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Vida Maravilhosa É
Vida Maravilhosa É
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VIDA
MARA VILHOSA
O ACASO NA EVOLUÇÃO
E A NATUREZA DA HISTÓRIA
Tradução:
PAULO CÉSAR DE OLIVEIRA
C om panhia D às L etras
Dados de Catalogação na Publicação (C1P) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bibliografia.
ISBN 85-7164-141-2
1. Burgess Shale (Colúmbia Britânica) 2. Contingên
cia (Filosofia) 3. Evolução 4. Invertebrados fósseis - Co
lúmbia Britânica 5. Paleontologia - Colúmbia Britâni
ca 6. Yoho National Park (Colúmbia Britânica) I.
Titulo.
CDD-560.9711
-123
-562
90-2028 -575
1990
Editora Schwarcz Ltda.
Rua Tupi, 522
01233 — São Paulo — s p
Telefone: (011) 826-1822
Fax: (011) 826-5523
A Norman D. Newell
Prefácio e agradecimentos, 11
1- A iconografia de uma expectativa, 19
Um prólogo ilustrado, 19
A escada e o cone: iconografias do progresso, 23
Fazendo correr novamente a fita da vida:
o experimento crucial, 45
Os significados de diversidade e disparidade, 49
Coda, 235
Bibliografia, 381
Créditos, 389
PREFÁCIO E
A GRADECIMENTOS
ciên ' Ste ^Vr° tenta a^or(iar uma das questões mais amplas que a
por Cm P0C*e n° S apresentar — a natureza da própria história — não
nuirwj11 ,aSSa*t0 c**ret0 30 centro (para usar uma metáfora baseada
* 0S esPortes de que menos gosto), mas por uma corrida pelas
a n ^ 3trav^s ^ os detalhes de um estudo de caso verdadeiramente
esc 't r° S° A° ^az^l°> seg n ia estratégia que usei em todos os meus
va/ ' ? Paia ° leig°- O detalhe, por si só, não pode nos Ie-
não iante; na melllor das hipóteses, expresso com uma poesia que
S0,u capaz de exibir, apresenta-se como uma admirável “ escrita
vit * Um atac*ue fr°ntal às generalidades, porém, escorrega ine-
nat C mente para 0 ^ d io ou para a tendenciosidade. A beleza da
a reza está nos detalhes; a mensagem, nas generalidades. Uma
tica Claça° ótima exige ambas as coisas e não conheço nenhuma tá-
melhor que a ilustração de princípios instigantes através de por
r e s bem escolhidos.
0s , ^ eu íema específico é o mais precioso e importante de todos
p o^Itlos pale°ntológicos — Burgess Shale, na Colúmbia Britânica.
a r tras sua descoberta e interpretação, abarcando quase oitenta
tid°S’. desenr° i° u-se uma história humana maravilhosa, no forte sen-
0 °. dcral desta palavra tão desgastada. Charles Doolittle Walcott,
rj princlpal paleontólogo e o mais poderoso curador da ciência ame-
cana, descobriu em 1909 essa antiqüíssima fauna de animais de cor-
o mole perfeitamente preservados. Sua postura profundamente tra-
00 entant0>acabou forçando-o a uma interpretação con-
e *onal, que não oferecia nenhuma nova perspectiva a respeito
11
'I
12
A história da reinterpretação dos
vas idéias que surgiram a partir dest . elenco. No entan-
xa, envolvendo o esforço coletivo de u g fizeram
to, três paleontólogos dominaram 0 cf tr° ^ J a n a n jo taxo-
o grosso do trabalho técnico de de^criça0 & Universidade de Cam-
nômico - Harry W hittington, p r°fesso ^ q mund0) e De.
bndge e o maior especialista em tnlon de Whittington
rek Briggs e Simon Conway Morris, dois b os fósseis
que fizeram carreiras brilhantes com seus estudos
de Burgess. formas de apresentar o
Considerei durante meses as dive nciusão de que somen-
conteúdo deste livro, e acabei chegando a co ^ influência da
te uma poderia dar unidade e inteireza a o ^ enta0 tenho de
história na organização atual da vida e a0 deste hvro. O tra-
respeitar sua ascendência no âmbito m aisres in s titu i uma his-
balho de W hittington e de seus colegas tam rit£rio para a de-
tória e, no domínio de contingência, o princí ^ reinterpreta-
terminação de ordem é, e tem de ser, a cron° diosa e admirável
ção de Burgess Shale é uma história,_™ íL nenhuma morte e nem
história do mais alto mérito intelectual reVelou um novo
mesmo um ferimento ou um arranhão, mas gsta história na
mundo. O que mais podemos fazer atem e c n de ^urosa-
correta ordem cronológica? Como no füm uma história
wa, dois observadores ou participantes nunc ^ aQ menos te-
complexa exatamente da mesma maneira, P°' ’ ^ vej0 esta se-
mos a possibilidade de nos basear na crono^ permjti-me até mes-
qüência temporal como um intenso drama apresentá-
mo a extravagância de, no terceiro capitulo deste
la, como uma peça em cinco atos. „i d a iconogra-
O capítulo 1, por meio do expediente mal dis-
fia, expõe as atitudes tradicionais (ou expe esta0. o capítulo
farçadas) que Burgess Shale agora co oca e aQ início da his-
2 apresenta o indispensável plano de fun cenário específico
tória da vida, à natureza do registro ossi a ^ em ordem cro-
de Burgess Shale. A seguir, o capítulo oc: . reVjSao em nossos
nológica e na forma de um drama, essa 8r fjn£d procura situar
conceitos acerca da vida primitiva. Uma se jutjva parcialmente
esta história no contexto geral de uma teori ^ capítulo 4 exami-
contestada e revisada por essa mesma is numa tentativa
na a época e a psique de Charles Doo it e jncorretamente a na
de compreender por que ele interpretou
tureza e o significado de sua maior descoberta. A seguir é apresen
tada uma visão diferente e antitética da história enquanto contin
gência. O capítulo 5 desenvolve esta visão da história através de ar
gumentos gerais e de uma cronologia de episódios cruciais que, se
tivessem sofrido pequenas alterações em suas fases iniciais, pode
ríam ter feito a evolução tomar um curso dramaticamente diferente
embora igualmente inteligível — caminhos bastante sensatos e ra
zoáveis que não teriam produzido nenhuma espécie capaz de deci
frar seu próprio passado ou de produzir uma crônica a respeito de
le. O epílogo é a última surpresa de Burgess — vox clamantis in de
serto, uma voz oportuna e adequada, que não irá endireitar o sinuoso
nem aplainar o irregular, pois ela se diverte com a tortuosidade dos
caminhos destinados a produzir apenas resultados interessantes.
Ao escrever este livro fui pego entre os dois pólos de uma reda
ção convencional. Não sou um repórter ou divulgador de assuntos
científicos que entrevista, com passiva imparcialidade, pessoas de
uma outra área. Sou um paleontólogo profissional, colega e amigo
pessoal de todos os principais personagens deste drama. Porém, eu
mesmo não tomei parte na pesquisa original — e nem poderia, pois
não tenho o tipo específico de genialidade espacial que este traba
lho exige. Todavia, o mundo de Whittington, Briggs e Conway M or
ris é o meu mundo. Não só conheço suas esperanças e seus pontos
fracos, seu jargão e suas técnicas, como também convivo com suas
ilusões. Se este livro vier a cumprir sua função a contento, terei com
binado a sensibilidade e o conhecimento profissional com distância
necessária para fazer um julgamento equilibrado, e o meu sonho de
escrever um relato interessante com informações privilegiadas do
campo da geologia poderá ter obtido êxito. Caso contrário, serei ape
nas a última de tantas vítimas — e todos os chavões a respeito de
peixes e aves selvagens, rochas e regiões agrestes serão aplicáveis.
(A dificuldade de viver neste mundo e, ao mesmo tempo, escrever
sobre ele manifesta-se com muita freqíiência na forma de um pro
blema simples que me parece insolúvel. Os meus heróis chamam-se
Whittington, Briggs e Conway Morris ou são eles Harry, Derek e
Simon? Por fim renunciei à coerência e resolvi que ambas as desig
nações eram apropriadas, embora em circunstâncias diferentes —
e simplesmente segui meu instinto e minha intuição. Tive ainda de
a otar uma outra convenção, Para apresentar cronologicamente o
rama de Burgess Shale, ordenei a literatura científica pertinente de
acor o com as respectivas datas de publicação das pesquisas sobre
14
1
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\r "*í
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1
A ICONOGRAFIA
DE UMA EXPECTATIVA
70
mundo. Comprovadamente, os av-.nais multicelulares modernos apa
receram pela primeira vez no registro fóssil há cerca de 570 milhões
de anos — e de modo repentino, não num prolongado crescendo. Esta
“ explosão cambriana” assinala o advento (ao menos no que tange
a evidências diretas) de praticamente todos os principais grupos de
animais modernos — e isto dentro do que, em termos geológicos, é
um breve intervalo de uns poucos milhões de anos. Os animais de
Burgess Shale pertencem a um período imediatamente posterior a es
ta explosão, a uma época em que a quase totalidade dos seres vivos
resultantes deste processo habitavam nossos oceanos. Estes fósseis ca
nadenses são preciosos porque preservam com primorosos detalhes
as partes moles dos organismos, tais como os filamentos branquiais
de um trilobito ou uma última refeição no intestino de um verme.
Nossos registros fósseis limitam-se quase que exclusivamente à histó
ria das partes duras. No entanto, a maioria dos animais tem somente
partes moles e, mesmo naqueles que fogem a esta regra, o revesti
mento externo não revela muita coisa sobre a anatomia interna des
tes organismos (o que se poderia inferir a respeito de um mexilhão
com base apenas em sua concha?). Conseqüentemente, os raros re
gistros fósseis de partes moles constituem preciosas janelas para a ver
dadeira distribuição e diversidade da vida primitiva. Os fósseis de Bur
gess Shale são a única fonte ampla e bem documentada sobre uns
dos acontecimentos mais cruciais da história da vida animal: o pri
meiro florescimento da explosão cambriana.
A. história de Burgess Shale é fascinante também em termos hu
manos. A fauna foi descoberta em 1909 por Charles Doolittle Wal-
cott, o maior paleontólogo dos Estados Unidos, administrador de ins
tituições científicas e secretário (a designação deles para chefe) do Ins
tituto Smithsoniano. Walcott acabou interpretando estes fósseis de
forma equivocada, abrangente e perfeitamente coerente com suas con
cepções convencionais a respeito da vida: em resumo, ele forçou a
inclusão de todos os animais de Burgess Shale em algum grupo mo
derno, considerando-os coletivamente como versões primitivas ou
ancestrais de formas posteriores mais aperfeiçoadas. O trabalho de
alcott não enfrentou nenhuma contestação séria durante mais de
cinquenta anos. Em 1971 o professor Harry Whittington, da Univer-
si a e e ambridge, publicou a primeira monografia de um amplo
reexame que começou com as suposições de Walcott e terminou com
uma mterpretaçao radicalmente diferente não só da fauna de Bur
gess Shale mas (por implicação) de toda a história da vida, incluindo
nossa própria evolução.
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Este livro tem três objetivos principais. Primeiro, trata-se e uma
narrativa do intenso drama intelectual por trás da aparente tranqui 1
dade desta reavaliação. Em segundo lugar, e por uma inevitave ím
plicação, é um depoimento sobre a natureza da história da vi a e a
espantosa improbabilidade da evolução humana. E, por tim, procu
ro descobrir por que se permitiu que um programa de pesquisa ao
fundamental permanecesse desconhecido do público. Por que pa
binia, um animal crucialmente importante no contexto desta nova con
cepção da vida, não é um nome familiar a todas as pessoas que se
interessam pelos enigmas da existência?
Em poucas palavras, Harry Whittington e seus colegas emon
traram que a maioria dos organismos de Burgess não pertencem a
grupos conhecidos e que as criaturas desta única pedreira^ a 0
bia Britânica provavelmente excedem, em diversidade anatômica, o
o espectro da fauna de invertebrados existentes nos oceanos mo
nos. Cerca de quinze a vinte das espécimes encontradas em urgess
Shale não podem ser associadas a nenhum grupo conhecí o e, pr
vavelmente, deveríam ser classificadas como filos distintos. mp
estes organismos para além dos poucos centímetros de seu taman
real e você estará no cenário de um filme de ficção cien 1 íca,
criatura particularmente curiosa recebeu o nome de a u c i g e •
espécies de Burgess que podem ser classificadas entr° ° •
nhecidos, a diversidade anatômica excede de muito os ™ ,
A fauna de Burgess inclui, por exemplo, representan es p .
todos os quatro grandes grupos de artrópodes, os am ^
tes do mundo de hoje - os trilobitos (hoje
(incluindo lagostas, caranguejos e camarões), os Quetorados (mclum
do as aranhas e os escorpiões) e os unirremes (mc
Mas Burgess Shale também
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po do maior e mais esquisito dos animais de Burgess (o qual, muito
apropriadamente, recebeu o nome de Anomalocaris).
Assim, uma complexa modificação de conceitos é exemplifica
da por uma alteração nas ilustrações. A iconografia tem sido um
instrumento negligenciado na alteração de pontos de vista relativos
à história e ao significado da vida, de maneira geral, e à fauna de
Burgess Shale, em particular.
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> / . v .j J H m
23
1.2. Uma moderna reconstituição da fauna de Burgess, ilustran o 1 charles
Briggs e Whittington sobre o gênero Anomalocaris. Ao contrai io i occsen i canto
Knight, este apresenta organismos bizarros. Sidneyia foi transferi 0 P jocaris.
inferior direito e o cenário é dominado por dois espécimes dogran e n gjdneyia-
Três Aysheaia, comem esponjas ao longo da borda inferior, à esquer a e
Um Opabinia rasteja pelo fundo, logo à esquerda de \ ysheaia, e c ots[ ^
alimentam-se no fundo do mar, abaixo do Auomalocaris em posição mat
24
A
Os cientistas perderam esta noção em a g ^ ilustrações do
caminho. Tenho certeza de que fazemos mais dos especia-
que a maior parte dos outros estudiosos, com r „ supera até
listas em história da arte. ‘‘Próxim 05 . ' f ’inPaisCom umnosencon-
mesmo “ Em minha opinião” como a t trações apenas como
tros científicos. Entretanto, encaramos as 1 us ^esenvojvicja no tex-
um recurso auxiliar em relação à argumentaça ^ tgm um conteú-
to. Poucos cientistas considerariam que as im _exQS fiéis da na
do ideológico intrínseco. As imagens, enquan
tureza, simplesmente estão aí. _ f tn„rafias de obje-
Eu posso entender tal atitude em re açao para uma
tos — muito embora, mesmo neste caso, as °P . de nossas figu_
sutil manipulação sejam enormes. To avia, descrições im-
ras são encarnações de conceitos, disfarça as ,erosas do contor-
parciais da natureza. Essas são as causas ma' s forina de descrições
mismo, pois as idéias que se apresentam so ^r.0 aQ inequivoca-
lcvam-nos a equiparar o experimental ou Pr0 pensamento são
mente verdadeiro. Subsídios para a or enaç natureza. Palphes
elevados à categoria de padrões estabelecí o
e suposições transformam-se em latos. estão todas dire-
As iconografias mais conhecidas a ev° com sutileza •— n0
cionadas — às vezes de modo grosseiro, o jnevitabilidade e su-
sentido de reforçar uma cômoda concepção ^ eVolutiva ou
perioridade humanas. A versão mais remata > antiga, Pfé-
escada de progresso linear, tem uma o n 8 chain 0f being,
evolutiva (veja o clássico de A. O. Lovejoy, u nrneirt, de Alexan-
1936). Considere, por exemplo, Ensaio sobre o Home,
der Pope, escrito no começo do século x ■
À medida que o amplo espectro
A escala dos poderes físicos e mc araça humana
Observe como ele se eleva ate a n as canipinas.
A partir das verdes miríades que po ' culo (fig 1.3).
E veja uma famosa versão do tmal desse cQ Charles White
Em Regular gradation in man, o m e d i c o dos vertebrados
forçou a inclusão de toda a ramificada ayes até 0s crocodilos
numa única seqüência heterogênea que ia do homem e subin-
e cães, passando pelos primatas mais pioxi nQS até chegar ao
do a escada racista convencional de giup branco, descíito
exemplo de perfeição representado pe o
1.3. /Is gradações lineares da evolução, segundo Charles White ( ■ ..
qüência heterogênea vai das aves e crocodilos até os cães e macacos (as u
de baixo) e, a seguir, sobe a convencional escala racista dos grupos humanos
fileiras de cima).
26
I
'■4; A vanços na evolução do cérebro humano tal como foram ilustrados por Henry
'oirfield Osltorn, em 1915.
- . Comprei esta revista Científica infantil num bazar de Agra, na índia. A falsa
1 6
iconografia da marcha tio progresso tem agora aceitação transcultural.
28
#30-
"S á® »
lheres. Quanto à publicidade, considere a evolução da cerveja Guin-
ness (fig. 1 . 1 1 ) e do aluguel de televisores (fig. 1 . 12 ).*
A camisa-de-força do avanço linear ultrapassa os limites da ico
nografia e alcança a própria definição do termo evolução: a pala
vra tornou-se sinônimo de progresso. Os fabricantes dos cigarros
Doral certa vez apresentaram uma seqüência de produtos aperfei
çoados” ao longo dos anos, sob os dizeres, ‘‘Teoria de evolução de
Doral” .** (Talvez eles agora se sintam embaraçados por esta asser
ção equivocada, já que me recusaram a permissão para reproduzir
o anúncio.) Ou, então, considere um episódio extraído da tira cô
mica Andy Capp (fig. 1.13). Fio não tem dificuldade em aceitar a
evolução mas a define como progresso e considera a maneira de Andy
chegar em casa (de quatro) como sendo exatamente o oposto.
A vida não é uma escada em que o progresso se faz de forma
previsível e sim um arbusto profusamente ramificado e continua-
mente desbastado pela impiedosa tesoura da extinção. A maioria
das pessoas talvez tenha conhecimento disto como uma frase a ser
pronunciada mas não como um conceito profundamente entranha-
do. Por conseguinte, estamos continuamente cometendo erros de
vido a uma aceitação inconsciente da escada de progresso, mesmo
quando rejeitamos explicitamente esta visão obsoleta da vida. Con
sidere por exemplo estes dois erros, o segundo dos quais nos ajuda
a compreender por que os fósseis de Burgess Shale foram interpre
tados de maneira equivocada.
Primeiramente, num erro que chamo de ‘‘pequena piada da vi
da” (Gould, 1987a), somos praticamente compelidos ao colossal
equívoco de citar linhagens malogradas como exemplos clássicos de
‘‘evolução” . Assim o fazemos porque tentamos extrair uma única
linha de desenvolvimento a partir de uma miríade de ramificações.
Neste esforço mal direcionado somos inevitavelmente arrastados para
31
a n d w w a n .
1.10. M a is u m e x e m p lo d a ic o n o g r a fia d a e sc a d a . D e s e n h o d e M i k e P e l o s , p
ca d o n o Dayton Daily News. ( R e p r o d u z id o c o m a p e r m is s ã o d e u t s , I n c .)
1.11. O está g io m a is e le v a d o d a a sc e n sã o h u m a n a , c o n fo r m e f o i f o t o g r a f a d o d e
u m c a rta z d e ru a inglês.
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arbustos tão próximos da aniquilação total que conservam apenas
um galho ainda vivo. E a seguir, então, consideramos este galho co
mo a culminância de um processo que se desenvolveu no sentido de
uma perfeição cada vez maior e não como o provável último suspi
ro de uma linhagem mais rica.
Considere o caso do grande cavalo de batalha da tradição
a progressão evolutiva dos cavalos (fig. 1.14). Não há dúvida de que
uma ininterrupta cadeia evolutiva liga o Hyracotherium (antigamente
chamado Eohippus) ao moderno Equus. E também é verdade que
os cavalos modernos são maiores, têm menos dedos e dentes mais
altos. Mas a seqüência que vai do Hyracotherium ao Equus não e
uma escada ou mesmo uma linhagem central. Esta série é apenas
um caminho labiríntico entre milhares de outros existentes num ar
busto complexo. Este trajeto em especial alcançou proeminência ape
nas por uma irônica razão — todos os outros ramos estão extintos.
G R A N A B A T V R E N T A L S
t h e o k y t
O F E V O L U IT O N .
33
ANDY CAPP
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Th e INTnitCTUAL tm a tso rto f IS P E O B 'AVESTARTECON
T fP E — TWAm E .P U O .' I THE RETj RN TRlP
34
MOTOHXWJ».
(Blpparion).
« iio n iw u i
114. A versão original da progressão evolutiva dos cavalos, desenhada pelo pa
leontólogo norte-americano O. C. Marsh para Thomas Henry Huxley, após Marsh
ter lhe mostrado os fósseis que coletara há pouco tempo no oeste dos Estados Uni
dos. Marsh convenceu o visitante inglês a respeito da correção desta seqüência, o
que obrigou Huxley a modificar sua conferência sobre a evolução dos cavalos, pro
ferida em Nova York no ano de 1876. Observe a constante redução no número de
dedos e o aumento na altura dos dentes. Como Marsh desenhou todos os espécimes
com o mesmo tamanho, não se pode notar a outra tendência clássica no sentido do
aumento de estatura.
35
umco ancestral comum, uma árvore evolutiva tem apenas um tron
co em sua base.* Segundo, todos os ramos de uma árvore ou mor
rem ou continuam a se ramificar. A separação é definitiva; ramos
distintos nao voltam a se juntar.**
p „PlMr ° ^SS™’ no 'nter'or dos limites impostos pela monofilia
a ivergencia, as possibilidades geométricas da árvore evoluti-
.Sa,° ^Uase infinitas. Um arbusto pode se expandir com rapidez
a mgir sua largura máxima, e então afunilar-se continuamente,
^ ^,nun?a drvore-de-natal. Ele também pode diversificar-se depres-
e., ,ff° ls conservar sua largura máxima através de um contínuo
ramif- n ° inovaÇão e morte, ou ainda, como um amarilho,
lcap"se desordenadamente numa mixórdia confusa de formas
e tamanhos.
36
n
FILOS E
CLASSES DE
CELOMADOS
(MUITOS
OMITIDOSI
PROTO-MOLUSCO PROTO-LOFOFORADO .—
r PROTO-DEUTEROSTÔMIO
RAMOS DOS
APROX. 700 M.A. PROTO-OLIGÔMEROS
ATRAS
p r o t o - c e Lo m a d o s
SERIADOS
p l a t e l L in t o s
SERIADOS
1.15. Uma iconografia recente para a evolução dos animais celomados, desenhada
de acordo com a convenção do cone de diversidade crescente (Valentine, 1977).
37
. . IC,onotjraf ‘a do cone de diversidade crescente, conforme é vista em seis exem-
nrpspntlr- °S •* didáticos. Todos estes diagramas são apresentados como re-
mpntp n r S"pP BS~e ° ^ elivas do evolução; nenhuma delas representa explicita-
exemntnJnh^,1 , ^ 0 6m contrasie com algum outro processo evolutivo. A pós três
oecíficm.■ j ™ °S seguem-se três concepções convencionais de filogenias es-
Os dados rtp n 5 verteja d o s (D), dos artrópodes (E) e dos mamíferos (F, na p. 42).
através d con,radizem a concepção de que os artrópodes evoluíram
através de um processo contínuo de crescente diversificação.
38
AMPHIOXUS
ELASMOBRANCHII
{ VIIVlAllAIVIAl
I I
paleoceno
40
Em sua interpretação convencional, o cone de diversidade di-
unde uma interessante combinação de significados. A dimensão ho
rizontal representa a diversidade — os peixes, insetos, moluscos e
estrelas-do-mar que estão no topo ocupam muito mais espaço late
ral do que os platelmintos da base. E a dimensão vertical, o que re
presenta? Numa leitura literal deveria significar apenas a idade em
termos geológicos: os organismos do gargalo do funil são antigos,
°s da borda, recentes. Mas nós também interpretamos o desloca-
rnento para cima como indo do simples para o complexo, do primi-
ivo para o avançado. A disposição no tempo écombinada com um
juízo de valor.
Ao falarmos sobre os animais geralmente nos guiamos por esta
iconografia. A diversidade é o tema da natureza. Vivemos rodea-
os pelos ramos contemporâneos da árvore da vida. No mundo de
arwin, todos os seres vivos (enquanto sobreviventes de um jogo
l*ro) têm um certo direito a um status igualitário. Por que, então,
normalmente preferimos construir uma escala que sugere uma hie
rarquia de valores (através de uma suposta complexidade ou de uma
relativa proximidade em relação ao homem, por exemplo)? Ao re
senhar um livro sobre a corte no reino animal, Jonathan Weiner {New
York Times Book Review, 27 de março de 1988) descreve o esque
ma de organização do autor: “ Trabalhando com uma ordem evolu
tiva imprecisa, o sr. Walters começa com os límulos, os quais vêm
se encontrando e se acasalando nas praias escuras, em sincronia com
as marés e os ciclos lunares, há 200 milhões de anos” . Os últimos
capítulos acompanham o “ longo salto evolutivo até as cambalho
tas do chimpanzé pigmeu” . Por que esta seqüência é chamada de
‘ordem evolutiva” ? Os límulos, anatomicamente complexos, não
são ancestrais dos vertebrados. Os dois filos — Arthropoda e Chor-
data — estão separados desde os primeiros registros disponíveis de
vida multicelular.
