior ao n™reS1^ tado de uma ausência de competi-
se r a °S,mares do Cambriano T C 1I?leat0 de todos os nichos ecológi-
ram s! amente, sem dúvida nr, maíoria desses artrópodes extinguiu-
stituídos por outros mTu16 ° S ardmais menos adaptados fo-
Whittington també adaptados (1985’ p‘ 348)’
brevivência e superioridadleS? a equiparaÇão automática en-
As subseqüentes e , adapta‘iva:

f0r^
",od» ® e, ”X M
emtetrM^ T ar por, adM
i Plel0ra
podemde(er
■ »TOuiiado
« * * * » »,

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Conway Morris e . ’ nhecemos
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c°mo filos (1980,
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SUplantados no
no <de

o e s d e r e l a t n __ rece ser dP • Após a irrad iarão a,
t’®Sde relativamemeCe Ser de sucesso eApÓS a irrad'aÇão do (
r°S 8rUpos (1979, p PS s ®upo, à e u s m T 0 no número
■P- 133). d custa da extinção dem

270
descrifivPa 1VraS tem Uma influência sutil. Frases Que pretendemos
Embo aS denunciam nossas noções de causa e significado último.
tar ra eu desconfie que nesse trecho Simon e Harry pensavam es-
“ de ? CnaS delineando um padrão, considere o peso de frases como
reu e ln,ad° S a ser suplantados” e “ à custa de” . Sim, a maioria mor-
Corne a ®,Uns Proliferaram. Nossa Terra sempre operou de acordo
escolh’HnnC1P*° C*Cque mu^ os sao convocados e apenas uns poucos
rece 1 y?S 9 s™ Ples padrão de vida e morte, no entanto, não ofe-
os n Indicio de que os ganhadores sobrepujaram diretamente
qUantr edores. As causas da vitória são tão variadas e misteriosas
gem ° S qUatro fenômenos considerados tão maravilhosos que fo-
nos a° nosso entendimento (Provérbios 30:19) — o vôo da águia
em T 118’ ° rastei ar da cobra no rochedo, a navegação de um barco
a u eno mar e o caminho de um homem junto a uma jovem. Os
a $ , entos 9ue propõem a superioridade adaptativa como base para
cínio eVlVenc’a correm o risco de incorrer no clássico erro do racio-
a Clrcular. A sobrevivência é um fenômeno a ser explicado e não
dos” a ’ lpso f acto’ de que os sobreviventes eram ‘‘melhor adapta-
Eda há° ^Uê aque*es due morreram. Esta questão vem sendo deba­
tem t(£ nia*S de Um s^cul° Pelos adeptos da teoria darwiniana. Ela
cos f mesmo um nome — o “ argumento tautológico” . Seus críti-
to. ,lrmam que o lema “ sobrevivência dos mais aptos” é uma tau-
e a ,gla seni sentido porque a aptidão é definida pela sobrevivência,
6 ínição da seleção natural reduz-se a um vazio “ sobrevivência
OS s°breviventes” .
este C° nhece‘se o caso de criacionistas que chegaram a apresentar
j rêumento como uma suposta refutação da evolução (Bethell,
um ’ <V6^a 3 minha resposta em Gould, 1977) — como se mais de
már*61^ 0 -^6 C0leta de dados Pudesse ser destruído por um erro pri-
soln ~ 6 1ÓgÍca srlogística. Na verdade, o suposto problema tem uma
aPtid~° faCÍI’ Uma que 0 PróPrio Darwin aceitou e apresentou. A
da a a,° ~~ peste contexto, maior adaptação — não pode ser defini-
desaf ° S ° fat0 pe,a sobrevivência, mas pode ser prevista antes do
Port 10 3través de uma análise da forma, da fisiologia ou do com-
rer arPento. Como argumentou Darwin, o veado que pudesse cor-
ü ™ais raPido e por mais tempo (conforme indicado por uma aná-
Prob°h ° SS0S’ das arílculações e dos músculos) deveria ter uma maior
res f bllldade de sobrevivência num mundo de perigosos predado-
ns maior taxa de sobrevivência é uma previsão a ser testada e
uma definição de adaptação.
sta condição aplica-se de forma exatamente igual à fauna de

271
Burgess. Se Quisermos afí
varam os melhores d e i' 1Fmar ? ue as extinções de Burgess preser-
mento poderia ser p r e v /f ^ 6 ej 'm*naram aqueles cujo desapareci-
brevivência como nrnvl °a ent^° nao Poderemos utilizar a mera so-
P>°> ter a capacidade ri 6 vj*Per.*?r*dade- Precisamos, em princí-
reconhecimento de sua p & identificar os vencedores através do
Petitiva. O ideal seria ef C'a anatômica ou superioridade com-
em seus dias de glória m pudessem° 8 “ visitar” a fauna de Burgess
C10nar as espécies d e s S ? SM elementos prosperavam, e sele-
vantagem estrutural definível sobrev'vência Por meio de alguma
77

mos f°rçados aadmitiam!* &fauna de Burgess, porém, sere-


na grande dizimação n« w 030 dlspomos do menor indício de que,
j^ente inferiores, em t e r m ^ ^ 5 dos Perdedores eram sistematica-
reviver. Qualquer um n n l * aptativos, aos dos que lograram so-
ato ter ocorrido. 4 nnm„ /lnVentar uma história plausível após
aior dos predadores do Ca °?ans’ por exemplo, apesar de ser o
Q rfs' ^ssim, eu poderia nano’ nao veio a ser um dos vence-
fun ra' nozes>incapaz de fedfaUme^tar.que sua singular mandíbula
sa rp°|laVa mais por eonstricãn inteiramente e que provavelmente
> ealmente não era tão ad? d° QUe arrancando pedaços da pre-
tenK Vw n a[UUldas
l d duac
de e t í r *......1™ 4qua“t0
ani° as mandíbulas
" - a u L u l L conven-
H S oi 'l “?
Z « " » • « honesSmem
l enfrenta^ h o n e s S ? ^q" e !“56 juntam
iuMam como
“ " o tenazes. Mas
Maiocaris t i v o e c » e n t e a situacãn nnneto c „ nnni,a mie
earíamos ^ tlVesse sobrevivido & SltUaçao °P ° sta. Suponha que
Anomai en.tados a dizer sem 6 prosPerado. Nesse caso não fi-
eionavamT-*5 Sobreviveu porauqUa quer indicação adicional, que
vo para?n °,bem? Sendo ass?m S~as peculiares mandíbulas fun-
nas qUe es„nSlderar A nomai0cari' ^ ° . haveria então nenhum moti-
d e, a c o n t e c e r T c ^ ^ ^ P a r e c e u ^ o ^ 0 a ° fr a c a s s o - E u se i a p e’
À ^ d id a\ CuT asnr°eSsa Própna espéde' ^ ° U maÍS ^

sas fantásticas ma 'entes sistemas de .1,.eraçao Pela integridade ana-


Cm “p r 2 aVllbas- Eles cote" memaÇâ0 e locom°Ção des'
as especiaiiZaçõ f'V° s ’ e a esf0rçar^ aram a falar cada vez menos
0981a) sobre a ca»HnCl0nais dos anin^ -maÍS 6 mais para identificar
espinhos defe de Odaraia ™ T de Burgess - veja Briggs
re a Presumível m a í' W iw a x i° e WhhT^ M° rrÍS (1985) sobre 05
maneira Pela q u a U ^ ; 0" * Briggs (1985) so-
nalocaris nadava. Eles es-
creveram menos acerca de perdedores previsíveis e mal adaptados e
Principiaram a reconhecer que não sabemos a razão de Sanctacaris
fer Primo de um grande grupo moderno e Opabinia uma lembrança
•mobilizada no interior de uma pedra. Os artigos posteriores falavam
cnda vez mais em sorte. Briggs acrescentou uma cláusula à sua asser
j*°» citada anteriormente, a respeito de sobrevivência devido a me
mor adaptação: “ [...] e também, não há dúvida, porque certas espe-
cies foram mais afortunadas do que outras” (1985, p. 348).
Todos os três cientistas também começaram a enfatizar — com
Um ci&ro sinal de interesse e não uma admissão de derrota no es o
9° Para ordenar os animais de Burgess segundo o valor a ap a iv
~~ a questão de que um observador contemporâneo não teria si
CaPaz de selecionar os organismos que estavam destina os 30
cesso. Whittington referiu-se a Aysheaia como um primo ern P°
ciai dos insetos, a maior de todas as histórias de sucesso mu tice u
Olhando para o futuro a partir dos tempos de Búigess Shale■teri '
difícil prever quais seriam os sobreviventes. Aysheaia, es
lentamente em torno de colônias de esponjas, difici men e . jq
fia a impressão de ser o ancestral dos formidáveis conquis
ambiente terrestre, os miriápodes e os insetos (198 , P-
no
C o n w a y M o r r is e sc r e v e u q u e ‘‘u m o b se r v a d o r h ip o té tic ’
a m b r ia n o , p r e s u m iv e lm e n te n ã o teria m e io s d e p re izer e.
re 0 s m e ta z o á r io s p r im itiv o s e sta v a m d e stin a d o s a o su e jg_
n etlc° . n a fo r m a d e p la n o s d e o r g a n iz a ç ã o co r p o r a ó u n985,
cera m , e q u a is o s q u e e sta v a m c o n d e n a d o s a e x 13 , racio c í-
p ; 572 ). E le a se g u ir c o m e n to u e x p lic ita m e n te o s perig
/ i r e u l a r . S u p o n h a q u e a m a n d íb u la d e
3 rá d u la d o s m o lu s c o s e q u e o s d o is g r u p o s, n a q u a t ^ orga.
P r o x im o s, re p r e s e n ta sse m p o s s ib ilid a d e s a lter n a tiv a s m e os
P ism os d e B u r g e ss. D e s d e q u e o s w iw a x íd e o s e sa nQS se n tjr
"'oluscos sobreviveram e se diversificaram, poderíam ^ ^
entados a argumentar que o ciclo de muda os dos moluscos.
3os eficiente do que o contínuo crescimento acie tivessem so-
odavia, Conway Morris admitiu que se o s W1 propor um ar-
revivido e os moluscos sido eliminados, e e po mu(j a:
Snmento igualmente bom acerca das vantage ^ ^ enContra-
Não obstante, o crescimento através de nuic*. £ QS nematodos, sendo
do numa série de filos que inclui os artr°P° tã0 entre os mais bem-
que esses dois últimos grupos possive me . por jsso, se voltásse-
sucedidos dentre todos os filos de metaz

273
Pudesse novampnfm°* ° 3 permitir 9ue a diversificação dos metazoários
briano, parece m &ravessar os imites entre o Pré-Cambriano e o Cam-
corpo que surai«SS1Ve pueos bem-sucedidos planos de organização do
sem incluído o. 3 ? frbr dessa arrancada inicial da evolução tives-
A ss. waxideos em vez dos moluscos (1985, p. 572).

ram com a v i s ã o ^ ^ arquitetos da revisão de Burgess com eça-


força de adaptação01™6 3 -3011^ de Cpie 0S ven cedores triunfaram à
pom os de nenhum i r l d ^ ^ maS acabaram co n clu in d o que n ão dis-
fe lm e n t e m e lh o r . A o c n n ^ í 3^ ? ° SUcesso a um design previ-
forte intuição de a u e ° C° atrar*0, tod os os três desenvolveram uma
riam sido capazes de a° S ° servadores do tem p o de Burgess n ão te-
Pode ter sido uma um a ant'1
a n r 0 f^ ^ üí)
° S v'toriosos.
v'torioso s. A
A dizimação
d izim ação de Burgess
Uma guerra entre os n. Est*
r T !f3 ^ ^oteria
^0teria e não
nao o0 resultado previsível de
nato re os Estados Unido, o
nato nacional de beiseh &i a-S ^ n^dos e Granada ou de um campeo-
kees de Nova Yorlr P °! Tdlsputado entre o time de 1927 dos Yan-
H°je podemos a n ° ° b° ken Has'Beens.
te trabalho de documenT^- Par comPleto a importância do pacien-
ton e seus colegas r e c o n ^ 0 d° S artróP°des de Burgess. Whitting-
nização do ^corpo Ou
u tp o. Q t r— am cerca de 25 planos básicos de orga-
n aatn
oem -su ced id o s, in
bem-sucedidos, inclu
clXinddoo “ ‘u u
er3m n g em aa ggrupos
° rÍgem r u p o s eextremamente
x tr e m a m e i
‘ T o d o s o T o Z . n* 0 * anÍmaÍS d1o m in
• a n te s em n o s s o mundo
m un
Todavia, co m ex c eç ã o d o ! d esa p a receram sem d eix a r d e sc e n d ê n c
ats°breviver possuíam a F' ° b ’t o s ’ ca d a u m d o s g r u p o s q u e v
nenb SS6S a n im a is n ã o esta63aS Um ° U d o is rep resen ta n tes em B
eficien f13 m a n d r a e o n h e c i d a T d l StÍnados a o s u c e sso a tra v és
de BmteS ° U m ais Versáteis d o ^ n a ° eram m a is a b u n d a n te s, m
um an g es! POderia de a t u m T ° S ° U tro s- C o m o u m ob serv a c
P o r ™ 3! COnh ecid o a p a r tir d ° rm a ter s e le c io n a d o Sanctacai
n a carar.n a° ap ostar n a delicad a p en a s m e ia d ú z ia d e espécirm
das nadad?a da cab e?a ? p 0r a arrelia, c o m seu s v a sto s e sp in l
Plexos a n ê 1^ caudais? p or ^ e n a o em Odaraia, c o m su a s dei;
nenhum a .3 1CeS C o n ta is? p 0r n a° em Leanchoilia, co m seu s co
se PossTve i r 10 extrav a g a m e L a " 6 0 8 0 n a ^ « " o s i Sidneyia, s
que o / e; t faZ! r a Ata da * £ * !Ud° n o lu g a r ce r to ? ^ f
dores? Q U e a ° Poderia resultar nu atf . ° S te m p o s d e B u r g e ss, i
Ventes não esta & e Se n o s dias de b ” ! d ife r en te c o n ju n to d e v en
br°s birremes ^ Presasa°sPadrõe^0^ aS linhagens sobr£
para um a in vasão haM e apr° P r ia d o s L 6 d e se n v o lv im e n to d e mc
m un do alternativo em ' Sucedid a d o am h-3 3 Vld& n a á g u a m aS 1
P o ssiv elm en te n s m ,b len te terrestre. A s s im , e
0 teria n e n h u m m o s q u ito ,

274
últinÜ.8rÍ1?,.e ner,huma mosca — e também nenhuma abelha e, em
g anallse> nenhuma linda flor.
ger t a m b ^ 3 CSta ^ uestao para a^ m dos artrópodes afim de abran-
em Bu 601 a<^ue^as criaturas singularmente estranhas encontradas
^ n n d o ^ 68^' ^ ° r ^ Ue nao OPab‘nia ou Wiwaxial Por que não um
lugar d 6 Cr^lvoros marinhos raspadores dotados de escleritos em
mu n d o ^ C° nc^ as d °s caracóis? Por que não Anomalocaris e um
para a ° Predadores marinhos com membros anteriores próprios
qUe não31^ ^ C Uma mandíbula semelhante a um quebra-nozes? Por
é sugadoUm ^teven Spielberg em que um rude marinheiro
esmagad ^ entro da ^oca cilíndrica de um monstro marinho c
a sune f'°- entamente por múltiplas carreiras de dentes que cobrem
o i n w ICIe interna de uma boca circular e estendem-se bem para
Não" ° eSÔf3g° ?
loteria p Sa^emos com certeza se a dizimação de Burgess foi uma
êozavam ? ntu^ 0’ nao temos nenhum indício de que os vencedores
tem pos CsuPenor,dade adaptativa ou de que um observador con­
tes. Tud ne° pu<^esse ter apontado antecipadamente os sobreviven-
n° g ra f ° ° aprendemos com as melhores e mais detalhadas mo-
Perded(^S anat° m*cas da paleontologia do século x x indica que os
tante apto* ^ ^ Ur®ess eram adequadamente especializados e bas-

f0rm^ ^ que a dizimação assemelhou-se a uma loteria trans-


dicai a 3 n° Va icono®rafia de Burgess Shale num ponto de vista ra­
dico e s t^ r 3 d°.S caminhos da vida e da natureza da história. Eu de-
Qtte a C *Vr° ^ exPl°raÇão das conseqüências deste ponto de vista.
nessa fn° S?a P°^re e improvável espécie possa encontrar satisfação
o mg raS*üdade e boa sorte recém-descobertas! Qualquer um com
Pelo i ^ Senso de aventura ou com o mais débil e hesitante respeito
p0r unteIecto não trocaria de bom grado o velho conforto cósmico
obsta0?3 °!|ladela em algo tão fantástico e maravilhoso — e, não
n e> tão real — quanto Opabinial

275
4
r, A VISÃO DE WALCOTT
A N a t VREZA d a h i s t ó r i a

UMA N° ™ b io g r á f ic a

Doolittle AA/ol
a sombra projetada d alcott tivesse sido um homem comui
tão grande e seu erro b T -6 6 S° bre ^urgess Shale não se mostrai
mos dentro dos gruDoc S1C° de ^orçar a inclusão dos novos organ
uma nota de rodané 1^ °° .e,CÍdos talvez não merecesse mais do q
í r ü n W o . e poderosr>QS a*cott f°i um dos cientistas mais <
m do mais, sua i n f l u í ^ ^ ° S p stad°s Unidos jamais produz
Perspectiva profundam ent^ apoiava' se de modo evidente em ui
^ a e da moralidade. Assimonservadora e tradicional a respeito
as razões para seu firme a r ,'Se pudermos compreender as comp
soclaS adquirir uma comnrepê°~a Calçadeira de Burgess talvez p<
!? e conceituais à inova de Caráter geral dos obstácu
° nome de Walcot Ça° científica.
cia noTtPCSSOaS que têm alguma f016 nã° é muito conhecido, mesi
PúmS r ' r ericana- Toda8v T s i r Uaddade com a história da ci'
história da 3Penas nossa conce ef aparec”nento da consciên
lia?ão in co ríelíd ; Uma atitude ^ e ^ f ° Samente enviesada
Nós valoriza da lmP°rtância tlcamente assegura uma a

transforma-se r° ' Assim> a geneal SCobertas — muito justifi


ÜOm idéias excitares ''elaÇão w°noló Pr° gresso intelect
utes que vêm a ser ™ ê,.Ca’ de Precursores, pess<
n 'rmadas numa avaliação p
276
terior — mesmo que estes cientistas não desfrutassem
influência enquanto estavam vivos e não tivessem exercí
impacto sobre a maneira pela qual sua ativida e era Pra . .
bora possamos nos lembrar, por exemplo, de regor ’ seu
brilhantismo de seus insights, alguém poderia aigume gm
trabalho pouco influenciou a história da genetica ^ . f0_
última análise, como um marco e um símbolo. ^ uas c serem
ram ignoradas na época e passaram a ter influencia s
redescobertas por outros. . • a „ rons-
Este estilo de avaliação curiosamente prospectivo ^
ciência futura aqueles poderosos cientistas que, em.su ^ ad o
ca, dominaram um campo do conhecimento e po e ontos
centenas de carreiras ou milhares de conceitos 3 servl :nm rretos.
de vista convencionais que posteriormente se ^ os.ra* _ t„ dinâ-
Todavia, como poderemos compreender a ciência^ d remQS fo.
mica social sem levar em conta essas pessoas. ignorarmos
cahzar de forma adequada os solitários mova , { vam? Charles
0 contexto dominante da oposição que eles e , ns assim
D o o l i t t l e é um dos melhores exemplos de um ^ ^ S i g á . e l ,
negligenciados — um grande geóíogOrUm p e s q m ^ o r i hierarquia
Um grande sintetizador e uma tonte central P essência, um
social da ciência norte-americana, mas que não era,
inovador intelectual. . .inia outra cau-
A obliteração da memória de Walcott tem al" . itárjos e pes-
Sa>centrada num paradoxo. Muitos professore atividades ad-
Quisadores, entre os quais me incluo, abomina , inistradores).
ministrativas (embora não tenham nada contr &vicja é curta
Embora se trate obviamente de uma atitu e eS° e incom-
e nao deve ser desperdiçada atolando-nos em m ^ mai0ria dos
Petência — as duas conseqüências experimen a ^ v isto qUÊ são
acadêmicos que se aventuram na seara adrain]' S,-Ja(je administrativa
os acadêmicos que escrevem a história, a 311 sem suas institui-
recebe pouco destaque. Mas o que seria da cie bolado em geral
Ções? A despeito dos mitos românticos, o ge
não realiza muita coisa sozinho. . •stradores são dupla-
Para piorar as coisas, os grandes a minl os aCadêmicos
mente expungidos da história — primeiro, P’ ão das institui-
raramente optam por escrever sobre a a n*1 administrativas
Ções científicas; e, segundo, porque as ha 11 competentes ou de-
Produzem invisibilidade. Os administra ores os debaixo dos
sonestos são destituídos desonrosamente e se

277
ministrada é um flui 6 0 os' ^ marca de uma instituição bem ad-
desembaraçado nua * SUaVe quf d á a impressão de ser espontâneo,
me do presidente de s au^ omí*t'co- (Quantos de vocês saberão o no-
do Por desfalque?) Os^d anC° ’ 3 menos que ele tenha sido indicia'
nhecidos por seus suh & ynin*stradores são evidentemente muito co-
abordar o chefe em h ° r 1Pl.ados e beneficiários — pois precisamos
e dinheiro, que caracm*" daqueles fav°res, sob a forma de espaço
Mas o nome de um born^H1" &S questues cotidianas das academias,
sagem pelo poder & rnin'strador morre ao encerrar-se sua pas-

*°go, ele foi um a d m i n k ? ^ 6 ^ a^cott tenha sido um excelente geó-


mas décadas de sua vida ra , ainda melhor. Durante as duas últi-
sou Burgess Shale Walont?Cf Umd° todo 0 Pen °do em que pesqui-
mstituições científicas d™ c 01 0 ma*s Poderoso administrador de
0 Instituto Smithsonia ° T'Stados Unidos. Ele não dirigiu somente
também um dedo seu — ò 6 9,°7 &té a sua m orte>em 1927; houve
de Washington ligado às hor>um punho — em todo figurão
os Presidentes, de Theodnr 1p dades científicas. Ele conheceu todos
Umamente.* Ele foi uma L ° SCVClt a Calvin Coolidge, alguns in-
ra persuadir Andrew Carr,S pnnc*Pais pessoas que concorreram
selhoN8t0n' Traba,h°u junto a'W tx>^ dai ° Instituto Carnegie, em
d aci°nal de Pesquisa P r • 0odr°w Wilson para criar o Con-
Ele flePc*as e da Sociedade * 01.presidente da Academia Nacional
tribum também um Pioneiro d ! nCanapara ° Progresso da Ciência.
Para estimular e facilit aVlaçao nos Estados Unidos e con-
sum ^a hab7^fSempenb°u^odos e 863 desenv^vimento.
tuto Smitb 1 ldade- Entre aqueiP, SSCS papéls c°m elegância e con­
de Walcott80^ 110’ há Praticamp ^ COnhecem a história do Insti-
tre a gestão d mT ° ° melbor secreta" 6 U.m consenso na identificação
!°n Ripiey ° seph Henry fu 7 ° do período compreendido en-
te- O conciso^ êem° adlninistratN r d° Instituto, e a de S. Dil-
c°tt relativa a Umán° existente no r ^ Se aposentou recentemen-
vida na casa d an° de ‘^20 n o Z ' ™ 1 da parte do diário de Wal-
a s a d ° * s e t e n t a , n o a U g e T * : i° n a U m a b o a i d é i a d e s u a
SA0U atualmente secr ,, . de Seu poder:
ademia Naciona] de
SmÍthsoniano , presidente da
(*) Talvez 0 d 1 Cnte d° Comitê Executivo do

Roosevelt^pQ,.’oca*!^^6^ ^ ^ de Walcott, no Instituto


rtC acidental claTe " l PeSSOal Aviada a Walcott por
se8unda esposa de Walcott.
278
Para a A ait!es!e’ Washington, presidente do Comitê Consultivo
Par dis ■ eronaut'ca--- Embora a carga seja excessiva não é fácil esca-
aupr „ S° c,Uanc*° se está inteiramente imerso nas atividades de qual-
Muer organização.

Eles nasc°^ra^ a ^ a^cott ®a história de sucesso norte-americana.


York, n u GU f01 e cr*a<^° perto de Utica, estado de Nova
eolas públj13 am i^ a P °ucos recursos. Walcott feqüentou as es-
Çados (emh35 ^ ^ Ca mas nunca obteve um título de estudos avan-
tada com ° r3 SUa carre‘ra viesse a ser posteriormente abrilhan-
Va numa jnUmerosos doutorados honorários). Enquanto trabalha-
ern direção260^ 3 *°Ca^’ e^e co*etou trilobitos e deu o primeiro passo
esPécimes° ^ Uma carre*ra científica profissional vendendo seus
dos. (EstS h' °'U^S A8ass*z’ 0 maior naturalista dos Estados Uni-
íerior trab í u ^ ' 3 encerra um a perfeita ironia a respeito do pos­
sua co lec'3 ° C° m ^ urgess- Agassiz elogiou Walcott e comprou
^ ê n d ic e s ^ P° rc*U? ^ aicott havia encontrado pela primeira vez
via reconh e.tr’*°^*to s- Sua descoberta foi possível porque ele ha-
a Presenc a PreservaÇão tridimensional dos fósseis e notara
cott em rei e~pernas P °r bajxo da carapaça. A maior falha de Wal-
m° se f0 C 3Ça° 3 ^ urgess>Porém, foi ter tratado esses fósseis co-
Cadeou &SSeni [ ° ^ as achatadas, ao passo que W hittington desen-
ses espécimVlS)° m o^ erna 30 revelar a estrutura trimensional des-

Cott efetu°rte dC Agassiz>em 1873, destruiu as esperanças de Wal-


ele inicio 3r estUc*os Armais de paleontologia em Harvard. Em 1876,
logo o f U jUa carreira científica como assistente de James Hall, geó-
de Levà^3 d° esfacf° de Nova York. Ingressou em 1879 no Serviço
campo ntamento Geológico dos Estados Unidos como geólogo de
movido' ° <Jar®° mafs baixo da carreira. Em 1894, já havia sido pro-
de seu & lref°r >c°nduzindo com firmeza a instituição e retirando-a
c°nstrif1' r Ee n °do de crise financeira para uma fase de notável re-
Institi.tÇar0 ' exerceu esse cargo até ser indicado para dirigir o
£ í0 Smithsoniano, em 1907.
Cado Dr fante toc*0 esse tempo, Walcott manteve um ativo e desta-
logja e ?êrama de pesquisa de campo e publicação a respeito da geo-
cecad 3 Eafeontologia dos estratos do Cambriano. Ele estava ob-
chas n GOrtl ° Problema da explosão cambriana, tendo estudado ro-
de ch»r camArianas e cambrianas de todo o mundo na esperança
Burge 3 a^guma espécie de solução empírica. Quando descobriu
der ss hale, em 1909, Walcott era não apenas o cientista mais po-
0 e Washington mas também uma das maiores autoridades
mundiais em trilobitos fósseis e na geologia do Cam bnano.
Doolittle Walcott não era um homem comum.

A RAZÃO MUNDANA PARA O FRACASSO DE W ALCO TT

Sendo um administrador meticuloso e conservador, Walcot■ ^


xou uma dádiva involuntária porém inestimável aos histor q
futuros. Ele fez cópias de todas as cartas, guardou cada efll
de correspondência, nunca deixou de registrar um dia que °
seu diário e jamais jogou nada fora. Mesmo durante o que ^
longe o pior momento de sua vida, quando sua segunda esposa ^
reu num desastre de trem, no dia 11 de julho de 1911, 'Walco
um registro eminentemente factual em seu diário: “ Helena mor
em Bridgeport, Conn., quando seu trem sofreu um grave aClden ’
às 2:30 da madrugada. Tomei conhecimento disso às 3:00 da tar •
Parti para Bridgeport às 5:35 da tarde (Walcott pode ter st
meticuloso mas, por favor, não pense que ele era insensível. Ho
12 de julho, dominado pela dor, ele escreveu: “ Ela foi m orta P°
um golpe na têmpora (direita). Meu amor — minha esposa —
nha companheira por 24 anos. Agradeço a Deus por ela ter estad
junto a mim durante esse tempo. Sua morte extemporânea é a S
que atualmente não sou capaz de compreender” .)
Todo esse material está agora guardado em 88 grandes caixas,
ocupando, segundo o informe oficial (Massa, 1984, p. 1).
metros hneares de prateleiras e mais o espaço reservado para os ob-
jetos de tamanho maior” , nos arquivos do Instituto Smithsoniano-
Nenhum conjunto de documentos é capaz de captar a indefintvel
daTiSÂr- 7 ^ Uma PeSS° a’ P°ÍS Cada f0Ilte C° nta Uma Parte
t de w l tUma manCÍra diferente- Todavia- o material a respet-
rios^ I t C nC° C diversificado - cadernetas de campo, dtá-
m I corresP°ndência formal, relatórios profts-
sua S c e T a esnnf ‘‘° fidal” ^«-publicada encomendada P°T
de títulos honnrá Teclbos de Pagamentos de impostos, diplomas
filha e às Dessna1108’ Cartas enviadas à dama de companhia de sua
“ Ma “o t t a » t o de se°
um quadro revelad^a UCante a guerra — e isso nos permite traçai

jqãoCOrre^ °reS " SeIVad0 * *


Cão d t esct tv rr ^ iíí'^ ^ 0'1artM'vos de Walcott com qualquer inten-
escrever uma brogtaíia de c a r ta , geral. Eu tinha apenas um

280
P°r que w ]CSCtrans/ ormou quase numa obsessão: queria descobrir
clusão dos orCOtt comet’do 0 erro fundamental de forçar a in-
que a respo ^gamsmQS c*e Burgess nos grupos então conhecidos. Achei
tada por Bur && questao P°deria completar a grande história con-
gem não em^rfSS ^ a*e ~ P°^s se os motivos de Walcott tivessem ori-
e atitudes t *.10ss' ncras’as pessoais mas sim na adesão aos valores
^hittingtoTa / C’0na's’ então eu poderia mostrar como a revisão de
algo antigo0' f aseac^a no tema da dizimação por loteria, subverteu
eaixa e des 6 , undamental em nossa cultura. Eu vasculhei caixa por
c°njunto deCf- ” numerosos indícios da existência de um complexo
levado pelos at° res> tod °s eles indicando claramente que Walcott fora
a inclusão d S6US Sentiment0s e c°nvicções mais profundos a forçar
impôs aos f ^ Cr*aturas de Burgess em grupos conhecidos. Walcott
relação à ^ ^ ur®ess seus dem definidos pontos de vista em
inovadora * e*CS nao dialogaram com ele em nenhuma maneira
ci°nal que ° U lndePendente. A calçadeira foi um expediente conven-
m° seu aD Preservou tanto a iconografia do cone de diversidade co-
sivel da arato conceituai subjacente de progresso e evolução previ-
p c ° n s c iê n c ia .
cínica es mUltos S tores minha afirmação poderá parecer estranha e
de nós Ç601 mente quando aplicada a uma teoria científica. A maioria
mito de ° SOmos snficientcmente ingênuos para acreditar no velho
conceitos^Ue ° S C^en^ slas sao modelos de objetividade isenta de pre-
suas con 11®aa'mente abertos a todas as possibilidades e chegando às
lógicos fqUS^CS apenas através do peso dos indícios e dos argumentos
ierências ° S,temos a c°mpreensão de que nossas predisposições, pre-
tante pa ’ | 0res sociais e atitudes psicológicas desempenham impor-
xar ieVa^e 00 processo da descoberta. Todavia, não devemos nos dei-
0 Ponto extrcmo oposto, representado pelo completo cinismo —
nhum p e. v*sta de que os indícios objetivos não desempenham ne-
vas e deape ’ de que as percepções da verdade são inteiramente relati-
de de n C].ae„as conclusões científicas são apenas uma outra modalida-
num H,r? Cranc'a estética. A ciência, tal como é praticada, constitui-se
argumla °^ ° £n^re dados e idéias preconcebidas. Não obstante, estou
sidera e~mando que a calçadeira de Walcott foi usada sem qualquer con-
c° st pao aos dados de Burgess e, conseqüentemente, negando que o
ta aj- eiro diálogo tenha ocorrido neste caso. Além do mais, faço es-
meirar^ a^ ° a respeito da maior descoberta de um cientista de pri-
a. lnba e não a propósito de um episódio menor na vida de um
paraSecundário. Este insólito fluxo de mão única, das preconcepções
os indícios, pode realmente ocorrer?