Num outro exemplo recente, que revela a presença deste erro
tanto no discurso técnico como no leigo, um editorial da revista
Science, a principal publicação científica dos Estados Unidos, deli
neia uma ordem tão desprovida de sentido quanto a “ gradação re
gular” de White (veja fig. 1.3). Comentando sobre as espécies co-
mumente utilizadas em pesquisas de laboratório, os redatores dis
cutem a “ zona intermediária” entre os organismos unicelulares, na
base, e adivinhe quem, no ápice: “ Situados numa posição mais ele
vada da escala evolutiva, o nematóide, a mosca e a rã têm a vanta
gem de ser mais complexos do que as formas de vida unicelulares,
41
embora essas espécies sejam muito mais simples do que os mamife
ros” (10 de junho de 1988). , .itifá-
A. insensata idéia de uma única ordenação em mero a m
ria diversidade de formas de vida modernas decorre de nossas ^ '
nografias convencionais e dos preconceitos que as sustentam
escada da vida e o cone de diversidade crescente. Pela esca a,
límulos são considerados organismos simples; pelo cone, s^ poe"
que eles sejam antigos.* E uma coisa sugere a outra, na grande c
fluência discutida acima — a parte de baixo da escada também £
nifica formas de vida mais antigas enquanto a base do cone rn r
simplicidade. . .
Eu não acredito na existência de algum segredo, misteno ou u
sitada sutileza por trás das razões para o nosso apego às falsas ico
nografias da escada e do cone. Elas são adotadas porque alimen
tam as nossas esperanças no sentido de haver um universo com um
significado intrínseco definido segundo nossos termos. Nós simples
mente não somos capazes de suportar as implicações da sinceridade
de Omar Khayyam:
Vindo ao mundo o porquê e o donde não sabendo,
Eu assim como a água incerto vou correndo;
Eu saio dele como o vento do deserto
Que, sem saber para onde, vai soprando incerto.
(*) Uma outra verdadeira ironia: apesar da imagem de “ fósseis vivos” , costu
meiramente atribuída ao límulo, não existe qualquer espécie de registro fóssil de Li-
mulus polyphemus (espécie da costa leste dos Estados Unidos). O gênero Limulus
surgiu há cerca de apenas 20 milhões de anos atrás, e não 200 milhões. Considera
mos erroneamente o límulo como um “ fóssil vivo” porque o grupo nunca deu ori
gem a muitas espécies e, portanto, nunca desenvolveu um grande potencial evolutivo
para a diversificação. Em consequência, as espécies modernas são morfologicamen-
te similares às formas primitivas. A espécie em si, porém, não é particularmente antiga.
42
tir do sexto dia e povoado por animais e plantas criados para nosso
benefício e subordinados às nossas necessidades. Tais antecedentes
geológicos poderíam inspirar a confiança de Alexander Pope, no Es-
say on man, na existência de um significado mais prolundo das apa
rências imediatas:
Toda a' Natureza é apenas arte, desconhecida de vós;
Toda casualidade, direção que não podeis ver;
Todo conflito, harmonia não compreendida,
Todo mal parcial, um bem universal.
Entretanto, como observou Freud, o nosso relacionamento com
a ciência é necessariamente paradoxal, visto que somos força os a
pagar um preço quase insuportável por cada ganho importante e
conhecimento ou de poder — o custo psicológico da perda progres
siva da condição de centro das coisas e, conseqüentemente, de uma
sensação cada vez maior de marginalidade num universo onde esta
mos entregues à nossa própria sorte. Assim, a física e a astronomia
relegaram o nosso mundo à condição de mais um canto 0 un^ er
so, enquanto a biologia nos fez trocar o status de imagem e eus
neln inArr^c mcmannQ ralados oue adotaram a postura ere
43
consiste em continuarmos a buscar consolo cósmico na natureza atra
vés de uma interpretação distorcida da história da vida.
Se escolhermos a segunda estratégia nossa margem de m ano
bra será severamente limitada pela história geológica da Terra. Quan
do aceitamos a versão de que sempre estivemos presentes neste mun
do, exceto durante os cinco primeiros dias, a história da vida po
ser facilmente explicada em nossos termos. Todavia, se quisermos
afirmar o papel central do homem num mundo que até o último m °
mento funcionou sem nós, teremos de encontrar alguma maneira
para considerar tudo o que veio antes como uma grande prepara
ção, uma espécie de prenuncio do nosso aparecimento.
Embora pudéssemos nos sentir bem mais à vontade com as ve
1.17. A fa ls a m a s a in d a a d o ta d a
ic o n o g r a fia d o c o n e d e d iv e r s id a d e c r e sc e n te , e
o m o d e lo re v isto d e d iv e rsific a ç ã o
e d iz im a ç ã o , s u g e rid o p e la r e c o n s tr u ç ã o c o r r e ta
d a fa u n a d e B u rg ess S h a le.
44
as séries evolutivas, hoje sabemos que, em sua grande maioria,
as criaturas “ mais simples” não são ancestrais dos seres humanos,
mas ramos colaterais da árvore da vida. Portanto, o cone do pro
gresso e diversidade crescentes torna-se a nossa iconografia preferi-
a. O cone sugere um desenvolvimento previsível, que vai do sim-
P es para o complexo e de um pequeno para um grande número de
esp cies. Embora o Homo sapiens possa ser apenas um pequeno bro-
°> se a vida caminha — ainda que espasmodicamente — rumo a
uma maior complexidade e a uma capacidade intelectual mais ele-
a, então o eventual surgimento de uma inteligência consciente
e si mesma talvez esteja implícito em tudo o que veio antes. Em
suma, eu não consigo entender a continuada adesão às iconografias
rnanifestamente falsas da escada e do cone a não ser como uma de
sesperada tentativa de impedir a derrocada de nossas esperanças e
e nossa arrogância cosmicamente justificadas.
Deixo a última palavra sobre este tópico a Mark Twain, que
compreendeu perfeitamente, numa época em que a Torre Eiffel era
a construção mais alta do mundo, as implicações do fato mais as
sustador da geologia:
/ D homem está aqui há 32 mil anos. Que tenham sido necessários 100
milhões de anos* para preparar o mundo para a sua chegada é uma
Prova de que foi para isto que ele foi feito. Eu imagino que sim, não
sei. Se a Torre Eiffel representasse a idade do mundo, a camada de
tinta que recobre a saliência da parte mais elevada de seu topo repre
sentaria o período de tempo que corresponde à presença humana. Qual
quer pessoa percebería que a torre foi construída por causa da pelícu-
la de tinta. Eu acho que percebería, não sei.
f a z e n d o c o r r e r n o v a m e n t e a f it a d a v id a :
° EXP ERIM EN TO c r u c ia l
45
mento se deu tão próximo à origem da vida multicelular teriam de
estar situados na parte mais estreita do gargalo do funil. Os animais
de Burgess, conseqüentemente, não poderiam apresentar mais do
que uma diversidade rigorosamente limitada e uma simplicidade ana
tômica elementar. Em suma, eles tinham de ser classificados ou co
mo animais primitivos dentro de um grupo moderno ou como for
mas ancestrais que, à medida que fossem se tornando mais comple
xas, poderiam progredir e se transformar em algum organismo bem
conhecido existente nos oceanos modernos. Não é de surpreender,
portanto, que Walcott tenha interpretado todos os organismos de
Burgess Shale como membros primitivos de um ramo proeminente
da futura arvore da vida.
Não conheço. . nenhum
, desafio mninr ai iconografia
MUÜ maior ... ,
do cone —
e, por conseguinte, nenhum areumentr,
, _ . tu&umento mais importante em favor
de uma concepção revisada da história da vida - do oue as novas
e radicalmente diferentes reconstitui™,» - . d0 ^ue as n
gess Shale feitas por ^ n
pé da letra a nossa metáfora mais respeitávll p7 a e v ô l u " i r a -
ram a interpretação convencional h» L u P o ç .
teram o cone ao reconhecer a existência â t T baiX° ' ElCS mVer’
tômicas singulares entre os fósseis dP n UntaS caracteristicas ana‘
quela época grupos hoje bem .EUrgess e ao mostrar que na-
ências com designs que se situava heCldos estavam fazendo experi-
Ção encontrado n a s S S » T além d° Umite de varia‘
riedade anatômica atingiu seu . . modernas- A amplitude de va-
inicial dos animais multicelulares a™ 0 l0g.° apÓS a diversificação
seguimento através de um nr A Posterior história da vida teve
sdo. Embora atua,m e„7o7o T J Z * * * » e não de expan
des do que jamais teve, a mai ^ P aneta ta'vez possua mais espé-
de uns poucos designs básicosr P^-te delas sao variações em torno
creveram mais de meio milhão d” 81113'8’ taxon°mistas já des-
todos são cópias quase inalterad 6 p^c*ef de besouros mas quase
verdade, o provável aumentn &S ^ Um dn’co Pr°jeto básico.) Na
tempo simplesmente acentua namero de espécies ao longo do
oceanos modernos contenham „ mã° e 0 Parad«xo. Embora os
quando comparados aos marpc h*namero muito maior de espécies,
seia numa menor variedade do Uy8ess’ essa diversidade se ba-
. _ A fig. U 7 apresenta,!™ traçados anatômicos,
hçoes de Burgess Shale. A amplitud™8^ revisada Que reflete as
tomicas se deu com o primeiro das P°ssibii'dades ana-
S0’ ° numero de espéeieTvd sTredu 1 d^ r s if ic ação. Depois dis
se reduzindo, à medida que fracassa
46
a maior parte dos experimentos iniciais e a vida põe se a P1 oc*
infinitas variações de uns poucos modelos sobreviventes.
Esta iconografia invertida, por mais interessante e representa
tiva de uma mudança radical, não implica necessariamen e urn
visão no conceito de que a evolução se faz de forma previsive
de a seguir uma determinada direção. Mesmo abandonando o con
e aceitando a iconografia invertida, ainda poderemos nos
inteiramente fiéis à maneira tradicional de encarar a evo uça°
tarmos a seguinte interpretação: embora só uma pequena p
gem das possibilidades de Burgess tenha escapa o a e* ’
perdedores eram o refugo e estavam previsivelmen e co _
sucumbir. Os sobreviventes triunfaram por seus proprios
entre os quais, uma decisiva vantagem em termos e comp
anatômica e capacidade competitiva.
(*) Esforcei-me por encontrar um nome apropriado para este ^ ^ n tr a ç lV d e
minação maciça a partir de um conjunto de formas muit0 tempo
toda a história futura numas poucas linhagens sobrevt ■ reteitar esta me-
pensei neste processo como um “joeiramento” , mas agora tenho J* entre
táfora porque todos os significados do termo ‘‘joeirar re aigumas das possi-
o bom e o ruim ao passo que, para mim, a preservação de ^ ^
bilidades de Burgess se deu de forma m a i s i n a ç ã o ” , pois assim posso combi-
Por fim, resolvi chamar este padrao de . os dois aspectos funda-
nar os sentidos literal e vernacular desta palavra para s determinadas em
mentais enfatizados em todo este livro: sobrevivência ouextmçao
grande parte pelo acaso e alta probabilidade gera cada grUpo de dez)
Acaso. “ Dizimar” deriva do latim decimaie (t ^ no exército romano
A palavra faz referência a uma punição regu amen covardia ou de algum outro
a grupos de soldados considerados culpados e ra0 ’ executado. Eu não pode-
crime. Um soldado em cada dez era escolhido por sorteio e execut
ria desejar melhor metáfora da extinção aleat na. entant0> poderia sugerir erro-
Magnitude. O significado literal da pa avra’ . uajs para todas as espécies,
neamente que as probabilidades de extiaç^ ° ’ emQ exemplo de Burgess indica exata-
seriam bastante baixas — apenas cerca de «• e s(j umas poucas foram esco-
mente o oposto. A maioria das espécies desapare ^ oa estjmativa para as princi-
lhidas — uma chance de extinção de 909/0 seria,d -mate>’ (dizimar) passou a signi-
Pais linhagens de Burgess. No inglês moderno, ^ ^ uma pequena porcentagem,
ficar “ destruir uma esmagadora maioria ,_em ^ E n g lis h D ic tio n a r y indica que
como se costumava fazer na antiga Roma. ^ de sjgnificado e tem sua origem
essa nova acepção não representa erro ou !a''e dfl com 0 significado de “ tirar
própria — a palavra “ decimation” também te
nove em cada grupo de dez” . ,.onceito de casualidade explícito na de-
Seja como for, eu gostaria de jun a maior parte morre e só uns
finição original romana ao significado s sentidos, o termo “ dizimação”
Poucos sobrevivem. Combinando-se estes fauna de Burgess Shale — eli-
transforma-se numa boa metáfora para o destino
minação ao acaso da maioria das linhagens.
47
Mas o padrão de eliminação de Burgess também sugere
alternativa radicalmente diferente, excluída pela iconografia °
ne. Suponha que os vencedores tenham sobrevivido simplesm ^
por acaso. Pode ser que o impiedoso ceifeiro dos designs anato ^
cos seja apenas a Senhora Sorte atuando sob disfarce. Ou ta
verdadeiras razões pelas quais os sobreviventes escaparam do ex
mínio não apoiem as idéias convencionais que sugerem como po ^
veis causas uma maior complexidade e grau de desenvolvimento
qualquer traço que contribua para dar origem a algum avanço
direção ao homem. Talvez o impiedoso ceifeiro atue durante breves
episódios de extinção em massa provocados por imprevisíveis ca
tástrofes ambientais (muitas vezes desencadeadas por impactos
corpos extraterrestres). Muitos grupos podem triunfar ou desapare
cer por razões que nada têm a ver com o que serve de base para o
êxito darwiniano em tempos normais. Mesmo que os peixes apurem
as suas adaptações até chegar ao máximo da perfeição aquática, to
dos eles irão morrer se os lagos secarem. Mas o velho desajeitado
peixe pulmonado, antes objeto de riso de toda a comunidade pís-
cea, poderá sair-se bem — e não porque um joanete na nadadeira
de seu bisavô preveniu o seu antepassado de um ameaçador come
ta. O peixe pulmonado e sua família poderão triunfar porque uma
característica que evoluiu há muito tempo atrás para uma função
diferente permitiu por acaso a sobrevivência deles durante uma sú
bita e imprevisível mudança nas regras. E se somos parte da descen
dência do peixe pulmonado e o resultado de mil outros acidentes
igualmente felizes, como poderemos considerar nosso desenvolvi
mento mental como inevitável ou, mesmo, provável?
Como dizem os humoristas, vivemos num mundo de boas e más
notícias. A boa notícia é que podemos conceber um experimento que
decida entre a interpretação convencional da extinção e a outra, ra-
dicalmente diferente, que estamos defendendo aqui. Com isso esta
ríamos respondendo à pergunta mais importante que podemos for-
mu ar a respeito da história da vida. A notícia ruim é que não te
mos como realizar esta experiência.
., exPer™ ent-0 de “ fazer correr novamente a fita da
V 1 ^ ?CCPress'ona 0 botão que reenrola a fita, certificando-se
an es e er apagado tudo o que realmente aconteceu, e volta até
res de e,lugar 110 Passado — digamos, para os ma-
a reneticãn Shale' M V0Cê faz correr novamente a fita e vê se
nareciõn m * parefe com 0 original. Se cada replay for bastante
m o verdadeiro caminho que a vida seguiu, então seremos
48
o s SIGNIFICADOS DE DIVERSIDADE E DISPARIDADE
50
junto de sobreviventes e uma história radicalmente di erente.
você relembrar a álgebra que aprendeu no segundo grau e veri íca
como se faz o cálculo de permutações e combinações, vera que o
número total de combinações de um conjunto de cem elementos o
mados dez a dez chega a mais de 17 trilhões. Estou disposto a a mi
tir que alguns grupos possam ter gozado de alguma vantagem em
bora eu não tenha nenhuma idéia de como identificá- os e e in
los) mas desconfio que a segunda interpretação capta uma ver ac
fundamental a respeito da evolução. Ao tornar intehgive es a s
gunda interpretação, através do hipotético experimento com a j
Burgess Shale cria uma concepção radicalmente diferente a respei
dos caminhos evolutivos e da questão da previsibili a e-
A rejeição da escada e do cone não nos joga nos raços
presumível oposto — o puro acaso, no sentido de se atirai uma m
da para cima ou de Deus jogando dados com o universo, ssim
mo a escada e o cone são iconografias limitantes da istoria
da, a simples idéia de dicotomia também restringe cruelmente o n o _
pensamento. A dicotomia tem sua própria e infeliz iconogra
uma linha abrangendo todas as opiniões possíveis, com uas
midades representando os pólos opostos — neste caso, e e
mo e acaso. Arictótples
Uma antiga tradição, que remonta pelo menos a Ansto ele*,
recomenda à pessoa prudente buscar uma posição 1
eqüidistante dos extremos — a aurea mediocritas. e ’
rém, o meio da linha não tem sido muito feliz, e o jo da
mia tem dificultado seriamente nossa reflexão íío inismo do
vida. Embora possamos compreender que o ve nossa
progresso previsível não pode maiS^ ^ c°a^ aM aáe. Assim, so-
unica alternativa está no desespero da p confusos
mos empurrados de volta ao nosso velho pon 0 intermediária,
e pouco à vontade, acabamos aMumta omma p qu£ colo_
Rejeito vigorosamente Qualquer Q a única alternati-
que nossas opções sobre uma linha , ,ugar entre elas.
va para duas posições extremadas est com frequência exige que
A busca de perspectivas mais proveit dJ a dicotomia.
deixemos esta linha e tomemos pos* ^ aUernativa; fora da
Escrevi este livro para sugerir um interpretada de
linha. Penso que a fauna reconstituída de Burgess m P ^ ^
acordo com a idéia de se fazer correr ^ m • história
rece um poderoso apoio a esta nova caminho ra.
da vida: qualquer replay conduziría a
51
dicalmente diferente daquele que foi realmente trilha • m qüe
quentes diferenças no resultado final, porém, não sig signifi'
a evolução seja algo desprovido de sentido e de um pa retável
cativo; o percurso do replay, em retrospecto, seria tão m ^ ^ di-
e explicável quanto o caminho que foi realmente percorr
versidade dos itinerários possíveis, no entanto, demonstra ^ pr0-
que os resultados finais não podem ser previstos no imC1 , ta(j 0 fi-
cesso. Cada etapa tem a sua razão de ser mas nenhum res
nal pode ser precisado no momento da largada e n®n , Uoutra por
ção jamais se desenvolvería de uma forma idêntica à e uc0
que qualquer caminho passa por milhares de est gio ^a
prováveis. Altere qualquer acontecimento do início da 1S(.einente
vida, mesmo de forma tão ligeira que, na ocasião, aparen ^
não tenha nenhuma importância, e a evolução enveredara P
trilha radicalmente distinta. a eS-
Esta terceira alternativa é nada mais nada menos do ^ ^a £
sência da história. Seu nome é contingência — e a continge^ ^
algo com existência própria e não a titulação do determimsm _ Q
acaso. A ciência tem demorado para admitir em seus dorm
universo explanatório da história — e as nossas interpretaço ^
sido empobrecidas por esta omissão. Quando forçada a uma
frontação com a história, a ciência tem demonstrado uma te
cia para denegri-la ao considerar qualquer invocação de conting
cia menos precisa ou significativa do que as explicações base
diretamente nas eternas “ leis da natureza” .
Este livro trata da natureza da história e da esmagadora tht
probabilidade da evolução humana, utilizando nesta discussão a ideia
de contingência e a metáfora de se fazer correr repetidas vezes a fita
da história da vida. Ele se concentra na nova interpretação dos fos
seis de Burgess Shale como melhor exemplo das implicações da con
tingência em nossas investigações para compreender a evolução da
vida.
Eu me concentrei nos detalhes de Burgess Shale porque não acho
que conceitos importantes devam ser discutidos de forma predomi
nantemente abstrata (embora tenha transgredido esta norma neste
capítulo inicial!). As pessoas, enquanto primatas curiosos, adoram
objetos concretos que possam ser vistos e acariciados. Deus está nos
detalhes e não no reino da generalidade abstrata. Embora tenhamos
de enfrentar e compreender os grandes e abrangentes temas do nos
so universo, o melhor é abordá-los através das pequenas curiosida-
es que prendem nossa atenção — todos aqueles belos seixos na praia
52
do conhecimento. O oceano da verdade banha os seixos a cada on
da, e eles retinem produzindo o som mais maravilhoso que existe.
Nós podemos discutir indefinidamente em torno de idéias a s
tratas. Podemos fazer pose e lançar mão de estratagemas para con
fundir o adversário. Podemos “ provar” um determinado ponto, pa
ra o deleite de uma geração, e nos tornarmos alvo de riso num sécu
lo posterior (ou, pior ainda, sermos totalmente esquecidos). Podemos
até mesmo validar uma idéia falsificando um objeto da natureza —
e assim participando realmente da grande aventura humana chama
da “ progresso do pensamento científico” .
Os animais de Burgess Shale, porém, em sua inflexível rea 1 a
de, de certa forma nos proporcionam uma satisfação ainda maior.
Podemos nos perder em eternas discussões a respeito do sigm íca o
da vida, mas Opabinia ou teve ou não teve cinco olhos e po e
mos saber com certeza qual dessas alternativas é a correta, s am
mais de Burgess Shale são também os fósseis mais importantes do
mundo, em parte porque nos obrigaram a rever nossa concepção
da vida, mas também por serem objetos de extraordinária e eza.
O encanto deles está não apenas na dimensão das idéias que e es cor
porificam e na magnitude da nossa luta para interpretar sua a n a o
mia, mas também na elegância de suas formas e no seu exce e
estado de conservação. .•
Os animais de Burgess Shale são objetos sagra os n
do pouco convencional que esta palavra assume em a gu
ras. Nós não os colocamos em pedestais e os a oramos
Nós escalamos montanhas e dinamitamos encostas P l e i t e o u ^
los. Nós os extraímos da pedreira, os partimos, os
desenhamos e os dissecamos, lutando para arranc ^ jn_
dos. Nós os xingamos e os amaldiçoamos por su
transigência. Embora sejam criaturas nós os sau.
habitavam o fundo de u m ," T “ ^ q s vS hos e estào tentando nos
damos com reverencia, pois eles sao u s
dizer algo.
2
ALGUMAS INFORMAÇÕES
SOBRE BURGESS SHALE
54
Cheap Meat performs passably,
Quenching the celibate’s jejune thirst,
Portraiture, presented massably,
Drowning sorrow, oneness cursed.
[Carne barata funciona razoavelmente
Satisfazendo o desejo imaturo do celibatário,
As imagens, apresentadas exuberantemente,
Afogam a dor da detestável solidão.]
Havia também um epílogo, para as épocas da era Cenoz"
Rare pornography, purchased meekly
O Erogeny, Paleobscene.*
[Rara pornografia, comprada docilmente
Oh! Erogenia, Paleobscena.]
Quando tais agrados não derem resultado, sempre digo > ^
perimente um sincero argumento intelectual, se es®es e tj_
pondessem a divisões arbitrárias num continuum e tempo,
vessem se desenvolvido de maneira uniforme ao o Dodería-
eu teria alguma simpatia pela oposição — P01S nes ^ ^qq
mos tomar a história da moderna v i d a u’nidades iguais
milhões de anos, e dividir este espaço de te P unida-
e arbitrárias fáceis de lembrar, tais como
des de 50 milhões de anos. «uficacões e, em sua irri-
Mas a Terra despreza as nossas si P ? d& yida não se de.
são, torna-se muito mais mterwsanie. q interrompido por
senvolveu de forma contínua; antes, e „„iAairn s_episódios
breve, - às vezes instantâneos era * ™ “ ^ ° f e Scala de tempo
de extinção em massa seguidos de div consütuem nosso pnn-
geológico reflete esta historia, pois ral das rochas. As di-
eipal critério para estabelecer a oide esses grandes acon-
visões da escala de tempo são determma s diversifiCações dei-
tecimentos, uma vez que as extinções e ntQj a esca[a de tempo
xam fortes marcas no registro to ssi. e’tudantes e sim uma
não é uma manobra diabólica para tor ur . da vjda me.
crônica dos momentos mais importantes nnrendendo os princi-
morizar aqueles nomes infernais voce es
(orogcnia) é um termo técnico da
(*) Esta linha contém dois gracejos: orogeny ^ minam a formação de mon-
geologia que significa o conjunto dc fenômenos Q velciadeiro nome da épo-
tanhas; Paleobscene é extraordinariamente pare
ca — Paleoceno.
pais episódios da história da Terra. Não é preciso buscar razões Pa
ra se justificar a fundamental importância de tal conhecimento.
A escala de tempo geológico (fig. 2.1) está dividida hierarqui
camente em eras, períodos e épocas. Os limites entre as maiores di
visões as eras — assinalam os acontecimentos mais importantes.
ois os três limites entre as eras designam as mais célebres extin-
çoes em massa. A extinção em massa ocorrida no final do Cretá-
2 ^erca e 65 milhões de anos, estabelece o limite entre as eras
S p ^ t n m ? " ? Z01Ca' Embora nâo seJa a maior de todas as “ gran-
fama Tstn a ’ CSte acontecimento ultrapassa todos os outros em
con ece porque os dinossauros desapareceram na esteira
Nú
Período de
Ipoca (e>
1 Quaternário 1 ioloceno
(Recente)
Cenozóico Pleistoceno
Plioceno
1Terciário 1Mioceno
Oiigoceno
Eoceno
Paleoceno 1
Cretáceo ' ------- ----- 1 6
Mesozóico Jurássico
Triássico
Permiano
Carbonífero
1 (Pensilvaniano
Paleozóico
:o e ^ississipiano)
Devoniano
Siluriano
Ordoviciano
Cambriano
Pré-
Cambriano 570
geológico.
56
dessas transformações, o que tornou possível a ev0' ^ nróürfa es-
des mamíferos (inclusive, muito mais tarde, a a n° n25
pécie). O segundo limite, entre as eras Paleozóica e õgs __
milhões de anos atrás), assinala a maior de to as ^ 9507,,
o evento ocorrido no final do Permiano que, ao e 1 Dadrão
das espécies marinhas, determinou de forma irreversível o padra
de toda a história da vida posterior. temDOS
O terceiro e mais antigo de todos os hnntes, . . . . de anos
do Pré-Cambriano e a era Paleozóica (cerca e enigmáti-
atrás), assinala um acontecimento diferente e mui neste jj.
co. Embora talvez tenha ocorrido uma extinção em inten_
mite ou próximo a ele, o começo da era P.leozoica marca um mi*
so processo de diversificação — a “ explosão cam , , s com
meiro aparecimento, no registro fóssil, de animais m reiação
partes duras. A importância de Burgess Shale es a ^ Bur.
com esta etapa fundamental da história da vi a. registra
gess não se situa dentro da explosão propnamen e • antes
um momento logo depois, há cerca de 53 mi o estragos
que a implacável tesoura da extinção tivesse ” de d;Versifi-
e, por conseguinte, quando os resultados o P Sendo &única
cação ainda podiam ser vistos em toda a sua va temp0S prime-
grande fauna de organismos de corpo mo nanorama do
vos, Burgess Shale nos proporciona um imgualavel panoram
início da vida moderna em toda a sua plemíu e.
A explosão cambrianaé um eveu.o
como a Terra tem 4,5 bilhões de anos, a vi , . pjaneta.
siSn moderno ocupa pouco mais do que 10 o a i losao cam-
Esta cronologia sugere os dois clássicos 306-10) e que
briana - problemas que obcecaram Darwin (1»». VV- por
continuam sendo os principais mistérios da ts ° n ^ regjstro
pue a vida multicelular apareceu tão taide. ) t sem ais sim-
fóssil do Pré-Cambriano não contém precursoí es d^
Pies dessas criaturas anatomicamente complexas. . de um
Essas questões são bastante difíceis agora, n -s 1950 .
rico registro da vida pré-cambriana, todo e e esc Burgess
Mas em ,909. quando Charles D oolhtleW aeo,t de cobrm Bu g ^
Shale, elas pareciam quase inabordáveis. a ep . nc0 Não
v'da pré-cambriana era um quadro absolutamen dQ anterior
havia sido encontrado um único fóssil bem oc an-majs multice-
a explosão cambriana e os indícios mais antigos espécie
hdares coincidiam com os mais remotos sinais de qualqv
de vida! De tempos em tempos alguém reivindicava a desco
animais pré-cambrianos — o próprio Walcott o fez, algum _.Q_
— mas nenhuma dessas reivindicações resistira a um exame m
so. Esses achados fundamentavam-se apenas em esperanças e p ^
riormente verificou-se que eram marcas formadas por ondulaç _
águas, precipitados inorgânicos ou fósseis autênticos de épocas
tenores. hiStó-
Essa aparente ausência de vida durante a maior parte da
ria da Terra e o seu subsequente aparecimento num estado de a
çada complexidade não representava problema para os antievo
nistas. Roderick Impey Murchison, grande geólogo e pioneiro no
tudo do registro fóssil da vida primitiva, via a explosão cambrta
simplesmente como o momento da divina criação e interpretava a c0 .
plexidade dos primeiros animais como um sinal de que Deus bavf
tomado os necessários cuidados com seus modelos iniciais. Murem-
son, escrevendo cinco anos antes da publicação de A origem das es
pécies, de Darwin, considerou explicitamente a explosão cambrian
como uma prova de que não houve evolução (“ transmutação” ,
sua linguagem), ao mesmo tempo que exaltava o olho composto dos
primeiros trilobitos como uma maravilha de apurado design.
Os mais antigos sinais de coisas vivas, ao indicarem, como o fazem,
uma alta complexidade de organização, excluem inteiramente a hip
tese de transmutação de formas inferiores para níveis de vida superio
res. Não há dúvida de que o primeiro fiat da Criação assegurou a per
feita adaptação dos animais ao meio circundante; assim, ao mesmo
tempo que o geólogo reconhece a existência de um começo, ele tam
bém pode ver nas inúmeras facetas do olho de um crustáceo primitivo
as mesmas evidências do dedo de Deus presentes na perfeição das for
mas dos vertebrados (1854, p. 459).
Darwin, sempre honesto ao expor as dificuldades enfrentadas
por sua teoria, considerou a explosão cambriana como uma das prin-
s u n t o SUa! atUçòes e dedicoa toda uma seção a este as-
antievohitív/lf6™ aS esp*Çies- darw in reconhecia a interpretação
notáveis eeóW mUlt0S ged' ogos Proeminentes; “ Vários dos mais
Sir R- Murchison à te n te, estão convenci-
sentam a amor ™ es,centes «pânicos do Siluriano* Inferior repre-
a da vida neste planeta” (1859, p. 307). Darwin admt-
58
sores d n « 3 í f ° I'a e^ ia um registro pré-cam briano rico em precur-
prim eiros anim ais com p lexos:
mento clás^ '80^ 01 CSSe *nc°m odo Problema, Darwin usou seu argu-
de ovidêncf100 ° reê*stro ®tao imperfeito que não dispomos
m° Darwin3S Para 3 ma' or*a dos eventos da história da vida. Mes
ta estava f ' ^ ° rem ’ reconhecia que neste caso sua desculpa favori-
^acilmenteICan ~ Um pouco hágil. Seu argumento poderia explicar
gem, mas s&razao da ^a^ta de um estágio numa determinada linha-
terado abs ^UC ° S azares do acas° poderíam realmente ter obli-
Criaturas d° U amente todas as evidências de praticamente todas as
tiu: “ Por Urante a mai° r parte da história da vida? Darwin admi-
e Pode serv'11^ 1*311'10’ ° pro*3*cma Permanece inexplicado, insolúvel,
(1859 p 308)6 S^ '° ar®ument0 contra °s pareceres emitidos aqui”
60
X
pA DEpOIS DE BURGESS:
C O M n r DE ORGANISMOS DE CORPO MOLE
° j a n ELAS PARA o PASSADO
r ü ^ r r ^ r icas e " e
ç“ ^ o t ° n h ° S Lagerstütte" "Sam rTros^suaTontribui-
nalmente alto. Ao c L ^ r T c a f t WStÓrÍa d& VÍda é desprop° rC'° '
gens, meu colega e ex-alunn T u ° gar a hlstória de todas as hnb
grupos principais são conhecidosCexdePk° SkÍ desCobrÍU que ^ d°r!
dos três maiores Lagerstátten do !, f usivamente P°r sua presença num
rückschiefer devoniano d T Í Pale° ZÓÍC0 ~ ^ g e s s Shale, o Huns-
ro, próximo a Chicago.’ (No e™anha’ e 0 Mazon Creek carbonife-
dronizados da escala de te restante deste livro usarei os nomes pa-
Se você, caro leitor, rejeitmP° ^ ° ldg'co sem explicações adicionais,
zar esse alfabeto consnit» exortaÇão no sentido de memóri
as frases mnemônicas anrf 01 &j ° r a ^ . 1 . Também recomendo
Há uma enorme biblioTrafí ^ ^ míd° deste caPÍUl'o.)
pretação dos Lagerstàtter, respeito da formação e da inter-
Embora nem todas as QUI r WhlttlnSton e Conway Morris, 1985).
dros dos detalhes nos n r n l tCnham sido resolvidas e os mean-
proporcionem uma infinita fascinação, três
64
mo condicã mC^ te encontrados ao mesmo tempo) sobressaem co-
de corpo mnl para a PreservaÇão das faunas de organismos
agitados- de 6 •" sePu^tament0 dos fósseis em sedimentos não-
responsáveisPOS1Ç^° nUm am^ ente isento dos agentes normalmente
nio e outros SUa desírtdção imediata — essencialmente o oxigê-
riedade de o r& °^CS ^ Ue promovem a deterioração, bem como a va-
cadáveres êanis.mos>de bactérias e animais que se alimentam de
em quase tod ^US1S rap^ amente eliminam a maioria das carcaças
mento r e s u lta m ^ a™bientes deste Planeta; e mínimo despedaça-
A título d” 6 ^ anos causados por calor, pressão e erosão.
nam a produ ~ e*emPl° das dificuldades quase insuperáveis que tor
do oxigênio rÇa° ° S ^ agersí^ tlen assim tão rara, considere o papel
iância do o x ' ^ ^ Um ponto de v^sta discordante acerca da impor-
bientes d e s n r S ' ? „ hábÍt5 S anóxicos- veja Allison, 1988). Am-
das partes m ° S ^ ox'gbrdo sao excelentes para a preservação
bactérias aerób'S nenbuma oxidação, nenhuma decomposição por
Particularme 1CaS- Ta*S cond*ções sao comuns em nosso planeta,
bacia. E n tr e i &^ m a*sas de dgua estagnada no interior de uma
Ção também ant°ú 3S prdpr^as condições que promovem a preserva-
iagares. o es^abe*eceiT1 Que poucos organismos irão viver nesses
Servado! o ° r a™b*ente> P°rtanto, nada contém para ser pre-
incluindo Bu rUC^Ue env°lvido na produção dos Lagerstatten —
to Peculiar d ^ SS ^ba!f’ como iremos ver — consiste num conjun-
iauna para ue Clrcunstâncias que podem ocasionalmente levar uma
rar°s Dor no»m Ugar tao ' nóspito. Os Lagerstatten, portanto, são
Se B natUreza
mas certaCSS ^ba*e nao existisse, não seríamos capazes de inventá-
doso Deus f i a r í a m o s por sua descoberta. Embora o Bon-
Ces>ele o fez eabdade Terrena raramente atenda às nossas pre-
recido a algum° C?S° ®urgess. Se o gênio de Aladim tivesse apa-
ramente, ihe 0 f P3 eontólogo antes da descoberta de Burgess e, ava-
Sern Qualquer, Crec*d<? aPenas um desejo, o nosso feliz beneficiário,
de animais de eSlta^ao’ certamente teria dito: “ Dê-me uma fauna
a exPlosão camt? 1-150 m ° ^ e d e u m P e n ° d o imediatamente posterior
^ n t e produz- ,? ana’ Quero vcr o que aquele grande episódio real-
ama história 1U ®Ur®ess Shale, a dádiva do nosso gênio, conta
1Vr°dedicad0maraVÍlh0Sa’ mas não o suficiente para justificar um
Para a compre 3 p<Inas a *sso- Esta fauna transforma-se numa chave
rões de diso e^!ao da história da vida por comparação com os pa-
tr° s Lagerstütte ^ notave^mente diferentes encontrados em ou-
A raridade tem apenas um lado bom — decorrido um *nter ^
de tempo suficientemente grande ela começa a aparecer com u
freqüência razoável. A descoberta e o estudo dos Lagersta ^
acelerou-se muito nos últimos dez anos, em parte por influência
que se descobriu em Burgess Sbale. Agora o número total de
gerstatten é suficientemente elevado para nos fornecer uma boa ide
dos padrões básicos de disparidade anatômica ao longo do temp
Se os Lagerstatten não estivessem razoavelmente bem distribui o >
não saberiamos quase nada sobre a vida pré-cambriana, uma v
que a história do período que vai das primeiras células procario
cas até a fauna de Ediacara é contada exclusivamente por criatur
de corpo mole.
O principal fascínio de Burgess Shale é que ele nos permite co
nhecer a espantosa diferença entre a vida antiga e a atual: com um
numero muito menor de espécies, Burgess Shale — um a pedreira
da Colúmbia Britânica não maior que um quarteirão urbano — c° n'
tem uma disparidade de designs anatômicos que excede em muito
o limite de variação existente em todo o mundo moderno!
era que urgess Shale representa o que acontecia normalmen
aepxnlnSSad° t nã° Uma característica especial da vida logo apos
s e r v a d a s 'a ^ e T * ' ^ qUe t0das as fa™ as ^ I m e n t e bem pre-
m i c o í u S T T Uma amplitude semelhante de designs anato-
nadrõestómnn?ae r ! r SÓ P° dem ser A c io n a d a s estudando-se os
p ad res temporais de disparidade exibidos pelos outros Lagerstatten-
Burgess ShaT é * ambígUa; a vasta d^paridade anatômica de
s s ü r ~ ; ca exc,uswa da pdmdra explor s°e
de Burgess na a m p litu d e í LageJ statten Posterior aproxima-se
Ao contrário, conforme avan * " ^ 0 d° S designs dos organismos.
podemos seguir o curso de J Çam.°S. no tempo>a Partir de BurgeS ’
que sobreviveram ao ™ ra?lda estabilização dos seres vivos
briano Superior da Sué ■ de d™maéão. Os artrópodes do Cam-
magnificamente p"esemd^ ÜUer’.1983; MüUer e Walossek, 1984),
membros da linha dos cn t! ?m tr^s d™ensões, talvez sejam todos
dades da preservação n e ^ ^ f 05' conseqüência das excentrici-
núsculos artrópodes comS & aUna tovam recuperados ápenas mi
to. Assim, não podemos _me,n0S de dois milímetros de comprimen-
depósitos com a das forma6^ ™ ' 16 Compaiar a disparidade destes
na de Brandon Bridge Wis CBurgess- de tamanho maior.) A fau-
descrita por Mikulic Bru>a,C° v?0’ datada do Siluriano Inferior —•
tém, tal como Burgess Kluessendorf (1985a e 1985b) - con-
6 ' ’0<lc,s 05 W atro grandes grupo, de artró-
66
trón^H 3 ^ncIui umas poucas excentricidades — alguns ar-
prol° CS Ínclassificáve^ (inclusive uma criatura dotada de bizarros
uiifo°n8amentOS ^atera*s semelhantes a asas) e quatro animais ver
de B meS’ em*30ra nenhum tão peculiar quanto os grandes enigmas
^"gess, como Opabinia, Anoma/ocaris ou Wiwaxia.
do a Ce^e^ re Hunsrückschiefer do Devoniano, tão bem preserva
r a c V Ut*S ^eta^ es aparecem em radiografias da rocha sólida (Stür-
classif' f rêStIõm’ 197d e 1978), contém um ou dois artrópodes in-
Marr I,yaveis’ incluindo Mimetaster, provavelmente aparentado com
via se ° ’ ° an’ma* ma*s c°mum de Burgess. A vida, porém, já ha-
creçõ esta^'*'zac^°- A rica fauna de Mazon Creek, abrigada em con-
go dasS,? UC *eg’° es c°letores arrebentaram aos milhões, ao lon-
form U tlmas ^ a d a s , inclui até mesmo um bizarro animal vermi-
numaC COn^ec'^ ° como o Monstro de Tully (honrado oficialmente
ca n V?rsaPlada formal em latim como Tullimonstrum). Nessa épo-
e QUa rem’ 3 ^a^r^ca invenções de Burgess já havia sido fechada,
tavoiSC tOC*os os belos fósseis de Mazon Creek encaixam-se confor-
l^ente nos filos modernos.
atais f ° passarmos Pe*a extinção permo-triássica e chegarmos ao
do Ju am? so c*e tC)dos os Lagerstàtten — o do calcário Solnhofen,
afirmar SS*C° ' 03 ^^ernan^a — reunimos evidências suficientes para
Isfenh F C° m se8urança que o jogo de Burgess chegou mesmo ao fim.
sionaiUma ° Utra ^auna deste planeta foi mais bem estudada. Profis-
de UmS é am a^01 es v^m fendendo esses blocos de calcário há mais
dame t e?u^0- (Essas pedras uniformes e de granulação fina são fun-
dade ° 3' S ^ara a ^to 8rafia e têm sido usadas, quase com exclusivi-
inven ^ t0C*as. as ™Prcssões finas feitas com esta técnica desde sua
sr«. j Ç30’ no Enal do século xvm .) Muitos dos fósseis mais famo-
S0S do mundo
c*mes d v>cram dessas pedreiras, inclusive todos os seis espé-
■Ptact 6 ^ ' ch?eoPteryx, a primeira ave, preservada com as penas
animaT ^ 3 l'*t' ma fiárbula. Mas o Solnhofen não contém nem um
cont, Sf ^ uer ‘fae não pudesse ser incluído em grupos taxonômicos
ácidos e bem documentados.
tômic ° V'° ^Ue 0 Padrão de assombrosa disparidade de designs ana-
nas fó°S ^ncontrado em Burgess não é uma característica das fau-
vação°SSeiS ^em preservadas em geral. Ao contrário, a boa preser-
Sament10S perm'fido identificar um aspecto digno de nota e imen-
'ntedi \ en'8rnáfico da explosão cambriana e de suas conseqüências
ra ve 9 ^ ^ lIase l°dos os filos modernos apareceram pela primei-
junta 2 nUlT1 momento geológico próximo ao início do Cambriano,
mente com um conjunto ainda maior de experimentos anatô
micos que não sobreviveram por muito tempo depois disso. Os
milhões de anos subseqüentes não produziram nenhum novo 1 *
apenas modificações em cima de designs já estabelecidos — mU1
embora algumas variações, como a consciência hum ana, consig aIT1
causar impacto sobre o mundo de maneira curiosa. O que desenca
deou a produção de designs em Burgess? O que a interrompeu ta°
rapidamente? O que, se é que algo o fez, favoreceu o pequeno nu
mero de designs sobreviventes em relação às outras possibilidades
que floresceram em Burgess Shale? O que este padrão de dizimação
e estabilização está tentando nos dizer a respeito da evolução e da
história da vida?
ONDE
^ t UÍZaÇã0 ° dd"
- o cenário de Burgess Shale a COm &be 6Za de um ° Utr° °
tanto d u r a n t e a descoberta t o e " m S T * compan“ a £
meira temporada de coleta ! ? ^ A909’ como por ocasiao da P
para sen U ^ ^ p a , Heten escreveu
69
2.2. Três vistas das pedreiras de Burgess Sliule tomadas durante a minha vtsdt
agosto de 1987. A) A extremidade norte da pedreira Walcott, com o monte WUI
ao fundo. Observe a parede da pedreira com orifícios perfurados para a inscrç
de cargas de dinamite e fragmentos de rochas produzidos pelas explosões espalha( ^
sobre o piso da pedreira. B) Vista similar da pedreira aberta por P e r c y Ruytno
em 1930, com seu fiel servidor e três ávidos geólogos. Esta pedreira, muito nten01’
está acima do sítio original de Walcott. C) Meu filho Ethan sentado sobre o p ‘sl
da pedreira de Walcott, em sua extremidade sul.
70
O panorama visto da pedreira de Wuicott. No ptinteiio P^un° .
corre 11 encosta à procura de fósseis. Ao fundo está <> taxo tm i
71
Hoje pode-se ir de rarm o*t
próximo ao Whiskev T ° acamPamento de Takakkaw Falis,
uma ave e não de alo a<u . Ste^ ^ass™ denominado por causa de
subir cerca de novJÜ T hefÓ1 embria8ado do velho Oeste), e então
lômetros em torno do V ^ metros atrav^s de uma trilha de seis qui-
à crista de Burgess A anC° n° roeste do monte W apta, até chegar
pode ser considerada aSCensao tem alguns trechos íngremes mas
dável, mesmo nara „ ,COmo pouco mais que uma caminhada agra-
excesso de peso e arnet seuj humilde servidor, fora de forma, com
de campo de maior v u lt^ ° &V'V6r ao mve^do mar. Um trabalho
transporte de suDrimrnt ° / ° de agora utüizar helicópteros para o
Ções do Serviço de T pva°? C° m° foi feito P°r ocasião das expedi-
de 1960, e do Museu Rm i am^nt0 Ueológico canadense, na década
Walcott teve que recorre de, ° ntário’ nas décadas de 1970 e 1980).
raria o trabalho de canrnc^ Ul-r° S de ?arga mas ninguém conside-
ticamente desafiador O n r T •' excessivamente cansativo ou logis-
encantadora descrição de ^ a^cott (1912) nos forneceu uma
rada de trabalho de campo e l ^ 05 durante a primeira tempo-
narrativa mistura tecnologia b um instantâneo verbal cuja
í » « pl„ rand; ™ ™ n , t u , . social antigas, com filhos
os espécimes no acampamento ^ ^ Uma esposa zel° sa arrumando
Acompanhado pelos meiK H .
ocaiizamos a faixa fossilífe° f fdhos>Sidney e Stuart [...] finalmente
j ,an 6 vários dias, transportam 6POlS d*sso>cavoucamos a pedreira
em h^ar Pela encosta da montanhaS°Sblocos até a trilha, fazendo-os
enmd"0S ^ Carga‘ U com a ^ V ^ mos pa™» acampamento
t o v t aParad° 6 emPacoTado ^ * a- Walcott- 0 foltolho foÍ
ia e Field, novecentos
iv /v c u e n t n ç m *1 ° depois levado ypara
iv»«+ a testação
ai a a a ia y M v
Um ano antes da Hp. / S mtros
metros abaixo.
(*) E h
íess, w-
®Ur8ess, i°ra n° s^cu*° x,x 0 Canadá tenha tido um governador-geral
Wai°ra j chama
®ess’ que fi d COtt
cn" °K.......
at*zou a formação comi esse
esse nome
nome por
por causa do desfiladeiro Bi
Cd entre a pedreira e a cidade de Field-
73
Nesse nivel os fósseis são encontrados ao longo de u ^ ju
mento com menos de sessenta metros de comprimento, na
perfície da pedreira. Embora desde a época de Walcott ven ^ eS.
coletados fósseis de organismos de corpo mole em outr 0gncontroU'
tatigráficos e localidades da área, em nenhum outro lugar ^ grande
se algo que se aproximasse da diversidade do leito filopo original
maioria das espécies de Burgess é proveniente da cama ^ c0ln-
de Walcott. Com altura pouco maior que a de um hom urnape-
primento menor que o de um quarteirão! Quando digo q tgmica
dreira da Colúmbia Britânica abriga uma disparida e faiando
maior que a de todos os mares do mundo moderno, es rjqueza
de uma pequena pedreira. Como foi possível que taman
tivesse se acumulado num espaço tão diminuto? m0iexa área
Pesquisas recentes esclareceram a geologia desta co ^ ^ g u t o
e forneceram um cenário plausível para a formação ^ 4. e a
que preservou a fauna de Burgess (Aitken e Mcllrea » g urgess
discussão mais geral de Whittington, 1985b). Os animais ^ ^ j0n-
Shale provavelmente viveram sobre bancos de lama forma ^ rpajude
go da base de um paredão maciço e quase vertical, cham cajcárias
Catedral — um recife constituído basicamente por a g ^ g sses
(os corais formadores de recifes ainda não tinham evo qurnina-
hábitats de águas moderadamente rasas, âdcqua-damen^ c0in
das e bem aeradas, geralmente abrigam faunas marin as ^ ^ ftá-
alta diversidade. Burgess Shale preservou uma fauna n° r gispa-
bitats bem representados no registro fóssil. A extraor in^ a sjngu-
ridade dos designs anatômicos não pode ser atribuída a
laridade ecológica. f , . do aih'
É aqui que aparecem as dificuldades. O czxéísx tip ^ preser-
biente de Burgess deveria excluir qualquer possibilida e.^umjnação
vação de organismos de corpo mole. Embora uma boa 1 ^ n te
e aeração possa estimular o desenvolvimento de uma taun r£-
diversificada, essas mesmas condições também promov ^ ^ pro-
pida atuação de animais que se alimentam de cadáveres sejs ge
cessos de decomposição. Para serem preservados com° .„uln ou-
corpo mole esses animais tinham de ser removidos para aredes
tro lugar. Talvez os bancos de lama acumulados sobre a ^ eífí0-
do talude tenham se tornado espessos e instáveis. Pequen jmpeli-
res de terra poderiam ter provocado “ correntes lodosas agaj-
do nuvens de lama (contendo os organismos de Burgess) ta enteS
xo, as quais poderiam ter-se depositado em depressões a conten<jo
estagnadas e desprovidas de oxigênio. Uma vez que a lama c
74
OS organismos de Burgess tenha se depo ^ di£ culdades de
xieas, todos os fatores necessários par P &soluçãQ do nos.
preservação dos animais estarao present g ambiente
so Quebra-cabeças - deslocamento, de para um
em que a anatomia das partes mole" n ment0 num meio des
locai onde poderia ocorrer o rápido um ponto de vis-
provido de oxigênio. (Veja Lud^ ’ t^ f de soterramento numa
ta alternativo que conserva a ldéia c® , mas e substitui o des-
depressão anóxica relativamente profu deoosição na base
lizamento de sedimentos talude abaixo por uma deposição
de uma rampa suavemente inclinada.) confirma a idéia de
A distribuição exata dos fosseis d t de iama loca-
que eles foram preservados graças a um deshzamento _ con_
lizado. Outras características dos fósseis nos de deterioração,
clusão: pouquíssimos espécimes apresentam ^ pista ou qual-
o que sugere um rápido soterramento; ne encontrado nos leitos
quer outro vestígio de atividade organica rreram e foram so-
de Burgess, indicando assim que os ammais foram fossi-
terrados pela lama tão logo chegaram ao &nossas esperan-
lizados. Visto que a natureza geralmen cjrCunstâncias que
Ças, agradeçamos por esta rara concatenaça egistr0 fóssil ge-
nos permitiu arrancar um grande segredo de um r g
ralmente pouco cooperativo.