281
Eu
Em geral, a resposta seria não. Os fósseis iriam p r o t e s t a r ^ ^
não tenho nenhuma perna sob a carapaça” , Opabinia disse a
verdade mi-
Whittington. “ Aquela medusa chamada Peytoia e na -sicas,
; básicas,
nha boca” , exclamou Anomalocaris. Mas, por duas razões
transfot-
os animais de Burgess disseram pouca coisa a Walcott coer-
mando desse modo sua calçadeira num admirável exemplo e ^
ção ideológica. Em primeiro lugar, suas preconcepções possuíam ^
zes firmes, tendo se originado no âmago de seus valores soei
de seu temperamento. E, segundo — uma razão tão ridicu am ^
simples e óbvia que poderia passar despercebida em nossa busca
significados mais “ profundos” —, os fósseis não responderam P ^
que Walcott nunca encontrou tempo para conversar com eles.
da pode ser esticada até um certo ponto. Os encargos adminis r
vos acabaram impedindo que Walcott continuasse sendo um ci
tista atuante. Ele simplesmente nunca encontrou tempo para estu
os espécimes de Burgess. Walcott publicou quatro artigos prelimi­
nares em 1911 e 1912. Seu assistente, Charles E. Resser, trouxe a
luz postumamente as anotações de Walcott, em 1931- Nesse meio
tempo, durante os últimos quinze anos de sua atarefada existência,
Walcott publicou monografias sobre as esponjas e as algas de Bur­
gess, mas não produziu mais nenhum trabalho a respeito dos com
plexos animais da fauna fóssil mais importante do mundo.
A primeira razão (sólidas idéias preconcebidas) con stitu i o fuu
dam ento para a m ensagem deste livro; a segunda (en cargos ad m i­
nistrativos) é um a particularidade relativa apenas a W a lc o tt. N ã o
obstan te, iniciarei m inha discussão por esta pecu liarid ade de W a l­
cott visto que precisam os entender por que ele fo i in ca p a z de ouvir
antes de nos concentrarm os na gravação de sua própria ca n çã o .
• n°m ° v?S 3 m im stradores são em geral recrutados entre o s PeS"
tóriad?W alcouUCedld° S’-qUando estes atin&em a meia-idade, a his-
tes e do conseaüènteTf'11^ de demandas intensamente conflitan-
Zde*0
o rreirao
c f Z aque
u eseZouve entre
^ Ínterno’ ía z «» a™ sin cero e d ifu n ­
Os administradores são escolhido!! instituições científicaS'
no sentido de gostarem t u , P0rciue entendem de pesquisa
tão velha qaanto a ™ t “baí ° ' d' bem- A U st6ria é
amava. Você comeca f iS Í Í ® 8 d° Cambriano óue W alcott tanto
terei mais o mesmo temor, ° ° Uma promessa a si mesmo: eu não
compensação, serei mais er™ me dedicar as pesquisas, porém, em
beira do caminho comioo 1C!ente‘ Embora outros tenham caído à
nhas pesquisas; vou contir!^ ^ dlferente'>uunca abandonarei mi-
- vou continuar trabalhando e publicando quase que

282
insinuar^1^ 13 capac‘dade m áxima. Lentam ente, a obstinação da
do deixada1deVltabÍ1Ídade assume ° controle. A pesquisa vai sen-
nal. Sua ' 3 6 ^ ° ' nunca abandona o ideal, o am or origi-
tor. assimntenÇa° ^ voBar Para d e> assim que deixar de ser dire-
mente de f UC SC aposentar>assim que... Algumas vezes você real-
velh0; Cq ruta. de um renovado período de atividade depois de
■aterpõe se ^reqüênc' a ’ com o no caso de W alcott, a morte

tivos f0s" 0tt 016 de^xa PerPlexo. Em bora seus encargos administra-
durante t ^ extraordmariamente pesados, ele continuou a publicar
(em Taft* ° ° penodo final de sua vida. Sua bibliografia completa
Primeiro ^ ’■ relaciona 89 itens entre 1910, o ano de seu
Destes trab m " 0 S° bre Burgess Sha,e’ e 1927>Quando ele morreu,
em dados P ° S’ ^ eram artigos técnicos originais fundamentados
mia e da ntre eles estão trabalhos de vulto no campo da taxono-
Ve mais anatom *a >alguns deles escritos nos anos em que se mante-
P°des do p Baao. uma centena de páginas a respeito dos braquió-
brianr» ambriano, em 1924, oitenta sobre os trilobitos do Cam-
Neolenu outra centena sobre a anatomia do trilobito
dia , estab' 1921' Mesmo assim, porém, o limite de 24 horas por
ças e os t eC^ ° pd ° Senhor, restringiu dolorosamente as esperan-
Ser cozidP an° S dC ^ a^cott- A maior parte das pesquisas passou a
nha os f 601 Brando. A mais conspícua dessas panelas conti-
P°r negi°SSC*S Bur®ess Shale. O sentimento de culpa de Walcott,
da perso CnCÍar Seus fósseis favoritos, e sua alegria antecipada diante
tante PectlVa de poder v°ltar a dedicar-se a eles é um tema cons-
do Prop S-Ua corresP °ndência. Penso que Walcott estava guardan-
Centro ,0 sita*mente os espécimes de Burgess para transformá-los no
morreu 6 ^ *nteresse durante os anos de aposentadoria. Mas ele
T o d ^ 68 dC SC aP °sentar> aos 77 anos de idade.
tos do 'd° C^Se processo familiar, com seus inevitáveis deslocamen-
P°de s * ea^ smo da juventude para a resignação da idade madura,
Quívo^ h reconstituído com extraordinária perfeição graças aos ar-
jovem w Walcott (fi8s- 4-f e 4-2)- No dia 2 de junho de 1879, o
vant alcott, buscando seu primeiro emprego no Serviço de Le-
loen ^ 1,ento Ge°lógico dos Estados Unidos, escreveu ao grande geó-
80 Llarence King:

d0s e l ? S? ’ este é WilIi™ Howard Taft, na época ex-presidente dos Estados Unt-
tr° par 6Sldente interino da Suprema Corte, que prefaciou a narrativa desse encon-
a Perpetuar a memória de Walcott.

283
Estou pronto a executa ■
onde quer qUe eu venha dl'alc|UC' . tare,a que esteja ao meu alcance e
geologia estratigráfica in d n f úti1, p meu desejo trabalhar com
os invertebrados. r ’i p n n 0 a ccdeta e o estudo da paleontologia
[•••] Espero sinceramente t„ f ° Staria de fazer disso o trabalho de vida.
’ entao>Permanecer ou não n 0p° Itlln’ dade de fazer uma experiência
King resnnnHo ° m ase nos resultados do meu trabalho.
de julho? ■ " " * » Positivamente, e com amabilidade, n0 dia „

der P a r t o s méritos r 5?cada’ pai a Pue 0 senhor possa subir


der c°nsiderar seu traba ho s ! ^ da me dará alegria do que po-
° trabalho de W , Satlsfat0,i0-

S o r d mr ente emr ^ r i d° que satisfatóri° e eie pr°-


d o ^ ° Servi?o de L e v a m ! ' ; E? 1893’ * P ^ to de se tornar
m Programa empíriCo h* ° Ge°!ógico e bastante envolvi-
e Pesquisas sobre as roehas mais

7?
PQtic° Jovem
ÍJ/fJ
mui<os desses retr'n^°r°8r^ Ca ^ ^a^co11 Por volla (pJ ,9 ,s - Apesar de existirem
>r,en,e deste p or ' al0i n° S ar<üt,'vos do Instituto Smithsoniano, eu gosto particular-
SUa Profundu tr ' T pa,ece m°strar tão bem não só a força de Walcott mas também
is eza durante esses anos de tragédia familiar.

anti8as do CamK ■
recUsou um ' m ünano> ao qual dedicou toda a sua vida, Walcott
de Poder d C3I®C! Pr° f essor na Universidade de Chicago a fim
enviou sua3^ 0111*1111' 0*3^ 6 as suas PesQuisas livre de embaraços. Ele
c*°nário arf .e^cu^ as a T. C. Chamberlin, eminente geólogo e fun-
desej0 e ™!nÍstrativo de Chicago: “ Como o senhor bem sabe, meu
nentais q3111 ^ 3° ^ comP*etar 0 trabalho sobre as formações conti-
log0s os UC <?a*am d° *nício do Paleozóico e proporcionar aos geó-
M as?16'08 P3r3 ciassiü ca'ias e mapeá-las” ,
começar °^ ° 30 ano seê uinte, 1894, as atividades administrativas
que en v 3m 3 restrin8ir ° seu trabalho a partir de dentro. Numa carta
tes QUe 1-0’U ^ SU3 m ae’ Walcott expressou os sentimentos conflitan-
nhecim Iriarn Persegui-lo pelo resto da vida — orgulho pelo reco-
dos à en^° f Um ardente desejo de prestar bons serviços, mescla-
angústia pela redução do tempo disponível para as pesquisas:

285
25 / 10/1894

Querida Mãe . . -ixa.


Parece-me quase estranho que eu esteja encarregado de| ®sempre
portante Serviço de Levantamento. Trata-se de uma rea ^ ;nten-
presente mas eu nunca ansiei por isto e ainda ten o um ^ suCe-
ção de retomar meu trabalho anterior. Fico feliz que is a vjva o
. dido enquanto ainda a temos conosco e espero que a sen nljnha
suficiente para ver o Serviço de Levantamento progre u
direção. Com aItl0r,
Charlie

Daí em diante a questão do conflito entre os encargos a ^


trativos e o desejo de levar adiante as pesquisas passou a do ^
os pensamentos de Walcott. Em 1904, ainda à testa do Ser^ !Ç^cott
Levantamento Geológico e antes da descoberta de Burgess, Wa
já estava se lamentando da grande redução no tempo que “te ^
permitido dedicar às pesquisas. No dia 18 de junho de 1904, ele
creveu para o grande geólogo R. T. Hill:
A. única grande ambição pessoal que tenho ou tive é o desejo de con
cluir meu trabalho sobre as rochas e as faunas do Cambriano, o dua
foi iniciado há muitos anos e praticamente deixado de lado nos último
anos. Espero poder dedicar parte do meu tempo a ele neste verão e,
de quando em quando, fazer o que me for possível para levá-lo a cabo.
Se as circunstâncias fossem tais que me permitissem a possibilidade e
efetuar uma escolha, eu sensatamente teria o maior prazer em passar
a direção para outra pessoa e retomar o trabalho onde o deixei, em l»92'
Três anos depois Walcott assumiu seu último posto, como se
cretário do Instituto Smithsoniano. No final dessa década ele des­
cobriu Burgess Shale. A seguir, com o ativo encorajamento de W al­
cott e a despeito de suas lamentações, as circunstâncias conspira­
ram para aumentar continuamente suas responsabilidades públicas
e p n ?a °. necessário para qualquer estudo sério e detido
dos fosseis de Burgess.
O arquivos oferecem uma panóplia de flagrantes dos variados
S i a í X t 7 diret0t d' ‘«U m çâo científica, a maioria dc-
seu escasso temno ^ contnbuindo Para consumir uma parcela de
missão de Herbert H oote™ So d^.amig0s’ ProPondo a a<J"
1917 Encorainu mi a Sociedade Filosófica Americana, em
“ Tenho c o n n a X r ' eSCrCT“ d° R ' H ' G° dd” d ’ em 19M:
que seu trabalho com o ‘foguete’ está pro-

286
chegará° ^ ^°rma satisf^tória e de que no devido tempo o senhor
ele” rfi 3 Uma S0^UÇ^° prática para todos os problemas ligados a
dente d CJ,Ut0U pe*° bem-estar dos cientistas, escrevendo ao presi-
°s pes 3- 0rrassao Interestadual de Comércio para argumentar que
^esm o f Sa^ ° reS C*eVer’am receber passes ferroviários gratuitos ‘‘do
^ente *u° ^ Ue 0S f° rnecidos a pessoas que se dedicam exclusiva-
tiu a jn3 -° .ras caridade ou a instituições beneficentes” . Ele resis-
sião em 10' 138 so^c' tad°es de fragmentos do seu dia, como na oca-
Wrdlick C*UC ° antloPÓlogo-chefe do Instituto Smithsoniano, Ales
ele cp 3> So*'c' tou-lhe algum tempo para a tomada de medidas que
se esquecera de fazer:

os aCerCa Um ano’ guando tive o prazer de tirar suas medidas para


e a]„rC1UlVOS da Academia Nacional, deixei de medir-lhe a mão, o pé
UjeusUniaf outras partes. Desde então, como resultado da análise dos
são ^ re®Istros 3 respe't0 dos Antigos Americanos, cheguei à conclu-
lhe f CJUe 3S d™ensões dessas partes são de grande interesse. [...] Eu
em rnC3rf miato grat0 se, em qualquer ocasião, o senhor se detiver
fazer ^ akorat°rio por dois ou três minutos a fim de que eu possa
as medições que estão faltando.
Eu ~
tante tão ^ ° enf ontre'> contudo, nada mais simbólico — e não obs-
e iuram ent™ ^'313111611^ p rat' co — do que esta declaração escrita
rr,°difica 3 a entreSue a um banco, em 1917, a fim de validar uma
1116 foi sop30 Cm SUa ass' natura: “ Anexo a esta a declaração que
Us° aPena'Clta^ a cosfum ava assinar Chas. D. W alcott. Agora
acrescentar3S *n*C*a ' s po' s descobri que gasto tempo demais para
Péis 0u r as *etras extras quando há um grande número de pa-
g ^ 3^ 35 para serem assinados” ,
não fosse0^ eSSeS embara<r'os “ norm ais” da alta administração
Se estende11u U^'C*enteS para a fetar suas pesquisas, a década que
em Burge U e a 1920 — abrangendo seus estudos de campo
TFT

resPara \ty \ *la *e ~~ repleta de debilitantes tragédias familia-


tr° filh0s /p-COtt’ po‘s e^e Pei'deu a segunda esposa e dois dos qua-
em I 9 j 3 . ^-3). Seu filho Charles Jr. morreu de tuberculose
Patórios e te^ ° 'S ^ a *cott ter procurado e avaliado todos os sa-
tos então ° 3S aS curas alrnvés de repouso, dietas ou medicamen-
nto. apre8°ados em nome da esperança ou do charlatanis-
céus(ja p ^ Utl0 *bho, Stuart, foi abatido numa batalha aérea nos
Rooseve]t 3n<^a ’ Cm ■W alcott escreveu ao seu amigo Theodore
dantes- * ^ Ue ^ av*a Perdido um irmão em circunstâncias seme-

287
4 .3 . T o d a a f a m ília W a lc o ll e m T r o v o , U ta h , e m 1907 E m p é , d a e s q u e r d a p a ' a
a d ire ita : S id n e y ,q u in z e a n o s; C h a rle s J r„ d e z e n o v e ; C h a r le s, 57; H e le n a , 4 2 . S e n ta
d a : H e le n , tr e z e a n o s.

Stuart, que estudava no Colégio Western, em Washington, juntam#*'


te com seu irmão Quentin, está enterrado na encosta de uma colma
ckcunstãnr* " Ê °' abaddo numa batalha aérea com os hunos, Ç
F I r ? 11® 'dênÜCas às C'ue cercaram a morte de Quentm-
e uma erm L menS qUe derrUbou esta° enterrados no mesmo local-
eTdata de snT
e a üata de C°nstruida'
sua morte. Ao colocada sobre a sepultura, traz seu nome
truíram todas as cabanas 2 , mirarem' 05 hunos atearam fogo e ^
ilustrando assim de camP°neses situadas nas proxinudad
s s í r r r r , : , r s- ~ * * — « * - » - to' •

m or^u^um acidentè í ' " ' ionado’ » “ Posa de W alcolt, Helen».


tão mandada para a Rum m ’ 191l ’ e sua m ha- Helen, foi en
uma longa viagem feita - P&’ & hm de Se recuPerar do choque em
sey. W a L u S ^ c o T t r dC COm^ ia’ Anna
quase que diário com o par, nuutm

288
° fito d e p a r a to m a r d e c is õ e s p a te r n a is “ o p o r t u n a s ” c o m
d e s i m p r ó n ° - C^ e r SU ? ^ n c *a e i n s i n u a f i l h a c o n t r a o s r i s c o s d e a t i t u -
a P re c ia d a s *re<^ e n t e s i n t e r v e n ç õ e s d e W a l c o t t e r a m m u i t o
e X e m p i0 e i^ 6 & s e n b ° r i t a H o r s e y . N o d i a 1 8 d e j u n h o d e 1 9 1 2 , p o r
P a r a a s m u l h eS C reV eU : ' ^ U a c a r t a a ^e z P e r c e b e r c o m o é o b j e t á v e l ,
1116 a c h a ir r e ^U m a r ‘ lh e d ig o is to c o m fr e q ü ê n c ia m a s e la
1 7 d e j u l h o d*6 ]l a v e *m e n t e a n t i q u a d a ” . E s c r e v e n d o d e P a r i s , n o d ia
P orém , a m e 6 ’n ^o r n i o u : “ S u a b e l e z a é t ã o g r a n d e [ . . . ]
d e n t e d e s e j o ^ ^ U e .s u a m a n e i r a e x t r a v a g a n t e d e s e v e s t i r e s e u a r -
s is t e m a t ic a m C a t r a ^r a a t e n Ç ã o e a a d m i r a ç ã o d o s h o m e n s s e j a m
a Cau s a r - ih e r e ^r e a d ° s d u r a n t e a l g u m t e m p o , i s s o p o d e r á v ir
l‘a > e la d e c l a ^ ra n < ^ f l ^ h c i d a d e ” . E m o u t r a c a r t a , e n v i a d a d a I t á -
* c h e ia d e v i d ° U ' r e a ^m e n t e n a o e s t á a s a l v o d e r i s c o s . H e l e n
S ete a n o s _ S ? a n ‘^ a P ° r a v e n t u r a s — t o d a s a s g a r o t a s t ê m d e z e s -
e n c o n t r 0 s [coe e a é *n 8 ê n u a e i n o c e n t e , e p o d e r i a s e r i n d u z i d a a t e r
V e ssi*ra . o m e n s] à s e s c o n d id a s , a p e n a s p a r a f a z e r u m a tr a -
Em meio 13 ÍSt° Seria Peri8 °s° ” -
tos n°i'mais d & CSSaS extraoi"dinárias tragédias pessoais, os assun-
teihpo de Wal& V1C*a ^arn^*ar e Profissional também consumiam o
lnvestid0s na ^ 0 tt' mesmo tempo em que administrava milhões
Urn banco local0mPan^ a ^ nerêia Elétrica Telluride, ele advertia
Cld° a seu filho^ respe^to ^a importância de limitar o crédito ofere-

^ eu filho, b . s w i
Sada e, até o alcott, e calouro em Princeton. Ele recebe uma me-
eu não conced101116111-0 ’ tem pa®° suas contas em dia. N ão obstante,
de trinta dias 6113 Cr^ ' t0 a ele ou a Qualquer outro garoto por mais
c°nseqüênn’ m^smo assim > o faria apenas em quantias limitadas.
0 Saroto e tPr„jaS & disponibilidade de crédito são prejudiciais para
tendentes a causar complicações.

e s s a b a b e l d e ^ t -8 v f 3 *6 p o < ^e r i a t e r s e a d e q u a d o a e s s e c a l d e i r ã o ,
Se a n e c e s s i d a d e d ' Vl a ^ CS cf > m p u i s ° r i a s e n e c e s s á r i a s ? W a l c o t t t i-
d e ~~~ a ° m e n o s SCUS V e r ° e s n a s M o n t a n h a s R o c h o s a s c a n a d e n -
e tlc o n t r a r t e m n ° m ° U m a t e r a p i a - C o n t u d o , e l e n u n c a f o i c a p a z
s e m W a s h i n a t ° Pf r a <^e<d fc a r - s e a o e s t u d o c i e n t í f i c o d o s e s p é c i -
« o d e s s e ò"8 ' 0 ” - U r a " ° « v e l i n d i c i o a r e s p e i t o d a ,
.d 0 n t r a ad °o mn u m, . a. .r e m a pP u° ir Pp a r t e d o p r oó p r i o W a l c o t t p o d e s e r e n -
c ji s A s s e i s d e B u ^ 6 a<^ ° r a s ^ e c a r ta s q u e a b o r d a m a q u e s tã o
^ e.r t ’ s e u a n t i g o ~ ~ SU a c o r r e s p o n d ê n c ia c o m C h a r le s S c h u -
3 ls ^ e s t a c a d o s a S ^1 S te n l e e > n a é p o c a , p r o f e s s o r e m Y a l e e u m d o s
P a e o n tó lo g o s d o s E s ta d o s U n id o s . E m 1 9 1 2 , e m -
aPenas u m ^ e a T ln a h *0Cm atividades de co m itês, W a lco tt i
chert lhe enviara: ernora n° estiido de alguns trilobitos que Schu-

Quanto aos trilobit


de estudar todo o cru 330 m’nba °PÍnião até ter a oportunidade
Pado com comissões d ^ r ^ prd}dma semana. Tenho andado tão ocu-
flue tive pouquíssimrw ongresso e outras atividades nos últimos dias
En, l92l 2 mp° para pesdUisas-
indefinido a l ^ í u ^ * ? ^ * ? 0 a derrota e adiara para u m futuro
esPécimes — a anreH af-3 "?Ult0 m en os tem p o d o que o estu d o de
ehert acerca da a n a to m ia ^ 6 Um argum en to lev a n ta d o p or Schu-
tem po, exam inarei com r, °a 5 d °'3dos: “ A lg u m d ia, q u an d o tiver
trutura dos trilobitos Nr, 1 3d° SUas ob servaÇões a resp eito da es-
enca^=os adm inistrativos’’110111611^0 estou por d em ais o cu p a d o com

Vída dustram com perfeir561taS P° ! Walcott nos últimos anos de sua


7 ^ üidade de seu fracassn S6US con^itos>suas esperanças e a ine-
fr Prgess- No dia 8 de ian 6m jStudar adequadamente os fósseis
anc s Charles Barrois aue de e*e disse ao paleontólogo
nçoes administrativas a f i S pouco 3 pouco abandonando suas
Espero poder voltar 6 d6dlCar' Se aos fósseis de BurgeSS:
fósseis de Burgess U? notável grupo de interessantíssimos
cad m desenhos e fotografiJaS deSCdçôes ainda não publiquei. Mais
minktr r descriÇões se não f° ram PreParados. Eu já teria publi-
Estou au!,VaS 6 a°S problemas af ° temp° destinado às atividades ad-
curso de a * me afastando desse ^i0? a nossa organização científica-
Progresso d T c ^ C° m° presideme da° s P° ÍS já pronunciei meU dÍS"
Conselho da a êf Cla’ em 29 de h d& Sociedade Americana para o
dição de memhCademÍa Nacional pezembro> e também estou fora do
jam conduzindr,0 d ° c° nselho de trl ° U p e n s a n d o e m renunciar à con-
pesquisas de
nue meu dever Pesquisas de extr' S wleanizaç<
0rgan'2aCões. Embora elas este-
No di d' ,o r 61 Para
. 1N0 d i a 1? rtA ..
C°m
CO elas
m elasTá já rfa0rdmário
fa0rdmári0 Cinteresse
a!> Ja f o i CUmnriHi-,
re s se e< valor, -
^ a lc o S comb dC abrü de 1926 ’ ^ CUmprido‘
ç ã o c o n v e n c i o n a^ U SCU g e n u í n o a m o 3 C 3 r ía d i r i g i d a a L . S .
a d m in is t r a t iV a s n ã ~ e ’ P e n s o e u m j P 6 la p e s c t u i s a c o m a £
t£S/ e m r e la ç ã 0 à apr eci ada s ~~ d e d a e a s a tiv
c a t a d a s e m v ir t u d p ‘ 1V ld a d e s a c a d ê m n e m C o n s id e r a d a s im r
anos dS° 3S Seja suficientm SCns° de devef rN~S’ simplesment
de SUas vidas cn tCmente abnegada Nao creio due a n
m alSo qUe , para sacrificar os m<
6las Poderíam pôr de lac
29o
da c iê n ^ P6rda resPeito, mas apenas de poder. Embora o etos
caracter^ 01116 3S at^v^ades administrativas sejam publicaipente
les que^23335 como a*ê° feito por obrigação, a maior parte daque-
sahiim esemPenham tais funções obtém prazer com suas respon-
aouidades e influência):

sas a&me larla mals fe*’z d° <lue poder prosseguir com minhas pesqui-
Ze anP° nt° Pa^iiear os dados que venho coletando nos últimos quin-
mstrati* nas montanhas do Oeste. [...] Embora minhas tarefas admi-
cons'd*VaS na° ten*lam s’do desagradáveis ou decepcionantes, eu as
que * h™ Um Acidente transitório e não um trabalho sério, se bem
narà ° Vlamente>às vezes tenhamos de dar o melhor de nós mesmos
a s o lu c io n a r os problemas que aparecem.

S rande^t .Sf.mana depois ele escreveu para David Starr Jordan, o


f°rd e qu *f ° ê° ocupou a presidência da Universidade Stan-
encar»^ 6 ,°ra ma*s bem-sucedido do que Walcott em livrar-se dos
gos administrativos:

8uirtmf1U 30 afastar' se das tarefas administrativas. Espero se­


das co US Passos’ no devido tempo, e ter a liberdade de fazer algumas
sido um ^ P£,aS qUa’s tenb° ansiado nos últimos cinqüenta anos. Tem
lhand prazer s°nbar com elas e cada hora que consigo passar traba-
0 em meu laboratório é para mim um deleite.
hío dia 07 ai
tido de re r 06 setembro de 1926, Walcott deu um passo no sen-
a izar seu sonho. Ele escreveu a Andrew D. White:
p
s°nianóa m!llt0 conversar com o senhor a respeito do Instituto Smith-
nistrat'0 6 6 meu afastamento de todas as tarefas executivas e admi-
an0s ^ S n? ^ a de maio de 1927, quando terei completado vinte
gley tenh erVlÇ° atlV° como secretário. Embora Henry, Baird e Lan-
nem arn morrido no exercício do cargo, não creio que seja bom
dirigi-io ^ *ns<atuto Smithsoniano nem para mim que eu continue a
abas en .enb° coisas para escrever que irão consumir todas as mi-
desenvo^laS ^ [•••] Como seria interessante acompanhar o
r*a mor Vlmento da democracia até 1950. Já me foi dito que eu pode-
nadn fer aos aos 38 e aos 55 mas, tendo um temperamento obsti-
’ SemPre me recusei a ir.

Piano, no^d,S Walcott morreu à testa do Instituto Smithso-


C° mentad 13 9 de fevereiro de 1927. Suas anotações abundantemente
as s°bre os fósseis de Burgess foram publicadas em 1931.

291
A B A SE R A C IO N A L M A IS P R O F U N D A
P A R A A C A L Ç A D E IR A D E W A L C O T T ^

A impossibilidade de Walcott examinar sentido da ^


seis de Burgess deixou-o livre para interpret - os ^ ^ eirafl1®^
nor resistência. Ignorando na prática a anatonu Shale a
peculiar de seus espécimes, Walcott interpretou p0r ta n t° 'r
de sua entranbada concepção da vida — e os s > uin adep
fletiram suas idéias preconcebidas. Como a c ^ onalistad ^
tão intransigente do conservadorismo — una arqui j,eradas c° nVlC.
para manter as aparências mas por profundas e p . corp°r
ções —, ele veio a ser o melhor símbolo que ]á enc , tr^nçarmoS
ficação dos pontos de vista convencionais.* P ara j : cj0nalisin0
niistêrio da calçadeira, precisamos considerar 0 ra tendêucia ®e"
W alcott em três níveis de especificidade crescente re\ação a° s
ral de suas concepções políticas e sociais, sua atitude e ^ proble'
organismos e à história destes, e sua maneira de abor
mas específicos do Cambriano.

O caráter de Walcott

Walcott, um “ velho americano de origem rural e genu . aIflente


cedentes anglo-saxônicos” , tornou-se um homem rico . eneí'
através de criteriosos investimentos em ações de companhias jre.
gia elétrica. Pelo menos nos últimos trinta anos de sua vida, rjvand°
qüentou os mais elevados círculos sociais de Washington, P &
com diversos presidentes e com alguns dos maiores magnata ^ qC,
dústria norte-americana, inclusive Andrew Carnegie e John V- ^
kefeller. Ele era um conservador por convicção, republicano e
lhica e um devoto presbiteriano que quase nunca deixava de c0
recer (ou de registrar em seu diário) à igreja nas manhãs de domí &

(*) N ão gosto de discutir questões intelectuais sob a form a de g e n e r a l i d ^


abstratas. P enso que as idéias podem ser melhor apreciadas e com preendidas u
do exem plificadas por um objeto natural ou através das con cep ções de um a P
P or isso, W alcott fascina-me e encanta-m e. Raras vezes “ encontrei” u m h ° m e
fora de sintom a com meus próprios pontos de vista a respeito da vid a — e sint0
mente que o conheço bem , após toda a intim idade proporcionada pelos arcp1' „ja
Apesar disso, passei a ter um enorme respeito pela integridade de W alcott e pela en ;r&
dem oníaca com que se dedicava às pesquisas e às atividades adm inistrativas. Eu
. w L ™ Pa" !cular apreço por e'e (com o se m inha op in ião tivesse algum a «M»
ncia), mas fico m uito feliz que ele tenha dignificado m inha p rofissão.

292
[

servai/ Cartas ^ c' ta^ as dão uma idéia de suas atitudes sociais con- |
idéias T ~ ° tratam ent0 diferenciado para filhos e filhas e suas
Iam m S° ^ & ^ru8a^dade e a responsabilidade. Os arquivos reve-
eu api.Ultas outras facetas desse traço básico de sua personalidade;
atitude Sdnt° Uma pe(*uena amostra apenas para dar uma idéia das
te o J 6 Um P°deroso representante do conservadorismo duran-
no r,«jirn° ®rande período de confiança na superioridade moral e
Poder secular norte-americanos.
%ião-m ^ a*cott escreveu a John D. Rockefeller sobre a re-

Piedó^ ° Nova York, por minha mãe e sua irmã, que eram
nos fuS" Cr’stas' Sempre fui adepto da Igreja Presbiteriana, pois creio
fament1 amentos da religião cristã e na necessidade de praticá-los jun­
te Para6 - °m pessoas que acreditam na eficácia da Igreja como um agen-
a preservação e o desenvolvimento da espécie humana.
C ito ;
festadas a5 j3p*n*°es de Walcott sobre o consumo de álcool (mani-
c°nsider^ ^ no Cm ^ de outubro de 1923), não porque eü as
c°ncordo grac' osamente antiquadas ou antediluvianas (na verdade,
das conse * P0Stura ind>vidual de Walcott, ainda que duvide
grafo) m qUCnCÍas P e r n a s prefiguradas por ele no segundo pará-
da Per'sonaSrH°rqUe considero o tom desta passagem tão evocativo
a i ade e das atitudes gerais de Walcott:

encont° Chàe8Uei a Washington, quarenta anos atrás, eu costumava me


Peito d ar tarde com um grupo de rapazes para conversarmos a res-
híamos6 aSSUntos de interesse mútuo, ocasião em que geralmente be-
não ligaCerVe^ 6> aque'es Que o desejassem, conhaque e coquetéis. Eu
qUe podVa- mUÍt° para qualquer das bebidas e cheguei à conclusão de
p0) os J na viver igualmente bem sem elas. Com a passagem do tem-
ram sent^t0S d3S homeoPáticas doses de álcool gradualmente se fize-
f°rça d ^ n° S *10mens através de uma certa deterioração de caráter,
blerrias6 VOntade e eficácia. Em conseqüência principalmente de pro-
antes d C° m ° flgado’ os rins e o estômago, eles morreram muitos anos
donon ° <í.Ue deveriain- Só um deles está vivo atualmente, mas ele aban-
Creio 3 há d0Ze anos ou mais-
das alcoó^6’ S6 pud®ssemos renunciar completamente a todas as bebi-
tanto e o 1C3S’ 6m Uma ou duas gerações o gênero humano progrediría
atento HaS3U^em' estar seria tão aumentado que grande parte do sofri-
desapárecer1101^ ^ 3^6 e da decadência dos indivíduos e dos povos iriam
Ent
^ n8 o ísm o ° ^ Ca’ ^ a^cott vacilava entre os pólos conservadores do
a defesa de amplas liberdades civis aliada ao respeito
linha dessa
pelas oportunidades individuais livres de restrições. c^asses so-
última posição, por exemplo, ele não aceitou que ra<?as jnferioreS’
ciais como um todo fossem consideradas biologicamen ^ q taleU'
e defendeu a igualdade de acesso à educação, de mo 0 0 pUdes-
to existente em indivíduos de diversas classes sociais se ^ senho-
se ter a oportunidade de vir à superfície. Ele escreveu pa
rita Russel Sage, no dia 30 de junho de 1913:
. pois
Estou particularmente interessado em seu trabalho educac ^ p£SSoas
acredito que é através da educação que as grandes massa ^ uC^vel e
serão alçadas a um nível que lhes permita levar uma vi
honesta. ,madamenle
Parece-me que o talento ou a genialidade surgem apro*1 ^ filhos
com a mesma frequência em qualquer classe social, seja ^ s^cul°s
de operários ou de pessoas abastadas. O fato de atrav s ,na's
a maioria dos grandes homens ter se originado entre as c ^ ades.
favorecidas simplesmente demonstra a importância das op°r
O l a d o j i n g o í s t a d e W a l c o t t e m e r g i u c o m e s p e c i a l ' n t^ in ( iia l>
e m s e u ó d io à A le m a n h a , p o r c a u s a d a P r im e ir a G u e r r a \\
o n d e e l e p e r d e u u m f i l h o n u m c o m b a t e a é r e o . N u m a c a r ,^ e n te
d e d e z e m b r o d e 1 9 1 8 e l e d e c l i n o u d o c o n v i t e f e i t o p e l o p y _ ^ o"
d a U n i v e r s id a d e P r i n c e t o n p a r a p a r t ic ip a r d e u m a c e r i m ô n i a
m e n a g e m a o s e s tu d a n te s q u e h a v ia m m o r r id o e m c o m b a t e C
f r e q ü e n t e m e n t e r e f e r ia - s e a o s a le m ã e s c o m o h u n o s , u t i l i z a n 0
te to c o m u m e m su a g e r a ç ã o ):
Tenho evitado todas as cerimônias em homenagem aos soldado .,
tos em combate porque elas exercem um efeito danoso sobre me
libno mental e moral, em virtude da intensidade dos sen tim en 0 t0
atados contra a “Tribo dos Hunos” e seus aliados. Esse senti®
começou com a invasão da Bélgica, foi exarcebado pelo afun a
ía n w 6 P„el°Smuit0s crimes cometidos durante a guerra, e «
° é aplacado Pelos diversos eventos que ocorreram após a as
tura do armistício.

ar da ^ m o sid ad e de Walcott brotou, como revela®


p a n h a c ò n t r a C° n c o n f i d e n c i a l m e n t e u m a extraordinária c
akmão^nm L J mmeme antropól°g° Franz Boas, em 1920.
de política e sinm át^0 origem judaica, esquerdista em ® a ^
todos os q u a d ra m /^ & Alemanha>hoas inspirou indignaça ^
de dezembro de 1919 d°o P^ nc*itos de Walcott. Na edição d ^
da “ Cientistas com Boas publicara uma nota, 1®
mo espiões , afirmando de forma acusatórta d