75
em P° rque ^ Ul graciosament ^ rgess ^hale tem um interesse pró-
ratjv„a estrutUra basicamente sf ^ tens®io para a resolução e inclui
lhn ç* .C° nvenc’°nal ■— cjesro, mp es c*°>s dos maiores temas da nar-
tóln IStemático que recebe sim felizes e inesperadas, e o traba-
convS° COnhece a história seia merecida recompensa. * Todo paleon-
com 6rSaS noturnas em torno h Cr™ 0 Uni elemento indispensável nas
i . ° Uma anedota contada 3 ogue*ra de um acampamento, seja
at° da versão tradicionai n t ” ° S CUrS° S intr°dutórios. O melhor re-
, e^Cr' to Por seu velho am -CSCf encontrado num obituário de Wal-
Schuchert, professor h lê°,e antig° assistente de pesquisa Char-
Uma das J s n PaIeont°logia em Yale:
P°rada de coleta d e ^ o t^ 0^!?35 de Walcott ocorreu no final da tem-
30 descer a trilha e virou ! ,^ a?d° ° caval° da sra- Walcott escorregou
e seu marido. Ali estava n™3 3Je qUe lmediatamente atraiu a atenção
nano Médio totalmenm T grande tes°uro — um crustáceo do Cam-
queiugar da montanha esconhecido — mas era preciso saber em
ara- A neve já havia com* V^ 3 rocha"mãe de onde aquela laje se sol-
e ser deixada para a nróviÇa 0 a ca’r e a resposta desta questão teve
P°rém, os Walcott estavam*^3 temP°rada de coleta. No ano seguinte,
cobrindo que a laje Drovínt, ®,vo^a 30 monte Wapta e acabaram des-
teriormente recebeu o nnm a ^ ™ 3 camada de folhelho — que pos-
metros acima da cidade h c- 6, ®urgess Shale — situada novecentos
Considere as nri . ^ Fldd (1928’ PP-283-84).
de sorte proporcionado^No ^ 3^ 6135^ 351 desta bistória — o golpe
grande descoberta feita L h eSCOrregao de um cavalo (fig. 2.5), a
de coleta (com a neve e a ° err3deiro in«ante de uma temporada
ensifícando ainda mais o h Undao tom ando conta do cenário e in-
m inverno de insatisfação ^ na^ ’ a angustiosa espera durante
íca e cuidadosa do veio de'r,° n u n ^ante retorno e a procura metó-
ccf Tt nao diz quanto tempo Jh** 3 havia se desprendido. Schu-
erta mas a maioria das v ~°U ° didrno ato dessa paciente des-
emana ou mais tentando l o ^ r 0^ a ^ rma que Walcott passou uma
Sidney, entregando-se a .em0 3 '23" aorigem daquela laje. Seu filho
eu (1971, p. 28); “ Fomos ln^ cencias sessenta anos depois, escre-
rar o leito de rochas do ai,a | U Ind° p d a encosta> tentando encon-
ma semana depois e cerra w desc°berta original se soltara,
víamos encontrado o lUga ” 23° metros acima percebemos que
76
.. uma de suas últimas
2.5. Walcott em seus setenta e tantos an0*’ í, °\ seu cavalo, o que nos faz recor
temporadas de coleta no Oeste. Ele está ao a
ClQt Q Ipnrln rln rfocnnhortíl íÍP. BUHíSSS Shü €•
77
‘Coletando fósseis c
tn o s m ^ u 8 Um extraordinárir>na ° Stuart na formação Stephen. En-
P born número de e x c e l J P 0 de Crustaceos filópodes. Leva-
dente rp U,anto a° cavalo escorr” 6S espécimes Para o acampamento” .
to n a,mente ocorreu ? gando e a neve caindo? Se esse inci-
no S T SUa íam «ia subin ^ t6r 56 Passad0 *> dia 30 de ag0S"
Passar 3 ta rd e - E le s p odería & encof ta Para encontrar-se com ele
ra enr &n° lte no acampamenf01 tCr VIrado a ,aje ao descerem para
Esta ° ntrar 1°s espécimes oue W r,etornando na manhã seguinte pa-
escrev^C° nStÍtUÍÇao encontra ai 3 COtt esboçou no dia 31 de agosto,
ran&i -U Para ^ arr (Que ele ri apoi° numa carta que Walcott
ejo rendado” de Á//?/- / f ? 1S homenagearia batizando o “ ca-
Quando estávamos * * ° UtUbr° de I909:
tramos uma iaje trazida n n r ^ mater'al do Cambriano Médio encon-
ce° filópode num canto n T j ava,anche, a qual exibia um belo crus-
3r 1 °- Eu e a sra. W. trabalhamos na laje
"'en- t uks. . ....- ............. _
Wea. T........
uur.. „»Sep t . , 1909 Ther.
• A.
'■'iV a / /Ct-rv eu?— - i i • tsL J z.
1 1Á . 0J* $
(L*oJL<UcA^ /rA
j
Wca.
Wea. F hiday
rijjav 3 Ther,
I
^ y r f u L r j
* L* (rcistAi.
'Íí ^
. OUi
1 CsL
-hs-~~.jr
78
, . ipvamos de volta a melhor cole-
das oito da manhã às seis da tar oportunidade de ver.
ção de crustáceos filópodes que j anterior transforma-
A transformação é sutil. Uma a va rececje um dia feliz no cam-
se numa nevasca presente, e a noite qu js(^r;0 de toda uma tem
po transforma-se no fim apressado e c tante> a temporada de
porada de coleta. Todavia, muito mai descobertas dos dias 30
coleta de Walcott não se encerrou co at£ 0 dia 7 de setem-
e 31. O grupo continuou na crista e ta e coietou com avi-
bro. Walcott estava excitado com sua embora Walcott tivesse
dez nos dias subseqüentes. Além o \ ó icas em todos os dias,
anotado assiduamente as condições m .^Q neve. Sua ditosa
seu diário não traz uma só palavra a vjalureza. No dia 1- de se
semana colheu apenas louvores a ,, ^
tembro ele escreveu: “ Lindos ias Walcott localizou a
Por fim, tenho uma forte s u s ^ a semana da temporada de
origem do bloco perdido naquela u dQ afloramento, se nao
coleta de 1909 - pelo menos a área br0> um dia após ter dese-
o próprio leito filópode. Em 1 ? de s «continuamos co e an
nhado os três artrópodes, Walcott es esponjas numa escarpa i
do. Encontrado um magnífico grupo Q original]” - Em o
situ) [isto é, não perturbado e em su P m também ser en-
as esponjas, que têm algumas par es ^ se acham Pres^rva
contradas fora das camadas mais ri espécimes vêm do e
os organismos de corpo mole, os me_üentes ele achou muitos < e®P,
filópode. Em cada um dos dias su s aparentam ser o r
cimes de corpo mole, e suas descnço ^ aqui e ali- No ia
um homem encontrando um bloco rarapaça de um ostraco o
setembro ele descobriu que a sup0S filópode: “ Traba a
nha na verdade abrigado o corpo nas proximidades a
no alto da encosta enquanto Helen c carapaça semelhan
lha. Descobri que o que eu acha^ ? ocje’’. A pedreira de a
de Leperditia é o abrigo de um soitos teriam desliza
fica “ no alto da encosta” enquan o
do até a trilha. , . !nda mais bem-sucedido: b -
Em 3 de setembro Walcott foi amda m # recolhidas dlversas
contrado um belo lote de crustace0S f^ mento” • D® q u d q u *
lajes para serem fragmentadas no a uma jornada mteg ^
neira, eleno
trabalho continuou
dia 7 de asetembro,
coletar eocultimo daquela
daq têmpora a.
79
r
80
Burgess a S C C ntenas d c m e tro s a b a ix o d o s le ito s principais de
Encontrar enC0Sta e reta e íngreme, com os estratos bem à vista.
do um sra í\ ° ngem de um b,oco que se tivesse soltado não teria si-
Iogo __ n 6 prob,ema, pois Walcott não era apenas um bom geó-
ciPais enHQno grande geólogo- E,e deve ter localizado os leitos prin-
fósseis d ^ 113 semana seSuinte à sua primeira descoberta de
a pedre ' 6 ° rganismos de corpo mole. Não lhe foi possível cavoucar
tenipo ^ 601 1909 ~ a única limitação imposta pela escassez de
mente 0135 e^e encontrou muitos fósseis excelentes e, provavel-
°ndeir ° S prdp” os leit°s principais. Em 1910 ele sabia exatamente
começou a cavoucar no lugar certo logo que a neve derreteu.
trabalha COtt P° s' se a cavoucar no leito filópode de Burgess Shale e
Cargas d U C° m martei°s> cinzéis, longas barras de ferro e pequenas
e p exPÍ°SIVo durante um mês ou mais todos os anos entre 1910
qUjnz d - m *9^> aos ^7 anos, ele voltou para um período final de
ra Wash'3S ccdcta’ todo ele levou cerca de 8 mil espécimes pa-
maior !ngí ° n’ Ei-C., onde eles ainda se encontram — as jóias da
rja jq eçao úe fósseis de nosso país, no Museu Nacional de Histó-
^ u r a j do Instituto Smithsoniano.
OA.., cott coletou com empenho e meticulosidade. Ele amava o
este e encarava
encaro„„ tais
*„.•_____ - como uma. fuga
excursões ________
necessária das ten-
sões de
f ° r ^ e seus encargos administrativos em Washington, e como uma
grande' Preservar sua saúde mental. De volta ao comando de seu
trar s Império administrativo, porém, ele jamais conseguiu encon-
nar, D 9” er urna Pequena parcela do tempo necessário para exami-
nalnle°,n Crar’ ruminar, reexaminar, preocupar-se, reconsiderar e, fi-
desses C’ Publicar os elementos essenciais de um estudo adequado
üm i C° mp,exos e preciosos fósseis. (O significado deste fracasso será
^Portante tema do capítulo 4.)
Cou d ? « . Cheg0u a Publicar diversos trabalhos, que ele qualifi-
grande pre,iminares” , com descrições dos fósseis de Burgess — em
n0nij 6 Parte para exercer seu tradicional direito de outorgar as de-
trabai|,aÇOes taxonômicas formais às suas descobertas. Quatro desses
°Prim ° S f° ram publicados em 1911 e 1912 (veja a Bibliografia) —
Iacio ^ ro sobre artrópodes que ele (incorretamente) considerava re-
c]llSa ,la 0s aos límulos, o segundo a respeito de equinodermos e me-
aCercS odos Provavelmente colocados em filos errados), o terceiro
Ele ^ vermes e ° quarto e mais extenso tratando dos artrópodes.
rios d R ÍS V° It0U a pubIicar um grande trabalho sobre os metazoá-
lobit C BlIrgess- (Um artigo de 1918 a respeito dos apêndices dos tri-
s aseou-se em grande parte no material de Burgess. Seu traba-
81
Iho de J 9 J 9 e SUa
tCSy 0ní as de Burgess resDect^ ^ 192° ’ 3 respeito das al8as e daS
taxonômicos e não t o c a m t,V3mente’ ‘ratam de diferentes grupos
s raçados anatômicos questao contrai da disparidade entre
° ,re ac!onadas aos outrn anirna's celomados. As esponjas não es-
d0 ^ forma independem' amniais e é pr°vável que tenham surgi-
coad'° de descrições a d ic i ô n ^ lT de ancestrais unicelulares. O com-
60tt’ ÍQi compilado^ aoó, ° 6 1931 ’ publicado em nomede Wal'
sser. a partir de anotarn m° rte deste por seu colega Charles E.
1 atrever e publicar ) CS qUe ^ a^cott nunca encontrou tempo
83
mo de 1929 e
esPonjas de R u r? monografia de J 9?n
^ o n ô m ic o , eU3 ess>^ sp ec tiv a m en te , 3 reSpeito das aJgas e daS
0S traçadoSanaf a0.t0cani na qiIesf* ’ tratam de diferentes grupos
tão relacionar) ° m,cos dos animais re iCCníral da disParidade entre
do de forma in T 3° S ° utros animais e ° mados- As esponjas não es-
Pêndio de des dependente, a part • . e Provável que tenham surgí-
Cott>foi cornai 906'5 adlc,°nais de JQ anccstrais uniceluiares. O com-
Pesser
Res.ser a na fPi ado após aPós aa m
morte
orfV w ^’’PubJicado
pubIicacio em
em nome
nome de
de Wa
Wal-
Para -vr è erP:
v J e rl "t !^ "anotaÇões
° ta^ S que
due w T P° f SCU C0,ega “CharJeS *£
Em J930P ,ÍCar-> ° £t nUnCa enCOntrOU temP<
83
ara etiquetat
a caneta com ponta de feltro — uma dádiva celeste p
cada rocha imediatamente após a coleta. em j 975 u1113
Des Collins, do Museu Real de Ontário, organizo^ fragmen'
expedição para coletar fósseis nas vertentes forma as_^ ^ teve per-
tos de rochas em torno de ambas as pedreiras. E e n . s pr0pria'
missão para dinamitar ou efetuar escavações nas Pe ^ te ri3
mente ditas, mas mesmo assim seu grupo encontrou extra°r'
precioso. (Burgess Shale é tão rico que algumas noV1ontes de entu'
dinárias talvez ainda possam ser encontradas nos m c;rcunja'
lho de Walcott.) Em 1981 e 1982 Collins explorou as ^ fósseis
centes e encontrou mais de uma dúzia de novos si 1
de organismos de corpo mole em rochas de idades ap oXjme de
te equivalentes. Embora nenhum desses novos sítios s ^ de n°'
Burgess em riqueza, Collins fez algumas descobertas 0
ta, incluindo Sanctacaris, o primeiro artrópode qu ente de 1°'
leito filópode de Walcott foi produzido quando uma ^ f0S desh'
do provocou um deslizamento de lama, então mui o ^pQca e ou'
zamentos devem ter ocorrido mais ou menos na mes ^ escreV°
tros Lagerstatten devem existir em abundância, nq ^ Mon'
este livro, no verão de 1988, Des Collins está em cavn‘ ’ paleont°'
tanhas Rochosas canadenses, à procura de novos si
lógicos. tanto inceS"
A comunidade dos paleontólogos é pequena e u _ c0ino n01
tuosa. Burgess Shale sempre pairou acima do meu mU RaY'
colosso. Bill Schevill, o último sobrevivente da expe ^ autoti'
mond em 1930 e que mais tarde veio a se tornar uma g para ufl1
dade em baleias, passa de vez em quando em min a s njj0 Ay~
bate-papo. G. Evelyn Hutchinson, que descreveu o ^ aSjcamente
sheaia e o igualmente enigmático Opabinia, em 19 ^ tornoU-se
acertando, num caso, e errando, no outro), e que eP , regalou'
o maior ecologista do mundo e meu próprio guru inte ec ^ fósseis
me com histórias sobre sua incursão no peculiar munR° VIti0nd está
quando era um jovem zoólogo. A coleção de Percy a ^ esJTl0 en-
em dois grandes armários bem diante da minha sala. u ^ ^ j f arry
trei em Harvard como uma espécie de substituto Jaruo_^ eGiogia
Whittington, que havia acabado de assumir a cáte ra ^ gui
na Universidade de Cambridge (onde estudou os organis Mes-
gess ao longo de vinte anos graças à ponte aérea transocea toinia
mo não sendo uma autoridade em rochas antigas ou em ,prata.
de artrópodes, não pude escapar ao fascínio de Burgess « sSional
se de um ícone e de um símbolo da minha especialidade Pro
84
e escrevi este livro para apresentar meus cump nsegueni inspi-
débito intelectual pela excitação que tais cria u entQ Quasí-
rar numa profissão que poderia reinterpretar <<oh! Por
modo como uma súplica otimista em prol ^a ra
que não fui feito de pedras como estas!” .
! i
85
3
A RECONSTRUÇÃO
DE BURGESS SHALE
Rumo a uma nova concepção da vida
8 6
se certamente, não poderá ser encontrado na banca de jornal da es
quina ou mesmo na biblioteca pública de sua cidade. Além disso,
ele não está entre as publicações esquadrinhadas pelos jornalistas
responsáveis pela seleção da diminuta parcela da atividade científi
ca que chega ao conhecimento do público em geral.
Segundo, todas as concepções convencionais da descoberta cien
tífica foram violadas pela revisão de Burgess Shale. Todas as lendas
românticas acerca do trabalho de campo e todos os mitos tecnocrá-
ticos a respeito de procedimentos inovadores baseados em equipa
mentos modernos foram destruídos ou, simplesmente, ignorados.
O mito do trabalho de campo, por exemplo, apregoa que as
grandes alterações nas idéias surgem a partir de novas descobertas.
No fim da trilha, após semanas de sangue, suor, trabalho duro e
lágrimas, o intrépido cientista fende uma rocha de um local inaces
sível, perdido no mapa, e grita “ Eureca!” ao examinar o fóssil que
irá abalar o mundo. Como a revisão de Burgess foi precedida por
duas temporadas de coleta, em 1966 e 1967, a maior parte das pes
soas poderia supor que a reinterpretação foi estimulada por estas
descobertas. Bem, Whittington e seu pessoal realmente encontraram
alguns espécimes maravilhosos e umas poucas espécies novas, mas
o velho Walcott, um colecionador compulsivo, tinha chegado lá pri
meiro e trabalhara durante cinco temporadas completas. Foi ele, por
tanto, que achou os melhores espécimes. As expedições de 1966 e
1967 efetivamente serviram de estímulo a Whittington mas as me
lhores descobertas foram feitas nas gavetas de museu em Washing
ton — através de um reexame dos bem conservados espécimes de
Walcott. A maior parte do “ trabalho de campo” , como iremos ver,
foi feita em Washington, na primavera de 1973, quando Conway
Morris, o brilhante e eclético aluno de Whittington, efetuou uma
busca sistemática em todas as gavetas que continham os espécimes
de Walcott, procurando deliberadamente os mais extravagantes, pois
ele já havia captado o germe da idéia central relativa à disparidade
dos organismos de Burgess.
O mito do laboratório recorre à mesma concepção equivoca
da, agora transferida para um recinto fechado — a de que as novas
idéias surgem somente a partir de descobertas originais. Segundo
esta “ mentalidade desbravadora” , só podemos avançar “ vendo o
que nunca foi visto” através do desenvolvimento de algum método
novo para discernir o que, em princípio, antes não poderia ser per
cebido. O progresso, portanto, exigiria o desenvolvimento de novas
tecnologias e o aprimoramento de equipamentos caros e com
87
plexos. As inovações estariam inextricavelmente associadas a quilô
metros de tubos de ensaio, m ontanhas de computadores, milhares
de cálculos, centrífugas em ação e equipes de pesquisa grandes e dis
pendiosas. Embora talvez tenhamos percorrido um longo caminho
desde aqueles maravilhosos cenários art déco dos antigos filmes de
terror em que o barão Frankenstein utilizava a força de um raio pa
ra dar vida a seus monstros, a verdade é que as luzes intermitentes,
as fileiras de botões e os ponteiros rodopiantes desse empreendimento
traduziram concisamente um mito que desde então só tez crescer.
A revisão de Burgess certamente exigiu um conjunto limitado
de métodos altamente especializados, mas as ferramentas desta tec
nologia específica não vão além de microscópios, máquinas foto
gráficas e brocas de dentista comuns. Por não ter usado estes méto
dos, Walcott deixou de fazer algumas observações cruciais — mas
o fato é que ele poderia ter empregado todas as técnicas de Whit-
tington se alguma vez tivesse encontrado tempo para refletir melhor
acerca de suas descobertas e chegasse a reconhecer o quanto eram
importantes. Tudo o que Whittington fez no sentido de enxergar me
lhor e mais longe poderia ter sido feito nos tempos de Walcott.
Ainda que a verdadeira história de Burgess possa retratar a ciên
cia tal como ela é praticada, esta verdade básica não torna mais fá
cil minha tarefa. A mitologia tem sua utilidade própria como uma
poderosa auxiliar da narrativa. Não obstante, após considerar di
versas formas possíveis de redação, finalmente concluí que havia ape
nas uma maneira de apresentar estas informações. Embora desti
tuída de esplendor e ostentação, a revisão de Burgess Shale é um
dram a — e a melhor forma de narrar um drama é obedecendo à
ordem cronológica dos acontecimentos. Assim, esse capítulo, a pe
ça central deste livro, vai se desenvolver na forma de uma narrativa
na seqüência temporal correta (precedida por uma introdução so
bre os métodos de estudo e seguida por uma discussão a respeito
de suas implicações mais amplas).
Mas como estabelecer a cronologia? O método óbvio de sim
plesmente pedir aos principais personagens que relatem suas remi-
niscências não basta. Eu fiz a minha parte em relação a isto, que
não reste dúvida. Visitei-os a todos, papel e lápis na mão. A tarefa
fez com que me sentisse um tanto tolo, pois conhecia bem aqueles
homens e havíamos passado quase duas décadas conversando sobre
Burgess Shale em meio a copos de cerveja e xícaras de café.
Além do mais, a pior fonte possível para se saber o que Harry
88
Whittington pensava em 1971, quando publicou sua primeira mo
nografia sobre Marrella, é Harry Whittington em 1988. Como se
pode remover toda uma estrutura posterior de pensamento para se
recuperar um estado mental embrionário não afetado pelas conten
das intelectuais diárias dos quase vinte anos subseqüentes? Vista em
retrospecto a cronologia dos acontecimentos nos parece confusa. Isto
acontece porque organizamos nossos pensamentos numa ordem ló
gica ou psicológica que faz sentido para nós, e não numa seqüência
cronológica.*
Eu chamo a isto o fenômeno do “ meu Deus, como você cres
ceu” . Nenhum comentário de parente é mais universalmente detes
tado pelas crianças. Mas os parentes estão certos; como faz muito
tempo que não aparecem para uma visita, eles conseguem recordar-
se com precisão daquele último encontro ocorrido vários anos atrás,
ao passo que a criança vê seu passado de forma indistinta através
de todos os acontecimentos intermediários. Freud certa vez disse que
a mente humana assemelha-se a uma Roma psíquica ao transgredir
a lei física de que dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar
no espaço ao mesmo tempo. Nenhum edifício é demolido e estrutu
ras do tempo de Rômulo e Remo juntam-se à Capela Sistina restau
rada, numa confusa mixórdia em que a trattoria local acaba empi
lhada sobre uma das termas. O restabelecimento da ordem tempo
ral requer o concurso de documentos da época.
Assim, trabalhei basicamente com material publicado'. Meu pro
cedimento era a própria encarnação da simplicidade. Li as mono
grafias técnicas segundo uma ordem estritamente cronológica,
concentrando-me nos trabalhos originais de descrição anatômica,
não nos poucos artigos interpretativos derivados dos primeiros. Tal
vez eu seja um péssimo repórter mas pelo menos posso fazer o que
nenhum jornalista ou “ divulgador científico” jamais poderia ou con
seguida fazer. Os homens responsáveis pela revisão de Burgess Shale
são meus colegas, não o meu tema. Seus escritos são a minha litera
tura e não documentos distantes de um outro mundo. Li mais de
mil páginas de descrições anatômicas apreciando cada palavra —
bem, a maioria delas, pelo menos — e, por experiência pessoal,
(*) Sei disso por experiência pessoal. As pessoas costumam nte perguntar o que
estava pensando quando Niles Eldredge e eu desenvolvemos pela primeira vez a teo
ria do equilíbrio com repetidas interrupções, no início da década de 1970. Eu lhes
digo para lerem o trabalho original, pois eu não me lembro (ou, pelo menos, não
sou capaz de encontrar essas recordações em meio à desordem dos anos subseqüen
tes de minha vida).
89
sabendo exatamente como o trabalho havia sido feito. Comecei com
a primeira monografia de W hittington, sobre Marrella (1971), e só
parei depois de ler os trabalhos a respeito de Anomalocaris (Whit
tington e Briggs, 1985), Wiwaxia (Conway Morris, 1985) e Sancta-
caris (Briggs e Collins, 1988). Não me lembro de alguma vez ter sen
tido mais prazer ou apreciado com maior intensidade um trabalho
primoroso e maravilhosamente bem-feito do que durante os dois me
ses que dediquei a esta tarefa.