294
vários antropólogos haviam co e a tempo que invocav
Estados Unidos durante a guerra ao , s e a informações q
a imunidade científica para o b t e r acess proibidas. E l e argu
d e o u tr o m o d o p o d e r ía m te r s id o e c , in fo r m a ç õ e s se c r e ta s
m e n to u q u e , e m b o r a a c o le ta c la n e s 1 d e n e g ó c io s e m ilita r e s ,
s e ja a c e itá v e l n o c a s o d e p o lít ic o s , o d u p lic id a d e c o m o n o r -
v is to q u e a s p e s s o a s d e s s a s á r e a s p r a ic c o n sid e r a d a s a b o m í
m a , ta is c h ic a n ic e s n ã o p o d e r ia r n e ix a , . QS c i e n t í f i c o s . H o j e
n á v e is e c o n d u c e n t e s à d e s t r u i ç ã o o s P e a m a io r p a r te d a s
e m d ia , a n o t a d e B o a s c a u s a r ia p o u c a c i n g ê n u a d o s id e a i s
p e s s o a s a e n c a r a r ia c o m o u m a e v o c a ç a o u m t a n t o
c ie n tífic o s . „ r ^ r te -a m e r ic a n o , p o r é m ,
N a a tm o s fe r a jin g o ís ta d o p ó s-g u e r r de B o a s fo i a u
a s r e a ç õ e s fo r a m d ife r e n te s . P a r a a c o > . * m o d o e d e s le a l q u e
t im a g o t a d ’ á g u a d a p a r t e d e u m e s t r a n g e i fir m o u e le , a c u s a r a
b á m u ito v in h a lh e c a u s a n d o ir r it a ç a o . ’ p o is W ils o n h a -
d ir e t a m e n t e o p r e s i d e n t e W i l s o n d e s e r m e s p iõ e s : n a s d e m o ­
v ia d e c l a r a d o q u e “ s ó a s a u t o c r a c i a s e m p g f o i d e o p in iã o
c r a c ia s e l e s n ã o s ã o n e c e s s á r i o s ’ . W a c o d a c iê n c i a n o r t e -
q u e a n o ta d e B o a s c o lo c a v a e m d ú v id a a m g ^ r o f issio n a is q u e
a m e r i c a n a i n to tu m p o r c a u s a d e u m p u n b u sca n d o a o m es-
p o s s i v e l m e n t e a t u a r a m c o m o “ a g e n t e s ,u ^ ’ õ e s se c r e ta s,
m o t e m p o c o n h e c i m e n t o s c i e n t í f i c o s -£ " L o e r a d a c o m o b a s e p a r a
Walcott utilizou esta interpretação e , aivez, excluí-lo com-
u m a v ig o r o s a c a m p a n h a p a r a c e n s u r a r o a s ’ W a lc o t t , im e d ia -
P i e t a m e n t e d o c í r c u l o d a c i ê n c i a norte-ame • ^ d e B o a s n o In s­
t e e p e r e m p to r ia m e n te , c a n c e lo u o c a r g o t o d o s o s s e u s arrn-
tituto Smithsoniano. Em seguida, escreveu P buscando sugestões
Sos conservadores importantes e influen > nUIPdo. Para Nichb-
quanto às formas pelas quais Boas podería se £ sidade Colúm-
las Murray Butler, por exemplo, presiden e ^ de janeiro de
bia (onde Boas lecionava), W alcott escreveu
1920: xtin
O c a r g o q u e o d r . B o a s o c u p a v a n o I n s t it u t o S ' ^ s e c r e tá r io L a n
t o , p o is h a v ia s id o c r ia d o e s p e c ia lm e n t e p
g le y , e m 1 9 0 1 . , . r ,0 a s n o N a tio n d e 2U
O c o n t e ú d o d o a r t ig o p u b lic a d o p e o ' m c o m a q u e la s i
d eze m b ro fo i ta l q u e , n o m e u en ten d er , u m d t u t 0 S m it h s o m a n \
n ã o e r a d ig n o d e te r u m v ín c u lo o f ic ia c o u i a r e s o u o f ic ia is .
P r e f ir o te r b o n s a m e r ic a n o s e , e m t e r m o s ? p o lc h e v is t a , s e j a m
v e j o n e n h u m a s e r v e n t ia p a r a t o lo s o
• «aaus ou alemães '
* * * • se encerrado pia°Upag^os- Embora a luta com a Alemã"
truir de disseminar r ? ? 35 começou contra os elementos que
efmitivamente tudo Con[iança>criar conflitos internos e des-
^luitos a<*Ul‘0 que nós americanos defendemos.

se V ele que toda V q n V t-"1 WaIcott a simplesmente mode-


Chael PuplT frCneSÍ mac a r th is r Sp dÍSSÍPaSSe- ° utros Íuntar^ '
mens eraV K aVaPor aqueles h Escrevendo de Colúmbia, Mi-
flageloc. homens e podiam ° nS 6 velhos dias>quando os ho-
ser mobilizados para eliminar tais

!!* fB°as] ataca os Est „


vens ^desfr mesm° «ssim0* ! ,^ ? 0®C° m 0 pr°Pósito de defender a
Ciências p Ut3r da honra de serPermitldo dar aulas aos nossos jo-
tempos do a?te Pensamento me f™embro da Academia Nacional de
nos livrarm SOut*smo, quando Z t6r saudades dos bons e velhos
ta de 12 do°Sde .Uma f°nte de ahCStaVam semPre à mão os meios para
Janeiro de 1920) orrecimentos como Franz Boas (car­

ta d e V í ? C° nc° rdou em, ■


muito vivida e6110' Ela sum arizaV”16” 16' <l° brigado por suacar-

Boas de uma maneira


Washington, W aIcott lide-
Prdante. QUatr^ de dezembro d * ? í ° severamente Boas, a qual
conrtEStados ü nidoslaS mais tarde a o 9 Com aPenas um voto dis-
lad o s^ 011 Boas Por òireUnind°-se èm r,0Cledf de de Antropologia
ressanV <8rupo de fi V° tos a dez Co ambrid8e>Massachusetts,
B oas? A r e s o n ? ° S dissidentes sendo rotu-
Verdadeira dei? Um SUpostoÇa° mcluiu a seguinte e inte-
ad ° Cracia; antídoto para os ataques de

csta resni, Z ^ e r ic a n .V ü ar.. do americamsmo


uu americanismo (<
sejam « * £ £ de Antr0po? e ta™bém os dez meml
à ^Ual possa* °S da Partio"teniente o a o r ? dUe’ ao votarem coi
dade Para CqZ *eVantada h? 0 eni q u a im ? em sua deslealdí
° m 0 g o v e ? ? b° a'fé qUaJ j Uer atividade em rela

era,!tM » todas as é
nantem a lUz.
296
A visão geral de Walcott sobre a evolução e a história

W a lc o tt c o n s id e r a v a -s e u m s e g u id o r d e D a r w in . P ® . um a
a m a io r p a r t e d a s i n t e r p r e t a ç õ e s m o d e r n a s , t a l a d e s a o 1 P nos
íi r m e c r e n ç a n a i m p o r t â n c i a d a p e c u l i a r i d a d e e o o p h is tó r ia
c a m in h o s e v o lu tiv o s e u m a p r o f u n d a c o n v ic ç ã o e q “m o­
d a v id a t r a t a d a a d a p t a ç ã o a a m b i e n t e s l o c a i s v a r i á v e i s e n a
g r e sso ” e m te r m o s g e r a is . D a r w in , p o r é m , f o i u r n o m _
x o , e a m a r c a d o s e u n o m e te m s id o a p lic a d a a d iv e r s a s ^ en fo -
so b r e a v id a — a lg u m a s m u t u a m e n t e c o n tr a d itó r ia s q
c a m p r e fe r e n c ia lm e n te q u e s t õ e s r e la tiv a s a o n o s s o p r
e n ã o a o d e le . . .... , O ses-
A vida não foi feita sem contradições ou ambiguidades,
tudiosos muitas vezes erram ao presumir que sua exegese
d e pensador deva necessariamente resultar num t e x t o t o a ..
r e n t e . O s g r a n d e s C ie n t is t a s p o d e m s e d e b a t e r d u r a n t e o
c o m a lg u m a s q u e s t õ e s s e m j a m a i s c h e g a r a u m a s o u ç a o .
d e m s e d e ix a r l e v a r p o r i n t e r p r e t a ç õ e s c o n f l i t a n t e s e s u a *
a tr a tiv o s d e a m b a s . A lu t a d e le s n ã o s e r e v e la n e c e s s a
co e r e n te . , .
d a r w in m a n te v e u m a d e s s a s p r o lo n g a d a s b a ta lh a s
a id é i a d e p r o g r e s s o e v i u - s e n u m b e c o s e m s a í d a , e re^
^ Ue su a te o r ia b á s ic a a r e s p e ito d o m e c a n is m o e v o lu tiv o s
n a tu r a l — n a d a d iz ia a c e r c a d o p r o g r e s s o . A s e le ç ã o n a tu r a
e x p lic a c o m o o s o r g a n i s m o s r e s p o n d e m d e f o r m a a d a p t a i v a
a n ç a s n o s a m b ie n te s lo c a is e v ã o s e m o d if ic a n d o a o o n ® ° •
~ 7 " d e s c e n d ê n c ia c o m m o d if ic a ç ã o ” , n a s p a la v r a s e
e id e n tific o u e s ta r e je iç ã o d a id é ia d e p r o g r e s s o g e r a e
e a ju ste s lo c a is c o m o o a s p e c to m a is r a d ic a l d e s u a te o r ia ,
d e d e z e m b r o d e 1 8 7 2 , D a r w in e s c r e v e u a s e g u in te c a r ta a o P
„ 0 g 0 a m e r ic a n o (e a n t ig o o c u p a n t e d a m in h a s a la ) A P e^ s
P ó s muito refletir, não posso evitar a convicção eque
e nenhuma tendência inata para um desenvolvimento progre
., ^°davia, Darwin foi ao mesmo tempo um crítico e um ,
1 no da Grã-Bretanha vitoriana, no auge de sua expansao q
Predomínio industrial. O progresso foi a senha da cu u
^rcundava, e Darwin não pôde renunciar a um a id e » ta c > funefc
«mal e atraente. Assim, em meio à sua costumeira s a tis Ç
n- 0nto de vista radical de que as modificações sofri tam .
mos representam adaptações aos ambientes locais,

297

que permeia to d a ^ h -6* ^ 30 da ' d^’a de ^ue 0 progresso é um tema
que viveram em cad 1St0r*a da v^ a - Ele escreveu: “ Os organismos
ta superaram seus n& h™3 d3S sucess^vas fases da história do plane-
do, ocupam uma nn^ ^cessofes na corrida pela vida e, neste senti-
vez seja esta a causa h ^ 0 f 3*8 e*evada na escala da natureza. Tal-
exPerimentado por m a>UC 6 sent*mento vago e ainda mal definido,
modo geral tem progr<Lhd<y^(ijf 0l° 8° S’ ^ qUC a orgardzaça° ^

tre estas posições anarp3^ '^ ''32 de comPatibilidade inconstante en-


gumentar que Darwin n.emente contraditórias. Nós poderiamos ar-
direta cumulativa de 11^ ° progresso como uma conseqüência in-
tros termos em qualnnp processo causativo básico operando em ou-
Poderia ser considerar!^ mornen^°- (O aperfeiçoamento anatômi00
Ções do ambiente local cam' n^10 Para 0 ajustamento às condi-
Slgn geral, poderia resulta ^Ue’ clUando baseado em avanços no de-
gevidade geológica de n / ^ Uma amPliação do potencial para a lon-
f!na através dessa via ind,v *° A
qUe 0 pr°gresso possivelmente emer-
tem sugerido este pro b lem S ' ° S Críticos’ indusive eu, muitas vezes
° n ltantes do próprio Da casamento entre os pontos de vista
gem mars honesta consiste " T ' , Nã° ° bstante’ penso óue a aborda'
fortp a genu*na C°ntradicãr, PAesmente em reconhecer a existência
dinhà ?Sf? ncertante e fundam ldéia de pr°gresso era demasiado
sociS em 0fÍCa da ^ ^ P u x a v ? 31 Para uma - lu ç ã o tão arruma-
tos de vista í® ' Darwin sentia-se cn direÇa° e aS preconcepÇ° eS
Darwin t e m S 1S SOluci°nou C° m 6SteS d° 1SP°D’
e>como as Hn m do 0 Princinai * dlem a de forma coerente,
sucessivas geraS~ÍSÕes sao genuin*™ científico há mais de cem anos
coaduna com as?° eS têm pr°Pendirimente parte de seu pensamento,
época, tão n r J erdades°Ureform0 3 abra?ar o lado que mais se
pel° Perigos da i n ^ d° “ pr°gresso^ dese-iam aPoiar. Em nossa
carar como f ic c L ? tl1alÍZação e do ar 6 Hiroshima e atormentada
us modificaçõeS r°BSOcial a nítida ° amiamentismo, tendemos a en-
Ção ao ambiente , Pre,Sentam ao me?6^ 0 de Darwin a idéia de que
ciai para um homem3 ' geraÇão d^ \^ emp° proSresso e adaPta'
uações tradicionaii„t notavelrnente bem alcott>Porém, e em espe-
je s s o era uma qxxJ**' a adesão de Da ^ ^ 0 e com fortes incU'
ta !..transform°u.Se a e Gerente ao r ^ 10 ^ n°Ção de que 0 pro-
ro ^ alcott considerava0 Clemento centraT ^ nõrmaI da história d3
Posicionamento sua r darvvinista e x n ^ Um Credo evolucionis-
flrme convicçãnP? Sando através deste cla-
e que a seleção natural
298
assegurava a sobrevivência dos organismos e um progressivo aper-
eiçoamento das formas de vida, numa previsível trajetória rumo
ao SUr8Ímento da consciência.
Walcott escreveu muito pouco acerca de sua visão geral ou “ fi-
íca da história da vida; seus trabalhos publicados não pro-
cio 10nam as indicações explícitas de que necessitamos para solu-
a j ^ °. en^ ma de sua adesão à calçadeira de Burgess, forçando
posC asao todas as criaturas estranhas e desconhecidas em gru-
pro ^ e!ta^e'ec‘dos. Afortunadamente, mais um a vez os arquivos
lhar*0^ ' 0113111 a ^ ocumentação essencial. Em bora preferisse traba-
__ 1,sozlnho e atrás dos bastidores, W alcott tomava nota de tudo
papelSS° r mun^ ° ont^e inexistiam máquinas fragmentadoras de
c amadas telefônicas diretas intercontinentais.
meio a enCOntre' ^ ° 's documentos particularmente reveladores em
no • SUa c°ntínua ênfase no progresso e na existência de um pla-
e c h e io ^ 6 ^ ^ 'St^ r' a v'da. O primeiro é um texto datilografado
"Em b 6 anota<^°es> elaborado para uma conferência intitulada
e certaUSCa ^ pr™e^ras formas de vida” , destinada ao público leigo
teia qu^D ^ Pr° ferida entre 1892 e 1894-* W alcott disse a sua pia­
ra Se . arwm havia proporcionado os elementos necessários pa-
de progress^’^ ^ St° r*a da v' da como “ um a indiscutível seqüência

ram*a^SSem° S °'3ter 0 re8*stro de todas as formas de vida que existi-


belecer*3^ 11 surg™ent0 da vida sobre a Terra, seria possível esta-
atp Uma perfeita seQüência desde os organismos menos evoluídos
ate os mais evoluídos.

l°gia, a|Cott então especificou a seqüência revelada pela paleonto-


damento- a notavel passagem que incorpora as preconcepções fun-
ntais da calçadeira:
No micio o a » .
saram à f aomini° coube aos Cephalopoda, depois os Crustacea pas-
antes de 12016 6 entao os Pe>xes provavelmente tomaram a dianteira,
guinte Serem raP*damente sobrepujados pelos sáurios. Na etapa se-
’ esses ^Pteis terrestres e marinhos predominaram até os mamí-

mento Geo]5COtt 'dent'ficado nesse manuscrito como “ do Serviço de Levanta-


Hle ociflC° 6 cura<^or honorário dos fósseis do Paleozóico no Museu Nacio-
Nstituto Smith°U ° Carg° de curador honorário de 1892 até tornar-se secretário do
do Serviço^n'an° ’ em Presumo 4UC ele ainda não havia assumido a dire­
t o tal. Q 0 6 ljCvantamcnto Geológico, pois nesse caso teria sido identificado
entfe 1892 e ™8°9®'e se lornou diretor cm 1894, a conferência deve ter sido proferida

299
feros entrarem em cena, havendo desde então uma indubit v ^ grn
pela supremacia, que se prolongou até o surgimento do 0 osSos
seguida veio a era das invenções. A princípio, de implemen o
e sílex, de arcos, flechas e anzóis; depois, de lanças e escu os,
e canhões, fósforos de fricção, ferrovias, telégrafos elétrico

Embora todo o credo progressista esteja sumarizado n e s t a até


cas palavras, três aspectos chamam atenção. Em primeiro u& últi"
a invocação da tecnologia para comunicações e transporte, ure.
ma linha, a força propulsora do progresso é inteiramente e og.
za bélica. Os animais triunfaram através da força e dos mus 0de-
os seres humanos, pelos meios de fazer a guerra, ainda mais
rosos. Segundo, Walcott não reconheceu a existência de nen
ruptura entre o biológico e o social em seu uniforme contjnu
avanço progressista. Ele galgou os vários níveis de organizaça
seres vivos, numa escalada ininterrupta, e continuou diretamen _
ra cima com o aperfeiçoamento linear da tecnologia humana-
ceiro, Walcott estava tão envolvido com a idéia de progresso
„ ^ entac|l0 na conquista e na substituição que não percebeu
a e n í S 0 qUC Cle mesmo escrevera. Sua série não é, como foi d
tes de sunen^H S®qüência de progressivas substituições dec0 toS)
num eterno & e anatômica (expressa através dos armame
xes- mais exata^ 0 batalha- ° s répteis não substituíram oS
íarm“ me m o d S T ’ deS representam um grupo de peixes sing«
peixes nunca d e i x l r a m í ^ 0 ^ inusitado ambiente ^ ^ c e a -
nos. Walcott nor^m de Ser 0S vertebrados dominantes nos
linear de progresso, i ^ £ ^ (.im' re? ado " " ' ““ T m c o n « ”-
p Z L doa

derna da fauna de BuropC° 'Sa parec^da com nossa interpretação mp


cepção da vida como umÜ ?oder' a encontrar seu espaço nesta co
tituição por conquista e pc!"11? s^r'e Progressiva baseada na su
cessão de designs orgânico* e[\dendo-se uniformemente desde a
Para Walcott, a fauna de n,a &seqdência de tecnologias humana ■
amplitude limitada de p i , , / ® 65* ’ Sendo andga, tinha de incluir uma
mais aperfeiçoados. De a c o T ' SÍmples de descendentes po sterio ^
^ a’ os c°nceitos modernos dp I ° m e.sta concepção da história
so sao mais do que apenas i lspar'dade máxima e dizimação a
compreensíveis. Nunca *>*» são literalmente * '
a havid0 sequer condições para uma re-
flexão sobre eles. N a visão de ^ alc° ^ ^ (^ ancestrais - em ou-
obrigatoriamente simples, de alcan ceitua\. E , para óue v0
tras palavras, produto da calça ei inferência lógica a par
não tenha dúvida de que W alcott e QUtra passagem do mes-
de suas próprias idéias preconcebí as, versfdade do passado aoí
mo
no texto
texto restringe
restringe explicitamente to a
expuc-u-»»»-------- Mestinadas para
destinadas p ai« o prc
1
limites de umas poucas linhagens p n n ? ’ QU exdntos, estão cias-

nma dimensão moral e religiosa à ca ça nrogresso à sua con-


dade que "Walcott tinha de incluir a noça y/alco tt fez dos
cepção da história da vida. A simplesaesc • . Dara abonar a cal-
caminhos evolutivos foi por si mesma su 1 acaSo. Todavia, se
çadeira e excluir qualquer idéia de diztmaça nrincípios morais
você acredita que a natureza também meo
trás este raro exemplo de
(*) Façamos uma digressão antes de deixarmos pa g auloritário. Em bora
um pronunciamento público teito feito por
pot este
w w homem
----- - , M uitos prui profissionais
escrevesse
tevesse com clareza, W alcott não era um escn or
'Walcott or , ., QSs para
p ara 0o público eigo
cometem o erro de presumir que os textos cienti ico _ abandonar a clareza
clareza
~ especialmente quando se escreve sobre a na^ re^ , dsWorth ou um Thoreau põ­
em favor da descrição extasiada e exagerada. Um e seja seu amor pe
dem fazê-lo; a grande maioria dos naturalistas, por tentar, para não come e
v’da ao ar livre, não tem essa capacidade — e nao rja- Além do mais, ° P
0 Çiue há de mais extremo em matéria de p a ró d ia ,nv exjste em grande número
blico não tem necessidade disso. O “ leigo inteligen qualquer m aneira, po
nao Precisa ser mimado. A natureza brilha por s i mes ' . de ch arles D oolitt e
tém, e com certo constrangimento, eu lhes ofereço u
Walcott a respeito do G rand Canyon ao pôt-do-so . aísnersas e
tos nuvens cuspe
o Céu ocidental está todo em chamas. Os aSrupa™ e refUlgem de laranja
os cirros ondulados capturaram o antagônico es . dos através das a er-
c carmim. Largos feixes oblíquos de luz amare a > crjstas exalçadas e qm
lutas resplandecentes, caem sobre torres e torre es> , j_or menos intenso po
mêricas saliências de rochedos, tingindo-os com , a oeste. A faixa do to
i4m semelhante àquele que incendeia as nuvens si nde espaço interior,
Po é amarelo brilhante; a parte de baixo, rosa p ' ' ,andecente. É chegado
no entanto, é de um vermelho intenso, luminoso um a superfície inco-
o momento do climax. A luz viva do sol derram a interior do abismo
mensurável de vermelho fulgente está se difundin P ^ púrpura da mais
e, mesclando-se com a névoa azulada, transform a a n dudeS) a imponên-
magnificente tonalidade. Não obstante a vastidao ^ nobres que a bele
c'a das formas e a suntuosidade da decoração, n dor
za do Grand Canyon manifesta-se em todo o se

301
£ Que o progresso
ética, então a neces^id P7 ? S*ddidade constituem o fundamento da
mensuravelmente a d Cmterna de uma calçadeira aumenta inco-
derosa; a prescricão n . ? nÇã° ,é p ° r si mesma suficientemente po-
Walcott escreveu a R r ^ confundir. No dia 7 de janeiro de 1926,
gresso sistemático na « osdick acerca do valor moral de um pro-
na evolução:

o sistemático progresso^01* ^ 0 dUC e?dste 0 risco de a ciência destruir


e>a menos qUe possam^ evtduçao humana e produzir uma catástro-
em maior grau o lado a i t S descobr*r algum método para desenvolver
espiritual do homem ruistlc° ou, como diriam alguns, a natureza
0 segundo docume
episódio™?010 Pel° qual W alcottf * moralidade e a calçadeira repre-
cana n 2 Vltal imPortância u* pr° f undamente afetado por um
culminn Secul° Xx — a c r u z a i !?ÍStória da sociedade norte-amer!
velheot Z C° m 0° J^u^m
velhecido m eennttoo sSen
7 luuuamentalista
UndamentaIista aantievolução que
dor dòs
d o pEstados
s ?S! ainda
da forte
a” Tim-^.
f« e w Wd ij PeS> em 1925-
f cJennin™ I925- Tendo----------
à frente o en-
oor dos Wllllam
dência da p d° S Unidos e três Jennmgs Bryan — o maior ora
tuído pelosePadbehCta(Veja^ u l d T S a í T ^ ' 110 derrotado à preS
conseguira nP ptosPtos da inter7
internr * 7cC um movimento cor const:
“* « ■ ddo. texto blb
WM»
en
, NaW=la époc”acol!COlaS Püblicas * * * a pr° lbirem ° “

diante
as ~ edaa Sup^em
suP8“: ™íc° ^^ finalm
« i e a»e :n: tt de
e padronizada
— da dos
dp* «ci ■ -
de vista de quenno a„ -o °orte> IQst
rte’ em 1987 assegurou nossa vitória legí
assegUrou
te legítimos porém en? a e a reügiãn r, Consiste em sustentar o pon
ta ” atribui os mec^n^ependentes. E s t a T ^ em domínios
e reserva os fundam 1Sm° s e 0s fenô reiVlndicação “ separacioni
nistas
nistas em eprai nEmentos
em geral. ?1108 das menos8 naturais
das decisõpmen° naturais ans
aos cientisti
cientist
caminhos trilhados npi°Ca da ^ e r d a d ^ 038 aos teól°g ° s e hurn
Çao de basear as inferé^ natUreza. 0s e.enveredar por todos
dições do mundo ffSl„ fío;„ Clas e Pronuncia
v Pronunnm Cntlstas renunciam aà te
‘enunciam tent
os:
oss fatos da natureza ns Um excelemment0S morais sobre as as< 1
der mnrci
ráter moral. na° mpm-
nao ”I \ ee aH
vciente
lncorPoram adequado arranjo,
WaIcott
. Wa'“ achava *d(* .
« acha,a hunia reivindicação de
an s ,a ,a p o re „ coma » « « tá ,elest
m o r a is r e s p o s t a s q „ e p r d P r ia t la t u r e ? 5^ 0 s e P a r a c i o n i s t a . 1
r a d a s o c t e d a d e e daq h' ' o r ™ b o r a s ! e m ® a a s ' « P o s t a s à s q u e s t i
e a r e i ,g ,a o e p s 0 i s o , ° ' . a d a v id a ” £ ? 0 ° ” “ » ' “ c o n s e r v a ,
em domínios Sen esejava unir a ciên
arad°s que se respeit
sem mutuamente. Com efeito, ele acusou o argumento separacio-
nista de haver insuflado a chama antiintelectual de Bryan, levando
as pessoas a suspeitar que os cientistas na verdade queriam prescin­
dir totalmente da religião (embora tivessem entrado num acordo,
de caráter prático e temporário, a fim de excluir a religião dos as­
suntos da natureza). Assim, Walcott resolveu combater Bryan e suas
idéias publicando uma declaração, assinada por um grupo de res­
peitados tradicionalistas como ele próprio, a respeito das conexões
e*istentes entre a ciência e a religião — em particular sobre a m ani­
festação da obra divina nos caminhos da modificação evolutiva. An­
gariando assinaturas, ele fez circular um a carta entre seus amigos:
Infelizmente, graças à ação de radicais na ciência e na religião, homens
COm a inteligência de William Jennings Bryan têm visto no ensino dos
fatos evolutivos uma grande ameaça à religião.
Um certo número de cientistas e clérigos conservadores está sendo
solicitado a subscrever uma declaração, à qual será dada grande publi­
cidade, a respeito das relações entre a ciência e a religião.
g ^ declaração, publicada em 1923, dois anos antes do julgamento
0s°Pes, trazia Walcott como primeiro signatário e incluía também
P„n^mes de Herbert Hoover e de lideranças científicas como Henry
lr ield Osborn, Edwin G rant Conklin, R. A. Millikan e Michael
h . ' 111111recentes controvérsias” , afirm ava a declaração, “ tem
ca 0 Uma tendência para apresentar a ciência e a religião como
tentP° S 0post°s e irreconciliáveis. [...] Em vez de se oporem ou de
tam » m ocupar 0 lugar um a da outra, elas na verdade se suplemen-

'lsta sóSUn^ ° a argumentaÇão de W alcott, a investida fundam enta-


estava P0C*er*a ser dominada com a demonstração de que a ciência
americem ^ armonia com as verdades religiosas que a m aioria dos
Própria ° S consideravam essenciais para o tecido social e para a sua
Ptonia e s ^ en^ a^e pessoa'- A. maior prova da existência dessa har-
da viqa ___ no caráter ordenado, previsível e progressivo da história
Uevolènci ^ ° 1S ° S camin^ os da evolução revelavam a contínua be-
tendop0ra e a te n ^ ° óe Deus para com sua Criação. A evolução,
Presentava*31mC*P'° a se' eCao natural, que conduz ao progresso, re-
a maneira de Deus manifestar-se através da natureza:

consoCePÇa° de P>eus ^ornecida pela ciência é sublime e inteiramente


e com os mais elevados ideais da religião quando O repre-

303
senta revelando-se, através de incontáveis séculos, no aperfeiçoamen­
to da Terra para servir de moradia ao homem e, há muito tempo, insu­
flando o sopro da vida nos elementos que a constituíam, o que acabou
culminando no homem, com sua natureza espiritual e todo o seu po­
der próprio de um deus.
Nesta passagem fundamental, a calçadeira transforma-se num
instrumento divino. Se a história da vida revela a inequívoca bene­
volência divina em sua marcha ordenada rumo à consciência huma­
na, então a dizimação ao acaso, com uma centena de milhares de
resultados possíveis (e tão poucos levando a alguma espécie dotada
de inteligência consciente de si mesma), não pode ser uma opção
para o registro fóssil. As criaturas de Burgess Shale tinham de ser
ancestrais primitivos de um conjunto de descendentes mais aperfei­
çoados. A calçadeira de Burgess foi mais do que um simples susten-
táculo para uma cômoda e conveniente concepção da vida; ela foi
também uma arma moral e, praticamente, um mandado de Deus.

A cal*adei™ de Burgess e a luta de Walcott


com a explosão cambriana

Se Walcott nunca houvesse encontrado uma rocha do Cambria-


no an es de descobrir Burgess Shale, sua maneira de ser e sua atitu-
l ^ ra ^?e,rCa da evolu?ão teriam por si mesmas gerado a calçadei­
ra. Mas Walcott também tinha razões muito específicas para seu pon-
°. a V*!i a’ 3S <?Uais se baseavam em toda uma vida dedicada aos
estudos do Cambriano e>Particularmente, a sua obsessão com o pro­
blema da explosão cambriana.
. „ ? U devote' 0 P o e ir o capítulo deste livro à documentação da
m u ncia que a iconografia exerce sobre os conceitos. Mostrei co-
mo d " a g e n s básicas _ a escada do progresso e o cone de di-
rlavida fundam”1* a Serviram de esteio para uma concepção geral
temretacãn e « r w esPeranças humanas e forçaram uma in-
mitivos Neste ea ^ a ,dos animais de Burgess como precursores pri-
, ‘ . w ,pi U ° ’ m*nhas duas seções anteriores, a respeito
. cott e de seu ponto de vista acerca da evolução,
f . n haseía ’ SCUar8Umento mais específico, relativo ao Cam­
briano, baseia-se no cone.
^>fu!?oeniffV° re-S ev°^ut'vas como a iconografia padronizada
pa^a | - p rn0tr^ introduzido>na década de 1860, pelo morfolo-
gista alemao Ernst Haeckel. (Outros, incluindo Darwin, no umco

304
desenho que fez para A origem das espécies, haviam usado metáfo­
ras botânicas e desenhado diagramas abstratos ramificados como
indicadores gerais dos relacionamentos existentes entre os organis­
mos. Haeckel, porém, transform ou essa iconografia na representa­
ção preferida da evolução. Ele desenhou numerosas árvores, com
casca real e ramos retorcidos, e colocou um animal verdadeiro em
cada broto de suas frondosas copas.) Em bora para aqueles que fa­
lam o inglês como língua m aterna o nome de Haeckel talvez não
seja tão conhecido como o de Thomas Henry Huxley, ele foi certa­
mente o mais obstinado e influente propagandista da evolução que
jamais existiu. Aquelas árvores, que constituíam um elemento sem­
pre presente no ensino na época em que W alcott estudou e deu au­
las de paleontologia, exemplificam os temas da escada e do cone de
maneira bombasticamente aberta e falazmente sutil.
Para começar, todas as árvores de Haeckel ramificam-se conti-

R e p t i l ia A ves M a m iu a lia
\Lacer-)V?phi-- J| íCheio* ^IlAidonhaâlí Pacdo-)
\ núi II v y1 trophi J i

4.4. A árvore evolutiva de Haeckel para os vertebrados (1866). Embora os peixes


(Pisces) contenham de fato mais disparidade do que todos os demais vertebrados jun
tos, esta falsa iconografia, baseada no cone de diversidade crescente, os restringe
um ramo inferior que aumenta em largura à medida que se expande para cima.

305
otammbaum àeròaugetmere
mil JnbogrifTdes Mensrtitn
cntn ar/tn ami ç m uÁ/iel vat
f-rnsfHaecktl. Jrtut,,<tÁ
4 .5 .
A á rv o re e v o lu tjva
a s '" a m ífe rn «■
’ se Zu " d o U a e c k e l (1
(1866).
8 6 6 ).
f t lP n t o para
nuamente __ ci
vezes permitia .7 e Para fora
sem para dentro n d° ‘S ram° s Pe^fé!"131^ 0 Um cone’ (HaeC
todos os grupos'c o u u P° ’ a filp de abH°S ^ Cada subcone cr
ele preservou c u id a d o ^ 6™ numa só n l CSPaÇ0 suficiente par
ra c'ma e para f 0samente a im Pap na — mas observe <
neira pelaqUai Haecke? P ? ‘e recorreu a 8er3' de cresciment
tre posição inferior blsPôs os m m a esse exPediente.) /
escada e do cone. ^ primttivo, unind°S re^orça a identificaçã
0 assim os temas cen""

306
nia dos v e P° r ex,e mpl° ° tratamento que Haeckel deu à filoge-
em sua c * 6 rf ^ os 4-4; todas as figuras de Haeckel aparecem
Para úma^ ' 6 ^ morp^°^0^ ie^ 1866). A árvore toda ramifica-se
de no to A&fa *°ra’ *orrnand° dois níveis e com maior diversida-
denota c í°' camac*a Inferior, reservada aos peixes e aos anfíbios,
ma, desti^H016016 ^r’m't*v’srno e amplitude limitada; a parte de ci-
^■versidad 3 &3° S r^pte' s’ aves e mamíferos, sugere as idéias de mais
ca em que6 Cma'° r aPerfeiçoamento. Qualquer que tenha sido a épo-
nuam vivos6 ° r*®’naram ’ no entanto, os peixes e os anfíbios conti-
diversidad C os,pf*xes sao dc longe os vertebrados com maior
kel fez n 6 mor^0*°gica e número de espécies. A árvore que Haec-
010 as por ~ ° S mam^ eros (fig- 4.5) ilustra de forma dramática co-
^erados°S1Ç° eS ma*S e*evadas correspondiam aos organismos consi-
Va Podia*11315 avançac*os e 0 modo pelo qual uma diversidade relati-
ramo e r a ^ representada de maneira incorreta quando um pequeno
Nesta á epUlparad° a todo um nível superior de desenvolvimento.
c>alizadas°re,‘ ° S a^ amente diversificados e morfologicamente espe-
afins) s~ artlocláctilos (bovinos, carneiros, cervos, girafas e formas
em cont3° COmpr'm^ os na parte de baixo da árvore. Os primatas,
Pam a u raSte> C*ue c°nstituem um grupo relativamente pequeno, ocu-
turalm 3Se metac^e d° nível superior e situam-se do lado direito, cul-
d0s o s " 16 ^avorecido. Os roedores, os mais diversificados de to­
p a ^ mamiferos, têm de se espremer numa pequena bolha de es-
existè apris' onac*os entre as duas camadas principais — pois não
Naeck'6^ 3^0 ^3ra e*CS no toP°> oncle os dois grupos favoritos de
êúcia)6 ~~ ° S carm'voros (pelo valor geral) e os primatas (pela ar-
oenpam indevidamente um espaço maior do que por di-
eito lhes caberia.
Um S e<lumodermos proporcionam para a iconografia da árvore
tes CS-e CU'*a soluÇão ajuda a resolver outros problemas semelhan­
t e ’ P° 1S3través de Partes duras bem preservadas, já bem documen-
ge *:ernpo de Haeckel, eles contam a mesma história de Bur-
SgSS ' a^e máxima disparidade inicial seguida de dizimação. Ob-
rve como Haeckel reconhece essa disparidade máxima inicial com
nta floresta de ramos primários no começo geológico (fig. 4.6). Mas
cone estabelece que as árvores têm de ser expandir para fora à
e tda que crescem, e assim esses grupos primitivos são reduzidos
0 insignificante espaço disponível na parte de baixo da árvore. A
arvore moderna, radicalmente dizimada, concentra quase toda a sua
tversidade em dois grupos com amplitude de design estritamente
■niitada — as estrelas-do-mar (os “ Asterida” de Haeckel) e os ouri-

307
C°s-do-mar (os

Z ^ J te 3 in,P ^ s ã o d e í ’’}' A ÍCOnografia de Haeckel’ P°rf ’


p ' m c°ntinuo aumento na amplitude dos
Por

Z s o s l Z (fig’ 4-7),eaeestrm °re de Haeckel Para os anelídeos e os


nossa n ' 8anismos de fiu 1 “ 3 na qual WaIco« iria pendurar to-
gess em ,Va interPretaçã0 . ^ , que constituíram a matéria-prima de
exPressãr,°JS ram°s adjacem COtt pôs todos os artrópodes de Bur-
— Sidnev- 0s c°nceitos de " 3 P3rte de baixo desta consumada
e formas apare d? DVo,vimento para cima e para fora
a as foram colocadas entre os “Pocci-

4.6.
de ' «rvore
VerOCOrdo con eVo,dlii,a

nUnu° e Z > ° * Í Se8Ui«°dZ?- dCSte W WWW


^ Sí?0- ° " ^ P r e ss ã o J ^ n u iç llo > e n c o n tr a d o e m B ur-
e d u e a d iv e r s id a d e e a a m p H '
4 - 7- A á r v o r e e v o lu tiv a d o s a r tr ó p o d e s e f o r m a s a fin s , m l' L0" ’° J ? cre sc e n te .
H a e c k e l (1 8 6 6 ), m a is u m a v e z d e a c o r d o c o m o c o n e d e d iv e i

lopoda” de Haeckel, juntamente com os límulos e o s o -


e quase todas as outras formas foram para o ram
des e trilobitos. . áficas nas três
Walcott seguiu todas essas convenções icon ^ ^ al-vas publi-
árvores incompletas que representam suas unl1^ (Je g urgess. To­
cadas de elaborar uma filogenia para os organis^ artr6p0des de Bur-
das aparecem em seu principal trabalho so re os ^ elas ilus-
gess (Walcott, 1912). Apreciadas em seu arranj

309
'

o : r dS>l2p W a lc o tt a ju s to u ^ v in i° t l re p re s e n ,a n c ,o a f i i o g e n i a d o s a r tr ó p o d e s d e
c e s tra l I n eSCada' d e s e n h u n d o U n h a s ° S SBUS d a d o s - e m c o n fo r m id a d e c o m
p riu p v m U m n ° s e u h ip o té tic o in t ■ ? CaS d e c o n v e r s ê n c iu n a d ir e ç ã o d e ttm «n ~
c in c o f 0 i “° d e d is p a r ‘d a d e d e l i u r v ' ° , 'p a ,ia n o - E le ta m b é m m in im iz o u a p rá -
n h a h i ° " ' [ as q u e n a v e r d a d e f o r a m *** ° ° a /' n fla r- e m o r d e m o b v ia m e n te te m p o r a l,
Jade a Z ! ; « l l a d o ^ T ^ 01™ ™ Ca d ir e ita ), e a o tr a ç a r u m a H;
s a p o c a d e B u rg e ss, h ip ó te S<*Uer<*a p a r a s u g e r ir a p e r s is tê n c ia cia d iv e r si -
Se e m
,n jf aavvoo r d a q u a I n ã o e x is te n e n h u m indício-

tram maravilhosamente a r •
d a^H ^!”- ^ ? Uadr° (fig. r ^ 0 0,3 ide° I° g ia pela iconografia-
aaui n n b u içã o e stratigrá fica ^ Pretende'se um a sim p les descrição
ra con fhiarta".to ’ as convenções HUm COntexto fü o g e n é tic o . M esm o
Pos p rin ciW dlspar‘dade de B u r ^ .CSCada e d o co n e conspiram Pa"
grupo de cin'S re^on hecidos. A etr^t n° S ^m ‘tes de uns p o u co s gru-
tar Habelia A /8f ner° s “ m ero sto in ' -^atUa no sentido de reduzir um
« * £ £ £ £ £ * ■ \ uma única linha: ao tra'
cott transmitiu -de 3ncestrais dos a~Sldneyia como uma se-
envolvendo esse^ '!npressão de ter h nptendeos e dos límulos, Wal-
lacionados entre ^ neros c o n te m p o r â í0 Uma sucessão temporal
seguí "— os (e, sabemos hoje, não re-
em ^ g r a í í ' ^ força a i , „
p°s — as liujj de todos os outros gêneros
s dos branquiópodes e a dos
C0ntemnoIT'erOStOmaC*0S’ ^ m*r)0ra todos esses gêneros tenham sido
nhas v e rti^ ^ H 8’ ^ a^cott em°ldurou todo o esquema com duas li-
tinuaram a318' ,an^ ° f entender que as amplitudes posteriores con­
de nenhum ^H3 &^*spar*dade registrada em Burgess — apesar
eialmente 1C1° ^ ’ret0 aP°*ar essa pressuposição. Observe espe-
nhum ore & ^n^ a ^ v*s° r' a a esQuerda não corresponde a ne-
ra levar 3n!*mo e^a ^ Um truciue iconográfico acrescentado pa-
máxima f ° ° S 3 Ver um cone- Sem essa linha a disparidade seria
Nunca du3 HP<HCa ^ ^ ur®ess’ s°frendo depois acentuada redução,
tes. Em ceV't ^ ° P°^er ta‘s iances aparentemente insignifican-
ganha u ^ i 0 sentid°. tudo o que venho tentando dizer neste livro
ra represe ^ C®a n t e ePltome nesse traço vertical — acrescentado pa-
0rganismos ^ Um3 ^*oso^ a de vida e não o registro empírico dos
Num
CPntori segundo truque,
1UMU''» sem o apoio de qualquer dado e acres-
coo ° Para ^ar sustentação a uma interpretação tradicional, Wal-
C0tt rePresentou“ 3; ori8em dos gêneros de Burgess em diferentes ni­
veis de
no. Eie111^ 11-16.™3*0 ^ré-Cambriano que ele chamou de lipalia-
vinculou
aPontav ------ CSSeS mve's com duas linhas inclinadas que
eam b ria n ^ 1531^3 *3a*X0’ na direção de um remoto ancestral pré-
num ne ° h 6 tOC*a a arvore- ^ sse estratagema deu à árvore uma raiz,
dispunlw t ° pr' m'tN ° de limitada disparidade. Mas Walcott não
estado 3 C nen*luma indicação — e hoje continuamos no mesmo
de Bur ^ ex*st^ncia dessa ordem evolutiva entre os artrópodes

eone Se8Unc*° dicigrama de Walcott (fig. 4.9) ilustra a tirania do


diam 6 f° rma ainda mais marcante. Walcott afirmou que se po-
gess _^econ^ecer cinco linhagens distintas entre os artrópodes de Bur-
nism ° S ex^’n^os früobitos e quatro proeminentes grupos de orga-
com ° Sac|uaticos modernos. Uma vez mais ele usou dois truques para
lad ^ mir a disparidade de Burgess e formar a extremidade afuni-
co 3 C cone- Primeiro, ele representou todas as cinco linhagens
^nvergindo à medida que se aproximavam da parte de baixo do
a®rama (sutilmente, no caso de quatro, talvez por ter se sentido
0 Verf=°nhado de fazer tal asserção sem dispor de qualquer dado que
apoiasse; de forma mais ousada, com uma nítida curvatura, para
s merostomados, onde ele citou alguns indícios — veja abaixo).
13 segnndo lugar, ele colocou todos esses fósseis contemporâneos
Cm diferentes posições de seus ramos verticais, insinuando que eles
ePresentavam uma diversificação evolutiva ao longo do tempo. No
ram° dos merostomados ele dispõe oito gêneros (cinco dos quais são

311
conhecidos apenas como contemporâneos na época de Burgess Shale)
a fim de construir uma ligação hipotética entre os merostomados
e os crustáceos: “ Formas como Habelia, Molaria e Emeraldella ser­
vem para preencher o espaço entre os Branchiopoda e os Merosto-
mata, representados por Sidneyia e, posteriormente, pelos euripte-
rídeos” (1912, p. 163). Por fim, a fig. 4.10 m ostra a última e a mais
abstrata das filogenias dos artrópodes de Burgess feitas por Wal-
cott. Até mesmo os grupos maiores estão enfileirados nos ramos ver­
ticais, e toda a árvore converge para um a raiz branquiópode.
Essas filogenias incorporam o elo crucial entre a interpretação
que Walcott deu aos artrópodes de Burgess e o foco anterior de uma
carreira que se estendera por mais de trinta anos de intensa ativida­
de — o estudo das rochas do Cam briano e o problema da explosão
cambriana. O vínculo entre Burgess e a concepção de Walcott a res-

Stribop»

Sidneyia

Am iella

A glatpis ^Hymenocan-
Molaria

4 .9 . O s e g u n d o d ia g ra m a d e W a lc o tt m o s tr a n d o a filo g e n ia d o s a r tr ó p o d e s d e B u r­
g e s s (1 9 1 2 ). U m a v e z m a is, a s lin h a g e n s c o n v e r g e m p a r a u m h ip o té tic o a n c e s tr a l £°~
m u m e d iv e r s a s f o r m a s c o n te m p o r â n e a s s ã o c o lo c a d a s n u m a o r d e m te m p o r a l, à es­
q u e r d a e n a s lin h a s ce n tra is.

312
E uryptcrida

4 .1 0 . A te rc e ira e ú ltim a te n ta tiv a d e W a lc o tt n o s e n tid o d e r e p r e s e n ta r a e v o lu ç ã o


d o s a r tr ó p o d e s (1 9 1 2 ). A s lin h a g e n s a g o r a c o n v e r g e m p a r a u m p o n t o c o m u m e o s
g ra n d e s g r u p o s e s tã o a lin h a d o s , u m a c im a d o o u tr o , n u m d o s trê s r a m o s d iv e r g e n te s.

peito da explosão cambriana proporciona uma explicação definiti­


va e mais específica para sua inevitável e pressurosa aceitação da
calçadeira ao interpretar os fósseis de Burgess.
Em resumo, Walcott achava que os artrópodes de Burgess per­
tenciam a cinco grandes linhagens, já estáveis e bem estabelecidas
no início do Cambriano. Entretanto, se a essa altura a vida já havia
adquirido tamanho grau de diferenciação, ao longo de linhas essen­
cialmente modernas, então as cinco linhagens devem ter existido no
começo da explosão cambriana, tal como foi registrada pelos vestí­
gios fósseis — pois a evolução se dá de forma lenta e gradual e não
através de saltos súbitos e desenfreadas erupções de diversidade. E
se as cinco linhagens já existiam como grupos bem diferenciados,
logo no início do Cambriano, então o ancestral comum a todas elas
teria de ser buscado muito longe no Pré-Cambriano. A explosão cam­
briana, portanto, seria um artefato de um registro fóssil imperfei­
to; os mares do final do Pré-Cambriano, nas palavras de Darwin,
devem ter “ fervilhado de criaturas vivas” (1859, p. 307).
Walcott pensou haver descoberto o motivo de não dispormos
de nenhum indício dessa riqueza pré-cambriana que deveria neces-

313
sanamente ter existid
uci0nacj0 Q mjst^rjo m outras palavras, ele achou que havia so-
s ortodoxos. /\ ÊXp osao cambriana em termos darwinia-
rUP°s esíáveis e bem SI^ ° ^os arfrópodes de Burgess em cinco
A faana de cru,. - C° nheCÍdos ««so lid o u sua solução:
«■suam cinco ranioTnn 9n° Ssugere Que no início do Cambriano
n) Via'n Se Originado na énó” ar8enS ,princiPais f- -J e que todos eles já
s Iniac,0Pré-Cambrian T lpa,iana — o período de sedimentação
e nos continentes at„ ° f 011191 nenfluma parte conhecida está pre-
Devem osn o sl dIUa,s (1912, pp. 160-,).

nenh!^0 en'gma ordin^- ^ 3 explosao cambriana não era em


Santo GrPr<ímÍO menor mas "«jm ^ SUa possível soluCão na0 era
queixai af ' Darwin , como’ i ' ú 3 ê° semelJlante à descoberta do
do n f ° de “ pG; ena,° ° bserva™os, havia publicamente se
emitid0°s UVel’ e pode servir de ° prob,ema permanece inexpüca-
Durante ” ° 859’ p 308) 3,'êUment0 contra os pareceres

cambrianoseXPlÍC3ÇÕes Para*aausê0^ " 1 discutidas duas espécies di-


foram preserv h 0" 3 do artefato dC organismos ancestrais pre­
meies na verri j d° s n° registro f - ■,CS IeaJmente existiram, mas não
vertebrados Co C " Unca existiramSS' í C 3 te° ria da transição rápida
seus descenden?11316*05 Que pudpJ PC ° menos não na forma de in-
ça° anatômica CS’ e a ev°lucãn ^ 601 SC1 íacdmente relacionados a
sas idéias usuaT00^ 11c°m urm ° S .m odernos planos de organiza-
_ — i ^ c a da £ ! £ ? * * ^ « * « « perigo nos-
eonceitos de seleca *nando de f0rm ° das m°dificações evolutivas),
ou Sem hesitação a°t natUral e de e v o ^ 3^ 181'03 (e infundada) os
surtrr Í3lUra eomnuv0rÍa da transicí U? ° ,enta e gradativa, rejei-
a J 0 a Partir de Urn 3 do Cambrian° r^ pida- Ele insistiu que qual-
todn<T”C anaton>ia hrí ° nga série de a° deveria necessariamente ter
na] ori°S trÜobitos s i l j ^ ' “ Não há ,ncestrais pré-cambrianos com
põ a n £ T ' « * Z Z ° S POr dC
E m d° Perí°do Sil, rustaceo o„ j ’ na terminoIogia moder-
teoria do°nSeqÜê^ a Da9"0 O b r ^ tCr ™ ido ™ ito
c a m b ria n o s^ ^ o , n’o ^ Ò T S ° 859’ p‘ 306>’
guem nossos c o m í" 1 ter «xist dPr° Popdo qTe VerSã° ^
bertosdeáguam entes’’.T a,d 0ceanosaK ’ nos temP°s Pre'
dimentos. Portam3”1 recebid0 ^ ‘^ sõ es COl^ tOS onde hoJe se er'
ÍO’ 0S contin Uca °u neni,1 ” Uas de terrenos co-
entes atuais •Uma deP°sição de se-
’ c° ntendo todas as ro-
3/4
chas
mulnn nQP?^em° S exam’nar, ergueram-se numa área que não acu-
respônd" , ? dep<isi' 0 duri,nle 0 pequeno e crucial período cor-
giões de ,
gK5esrtí.íL?..-i -....."s do final
*S *aunas t‘nal do
do Pi
Pré-Cambriano, ao passo que re-
cambrianoUaS faSaS’ c,ue e^et*vamente receberam os sedimentos pré-
°ceânicas S' encontiam_se agora em inacessíveis profundidades

Proporcio3 mU*t0 c*ue Wtilcolt aderira à teoria do artefato. Ela lhe


da vida e d 3Va ° pr’nciP'° hásico para sua abordagem da história
a complex'd ®?0*0g'a .d° Cambriano. Ele nunca teve dúvida de que
Plicavam 1 a .C! a diversidade dos organismos do Cambriano im-
'•^'•lais 3, exist^nc‘a de uma longa série de numerosas formas an-
Primeiro T camhiianas dotadas de anatomia similar. Num de seus
nenhuma d ^ a^ ° S sodre 0 assunto ele escreveu: “ Existe pouca ou
rosa e div U-f^ a de 0,116 a Vlda nos mares Pvè-Olenellus era nume-
Uma que t~S* 1Cac*a ' Descobrir sinais de sua existência é apenas
sua presS S° de Procura-los em locais cujas condições favoreceram
nava o t '1 ^ ene^ us era o termo que na época desig-
Olenellu ° lt0 cana,3r,ano mais antigo que se conhecia, assim, pré-
gos W of 0,11161,3 dizer pré-cambriano. E, num de seus últimos arti-
g°S, Walcott ri' . 7 7 F
sen;o TVi1C°ttdÍSSe:‘‘QUandoseconside:
senvolv' lsse: "Quando se considera o avançado estágio de de-
conu^».11161110 de
conhece'ment° algumas 1,35
^ a,gumas das formas
tórmas de vida mais antigas que se
exist' ' ^ar,ece duase não haver dúvida de que esses organismos
*am hái muito
muito rfinno atrío no d
tempo atrás, ..a
Pré-Cambriano” « 249).
(1916, p. o/feu
Havia
gCm d mu,to que Walcott defendia uma determinada aborda-
n0vosa, ; e0rÍa do artefato que teria sido abalada pela profusão de
nha u * ° S encontrados em Burgess. A teoria do artefato pressupu-
nos l0nga história pré-cambriana para muitos grupos moder-
exis’t ainda due nenhum fóssil tivesse sido encontrado. Portanto, a
gUrnencia de v*da pré-cambriana teria de ser inferida a partir de al-
Ass- aSpecto da história posterior, da qual dispomos de registros.
Cejjlni’ Walc°tt buscou sustentação para a teoria do artefato no con-
não° ‘ C estahihdade. Se o número de designs anatômicos básicos
Qu°i j^ esse mudado ao longo da parte da história da vida para a
ai dispomos de registros, então a estabilidade deve certamente nor-
a r nossa concepção do que ocorreu anteriormente. Um sistema que
^Presentou tal constância durante centenas de milhões de anos po-
c Cria ,er surgido num piscar de olhos, em termos de tempo geológi-
d° ’ °8° antes do início do Cambriano? Uma prolongada estabili-
a e implicava um longo e demorado desenvolvimento a partir de
111 ancestral comum envolto nas distantes brumas do Pré-Cam-
s da linha divisória ni]«C° SUrt° de criatividade iniciado logo an-
DeIiríAg0rapodemo se n te n ^ SSmala ° iníci° do Cambriano.
grun ° 3 P[0por a inclusão / P° r dUe ^ a^cott foi praticamente com-
ta an°Sentã° Conilecidos. pi„°rÇada dos organismos de Burgess nos
frusfr°S anter' 0res gastos (r, lnterpretou a fauna nova à luz dos trin-
um iíirÇa°^ na tentativa de e maior parte do tempo em estado de
Cia,i7ar « b u to prestado a ° mprovar a teoria do artefato, como
or ■ ° na vida do Cambr' 3rWÍn por parte de um geólogo espe-
dente Sm° S de ^ rg e s s a^ ° - E,e não ^ capaz de atribuir aos
suas cre°r^Ue Um am°ntoado d 3ndade ^ ue h°je nos parece tão evi-
v°s f i l o s ^ í 1aÍS preciosas. s e " 0^ ^ teria co,ocado em risC°

ao ‘empo. a ° stensiVa estlu-í- 0 reeistro fóssil ~~ e a:


■eraaSaV;a" ra " . « TOmei. . " ^ e dos grandes ati

dad' \ í ' q“' r homem 5 ™ “ ' Walcotl escolheu esla í


ções a a!COtt abord0ure 3 ^ ^ u iç â o 3173 3° Se ver diante da necess
d n l f e° ógtcas; de° a te°ria dó a e a ^ m a ç ã o ?
Seu a l ! CalÇadeira de T u ' 3 Par‘ir d o r * 0 CPartir de ambas as dirí
neTra fD Umemo « de baií c o n f o r m e ilustra
-euTegad"amente 3 P3rtir do Pré-Cambriano
Ção introdmA1SdUradouro í S ^ ^ a s ^ r transformou-se>da ma
Páginas s o b r e ^ ^ i o n a ^ mai°óa dos n° S manuais’ ” C
Ções grotescas dph'Stória da H-qU.ase ° brigató 318 COntém um3
do passado ref .erudiÇão fa 1Sciplina de n n3’ com duas ou treS
* referiado-Se° p0Ucde, * * tratam. Essas imita-
es c°m u^ g ,°s admiráveis pensadores
rase de duas linhas a res-
qUe m a êUm erro> em gera* interpretado de forma equivocada,
tornamn ra ° quanto e*es eram estúpidos e quão esclarecidos nos
derosos S ^ ocditde Walcott foi um dos homens mais po-
qüalquer13 da c'^ncia norte-americana. Todavia, inquira
resposta ante de geologia a respeito dele e, se obtiver alguma
inventou V° Ce p,rovave^mente ouvirá: “ Ah, sim, aquele cretino que
cambria °,,ln^ . stente intervalo lipaliano para explicar a explosão
meira ve & .°* nesse eontexto que ouvi falar de Walcott pela pri-
le. ^ jj- ?! muito antes de haver tido conhecimento de Burgess Sha-
tendo em ^ tanto P°de ser esclarecedora como cruel. Entretanto,
d0 artef tmente a discussão anterior acerca de Burgess e da teoria
qnada Cre'° ^Ue por f™ posso compreender de forma ade-
de Waic , ,lstor' a do intervalo lipaliano — e reconhecer a sugestão
do __ a? como uma inferência razoável em sua visão geral do mun-
^ainda que eminentemente errada.
fica de arte^at0 f°i fundamental para a perspectiva cientí-
gess tiv a COtt ^ mb °ra suas conclusões acerca da fauna de Bur­
la is dir T em apcaado sua teoria, ele necessitava de um argumento
que viv ° ’ C° m ^aSC em inf°rmações provenientes dos organismos
niais pr^301 n° ^ ‘Cambriano. Para onde haviam ido todos os ani-
univerM r3111^” 31108^ outras idéias incluíam um metamorfismo
d0 tod 3 . ,raçf ° de rochas por calor e pressão) que teria destruí-
fossili ° S ° S ^dsse*s Pré-cambrianos, e uma ausência de partes duras
ria dQZaVeis nas criaturas do Pré-Cambriano. Walcott rejeitou a teo-
camb metamort'smo Porque já havia encontrado muitas rochas pré-
ras ” a? as inalteradas. e argumentou que a teoria das partes du-
3lnda que provavelmente verdadeira, não podería explicar de
0d° o fenômeno.
ern ^ a^cod era basicamente um geólogo de campo especializado
qu r° chas do Período Cambriano. Seguindo as propensões de qual-
c r Pesquisador de campo, ele abordou de maneira óbvia seu cres-
CUrte lnteresse no problema da explosão cambriana — decidiu pro-
rg ar os esquivos ancestrais dos fósseis cambrianos nas rochas mais
centes do Pré-Cambriano. Ele trabalhou durante muitos anos no
d d° S ^ sfados Unidos, nas Montanhas Rochosas canadenses (on-
.? escobriu Burgess) e na China, mas não encontrou nenhum fós-
Pré-cambriano. Assim, ele tentou reconstruir a história geológi-
a e topográfica da Terra, durante o final do Pré-Cambriano, de
maneira que pudesse explicar essa frustrante ausência.
Walcott acabou chegando a uma conclusão oposta à especula-
Ça° de Darwin, embora na mesma linha deste - as rochas que po-

317
deriam abrigar

cas. Darf° ra do n°sso alca f° SSeis do p ré-Cambríano simplesmente


CambrianWln havia s u g e r ir á ’ em ,nacessiveis profundezas oceâni-
te de sedimS Sem Cont'nenfp« ° 3 e x i s t ê n c i a de vastos oceanos pré'
foi urna . entos- ^ alco tt ara™*'™05 ^ue pudessem servir como fon-
W
taiss mu/tnP° Ca de s°erguimf
mu itnP0Ca ,mentou que 0° finai
so erg u im f,mentou final do Pré-Cambriano
Pré-Cambrian
™ * w TT ss d” ^ Z T J °oroee"
*> «>»>w roeenia•'a-com com ~“ s
:°loniZar
c°lonizar U e outros ha ■3tUais• ^m a vez que a vida, de acor
°ott
* m b r £ * *3 }terra
cambriano etra ou ap á m i/w ,a evo^ll,do
evoluído nos oceanos e ainda não
área*
areas atua/mna° Perrnitiram m. .°Ce’ esses vastos continentes pré-
a[uaimíla0 Permitirajrfnn doce’ pr
;ra d a ente a c e < i q e houvesse
e,a da deriyaente acessiveis a n ° OUVesse sedimentação marinha ee>
S e .r l i m p n t a r S r , marinha m

X 3 dos continC° ntÍnentai e „ UnÓS‘ ÍWaJcott escreveu muito antes d

atllaImente a(..fní.es'. ^essa m a n ^ .ICVC dúvidas quanto à posição fj


ec°ntinentes Ss,IVejs às o b s e rv a /3’ CÍe a,'gumentou que os locais
e^Providoj rjP re' CarT)brian0s mi ? eS êeo,ógicas ocupavam o centro
ediment0s dQ Sedimentos m ar- V° maís extensos e, portanto, eram
ne° ü"do d 0 "°0cf j n a í do P r l c a " n
hh ° S d o do P r é - C a m b r i a n o -
mn büma tecnoioeanOS’ a vá r i o s T r!an° pode™ m reaímente existir
a c°ieta de af l a entao existen!U om etr°s de profundidade, mas
Por Wajr'Steniente fam 3" desse* te lo Z ^ ' 3 3 recuperação 0U ^
deden ° tf a essa r ° So “m t c r v T , em Potencial.)
versaiP° S,ção- Wajc/ ase Pré' cambr- ° Ipaliano ” foi o nome dado
durar,,” 9 Sedim enta C3“ SUgeriu a o c n ^ carateri^ d a pela ausência
Cambrian° Critico inte,° IParinfia em / re,?CJa de uma interrupção uni-
n° *t C0n d° s g r u p o /3'0 Corresp0n/ S ,10je acessíveis, justamente
18 de í o s f CSS0 C n m° dern^ Numn? á amp/a geneai° giapré'
êOSto de 19 o ní C,° naí de Q eoT f3m° Sa paíestra proferida
dezo.t ’ C,e a fomou ° '0g,a- Estocoimo, no dia

*■ **» geológicos e pa­


no in,r’,n° °este d 9S n° ,este rtdes sér'es c;„ 3 a soluCão do problema da
ram esT,0r de Alb! An,érica da ^ 'nén'ca d 2 \iTatOS cambrianos e pré-
daalme/ dadas emehn a e C o ^ J V . de m ^ do Alabama ao La-
m°s n e n h i / 'mpôs a ? 3 de sitiai! ^ n i c a ^ e ^ 6 C a l i f ó r n i a a t é befí>
nha v e st/o ,/ depósit0 ° nc,usâ0 . de e x i s t ê n c ; ta a ib é m n a C h in a , fo -

SUr^ e n ? o da / ^ na * 2 ^ Vida’ até que gra'


cas e não biót f3Una do r de °rice 'Canibriann nC3 d° Norte na0 Ie"
ia última faserf3S' f" ^i Emms^ ^ a nno
fase d o Pré. o ^é °rgâniCa
tca COní)ecido
de qug qQue conte-
t0
***<>] [ . 2 é due ? f foudições geoldgi-
0| caractpGri°do A/gonquiano
,zado peta elevação
continental e extensa sedimentação terrígena e m eól i cos e flu-
marinhos e também pela deposição através de processos
viais sobre consideráveis áreas (1910, PP-

E acrescentou: . ^

Sugere-se o n om e de lip alian o p a ra essa ia se de se^ J t0 d a fa u n a d o


desconhecida. [...] O su rg im en to a p a re n te m e n ^ de se(jim en-
C am briano In fe rio r p o d e ser explica o pc p ro x im id ad es d as
tos e, p o rta n to , das fau n a s d o p erío d o h p a h a n o nas p io x im
áreas h oje em ersas (1910, p . 14). _
A explicação de W alcott p od erá parecer força d a da
certamente fo i gerada m ais p ela fru stração ^ u m a ra.
descoberta. T od avia, o inexistente p eríod o P m a n u a is, m as
cionalização to la , com o em geral é apresenta o gxt0 de um jn-
hma síntese plausível dos in d ícios g eo ló g ico s no d esfavorá-
côm odo dilem a. Se W alcott m erece algu m a ods * alter_
vel, isto se deve a sua incapacidade para con si __ e a fa lsa
nativa ao seu p on to de vista acerca dat teoria o a dualism0> que
suposição, im posta por sua antiga preferencia P » * ^ de co n tin u i-
o levou a equiparar a evolu ção a u m a lo n g a s M esm o que
dade ancestral no caso de qualquer criatura COn f orm açõ es g eo ló g i-
a hipótese lip alian a fizesse sen tid o , à 'UZ, ,aS ' -to d em que ele se
cas existentes em sua ép oca, W a lco tt sa ia ^ ^u e urn cien tista
apoiava no m ais traiçoeiro tip o de argum en a ^ . y . ><xen ho ple-
pode recorrer — a evidência negativa, a c° das baseiam -se prin-
na consciência de que as conclusões acim a es ro chas algon qu i-
cipalm ente na ausência de u m a fau n a m arin
nianas” (1910, p. 6). de evidências negati-
E, como freqüentemente acontec disposição de geolo-
vas, a Terra acabou respondendo e coloca mentos marinbos do
gos posteriores uma grande quantida e fóíssil de invertebra-
íinal do Pré-Cambriano — ainda sem n adelix0 da história.
dos complexos. O intervalo lipaliano aca sobredeterminado Pa
Os cientistas gostam de usar o ter™ de alcott à calçadeira
ra descrever um fenômeno como o ap r:dade máxima e Post^ lor
de Burgess. O con ceito m odern o e nor chance jun to a a
dizimação (talvez ao acaso) nunca tev ^ de sua alma concorre
cott porque tantos elementos de sua de vista oposto, re-
ram para garantir a preponderância elementos seria por si
presentado pela calçadeira. eles excluíram qual-
só suficiente para obter o mesmo ete.to, J
319
quer alternativa e sobredeterminaram a interpretação que Walcott
deu a sua maior descoberta.
Para começar, como vimos, o fato de Walcott ser um arquitra-
dicionalista na maneira de pensar e de agir não o levou a favorecer
interpretações não-convencionais em qualquer área da vida. Sua ati­
tude geral acerca da evolução e da história da vida implicava um
lento desdobramento ao longo de caminhos previsíveis definidos pela
escada do progresso e pelo cone de diversidade crescente; este pa­
drão tinha também um significado moral, como uma manifestação
do propósito divino de imbuir a vida de consciência após uma lon­
ga história de esforço ascendente. A maneira específica pela qual
Walcott abordou tal problema de importância crítica, ao qual se de­
dicara durante toda a sua carreira — o enigma da explosão cam-
briana —, fazia com que ele se inclinasse em favor da existência de
um pequeno conjunto de grupos estáveis e claramente distintos nos
tempos de Burgess, de modo a confirmar uma longa história de vi­
da pré-cambriana e sustentar a teoria do artefato acerca da explo­
são cambriana. Por fim, se Walcott tivesse se mostrado disposto a
abandonar seu compromisso ideológico com a calçadeira, à luz dos
dados contraditórios provenientes de Burgess Shale, seus encargos
administrativos não lhe teriam proporcionado tempo para estudar
os fósseis de Burgess com o cuidado e a atenção necessários.
Detive-me nos detalhes da interpretação de Walcott e de suas
fontes porque não conheço nenhum exemplo melhor da mais im­
portante mensagem que é ensinada à ciência pela história: a sutil
e inevitável influência que a teoria exerce sobre os dados e a obser­
vação dos fatos. A realidade não nos fala de forma objetiva e ne­
nhum cientista está livre das coerções da psique e da sociedade. O
maior impedimento à inovação científica é, em geral, um obstáculo
conceituai e não a falta de informações factuais.
A transição de Walcott para Whittington é um excelente exem­
plo deste tema. A nova concepção — uma inovação tão importante
quanto a contribuição dada pela paleontologia para nossa compreen­
são da vida e de sua história — não estava de modo algum fora do
alcance de Walcott. Whittington e seus colegas empreenderam a ra­
dical revisão estudando os espécimes de Walcott e usando técnicas
e ferramentas inteiramente disponíveis na época de Walcott. Eles
não triunfaram na condição de revolucionários conscientes de seu
papel, tentando promover um novo ponto de vista numa investida
apriori. Eles partiram da interpretação básica de Walcott mas logo
avançaram por ambos os lados da dialética entre teoria e dados —

320
porque tiveram tempo para dialogar adequadamente com os fósseis
de Burgess e porque estavam dispostos a ouvir.
A transição de Walcott para W hittington é um marco cuja im­
portância dificilmente poderá ser superada. A nova concepção ad­
vinda de Burgess Shale é nada mais nada menos do que o triunfo
da própria história como um princípio privilegiado na interpreta­
ção da evolução da vida.