Este procedimento distorce ou limita a descrição da ciência? É
claro que sim. Todo cientista sabe que a maior parte das atividades
— especialmente os enganos e os inícios incorretos — não entra no
material publicado e que as convenções de prosa científica iriam
transmitir uma falsa visão do modo como a ciência é realmente fei
ta se fôssemos suficientemente tolos para ler os trabalhos técnicos
como crônicas do que foi efetivamente feito. Tendo em mente esta
verdade evidente por si mesma, à medida que for avançando irei re
correr a uma variedade de fontes. Mesmo assim, eu prefiro concen
trar-me nas monografias científicas publicadas, por uma razão es
pecífica e, em grande parte, pessoal.
A psicologia da descoberta é infinitamente fascinante e eu não
irei ignorar este aspecto. A lógica da argumentação, porém, tal co
mo é apresentada nos trabalhos científicos publicados, tem seu en
canto próprio e legítimo. Pode-se desmembrar uma argumentação
em suas bases sociais, psicológicas e empíricas — mas também é pos
sível apreciar sua inteireza como obra de arte coerente. Eu tenho
um grande respeito pela primeira estratégia, que representa o esteio
do conhecimento, mas também gosto de exercitar a segunda (tal co
mo fiz no meu livro Tim e’s arrow, times cycle, uma análise da lógi
ca central de três textos fundamentais a respeito da revelação do tem
po geológico). A mudança cronológica em uma série de argumenta
ções, cada uma das quais coerente em seu próprio momento, constitui
o registro primário do desenvolvimento intelectual.
A revisão de Burgess Shale envolve centenas de pessoas, desde
os pilotos de helicóptero que transportaram suprimentos para o
acampamento de Burgess e retiraram o material coletado até os de
senhistas e artistas que prepararam as ilustrações para os trabalhos
publicados, passando também por um grupo internacional de pa
leontólogos que ofereceu apoio, sugestões e críticas. Mas o progra
m a de pesquisa de revisão monográfica concentrou-se numa equipe
coesa. Três pessoas desempenharam um papel central nesta realiza
ção: Harry Whittington, o iniciador do projeto e, do princípio ao
90
fim, a principal força a influenciá-lo, catedrático de geologia na Uni
versidade de Cambridge (o que, na terminologia britânica, significa
chefe de departamento e o professor de nível hierárquico mais ele
vado), e dois homens que começaram como estudantes de pós-
graduação orientados por ele, no início da década de 1970, e a par
tir daí construíram brilhantes carreiras com base em suas pesquisas
sobre Burgess Shale — Simon Conway M orris (agora também em
Cambridge) e Derek Briggs (atualmente na Universidade de Bristol).
Whittington também trabalhou em conjunto com dois colegas ju
niores, principalmente antes da chegada dos estudantes de pós-
graduação — Chris Hughes e David Bruton.
As sementes do drama convencional encontram-se nessas pes
soas, especialmente no relacionamento de W hittington e Conway
Morris, embora eu não tenha nenhuma história desse tipo para con
tar. Whittington é meticuloso e conservador, um homem que gosta
da paleontologia feita de forma direta e cuidadosa, evitando a espe
culação e atendo-se às rochas — exatamente o oposto da imagem
que qualquer pessoa teria de um agente de transformação intelec
tual. Conway M orris, antes do inevitável amadurecimento da onto-
genia, foi um jovem e impetuoso radical nos movimentos sociais da
década de 1970. Embora seja por temperamento um intelectual, ele
felizmente é dotado da paciência e do Sitzfleisch necessários para
passar horas a fio contemplando manchas em pedaços de rochas.
Segundo a lenda, a reinterpretação de Burgess Shale teria surgido
a partir de uma tensa sinergia entre esses homens — Harry ensinan
do, pedindo cautela, chamando a atenção para a necessidade de con
centrar a atenção nas rochas; Simon insistindo, lutando por liber
dade intelectual, empurrando paulatinamente seu velho e relutante
mentor rumo a uma nova luz. Podemos imaginar as discussões, o
tom cada vez mais acalorado dos debates, as ameaças, os quase rom
pimentos, a ruptura, a volta do filho pródigo, a reconciliação.
Não creio que qualquer dessas coisas tenha ocorrido, pelo me
nos não abertamente. E quem conhece o sistema universitário bri
tânico sabe por quê. Os estudantes de doutorado britânicos traba
lham com um a independência quase completa. Eles se dedicam ape
nas a suas dissertações e não cursam nenhuma disciplina. Eles
definem o tema do estudo em comum acordo com o orientador e
iniciam suas pesquisas. Se tiverem sorte talvez possam avistar-se com
o orientador mais ou menos uma vez por mês; uma vez por ano se
ria mais provável. Harry Whittington, um homem pacato, conser
vador e bastante ocupado, não estava pronto para desafiar esta sin-
91
1
turbado” , visto que el " ° U’me que “ Harry não gostava de ser per
dido de continuar cn n ^ resmur,gava todas as vezes que era impe
dido orientador” inci as^ aas Pesctuisas” . Mas ele foi “ um esplên-
va prosseguir sozinhos” lm° n ’ < po*s nos dava apoio e nos deixa-
93
1
tarnbéí10
vezes escandalosamente retocadas. O grupo d® \ 0 que c0^ °
Utilizou a fotografia, mas o fez mais para pu BurgesS a
uma ferramenta básica de pesquisa. Os esp ci exceçaCu ’
saem bem nas fotografias (a fig. 3.2 é uma esP nã0 existe1^
por mais ampliadas e filtradas que sejam as cop » g trabalh
ta vantagem em deixar de lado os verdadeiros esp _ teI0 a luz
com elas. As superfícies de silicato de alumínio ___ g tem-se ga
maneira diferente, conforme o ângulo de ilumina nS opaca ’
nho algum poder de resolução comparando-se oS refle*
obtidas através de ângulos elevados de ilummaça , ^
brilhantes, obtidos com ângulos baixos. . todos os &
Whittington, portanto, utilizou o mais anüg _ 0 pacie '
todos como a principal forma de obter suas 1 us básico Par
te e detalhado desenho dos espécimes. O ecl^1Pa ,Q p o r ^ a^c0.
isto, a câmara lúcida, não é diferente do mo e o ^nventad° Pe
e não sofreu muitos aperfeiçoamentos desde que i^cidâ é ess6^
mineralogista W . H. Wollaston em 1807. A cam m de uh10
cialmente um conjunto de espelhos que projeta a i -mara lúci
jeto sobre uma superfície plana. Pode-se acop a ^ jentes Par
aa , um
u m microscópio
m iv iu o w p iw e transferir a
w v * v * * * ^ * ---- — imagem
— visive s £ciiue e se
___
umar_ii__ folhajde ______
papel. simultaneamen o ”vei. os nlhos
i Observando simultaneamente olhos
-
reflexo sobre o papel, pode-se desenhar o anima se ecjiiuento de(
da ocular. Whittington e sua equipe adotaram o P &s espéc'eS
desenhar com grande ampliação cada espécime e Q utna séi'e
que estavam sendo estudadas. Pode-se estudar em co 0 utnet°soS
de desenhos mas não é fácil observar simuUaneam ampUaÇão.
espécimes de tamanho diminuto, todos precis c0mo d
Whittington utilizou a câmara lúcida e sua a 1 1 ^ seU reco-
senhista num conjunto de métodos, todos relaciona conservaVaIia
nhecimento fundamental de que os fósseis de Burges ^u ú n aS
parte de sua estrutura tridimensional e não eram a Q p0der deS'
achatadas sobre os planos de estratificação. Irei | us r ^ eS^udo d°
ses procedimentos simples mostrando sua uthida e ^ ^ aPzoU de
maior dos artrópodes de Burgess, a espécie que a c0 ^ aVja epcoU'
Sidneyia inexpectans, em homenagem a seu filho, que n 0 grafia
trado o primeiro espécime. (Escolhi Sidneyia Porcl'^“ a ^ ern minha
de David Bruton sobre este gênero, publicada em 1 ’ jes e preC*sa
opinião a publicação mais atraente e tecnicam entesim^ tes>) CoU'
de toda a série elaborada por Whittington e seus assis
sidere as três operações principais:
94
?^ U m a b e la ilu stra ç ã o m o s tr a n d o a lg u m a s d a s f o to g r a f ia s d e^ anÍS! ^ S fÍL'_
*ess q u e a p a re c e m n a m o n o g r a fia , p u b lic a d a p o r W a lc o tt e m > S° , / L - ,,<-n u er.
io d e s . A s f o to g r a f ia s f o r a m b a s ta n te r e to c a d a s . Canadaspis e s ta n o a
/</; Leanchoilia a p a re c e e m b a ix o .
1) Desgaste e dissecação. Se Walcott estivesse cer ^nica Pe'
tomia dos organismos estaria comprimida, forman o ^ reVjVe r ul11
lícula, e a tarefa de reconstituí-los seria semelhante n rolo oo»P'“ ;
personagem de desenho animado achatado por um q (Ja fan
sor. Mas o que dá resultado com o gato Frajola no m
tasia não pode ser reproduzido numa laje de f°l_e ‘ encontra'
Felizmente, os fósseis de Burgess em geral nao s ^ qUe oS
dos num único plano de estratificação. Tragados pe a ^ la
soterrou, os animais foram fossilizados em diversas P °^ Çpartes eIf
ma muitas vezes se infiltrou nos corpos, dividindo su de sedi'
microcamadas diferentes separadas por delgadas pe ^ pernas
mento a carapaça acima das brânquias e estas acima _ tridi'
— garantindo com isso a preservação de algumas es j^ida-
mensionais mesmo após a lama ser posteriormente co
r-,y •
3 .2 .
, d e B u r g vc.
A m e lh o r f o t o g r a f i a s e m r e to q u e s ja m a i s tir a d a d e u m o r g a n is m o <
S h a le . D e s C o llin s tir o u e s ta f o t o d e Naraoia, p r e s e r v a d o e m v is ta la te ra l. s cOIII
c im e n ã o v e io d a p e d r e ira d e W a lc o tt e s im d e u m a d a s v á ria s o u tr a s /o c ff/W ^ ^
f ó s s e i s d e o r g a n is m o s d e c o r p o m o le e n c o n tr a d a s r e c e n te m e n te p o r D e s C o i ^
m e s m a área. O s e s p é c im e s d a p e d r e ir a d e W a lc o tt n ã o p e r m ite m u m a f o t o g r a j
s im tã o b o a .
96
3 -3. R e c o n s titu iç ã o d e Sidneyia a p a r tir de u m , g m s e jS s e g m e n to s , c o
le ç õ e s , f e i t o p o r B r u to n . A ) O a n im a l in te ir o . > ,Q a b a ix 0 a p la c a d e re-
m e ç a n d o d a e x tr e m id a d e in fe r io r e s q u e r d a - a c a o e ç , cíwda/. C ) A ca b e ç a
v e s tim e n to v e n tr a l; o c o r p o , d iv id id o e m tre s p a r te s , p ^ g &djreita, ob-
U gada à re g iã o f r o n t a l d o c o r p o , s e n d o q u e a p r im e s e e m c im a , o s ra-
se rv e , e m b a ix o , o s a p ê n d ic e s b ir r e m e s c o m p e r n
m o s b ra n q u ia is .
97
3 '4 . D e s e n h o e m c â m a r a lú c id a
d e u m e s p é c im e c o m p le to d e Sidneyia»
m o s tr a n d o o r e v e s tim e n to
e x te r n o in ta c to .
LWwwi J
alguns espécimes as brânm.ic
Projetadas para fora de » 3S CaS pernas situadas abaixo delas sao
de a c°nipressão natural carapa?a rompida, uma vez que é gran-
ton descobriu que era nr* & ragrnentaÇão dos espécimes. Mas Bru-
Pécimes a fim de exnor n c.ont*nuar removendo material dos es-
de muitos artrópodes m ar-°u ldade sua anatomia. Os apêndices
suplemento sobre a n a t o m - a Sã° de dois tipos (ver PP- 104' 5’ n0
n° ’ botado de brânquias e artrópodes) — um conjunto exter-
conjunto interno, consritii,vtUSa^ ° para nataÇão e respiração, e um
mentação. Assim, quando 6 pernas e utilizado também na ali-
centro do corpo encontra-** pe.net[a na cobertura externa acima do
as Pernas. Bruton descobri» pnmeiramente as brânquias e, depois,
exterior completa (fig. 3 4n „que podia c°meçar com uma cobertura
continuar a dissecação até expor a ca-
neralizados. Talvez se’
sc°inexísipteS m° IeS’’’ eraboraa posTibílíf'.^"1'21116 endurecid° ” do que “ constitui
nte em qualquer dos casos. a e de f°ssilização convencional seja qua-
98
Desenho em câmara lúcida de um espécime de Sidneyia, mostrando principal
mente os ramos branquiais dos apêndices, sob a carapaça. O traçado incompleto do
intestino (centro) é indicado por faixas oblíquas. Os ramos branquiais são estruturas
delicadamente digitadas, marcadas com um g (o número que se segue indica o seg
mento do corpo).
^■6. A s pernas locomotoras estão à vista, sob os ramos branquiais. Neste desenho
em câmara lúcida, as pernas estão marcadas com um Rl, de “ right leg perna
direita”, em inglês — (o número que se segue indica o segmento do corpo).
99
( lê- 3.6). (Estes desenhnc J e’ em segu^ a , um conjunto de pernas
os próprios fósseis usand 0ram to^ os feitos diretamente a partir
icroscópio binocular ) R ? 'SG Uma c^mara lúcida acoplada a um
lva convencional das mr.™ ° n c*escreveu 0 seu método na voz pas-
A Preparação ° n° grafias técnicas:
níveis sucessivos no^ml^68 Cj P°e características (...) que ocorrem em
removendo-se cuidados»™01 3 roc^ a' os quais podem ser revelados
camada de sedimentos aZZ™* “m após 0 outro ou retirando-se a fina
remoção sucessiva do evns/-,°Sfepara f---J O método utilizado foi o da
a seguir, revelar as n e r n » ^orsat f---J Para expor as brânquias
°s membros se ligam tnnJ 3 r„egiao adjacente à linha média onde
orsal-brânquia-pernà pcts 3S tTZ. camadas sucessivas, exosqueleto
outra, sendo uma questãr.^ posicionadas diretamente uma sobre a
ln mitamente delgada dp ™ f r.emover confiantemente uma camada
no 0981, pp. 6 2 3 -4) matenal com a ajuda de um cinzel vibrató-
100
■5.S. Duas figuras de Whittington (1978), ilustrando a preservação de Sidneyia em
diversas posições. A) A orientação convencional: vemos de cima para baixo a_suPer'
fície dorsal ou superior; os apêndices estão espalhados em ambas as direções. ) ma
orientação muito menos comum: o animal fo i sepultado de lado, e ofóssi resu tan e
mostra um dos flancos, com os apêndices de ambos os lados comprimidos num so
conjunto.
101
sições estranhas, ele tendia a ignorá-los, considerando-os po ^
formativos ou mesmo de interpretação impossível, devido
posição de diferentes superfícies num único plano de estratm
Whittington, porém, compreendeu que essas posições in c o m u n s ^ ^
tamente com espécimes que se fossilizaram na posição n °r „
eram indispensáveis para se desvendar toda a anatomia °s
nismos. Assim como não se pode reconstruir completamen
casa a partir de fotografias tiradas de um único ponto priví ^ ^ . Ra.
a reconstituição de um organismo de Burgess requer uma co ^ . s
ção de in stantâneos tirad os de vários â n g u lo s. C on w ay __^
contou-me como conseguiu reconstituir o curioso Wiwctxia _
animal que não possui formas modernas afins e para o qua * ^
tanto, não existe nenhum protótipo conhecido que possa se ^
modelo — desenhando espécimes que haviam se fossilizado a
versas posições e, a seguir, passando incontáveis horas m jjo
maldita coisa girar em minha mente” , da posição de um e eg_
para o ângulo diferente do outro, até que todos os e sp é c im e sP ^ tQ
sem ser mudados de uma posição para outra sem o aparecí ^
de nenhuma contradição. Somente então ele teve a certeza
nada importante estava faltando ou fora de lugar. te
A maioria dos espécimes de Sidneyia apresentam-se inteira
achatados — como se os estivéssemos vendo de cima para baixo
3.5). Esta posição, melhor do que qualquer outra, revela as di ^
sões básicas das partes do corpo, embora deixe várias questões
resposta, especialmente a quantidade de saliências e o grau de a
dondamento do corpo. Com base num animal fossilizado nessa P
sição não se pode dizer se Sidneyia tinha a form a de uma panque
ou de um tubo. As vistas frontais são necessárias para se recons
tuir o contorno básico e para se determinar alguns aspectos cruciai^
da anatomia que “ de cima” não podem ser vistos direito — a for'
ma das pernas, em especial.
A fig. 3.9, uma visão frontal, revela a forma arredondada da
cabeça e os locais de inserção dos olhos e do único par de antenas.
A fig. 3.10, uma visão do dorso, com a cabeça à frente, ilustra a
forma arredondada do corpo e a sucessão de pernas, com todos os
seus numerosos segmentos espinhosos bem preservados. Pode-se ver
também as dimensões do sulco central de alimentação, correndo entre
as coxas, o primeiro segmento das pernas, situadas de ambos os la_
dos. As gnatobases — as bordas espinhosas das coxas — margeiam
o sulco alimentar e proporcionam algumas indicações a respeito dos
hábitos do maior artrópode de Burgess, o qual provavelmente era
102
predador ou alimentava-se de cadáveres. Presumivelmente, grandes
pedaços de alimento eram levados até a boca — este animal não era
filtrador. A fig. 3.11 mostra um desenho bastante ampliado de uma
perna locomotora vista de frente.
3) Parte-contraparte. Quando se quebra uma rocha em busca
de um fóssil obtém-se duas coisas pelo preço de uma — o fóssil pro
priamente dito (chamado de parte) e a impressão produzida pelo or
ganismo nas camadas situadas acima dele (chamada de contrapar
te). A parte, sendo o verdadeiro fóssil, tem sido privilegiada pelos
cientistas e colecionadores; a contraparte, por ser uma impressão,
costuma ser menos valorizada. Walcott trabalhou quase que exclu
sivamente com as partes e muitas vezes nem sequer se preocupou
em conservar as contrapartes. (Quando coletava as contrapartes, ele
com freqüência não as catalogava junto com as partes correspon
dentes. Elas acabavam em gavetas diferentes ou eram relegadas aos
montes de entulho formados pelo material menos interessante. Ele
chegou a desfazer-se de algumas contrapartes, trocando-as por ma
terial de outros museus.) ^ , .
No caso de um fóssil convencional, constituído por uma umca
Peça — a concha de um mexilhão ou de um caracol, por exemplo
~ a distinção entre parte e contraparte é óbvia. O espécime é a par
te e o molde impresso na superfície acima dele é a contraparte. e
acordo com a visão que Walcott tinha dos organismos de Burgess,
considerando-os como simples películas, a mesma nítida distinção
é aplicável a essas criaturas — a película propriamente dita seria a
Parte, e sua impressão, menos interessante, a contraparte.
Quando Whittington revelou a natureza tridimensional dos lôs-
seis de Burgess, porém, essa cômoda distinção desapareceu. m ar
trópode possui centenas de peças articuladas; uma vez que em ur
gess Shale essas peças acham-se preservadas em diversas camadas
adjacentes, fender uma rocha no sentido do plano de estrati ícaç
Pode não produzir uma divisão bem definida, com o organismo i
tciro (a parte) sobre uma superfície e apenas a sua impressão a
traparte) sobre a outra. Qualquer quebra deixaria algumas partes ao
organismo de um lado e o restante no bloco oposto, a ’
distinção entre parte e contraparte acaba deixan o e u” ,
caso dos fósseis de Burgess. A única coisa que se po eressan-
uma das superfícies preserva aspectos an^ 0™^OSssI^ cab0u-se con
tes do que a outra. (No caso dos animais de Bu1 g seria a parte
vencionando que o organismo visto de cima p a ^ ^ esquema,
e de baixo para cima a contraparte.
103
f araum animal como Sidneyia, os olhos, as antenas e outros aspec-
trsma ,carapaça externa estariam freqüentemente preservados na con-
r e, e as pernas e a anatomia interna na parte.)
mp_t °fdas as expedições feitas a partir de 1966 coletaram rigorosa-
„ ! ant0 a parte como a contraparte (quando preservadas),
hprtne h n"aS 6 catal°gando-as juntas. Algumas das maiores desco-
tntr, ç 6 . Ur®ess feitas nos últimos vinte anos ocorreram no Insti
nãn rP1,t son*ano> quando uma contraparte de Walcott, às vezes
rp„Acata ®gada ou até mesmo classificada num filo diferente, era
Vir , i m u da 6 reunida à parte correspondente. Você gostaria de ou-
vá hlstona mais simpática e satisfatória (visto que menos p r°'
P vn2 d~° T 6 ° encontro de Gabriel com Evangelina? Em 1930, a
nm ? a° Raymond achou um espécime de Branchiocaris pretiosa,
ar ropode extremamente raro, do qual se conhecem menos e
oez exemplares. Em 1975 (quando Derek Briggs já havia entregue
^ .PU, ! lcaçã0 sua monografia a respeito desta espécie), a expedi-
çao do Museu Real de Ontário encontrou a contraparte deste espé-
ime ainda sobre o talude da Colúmbia Britânica em que Raymond
seu grupo a tinham descartado há 45 anos!
r f i p c ;_ís_ or q u e t a n t o a pp aa rr ti ee cc oo mm oo aa cc oo nn tt rr aa pp aa rr tt ee cc oo nn tt éê mm íi nn fi uo ri »m* a- -
c o n <s5Hi mt ,^p °o~r t aa "n tt ee ss ,’ ss ee qa uu ii ss ee rr m a r u emm a or be -t e r u m a re-
m no cs nn ^o cs e m p e n h,___
em J 5 3 0 b a s ta n te c o m p le ta te r e m o s o b v ia m e n te d e e s tu d á -la s
( N ° S d e s e n h o s f e it o s c o m c â m a r a lú c id a , W h ittjn g '
ra in fr. S c o „e ®a s s e 8 u i r a m a c o n v e n ç ã o d e i n c l u i r n a m e s m a fíS u '
r m a ç o e s p r o v e n ie n te s ta n t o d a p a r te c o m o d a c o n tr a p a f
105
3.10. Um espécime de Sidneyia numa orientação incomum que mostra o arrran
das pernas. Estamos olhando de frente para uma secção transversal através da ex
midade frontal do corpo, logo atrás da cabeça, e podemos ver as primeiras qaa
pernas do lado direito do animal prensadas num só conjunto (Rl-Rl,)- O cana °
mentar (a\j, no centro do corpo, também está visível.
106
flagrante de crescimento entre os organismos de Burgess, um espé
cime foi enterrado quando estava em processo de muda — trocan
do o revestimento velho por um revestimento externo inteiramente
novo constituído de placas e espinhos.
107
t a x o n o m ia e o
STATUS DOS FILOS
108
por um sistema mais preciso e conveniente constituído de cinco reinos: Plan-
tae<Animalia e Fungi para os organismos multicelulares; Protista para os
organismos unicelulares com células complexas; e Monera para organismos
umcelulares (bactérias e cianofíceas) com células simples e destituídas de
núcleo, mitocôndrias e de outras organelas.
O próximo nível — o filo — é a unidade básica de diferenciação den-
ro dos reinos. Osfilos representam os traçados anatômicos fundamentais,
ntre os animais, por exemplo, os grupos básicos mais amplos são designa-
os pelos filos — esponjas, "corais” (incluindo hidras e medusas), anelí-
eos (minhocas, sanguessugas e poliquetas marinhos), artrópodes (insetos,
aranhas, lagostas etc.), moluscos (mexilhões, lesmas e lulas), equinodermos
(estrelas-do-mar, ouriços-do-mar e bolachas) e cordados (vertebrados e or
ganismos afins). Em outras palavras, os filos representam os grandes tron
cos da árvore da vida.
Este livro trata do início da história do reino animal. Ao focalizarmos
a origem dos filos e seu número e grau de diferenciação iniciais nós nos
Jazemos a mais fundamental de todas as perguntas a respeito da organiza
d o do nosso reino animal.
Quantosfilos de animais existem na Terra atualmente? As respostas va-
riam, vEto que esta questão envolve alguns elementos subjetivos (um broto
ermmal é uma coisa objetiva, e as espécies são as verdadeiras unidades da
natureza, mas quando é que um ramo passa a ser grande o suficiente para
ser considerado um galho?). Todavia, observamos a existência de algumas
concordâncias; osfilos tendem a ser grandes e distintos. A maioria dos ma
nuais reconhece entre vinte e trintafilos de animais. Nosso melhor compên-
1 0 moderno, um livro explicitamente dedicado à denominação e descrição
109
filo independente até que uma razoável diversidade tenha sido acumulada
através de repetidas especiações. Segundo esta concepção convencional —
obviamente incorreta ou incompleta diante das evidências de Burgess — li
nhagens constituídas de uma ou poucas espécies não podem divergir o sufi
ciente para serem classificadas como filos. E, no entanto, o que acontece?
Os quinze a vinte notáveis designs de Burgess são filos em virtude de sua
singularidade anatômica. Este fato extraordinário precisa ser reconhecido
com todas as suas implicações, qualquer que seja nossa decisão final em
relação às formalidades da atribuição de nomes.
110
trópode complexo com a mesma facilidade com que se transcreve
uma lista de números de uma fita de caixa registradora para um
livro de contabilidade. Eu não consigo imaginar algo mais distan
te de uma simples descrição do que a reconstituição dos organis
mos de Burgess. Começa-se com uma mixórdia achatada e terri
velmente distorcida e chega-se a uma imagem aceitável de um or
ganismo vivo elaborada a partir de informações provenientes de
diversas fontes.
Esta atividade requer um tipo incomum e específico de habili
dade visual ou espacial. Consigo entender como o trabalho foi feito
porém jamais seria capaz de fazê-lo eu mesmo, de maneira que es
tou relegado a escrever sobre Burgess Shale. A capacidade de re
construir formas tridimensionais a partir de massas achatadas, de
integrar numa única entidade informações provenientes de uma vin
tena de espécimes em diferentes posições, de combinar fragmentos
díspares de partes e contrapartes num todo funcional — essas são
habilidades raras e preciosas. Por que depreciamos estas faculdades
integrativas e qualitativas, ao passo que exaltamos as realizações ana
líticas e quantitativas? Por acaso uma delas é melhor, mais séria ou
mais importante do que a outra?
Os cientistas conhecem suas limitações e sabem quando neces
sitam de colaboração. Nem todos temos a capacidade de montar um
todo a partir dos elementos que o constituem. Certa vez passei uma
semana em trabalho de campo com Richard Leakey e pude perce
ber a frustração e o orgulho que ele sentia pelo fato de sua esposa
Meave e seu colaborador, Alan Walker, conseguirem, a partir de
minúsculos fragmentos de ossos, como se estivessem armando um
quebra-cabeças tridimensional, montar um crânio, coisa que ele po
dería fazer apenas de forma imperfeita (ao passo que eu não vi na
da além de fragmentos numa caixa). Tanto Meave como Alan ma
nifestaram essas habilidades já a partir de uma idade precoce, prin
cipalmente através de uma paixão por quebra-cabeças de armar
(curiosamente, quando crianças os dois gostavam de armar os
quebra-cabeças com as peças viradas de cabeça para baixo, traba
lhando apenas com as formas, sem nenhum auxílio da figura).
Harry Whittington, que compartilha esta rara habilidade visual,
também manifestou o seu dom desde criança. Harry começou sem
nenhuma vantagem particular em termos de cultura e classe social.
Ele cresceu em Birmingham, filho de um armeiro (que morreu quan
do Harry tinha apenas dois anos) e neto de um alfaiate (que então
111
o criou). Seus interesses penderam para a geologia graças princi
palmente à inspiração de um professor de geografia que teve na
sexta série. Todavia, H arry sempre soube reconhecer e explorar
sua habilidade de visualização tridim ensional. Quando pequeno
ele adorava construir modelos, principalmente de carros e aviões,
e seu brinquedo favorito era o Meccano (um conjunto de tiras de
metal que podiam ser aparafusadas umas às outras para dar ori
gem a inúmeras estruturas). Nas matérias básicas do curso de geo
logia ele se sobressaiu na interpretação de mapas e, especialmen
te, no desenho de diagramas de matacões. O tem a constante é ine
quívoco: uma queda para construir estruturas tridimensionais a
partir de componentes bidimensionais e, inversamente, para re
presentar objetos sólidos no plano. Esta capacidade de passar de
duas para três dimensões e vice-versa foi fundam ental para a re
constituição da fauna de Burgess Shale.
Harry W hittington foi obviamente a melhor escolha possível
para o projeto de Burgess. Ele não somente era a m aior autorida
de mundial em trilobitos fósseis (os artrópodes mais conspícuos
do registro fóssil) como também havia feito seu trabalho mais re
finado e gracioso (W hittington e Evitt, 1953, por exemplo) a res
peito de raros espécimes tridimensionais preservados em sílica. O
carbonato de cálcio original desses fósseis havia sido substituído
por sílica, enquanto o calcário circundante conservava sua base
de carbonato. Como os carbonatos são dissolvidos pelo ácido clo
rídrico, que não afeta os silicatos, a m atriz podia ser totalmente
dissolvida, proporcionando a rara vantagem de preservação tridi
mensional completamente separada da rocha circundante. Whit
tington, portanto, fora favorecido com uma formação ideal em
bora involuntária — para, muitos anos depois, lidar com Burgess
Shale. Ele tinha estudado estruturas tridimensionais no interior
das rochas e depois mostrou-se capaz de avaliar seus palpites e hi
póteses dissolvendo a matriz e recuperando o fóssil intacto. Esses
estudos “ pré-adaptaram ” W hittington, para usar uma das pala
vras favoritas do jargão da biologia evolutiva, para a descoberta
e a exploração da estrutura tridimensional dos fósseis de Burgess
Shale.
Se desde o início H arry W hittington soubesse o quanto um
reexame de Burgess Shale iria exigir-lhe em termos de tempo e de
dicação, ele provavelmente não teria começado. Ele estava com
cinquenta anos por ocasião da prim eira tem porada de coleta, em
112
A CLASSIFICAÇÃO E A ANATOMIA DOS ARTRÓPODES
113
/. Espécimes fósseis representativos dos quatro grandes grupos de artrópodes, ti
rados do manual mais utilizado na história da paleontologia, o trabalho de Zittel,
publicado no fina! do século xtx. A) Uma libélula gigante do Carbonífero, repre
sentando os Uniramia. B) Um euripterídeo fóssil, representando os Chelicerata. O
primeiro par de apêndices da cabeça é pequeno e está oculto sob a carapaça; os ou
tros cinco pares estão visíveis nesta figura. C) Um caranguejo fóssil, representando
os Crustacea. D) Um trilobito.
114
nos trilobitos, ou cabeça, tórax e abdômen nos insetos e crustáceos). A maio
ria dos quelicerados tem o corpo dividido em duas partes, com um prosso-
ma seguido por um opistossoma. A extremidade posterior fundida de mui
tos crustáceos é chamada de telso.
Os artrópodes têm esqueletos externos ou exosqueletos (rígidos mas não
mineralizados na maioria dos grupos, o que explica a raridade dos fósseis
de muitos artrópodes). À medida que os segmentos se fundiram, as partes
de seus exosqueletos se juntaram para formar unidades descontínuas de es
queleto chamadas tagma. Este processo de fusão recebe o nome de tagmo-
se. Os diferentes padrões de tagmose do esqueleto nos proporcionam o prin
cipal critério para a identificação dos artrópodes fósseis.
A especialização e a diferenciação dos apêndices é igualmente impor
tante para a história de Burgess. Cada segmento do artrópode fundamental
não-especializado tinha um par de apêndices — um de cada lado do corpo.
Cada apêndice era constituído de dois ramos ou rami (singular ramusj. Es
ses rami recebem um nome de acordo com a posição que ocupam — ramus
interno e ramus externo — ou conforme sua função usual. Como o ramus
externo com freqüência tem uma brânquia usada na respiração ou na nata
ção (ou em ambas as coisas), ele muitas vezes é chamado de ramo bran-
quial. O ramo interior geralmente é usado na locomoção e pode ser chama
do de ramo da perna, ramo locomotor ou perna locomotora. (O termo co
mum "perna locomotora” talvez dê ao leitor a impressão de ser ridiculamente
redundante mas “perna” é um termo anatômico e não funcional e nem
A B
115
Par de típicos m em b rZ u segment0 do corpo de um artrópode, mostrando um
nembros btrremes. Desenho de Laszlo Meszoly.
Uò
tos, por e x e Z Z T pernasPara a Comoção; o aparelho bucal
constituído de pernas ligeiramente modifica-
117
c o s te m a s o u p la n o s
119
leontólogo de Yale e ..
descoberta de Bureess oi? ^cador da *enda canônica a respeito da
de seu amigo Walcott s t . 6 6113 P° r ^ a*cott- Após ler o trabalho
escreveu-lhe no dia J>° re ° S artróP°des de Burgess, Schuchert
aia 26 de março de 1912:
Quero lhe dizer cjue d d
'ainda agora, graças à ^ 6 3 primeira vez que vi Marrella — e mais
consigo pôr em minha U^exce*entes desenhos desse animal —, eu não
• c°mo possa ser um triloh? 3 m 6 aQUÍ1° é um trilobito [...] Não vejo
em qualquer trilobito ■° Nunca se v*u brânquias como aquelas
estas idéias mal digerid^ 6*0 6U Por®m estou apenas submetendo
de que Marrella não é mn tri^ ^0ns*deraçao>sem tentar convencê-lo
Mas Schuchert ta
idéia de que todas as c rf t° ^Uanto Walcott comprometido com a
nhecidos, nunca sugeriu ®urgess Pertenciam a grupos co-
limitando-se a insinuar Q orrella fosse um organismo singular,
categoria do bem conhP .b osslbilidade de se colocá-lo numa outra
Para dar u m a T d t h f Up° d° S artrópodes.
tington se defrontou ar. ^ arreiras conceituais com que Whit-
Burgess Shale, agora n r ^ 01” ! ^ 3 redescrever os artrópodes de
do este volume, irei cham 1S°, f r Um exemPlo do que, durante to-
cisão de incluir todos os ^ & calçadeira de W alcott” — sua de-
já existentes. A maior rm f C" eros de Burgess nos grandes grupos
siderar estas páginas ^ e os S to re s terá a necessidade de con-
xonomia e a anatomia d° 3ment,e com os suplementos sobre a ta-
de Pedir um certo esforc °* artrópodes (PP- 109 e 114). Aqui terei
da biologia dos i n v e r t í j S eitores com poucos conhecimentos
de acompanhar, as r e c o m ™ ' Todavia> a História não é difícil
Penharei ao máximo naraPf conceituais são grandes e me em-
forem necessários. O mat ”ec.er 0 contexto e a orientação que
a soluto, e os detalhes c s ^ 13 ° 3? ^ conceitualmente difícil, em
mais, você pode acomnanh maravi,hosos e fascinantes. Além do
Precisar entender todas as ^ acdmente o fio do raciocínio sem
a compreender que Waler>tt°1!1P,eX*d3des da classificação — bas-
e antes de Whittington sih.Q6 ° os os Que estudaram Burgess Sha-
vencionais e que W h ittW r,r3m CSSes orêanismos em grupos con-
diÇao e acabou chegandí a ?, P° Uc° 5 P °uco afastou-se dessa tra-
IS dÍversificação da vida radicaImente diferente da
121
1912
T A B E L A 3 .1 C l a s s i f i c a ç ã o d o s A r t r ó p o d e s d e B u r g e s s f e i t a p o r W a l c o t t e m
CLASSE CRUSTACEA
1. Subclasse Branchiopoda
Ordem Anostraca
Opabinia
Leanchoilia
Yohoia
Bicientia
Ordem Notostraca
Naraoia
Burgessia
Anomalocaris
Waptia
2. Subclasse Malacostraca
Hymenocaris [Canadaspis]
Hurdia
Tuzoia
Odaraia
Fieldia
Carnarvonia
3. Subclasse Trilobita
Marrella
Nalhorslia [Olenoides serratus]
Mollisonia
Tontoia
4. Subclasse Merostomata
Molar ia
Habelia
Emeraldella
Sidneyia
122
9*
123
dc vistâ comp^f^j|
expresso em palavras °jPOr todos os Paleontólogos, e quase nunca
mitado de grupos era' cf ^ ° S ídsseis Pertencem a um número li-
yida geralmente caminh6* 6 bem conílecidos>e de que a história da
cada vez maiores 3 rUmo a uma complexidade e diversidade
y ^ *Sti0
trópodes de Burgess^” ”” 3 3 tare^a de descrever a maioria dos ar-
inverte b r a te p a le o n tn ^ ^ ° bra coletiva intitulada Treatise on
dos], e publicou sp,,* ° Sy\ iTratad° de paleontologia de invertebra-
me dedicado princinJeSU tad° S (Stdrmer> 1959) num grande volu-
foi diametralmente trilobitos- A solução de Stórmer
trópodes de Burgess enfS WalcotL Em vez de distribuir os ar
eie levou a maioria dei r6 ' eientes 8ruPos ao longo de todo o filo,
não poderia pretende ^ P313 "*Unto d °s trilobitos. Obviamente ele
tre si e tão pouco n a r e ^ 36 t0dos aól>eles animais tão diferentes en-
à classe Trilobita r,r^C1 -°S C° m os trü°bitos pertencessem realmente
blema da disparidaHpPn3ment^ d’ta ' ^ as ^tórmer resolveu o pro-
elegante (embora falsai” 05 artróp°d es de Burgess de uma maneira
grupo evolutivo simostamp0?311(10 t0d° s os PrinciPais gêneros num
trilobitos. Ele chamr,,, nte coerente> situado bem ao lado dos
melhante a trilobito” )65 egrUpo de Trilobitoidea (literalmente, “ se
125
- ~ ^ ^ ü ! l Cl0S Trilob»toidea feita por Stbrmer em 1959
SUBFILO TRlLOBITOMORPHA ------------------------
c l a s s e t r il o b it a
CLASSE TRILOBITOIDEA
2- Subclasse Merostomoidea
Sidneyia
Amiel/a
Emeraldetla
Naraoia
Molaria
Habelia
Leanchoilia
3- Subclasse Pseudonotostraca
Eurgessia
Waptia
4. Subclasse Incertos
Opabinia
Cheloniellon
Yohoia
Helmetia
Mollisonia
Tontoia
126
xon, lugar e tempo. Ele chegou até mesmo a adotar — mas apenas
uma única vez e para seu grande arrependimento futuro — o termo
Trilobitoidea, criado por Stòrmer: “ Redescrição de Marrella splen-
dens (Trilobitoidea), de Burgess Shale, Cambriano Médio, Colúm-
bia Britânica” .
Marrella é um animal pequeno e gracioso (fig. 3.12), inteira-
mente merecedor do nome formal escolhido por Walcott — Mar
rella splendens. Os espécimes têm de 2,5 a 19 mm (menos de uma
Polegada) de comprimento. A carapaça da cabeça é estreita, com
dois pares proeminentes de espinhos voltados para trás (figs. 3.13
e 3.14). Atrás da cabeça existem 24 a 26 segmentos corporais, cada
um com um par de apêndices birremes (fig. 3.15), constituídos de
uma perna locomotora, na parte de baixo, e de um ramo superior
dotado de longas e delicadas brânquias (a origem do nome infor-
nial de Walcott, “ caranguejo rendado” ). A extremidade posterior
é coberta por um minúsculo botão chamado telso. Em alguns espé
cimes acham-se preservados traços do intestino. A superfície da ro
cha adjacente ao fóssil muitas vezes apresenta uma mancha escura
característica — provavelmente um vestígio da matéria corporal que
ressumou para fora do esqueleto externo após a morte do organismo.
Harry trabalhou com Marrella durante quatro anos e meio, pre
parando, dissecando e desenhando pessoalmente esboços de espéci
mes fossilizados em diversas posições em relação ao plano de estra-
tificação dos sedimentos. Embora esse tipo de tarefa seja em geral
entregue a assistentes, Whittington sabia que ele mesmo teria de fa-
2 .1 2 . V is ta la te r a l d e Marrella. D e s e n h o d e M a r ia n n e C o llin s .
127
é
!frVe os dois Pares de ap^dice^n P°r WhittinS>on (1971), vista de cima. Ob-
segundo par de espinhos estenri S °'Spares de espinhos na carapaça da cabeça.
S^smo. Os ramos b r a n a Z T * /* Para írás e coh/e todo o comprimento do or-
°s das
ydas aspernas no,adõTèdn
no lado direito ° 0 omitidos no
n° ‘ado
lado esquerdo do animal e os c ra
das estro,
estrutum<■
estruturo* ao dm eito ~~ em
e"°
,re“° ambos os casos,para.facilitar
______visual
a resolução v
fundir o comuns nas ilustrações científicas mas podem con~
qUe nao esta a par deste costume.
128
k
3 .1 5 . Urn p a r d e a p ê n d ic e s b ir r e m e s d e Marrella: o s r a m o s b r a n q u ia is e s q u e r d o
e d ir e ito e m c im a , o s r a m o s d a p e r n a e m b a ix o .
zer esse trabalho básico repetidas vezes se quisesse ter alguma espe
rança de compreender adequadamente os organismos de Burgess e
°s problemas relativos a eles. Muito embora esse esforço às vezes
fosse repetitivo e tedioso, o fato é que ele não deixava de lhe pro
porcionar um estímulo mais do que suficiente para conservar-lhe a
perseverança. Harry falou-me a respeito de sua decisão de executar
ele mesmo todo o trabalho, um encargo envolvendo vários precio
sos anos de pesquisas:
Penso que isso foi fundamental. É claro que isso custou muitas horas
do meu tempo mas pude ver tudo com meus próprios olhos e muitas
coisas vão penetrando lentamente em nosso espírito. Eu adoro fazer
a preparação [limpar e expor os espécimes contidos nas rochas, no jar
gão dos paleontólogos]. É tão excitante encontrar essas coisas ocul
tas. É uma incomparável emoção revelar uma estrutura escondida no
interior de uma rocha.
Os estudos realizados por Whittington e sua equipe a respeito
dos animais de Burgess são na maior parte revisões e não descrições
originais de espécies recém-descobertas. Assim, eles são apresenta
dos no contexto das interpretações anteriores e se mantêm como uma
avaliação dos trabalhos feitos no passado. Walcott achava que Mar
rella era um trilobito ou que, pelo menos, estava suficientemente
próximo deste grupo para compartilhar sua assinatura anatômica.
Stòrmer fizera de Marrella o carro-chefe dos seus Trilobitoidea, o
grupo-irmão dos trilobitos na grande classe Trilobitomorpha. Por
tanto, Whittington estudou Marrella dentro do contexto básico do
129
relacionamento entre esta espécie e os trilobitos, aos quais e e
cou toda uma vida de estudos. , y ,ar.
Whittington afirmou que a aparência geral do corpo e ^
rella tinha pouca semelhança com o dos trilobitos. A singular
paça da cabeça, com dois pares de espinhos proeminentes; o co >
com tantos segmentos uniformes de tam anho gradualmente eC
cente; o minúsculo botão da extremidade posterior — por certo
nhuma dessas coisas lembra o trilobito “ clássico’ com seu esq«e'
-ões bá-
leto externo geralmente largo e ovalado, dividido nas três seções ^
sicas representadas pelo céfalo, tórax e pigídio (cabeça, corp
cauda, para aqueles que preferem evitar o jargão). ^
Por outro lado, ninguém jamais havia recorrido à f ° rrna, ^ oS
do corpo para sustentar a afinidade de Marrella com os trilo 1
Stérmer havia feito referência a uma forte similaridade entre os aP
dices birremes do corpo e utilizou essa semelhança como a o ^
cional para estabelecer seu conceito de Trilobitoidea. Todavia,
forme Whittington foi estudando centenas de espécimes, ele
mente começou a descobrir diferenças consistentes e, provavelrn
fundamentais entre os apêndices de Marrella e aqueles de to o ^
trilobitos conhecidos. Whittington obviamente admitiu que ^
truturas básicas eram similares. Esta semelhança global nunca
via sido posta em dúvida, e Whittington citou as próprias pa aV ^
de Stórmer ao enfatizar esse ponto: “ Esses apêndices são mais
menos semelhantes aos dos trilobitos (Stòrmer, 1959, p. 26), no s
tido geral de que existe uma perna locomotora segmentada e um
mo branquial cheio de filamentos” (Whittington, 1971, P- 21)- ^
as diferenças começaram a causar uma impressão cada vez mais p
funda em Whittington. A perna locomotora de Marrella, com se ^
subdivisões e espinhos terminais (fig. 3.15), tem um ou dois segmen
tos a menos do que as pernas dos trilobitos. Whittington concluiu
“ Nenhum dos ramos é semelhante ao de qualquer trilobito con
cido e as pernas locomotoras têm um (ou dois?) segmento a meno^
do que as pernas dos trilobitos conhecidos, sendo que os ramos cheio
de filamentos apresentam uma constituição diferente” (1971, P-
A forma como Walcott interpretou a carapaça da cabeça e seu
apêndices (1912 e 1931) proporcionara o mais forte argumento para
que Marrella fosse classificada como um trilobito. Os apêndices a
carapaça da cabeça dos trilobitos (veja o suplemento, p. 119) estão
arranjados de modo característico, quase estereotipado — um Par
(as antenas) na frente da boca e três pares atrás da boca (estudos
mais antigos indicavam existência de quatro segmentos pós-orais mas
130
trabalhos posteriores, especialmente a monografia de Whittington
sobre os trilobitos de Burgess, publicada em 1975, sugerem que três
é um número mais provável). Walcott reconstitui a cabeça de Mar-
rella em perfeita conformidade com o plano de organização dos tri
lobitos — um par de antenas e três pares subseqüentes que ele cha
mou de mandíbulas, maxilulas e maxilas (1931, p. 31). Walcott che
gou a publicar fotografias (1931, prancha 22) com as quais pretendeu
mostrar esse arranjo em detalhes nítidos e complexos. Esta recons
tituição proporcionou uma forte razão para vincular Marrella aos
trilobitos.
Todavia, à medida que foi estudando várias centenas de espé
cimes, Whittington logo começou a desenvolver dúvidas que aos pou
cos cresceram até se transformarem em refutações. Autores poste
riores haviam aceito a versão de Walcott. (Stõrmer, por exemplo,
que sustentou a existência de um vínculo entre Marrella e os trilobi
tos, rejeitou a reconstituição que Walcott fizera da cabeça e con
fiou nas similaridades entre os apêndices corporais.) Whittington foi
o primeiro a descobrir que as ilustrações de Walcott haviam sido
retocadas e que não representavam com fidelidade as estruturas en
contradas no interior das rochas. Na p. 13, Whittington explica por
que os desenhos que ele fez a partir dos espécimes de Walcott pare
cem ser tão diferentes das fotografias apresentadas por Walcott em
1931: “ Os originais mostram que suas fotografias foram considera
velmente retocadas” . Na p. 20, esta avaliação comedida deu lugar
a uma das poucas observações acerbas de todos os escritos de Whit
tington: “ Várias são tão retocadas que chegam ao ponto de falsifi
car certos caracteres, especialmente a representação das supostas
mandíbula, maxila e maxilula” .
Whittington encontrou apenas dois pares de apêndices, ambos
pré-orais — na frente da boca — ligados à carapaça da cabeça de
Marrella: as primeiras antenas, longas e com muitas articulações
(equivalente à “ antena” de Walcott e assim interpretada por todos),
e um par de segundas antenas, mais curtas e fortes (a “ mandíbula”
de Walcott), constituídas por seis segmentos, vários deles cobertos
de cerdas ou pêlos. Whittington não conseguiu encontrar nenhum
traço das maxilas ou maxilulas de Walcott, e chegou à conclusão
de que este havia confundido algumas pernas esmagadas e desarti
culadas do primeiro segmento do corpo com estruturas da carapaça
da cabeça. O próprio Walcott havia admitido que não fora capaz
de encontrar esses supostos apêndices na maioria dos espécimes: “ As
maxilulas e as maxilas eram tão delgadas que elas em geral não
T e Z X S Z 2 » * * •— sid0 dilaceradas ou esmagadas
ton] e os memhrnc S segunc^0 Par de antenas de Whitting-
T odavt . u áC1C° S” (Walcott> 1931, pp. 31-2).
orais (a primeira'Ta s e ^ " ^ 1110 ^ existência de dois apêndices pré-
paça da cabeca de M 8^.nda antenas) e nenhum pós-oral na cara-
tômica- S ^ : rSlla^ resolve inteiramente a questão ana-
vés de uma varieHaH j apen.dlces Poderíam estar relacionados atra-
afinidade taxonômip6 ^ &meios P°SSIVeis e uma decisão acerca da
tington defrontou <se & ep®nde de uma análise do problema. Whit-
an^riorm ent^e c ã ^ u m a 1rfSi8ran<^eS ^ ternativas, todas já propostas
m e i r o lu g a r a s d u a c a n t C a S C o m d i f e r e n t e s i m p l i c a ç õ e s . E m p r i-
n o e in t e r n o ' d e u m 6n aS P ° d e r ia m r e p r e s e n ta r o s r a m o s e x te r -
t e n d o e v T íd o a n c e str a l ~ a P ™ e ir a a n te n a
fila m e n to s e a p r e s e r v a ç ã o 7 ^ ° b r a n q u ia l e x te r n o (c o m a p e r d a d e
m e r o so s se g m e n to s! 7 a d e llc a d a h a s te c o n s t it u íd a d e n u -
r a m o d a p e r n a i n t J n ? s e g u a d a a n t e n a , m a i s s ó l i d a , a p a r t ir d o
m e n t e o r i g e n s d i s t i n t a s ^ h ^ 0 ’ &S d U a S a n t e n a s P o d e r í a m t e r r e a l-
v a s d e d o is D ares \ n d ° s u r g ld o c o m o m o d if ic a ç õ e s e v o lu ti-
a se g u n d a a n te n a n d e d o is s e g m e n t o s d ife r e n te s . P o r fim ,
P o d e r ía n a v e r d a d e S& p a r e c e c o m u m a p e r n a l o c o m o t o r a ,
r io r à c a b e ç a s e m I T T &° P r Í m e Í r o s e g ™ n t o d o c o r p o p o s t e -
cab eça. N esse ca so a 6 m a n .e i r a a l g u m a l i g a d a à c a r a p a ç a d a
a s p r im e ir a s a n t e n a s . & ^ t C n a a p e n a s u m P a r d e a p ê n d i c e s —
132
proximais dos apêndices. A fig. 3.16 é um esboço feito em câmara
lúcida do espécime chave que finalmente conduziu Whittington à
segunda interpretação — as duas antenas são apêndices distintos,
ambos ligados à carapaça da cabeça. Este é o único espécime que
mostra claramente as extremidades proximais de ambas as antenas,
ligadas separadamente à parte de baixo da carapaça da cabeça.