BURGESS SH ALE E A N A TU R E ZA DA H ISTÓ RIA

Nossa linguagem é repleta de frases que incorporam os piores


e mais restritivos estereótipos a respeito da ciência. Nós exortamos
nossos amigos a agir de maneira “ científica” — querendo com isso
dizer não-emocional e analítica — ao abordar um problema irritan­
te. Nós falamos em método científico e baseamos a educação de nos­
sos estudantes nesse caminho supostamente monolítico e imensamen­
te eficaz para a obtenção do conhecimento natural, como se uma
única fórmula pudesse revelar todos os multifários segredos da rea­
lidade empírica.
Além de um banal apelo à imparcialidade, o “ método científi­
co” envolve um conjunto de conceitos e procedimentos simboliza­
dos pela imagem de um homem metido num avental branco giran­
do botões num laboratório — experimento, quantificação, repeti­
ção, predição e limitação da complexidade a umas poucas variáveis
passíveis de controle e manipulação. Em bora esses procedimentos
sejam poderosos, eles não abarcam toda a variedade existente na
natureza. Como os cientistas deveriam proceder quando precisam
tentar explicar os resultados da história, aqueles eventos desorde­
nadamente complexos que podem ocorrer apenas uma vez em seu
detalhado esplendor? Inúmeras áreas importantes da natureza — a
cosmologia, a geologia e a evolução, entre elas — precisam ser estu­
dadas com ferramentas proporcionadas pela história. Os métodos
apropriados concentram-se na narrativa, e não nos experimentos,
tal como em geral os concebemos.
Os estereótipos do “ método científico” não têm lugar para a
irredutível história. As leis da natureza são definidas pela sua inva-
riabilidade no espaço e no tempo. As técnicas da experimentação
controlada e da redução da complexidade natural a um conjunto
mínimo de causas gerais partem do pressuposto de que todas as épo­

321
cas podem ser tratadas da mesma forma e simuladas adequadamen­
te em laboratório. O quartzo do Cambriano é como o quartzo m o­
derno — um tetraedro de silício e oxigênio ligados em todos os ân­
gulos. Determine as propriedades do quartzo moderno sob condi­
ções controladas num laboratório e você será capaz de interpretar
as areias de praia do Arenito Cambriano de Potsdam.
Suponha porém que você queira saber por que os dinossauros
morreram ou por que os moluscos prosperaram ao passo que IVi-
waxia extinguiu-se? O laboratório não é irrelevante e talvez lhe pro­
porcione importantes insights por analogia. (Poderiamos, por exem­
plo, aprender coisas interessantes sobre as extinções do Cretáceo tes­
tando as tolerâncias fisiológicas de organismos modernos ou mesmo
de “ modelos” de dinossauros sob as condições ambientais sugeri­
das pelas várias teorias a respeito de seu desaparecimento.) Toda­
via, as técnicas limitadas do “ método científico” não podem che­
gar ao âmago desse singular evento envolvendo criaturas que m or­
reram há muito tempo numa Terra em que o clima e as posições
dos continentes eram muito diferentes dos de hoje. A elucidação da
história tem de apoiar-se na reconstituição dos próprios aconteci­
mentos do passado — em seus próprios termos — com base em in­
dícios narrativos desses fenômenos singulares. Nenhuma lei garan­
tiu a extinção de Wiwaxia, mas um complexo conjunto de eventos
concorreu para assegurar esse resultado — e talvez possamos des­
cobrir quais foram essas causas se, por sorte, houver quantidade su­
ficiente de vestígips em nosso irregular registro geológico. (Até dez
anos atrás, por exemplo, não sabíamos que as extinções do Cretá­
ceo corresponderam temporalmente ao provável impacto de um ou
de diversos corpos extraterrestres sobre a Terra — embora os indí­
cios, sob a forma de assinaturas químicas, estivessem disponíveis
nas rochas da época.)
Há muitas diferenças entre as explicações históricas e os resul­
tados experimentais. Não existe a possibilidade de se comprovar os
fatos através de sucessivas repetições porque estamos tentando ex­
plicar as causas de um conjunto único de detalhes que, tanto pelas
leis da probabilidade como pelo caráter irreversível do transcurso
do tempo, não pode voltar a ocorrer. Não tentamos interpretar os
complexos eventos da narrativa histórica reduzindo-os a simples con-
seqüências das leis naturais; embora os eventos históricos obviamente
não violem nenhum princípio geral acerca da matéria e dos movi­
mentos, eles ocorrem no âmbito dos detalhes contingentes. (A lei
da gravidade nos diz como uma maçã cai, mas não por que aquela

322
maçã caiu naquele momento, e por que aconteceu de Newton estar
sentado lá, pronto para receber a inspiração.) E o aspecto da predi-
ção, um ingrediente central no estereótipo, não entra na narrativa
histórica. Embora possamos explicar um evento após ele ter ocorri­
do, a contingência exclui sua repetição, mesmo se partirmos do mes­
mo ponto inicial. (Custer foi condenado a um destino trágico, quan­
do milhares de eventos concorreram para isolar suas tropas; toda­
via, se o curso dos acontecimentos recomeçasse novamente em 1850
ele talvez nunca chegasse a ver Montana e, muito menos, Touro Sen­
tado e Cavalo Louco.)
Estas diferenças colocam as explicações históricas ou narrati­
vas numa condição desfavorável, quando julgadas pelos restritivos
estereótipos do “ método científico” . Assim, as ciências que tratam
da complexidade histórica tiveram seu status rebaixado e em geral
ocupam uma posição de menor prestígio na avaliação dos profis­
sionais da área. De fato, o ordenamento das ciências de acordo com
o status transformou-se num tema tão familiar que o ranking das
diversas especialidades, tendo a inflexível física no topo e descendo
até assuntos tão elásticos e subjetivos quanto a psicologia e a socio­
logia, tornou-se ele próprio um estereótipo. Essas distinções
incorporam-se a nossa linguagem e as nossas metáforas — as ciên­
cias “ moles” versus as ciências “ duras” , o “ rigorosamente experi­
mental” versus o “ meramente descritivo” . Vários anos atrás, num
ato pouco característico de inovação educacional, a Universidade
Harvard modificou repentinamente o campo conceituai organizan­
do as ciências de acordo com a maneira de proceder e não como
disciplinas convencionais em um currículo central. Nós não fizemos
a costumeira divisão entre ciências físicas e biológicas, mas reconhe­
cemos os dois tipos que acabaram de ser discutidos — o experimental-
preditivo e o histórico. Cada categoria foi designada por uma letra
em vez de um nome. Adivinhe qual divisão tornou-se Ciência A e
qual Ciência B? Meu curso de história da Terra e da vida foi cha­
mado de Ciência B-16.
Talvez o aspecto mais lamentável desse ranking linear seja a acei­
tação da inferioridade pelos que estão na parte mais baixa e suas
insistentes tentativas de macaquear métodos inapropriados, que tal­
vez sejam eficazes no alto da escala. A ordem deveria ser vigorosa­
mente desafiada, e a pluralidade em condições de igualdade reivin­
dicada com orgulho, mas um número excessivo de cientistas da área
histórica age como o prisioneiro que goza de certas regalias e que,
sempre ciente da fragilidade de seus privilégios, supera o próprio

323
guarda do presídio no zelo com que se esforça por preservar o sta-
tus quo de poder e subordinação.
Assim, os cientistas das disciplinas históricas muitas vezes im ­
portam uma caricatura excessivamente simplificada da ciência *‘du­
ra” ou, simplesmente, curvam-se ante os pronunciamentos dos es­
pecialistas de áreas que gozam de um status mais elevado. Muitos
geólogos aceitaram os últimos e extremamente restritivos dados de
lorde Kelvin, em favor de um a Terra jovem, apesar dos dados p ro ­
venientes dos fósseis e das camadas geológicas indicarem nitidamente
um planeta mais antigo. (Os dados de Kelvin traziam o prestígio das
fórmulas matemáticas e o peso da física, embora a descoberta da
radiatividade logo tenha invalidado a premissa de Kelvin de que o
calor que atualmente emana do interior da Terra registra o esfria­
mento do nosso planeta a partir de um estado inicial liquefeito não
muito antigo.) Um número ainda m aior de geólogos rejeitou a deri­
va continental, apesar de um impressionante conjunto de dados a
respeito das antigas ligações entre os continentes, porque os físicos
haviam considerado impossível a movimentação lateral dos conti­
nentes. Charles Spearman fez mau uso das técnicas estatísticas de
análise fatorial a fim de caracterizar a inteligência como uma enti­
dade física, simples e mensurável, situada na cabeça, e depois
rejubilou-se pela psicologia porque ‘‘essa Cinderela entre as ciên­
cias fizera um lance ousado até mesmo para o próprio nível da triun­
fante física” (citado em Gould, 1981, p. 263).
Todavia, as ciências históricas não são piores, mais limitadas
ou possuidoras de uma menor capacidade de chegar a conclusões
firmes pelo fato de o experimento, a predição e a subsunção nas leis
invariáveis da natureza não representarem a forma pela qual elas
costumam operar. As ciências históricas utilizam um tipo diferente
de explicação, baseada na comparação e na riqueza de dados pro­
venientes da observação. Embora não possamos examinar direta­
mente os eventos ocorridos no passado, a verdade é que a ciência
em geral baseia-se em inferências, e não na observação pura e sim­
ples (ninguém consegue ver os elétrons, a força da gravidade ou os
buracos negros).
O que se exige com firmeza de todas as ciências — sejam histó­
ricas ou convencionais — é uma verificabilidade confiável e não a
observação direta. Precisamos ter a possibilidade de determinar se
nossas hipóteses são positivamente erradas ou provavelmente cor­
retas (deixamos as asserções de certeza para os pregadores e os polí­
ticos). A riqueza da história nos impele a utilizar diferentes méto-

324
UMA DEFESA DO ELEVADO STATUS DA HISTÓRIA NATURAL

Não posso compreender o curioso fenômeno que originalmente me levou


a escrever este livro — a saber, que a revisão de Burgess tenha merecido
tão pouca atenção do público em geral e também de cientistas de outras
especialidades — a não ser como uma consequência dessa falsa
hierarquização das ciências de acordo com o status. Sim, eu entendo que
os escritores de assuntos científicos não consultem o Philosophical
Transactions o f the Royal Society, London, e que monografias científicas
com uma centena de páginas possam parecer um tanto atemorizadoras para
aqueles pouco familiarizados com o jargão. Mas não posso acusar
Whittington e seus colegas de esconder as boas novas. Eles também
publicaram artigos em periódicos gerais efetivamente lidos por aqueles que
fazem divulgação científica —principalmente nas revistas Science e Nature.
Eles escreveram meia dúzia de notáveis “artigos de revisão”para seus colegas
cientistas e também um bom número de escritos voltados para o público
em geral, inclusive artigos para o Scientific American e para a Natural
History, além de um popular guia para o Departamento de Parques
Nacionais do Canadá. Eles estão cientes das implicações do seu trabalho
e tentaram transmitir sua mensagem; outras pessoas também ajudaram
(escreví quatro ensaios sobre Burgess Shale para a Natural H istory/ Por
que a história não empolgou o público e tampouco foi considerada
importante?
Um curioso contraste, que aponta para uma solução, podería ser traçado
entre a revisão de Burgess e a teoria de Alvarez, que relaciona a extinção
do Cretáceo com o choque de um ou mais corpos extraterrestres contra a
superfície do planeta. Em minha opinião, essas são as duas descobertas
paleontológicas mais importantes dos últimos vinte anos. Penso que elas
são igualmente importantes e que ambas contam basicamente a mesma
história (enquanto exemplos da extrema incerteza e contingência da história
da vida: dizime deforma diferente os animais de Burgess e nossa própria
espéciejamais chegaria a ser produzida pela evolução; desvie aqueles cometas
para órbitas inofensivas e os dinossauros ainda dominariam a Terra,
impedindo o surgimento dos grandes mamíferos, inclusive o homem). Em
minha opinião, as duas descobertas estão hoje bem documentadas, a revisão
de Burgess provavelmente com mais segurança do que a afirmação de
Alvarez. Não obstante, a assimetria da atenção do público tem sido
assombrosa. A teoria do impacto de Alvarez conquistou a honra de aparecer
na capa da Time, foi apresentada em diversos documentários feitos para
a televisão e tem sido objeto de comentários e controvérsias onde quer que
a ciência seja discutida a sério. Poucos leigos ouviram falar de Burgess Shale
— o que torna este livro necessário.

325
em que w a naiselevado r„ <•. «e/o/, em suma, «">
«v associrJSei<1SUa teor‘a deoer,,2*"*° convenci°™l do termo. Os indícios
caros a n a Z ° laborat°rios — m Z ? ?materiais e objetos que costumam
tudo Para ‘7 de dlrninutas quanttnlçdes precisasfeitas com equipamentos
o renome f nqUÍStar o a p l a Z Z Z de irídi°' A teoria do impacto tem
status. As rprtUm ganhador do N n h ? ^ " C° ~~ aventais brancos, números,
a impressãn < ~,SCriçôes de Burges? „ 6 ° uma P°sKão no topo da escala de
aIguns anim ° Ser Uma sucessão Z °Utro ^ado>dão a muitos observadores
história da estranhos, anteri 6 C°'Sas bizarras — meras descrições de
lim a v a . * R e z a d o s , datando do início da

d°s poucos n ? ° SS0 relacionamlntXCÍtaÇão que ele inJetou em meu camP°


ld Zer <°inda l ° nt6l0S°s due, 7 1 ? ™ ° ° '. Ca/°roso, pois eu era um
P°davia, erZ?6 nem semPre num e início, gostava do que ele tinha a
0 dizer qUe 7?°r de devermos fa t? V'Sdo retrospectiva, por boas razões)'
COfnpreend0 « ,, e talvez fosse tamh< ' Pen°S bem dos mortos, sou obrigado
Pelas tradiçõe* ° / rustração diante 7 ? P°rte do Problema. Eu realmente
devida atenção ° Sradua/ism0 e h * ÚWay Paleontólogos que, seduzidos
Vezes vocifem, ° ° S indícios de aue C . aus?tldade terrestre, nunca deram a
históricas de um C°ntra toda a nn? * dlspunha■Entretanto, Luie muitas
entrevista puh/T T d° Secai, d e Z Z ej pecialidade e contra as ciências
'*■-ÍUriosas New YY oorlrr í? °’ 'POr' ^exemplo,
a o s T Z no J>e\y
- " ^ a s aos crn p io , numa já famosa
bons- Eles se
b°ns- s e ? ? e°ntól°gos
e°ntólogos mas e l ^ “Eu não Sosto de ae dizer
«** coisas
~
Eu reconhe7?em
Eu Parecem mais commascn7 e/es realmenm
r.ealmente não são cientistas m muito
>
p i s t a s d0 Z Z ® rnérito * Z Z ^ d o r e s de selos".
inter°nia’ nSo se Pensam m? ° r d'Zer em voz alta o que muita
arro?7taeÔes histó? eVem a dizer n ‘"tecesse da preservação d‘
Peh ? Cla de um Ca C°S C°m 0 ato de ep" et0 comum> comparando <P
difpZ f^riador a mp° due não ? Z ° lecionar selos, representa a clássica

- um>
o p a ssado com ta n ta
p e r m ite m , p o r c o n s iliê n c ia de in d u ç ã o , ex^ ° e £ M/e A l v a r e z p o d e r i a
c o n fia n ç a (se o s in d íc io s f o r e m b o n s) d u an q u ím ic a s ,
r e u n ir e m f a v o r d e s e u a s t e r ó i d e a t r a v é s a d e r t o d o o a lc a n c e e
N ó s n u n c a te r e m o s a c a p a c id a d e e co , t ip o d a h ie r a r q u iz a ç a
sig n ific a d o d a c iê n c ia a té q u e d e s p e d a c e m o s o d ife r e n te s m o d a li a e
fu n d a m e n ta d a n o status e p a ssem o s a enca c o m o q u a l q u e r C0IS
d e e x p lic a ç õ e s h is tó r ic a s c o m o a t i v i d a d e s t a o a tin g ir m o s e sse n o v
fe ita d e a c o r d o c o m a fís ic a o u a q u ím tc a . e só e n tã o a
a r r a n jo t a x o n ô m i c o d e p l u r a l i d a d e e n t r e a s v js (v e l. D e v e r e m o s e n ao
im p o r tâ n c ia d e B u r g e s s S h a l e s e t o r n a r á c a r a ta s d o tip o “ P o r q u e 0
fin a lm e n te c o m p r e e n d e r q u e a r e s p o s ta a p e n c o n t r a - s e t a n t o (e
se res h u m a n o s tê m a c a p a c id a d e d e p e n s a ' . gncI£I h i s t ó r i c a q u a n
P r o fu n d a m e n te ) n o s p e c u lia r e s c a m in h o s a
n a f i s i o l o g i a d o s n e u r ô n i o s . _______________________ __ ________________

dos para efetuar os testes, mas a v®r\flc^ ^ h a m o s com uma con-


critério pelo qual nos orientamos. Nós t registram as con­
centração de dados abundantes e diverstft ^ ão noS lamentamos
sequências dos eventos ocorridos no ’ flte o passado. s
Pela nossa incapacidade de examinar 1 indícios tão a un
buscamos padrões repetidos, represen a terpretação coordena
dantes e diversificados que nenhuma ou item, tomado iso
da possa se sustentar, muito embora q lusjva.
damente, não proporcione uma prov ciência que viveu no
William Whewell, o grande í ^ o f o da c t ê r ^ <.saltando
culo xtx, criou a palavra “ consiienc1 _. ’ a qUe se adquire
ao mesmo tempo” , para designar a co para sugerir um
do muitas fontes independentes cone de consiliência e 1
terminado padrão histórico. Ele deu 0 díspares provenientes
duçãoà estratégia de coordenar resultados d P
dução à estratégia de coordenar resu
múltiplas
m ú ltip la s ffontes.
o n te s. .. de to
to ddos
o s ooss ccientistas
ie n tis t is
___ ; j ___/->i___
nConsidero n a r Darwm
Charles w i n o moa imato
or a ______
convincentès , qj
de que a
ricos~È\e
ricos. Ele nãô”apênas
não apenas descobriu indíciosmdíci. da vida mas mas tatambém
ção
fuçâo é o princípio coordenador a _ntrai de todos os
c o ____ t . m a centraU e todos seus ^uenl
° s se ber
escolheu conscientemente p a r a te m a , ^ coral e orqnt e ’
tos - OS tratados sobre vermes, r e c t o de £ __ o desen v o lv em »
como seus alentados volumes so re a te rigorosa Pa é.
de uma metodologia diferente p o rto W » * * „ ma variedade de ®
cia histórica (Gould, 1986) a « jS ? S to ,
todos para o entendimento d ~ s preservadas (
Para diferentes densidades de informações P

327
pp. 60-4), embora seu principal argumento apóie-se na consiliência
de Whewell. Nós sabemos que a evolução é necessariamente um prin­
cípio subjacente à ordem da vida porque nenhuma outra explicação
é capaz de coordenar os diversos dados relativos à embriologia, à
biogeografia, ao registro fóssil, aos órgãos vestigiais, aos relaciona­
mentos taxonômicos e assim por diante. Darwin rejeitou de modo
explícito a idéia ingênua porém bastante aceita de que uma causa
precisa ser diretamente observada a fim de que possa se qualificar
como uma explicação científica. Ele escreveu acerca da maneira ade­
quada de se testar a seleção natural, invocando a idéia de consiliên­
cia para a interpretação histórica:
Agora esta hipótese pode ser testada — e esta me parece ser a única
maneira justa e legítima de se considerar toda a questão verifícando-
se se ela é capaz de explicar vários e grandes conjuntos independentes
de fatos, tais como a sucessão geológica dos seres orgânicos, sua dis­
tribuição no passado e no presente, e suas mútuas afinidades e homo-
logias. Se o princípio da seleção natural puder efetivamente explicar
estes e outros grandes grupos de fatos, ele deverá ser aceito (1868, vol.
1, p. 657).
Todavia, os cientistas históricos precisam ir além da simples de­
monstração de que suas explicações podem ser testadas através de
procedimentos diferentes dos do “ método científico” porém igual­
mente rigorosos; eles também têm de convencer os outros cientistas
de que essas explicações do tipo histórico são ao mesmo tempo inte­
ressantes e extremamente informativas. Quando tivermos transfor­
mado o que hoje é “ apenas história” na única explicação completa
e aceitável para fenômenos que todo m undo considera importantes
— a evolução da inteligência humana, ou de qualquer espécie de vi­
da dotada de consciência de si mesma, por exemplo — então nós
teremos vencido.
As explicações históricas assumem a form a de uma narrati­
va: E, o fenômeno a ser explicado, manifestou-se porque D ocor­
reu antes, precedido por C, B e A. Se qualquer dessas etapas ini­
ciais não houvesse acontecido, ou tivesse decorrido de uma outra
maneira, então E não teria existido (ou teria se apresentado de uma
forma substancialmente modificada, E \ exigindo uma explicação
diferente). Assim, E faz sentido e pode ser explicado rigorosamente
como o resultado da sucessão que vai de A a D. E ntretanto, ne­
nhuma lei da natureza determinou a ocorrência de E, qualquer va­
riante E surgida a partir de um conjunto modificado de antece­

328
dentes seria igualmente explicável, ainda que muito diferente na
forma e no efeito.
Não estou falando de acaso (pois E tinha de ocorrer, como
conseqüência de A a D), mas do princípio central de toda a histó­
ria — a contingência. A explicação histórica não se baseia em de­
duções diretas das leis da natureza, mas num a seqüência imprevi­
sível de estados antecedentes onde qualquer grande alteração em
qualquer etapa da seqüência teria modificado o resultado final.
Este resultado final, portanto, depende ou está na contingência
de tudo o que aconteceu antes — a indelével e determinante assi­
natura da história.
Muitos cientistas e leigos curiosos, seduzidos pelo estereótipo
do “ método científico” , acham tais explicações contingentes me­
nos interessantes ou menos “ científicas” , mesmo quando sua pro­
priedade ou correção têm de ser reconhecidas. O Sul perdeu a Guerra
de Secessão com uma espécie de inexorável inevitabilidade após cen­
tenas de eventos importantes terem transcorrido da forma como se
deram — o ataque de Pickett fracassou, Lincoln ganhou a eleição
de 1864 etc. etc. etc. Todavia, volte a fita da história norte-americana
até a compra de Luisiana, a decisão Dred Scott ou mesmo só até
o forte Sumter, e deixe-a correr novamente com apenas algumas pe­
quenas e criteriosas modificações (mais toda a cascata formada por
suas conseqüências), e um resultado diferente, inclusive uma deci­
são oposta para a guerra, poderia ter ocorrido com idêntica inexo-
rabilidade após um determinado ponto. (Eu achava que a superio­
ridade do Norte em termos de população e de produção industrial
havia virtualmente assegurado o resultado desde o início. Todavia,
alguns estudos recentes me convenceram de que guerras por reco­
nhecimento, em oposição às guerras de conquistas, podem ser ven­
cidas por minorias determinadas. O Sul não estava tentando inva­
dir o Norte mas apenas defender suas próprias fronteiras e ser reco­
nhecido como um Estado independente. As maiorias, mesmo no
meio de uma ocupação, podem se tornar suficientemente cansadas
da guerra e propensas a uma retirada devido à incessante atuação
de insurgentes, em particular guerrilheiros.)
Suponha, então, que tenhamos um conjunto de explicações his­
tóricas, tão bem documentado como qualquer dado da ciência con­
vencional. Esses resultados não se manifestam como conseqüências
dedutíveis de alguma lei da natureza; elas nem mesmo podem ser
previstas a partir de alguma propriedade geral ou abstrata de um
sistema mais amplo (como superioridade populacional ou industrial).

329
C o m o podemos negar a tais explicações um papel tão importante
e interessante como o de uma conclusão científica mais convencio­
nal? E u sustento que devemos conceder a elas um status equivalen­
te e m virtude de três razões básicas:
1) Uma questão de confiabilidade. A documentação dos indí­
cios e a plausibilidade da verdade pela refutação das alternativas po­
dem ser tão conclusivas quanto qualquer explicação da ciência tra­
dicional.
2) Uma questão de importância. O impacto equivalente das ex­
plicações historicamente contingentes dificilmente pode ser negado.
A G u e rra de Secessão é o foco e o momento decisivo na história
dos E stad o s Unidos. Questões fundamentais como raça, regionalis­
mo e p o d er econômico devem sua forma atual a esse grande evento
que n ã o precisava ter ocorrido. Se a presente ordem taxonômica e
a relativa diversidade da vida forem mais uma conseqüência da “ sim­
ples h istó ria ” do que uma dedução em potencial a partir dos princí­
pios gerais da evolução, podemos então concluir que o padrão bási­
co d a natureza é determinado pela contingência.
3 ) Um problema psicológico. Até aqui tenho sido demasiado
escusatório. Cheguei até mesmo a resvalar para a retórica da infe­
rio rid ad e — começando pela premissa de que as explicações históri­
cas p o d e m ser menos interessantes e depois lutando belicosamente
pela igualdade. Nenhuma dessas justificativas precisa ser apresen­
tada A s explicações históricas são infinitamente fascinantes por si
m esm as e> de mu*tas maneiras, mais intrigantes para a psique hu­
m ana d o que as inexoraveis leis da natureza. Nós somos tocados de
um a m aneira especial por eventos que não tinham necessariamente
de acontecer mas que, em virtude de causas identificáveis sujeitas
a infinitas trapalhadas e atribulações, acabaram ocorrendo. Em con­
traste, am bas as extremidades da dicotomia usual — o inevitável e
o v erdadeiro acaso — geralmente causam menos impacto em nos­
sas em oções porque elas não podem ser controladas pelos agentes
e o b je to s da ldstõria e, portanto, ou seguem seu curso ou são com­
b atid as sem muitas esperanças de se poder rechaçá-las. Com a con-
tin„gpcia> porém, nós somos seduzidos; nos deixamos envolver; com-
rtilham os as alegrias do triunfo ou a dor da tragédia. Quando per­
cebem 05 que ° verdadeiro resultado não tinha necessariamente de
o c o rre r ’ que qualquer alteração em qualquer etapa ao longo do ca-
m in h ° telda desvlado a cascata dos acontecimentos para um leito
d ife r°n te ’ n° S comPreendernos o poder causativo dos eventos indi-
vidum s ‘ JSÍÓS podemos discutir, lamentar ou exultar com cada deta­

330
lhe — pois cada um conserva o poder de transformação. A contin­
gência é a afirmação do controle do destino por parte dos eventos
imediatos, o reino perdido por causa de um prego de ferradura. A
Guerra de Secessão é uma tragédia especialmente dolorosa porque
um replay da fita poderia ter salvo meio milhão de vidas por milha­
res de diferentes razões — e nós não encontraríamos uma estátua
de soldado, com o nome dos mortos cinzelados no pedestal, em to­
dos os vilarejos e em cada sede de distrito dos velhos Estados Uni­
dos. Nossa própria evolução é uma alegria e um prodígio porque,
embora provavelmente jamais voltasse a acontecer, tendo ocorrido
transforma-se em algo bastante razoável. A contingência é uma au­
torização para participarmos da história, e nossa psique reage a isto.
A questão da contingência, tão pouco entendida e explorada
pela ciência, há muito tem sido um dos esteios da literatura. Obser­
vamos aqui uma situação que talvez possa ajudar a romper as fal­
sas fronteiras entre a arte e a literatura e, até mesmo, permitir que
a literatura ilumine a ciência. A contingência é o tema principal de
todos os grandes romances de Tolstoi. Ela é a fonte de tensão e in­
triga em várias das melhores obras de suspense, de maneira muitís­
simo notável numa recente obra-prima de Ruth Rendell (escreven­
do com o nome de Barbara Vine), A fatal inversion (1987) — um
livro arrepiante no qual se descreve uma tragédia que traga as vidas
e o futuro de uma pequena comunidade através de uma escalada
de acontecimentos aparentemente sem importância, todos peculia­
res e improváveis (embora perfeitamente plausíveis), sendo que ca­
da um deles acarreta um conjunto de conseqüências ainda mais es­
tranhas. Esse expediente faz com que a tram a de A fatal inversion
seja tão intricada e engenhosa que sou forçado a considerar a exce­
lente obra de Rendell como um texto intencional sobre a natureza
da história.
Dois romances populares publicados nos últimos cinco anos es­
colheram a teoria de Darwin como seu tema principal. Para mim,
é especialmente agradável e intrigante que ambos tenham aceito e
explorado a contingência como a mais importante conseqüência da
teoria para nossas vidas. Com esta acertada decisão, Stephen King
e Kurt Vonnegut superam muitos cientistas na compreensão dos sig­
nificados mais profundos da evolução.
A obra de King, The Tommyknockers (1987), rompe uma tra­
dição da ficção científica ao tratar as “ inteligências superiores” ex­
traterrestres não como mais elevadas no sentido geral, mais sábias
ou mais poderosas, porém meramente como astutos beneficiários

331
do grande jogo darwiniano da adaptação através do sucesso repro­
dutivo diferencial em determinados ambientes. (King refere-se a es­
sa permanência como “ evolução m uda” ; eu chamo a isso de darwi-
nismo.)* Esse duvidoso sucesso através de ajustes incessantes e ime­
diatos produz contingência, a qual, então, torna-se o tema dominante
de The Tommyknockers — à medida que os alienígenas fracassam
em seus planos para a Terra, graças em grande parte à atitude in­
tencionalmente ambígua de um professor de inglês habitualmente
cínico, ineficiente e dipsomaníaco. Stephen King reflete sobre a na­
tureza dos eventos determinantes em seqüências contingentes e so­
bre o nível em que a importância desses eventos é percebida nas di­
ferentes escalas:
Não seria eu a lhes dizer que não há planetas em algum lugar do uni­
verso que são grandes restos sem vida de material carbonizado flutuan­
do no espaço em virtude de uma guerra que, iniciada em torno de uma
discussão sobre quem estava ou não utilizando-se egoisticamente de
um número excessivo de secadoras na lavanderia automática local, so­
freu uma escalada que culminou na destruição de todas as formas de
vida nele existentes. Ninguém é realmente capaz de dizer como as coi­
sas irão terminar — ou se isto chegará a ocorrer. [...] Temos obvia­
mente a possibilidade de, sem qualquer ajuda externa, fazer nosso mun­
do explodir algum dia desses por razões que irão parecer igualmente
triviais quando analisadas a partir de um ponto de observação situado
a anos-luz de distância. Vistos de lá nós giramos em torno de um eixo
imaginário, num longínquo raio da Via Láctea, na Pequena Nuvem
de Magalhães. Saber se a União Soviética irá ou não invadir os cam­
pos de petróleo iranianos ou se a o t a n decidiu instalar mísseis ameri­
canos Cruise na Alemanha Ocidental poderá parecer tão importante
quanto determinar de quem é a vez de pagar uma conta correspon­
dente a cinco cafés e a igual número de cervejas.
Galapagos (1985), de Kurt Vonnegut, é um comentário ainda
mais explícito e deliberado sobre o significado da evolução a partir
do ponto de vista de um escritor. Sinto-me especialmente feliz que
um cruzeiro às ilhas Galápagos, um dos principais fatores que leva­
ram Vonnegut a escrever o livro, tenha sugerido a questão da con­
tingência como principal tema inspirado pelo santuário geográfi­

(*) Nossa concordância quanto ao tema, a despeito da terminologia, nos dá


esperança de que mesmo nossas mais implacáveis diferenças de estilo e de moralida­
de possam encontrar um denominador comum nesta importantíssima questão inte­
lectual — pois Steve é o mais fanático dos torcedores do Red Sox, da Nova Inglater­
ra, ao passo que meu coração permanece com os Yankees.

332
co de Darwin. Embora no romance de Vonnegut os caminhos da
história possam ser largamente limitados por princípios gerais, tais
como a seleção natural, dentro desses limites a contingência dispõe
de tal margem de manobra que qualquer resultado em particular
deve-se mais a sutis sucessões de eventos antecedentes do que aos
canais estabelecidos pelas leis da natureza. Galapagos é na verdade
um romance sobre a natureza da história do universo de Darwin.
Eu o recomendaria (e o faço) aos estudantes dos cursos de ciência
como um guia para a compreensão do significado da contingência.
Em Galapagos, o holocausto do despovoamento surge na for­
ma relativamente branda de uma bactéria que destrói os óvulos hu­
manos. Este flagelo começa a propagar-se atacando as mulheres que
compareceram à Feira Internacional do Livro, em Frankfurt, mas
rapidamente se espalha por todo o mundo, deixando de esterilizar
apenas um remanescente isolado de Hom o sapiens. A sobrevivên­
cia da espécie humana passa a depender de um minúsculo e hetero­
gêneo grupo transportado por um barco até as isoladas ilhas Galá-
pagos, fora do alcance das bactérias — o último dos índios kanka-
bono, um turista e mais um ou dois aventureiros. A sobrevivência
e a curiosa propagação dessas pessoas se dá através de uma extrava­
gante sucessão de contingências e, no entanto, todo o futuro da his­
tória humana depende desse diminuto grupo de sobreviventes:
Em questão de menos de um século o sangue de todo ser humano vi­
vendo sobre a Terra será predominantemente kanka-bono, misturado
com um pouco de Von Kleist e Hiroguchi. E esse espantoso curso dos
acontecimentos só se tornou possível, em grande parte, por causa de
uma dentre as apenas duas pessoas absolutamente sem importância
incluídas na lista original de passageiros para o “ Cruzeiro Naturalista
do Século” . Esta era Mary Hepburn. O outro joão-ninguém era seu
marido, que desempenhou o papel crucial na determinação do futuro
da espécie humana ao reservar, no momento em que se defrontou com
sua própria extinção, aquela pequena cabine barata abaixo da linha
de flutuação.
A contingência tem sido também um tema importante em mui­
tos filmes, tanto clássicos como recentes. Em Back to the future [De
volta para o futuro] (1985), Marty McFly (Michael J. Fox) é um ado­
lescente que faz uma viagem no tempo, voltando até a escola secun­
dária onde seus pais estudaram, e precisa lutar para reconstituir o
passado tal como ele efetivamente transcorreu, depois que sua in­
tromissão acidental ameaça alterar a seqüência original dos aconte­
cimentos (quando sua mãe, numa interessante variação em torno

333
do tema de Édipo, fica apaixonada por ele). Embora os eventos que
McFly precisa corrigir pareçam ser ocorrências triviais, absolutamen­
te insignificantes, ele sabe que nada poderia ter maior importância,
uma vez que seu fracasso acabaria resultando em seu próprio desa­
parecimento, já que seus pais nunca acabariam se encontrando.
A maior expressão da contingência, que eu escolhería como
holótipo* do gênero, aparece perto do final da obra-prima de Frank
Capra, I t ’s a wonderful life [A felicidade não se compra] (1946).
George Bailey (James Stewart) levou uma vida de renúncia porque
sua natureza essencialmente generosa o fez adiar suas aspirações pes­
soais a fim de ajudar a família e a comunidade. Sua precária asso­
ciação de empréstimos e edificações foi levada à falência e acusada
de fraude pelas maquinações de mr. Potter (Lionel Barrymore), um
avarento e poderoso escroque local. Desesperado, George resolve
se afogar, mas é salvo pela intervenção de Clarence Odbody, seu
anjo da guarda, que se atira na água antes dele porque sabe que a
bondade de George o levará a socorrer o próximo antes de tratar
de seu próprio suicídio. Em seguida, Clarence tenta animar George
pela via direta: “ Você simplesmente não sabe como foi importante
tudo o que fez” . George, contudo, replica: “ Não fosse por mim to ­
do mundo estaria bem melhor arranjado... Acho que teria sido me­
lhor se eu jamais tivesse nascido” .
Num momento de inspiração, Clarence concede a George seu
desejo e lhe mostra uma versão alternativa da vida na cidade de Bed-
ford Falis, tal como ela teria se passado sem a presença dele. Esta
magnífica cena de dez minutos é ao mesmo tempo um dos pontos
altos da história do cinema e também a melhor ilustração que já en­
contrei do fundamental princípio da contingência — um replay pro­
duzindo um resultado diferente porém inteiramente razoável; alte­
rações aparentemente insignificantes, entre elas a ausência de Geor­
ge, conduzem a uma cascata de diferenças acumulativas.
No replay sem a presença de G eorge tu d o faz m u ito sentid o em
term os de personalidades e forças econôm icas. T o d a v ia , esse m u n d o
alternativo é triste e cín ico, cruel até, a o p asso que G eorge, através

(*) Holótipo” , no jargão dos taxonomistas, é o espécime indicado para ser


o portador do nome de uma espécie. Os holótipos são escolhidos porque os concei­
tos de espécie podem sofrer alterações com o passar do tempo e os biólogos precisam
ter um critério para decidir com quem deverá ficar o nome original. (Se, por exem-
P o, os taxonomistas posteriormente chegarem à conclusão de que duas espécies fo­
ram erroneamente juntadas na primeira descrição, o nome original irá para o grupo
que incluir o espécime holótipo.)