Considere agora o dilema que Whittington teve de enfrentar
quando começou a escrever sua monografia sobre Marrella. Ele se
fiava na velha concepção de que os fósseis pertencem aos grandes
grupos já conhecidos e que a história da vida move-se em direção
a uma complexidade e diferenciação cada vez maiores. Todavia, Mar
rella parecia não pertencer a parte alguma. Whittington havia des
coberto que as pernas dos segmentos do corpo não eram suficiente
mente semelhantes às dos trilobitos para justificar a inclusão de Mar
rella neste grupo. Ele havia estabelecido uma seqüência de apêndices
da cabeça — dois pré-orais e nenhum pós-oral — não apenas dife
rente da encontrada nos trilobitos — um pré-oral e três pós-orais
— mas também completamente desconhecida entre os artrópodes.
O que ele iria fazer com Marrella?
Hoje, esta situação não causaria nenhum problema. Harry iria
simplesmente sorrir e dizer a si mesmo: “ Ah! Outro artrópode que
3 .1 6 . D e s e n h o e m c â m a r a lú c id a d o e s p é c im e c h a v e d e Marrella q u e re so lv e u o g ra n
d e p r o b le m a d a r e c o n s titu iç ã o d a a n a to m ia d a ca b eça . E s te é o ú n ic o e s p é c im e q u e
m o s tr a o s d o is p a r e s d e a p ê n d ic e s (in d ic a d o s p o r a( e a J lig a d o s s e p a r a d a m e n te à
c a ra p a ç a d a ca b eça .
133
a disparidade adngTuteu^nfc05!m° dem° S’ mais uma prova de que
história da vida fni f piCe °®° no mício e due a subseqüente
de crescente de d e s i s n s ^ W ^ dizimaçâo e não P°r uma varieda-
ponível em 1971 / ESta interpretação, porém, não estava dis-
cavalo-guia- na v é r ^ 31™ 53 conceitual não podería empurrar este
Em 1971 u a e>a carr°ça nem mesmo havia sido construída,
lhos, os fósseis h/ r " ,estava Preso à idéia de que, sendo ve-
membros não-esnerí^86^ tmham de ser Primitivos — fossem eles
te desenvolveram f &lzados de gruP°s grandes, que posteriormen-
sores m a if d S t er Z maisespecializadas> ou, mesmo, precur-
e podiam ser c o n s id l ^ reuniam características de vários grupos
piorou a idéia de n, ^ ° S ancestra' s de todos eles. Assim, ele ex-
cursor tanto dos t ú \l h \t l nella P° deria ter sido uma esPécie de pre'
razão da vaEa s m 1 p Í C° m° d° S crustáceoí>- dos trilobitos em
pelos característicos Hr,ade " 3 estrutu™ da Perna, e dos crustáceos,
da cabeca íTlm a 1S pares de apêndices pré-orais na carapaça
pois Whittington u®Uí” ento fraco mesmo em seus próprios termos,
ças entre as n í T « o , em detalhes, importantes diferen-
cms á os Z ^ Mr ella 6 38 dos trilobitos, ao passo que os
rella não t e m ln b ^ * PÓS‘° raÍS na carapaÇa da cabeça e Mar'
noção convenciona]11^ ont“ do>Whittington estava aferrado a uma
recer a Marrella daS formas Primitivas e não podia ofe-
dos fósseis mie • a - maiS ?Ue 1SÍ0' Ele escreveu: “Marrella é um
tiva, c a ra c te riz a i1Cam 3 existência de uma fauna artrópode primi-
melhantes aos dns P° r ™embros uniformes em série, geralmente se-
ços associados a ” 0r ltos !•••]e Pda ausência de mandíbulas, tra-
(1971, p. 21) ma 3 lmentaçao haseada em partículas e detritos”
v e z u m ^ Z m a ^ n S s 1^ 111013//1111113 d e c l a s s i f i c a r M a r r e lla . M a i s u m a
v a m a s c a r a c t e r í s t i c a s fu n d í ** P ° S SU Ía t r a ç o s s i n g u l a r e s , q u e v i o l a -
d e s . H a r r y à b e ir a d e te a m e n ta is d e to d o s os g r u p o s d e a r t r ó p o -
t o u p e l a c a u t e l a e nela r a m _ in siS h t r e v o l u c i o n á r i o , d e s t a v e z o p -
lo b ito id e a d e S tó r m e r 1 1 ' ^ ° 6 C o lo c o u M a r r e lla e n t r e o s T r i -
A o f a z ê - l o nfirím / ° P r° d a m a o títu lo d e s u a m o n o g r a fia ,
f h o r j u f e o ’w * ““ “ “ ° d e s g o s t o d e W t a d o ^ ■»«-
Q ue p u s d e a l8 ° ” ' d is s ' - m e e le - m 0d°
t r e g a d o s m a n n s e r ít o d a v ia , n o te m p o d e c o r r id o e n tr e a e n -
t i n g t o n p e r c e b e u m i e ! 6 -° ^e c e b i m e n t o d a s c ó p i a s i m p r e s s a s , W h it -
p o r ser este u m m m f b a n d ° n a r a d e s ig n a ç ã o T r ilo b ito id e a
a história extremamemrimereísanrdâ1313 f® - X°dos
essante da evolução ” QUe eSC0"dÍ3
artrópodes.
134
Disse-me ele: “ Quando vi o termo ‘Trilobitoidea’ impresso acima
de Marrella, eu sabia que aquilo era um erro” . Na verdade, porém,
Marrella constituira o início de uma torrente estrepitosa — e a do
cumentação desta explosão anatômica logo iria transformar nossa
concepção da história da vida.
135
certos no final d a c l l! ! 1? ^ . 65?6 organismo entre os gêneros in-
rém, Whittington ficava rU° b,toidea-Conforme ia avançando, po-
Yohoia encaixava « Cada vez mais intrigado. Nada relativo a
O estadode cZJ mQ~UalqUer grUpo conhecido-
los padrões de B u rg e s s ^ W h ^ 70^ * deixava muit0 a desejar pe'
frar a ordem e n n rf •’ j Wblttington teve dificuldades para deci-
nomia dos artrÓDod3^ ^ ° S apêndices ~ um fator crucial na taxo-
cabeça tinha nrovav^ 6 acabou chegando à conclusão de que a
remes — até aaui tr^S pares de Pernas locomotoras unir-
dos trilobitos e está & 6 excePc*onaI, já que esse padrão é típico
situou Yohoia entr* co®r®” te com a classificação de Stormer, que
todas as anomalias estó bem 'blt° ldea’ Entretanto, a mais curiosa de
de par de ao ê n d l.c í na parte frontal do animal - um gran-
tes segmentos, na base T agarrar’ constituídos por dois for-
Este design é uni™ o í P° r ^ uatro espinhos, nas extremidades,
guiu encontrar nenhum16 ° S artrópodes e Whittington não conse-
ponível. Com eleeanm .noi” e p a ra ele em todo o vasto jargão dis-
tizou essa estrutura d í?1*3 icidade>ele optou pelo vernáculo e ba-
Y o h o ia S T gfande apêndice” .*
cabeça - nenhum ^a^teía ° Utr° 3pêndice " a CarapaÇ3 ^
sim chamadas . a’ nenbuma estrutura alimentar (as as-
podes são pernas modUf I PCÇ&S bucais de insetos e outros artró-
Ção de estranheza ou mT* as ~ a principal causa de nossa sensa-
insetos ampliados ^ ao assistirinos filmes que mostram
corpo poaeriOTe, i ™Kltand‘« ') - Os primeiros dez segmentos do
dos de cerdas ffío i i o6Ça possuem apêndices lobulares guarnecí-
os apêndices do primeirn I T t3mbém a fig‘ 3‘17)' E possível que
em que havería tamhóm gment0 tenham sido birremes, hipótese
tington não íòi cana7 d T ^ de PCrnas ^ m o t o r a s - mas Whit-
capaz de esclarecer satisfatoriamente a condição dos
gularidade deste criou um problem ^ 6'* 011 de n° tar esse Proem inente órgão, e a sin-
qui poc*e - Ele escapou deste dilema P3ra SUa co n c^us®° d® Qu® Yohoia era um bran-
estrutura utilizada pelo m acho Dara argum entando que o grande apêndice era uma
sente em m uitos branquiópodesl 3 ^ m ea durante o acasalam ento (e pre-
tmes apresemavam os g r a n d e s a ^ " 810"' p orém - verific° u que tod os os espé-
) W alcott colocara duas esr»V *C refutanc|o o raciocínio de W alcott.
W hittin8ton Percebeu que os d o“ 1dem ro do gênero Yohoia - Y. tenuis e Y.
, j ®rentes. Y. plena, que possui am e an™ a,s ef am distintos e pertenciam a gêne-
tiro íS 6 Carapaça bivalve que logo será j Um fil°ca ríd eo , um d os artrópodes do-
o oh t ta: SPéCÍe de Y°*oia e cd o u ^m ' d a d 0 P° r Derek W hittington re-
je o da m onografia de 1974 e z n° V? 8 ®nero> Plenocaris. Yohoia tenuis foi
• e é um anim al bastante estranho.
136
cap ^ V -> apl ap5
^7. Reconstituição de Yohoia feita por Whittington (1974). Observe o grande apên-
‘ce s‘n8ular (indicado por rga e \ga), preso à cabeça.
137
vesenho
SYSTEMATIC DESCRIPTIONS
CIF a™ v Y °BITOIDEA S.tormer> 1959?
GemT, v ° í D.AE ^enriksen, 1928
enus Yohoia Walcott, 1912
138
Whittington continuava df n® ^ p ■vez ele ainda
essas suspeitas em taxonomia formaL com duas diferenças
colocou Yohoia na classe Tnlobitoid , n0 título de sua
fundamentais. Ele não usou acategori ,nterrogação após a de_
monografia e inseriu um Pr^ J 1C° P° 74? 0 primeiro sinal aber-
signação taxonômica forma! (1974, P- vJhitüngton eScreveu: “ Es
to de desafio à velha ordem (fig- 3.19). dentro dos Trilobi-
tou em dúvida se YoHcU, s' r “ ^ n S a l de um ponto
toidea” (1974, p. 2). Nunca duvide da torça
de interrogação.
139
tm v w
3.
140
Em 1912, Walcott havia descrito Opabinia como mais um crus
táceo branquiópode. O curioso design e, especialmente, o bizarro
focinho frontal (fig. 3.21) fizeram de Opabinia a principal atração
dentre os organismos de Burgess. Muitas reconstituições diterentes
foram tentadas mas todos os autores haviam encontrado um lugar
para Opabinia no grande grupo dos artrópodes. Opabinia, na con
dição do mais intrigante de todos os artrópodes de Burgess, conti
nuava sendo um desafio e, pela lógica, era o próximo passo de Harry
Whittington, que já havia escrito duas monografias sobre gêneros
comuns (Marrella e Yohoia) e uma acerca da estrutura dos mem
bros dos trilobitos (1975b).
Whittington começou a estudar Opabinia sem entreter a me
nor dúvida acerca de sua condição de artrópode. Logo ele teve a
maior surpresa de sua vida, embora extravagâncias menores, como
Marrella e Yohoia, o tivessem preparado para a estranheza da fau
na de Burgess. Whittington apresentou sua primeira reconstituição
de Opabinia em 1972, no encontro anual da Sociedade Paleontoló-
gica, em Oxford, a principal associação profissional dos paleontó
logos britânicos.
O riso é a mais ambígua das atitudes humanas, pois pode in
corporar dois significados contraditórios. Whittington reconheceu
que as risadas de seus colegas de Oxford expressavam perplexidade
e não escárnio — mesmo assim elas o deixaram bastante chocado.
Tanto Simon Conway Morris como Derek Briggs — seus dois es
plêndidos alunos — admitiram que essa reação de Oxford assinalou
um momento decisivo no trabalho de Harry com os organismos de
Burgess Shale. Ele simplesmente precisava dissipar o efeito daquele
riso inesperado e incongruente. Ele precisava desarmar seus colegas
com uma reconstituição de Opabinia tão incontestável que todas as
suas peculiaridades pudessem ser reconhecidas como fatos e nunca
mais voltassem a perturbar os encontros dos membros da comuni
dade científica com o espírito do Allegro, de Milton:
Apressa-te, ninfa, e traze contigo
Gracejos e Jocosidade juvenil, [...]
Escárnio que zomba da Preocupação,
E Gargalhadas a morrer de rir.
Embora Opabinia seja um animal raro, do qual existem ape
nas dez espécimes em boas condições (Walcott encontrou nove e o
Serviço de Levantamento Geológico do Canadá coletou outro, na
década de 1960), Walcott estabeleceu sua importância como elemento
141
uma posição elevada^de ^ Bur?ess ShaIe- Ele conferiu a O p a b in ia
tre os artrópodes de’B SCreve"do esse ^nero em primeiro lugar en-
O p a b in ia no alto de , ess (ve J a a tabela 3-i). Walcott colocou
Po alongado com saa classificação porque ele considerava o cor-
Plexos ou nròemin»°! ° &muitos segmentos e sem apêndices com-
possível ancestral dm f ’ r°,m° Uma <<forte indicação de ser ele um
ou vermes s e lm e n S an? dfos 0912, p. 163). Como os anelídeos
quetos marinhos) são ° S ^nclumdo as minhocas terrestres e os poli-
lacionado com os ar/ ?resam,velmente, um grupo estreitamente re-
rísticas dos dois fjir> ropodes’ um an™al que combinasse caracte-
e agir como um pi S P° Cna mud0 bem ser um ancestral de ambos
dos. Para Walcotf° ^ntr®esses dois grandes grupos de invertebra-
de Burgess o ! ! ’,” era 0 mais Primitivo dos artrópodes
todos^os grupos posterioíesPrÓXim0 ^ Um Verdadeiro ancestral de
cott reconheceu^™ caracten'sticas de artrópode que Wal-
diz respeito à cah* P°- E*e P °uco tinha a oferecer no que
apêndice nesta nart^w V1St° nã° ter conse8uido encontrar nenhum
terpretado como 1 C° rP° ‘ ° “ focinho” frontal podería ser in-
Patíveis com o m o d e lo ^ 6 a" tenas fundidas e os olhos eram com-
olhos, mas Whittin ° S artr°P°des (Walcott observou apenas dois
«ao. W a S a lrr - d0is paread0S ‘ um * •
ços de antênulas a m ^ nenhuma das cabeças [...] apresenta tra
ces eram grandes ei n3S’ mandlbu*as ou maxilas. Se esses apêndi-
ficado ocultos por baLn6^ ^ 3™111’ Se eram Pe<3uenos>Podem ter
foi comprimida e achat h a,,8™nde porÇao posterior da cabeça, que
Ção um admirável exerrf \ a 1912, P‘ !68^ Considero esta afirma
mente inconsciente w ? ° de tendenciosidade científica aparente-
Pode, de modo Que o I S S T que ° P abi™ era um artró-
Como não encontrou 3mn?a tinba de possuir apêndices na cabeça,
a ausência deles — 0u T " Um’ ^?ram fornecidas explicações para
vam ou tão pequenos n,?f r 3m tã° grandes que sempre se quebra-
Walcott nunca cheeon 9 lcavam escondidos debaixo da cabeça,
a de que os apêndices nâ* me” ?’onar a terceira e óbvia alternativa —
(Walcott, aliás ta °hPOdiam ser vistos porque eles não existiam.
ximo parágrafo_qUeT ,em cometeu um outro erro — veja o pró-
gencial mas que salienta3 ^ pareça meramente engraçado ou tan-
servações de acordo com &laiportante questão de que fazemos ob-
não somos capazes de “ ve ” Cg° r*aS preestabelecidas e muitas vezes
um conjunto de irre c io \ ? que está bem diante de nós. Embora
gulandades empíricas possa ter impulsionado
142
I
I a revisão de Burgess Shale por parte de Whittington e seus colegas,
a verdade, como iremos ver, é que a estrutura conceituai da nova
visão, aglutinando-se entre 1975 e 1978, estabeleceu um novo con
texto que permitiu a realização de novas observações. Não estou de
fendendo nenhuma espécie de relativismo; os animais de Burgess são
o que são. Todavia, os antolhos conceituais podem tornar impossí
vel a observação, ao passo que um conhecimento mais preciso das
generalidades não garante a elucidação de questões anatômicas es
pecíficas, embora certamente possa orientar nossa percepção para
caminhos mais profícuos.)
Walcott, obedecendo a nossa tendência básica para classificar
os seres vivos de acordo com o sexo, encontrou dois espécimes que
Pareciam não ter o focinho frontal. (Embora Walcott pensasse que
esses espécimes eram realmente desprovidos de focinhos, Whitting
ton posteriormente dissecou um desses espécimes e encontrou a borda
dentada do ponto de ruptura, provando que os focinhos haviam se
quebrado.) Num dos espécimes, Walcott encontrou uma estrutura
delgada, com duas pontas, no lugar do focinho. (Isso revelou-se um
fragmento de um verme, mas Walcott interpretou-o como uma au
têntica parte de Opabinia, na mesma posição do focinho dos outros
espécimes.) Assim, Walcott concluiu que havia descoberto a exis
tência de dimorfismo sexual em Opabinia: o focinho forte e vigoro
so deveria pertencer ao macho (naturalmente) e a estrutura delgada
à fêmea, mais delicada. Ele escreveu que essas supostas fêmeas “ di
ferem do macho [...] possuindo um apêndice frontal delgado e bi-
fendido, em vez da sólida estrutura do macho” . Ele chegou até mes-
mo a introduzir os estereótipos dos agentes ativos e passivos em suas
distinções fictícias, argumentando que o focinho “ provavelmente
era usado pelo macho para agarrar-se à fêmea” (1912, p. 169).
A principal justificativa de Walcott para ter considerado Opa
binia um artrópode está em sua interpretação dos segmentos parea-
dos do corpo. Ele via essas abas como ramos branquiais de apêndi
ces ancestralmente birremes. Ele julgou ter observado dois ou três
artículos “ curtos e razoavelmente fortes” (1912, p. 168) na base de
cada aba, vindo em seguida um extenso lobo dotado de brânquias.
Ele também esperava encontrar os ramos da perna (interiores) mas
nunca conseguiu convencer-se disso e acabou concluindo que as per
nas locomotoras provavelmente assumiam uma forma “ insignificante
ou rudimentar” (1912, p. 163).
Walcott estava evidentemente incomodado com o fato de Opa
binia não ter preservado nenhum sinal de afinidade com os artró-
143
podes. Chegou até mesmo a esmagar alguns anostráceos modernos
entre placas de vidro, tentando simular as condições em que ocor
reu a fossilização dos animais de Burgess. Esse ato drástico
proporcionou-lhe algum consolo, porque tal tratam ento com tr
qüência eliminava todas as evidências dos delicados apêndices,
escreveu: “ Após ter comprimido espécimes de Brachinecta e Bran
chipus entre placas de vidro e tê-los estudado, é para mim uma gran
surpresa que alguma característica nítida dos apêndices esteja pre
servada nos fósseis em condições de ser reconhecida” (1912, p. 1 J ’
Walcott demonstrava assim a principal habilidade de sua profissão
adotiva, a administração: ele havia apresentado a advérsidade so
a luz mais favorável. Opábinia continuaria sendo um artrópo
Walcott havia sido bastante cauteloso em comparação com
constituições posteriores, as quais acrescentaram cada vez mais^_
racterísticas de artrópodes com cada vez menos compunção.
1931, o grande ecologista G. Evelyn Hutchinson, impelido para
paleontologia pela fascinante questão de como os anostráceos pu
deram alterar suas preferências ambientais e trocar os mares do P
ríodo Cambriano pelos modernos lagos de água doce, reconstitui
Opabinia na típica posição de cabeça para baixo de um anostr
em natação (fig. 3.22). Ele transformou as abas laterais em
apêndices em forma de lâmina elegantemente adaptados ao flan
de uma carapaça de artrópode. . •
O clímax desta imaginativa tradição ocorreu com a recons i
ção de Simonetta (1970),* esteticamente admirável porém fantasi^
sa. Opabinia transformou-se num artrópode ideal (fig- 3.23).
cinho frontal é apresentado com uma sutura longitudinal (inteir
mente imaginária), indicando que ele se originara de um par
antenas, agora fundidas. Simonetta “ encontrou” dois pares adicio
144
nais de apêndices curtos de artrópodes na cabeça de Opabinia
um reconstituído a partir de um par de olhos e o outro a partir de
uma saliência da carapaça. Em cada segmento do corpo, Simonetta
desenhou um apêndice forte e birreme — um ramo branquial em
forma de lâmina acima de um pequeno mas sólido ramo da perna.
Ao iniciar seu trabalho com os dez preciosos exemplares de Opabi
nia, Whittington encontrou diante de si essa tradição nunca antes
contestada.
Agora cheguei ao fulcro deste livro. Ainda tenho um pouco de
vontade de escrever as páginas seguintes usando apenas maiúsculas
ou letras vermelhas, mas desisto em atenção às tradições estéticas
da impressão de livros. Também me abstenho porque não quero criar
mais uma lenda (após ter desfeito uma em relação à descoberta de
Burgess Shale). Minhas emoções e meus desejos são ambíguos. Es
tou prestes a descrever o principal momento deste drama mas tam
bém estou comprometido com o princípio histórico de que tais mo
mentos não existem, pelo menos não como nossas lendas os pro
clamam.
Momentos decisivos são coisas de criança. Numa história co
mo esta, envolvendo tantas pessoas empenhadas em complexas con
tendas intelectuais, como seria possível dizer que um determinado
momento é o único foco dos acontecimentos ou mesmo o mais im
portante? Eu tenho me esforçado para conhecer a fundo todos os
detalhes e dispô-los segundo a ordem mais apropriada. Como po
dería pôr a perder todo esse esforço em favor do mito da descober
ta triunfal? Eu suponho que se possa descobrir um único objeto —
o diamante Hope, digamos — num determinado momento, mas mes
mo um acontecimento como esse envolve um labirinto de inevitá
veis antecedentes na forma de conhecimentos geológicos, intrigas
145
políticas, relacionamentos pessoais e sorte. Eu, no entanto, est
alando de uma transformação abstrata e importante em n0^ a 0
sao acerca dos padrões e do significado da história da vida. L0
uma alteração tão complexa poderia influenciar um momento a
nor, em que ainda não havia acordo, e outro posterior, em Qu
avia passado a existir? Será que a seleção natural, o conceito ^
aissez-faire na economia, o estruturalismo, a base racional J>at _
Imaculada Concepção de Maria ou qualquer outra proposição
ral ou intelectual complexa foram formuladas por uma única P
soa, num determinado dia e lugar?*
Todavia, como disse Orwell a respeito de sua Rússia, represe
tada metaforicamente por um terreiro de fazenda, alguns anl1*1
são mais iguais do que outros. Nós temos necessidade de deta
heróicos e de momentos nos quais possamos concentrar nossa a
ção a maçã que atingiu Newton e os objetos que Galileu não
rou da torre inclinada de Pisa. A busca continua, mas podemos
cernir um ponto de relevo na continuidade. a
Penso que a transformação de Burgess Shale realmente teve
espécie de Rubicão, pelo menos simbolicamente — uma desco e
fundamental que possa marcar a divisão entre o antes e o depo ^
E assim retornamos a Harry W hittington, tendo diante e
todo o estoque mundial de Opabinia. Todos sempre haviam
ficado este animal como um artrópode, mas ninguém encontrara
apêndices segmentados que caracterizam o grupo. Por outro Ia ’
ninguém antes de Whittington tivera ao seu alcance as técnicas n
cessárias para se procurar pequenos apêndices ocultos sob uma ca^
rapaça externa. Poucos anos antes, Whittington havia feito a
coberta metodológica fundamental de que os fósseis de Burgess S a
eram objetos tridimensionais (ainda que comprimidos), com cama
das superiores que podiam ser removidas para revelar as estrutura
situadas embaixo. Com este método, Harry já havia decifrado o
segredos de Marrella, Yohoia e dos trilobitos de Burgess.
Opabinia praticamente implorava para ser submetida a um cru
ciai estudo com a utilização das novas técnicas: dissecação atra ves
(*) Meus amigos católicos talvez citem Pio ix e o dia 8 de dezembro de 185
em re ação ao (ritmo item da minha lista> mas Ineffabjlis Deus foi uma resoluça
ícia sujeita s regras da instituição, e ninguém seria capaz de apontar um determ
nado momento como o mais importante de todo um milênio de debates que anteo
eram a medida. Quanto à longa e complexa luta de Darwin para desenvolver a te<
na da seleção natural, veja a obra de Howard Gruber, Darwin on man. (Nova Yorl
Dutton, 1974),
146
3,23. Bela porém enganosa restauração de Opabinia corno um artrópode, feita por
Simonetta (1970), A ) Vista de cima. B) Vista lateral. Simonetta representou o foci
nho frontal como se fosse constituído por antenas fundidas e desenhou ap n ic
birremes em cada um dos supostos segmentos do corpo.