334
de uma vida visivelmente insignificante, havia impregnado o am­
biente de bondade e, conseqüentemente, contribuído para o suces­
so dos seus beneficiários. Bedford Falis, sua idílica cidadezinha norte-
americana, está agora repleta de bares, salões de sinuca e casas de
jogo; ela foi rebatizada de Pottersville, porque a Bailey Emprésti­
mos e Edificações havia desaparecido na ausência de George e seu
inescrupuloso rival assumiu o controle da propriedade e mudou o
nome da cidade. Agora um cemitério ocupa o lugar da comunidade
de pequenas casas que George havia financiado a juros baixos e com
inúmeros perdões para as dívidas. O tio de George, desesperado por
causa da falência, está internado num hospício; sua mãe, fria e in­
sensível, dirige uma pensão barata; sua esposa é uma solteirona en­
velhecida que trabalha na biblioteca municipal; uma centena de ho­
mens morreram num navio-transporte naufragado porque o irmão
de George afogou-se sem que este o socorresse, e nunca cresceu pa­
ra salvar o navio e ganhar a Medalha de Honra.
O astuto anjo, encerrando a discussão, anuncia nesse momen­
to a doutrina da contingência: “ Estranho, não é? A vida de cada
homem afeta tantas outras vidas, e quando ele não está por perto
fica um terrível vazio, não?... Veja bem, George, na verdade você
teve uma vida maravilhosa” .
Contingência é não só o lema mas também a lição que nos é
ensinada pela nova interpretação de Burgess Shale. O fascínio e o
poder de transformação da mensagem de Burgess — uma fantásti­
ca explosão de disparidade precoce seguida de dizimação, talvez em
grande parte ao acaso — estão na confirmação da história como o
principal determinante dos rumos da vida.
A visão anterior de Walcott, diametralmente oposta, abordava
o padrão da história da vida a partir de um tipo de explicação cien­
tífica diferente e mais convencional — previsibilidade direta e sub-
sunção sob as leis invariáveis da natureza. Além do mais, o ponto
de vista de Walcott a respeito das leis invariáveis atualmente seria
considerado mais uma expressão da tradição cultural e das prefe­
rências pessoais do que uma representação acurada dos padrões da
natureza. Como já vimos, Walcott interpretou a história da vida co­
mo a efetivação de um propósito divino que, com toda a certeza,
após uma longa história de progresso lento e gradual, viria a produ­
zir a consciência humana. Os organismos de Burgess tinham de ser
versões primitivas de formas posteriores mais aperfeiçoadas, e a vi­
da tinha de avançar a partir desse começo simples e limitado.
A nova visão, por outro lado, está fundamentada na contin-

335
r d ° Processo R ü a d e s a n a t o m i c a m 7 T ° P O r c io n a r i
5 ° Poder contrni B]Urgess Shale tra n ? 6 comPetentes iuSu ,
a Estória da V' ^ ° r da c°ntingên? ° rma' se no elemento ct
. *>r fímdas; ida e da sua Z " "" dete™inação do pa
é «ão anen?’ e Você aceitar m POS,ção atual.
fascfnio todo e Z 1PreensiVel e im p o r? 0161110 de que a contingé
sas idéias gerais QCla1, então BUr„„.. ante’ mas também possui
Cn,Che uma n a respei<° da Z ! f ° a,te^ Por com pleto,
? e a ,mP r o b a b iiiZ eSpécie de assom h° Padrao ~ e,e também
° a Produzir n« 6 d° ev®nto) n^i / ° também de um ,/W»
Z f - o s /*?/*<, J ? eS humanos. ju :? /ato de a evolução ter chei
çj. ®do indicador) ? ^ ° niJa seu n I 3r6S e m dbares de vezes n
n-eção da históri? de desaparecl ? Cgar 3 Cerca de um mi,ímet
d a ? C° r r e r n o v a l n ° r u * ° d e u m ? * d e v i d o a m udança <
P o c a d e B u r g es<i n t f a f i t a j m il h ~ m , n í l ° i g u a l m e n t e plausíve
n d a ° P Íe n s ^ m a i s Ch d U v i d o q u e a l e i f ° d e Te z e s a P a r t ir d o in íd
a r a v i] j j 0 s a eS a sse a e v o lu i C o ls a P a r e c i d a c o m o H °

; - Trat— —
na eu realmente a'SPUÍa entre a Previsibilidade
rgumentando que nada a res-
336
peito da história da vida pode ser previsto ou, talvez, ser conseqüên-
cia inevitável e direta das leis gerais da natureza? É óbvio que não;
a questão.CQirrque nos defrontamos é de escala, ou de focalização.
A vida apresenta uma estrutura que obedece os princípios da física.
Não vivemos em meio a um caos de circunstâncias históricas não
afetadas por nada que seja acessível ao “ método científico” tal co­
nto ele é tradicionalmente concebido. Desconfio que a origem da
vida na Terra foi praticamente inevitável, considerando-se a com­
posição química dos oceanos e da atmosfera primitivos e os princí­
pios físicos que regem os sistemas auto-organizados. Boa parte da
configuração básica dos organismos multicelulares deve ser limita­
da pelas regras de construção e do bom design. As leis de superfí­
cies e volumes, reconhecidas primeiramente por Galileu, exigem que
os organismos grandes desenvolvam formas diferentes daquelas en­
contradas em seres aparentados de menor porte, a fim de manter
a mesma área superficial relativa. Do mesmo modo, pode-se espe­
rar encontrar simetria bilateral em organismos móveis construídos
por divisão celular. (Os estranhos e desconhecidos organismos en­
contrados em Burgess eram bilateralmente simétricos.)
Todavia, por mais amplos e importantes que sejam esses fenô­
menos, eles estão muito longe dos detalhes que nos interessam acer­
ca da história da vida. As leis invariáveis da natureza afetam as for­
mas e as funções gerais dos organismos; elas estabelecem os canais
em cujos limites deve-se dar a evolução dos designs orgânicos. Mas
os canais são tão largos em relação aos detalhes que nos fascinam!
Eles não determinam especificamente o surgimento de artrópodes,
anelídeos, moluscos e vertebrados. O que eles fazem, no máximo,
é estabelecer a existência de organismos bilateralmente simétricos
baseados em segmentos repetidos. Os limites dos canais afastam-se
ainda mais quando fazemos as perguntas básicas a respeito de nos­
sa própria origem! por que a evolução produziu os mamíferos? Por
que os primatas adotaram uma vida arborícola? Por que o minús­
culo broto que produziu o Homo sapiens originou-se e sobreviveu
na África? Quando focalizamos o nível de detalhamento que regula
as questões mais comuns a respeito da história da vida vemos que
a contingência domina e que, de maneira geral, a previsibilidade
retira-se para um irrelevante segundo plano.
Charles Darwin reconheceu esta distinção fundamental entre leis
controlando os princípios básicos e contingência nos detalhes, nu­
ma célebre troca de correspondência com o devoto evoluciomsta cris­
tão Asa Cray. Este, botânico de Harvard, estava inclinado a apoiar

337
não apenas a demonstração, feita por Darwin, de que a evo uçao
realmente ocorreu, mas também o princípio da seleção natural
como seu mecanismo. Gray, porém, estava preocupado com as ím
plicações para a doutrina religiosa cristã e para o sigm *ca 0 a V1
da. Ele se afligia de forma especial com a possibilrdade de que o
ponto de vista de Darwin não deixasse nenhum espaço para o imp
rio das leis universais e representasse a natureza como se e a osse
moldada inteiramente pelo acaso cego. . . ,
Darwin, em sua profunda resposta, reconheceu a exis en
leis gerais que regulam a vida no sentido amplo, ssas ei ,
mentou ele, voltando-se para a principal preocupação e >
deriam até mesmo (por tudo que sabemos) refletir a P
mais elevado do universo. Contudo, o mundo ama ur
pleto de detalhes, e estes constituem o objeto b S1^ ° irTinrf)nria_
Muitos desses detalhes são “ cruéis” quando ava ia os,
mente, pelos padrões morais humanos. Ele escreveu a
não consigo me convencer de que um Deus bon oso _
tenha intencionalmente criado os icneumonídeos com o aeartas
POSÍ.O de que as Larvas de.es se d »
vivas, e feito o mesmo com os gatos para q ^ _11Kanr;a de mo-
camundongos antes de matá-los” . Como, então, a universo
ralidade nos detalhes poderia ser harmoniza a Darwin
cujas leis gerais refletissem algum Propo^ ° da contingência,
replicou que os detalhes estão situados na es aQ lon_
a qual não é direcionada pelas leis que estabe ece ^ Darwin)
go dos quais se processa a evolução. O umve ^ sejam
respondendo a Gray, é regido pelas leis, c . hp acaso”
bons ou ruins, deixados a cargo do que P °de™°s ° estões reduz-se à
E assim, em última análise, a questão das q ... , . sou as iejs
determinação da linha divisória entre a previsi 1 rontingên-
invariáveis da natureza e as múltiplas possibilida es a
cia histórica. Tradicionalistas como Walcott colocariam a
em baixo que todos os grandes padrões da história a vi
acima da linha, dentro da esfera da previsibilidade (e, para >
nifestação direta dos propósitos divinos). Eu, no entanto, 1 g
uma linha divisória situada tão no alto que quase to os os ev
interessantes da história da vida cairiam na esfera da contingência.
Eu considero a nova interpretação de Burgess Shale como ° me or
argumento proporcionado pela natureza em favor da tese e que a
divisa deva ser colocada numa posição assim tão elevada.
Isto significa — e temos de encarar de frente esta imp ícaçao

338
de um improvável ra ° *?°m o saP‘ens como um minúsculo broto
da árvore está situacT h Um ga,h° contínê ente de uma afortuna"
deDarwin, nó sso n io ° ^ abaixo da Unha divisória. No sistema
e não um propósito ou corporifi-
xados a cargo do nUe H°m ° S deta,hes>sejam bons ou ruins> dei'
iutiva da inteligência cP° dernos chamar de acaso” . Se a origem evo-
ma °u abaixo da linha°cr SOb qua,quer forma está situada ací-
não sei. Tudo o que c IVIsdr,a>trata-se simplesmente de algo que
próximo de repetir o^feit° ^'ZCr ® que nosso planeta nunca esteve

a Perspectiva de serUm ^ SC Slnta cosmicamente desanimado com


como conforto u m '' Um deta^ c no domínio da contingência, cito
explicitamente a e t maravd^ oso Poema de Robert Frost, dedicado
de uma caminhada CaSSUnto: DesiSn fDesígnioJ. Frost, por ocasião
mado por três h ‘ matut’na> encontra um estranho conjunto for-
nação peculiar° JC'° S brancos de geometria diferente. Essa combi-
indicar algum f° rem aproPn a da, argumenta ele, deve certamente
P°rém, houver 0rma de desiSnio; ela não pode ser acidental. Se,
nosso universo ™SS° rea,mente um propósito, então o que será do
moralidade hu P°IS 3 Cena ®Perversa por qualquer padrão de
Proposta por Dar Temos de buscar refúgio na correta solução
te, e ainda pod Wm ®stamos observando um detalhe contingen-
do universo m l m° S esPerar propósito ou pelo menos neutralidade
su como um todo.

SobrT um grande 6 b ran ca’


Como se fosse um ned ranco’.segurando uma mariposa
Uma combinação d*> -3Ç° ngldo de branco tecido acetinado —
Misturados e nrn SmaiS de morte e ««da

E— » - z p i " “ r ■ 4spuma’
0 ° : r : aaquelaf,°r tCVedeser branca,

E depois, no meio d !^ 3 3 ar3nha de mesma cor


° que senão o desígnio d a ^ 0" ^ 2111 Pan* ía a branca mariposa?
- ; - 0 d e s ^ n r r S ^ *

e ,/ On d white heaJ-all, holding up


d p n f ° U n i v e r s o > U m e v e n t o ^ v n f 11/ - é U m a < < c o is a t ã o p e q u e n a ” n u n
u t r o d a e s f e r a d a c o n t in a - ' U lV ° d e s o r c ,e n a d o e i m p r o v á v e l b e m
r S S ã ° - A 1 ^ n s a c h S n ! la; F a Ç a o q u e v o c ê q u i s e r c o m e s t a
h ° n SI , e r e i e s t im u J a n t e e u m 3 p e r s p e c d v a d e p r i m e n t e ; e u s e m p r e a
m a c o n s e q u e n t e r e s n o n 3 ° r tC n ã o s ó d e l i b e r d a d e m a s t a m -
r e s p o n s a b iü d a d e m o r a l.

^ " ■ Í" ™ » « * * w a
a nar, ■A snow-<Jron mornino .j , / Assorted characters of de
innocem What had th 7 n d fi° Wer l i k e a Y L‘ke the in«rcdients of a '
whit„ ~ othea!'ail? What brou f 0VVer to do with h °-h , / A n d dead wings carr
° th th«her in the “*ht the k i n d r e d h„bem g w h ite- / T he w ayside I
ern" * «»* ” í . i ' f i : »•» « « »««■..,/ «
8 °fdarkness to..........
appaJÍ? -

340
5
MUNDOS POSSÍVEIS: O PODER DA
“SIMPLES HISTÓRIA ”

UMA HISTÓRIA DAS A L T E R N A T IV A S

No último capítulo, fiz um sumário breve e abstrato a favor


da contingência. Todavia, a defesa da “ simples história” não se pode
basear apenas na plausibilidade ou na força da argumentação. Pre­
ciso ter a capacidade de convencê-lo por meio de exemplos con­
cretos — de que alternativas dignas, razoáveis e fascinantes pode­
ríam ter produzido uma historia da vida substancialmente divergente
e não abrilhantada pela inteligência humana.
Obviamente, o problema com a descrição de alternativas é que
elas não aconteceram - e não podemos conhecer os detalhes de sua
plausível ocorrência. Tenho certeza, por exemplo, de que nenhum
paleontólogo vivendo na época de Burgess poderia ter examinado
atentamente as 25 possibilidades de designs de artropodes, rejeita­
do Marrella a forma mais comum (e anatomicamente bem propor­
cionada) posto de lado a maravilhosamente complexa Leanchoilia
ou a robusta e comum Sidneyia, e deixado a ecologicamente espe­
cializada Aysheaia ou o raro Sanctacaris entrarem para o grupo dos
eleitos. Porém, mesmo que pudéssemos prever um universo de ar-
Irópodes modernos constituído por descendentes de Marrella, Lean­
choiliae Sidneyia, como poderiamos precisar as formas que seus des­
cendentes assumiríam? Afinal de contas, nao podemos fazer predi-
ções nem mesmo quando conhecemos a linha de descendencia: nao
podemos ver a efemérida em Aysheaia ou a .mva-negra em Sancta-
Como podemos saber que universos tenam s.do produz,dos
por diferentes dizimações? ... consiste em ndo
Creio que a melhor resposta para esse dilema consiste em ado-

341
v% « u u r a Q í j p n i

n ã ^ 0 ^ aSeada ern descendemC^ Sta A° invés de procurar uma ilus-


d i f e r ° / eVlVeiam>considere ^ lncognoscíveis de grupos que de fato
preJ " do apenas quanto à d m° Sum universo alternativo plausível,
Pois n CS em ®Urêess e Jo a r1Vers’dade de dois grupos que estavam
S eSí Caso P ^ i s are^ aram S° breviver até os dias de hoje -
nos n anc,a relativa deles t PCnas conJecturar a respeito da causa
oafrn ° e,nos ~~ um anresp , ° me d° !s ê rupos que vivem nos ocea-
íniciavpUaSe extinto- NaPé " íar ° Uma diversidade explosiva e o
va desiín j* íaS
Va desti® as traJetórias
trajetóriaS) terí*
teríãmos^idf Urgess> Quando os dois grupos
nos recp ° 31 tri“nfar
triunfar e íqual mOS ■S SÍdo
Sld° cupazes
capazes de saber qual esta-
trestas de um m,
tar de f0 S° S 6 frestas m T ^[ia. um síatus secundário, vivendo
3Um
mais r rma plausivel em defe "1 ° ,rnP,acável? Podemos argumen-
a súgeS r Cm íantas o m ía f!! * Um M ultado oposto? (l/ma ve,
Con
C o n -w as lnvestigaçõe« a„
3S lnvestigações n ! ,f 'rtes
eS deste Jlivr°
l v r o.- devo
d e v o este exemple
e s t e exemplo
piano r)Sl
0 Plano J ‘ Gre a distribuição af at erJ°res
erj° res de Simon Conway Morris.)
bos>s são cn ° r.êanÍ2aÇão
cnn°,r- anizaça° mais m cn lUa ! dCde d°
dois
is fi,os que compartilham
Vels e 5 i|atnsíltUld°s por organí0111111 entre os Invertebrados — am-
nente marinh31016046 siniétricos V(?rmiformes alongados, flext-
rePresentam ° d° fil° Annelida J* P° ,quetos> ° principal compo-
Ih°r Sln Unia das grandes h' ° quai pertencem as minhocas),
o / / / v Í T e moderna a Z V ‘StÓl ! as de sucesso da vida. A me-
nas a um a r faniStt1‘y (1982) de <; W o p s is and classificadon
de 8 mil es ressad° sumário de ^ ' Parker>dedica quarenta pági'
' W Z Z S ? - ° * » « £ > Z s n l r? f3mí,ias>mií gêneros e cerca
res>a maior; 3IS de três metros- ,P° lquetos varia de menos de um
lobra e uns n° fllndo do mar* es,viveni em quase todos os luga-
vida tam bém ^05 etn A le n t e i t° réni 3,gUns e m agua doce 0U S3"
mai°r parte d 7 ° ta° diversifie^ CStres úm,'dos. Seus hábitos de
alimenta-se dpCeS ^ de vida livre ° S quanto é possível imaginar: a
t°s; outros têmreSt° S de outros r,CaPfesenta hábitos carnívoros ou
uscos e equ,-nodUnia relação de c^m”1811105 que encontram Ia m°r'
Em contrasterm° s’ e algUns s~ ensa,idade com esponjas, mo-
terrados no suhst ’ C° nsidere os n -a° parasitas-
em três substrato e PnaPulídens ________

342
de dar a essas criaturas o nome de Priapulus, que significa “ peque­
no pênis” .
A armadura da probóscide dos priapulídeos poderia ser moti­
vo de algum sobressalto em analogias injustificadas. Na maioria das
espécies, a parte de baixo exibe 25 fileiras de pequenos dentes enci­
madas por um aro ou anel bucal. A extremidade superior apresenta
diversos pentágonos inscritos, constituídos por dentes, em redor da
boca. A maior parte dos priapulídeos são ativamente carnívoros,
capturando e engolindo suas presas inteiras, embora uma espécie
talvez se alimente de detritos.
Todavia, quando nos voltamos para a sinopse de Parker a res­
peito dos organismos vivos, encontramos apenas três páginas dedi­
cadas aos priapulídeos, com uma pachorrenta descrição de cada fa­
mília. Os priapulídeos simplesmente não dão uma contribuição muito
grande para a diversidade orgânica; os zoólogos encontraram até
agora apenas quinze espécies. Por alguma razão, os priapulídeos não
estão entre as histórias mais bem-sucedidas da biologia moderna.
Uma análise da distribuição dos priapulídeos nos proporciona
uma pista para entendermos seu relativo fracasso. Todos os priapu­
lídeos vivem em ambientes incomuns, severos ou marginais - co­
mo se eles não fossem capazes de competir nos ambientes, rasos e
abertos, freqüentados pelos organismos marinhos mais normais ’
e só pudessem se agüentar em locais onde as criaturas comuns nao
os incomodam. Duas famílias de priapulídeos incluem vermes que
ficaram tão pequenos que vivem entre os grãos de areia, no rico e
fascinante mundo (mas positivamente “ atípico” ) da assim chama­
da fauna intersücial. A maioria dos priapulídeos pertence a família
oa tauna íntersuc mes de maior porte (ate vinte centi-
Priapuhdae, constitui yivem n0 funcj0 do mar. Contudo, es-
metros de comprimen ) ^ ambientes mais generosos encon-
ses priapulídeos nao s Eles vivem em regiões mais frias
trados nas águasrasas , trópicos, e em águas rasas de zo-
- em grandes Proíundl ^ as'frígidos. Eles também conseguem to-
nas de altas
is latitudes e climas trigm
w uiuuw....... . , pondições _— níveis
níveis de
de oxigê-
o;
lerar uma variedade extraordi ambientes improdutivos
nio reduzidos, sulfeto de hi rog ’sez de alimentos, e salinidade
lhes impõem longos p e r í o d o s Pode-se argumentar, de for-
baixa ou sujeita a bruscas flu ? - conseguido se man-
ma bastante razoável, que os PmpuW eos ^ optado
ter precariamente neste mundo penoso e feroz.
por locais hostis porém desproVf marcantes diferenças entre
Nós poderiamos presumir que essas n

343
5.1. O priapulídeo de Burgess, Ottoia, em sua loca, com a probóscide semi-estendi
Desenho de Marianne Collins.

os poliquetos e priapulídeos modernos indicam algo iau mu***-- ,


a respeito da natureza desses dois grupos que suas histórias geológi­
cas seriam um relato contínuo da prosperidade dos poliquetos e &
dura luta dos priapulídeos. Se for assim, estaremos prontos para mais
uma surpresa produzida pela formidável fauna de Burgess. Esse Prl
meiro registro do início do desenvolvimento dos animais modernos
de corpo mole contém seis gêneros de poliquetos e seis ou sete gêne­
ros de priapulídeos. (Veja a monografia de Conway Morris sobre
os priapulídeos, 1977d, e sobre os poliquetos, 1979.)
Alem disso, os priapulídeos de Burgess são, em termos numé­
ricos, o principal componente da fauna e, juntamente com os ano-
dC0S 6 UnS ,P° UC0S artróP°des> os primeiros carnívoros ter­
restres de corpo mole importantes. Ottoia prolífica (fig. 5.1), o Pria'
de Bnr» s-..»eolia suas presas in.eiras. Os
chas) constituíam3.5 COn.!Cas de afinidade incerta, dotadas de corl^
dos 31 esnécimp U3 f 1mentaCào preferida, tendo sido encontra-
gundò a r T m , „ " ° S “ í 8" " 05 de a maioria engolida se-
ou consumidos d nentação ^e’ P°rtanto, quase certamente caçados
tinha sei^hiohddls mandl'a “"'"***>• Om espécime de '
ll‘ld°s no intestino. Outro espécime havia comido men>-

344
5 .2 .
Q elo de Burgess Canadia. Desenho de Marianne Collins.

mo do ree^ f ^ -eS^ C' e — ° ma’s ant^S° exemplo de canibalis-


g registro fóssil.
Priapulíde°ntraSte’ em^ora os P°lÍQuetos (fig. 5.2) se equiparem aos
merosos d °S ^ d*vers/ dade taxonômica, eles são muito menos nu-
Paração ° ^UC CStes a ^ m os- Conway Morris observa: “ Em com-
n°S( 0s C0.™ 0 ^ue ocorre em muitos ambientes marinhos moder-
Htente mode^t*6”08 ^ Eur®ess desempenharam um papel relativa-

dram^ti'^6^ 60161116’ d° S tempos de Burgess para cá alguma coisa


P° em 1Ca 6 desastrosa) aconteceu aos priapulídeos. Houve um tem­
em aK ^ nenhum organismo de corpo mole rivalizava com eles
e atual n anc*a ’ e excediam em número até mesmo os orgulhosos
esq •1^ ente dommantes poliquetos. Hoje, eles são poucos e estão
d0s os> tendo se adaptado às periferias espaciais e ambientais
de nr Ceanr°S' Em todo 0 mundo moderno, a quantidade de gêneros
gular'fPU lde° S provavelmente não é maior que a existente na sin-
lúmb' aRn-a -de ®ur®ess, proveniente de uma única pedreira da Co-
vam 13 r'tan'ca — sendo que os priapulídeos de Burgess ocupa-
acont° Cef o do palco e não as desprezadas províncias. O que

nha h S na° sa^emos- É tentador argumentar que os poliquetos ti­


do m e?de 0 *nic*° alguma vantagem biológica e estavam destina-
neSao tr*an^°’ aPesar de seu começo modesto. Todavia, não temos
q n uma idéia a respeito de qual poderia ter sido essa vantagem.
^ ° away Morris faz a interessante observação de que os poliquetos
e urgess não tinham mandíbulas, e que esses órgãos, presentes

345
nos poliquetos bem-sucedidos, não evoluíram antes do período Or
doviciano. Será que o aparecimento das mandíbulas deixou os P°l'
quetos em situação mais vantajosa do que os priapulídeos, anterior
mente mais abundantes?
bsta suposição é plausível
* » - r -v.v.v». V
» V IUI>v/j V
O U
VJU 7

mos como saber isto. E a existência de uma correlação (mandíbu as


coincidindo com o início da dominância) não implica necessariamente
uma relação de causa e efeito. De qualquer modo, nosso hipotético
geólogo de Burgess não teria sabido que os despretenciosos poliQue
tos desenvolveríam mandíbulas 50 milhões de anos depois.
Embora a distribuição e a escassez dos priapulídeos modernos,
comparadas à abundância dos tempos de Burgess, indiquem que eles
sofreram um grande declínio, quem será capaz de reconstituir as cau
sas desse processo? E quem poderá dizer que um replay da fita da
vida não produziria um mundo moderno dominado pelos priapulí­
deos e com uns poucos poliquetos desprovidos de mandíbulas lu­
tando arduamente para se manterem vivos numa tênue periferia-
O que já aconteceu faz sentido; nosso mundo não é dado a capri
chos. Todavia, muitos outros cenários plausíveis teriam satisfeito
qualquer moderno partidário do progresso e do bom senso, e a pic
pondeiância dos priapulídeos está positivamente entre as coisas que
poderíam ter acontecido.
Essas extravagâncias de Burgess são comuns em toda a história
da vida ou uma excentricidade de origem incerta, desbancada peja
posterior inexorabilidade? Considere mais uma coisa que podei ia
ter acontecido: quando os dinossauros se extinguiram, na débâcle
do Cretáceo, eles deixaram um vazio no mundo dos carnívoros de
gran e porte. O atual reinado dos cães e dos gatos veio a ocorrer
por uma necessidade previsível ou por contingência? Será que um
paleontologo do Eoceno, examinando os vertebrados que existiam
na so milhões de anos, teria sido capaz de prever quão bem-sucedido
sena o ancestral do leão, o rei dos animais?
, ,. ° mínllas dúvidas. O mundo do Eoceno ostentava mui-
às fr,n aêenS mamíferos carnívoros e apenas uma daria origem
fo rm a T ^ T ’ Send° que na éP°<a esta não se destacava de
história I ? 1 ^ ° E° Ceno teve um momento crucial para a
des u m a Carmvoros>uma encruzilhada entre duas possibilida-
caram com S T E m lt n T
D. Matthew e W Graneer’desPI160111010605 norte-americanos W
vrranger descreveram um “ esplêndido e inteira

346
mente inesperado” esqueleto de uma enorme ave pied ^ oming.
ma gigantea, encontrada em estratos do *oe • •. q
Diatryma era uma gigantesca ave terrestre com aSg qos membros, sen-
cedia qualquer ave vivente em tamanho c0 c01' ueleto reconstituí­
do superada apenas pela maior das moas. I - cabeça são comple-
do tem quase 2,10 metros de altura. O pescoço ^ curto e muito
tamente diferentes dos de qualquer ave viva. P , . Q ac\iatado
poderoso e a cabeça enorme e dotada de um g
(Í917). cterizam
A cabeça gigantesca e o pescoço curto ttmdo"contrastc com
Diatryma como um feroz carnívoro, em pacíficos ratitas
a cabeça pequena e o pescoço leve e alo"g* ° 0 Tyran0saurus, pos-
(avestruzes, emas e espécies afins). 1 ai c ■ ^ ca^,eça gran-
suidor de reduzidos membros anteriores mas o escoicea-
de e poderosos membros posteriores, eve
do, arranhado e bicado suas presas até omia . tantes dos grous
Os diatrymídeos, que talvez fossem pare^ es e formas afins,
ntas que não têm nenhuma relação com os av vários milhões
existiram na Europa e na América do or e ^ carnívoros pu­
de anos. Embora o privilégio do domínio e evaiecendo e nós
desse ter cabido às aves, os mamíferos aca ar t 5 rias acerca de
não sabemos o porquê disso. Podemos mv como sendo algo
cérebros de aves, duas pernas e ausência de caninos, mas o
necessariamente inferior à posse de quatro e se as aves ti-
fato é que no fundo de nossos corações sa g -gUa\rnente boas
vessem triunfado, nós poderiamos coataJ. a maior autoridade
a respeito de seu inevitável êxito. A. • ~n a ne acabou de passar,
em paleontologia de vertebrados da geraç
afirmou em seu manual, a bíblia da esp ^ ^ mamí-

A presença dessa grande ave numa epo1^ n^ porâneo era do t^ na’*°£


feros eram muito pequenos (o ca .b.lida(les interessantes &
de um fox terrier) sugere algumas p tinham desaparecí
nunca se concretizaram. Os gran es uista Como possíveis suc ^
superfície da Terra estava aberta à co> Q1 QS prirneiros tenh ra
res havia os mamíferos e as aves. écie como Diatr^ ' Va \i\).
saído vitoriosos, a aparência e u ,QS matníferos (19 •
que inicialmente as aves eram rivai correr novamente
Em todas essas especulações acerca d e ^ ^ e x i^ ^ p la -
tita da vida nós temos nos quei
a fita vercjadeiro replay e
controlado. Não oodemos realizar
neta nos deu a oportunidade de assistir a uma única exibição. Mas
a crucial encruzilhada do Eoceno, entre aves e mamíferos, nos for­
nece outros indícios. Por uma vez, nosso recalcitrante e complexo
planeta realmente nos proporcionou um experimento adequado. Essa
singular fita teve efetivamente um replay, na América do Sul — e
dessa vez as aves venceram ou, pelo menos, conseguiram um hon­
roso empate com os mamíferos!
A América do Sul foi um continente insular, uma espécie de
super-Austrália, até o aparecimento do istmo do Panamá, há uns
poucos milhões de anos. A maior parte dos animais que geralmente
se consideram ser característicos da América do Sul — onça-pintada,
lhamas e antas, por exemplo — são migrantes que chegaram da Amé­
rica do Norte após a emersão do istmo.
Boa parte da grande fauna nativa da América do Sul já desa­
pareceu (ou sobrevive na forma de um modesto, ainda que fasci­
nante, conjunto de remanescentes constituído de tatus, preguiças e

5.3. Um fororactdeo da América do Sul posta-se triunfante sobre um mamífero


que capturou, nesta pintura de Charles R. Knight.

348
gambás, entre outros). Nenhum carnívoro placentário habitou essa
gigantesca arca. A maioria dos livros de divulgação nos diz que os
carnívoros nativos da América do Sul eram todos marsupiais, os as­
sim chamados borianídeos. Eles muitas vezes deixam de dizer que
um outro grupo proeminente — os fororacídeos, aves terrestres gi­
gantes — saiu-se igualmente bem, se não melhor. Os fororacídeos
também possuíam cabeças grandes e pescoços curtos e poderosos,
mas não eram estreitamente relacionados com Diatryma. Na Amé­
rica do Sul, as aves fizeram uma segunda e independente tentativa
de se tornarem os carnívoros dominantes — e dessa vez elas vence­
ram, conforme sugere a famosa reconstituição, feita por Charles R.
Knight, de um fororacídeo postando-se triunfante sobre o mamífe­
ro que capturara (fig. 5.3).
Devido a nosso presunçoso provincianismo centrado nos pla-
centários, talvez digamos que as aves conseguiram triunfar na Amé­
rica do Sul apenas porque os marsupiais eram inferiores aos placen-
tários e não representavam a espécie de desafio que derrotou as aves
terrestres predadoras na Europa e na América do Norte. Podemos,
contudo, estar assim tão seguros? Havia também borianídeos gran­
des e ferozes, que chegavam a ter o tamanho de um urso e incluíam
criaturas tão formidáveis quanto o Thylacosmilus, o dente-de-sabre
marsupial.
Nós poderiamos também dar um sorriso de escárnio e observar
que, de qualquer maneira, os fororacídeos saíram rapidamente de
cena (junto com os borianídeos) logo que os placentários superiores
afluíram através do istmo que estava emergindo. Mas essa habitual
saga de progresso também não se sustenta. G. G. Simpson, nosso
maior especialista em evolução de mamíferos sul-americanos, afir­
mou num de seus últimos livros:

Vez por outra tem-se dito que essas e outras aves sul-americanas inca­
pazes de voar [...] sobreviveram devido à ausência de carnívoros pla­
centários no continente. Essa especulação está longe de ser convincen­
te [...]. A maioria dos fororacídeos, com a exceção de um ou dois re­
tardatários, extinguiu-se antes de os carnívoros placentários terem
alcançado a América do Sul. Muitos dos borianídeos que viveram en­
tre essas aves durante muitos milhões de anos eram altamente predató­
rios. [...] Os fororacídeos [...] tinham mais probabilidade de matar ma­
míferos do que de serem mortos por eles (Simpson, 1980, pp. 147-50).

Devemos concluir, penso eu, que a América do Sul representa


um autêntico replay — e no segundo round venceram as aves.

349
PADRÕES GERAIS QUE ILU STR A M A CONTINGÊNCIA

Esta narrativa a respeito de vermes e aves — a primeira parte


abrilhantada por um rápido exame da história, desde os tempos
de Burgess até os dias de hoje, e a segunda pelas virtudes da repe­
tição através de experimentos naturais — faz com que a contin­
gência deixe de ser uma afirmação geral a respeito da história e
se desloque para a esfera das coisas tangíveis. Ainda que um úni­
co caso possa demonstrar a plausibilidade através de um exemplo,
isso não é suficiente para se constituir numa argumentação com ­
pleta. O raciocínio desenvolvido neste livro precisa de mais dois
esteios finais: primeiro, uma declaração a respeito das proprieda­
des gerais da história da vida que reforçam as asseverações em fa­
vor da importância da contingência; e, em segundo lugar, uma cro­
nologia de exemplos ilustrativos do poder da contingência não ape­
nas em casos selecionados e específicos mas também na m aioria
dos caminhos e possibilidades mais gerais da vida em nosso plane­
ta. Esta seção e a próxima apresentam essas alegações finais em
favor de minha argumentação; um epílogo sobre um interessante
fato completa então o livro.
Se o tempo geológico tivesse atuado exatamente da forma co­
mo Darwin imaginou, mesmo assim a contingência ainda teria seu
lugar, possivelmente com uma parcela um pouco maior dos padrões
gerais da história caindo na esfera da previsibilidade sob princípios
universais. Lembre-se de que Darwin encarava a história da vida de
acordo com as metáforas da competição e da cunha (veja p. 261):
o mundo está repleto de espécies (cunhas aglomeradas numa tora)
e as novas variedades só podem entrar nas comunidades ecológicas
substituindo outras (deslocando as cunhas). O processo de substi­
tuição avança através da competição, segundo os princípios da sele­
ção natural, e as espécies melhor adaptadas vencem. Darwin teve
o palpite de que esse processo, atuando no micromomento do pre­
sente, poderia ser extrapolado para os inumeráveis milênios do tempo
geológico e produzir o padrão global da história da vida. No capí­
tulo 10 de A origem das espécies, por exemplo, Darwin esforçou-se
vigorosamente (embora de forma equivocada, numa visão retros­
pectiva) para demonstrar que as extinções não ocorrem de maneira
rápida e simultânea, envolvendo espécies e ambientes muito dife­
rentes entre si, mas que, na verdade, cada grande grupo vai desapa­
recendo aos poucos, relacionando-se seu declínio com a ascensão

350
de outro grupo mais competitivo.* Todavia, ao utilizar a expressão
“ melhor adaptado” Darwin quis dizer apenas “ mais adequado a
um ambiente local sujeito a alterações” e não superior sob algum
aspecto anatômico no sentido geral. Os caminhos da adaptação lo­
cal têm a mesma probabilidade de restringir ou de aumentar as pers­
pectivas de êxito a longo prazo (simplificação nos parasitas, exces­
so de pormenores nos pavões). Além do mais, nada é tão incons­
tante e imprevisível — tanto em nossas metáforas como em nosso
planeta — do que as alterações climáticas e geográficas. Continen­
tes se fragmentam e se espalham; correntes oceânicas se modificam;
rios alteram seus cursos; montanhas se elevam; estuários secam. Se
o jogo da vida é mais uma questão de acompanhar as modificações
ambientais do que de galgar posições numa escala de progresso, en­
tão a contingência deve imperar.
Eu sustento que a contingência tem um importante papel no
sistema de Darwin, não como um corolário lógico de sua teoria, po­
rém como um tema central e explícito de sua própria vida e obra.
Darwin recorreu à contingência de uma maneira fascinante, fazen­
do dela seu principal argumento em favor do próprio fato da evolu­
ção. Ele fundamentou sua defesa num paradoxo: alguém poderia
pensar que a melhor prova da evolução seriam aqueles primorosos
exemplos de adaptação ótima presumivelmente produzidos pela se­
leção natural — a perfeição aerodinâmica de uma pena ou o impe­
cável mimetismo de insetos que se assemelham a folhas ou galhos.
Tais fenômenos nos proporcionam os exemplos padronizados de nos­
sos livros didáticos a respeito do poder da modificação evolutiva —
embora os moinhos da seleção natural possam trabalhar devagar,
a moagem é de excelente qualidade. Darwin, porém, reconheceu que
a perfeição não constitui evidência em favor da evolução, pois a ex­
celência encobre as marcas deixadas pela história.
Se as penas são perfeitas elas tanto poderíam ter sido projeta­
das a partir do zero por um Deus onipotente, ou ser resultado da
modificação de uma estrutura anterior, através de um processo na­
tural. Darwin reconheceu que os principais indícios da evolução de­
veríam ser procurados nas singularidades, curiosidades e imper-

(*) Como os ambientes podem sofrer alterações demasiado rápidas e profun­


das para a capacidade de reação dos organismos, as extinções cm massa não negam
o princípio da seleção natural. Contudo, os desaparecimentos ocorridos de forma
coordenada realmente opõem-se à preferência de Darwin por extrapolar o presente
para o passado e considerar a competição entre os organismos, grupo contra grupo,
de maneira independente, a causa básica do padrão global da vida.

351
feições reveladas pelos caminhos da história. As baleias, com os
sos pélvicos vestigiais, devem ter se originado a partir de tor
ancestrais terrestres dotadas de pernas funcionais. Os pandas, pa
ra comer bambu, precisam desenvolver um “ polegar” imper
a partir de um osso modificado do pulso porque seus ancestr
carnívoros perderam a indispensável mobilidade do primeiro ^
do. Muitos animais das Galápagos diferem apenas ligeiramen
seus vizinhos do Equador, apesar de o clima dessas ilhas vu c ^
cas relativamente frias divergir profundam ente das condiçoe
contradas na América do Sul continental, próxima dali. e a ^
leias não conservassem nenhum sinal de sua herança terres
os pandas tivessem polegares perfeitos e se os animais das
pagos estivessem inteiramente adaptados aos peculiares am ^
tes locais — então a história não seria inerente às produçoe
natureza. Todavia, nosso mundo é efetivamente m olda o P ^
contingências da desprezada história, e a evolução está à vlSconl0
grande número de estruturas que só podem ser explicadas c
vestígios do passado evolutivo. cQn_
Assim, a contingência tem seu papel até mesmo no mundo
cebido por Darwin a partir da extrapolação da competição org ^
ca em comunidades locais apinhadas de espécies. Contudo, um ^
citante movimento do último quarto do século tem nos leva 0
conhecer que a natureza não é ordenada de forma assim tão con
e uniforme; o grande não surge a partir do pequeno simples
mediante o acréscimo de tempo. Diversos padrões de grande a
ce — baseados na natureza da macroevolução e na história dos a
bientes — impõem suas próprias assinaturas aos caminhos da na
reza, além de romper, reajustar e redirecionar o que quer que ten ^
sido acumulado ao longo do tempo geológico. A maior parte dess
padrões reforça vigorosamente o tema da contingência (veja Gou
1985a). Consideremos apenas dois.

O PADRÃO BURGESS DE MÁXIMA PROLIFERAÇÃO INICIAL

A principal tese defendida neste livro é de que a importância


da contingência é incomensuravelmente aumentada pelo fundarnen
insight que nos é proporcionado por Burgess Shale - o conheC '
mento do fato de que os padrões atuais não evoluíram lentamen
por um continuo processo de proliferação e progresso, mas fora*
estabelecidos por uma drástica dizimação (após uma rápida divers»
ficação inicial dos designs anatômicos), 1pro ^ ^ acas0.
com uma forte senão dominante inte rpnresenta um aconte-
Todavia, necessitamos saber se Burge ^ v^ a __ pois se
cimento fortuito ou um tema geral na his a uma àrvore-de-
a maioria das árvores evolutivas for seme q a contingência
natal, com largura máxima na parte de aix > reconhecida como
recebe o maior apoio possível no senti 0 -da(j e orgânica. Nos
uma força predominante na historia a atribuída a essa ques-
últimos quinze anos, a importância por «esauisas técnicas à
tão levou-me a dedicar boa parte das min caracterizado pela
prevalência, nas árvores evolutivas, de um pa ^ ^973 ; Raup
concentração de peso na parte mais a . e Qerman, 1987).
e Gould, 1974; Gould et al., 1977; Go^ d ’<í reconheceram o padrão
Há muito tempo que os paleontolog de fósseis conven-
Burgess de diversidade máxima inicia em . dermos nos propor­
cionais possuidores de partes duras, s eq tantes modernos
cionam os melhores exemplos. Todos o srep r c^nc0 grandes
deste filo exclusivamente marinho distn „f;uróides (Ophiuroi-
grupos — as estrelas-do-mar (Asteroidea), os ^ Hrios-do-mar
dea), os ouriços-do-mar e as bolachas (Ec_ lIi° ' ’ ^ 0 (j0s compar-
(Crinoidea) e os pepinos-do-mar (Holot ur Apesar disso, as
tilham o padrão básico de simetria pentarr ^ do füo, abri-
rochas do Paleozóico Inferior, no inicio dermoS) inclusive al-
gam de vinte a trinta grupos básicos de equi im ites modernos,
gumas anatomias que ultrapassam em mui 0 bular com base
Gs endrioasteróides construíram seu esquee , de aiguns “ car-
num padrão de simetria trirradial. A simetria 1 coino possíveis
póides” é tão nítida que os paleontólogos os mesmQS (Jeffries,
ancestrais dos peixes e, portanto, tam em , am apenas um único
1986). Os bizarros helicoplacóides desenvo torno do esqueleto
sulco alimentar (e não cinco), que se enro a os sobreviveu
numa espiral em forma de rosca. Nenhum e estj 0 restritos à
ao Paleozóico e todos os equinodermos mo e ^ grupos remo-
simetria pentarradial. E, no entanto, nen u anatômica ou qual-
tos apresenta qualquer indicação de insu ície v:rtude da competi-
Tuer sinal de que estavam sendo elimina os . ~es similares podem
Ção com os designs que iriam sobreviver. vertebrados (on e
ser encontrados na história dos moluscos primitivos mandi-
os primeiros peixes sem mandíbula e os Pel rQ e na ordem dos
bulados apresentavam maior variação n o , i am reunir; a va
ossos do que todas as aves, répteis e mami

353
riedade exterior baseada na estereotipagem do design anatômico
transformou-se num traço característico dos vertebrados).*
Em minhas últimas pesquisas cheguei à conclusão de que o pa­
drão de máxima amplitude inicial é uma característica geral de li­
nhagens de vários tamanhos e de diferentes épocas, e não apenas
dos grandes grupos da explosão cambriana. De fato, tenho sugeri-
do que esta assimetria em que a parte mais pesada fica em baixo
talvez esteja entre os poucos fenômenos naturais que conferem uma
direção ao tempo, servindo assim como um dos raros exemplos de
“ flecha do tempo” (Gould, Gilinsky e German, 1987; Morris, 1984).
Em nosso estudo, representamos as linhagens evolutivas e os gru­
pos taxonômicos utilizando os tradicionais “ diagramas de fuso” da
paleontologia — que são interpretados intuitivamente, com o tem­
po na dimensão vertical e largura proporcional ao número de repre­
sentantes do grupo vivendo em determinado momento (fig. 5.4). Es­
ses diagramas podem ser mais pesados em baixo, mais pesados em
cima ou simétricos (com representação máxima na parte média do
eixo do tempo geológico). Se a história da vida for caracterizada
por linhagens mais pesadas na parte de baixo, então o padrão de
Burgess será a norma em toda a escala da vida (a maioria dos nos­
sos diagramas de fuso representa grupos taxonômicos de categorias
mais baixas, usualmente gêneros dentro das famílias). Se as linha­
gens simétricas predominarem, então a forma de diversificação não
confere nenhuma direção ao tempo.

(*) A repetição do padrão de Burgess em grupos convencionais possuidores de


partes duras é um acontecimento muito auspicioso e conveniente para se testar a prin­
cipal questão colocada pelo fenômeno da dizimação: os perdedores desapareceram
por inferioridade competitiva ou por que lhes faltou sorte? Infelizmente não pode­
mos inferir muita coisa acerca dessa questão fundamental com base no que foi des­
coberto em Burgess Shale, pois sua fauna de animais de corpo mole é apenas um
ponto no tempo, e não dispomos de praticamente nenhum indício sobre o padrão
da dizimação posterior. (Um artrópode do Devoniano, Mime/aster, do Hunsrücks-
chiefer, é provavelmente um parente de Marrella que conseguiu sobreviver; a maior
parte das outras anatomias desapareceu sem deixar descendência e não temos nenhum
indício de como ou quando isso aconteceu.) No entanto, em grupos possuidores de
partes duras, os padrões de extinção podem ser reconstituídos. Paradoxalmente, por­
tanto, a melhor e mais exequível maneira de testar as causas da dizimação de Bur­
gess seria estudar a situação paralela e manejável dos equinodermos. Minha primei­
ra questão: os equinodermos “ fracassados” tendiam a desaparecer em bloco por oca­
sião das extinções em massa ou iam sumindo aos poucos, em ocasiões diferentes e
descoordenadas? A primeira situação seria um forte indício em favor da existência
de um substancial componente de casualidade na dizimação. Embora não tenhamos
a resposta para esta questão, em princípio a solução pode ser obtida.

354
O grau de assimetria é medido pela posição relativa do centro
de gravidade do diagrama. Embora esta explicação possa parecer
complicada, a verdade é que nossos diagramas são intuitivos e de
fácil entendimento. As linhagens com centro de gravidade menor
que 0,5 (mais pesadas na parte de baixo, em nossa terminologia) al­
cançam sua diversidade máxima antes do ponto médio de suas exis­
tências em termos de tempo geológico — isto é, elas seguem o pa­
drão de Burgess. As linhagens com centros de gravidade acima de
0,5 atingem um número máximo de representantes após o ponto mé­
dio de suas existências (veja a fig. 5.4).
Assim, nós estudamos toda a história da vida dos invertebra­
dos marinhos — 708 diferentes diagramas de fuso, no nível de gê­
neros dentro de famílias. Nós encontramos apenas um padrão em
que o desvio da simetria era estatisticamente significativo. As linha­
gens que surgiram no início da história da vida multicelular, ou se­
ja, aquelas que se originaram durante os períodos Cambriano e Or-
doviciano possuem centros de gravidade médios menores do que 0,5.
Os valores médios das linhagens que apareceram mais tarde não são
estatisticamente diferentes de 0,5. O padrão de Burgess está portan­
to confirmado em todos os grupos de invertebrados marinhos dota­
dos de partes duras existentes no registro fóssil convencional. O iní­
cio da história da vida multicelular é marcado pela presença de

co n cen tr ação em baixo sim étrico co n c en tr a ç ã o em cima

DIVERSIDADE DIVERSIDADE
r.
5.4. Centros de gravidade em diagramas pateontológicos de fuso. A) Um diagra­
ma mais pesado na parte de baixo, com centro de gravidade menor do que 0,5. B)
Um diagrama simétrico, com centro de gravidade igual a 0,5. C) Um diagrama mais
pesado na parte de cima, com centro de gravidade maior do que 0,5.

355
linhagens individuais mais pesadas na parte de baixo; épocas poste­
riores apresentam linhagens simétricas.
Além disso, verificamos que o mesmo padrão é a regra para
grupos em fase inicial de expansão. As linhagens mais pesadas em
baixo não são uma singularidade da vida invertebrada do Cambria-
no, mas uma regra geral a respeito da natureza da diversificação evo­
lutiva. Por exemplo: as linhagens de mamíferos que surgiram du­
rante o Paleoceno, o período inicial da explosiva diversificação que
se seguiu ao desaparecimento dos dinossauros, tendem a ser mais
pesadas na parte de baixo, ao passo que as linhagens de origem pos­
terior são simétricas.
Podemos interpretar de diversas maneiras esse padrão de con­
centração de peso na parte de baixo. Gosto de encarar isto como
“ experimentação inicial e posterior estandardização” . A maioria das
linhagens parece ter a capacidade de gerar uma notável disparidade
de designs anatômicos no começo de sua história — experimenta­
ção inicial. Poucos desses designs sobrevivem a uma dizimação ini­
cial e a posterior diversificação ocorre apenas dentro das limitadas
fronteiras anatômicas desses sobreviventes — posterior estandardi-
zação. O número de espécies pode continuar a crescer, atingindo tal­
vez valores máximos em fases mais avançadas da história das linha­
gens, mas essas profundas modificações ocorrem no âmbito de ana­
tomias limitadas — embora tenham sido descritos quase um milhão
de espécies de insetos modernos, atualmente existem apenas três de­
signs básicos de artrópodes, em comparação com os mais de vinte
da época de Burgess.
Como quer que interpretemos este padrão de peso concentra­
do na parte de baixo, ele reforça vigorosamente os argumentos em
favor da importância da contingência e confirma a principal tese de­
fendida neste livro. Em primeiro lugar, o padrão básico é uma refu­
tação de nossa cômoda e convencional iconografia — o cone de di­
versidade crescente. A submissão a essa iconografia e à base concei­
tuai a ela subjacente impediu Walcott de perceber a verdadeira
extensão da disparidade de Burgess e tem continuado a representar
o padrão dominante da evolução numa direção diferente de sua ver­
dadeira forma. Segundo, a disparidade máxima inicial e a posterior
dizimação conferem o papel mais amplo possível à contingência, uma
vez que, se a atual estrutura taxonômica da vida é mais o registro
de um afortunado grupo de sobreviventes de uma dizimação ao acaso
do que o resultado final de uma progressiva diversificação por aper­
feiçoamento adaptativo, então um replay da fita da vida produ-
ziria um conjunto substancialmente diferente de anatomias sobre­
viventes e uma história ulterior perfeitamente plausível em seus pró­
prios termos porém acentuamente diferente daquela que conhecemos.

EXTINÇÃO EM MASSA

Se pudéssemos inferir as causas da evolução extrapolando pa­


ra todo o tempo passado os fenômenos que se verificam no presen­
te, os processos darwinianos imediatos poderiam, por extensão, cons­
truir as topologias das árvores evolutivas. Desde que o próprio Dar-
win viu uma mensagem de progresso, ainda que de forma ambígua
e intermitente, nesse tema da extrapolação do presente para o pas­
sado, qualquer desvio geologicamente fundamentado desse modelo
acumulativo eliminaria o melhor argumento disponível em favor da
idéia de que a história da vida caminha de forma previsível em dire­
ção a um estado cada vez mais avançado.
As extinções em massa têm sido relatadas desde a aurora da
paleontologia. Esses episódios assinalam as grandes divisões da es­
cala de tempo geológico. Até a última década, porém, dois aspectos
da teoria de Darwin levavam os paleontólogos a incorporar as ex­
tinções em massa ao modelo cumulativo. Primeiro, como o próprio
Darwin fez, podia-se tentar interpretar as extinções em massa como
artefatos de um registro fóssil imperfeito. Embora as taxas de ex­
tinção possam ter sido realmente altas nessas épocas, elas provavel­
mente se distribuíam de maneira bastante uniforme ao longõ de vá­
rios milhões de anos, só transmitindo a impressão de simultaneída-
de geológica porque a maioria das épocas não está representada por
nenhum sedimento, de modo que o prolongado período de extinção
talvez esteja comprimido num único plano de estratificação. Segun­
do, podia-se concordar que tais episódios eram especialmente rápi­
dos mas argumentar que a maior pressão ambiental apenas “ aumen­
tava o rendimento” de processos darwinianos destinados a gerar pro­
gresso: se em tempos normais a competição produz um gradual
aperfeiçoamento dos seres vivos, imagine então o que não poderia
resultar de embates incomparavelmente mais violentos disputados
num mundo incomensuravelmente mais árduo. As extinções em mas­
sa deveríam apenas acelerar o processo de previsível avanço.
No decorrer dos últimos dez anos, a questão das extinções em

357
massa tem recebido um novo impulso sob a forma de excitação,
idéias originais e dados consistentes. Embora o estímulo inicial ob­
viamente tenha sido a teoria de Alvarez, a respeito de extinções de­
sencadeadas pelo impacto de corpos extraterrestres, a discussão lo­
go se expandiu para muito além de asteróides errantes e passou a
abranger chuvas de cometas, supostos ciclos de 26 milhões de anos
e modelos matemáticos a respeito do mais autêntico caos. Embora
um relato adequado desse trabalho exija por si só um livro, reco­
nheço um tema geral que pode ser sintetizado numa afirmação de
amplas implicações: as extinções em massa são mais freqüentes, mais
rapidas, têm uma magnitude mais devastadora e produzem efeitos
muito diferentes do que anteriormente se imaginava. Em outras pa­
lavras, as extinções em massa parecem ser verdadeiras rupturas no
fluxo geológico e não simplesmente pontos altos de uma continui­
dade. Elas possivelmente são resultado de alterações ambientais que
se processam com tamanha velocidade e conseqüências tão drásti­
cas que os organismos não conseguem se ajustar através das pres­
sões usuais da seleção natural. Assim, as extinções em massa po­
dem interromper, desfazer ou redirecionar o que quer que possa ter
se acumulado durante os tempos “ normais” intermediários.
A principal questão levantada pelas extinções em massa sem­
pre foi esta: elas obedecem a algum padrão — e, em caso positivo,
quais as causâs desse padrão? A possibilidade mais excitante susci­
tada pelas novas idéias a respeito de extinções em massa é a de que
as razões para a sobrevivência diferencial são qualitativamente di-
erentes das causas de sucesso em tempos normais — conferindo as­
sim uma assinatura característica, talvez padronizada, à diversida-
e e à disparidade na história da vida. Se o agente desse padrão for
a go tão nitidamente geológico e em grande escala, isto iria provar
a a si ade do velho modelo cumulativo que ofereceu à doutrina do
progresso a melhor esperança que lhe resta. Os paleontólogos estão
enas começando a estudar as causas da sobrevivência diferencial,
o juri ícará em recesso durante algum tempo. Não obstante, já
de PYt-ItlC3S ^ortes lo c a ç õ e s de que dois modelos acerca dos padrões
. mç^ I em massa — eu os chamo de modelo do acaso e modelo
a *[as 1 erentes ~ não apenas favorecem a tese da distinção das
. a uras como também reforçam enormemente o tema da con­
tingência.
.. ! mo^ ° d° acaso. É quase desnecessário dizer que, se uma
çao em massa funcionar como uma verdadeira loteria, com ca-
grupo etendo um bilhete sem qualquer relação com suas virtu-

358
des anatômicas, isso terá provado o quanto a contingência é impor­
tante e demonstrado a existência de uma amplitude máxima de pos­
sibilidades por ocasião de novos replays da fita da vida. Nós dispo­
mos de algumas indicações de que o verdadeiro acaso pode ter de­
sempenhado um papel. Alguns dos eventos são tão profundos e o
conjunto dos sobreviventes tão restrito que podem ter ocorrido flu­
tuações ao acaso em pequenas amostras. David M. Raup, por exem­
plo, estimou a perda de espécies na extinção permo-triássica, a mais
antiga de todas, em 96%. Quando a diversidade cai a 4% do seu
antigo valor, precisamos considerar a idéia de que muitos grupos
foram eliminados em virtude de algo muito parecido com a mera
falta de sorte.
Num estudo mais direto, Jablonski (1986) investigou o papel
desempenhado nas extinções em massa por características que, em
tempos normais, reconhecidamente promovem a sobrevivência ou
aumentam a especiação em moluscos marinhos. Jablonski descobriu
que, sob as condições peculiares de uma extinção em massa, nenhum
desses fatores ajudava ou prejudicava a sobrevivência. Pelo menos
no que tange a esses importantes fatores causativos de épocas nor­
mais, as extinções preservam ou aniquilam as espécies ao acaso. A
distribuição geográfica foi praticamente o único fator que Jablons­
ki pôde correlacionar à probabilidade de sobrevivência — quanto
maior a área habitada por um grupo, maiores são suas chances de
sobreviver a uma extinção. Talvez nesses períodos as coisas tenham
ficado tão duras que quanto maior o espaço ocupado normalmente
por uma espécie melhor seriam as suas chances de poder encontrar
algum lugar para se esconder.*
2) O modelo das regras diferentes. Eu mesmo não acredito que
o verdadeiro acaso predomine nas extinções em massa (ainda que
ele provavelmente desempenhe algum papel, especialmente nas ex­
tinções mais profundas). Penso que a maioria dos sobreviventes es­
capa da morte por razões específicas, muitas vezes por um comple­
xo conjunto de causas. Mas também desconfio que, na grande maio­
ria dos casos, os traços que aumentam a sobrevivência durante uma
extinção o fazem de maneiras que são incidentais e que não guar­
dam qualquer relação com as razões pelas quais eles originalmente
evoluíram.
(*) A distribuição geográfica é uma propriedade das populações e não de cara
cóis ou mexilhões tomados individualmente. Assim, mesmo que a sobrevivência es
teja correlacionada à distribuição geográfica, o destino de uma espécie pode ser ca
suai no que diz respeito às virtudes anatômicas de seus indivíduos.

359
Esta asserção é o elemento central do modelo de regras dife­
rentes. Em tempos normais, os animais desenvolvem seus tamanhos,
suas formas e suas fisiologias de acordo com a seleção natural e por
razões específicas (geralmente envolvendo vantagens adaptativas).
Depois vem uma extinção em massa, com suas “ regras diferentes’’
de sobrevivência. Sob as novas normas, seus melhores traços, a causa
de sua prosperidade anterior, podem se transformar em sua senten­
ça de morte. Um traço antes sem importância, que apenas pegou
uma carona no processo evolutivo como conseqüência indireta de
outra adaptação, talvez seja agora a chave da sobrevivência. Em prin­
cípio, pode não haver nenhuma correlação causai entre as razões
para a evolução de uma característica e sua contribuição para a so­
brevivência da espécie sob as novas regras. (Para se testar este mo­
delo, portanto, é fundamental demonstrar que as novas regras efe­
tivamente se impuseram.) Afinal, uma espécie não pode desenvol­
ver estruturas tendo em vista sua potencial utilidade milhões de anos
à frente — a menos que nossas idéias gerais acerca da causalidade
sejam marc^damente errôneas e o futuro possa controlar o presente.
Provavelmente devemos nossa existência a esse tipo de sorte.
Os animais de pequeno porte, por razões que não estão bem claras,
parecem levar uma ligeira vantagem na maioria das extinções em
massa, particularmente na do Cretáceo, que exterminou os dinos­
sauros. Portanto, mamíferos podem ter sobrevivido àquele grande
morticínio basicamente por serem muito pequenos e não porque pos­
suíssem alguma superioridade anatômica intrínseca em relação aos
dinossauros, que a esse tempo estavam condenados a desaparecer
em virtude de seu tamanho. E os mamíferos certamente não eram
pequenos por terem percebido nisso alguma vantagem futura; eles
provavelmente permaneceram pequenos porque os dinossauros do­
minavam os ambientes adequados aos grandes vertebrados terres­
tres — uma razão que em tempos normais seria considerada des­
vantajosa visto que, tanto na natureza quanto na política, os deten­
tores de posições importantes em geral acabam sendo favorecidos.
Kitchéll, Clark e Gombos (1986) apresentaram um interessante
exemplo baseado em diatomáceas, vegetais unicelulares presentes no
plâncton marinho. Os paleontólogos há muito tempo se perguntam
por que as diatomáceas atravessaram relativamente incólumes a ex­
tinção do Cretáceo, enquanto a maioria dos outros componentes do
plâncton foi aniquilada. O crescimento e a reprodução das diato­
máceas depende da disponibilidade sazonal de nutrientes que, nas
zonas de ressurgência, sobem à superfície trazidos por correntes

360
ascensionais vindas de águas profundas. (Esses episódios de res-
surgência desencadeiam as assim chamadas “ florescências” de dia-
tomáceas.) Quando esses nutrientes se esgotam as diatomáceas po­
dem assumir a form a de um “ esporo latente” , suspender tem po­
rariamente seu metabolismo e se deixarem afundar para águas mais
profundas. Esse período de dormência será interrom pido por uma
nova fase de disponibilidade de nutrientes. Kitchell e seus colegas
atribuem o êxito das diatomáceas em resistir aos cataclismos do
Cretáceo a uma conseqüência incidental e indireta da capacidade
de entrar em estado de dormência. Os esporos desenvolveram es­
sa característica como uma estratégia para lidar com flutuações
sazonais e previsíveis de nutrientes e para fazer frente às catástro­
fes ambientais que provocaram as extinções em massa. Não obs­
tante, a capacidade de entrar em estado de dormência pode ter si­
do a salvação das diatomáceas quando passaram a vigorar as no­
vas regras impostas na fase de extinções em massa do Cretáceo,
principalmente se o modelo de “ inverno nuclear” mostrar-se vá­
lido para esse evento — pois a escuridão interrom pería a fotossín-
tese e as extinções se propagariam ao longo de uma cadeia alimen­
tar em última análise dependente dos produtores primários, ao pas­
so que as diatomáceas poderíam sobreviver à tempestade negra na
forma de esporos latentes em águas situadas abaixo da zona fótica.
Assim, o modelo de regras diferentes rompe a continuidade
causai que Darwin imaginou haver entre as razões para o êxito no
âmbito de populações locais e as causas da sobrevivência e proli­
feração através de longos períodos de tempo geológico. Esse mo­
delo, portanto, confere à contingência, considerada essencialmente
imprevisível, um papel muito mais im portante na evolução. Se o
êxito a longo prazo depende de aspectos incidentais de caracterís­
ticas que evoluíram por razões diferentes, como então poderiamos
saber, se voltássemos a fita da vida até um passado distante, quais
grupos estavam destinados ao sucesso? O desempenho e a evolu­
ção desses grupos durante o período em que os estivéssemos ob­
servando não seriam relevantes. Em bora pudéssemos adiantar al­
guns palpites baseados em características incidentais que em geral
contribuem para a sobrevivência em períodos sujeitos a alterações
ambientais que causam extinções em massa, como poderiamos fa­
zer essas previsões com alguma segurança? Num im portante sen­
tido, essas cruciais características nem ao menos existem até que
as regras diferentes da extinção em massa tornem seus efeitos in­
cidentais relevantes — pois talvez seja necessário uma pressão am­

361
biental extrema para “ ativar” essas características e os animais
talvez nunca cheguem a experimentar tais condições em períodos
normais. E, neste nosso mundo rico e variado, como poderemos
saber o que o próximo episódio de extinções em massa, a ocorrer
em algum momento do futuro, irá exigir? Se a longevidade geoló­
gica depende das afortunadas conseqüèncias indiretas de caracte­
rísticas que evoluíram por outras razões, então a imprevisibilida-
de deve prevalecer.
Eu particularmente acolho com alegria esta demonstração de
que os princípios gerais da macroevolução acentuam a im portân­
cia da contingência. As generalizações — a respeito do maior pe­
so na parte de baixo das linhagens e sobre as propriedades das ex­
tinções em massa — constituem a essência da ciência não-histórica
tradicional, que costuma resistir ou, pelo menos, menosprezar um
princípio histórico como a contingência. Este reforço é muito bom
para o pluralismo científico. Não aprecio a idéia de defender a ciên­
cia histórica construindo um bunker e lutando para conquistar res­
peito e autonomia. O melhor é avançarmos em regime de coope­
ração; os padrões gerais da evolução implicam a imprevisibilida-
de de resultados específicos.

SETE M UNDOS PO SSÍVEIS

O colapso do cone e da escada abre as comportas para m un­


dos alternativos que não se desenvolveram mas que, com leves e
criteriosas alterações em alguns acontecimentos iniciais, poderíam
ter surgido. Embora esses universos não concretizados possam ter
sido tão ordenados e explicáveis quanto o mundo que conhecemos,
mesmo assim eles seriam extremamente diferentes, de maneiras que
nunca poderiamos precisar em detalhes. A enumeração de m un­
dos não concretizados é um jogo de salão sem fim, pois quem é
capaz de contar todas as possibilidades? O universo não é tão for­
temente interligado que a queda de uma pétula perturbe uma es­
trela distante, não importa o que diga o poeta. Entretanto, a m aio­
ria das sutis alterações na topografia ou no ambiente, e a maior
parte dos surgimentos e desaparecimentos de grupos (se não de es­
pécies isoladas) podem alterar os caminhos da vida de form a con­
siderável e irreversível. O playground da contingência é incomen-
surável. Consideremos apenas sete cenários alternativos, dispos­

362
tos em ordem cronológica a fim de culminarem no objeto biológico
que mais excita nossa provinciana imaginação — H om o sapiens.

A EVOLUÇÃO DA CÉLULA EUCARIÓTICA

A vida surgiu há pelo menos 3,5 bilhões de anos, mais ou me­


nos assim que a Terra esfriou o suficiente para tornar estáveis os
principais elementos químicos. (A propósito, não considero a ori­
gem da vida propriamente dita um acontecimento incerto ou impre­
visível. Eu desconfio que, dada a composição da atmosfera e dos
oceanos primitivos, a origem da vida foi uma necessidade química.
A contingência surge mais tarde, quando a complexidade histórica
passa a integrar o quadro da evolução.)
Com relação à velha crença no progresso constante, nada po­
dería ser mais estranho do que o início da evolução da vida — pois
durante tanto tempo não aconteceu muita coisa. Os fósseis mais an­
tigos de que se tem notícia são células procarióticas com cerca de
3,5 bilhões de anos de idade (veja pp. 59-60). O registro fóssil dessa
época também inclui a forma mais elevada de complexidade macros­
cópica desenvolvida por esses procariontes — os estromatólitos, ou
seja, camadas de sedimentos capturados e aglutinados pelas células
procarióticas. As camadas podem se acumular umas sobre as ou­
tras, à medida que as marés soterram e modificam as superfícies —
e toda a estrutura pode vir a se assemelhar ao corte transversal de
um repolho (inclusive no tamanho).
Os estromatólitos e os organismos procarióticos que os produ­
ziram dominaram o registro fóssil em todo o mundo durante mais
de 2 bilhões de anos. As primeiras células eucarióticas (a variedade
complexa dos livros didáticos, apresentando um núcleo e numero­
sas estruturas no citoplasma) surgiram há cerca de 1,4 milhão de
anos. Os especialistas costumam admitir que as células eucarióticas
são um pré-requisito para a complexidade multicelular, ainda que
mais não seja porque a reprodução sexual exige cromossomos pa-
reados e apenas o sexo pode proporcionar a variabilidade de que
a seleção necessita como matéria-prima para o desenvolvimento de
mais complexidade.
Todavia, os animais multicelulares não surgiram logo após o
desenvolvimento das células eucarióticas; eles apareceram pela pri­
meira vez pouco antes da ocorrência da explosão cambriana, há cerca
de 570 milhões de anos. Portanto, bem mais da metade da história

363
da vida contou apenas com a presença de células procarióticas e só
a última sexta parte da história da vida sobre a Terra incluiu os ani­
mais multicelulares.
Tais demoras e longos intervalos de tempo sugerem vigorosa­
mente um importante papel para a contingência e um número imenso
de possibilidades irrealizadas. Se os procariontes tiveram de se de­
senvolver até atingirem o grau de complexidade eucariótica, eles cer­
tamente levaram um bom tempo para fazê-lo. Além do mais, ao con­
siderarmos a hipótese mais bem aceita acerca da origem da célula
eucariótica, entramos no domínio das alterações imprevisíveis oca­
sionadas por conseqüências indiretas incidentais. Nossa melhor teoria
identifica pelo menos algumas das principais organelas — as mito-
côndrias e os cloroplastos quase com certeza e outros com menor
segurança — como descendentes de células procarióticas inteiras que
evoluíram para viver simbioticamente no interior de outras células
(Margulis, 1981). Neste sentido, cada célula eucariótica é, por des­
cendência, uma colônia que posteriormente alcançou uma integra­
ção mais completa. A mitocôndria que penetrou pela primeira vez
no interior de uma outra célula certamente não estava pensando nas
vantagens futuras da cooperação e da integração; ela estava simples­
mente tentando manter-se viva num áspero mundo darwiniano. Con­
sequentemente, esse passo fundamental na evolução da vida multi-
celular resultou de uma causa imediata sem qualquer relação com
seu subseqüente efeito sobre a complexidade orgânica. Esse cenário
parece representar uma feliz contingência e não uma relação previ­
sível de causa e efeito. E se, mesmo assim, você preferir considerar
a origem das organelas e a transição da simbiose para a integração
como algo previsível, de acordo com algum modelo ordenado, diga-
me então por que mais da metade da história da vida se passou an­
tes que esse processo tivesse sido iniciado.
Uma última e, a meu ver, desalentadora questão a respeito da
possibilidade de ter havido algo semelhante à evolução humana num
mundo alternativo: muito embora esse primeiro evento tenha con­
sumido mais da metade da história conhecida da vida, eu poderia
estar preparado para aceitar como provável o eventual surgimento
de algum tipo de inteligência superior se a Terra estivesse destinada
a durar centenas de bilhões de anos — de modo que esse passo ini­
cial representasse apenas uma diminuta porção de sua existência em
potencial. Mas os cosmologistas nos dizem que o Sol está atualmente
mais ou menos na metade de sua vida e que daqui a cerca de cinco
bilhões de anos ele irá explodir, expandindo seu diâmetro para além

364
da órbita de Júpiter e engolfando a Terra. Todas as formas de vida
irão desaparecer, a menos que possam se deslocar para algum outro
lugar, e a vida sobre a Terra será inexoravelmente eliminada.
Como a inteligência humana surgiu apenas um segundo atrás,
em termos de tempo geológico, nós nos defrontamos com o assom­
broso fato de que a evolução da autoconsciência exigiu cerca de me­
tade da existência potencial da Terra. Dados os erros e as incerte­
zas, as variações na velocidade e nos caminhos dos acontecimentos
em outros replays, que segurança podemos ter quanto a um even­
tual surgimento das habilidades mentais que caracterizam nossa es­
pécie? Faça correr a fita novamente e, mesmo que os caminhos ge­
rais se repitam, dessa vez poderíam ser necessários 20 bilhões de anos
para se chegar à autoconsciência — só que a Terra teria sido incine­
rada bilhões de anos antes. Repita a experiência mais uma vez e o
desenvolvimento das células eucarióticas a partir das procarióticas
poderia levar 12 bilhões de anos em vez de 2 bilhões — e os estro-
matólitos, sem nunca terem tido o tempo necessário para sair de ce­
na, talvez fossem as formas de vida mais elevadas a testemunhar
silenciosamente o Armagedon.

A PRIMEIRA FAUNA DE ANIMAIS MULTICELULARES

Você poderia aceitar este último e realista cenário mas, ao mes­


mo tempo, afirmar: “ Muito bem, vou admitir a impossibilidade de
se saber se a vida iria ou não além das células procarióticas; toda­
via, uma vez que finalmente se tenha animais multicelulares, os ca­
minhos básicos certamente estão traçados e o posterior avanço até
a consciência deve necessariamente ocorrer” . Examinaremos, po­
rém, o problema com mais atenção.
Conforme foi discutido no capítulo 2, os primeiros animais mul­
ticelulares são membros de uma fauna distribuída por todo o mun­
do, que recebeu o nome de seu afloramento mais famoso, situado
em Ediacara, na Austrália. Martin Glaessner, o paleontólogo que
é o maior responsável pela descrição dos animais de Ediacara, sem­
pre os interpretou, de acordo com os conceitos tradicionais do co­
ne, como representantes primitivos de grupos modernos — na maio­
ria das vezes como membros do filo dos celenterados (corais e me-
dusóides), mas incluindo também anelídeos e artrópodes (Glaessner,
1984). O trabalho clássico de Glaessner despertou pouquíssima opo­
sição (veja porém Pflug, 1972 e 1974), e a fauna de Ediacara

365
acomodou-se confortavelmente nos manuais como dignos ancestrais
dos grupos modernos — pois sua combinação de idade máxima e
complexidade mínima casa-se elegantemente com as expectativas.
A fauna de Ediacara tem uma importância especial por ser o
único vestígio de vida multicelular anterior à grande linha divisória
que separa o Pré-Cambriano do Cambriano, um limite marcado pela
célebre explosão cambriana de grupos modernos dotados de partes
duras. Na verdade, as criaturas de Ediacara datam apenas do final
do Pré-Cambriano; elas ocorrem em estratos pouco anteriores ao
Cambriano e que provavelmente não se estendem por mais de 100
milhões de anos em direção ao Pré-Cambriano Superior. De con­
formidade com a posição que ocupam, logo abaixo da linha divisó­
ria entre o Pré-Cambriano e o Cambriano, os animais de Ediacara
são inteiramente desprovidos de partes duras. Se a identidade taxo-
nômica pudesse ser mantida ao longo dessas grandes transições geo­
lógicas e a evolução das partes duras não se fizesse acompanhar de
nenhuma grande ruptura nos designs, então a suave continuidade
do cone seria confirmada. Esta versão de Ediacara começa a dar
a impressão de ser estranhamente semelhante à calçadeira de Walcott.
No início da década de 1980, meu amigo Dolf Seilacher, pro­
fessor de paleontologia em Tübingen, Alemanha, e, em minha opi­
nião, o melhor observador paleontológico atualmente em ativida­
de, propôs uma interpretação radicalmente diferente para a fauna
de Ediacara (Seilacher, 1984). Sua dupla defesa apóia-se num argu­
mento negativo e num positivo. Em sua argumentação negativa, elç
afirma, com base em dados funcionais, que as criaturas de Ediaca­
ra não poderíam ter operado da mesma forma que seus supostos
equivalentes modernos e que, portanto, a despeito de alguma seme­
lhança na forma exterior, elas não podem ser associadas a nenhum
grupo existente. A maioria dos animais de Ediacara, por exemplo,
foi associada aos corais, um grupo que inclui as modernas gorgô-
nias. Os esqueletos coralíneos representam colônias que abrigam mi­
lhares de minúsculos indivíduos. Nos corais, os pólipos individuais
cobrem uma estrutura em forma de rede ou de árvore, cujos ramos
têm de estar separados para que a água possa levar partículas de
alimentos até os pólipos e remover as excretas. Nas formas de Edia­
cara, porém, os ramos que podem ser vistos estão unidos, form an­
do um capacho achatado semelhante a um acolchoado, sem nenhum
espaço entre as seções.
Em sua argumentação positiva, Seilacher sustenta que a maio­
ria dos animais de Ediacara podem ser unificados taxonomicamente

366
na condição de variações de um único plano anatômico — uma es­
trutura achatada dividida em seções unidas por entrelaçamento, tal­
vez formando um esqueleto hidráulico muito semelhante a um col­
chão de ar (fig. 5.5). Como esse design não corresponde a nenhum
plano anatômico moderno, Seilacher conclui que as criaturas de
Ediacara representam um experimento inteiramente distinto em ma­
téria de vida multicelular — que acabou fracassando e foi elimina­
do numa extinção, anteriormente não-reconhecida, ocorrida no fi­
nal do Pré-Cambriano, visto que os elementos de Ediacara não so­
breviveram até o Cambriano.
Quanto à fauna de Burgess, creio que os argumentos contrá­
rios à calçadeira de Walcott foram provados com tanta segurança
quanto a ciência permite. No caso da fauna de Ediacara, a hipótese
de Seilacher, apesar de ainda não ter sido comprovada, é uma alter­
nativa plausível e excitante à visão tradicional, que um dia será cha­
mada de calçadeira de Glaessner ou de insight de Glaessner, con­
forme for o caso.
Considere porém as implicações que haveria em relação à im-
previsibilidade se o ponto de vista de Seilacher, mesmo que parcial­
mente, prevalecer. Segundo a visão de Glaessner, que os incluiu en­
tre os grupos modernos, os primeiros animais, ainda que de forma
mais simples, compartilham os designs anatômicos de grupos pos­
teriores — e a evolução deve ser canalizada para cima e para fora,
de acordo com o tradicional cone de diversidade crescente. Faça cor­
rer novamente a fita uma centena de vezes, começando a partir de
simples celenterados, vermes e artrópodes, e suponho que você ge­
ralmente acabará terminando com uma fauna constituída pelo re­
sultado da diversificação e do aperfeiçoamento dessas formas iniciais.
Se Seilacher estiver certo, porém, outras possibilidades e ou­
tras direções já estiveram disponíveis. Seilacher não acredita que to­
dos os animais do final do Pré-Cambriano estejam dentro das fron­
teiras taxonômicas deste experimento alternativo e independente de
vida multicelular. Estudando os variados e abundantes vestígios fós­
seis (trilhas, pegadas e tocas) dos mesmos estratos, ele se convenceu
de que animais metazoários de design moderno — provavelmente
vermes genuínos de um ou outro tipo — compartilharam a Terra
com os animais de Ediacara. Assim, tal como no caso de Burgess,
diversas possibilidades anatômicas estiveram presentes desde o iní­
cio. Embora a vida pudesse ter seguido tanto o caminho da fauna
de Ediacara quanto o caminho moderno, Ediacara desapareceu por
completo e nós não sabemos por quê.

367
5.5. Classificação de Seilacherpara os organismos de Ediacara, de acordo com suas
variações em torno de um único plano anatômico achatado e semelhante a um acol­
choado. Estes organismos são, tradicionalmente, colocados em diversos filos mo­
dernos.

Suponha que possamos fazer correr novamente a fita da vida


desde o final do Pré-Cambriano e que, nesta segunda tentativa, os
acolchoados achatados de Ediacara venceram e os metazoários fo­
ram eliminados. A vida teria podido chegar à consciência através
desse caminho alternativo da anatomia de Ediacara? Provavelmen­
te não. O design dos animais de Ediacara parece ser uma solução
alternativa para o problema de se obter suficiente área superficial
à medida que o tamanho aumenta. Desde que as superfícies
(comprimento2) aumentam muito mais lentamente do que os volu­
mes (comprimento3), e que os animais realizam a maioria de suas
funções através de superfícies, as criaturas grandes têm de encon­
trar algum meio para ampliar a área superficial. As formas de vida
modernas seguiram o caminho do desenvolvimento de órgãos inter­
nos (pulmões, microvilosidades do intestino delgado) para propor­
cionar as superfícies necessárias. Numa segunda solução — propos­
ta por Seilacher como a chave para a compreensão do design das
criaturas de Ediacara — os organismos podem não ter a capacidade
de desenvolver a complexidade interna e, em vez disso, têm de re­

368
correr a alterações na configuração geral do organismo, assumindo
a forma de fios, fitas, folhas ou panquecas, de modo que nenhum
espaço interno fique muito longe da superfície externa. (O comple­
xo acolchoamento dos animais de Ediacara poderia ser interpreta­
do como um meio de fortalecer uma forma assim tão precária. Uma
folha com trinta centímetros de comprimento e alguns milímetros
de espessura tem necessidade de algum apoio extra num mundo de
infortúnios, marés e tempestades.)
Se Ediacara representar esta segunda solução, e se essas cria­
turas tivessem vencido no replay, eu duvido que a vida animal pu­
desse ter se tornado muita complexa ou chegado a produzir algu­
ma coisa semelhante à autoconsciência. O program a de desenvol­
vimento das criaturas de Ediacara poderia ter excluído a
possibilidade de evolução de órgãos internos e, neste caso, a vida
animal teria permanecido para sempre na rotina das folhas e pan­
quecas — uma configuração extremamente inadequada para o de­
senvolvimento da complexidade autoconsciente tal como a conhe­
cemos. Por outro lado, se os sobreviventes de Ediacara posterior­
mente tivessem sido capazes de desenvolver algum tipo de
complexidade interna, então os caminhos iniciados nesse ponto de
partida radicalmente diferente teriam produzido um mundo dig­
no da melhor ficção científica.

A PRIMEIRA FAUNA DA EXPLOSÃO CAMBRIANA

Nosso hipotético defensor do cone e da escada talvez estives­


se disposto a ceder terreno no caso desses dois primeiros inciden­
tes envoltos nas brumas do tempo, mas ele poderia então sentir-se
tentado a cavar trincheiras ao longo dos limites do Cambriano.
Uma vez que a grande explosão tenha ocorrido e os fósseis tradi­
cionais dotados de partes duras passem a fazer parte do registro,
os contornos estarão definidos e a vida deverá continuar a mover-
se para cima e para fora de acordo com canais previsíveis.
Não é bem assim. Conforme foi mencionado no capítulo 2,
a primeira fauna conchosa, chamada de tom otiana, em homena­
gem a uma famosa localidade russa, contém muito mais mistérios
do que precursores. Embora alguns grupos modernos tenham fei­
to sua primeira aparição inconteste nos estratos da fauna tomo-
tiana, um número ainda maior desses fósseis talvez represente ana­
tomias que estão além dos limites de variação atuais. A história

369
intervollum penes

inner woll outer woll

5.6. Um arqueociátido exibindo a organização básica constituída por um copo dentro


de outro.

está se tornando familiar — no início, um máximo de caminhos po­


tenciais e, depois, dizimação para estabelecer o padrão moderno.
A mais característica e abundante de todas as criaturas tomo-
tianas, o arqueociátido (fig. 5.6), representa um velho problema de
classificação. Repete-se a familiar ladainha. Essas criaturas, as pri­
meiras do registro fóssil a produzir recifes, apresentam uma confi­
guração simples, em geral em forma de cone com duas paredes —
um copo dentro de um copo. De acordo com o tradicional espírito
da calçadeira, eles têm sido jogados de um grupo moderno para ou­
tro em mais de um século de especulação paleontológica. Os corais
e as esponjas têm sido em geral seu suposto hábitat. Todavia, quan­
to mais sabemos a respeito dos arqueociátidos, mais estranhos eles
nos parecem. A maioria dos paleontólogos atuais os coloca num fi­
lo distinto, destinado a desaparecer antes do final do Cambriano.
Ainda mais impressionante é a enorme disparidade encontrada
nos organismos da “ pequena fauna conchosa” , que só agora está
sendo reconhecida. As rochas tomotianas abrigam uma imensa va­
riedade de minúsculos fósseis (em geral com um a cinco milímetros
de comprimento) que não podem ser classificados em nenhum gru-

370
po moderno (Bengtson, 1977; Bengtson e Fletcher, 1983). Nós po­
demos classificar esse fósseis de acordo com o aspecto externo,
dividindo-os em tubos, espinhos, cones e placas (a fig. 5.7 exibe uma
amostra representativa), mas não conhecemos suas afinidades zoo­
lógicas. Talvez eles sejam apenas representantes sem maior impor­
tância de uma era de esqueletização primitiva e ainda imperfeita;
talves eles recobrissem organismos familiares que depois desenvol­
veram conchas mais elaboradas e com assinaturas fósseis conven­
cionais. Mas talvez — e esta interpretação tem conquistado a prefe­
rência dos aficcionados da pequena fauna conchosa — a maior par­
te das estranhas e desconhecidas criaturas tomotianas representem
anatomias singulares que surgiram no início da história da vida e
logo desapareceram. Rozanov, por exemplo, o principal especialis­
ta russo nessa fauna, afirmou na conclusão de seu recente artigo de
revisão:
As rochas do início do Cambriano contêm numerosos remanescentes
de organismos bastante peculiares, não só animais mas também plan­
tas, a maioria dos quais desconhecidos em estratos de períodos poste-

5.7. Organismos de afinidade desconhecida representativos da “pequena fauna con­


chosa” do Cambriano (Rozanov, 1986). A) Tommotia. B) Hyolithellus. C) Le-
nargyrion.

371
riores. Estou propenso a acreditar que numerosas categorias taxonô-
micas superiores se desenvolveram no início do período Cambriano e
rapidamente se extinguiram (1986, p. 95).

Mais uma vez temos uma árvore-de-natal em vez de um cone.


Mais uma vez a imprevisibilidade dos caminhos evolutivos impõe-
se sobre as nossas esperanças em relação à inevitabilidade do desen­
volvimento da consciência. A fauna tomotiana continha não somente
muitos grupos modernos mas também um grande espectro de possi­
bilidades alternativas. Volte a fita até o início do Cambriano e quem
sabe desta vez nossos modernos recifes sejam construídos pelos ar-
queociátidos e não pelos corais. Talvez sem Bikini nem Waikiki; tal­
vez, também, sem pessoas para bebericar coquetéis de rum e nadar
em meio a grandes jardins submarinos.

A SUBSEQÜENTE ORIGEM CAMBRIANA DA FAUNA MODERNA

Embora nosso tradicionalista esteja começando a se preocupar,


ele irá admitir este último ponto pour mieux sauter. Muito bem, a
primeira fauna cambriana incluiu uma pletora de possibilidades al­
ternativas, todas igualmente razoáveis e nenhuma levando até a nossa
espécie. Depois que as faunas modernas surgiram, porém, na fase
seguinte do Cambriano — chamada de atdabaniana em homenagem
a outra localidade russa — então com certeza os limites e os canais
estavam finalmente definidos. A chegada dos trilobitos, aqueles fa­
miliares símbolos do Cambriano, deve marcar o fim da loucura e
o começo da previsibilidade. Deixe os bons tempos correrem.
Este livro já está demasiado longo e você não quer “ um segun­
do verso, igual ao primeiro’’. Simplesmente chamo a atenção para
o fato de que Burgess Shale representa a fase inicial e de máxima
expansão da radiação atdabaniana. A história de Burgess Shale é
uma narrativa a respeito da própria vida e não um episódio único
e peculiar de possibilidades enlouquecidas.

A ORIGEM DOS VERTEBRADOS TERRESTRES

Nosso tradicionalista agora está vacilando. Ele está pronto pa­


ra ceder praticamente todo o domínio da vida à contingência mas
fará ainda uma última tentativa de resistir na questão dos vertebra­
dos. O jogo, afinal de contas, gira em torno da consciência humana

372
ser um produto imprevisível de um broto incidental ou a culmina-
ão de uma tendência inevitável ou, pelo menos, provável. Para o
inferno com as outras formas de vida; elas de qualquer forma não
fazem parte da linhagem que resultou no desenvolvimento da cons­
ciência Por mais improvável que fosse o aparecimento dos verte­
brados, uma vez que eles tenham surgido nós com certeza poderia­
mos nos elevar confiantemente das lagoas para a terra seca, passan­
do pela postura ereta sobre as pernas traseiras e chegando aos
cérebros grandes.
Eu poderia admitir a probabilidade da mais penosa transição
ambiental — da água para a terra — se as características anatômi­
cas dos peixes indicassem, ainda que por razões incidentais, a possi­
bilidade das nadadeiras se transformarem sem muita dificuldade nos
sólidos membros necessários para a sustentação do corpo diante da
ação da gravidade nos ambientes terrestres. As nadadeiras da maio­
ria dos peixes, porém, são inteiramente inadequadas para essa tran­
sição. Uma forte travessa basal acompanha a linha do eixo do cor­
po e numerosos e delgados raios estendem-se paralelamente uns aos
outros e perpendicularmente em relação à travessa. Esses raios deli­
cados e desconexos não poderíam suportar o peso do corpo sobre
a terra. Os poucos peixes modernos que se deslocam sobre a lama,
incluindo Periophthalmus, o “ peixe que anda” , estendem o corpo
para a frente e não caminham com as nadadeiras.
Os vertebrados terrestres puderam surgir graças apenas a um
grupo relativamente pequeno de peixes, remotamente relacionado
com o “ modelo padrão” , que acabou desenvolvendo por suas pró­
prias razões imediatas um membro dotado de um tipo radicalmente
diferente de esqueleto, constituído por um forte eixo central perpen­
dicular ao corpo e numerosas ramificações que se irradiam a partir
desse ponto de convergência comum. Uma estrutura com esse de-
sign poderia se transformar num membro terrestre capaz de supor­
tar peso, com o eixo central convertido nos grandes ossos de nossos
braços e pernas e os ramos laterais formando os dedos. Uma nada­
deira com essa estrutura não evoluiu porque sua flexibilidade futu­
ra iria permitir o aparecimento dos mamíferos (devido a sua maior
capacidade de rotação, este membro pode ter proporcionado algu­
ma vantagem aos peixes de fundo que usavam o substrato como um
auxílio à propulsão). Quaisquer que fossem essas vantagens desco­
nhecidas, porém, esse pré-requisito necessário para a vida terrestre
evoluiu num restrito grupo de peixes afastado da linha principal —
o complexo dipnóico-celaeanto-ripidistiano. Volte a fita da vida até

373
o Devoniano, a assim chamada era dos peixes. Um observador teria
selecionado esses peixes ineomuns c atípicos como precursores de
tão notável sucesso num ambiente tão diferente? Faça correr nova-
mente a fita, elimine os ripidistianos por extinção, e nossas regiões
terrestres se transformam no domínio inconteste de insetos e flores.

PASSANDO A TOCHA AOS MAMÍFEROS

Não podemos proporcionar algum alívio ao tradicionalista? Dei­


xemos a contingência imperar até o surgimento dos mamíferos. Não
poderiamos observar cuidadosamente o mundo na época em que os
mamíferos se introduziram no reino dos dinossauros e saber que
aquelas humildes criaturas cobertas de pêlos logo herdariam a Ter­
ra? Que defesa aqueles gigantescos, desajeitados e estúpidos animais
de sangue frio poderíam ter contra os argutos e ativos mamíferos
capazes de manter a temperatura corporal constante e de parir fi­
lhotes vivos? Não sabemos todos nós que os mamíferos surgiram
no final do reinado dos dinossauros? E eles não apressaram a inevi­
tável transição devorando os ovos de seus rivais?
Esse cenário comum é ficção originada de nossas expectativas
de progresso e previsibilidade. Os mamíferos surgiram no final do
Triássico, ao mesmo tempo que os dinossauros ou logo depois. Os
mamíferos passaram seus primeiros 100 milhões de anos — dois ter­
ços do total de sua existência — escondendo-se nos recessos do mun­
do dos dinossauros. Seus 60 milhões de anos de sucesso após o de­
saparecimento dos dinossauros têm algo de tardio.
Não possuímos qualquer indício de ter havido alguma tendên­
cia para a hegemonia dos mamíferos durante esses 100 milhões de
anos iniciais. Pelo contrário — os dinossauros mantiveram um do­
mínio incontestado sobre todos os ambientes apropriados para cria­
turas terrestres de grande porte. Os mamíferos não fizeram qual­
quer progresso substancial no sentido de tornarem-se mais domi­
nantes, desenvolverem cérebros maiores ou mesmo aumentarem de
tamanho.
Caso os mamíferos tivessem aparecido mais tarde e ajudado a
exterminar os dinossauros, então nós poderiamos legitimamente pro­
por um cenário de previsível progresso. Mas os dinossauros conti­
nuaram dominantes e provavelmente se extinguiram apenas em con-
seqüência do mais imprevisível de todos os acontecimentos — um
episódio de extinção em massa desencadeado pelo impacto de um

374
corpo extraterrestre. Se os dinossauros não tivessem morrido nesse
evento eles provavelmente ainda dominariam o universo dos verte­
brados terrestres de grande porte — tal como fizeram durante tanto
tempo e com tão notável êxito — e os mamíferos ainda seriam pe­
quenas criaturas vivendo nos interstícios de seu mundo. Esse estado
de coisas manteve-se durante 100 milhões de anos; por que não po­
dería prosseguir por mais 60 milhões? Como os dinossauros não es­
tavam se encaminhando em direção ao desenvolvimento de cérebros
acentuadamente maiores e como tal perspectiva talvez esteja além
das possibilidades do design reptiliano (Jerison, 1973; Hopson, 1977),
somos obrigados a presumir que a consciência não teria evoluído
em nosso planeta se uma catástrofe cósmica não tivesse vitimado
os dinossauros. Enquanto mamíferos grandes e racionais, devemos
nossa existência literalmente à nossa boa estrela.

A ORIGEM DO HOMO SAPIENS

Não levarei esta argumentação a ridículos extremos. Mesmo eu


tenho de admitir que em determinado ponto da história da evolu­
ção humana as circunstâncias concorreram para estimular o desen­
volvimento das capacidades mentais até o nível atual. A opinião con­
vencional é de que a adoção da postura ereta liberou as mãos para
o uso de armas e ferramentas e o feedback das possibilidades com-
portamentais assim abertas estimulou o desenvolvimento de um cé­
rebro maior.
Todavia, creio que a maioria de nós trabalha sob uma falsa im­
pressão a respeito da forma como se deu a evolução humana. Nós
encaramos a nossa ascensão como um tipo de processo global abran­
gendo todos os membros da linhagem humana, onde quer que eles
possam ter vivido. Nós reconhecemos que o Homo erectus, nosso an­
cestral imediato, foi a primeira espécie a emigrar da África e a
estabelecer-se na Europa e também na Ásia (o “ Homem de Java”
e “ Homem de Pequim” dos textos antigos). Nesse ponto, porém, re­
vertemos para a hipótese do ímpeto global e imaginamos que todas
as populações de Homo erectus dos três continentes subiram juntas
a escada de capacidades mentais, numa onda de previsível e necessá­
rio progresso, em virtude do valor adaptativo da inteligência. Eu cha­
mo a esse cenário de “ teoria da tendência” acerca da evolução hu-
mama. O Homo sctpiens transforma-se no resultado antecipado de
uma tendência evolutiva comum a todas as populações humanas.

375
Segundo uma concepção alternativa, que recentemente encon­
trou forte apoio nas reconstruções de nossa árvore evolutiva basea­
das em diferenças genéticas entre grupos modernos (Cann, Stone-
king e Wilson, 1987; Gould, 1987b), o Hom o sapiens surgiu como
um detalhe evolutivo, uma entidade definida, uma população pe­
quena e coesa que se separou de sua linhagem ancestral na África.
Eu chamo a esse ponto de vista a “ teoria da entidade” a respeito
da evolução humana. Ela contém uma série de interessantes impli­
cações: o Homo erectus asiático desapareceu sem deixar descendên­
cia e não é nosso ancestral direto (pois nós evoluímos a partir de
populações africanas); os homens de Neanderthal eram nossos pa­
rentes colaterais, talvez já vivendo na Europa quando surgimos na
África, e também não contribuíram em nada para nossa herança ge­
nética imediata. Em outras palavras, nós somos uma frágil e im­
provável entidade que, após um começo precário como uma peque­
na população africana, por sorte foi bem-sucedida. Nós não somos
o resultado previsível de uma tendência global. Somos uma coisa,
um detalhe da história da vida e não a materialização de princípios
gerais.
Esta afirmação não teria implicações surpreendentes se nós fôs­
semos um experimento que pudesse ser reproduzido — se, caso o
Homo sapiens houvesse fracassado e sucumbido à extinção preco­
ce, como acontece com a maioria das espécies, uma outra popula­
ção com o mesmo tipo de inteligência superior estivesse destinada
a surgir. Os homens de Neanderthal não teriam se encarregado de
apanhar a tocha, se tivéssemos malogrado? Não teria surgido sem
muita demora alguma outra materialização do nosso nível de capa­
cidade mental? Eu não vejo por quê. Nossos primos e ancestrais mais
próximos, o Homo erectus, os homens de Neanderthal e outros, pos­
suíam habilidades mentais elevadas, conforme é indicado por suas
ferramentas e outros artefatos. Entretanto, apenas o Homo sapiens
apresenta evidências diretas daquela espécie de raciocínio abstrato,
incluindo os aspectos numéricos e estéticos, que identificamos co­
mo sendo distintamente humano. Todos os indícios de realização
de operações numéricas no Pleistoceno — o calendário de varetas
e lâminas utilizadas em contagens — pertencem ao Hom o sapiens.
E toda a arte do Pleistoceno — as pinturas das cavernas, represen­
tações de Vênus, cabeças de cavalo entalhadas, renas em baixo-relevo
— foi feita pela nossa espécie. De acordo com os indícios hoje dis­
poníveis, o homem de Neanderthal nada sabia sobre arte figurativa.
Faça correr a fita novamente e deixe o minúsculo broto do Ho-

376
mo sapiens extinguir-se na África. Embora outros hominídeos pos­
sam ter chegado no limiar do que conhecemos como possibilidades
humanas, muitos cenários plausíveis jamais chegariam a produzir
um nível de desenvolvimento mental equivalente ao nosso. Faça cor­
rer a fita novamente e desta vez o homem de Neanderthal sucumbe
na Europa e o Hom o erectus na Ásia (tal como de fato aconteceu
em nosso mundo). A única linhagem humana a sobreviver, o H o­
mo erectus, da África, agüenta-se durante algum tempo e chega até
mesmo a prosperar; todavia não sofre especiação e, portanto, per­
manece estável. Aí um vírus mutante extermina completamente o
Homo erectus ou então uma alteração climática reconverte a África
numa floresta inóspita. Um pequeno broto no ramo dos mamífe­
ros, uma linhagem com interessantes possibilidades que não se rea­
lizaram, junta-se à grande maioria das espécies em extinção. E daí?
A maior parte das possibilidades nunca se realizaram e, de qualquer
modo, quem é que vai saber a diferença?
Argumentos desse tipo fazem-me chegar à conclusão de que o
mais profundo insight proporcionado pela biologia a respeito da na­
tureza, do status e do potencial humano está contido nesta simples
frase, a corporificação da contingência: o H om o sapiens é uma en­
tidade, não uma tendência.
Ao estender esse meu argumento para toda a história e para to­
dos os níveis da vida, e ao aplicá-lo justamente ao âmago da nossa
própria evolução, espero tê-lo convencido de que a contingência afe­
ta os eventos mais relevantes do processo evolutivo. De outro modo,
você talvez encare essas repetições mentais da fita da vida como um
simples jogo acerca de criaturas estranhas. Você poderá se perguntar
se todos meus devaneios têm realmente alguma relevância. Quem é
que se importa, perguntaria você, no velho espírito dos Estados Uni­
dos, pragmático ao máximo? É divertido imaginarmos uma espécie
de disk jockey divino, sentado diante de uma máquina do tempo com
uma fitoteca de cassetes rotulados de “ priapulídeos” , “ poliquetos”
e “ primatas” . Mas faria realmente alguma diferença se todos os re-
plays de Burgess Shale produzissem as alternativas não realizadas —
e habitássemos um mundo de wiwaxídeos, com o fundo do mar co­
berto de pequenos vermes em forma de pênis e florestas cheias de
fororacídeos? Em lugar de abrir conchas para nossas mariscadas po­
deriamos estar removendo escleritos. Nossas salas de troféus talvez
disputassem o mais longo bico de Diatryma e não a mais farta juba
de leão. Entretanto, o que seria fundamentalmente diferente?
Tudo, digo eu. A divina máquina do tempo possuiu 1 milhão

577
de cenários, todos perfeitamente plausíveis. Pequenos desvios ocor­
ridos logo no início, sem nenhuma razão em particular, desencadeiam
uma série de conseqüências que, em retrospecto, fazem um deter­
minado futuro parecer inevitável. Porém a mais ligeira sacudidela
no início do processo faz com que ele siga por um sulco diferente
e a história se desvia para outro canal plausível, afastando-se conti­
nuamente do seu caminho original. Os resultados finais são tão di­
ferentes, quanto insignificante a perturbação inicial. Se pequenos
vermes em forma de pênis dominassem os mares eu não podería ter
nenhuma segurança de que o Austraiopithecus alguma vez chegaria
a caminhar ereto nas savanas da África. E assim, em relação a nós
mesmos, acho que podemos apenas exclamar: que admirável — e
improvável — mundo novo, esse que tem tais pessoas dentro dele!

UM EPÍL OGO SOBRE PIKA IA


Devo encerrar este livro com uma confissão. Eu preguei uma
pequena e, creio eu, inofensiva peça pedagógica em você. Em mi­
nha longa discussão a respeito dos organismos de Burgess Shale, pro-
positadamente deixei uma criatura de fora. Eu poderia apresentar
a frágil desculpa de que Simon Conway Morris ainda não publicou
sua monografia sobre esse gênero — pois ele está deixando o me­
lhor para o fim. Tal afirmação, porém, não seria verdadeira. Eu
me contive porque também queria deixar o melhor para o fim.
Em seu trabalho de 1911, a respeito dos supostos anelídeos de
Burgess, Walcott descreveu uma graciosa espécie, uma criatura la­
teralmente comprimida, em forma de fita, com cerca de cinco cen­
tímetros de comprimento (fig. 5.8). Ele a batizou de Pikaia graci-
lens, em homenagem ao monte Pika, situado perto do local onde
ela fora descoberta, e para indicar uma certa elegância em seu as­
pecto exterior. Walcott confiantemente colocou Pikaia entre os ver­
mes poliquetos. Sua classificação baseou-se na óbvia e regular seg­
mentação do corpo.
Simon Conway Morris, portanto, recebeu Pikaia como parte
de suas atribuições gerais relativas à tese sobre os “ vermes” de Bur­
gess. Ao estudar os cerca de trinta espécimes de Pikaia então co­
nhecidos, ele concluiu com segurança uma coisa que outros haviam
suspeitado e que circulara durante algum tempo pelas usinas de boa­
tos da paleontologia. Pikaia não é um verme anelídeo. Ela é um cor-
dado, um membro de nosso próprio filo — na verdade, nosso mais
antigo ancestral imediato de que se tem registro. (Percebendo a im-

378
5 .8 . Pikaia, d e B u r g e s s S h a le , o c o r d a d o m a is a m ig o q u e s e c o n h e c e e m to d o o
m u n d o . O b s e r v e a s c a r a c te rís tic a s d o n o s s o f i l o : a s f a i x a s m u s c u la r e s e m f o r m a d e
V e o n o to c ó r d io , u m a h a s te e n r ije c id a q u e s e e s te n d e d o r s a lm e n te a o lo n g o d o c o r ­
p o e q u e , p o s te r io r m e n te , s e t r a n s fo r m o u e m n o s s a c o lu n a v e r te b ra l. D e s e n h o d e
M a r ia n n e C o llin s .

portância desse insight, Simon sensatamente guardou Pikaia para


ser objeto de seu último estudo a respeito de Burgess. Quando você
tem em mãos alguma coisa rara e significativa é preciso ser paciente
e esperar até que suas idéias estejam assentadas e suas técnicas aper­
feiçoadas ao máximo porque dessa vez, mais do que em qualquer
outra, você não pode errar.)
As estruturas que Walcott identificara como segmentos de ane-
lídeos apresentam as características faixas em forma de V dos mió-
tomos ou bandas musculares dos cordados. Além do mais, Pikaia
possui um notocórdio, uma haste dorsal enrijecida que dá nome ao
nosso filo, Chordata. Sob muitos aspectos, Pikaia assemelha-se, pelo
menos no nível geral de organização, ao moderno anfioxo — há mui­
to tempo utilizado em laboratórios e salas de aula como um modelo
da organização “ primitiva” dos cordados que precederam os verte­
brados. Conway Morris e Whittington declaram:
Parece inevitável a conclusão de que o animal [Pikaia] é um cordado
e não um verme. A excelente preservação desse organismo do Cam-
briano Médio faz dele um marco na história do filo ao qual todos os
vertebrados, incluindo o homem, pertencem (1979, p. 131).
Fósseis de verdadeiros vertebrados, inicialmente representados
pelos agnatas ou peixes desprovidos de mandíbulas, aparecem pela
primeira vez no Ordoviciano Médio, juntamente com material frag­
mentário de afinidade incerta do Ordoviciano Inferior e, até mes-

379
ino, do Cambriano Superior — todos consideravelmente posterio­
res à Pikaia de Burgess (veja Gagnier, Blieck e Rodrigo, 1986).
Obviamente, não estou dizendo que Pikaia é o verdadeiro an­
cestral dos vertebrados, c nem seria tolo o bastante para afirmar que,
no Cambriano Médio, todas as oportunidades de um futuro para
os cordados passavam por Pikaia ; outros cordados, ainda não des­
cobertos, devem ter habitado os mares do Cambriano. Todavia, em
virtude da raridade de Pikaia em Burgess e da ausência de cordados
em outros Lagerstàtten do Paleozóico Inferior, desconfio que nos­
so filo não estava incluído entre as grandes histórias bem-sucedidas
do Cambriano, e que, nos tempos de Burgess, os cordados viram-se
diante de um futuro incerto.
Pikaia é o último elemento que estava faltando em nossa nar­
rativa acerca da contingência — a conexão direta entre a dizimação
de Burgess e a subseqüente evolução do homem. Não precisamos
mais falar de personagens secundários segundo a ótica de nossos in­
teresses provincianos — de mundos alternativos apinhados de pe­
quenos vermes em forma de pênis, de artrópodes marreliformes, de
ausência de mosquitos e de temíveis anomalocarídeos engolindo pei­
xes. Volte a fita da vida até os tempos de Burgess e deixe-a correr
novamente. Se Pikaia não sobrevive no replay, nós estamos fora da
história futura — todos nós, desde o tubarão e do tordo até o oran­
gotango. E, tendo em vista os indícios de Burgess hoje conhecidos,
não creio que qualquer apostador tivesse atribuído chances muito
favoráveis à permanência de Pikaia.
E assim, se você quiser fazer aquela velha pergunta — por que
o homem existe? —, uma grande parte da resposta, referindo-se
àqueles aspectos do problema com os quais a ciência pode efetiva­
mente lidar, deve ser: porque Pikaia sobreviveu à dizimação de Bur­
gess. Esta resposta não menciona uma única lei da natureza; ela não
incorpora nenhuma afirmação a respeito de caminhos evolutivos pre­
visíveis e nenhum cálculo de probabilidades baseado em regras ge­
rais de anatomia e ecologia. A sobrevivência de Pikaia foi uma con­
tingência da “ simples história” . Não acho que se possa dar uma res­
posta mais “ elevada” e não sou capaz de imaginar uma solução que
seja mais fascinante. Nós somos produto da história e temos de criar
nossos próprios caminhos neste que é o mais diversificado e interes­
sante dos universos concebíveis — um mundo indiferente a nossos
sofrimentos e que, portanto, nos proporciona o máximo de liberda­
de para prosperarmos ou fracassarmos seguindo um caminho que
nós mesmos escolhemos.

380
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