147
de ser intratável porém estranha o suficiente para fazer vibrar q
quer pessoa curiosa. deces-
Whittington iniciou a monografia repreendendo seus pre ^
sores pela adesão incondicional ao modelo artrópode e por sua ^
seqüente tendência a confiar mais nas expectativas do mo ®0
que na observação dos espécimes: “ O contínuo interesse em P ^
nia não foi acompanhado de um estudo crítico dos espécimes,
modo que a fantasia não foi inibida pelos fatos. O presente
lho tem por objetivo proporcionar uma base mais sólida para
culações futuras” (1975a, p. 3). Com um a característica a te n u a ^
dos fatos (uma tendência pessoal, acrescida da norma britam ^
Whittington afirmou em seguida: “ Minhas conclusões a respei ^
morfologia levaram a uma reconstituição que difere de todas a
teriores sob vários aspectos importantes” (1975a, p. 3).
Esses “ vários aspectos importantes” resultaram num a ,Q
que, se consideravelmente aumentado, tornando-o bem rnaio ^
que seus 43-70 mm, poderia fazer parte do cenário de um 1 ^
ficção científica. Considere as principais características da reco
tuição de Whittington: ( . eS.
1) Opabinia não tem dois olhos mas, conte-os, cinco. ^
tão dispostos na forma de dois pares de pedúnculos curtos, co ^
quinto olho, provavelmente desprovido de pedúnculo, engasta
bre a linha média do corpo (veja a fig. 3.20). Q.
2) O focinho frontal não é uma probóscide retrátil nem um P
duto da fusão de antenas (as duas interpretações favoritas
tentes com o design artrópode). Ele se liga ao corpo através da ^
da inferior frontal da cabeça e estende-se para diante. Trata-se ^
um órgão flexível, constituído por um tubo cilíndrico estriado
literalmente semelhante à mangueira flexível de um aspirador de P
e, talvez, arqueável de acordo com os mesmos princípios. Sua P°
ção terminal é dividida longitudinalmente em duas partes iguais, ca ^
qual apresentando um conjunto de longos espinhos apontados pa
dentro e para a frente. O tubo possivelmente continha um canal ce -
trai cheio de fluido — um bom meio de se obter a necessária rigi
com suficiente flexibilidade.
3) O intestino é um tubo simples que, na maior parte do com
primento do corpo, corre em linha reta ao longo do centro do ani
mal (veja a fig. 3.24). Na cabeça, porém, o intestino faz uma curva
em forma de U, virando ao contrário abruptamente para produzi
uma boca voltada para trás. Curiosamente, o focinho frontal tem
exatamente o comprimento certo para alcançar a boca e a flexibi i
148
dade adequada para curvar-se e levar o alimento até ela. Whitting-
ton sugere que Opabinia alimentava-se basicamente capturando ali
mento com as “ quelas” formadas pelas partes espinhosas da ponta
do focinho e, em seguida, virando-o ao contrário para conduzir o
alimento até a boca.
4) A porção principal do tronco possui quinze segmentos, ca
da qual dotado de um par de delgados lóbulos laterais, um em cada
lado do eixo central. Esses lóbulos se sobrepõem e estão voltados
para baixo e para fora (veja fig. 3.20).
5) Cada lóbulo, com exceção dos que fazem parte do primeiro
par, possui em sua superfície dorsal uma brânquia em forma de re
mo, inserida perto da base do lóbulo. Embora a superfície inferior
da brânquia seja achatada, a superfície superior é constituída por
um conjunto de tênues lamelas, sobrepondo-se como um baral o
de cartas aberto. it ,
6) Os três últimos segmentos do tórax formam uma cau a
constituída por três pares de lâminas lobadas voltadas para cima e
para fora (veja fig. 3.20). _ .
Para elucidar a morfologia desse animal tão peculiar, Whitting-
ton precisou recorrer a todos os seus métodos especiais de disseca
ção, a espécimes fossilizados em diferentes orientações e às infor
mações proporcionadas pelas partes e contrapartes. Ele também des
cobriu que o fato de não terem sido empregados tais métodos havia
proporcionado o principal argumento em favor do modelo artró-
pode. Walcott havia confundido a parte e a contraparte de um im
portante espécime. Ele pensou que estava examinando a superfície
inferior de um animal quando, na verdade, olhava para a superfície
superior. Raymond, aceitando esta interpretação às avessas, fez a
afirmação perfeitamente razoável de que as brânquias de Opabinia
ficava embaixo da carapaça externa — como no arranjo padrão dos
artrópodes, em que os ramos branquiais são os membros superiores
de apêndices birremçs localizados logo abaixo da carapaça. Na orien
tação correta, porém, as brânquias ficam acima dos lóbulos corpo
rais, uma disposição extremamente diferente daquela encontrada nos
artrópodes.
As figs. 3.24 a 3.26 proporcionam uma admirável ilustração da
eficácia dos métodos de Whittington. Esses são seus desenhos em
câmara lúcida de três espécimes, em diferentes orientações, cada de
senho combinando aspectos da parte e da contraparte do mesmo es
pécime. A fig. 3.24 apresenta uma visão a partir de cima (dorsal).
Vemos a posição dos olhos e do focinho, a seqüência completa dos
149
3 .2 4 . D e s e n h o e m c â m a r a lú c id a
d e u m e s p é c im e d e Opabinia n a p o s iç ã o
c o n v e n c io n a l, v is to d e c im a . A s
b r ã n q u ia s (g ) e o s l ó b u lo s (\J p o d e m s e r
v is to s c o m c la r e z a e m a m b o s o s la d o s;
o tr a ç a d o d o in te s tin o e s te n d e -s e a o
lo n g o d a lin h a m é d ia . D o is p a r e s
d e o lh o s e s tã o v is ív e is e o f o c i n h o
p r o lo n g a - s e p a r a f r e n t e a p a r t i r d a
e x tr e m id a d e f r o n t a l d o c o r p o .
150
3 .2 5 . U m e s p é c im e d e Opabinia p r e s e r v a d o n u m a p o s iç ã o m e n o s c o m u m , v ira d o
d e la d o . A q u i o s ló b u lo s e a s b r â n q u ia s d o s la d o s d ir e ito e e s q u e r d o f o r m a m u m a
m a s s a c o n fu s a e s ã o d ifíc e is d e d is tin g u ir . T o d a v ia , m u ito s a s p e c to s q u e n ã o e ra m
v isív e is n o e s p é c im e d a f i g . 3 .2 4 , e m p o s iç ã o c o n v e n c io n a l, p o d e m a g o ra s e r c o m
p r e e n d id o s : a o r ie n ta ç ã o d a s n a d a d e ir a s d a c a u d a fRf.l-Rf.3^ e m re la ç ã o a o s ló b u
lo s la te ra is, o p o n t o d e in se rç ã o d o f o c i n h o e a c u r v a tu r a d a e x tr e m id a d e f r o n t a l
d o in te s tin o e m d ir e ç ã o à p a r t e p o s te r io r d o c o r p o .
3 .2 6 . U m te r c e iro e s p é c im e d e
Opabinia, n o v a m e n te n a p o s iç ã o
c o n v e n c io n a l. D iv e r s o s a s p e c to s q u e n ã o
e s ta v a m v is ív e is n o s o u tr o s e s p é c im e s
p o d e m s e r d is c r im in a d o s a q u i: o q u in to
o lh o (in d ic a d o p o r u m m, d e “ o lh o
m é d i o ”) p o d e s e r v is to n o c a n to
s u p e r io r d ir e ito e o b s e r v a m o s q u e o
f o c i n h o p o d e d o b r a r -s e n a a ltu r a d a
boca.
151
As figs. 3.24 e 3.25 proporcionam as duas orientações básicas
mas ainda deixam muitas questões sem resposta — e mais espéci
mes são necessários. Nenhuma, por exemplo, mostra os cinco olhos
(eles são delicados e muitas vezes se desintegram). A fig. 3.26 preen
che algumas lacunas cruciais: os cinco olhos podem ser vistos com
nitidez e o focinho frontal dobra-se em torno da região da boca.
Embora Marrella e Yohoia tivessem desafiado a calçadeira de
Walcott, esses gêneros estavam apenas orfanados dentro dos artró-
podes. Com Opabinia, a coisa passou para um outro nível, e alterou-
se de forma irreversível. Opabinia não pertencia a nenhum grupo
conhecido, moderno ou fóssil. Se Whittington tivesse optado por
dar-lhe uma classificação formal (coisa que saibamente declinou de
fazer), ele teria sido forçado a criar um novo filo para este único
gênero. Cinco olhos, um focinho frontal e brânquias acima de abas
laterais! A calçadeira de Walcott havia se quebrado. Whittington
escreveu de modo impessoal e com sua característica brevidade: “ Não
se considera que Opabinia regalis tenha sido um artrópode trilobi-
tomorfo ou um anelídeo” (1975, p. 2). H arry pode ser um homem
ponderado mas ele sabia o que Opabinia implicava para o restante
da fauna de Burgess. “ Burgess Shale” , observou ele, laconicamen-
te, “ contém outros animais segmentados ainda não descritos e com
afinidades incertas” (1975, p. 41).
Acredito que a reconstituição de Opabinia feita por Whitting
ton em 1975 ficará situada entre os grandes documentos da história
do conhecimento humano. Quantos outros estudos empíricos nos
conduziram a uma visão essencialmente revista a respeito da histó
ria da vida? Ficamos assombrados com o Tyrannosaurus', maravi
lhados com as penas do Archaeopteryx\ e festejamos ruidosamente
todos os fragmentos de ossos humanos fósseis encontrados na Áfri
ca. Todavia, nenhuma dessas descobertas nem de longe nos ensi
nou tantas coisas acerca da natureza da evolução como um peque
no e estranho invertebrado do período Cambriano, com duas pole
gadas de comprimento, chamado Opabinia.
152
Ato 3. A revisão se amplia:
o êxito de uma equipe de pesquisa, 1975-1978
153
À
Whittington poderia entoar o lamento da frustrada Mercedes —
“ Tantos pedestres e tão pouco tem po” — ou poderia reunir uma
equipe para ajudá-lo. Ele ficou com a segunda alternativa. De qual
quer forma, a ciência é um empreendimento coletivo.
Após selecionar os gêneros que iria estudar pessoalmente, Whit
tington dividiu os demais artrópodes em três grupos, cada um deles
apropriado para um grande projeto de pesquisa conduzido por um
colaborador. Além desses grupos, havia também os diversos gêne
ros que Walcott classificara entre os vermes anelídeos (1911c), os
quais se tornaram mais incômodos e importantes a partir da identi
ficação de Opabinia como uma extravagância que não pertencia a
nenhum dos filos então existentes. Se a calçadeira de Walcott tives
se ocultado a questão da singularidade taxonômica, a história toda
provavelmente iria emergir (se não explodir) de forma ainda mais
límpida com os anelídeos do que com os artrópodes. Os artrópodes
são definidos como tal através de características nítidas e comple
xas. Embora Walcott pudesse ter forçado impropriamente a inclu
são de seus artrópodes entre os grupos convencionais do filo, pelo
menos a maioria deles eram artrópodes genuínos (Opabinia e, pos
teriormente, Anomalocaris constituem exceções). Entretanto, qual
quer coisa mole, segmentada e com simetria bilateral poderia ser con
siderada um verme. A probabilidade de se encontrar organismos es
tranhos atingia seu máximo entre os “ anelídeos” de Walcott.
Whittington tinha dúvidas quanto aos três grupos de artrópo
des constituírem conjuntos taxonômicos coerentes. Embora todos
compartilhassem características que superficialmente aparentavam
ser semelhantes, Marrella e Yohoia já haviam ensinado a ter cuida
do com as exterioridades. Mesmo assim, os três grupos formavam
divisões apropriadas para os trabalhos de pesquisa, e o postulado
de coerência poderia tornar-se uma questão central a ser testada.
(Todos os três grupos revelaram-se heterogêneos — uma conclusão
importante, que confirmou o status dos organismos de Burgess co
mo criaturas espetacularmente díspares em relação a todas as fau
nas posteriores.)
Os três grupos, todos em geral reconhecidos nas classificações
dos organismos de Burgess, desde Walcott até Stormer, eram: 1) o
grande conjunto formado pelos artrópodes com carapaças bivalves,
que sempre se supôs serem autênticos crustáceos malacostráceos;
2 ) as espécies “ merostomóides” , de forma geralmente oval e com
a carapaça da cabeça grande e separada do revestimento do restan
te do corpo, parecendo lembrar o grande grupo fóssil dos euripterí-
154
3.27. Reconstituição de Burgessia feita
por Hughes (1975).
155
Á
geral consideradas como pertencentes a diversos grupos distintos de
artrópodes. Eis a conclusão a que chegou:
Uma vez que o reexame de todos os artrópodes de Burgess Shale, atual
mente em curso, está revelando que muitos detalhes da morfologia des
ses organismos não são o que anteriormente se pensara que fossem,
este autor considera prematura qualquer discussão adicional em rela
ção às afinidades de Burgessia [...] O que este reexame deixa claro é
que Burgessia apresenta uma mescla de características [...] muitas das
quais podem ser encontradas em diferentes grupos de artrópodes mo
dernos (1975, p. 434).
A história dos artrópodes estava ficando cada vez mais inte
ressante.
ORIENTADORES E ESTUDANTES
156
tífica da sua área forem firmes, você obterá seu título e, em virtude
da influência dele e de suas próprias comprovadas realizações, seu
primeiro emprego decente.
Trata-se de um sistema esquisito, que dá muita margem à críti
ca mas que, à sua própria e estranha maneira, funciona. A partir
de um determinado ponto você não consegue avançar mais apenas
com livros e cursos; torna-se necessário juntar-se a alguém que este
ja fazendo pesquisa de boa qualidade. (E você precisa estar por per
to e pronto para assimilar os ensinamentos o tempo todo, dia após
dia. Não basta aparecer às duas da tarde de quinta-feira para uma
aula sobre como separar as partes das contrapartes.) O sistema efe
tivamente produz seus horrores — professores que se aproveitam
dos alunos, desviando o fluxo de entusiasmo e brilhantismo da ju
ventude para seus próprios poços secos, sem nada lhes dar em tro
ca. Mas quando ele funciona bem (e isso acontece com mais fre-
qüência do que um cético poderia esperar, considerando a falta de
controles e contrapesos), é difícil imaginar melhor forma de trei
namento.
Muitos estudantes não compreendem o sistema. Eles se candi
datam a uma universidade por causa de sua fama ou porque ela es
tá localizada numa cidade de que eles gostam. Isso é um grande er
ro. Você se candidata para trabalhar com uma determinada pessoa.
Assim como no velho sistema de aprendizado das guildas, o orien
tador e o estudante têm obrigações um para com o outro; essa não
é uma rua de mão única. Acima de tudo, o orientador tem a obriga
ção de arranjar apoio financeiro para os estudantes. (A orientação
intelectual é obviamente mais importante, mas essa parte do jogo
é um prazer para o mentor. O verdadeiro problema é a obtenção
de dinheiro. Muitos professores de primeira linha passam pelo me
nos metade de seu tempo buscando auxílio financeiro para seus es
tudantes.) O que os orientadores ganham em troca desse esforço?
Essa retribuição é mais sutil e muitas vezes não é compreendida fo
ra da nossa corporação. A resposta, por mais estranho que isto possa
parecer, é fidelidade no sentido genealógico do termo.
O trabalho que um estudante de pós-graduação venha a desen
volver torna-se para sempre parte da reputação de seu orientador,
porque é assim que reconstituímos as linhagens intelectuais. Eu fui
orientado por Norman Newell e tudo o que vier a fazer ao longo
de minha vida será visto como um legado transmitido por ele (e se
eu fizer uma trapalhada isso redundará em desabono para ele — ain
da que sem muita gravidade pois reconhecemos uma assimetria ne
157
cessária: os erros são pessoais; o êxito, parte da linhagem). Eu acei
tei de bom grado esse costume e jurei fidelidade a ele — e não por
motivo de aprovação teórica mas porque, novamente como no ve
lho sistema de aprendizado, ganhei o direito de me beneficiar com
a próxima geração. A maior alegria que tive em meus doze anos de
Harvard foi a de ter sido abençoado com diversos alunos realmente
brilhantes. No momento, a maior vantagem disso é uma excitante
atmosfera de laboratório — mas eu não estou insensível ao costume
de que seus êxitos futuros devam ser interpretados, ainda que em
pequena medida, como o meu próprio sucesso.
(A propósito, esse sistema é o grande responsável pelo triste es
tado do ensino de graduação em muitas universidades voltadas pri
mordialmente para a pesquisa. Um estudante pertence à linhagem
do seu orientador na pós-graduação e não à linhagem dos professo
res de seus cursos de graduação. Para pesquisadores cada vez mais
preocupados com sua própria reputação, não existe nenhuma van
tagem em lecionar para cursos de graduação. Você pode fazer isso
apenas por amor ou responsabilidade. Seus alunos de pós-graduação
são prolongamentos de você mesmo ao passo que os de graduação
não acrescentam nada a sua reputação como cientista. Eu gostaria
que isso pudesse ser mudado mas nem sequer sei o que sugerir.)
Mas é na Inglaterra que esse sistema é levado às últimas conse-
qüências. Nos Estados Unidos, você se candidata, através de um de
partamento, para trabalhar com um orientador. Na Inglaterra, vo
cê se oferece diretamente a um orientador em potencial, e ele lhe
garante os recursos financeiros, quase sempre destinados a projetos
específicos. Harry Whittington sabia que o êxito final do projeto
de Burgess — sua expansão, passando da descrição detalhada de uns
poucos organismos estranhos para uma compreensão de toda uma
fauna — dependia dos estudantes de pós-graduação. Dos dois in
gredientes necessários para isso, ele podería influir apenas sobre um
— a obtenção de dinheiro. Quanto ao outro, tudo que ele podería
fazer era rezar para que a deusa da sorte o abençoasse com o inte
resse de alunos brilhantes.
Harry cumpriu suas obrigações no que diz respeito ao primeiro
item. Ele tinha dois projetos importantes — artrópodes bivalves e
“ vermes” . Ele arranjou dinheiro para dois estudantes — para um,
a partir de subvenções governamentais, e para o outro com dinhei
ro doado por particulares e administrado por sua faculdade, a Sid-
ney Sussex. A deusa da sorte saiu-se bem em relação ao segundo
item (com uma ajuda do próprio sucesso de Harry Whittington, pois
158
os bons alunos conservam os olhos abertos e gravitam em torno dos
orientadores que estiverem fazendo o trabalho mais excitante). Em
1972, exatamente na fase mais propícia da marcha dos acontecimen
tos relativos a Burgess Shale, os fatos provaram a falsidade da mi
nha estimada teoria do espaçamento acadêmico — a de que alunos
brilhantes surgem apenas uma vez a cada cinco anos (como cinco
anos é a duração normal dos cursos de graduação, você nunca tem
mais de um durante muito tempo). Harry Whittington — um ho
mem de muita, muita sorte — foi procurado simultaneamente por
dois alunos brilhantes: Derek Briggs, um irlandês que estudara no
Trinity College, em Dublin; e Simon Conway Morris, um londrino
que acabara de completar seus estudos de graduação na Universi
dade de Bristol (onde Harry havia integrado, na qualidade de exa
minador externo, a banca encarregada de avaliar sua tese de gra
duação). Daí em diante, apesar do pouco contato no dia a dia e não
obstante as diferenças existentes em seus estilos de trabalho impedi
rem a formação de um grupo de pesquisa coeso, o trabalho sobre
Burgess transformou-se no esforço conjunto de três parceiros cada
vez mais semelhantes — Briggs, Conway Morris e Whittington (em
ordem alfabética sem juízo de valor), três homens com um propósi
to e um conjunto de métodos em comum, mas tão diferentes quan
to se pode ser em idade e no modo de encarar a ciência e a vida.
Harry Whittington conhece as regras e as realidades da vida.
Em nossas conversas, ele enfatizou, acima de qualquer outra coisa
e sem falsa modéstia, que a revisão de Burgess Shale deixou de ser
apenas uma seqüência de monografias e se transformou num proje
to completo e coerente apenas quando obteve a colaboração de Briggs
e Conway Morris. A partir desse momento passou a ter a possibili
dade de estabelecer uma meta que ele poderia viver para completar,
e não, como no caso do arquiteto de uma catedral da Idade Média,
apenas desenhar a planta e lançar os alicerces sem nunca ter a espe
rança de ver o edifício finalizado.
159
a partir daí, nada mais importa. Bernie Kummel, que na década de
1970 ameaçou estudantes radicais com uma mangueira de água e que
desprezava (e temia) qualquer excentricidade na maneira de agir ou
de vestir, gostava de Bob Bakker (um de meus alunos, na época,
e agora ponta de lança de novas idéias acerca dos dinossauros) co
mo se fosse um filho, apesar de seus cabelos à altura do ombro e
de suas posições radicais a respeito de absolutamente tudo. (Nem
sempre a avaliação de Bernie foi tão boa. Houve uma época em que
ele e Harry Whittington formavam o grupo de paleontologia de in
vertebrados em Harvard. Bernie achava Harry excessivamente con
servador e ficou contente quando este resolveu ir para Cambridge.
Nessa ocasião ele me contratou para ser o substituto de Whitting
ton. Não se pode dizer que ele tenha feito um grande negócio.)
Simon Conway Morris, que se descreveu para mim como “ tão
pouco cooperativo como um adolescente e geralmente anti-social’’,
causou profunda impressão em Whittington ao revelar-se o melhor
candidato para o mais maluco de todos os desafios de Burgess —
os “ vermes” de Walcott. Os professores de Simon na Universidade
de Bristol haviam-no descrito a Harry como um homem que “ fica
sentado num canto da biblioteca, lendo, e usa uma capa” . Harry
lembra-se de sua primeira reação a essas informações: “ Oh, meu
Deus... um anarquista” . Mas Harry também percebera o brilho de
sua inteligência e, como eu já disse, nada mais realmente importa.
Os vermes representavam ao mesmo tempo a maior dor-de-
cabeça e a maior esperança de um projeto que, desde a elucidação
da anatomia de Opabinia, estava voltado explicitamente para a pro
cura de criaturas estranhas. Se estas existiram em grande número,
os estudos anteriores teriam colocado na velha categoria dos ver
mes a maior parte dos organismos que pareciam não se encaixar em
nenhum lugar. O grupo dos vermes era a tradicional lata de lixo da
taxonomia — o balde de dejetos para as criaturas que não se encai
xavam em lugar algum mas que tinham de ser colocadas em alguma
parte. Os vermes vêm desempenhando esse papel desde o próprio
Lineu, que reuniu um grupo extraordinariamente heterogêneo de
criaturas sob essa categoria. A maioria dos animais são basicamen
te alongados e apresentam simetria bilateral. Assim, se um organis
mo qualquer apresentar essas características e você não souber o que
ele é, classifique-o como um verme.
Harry, um homem extraordinariamente bondoso, estremecia
com a idéia de que ele poderia estar encerrando no início uma pro
missora carreira ao atribuir um projeto tão difícil a um principian
160
te. Até hoje ele parece ser dominado por uma grande angústia ao
recordar-se do que fez — muito embora os resultados tenham sido
espetaculares. Ele me confessou o seguinte: “ Foi com temor e an
siedade que sugeri esse assunto a Simon [...] Senti-me péssimo. Que
tema horrível para se propor a um estudante! Por Deus, como tive
coragem de fazer isso com alguém? E no entanto eu tinha um forte
pressentimento de que ele seria capaz de dar conta do recado” .
Simon ficou encantado e desde então não parou de pesquisar.
O núcleo deste projeto é constituído pelas suas duas excelentes mo
nografias a respeito dos vermes de Burgess que realmente perten
cem aos filos modernos — os priapulídeos (1977d) e os poliquetas
(1979). Esses trabalhos serão discutidos no momento oportuno. Mas
Simon não começou por esse material convencional. Você realmen
te esperaria um início tão tradicional de um homem que usa uma
capa e não aparece para o café da manhã?
Na primavera de 1973, Whittington enviou Briggs e Conway
Morris a Washington para desenharem os espécimes tipo de Wal-
cott (aqueles usados nas descrições originais das espécies e que le
vam oficialmente os nomes com que Walcott os batizou), e fazerem
a seleção dos espécimes a serem emprestados a Cambridge. Um ve
lho provérbio, atribuído a Pasteur, diz que a sorte favorece a mente
preparada. Simon, um intelectual, optara por trabalhar com Harry
e ficou deliciado ao receber os vermes como tema de seu projeto
porque sentia que a perspectiva de uma descoberta mais importante
envolvendo os organismos de Burgess estava centrada na documen
tação das criaturas estranhas — tanto de suas constituições anatô
micas como de suas freqüências relativas. Opabinia havia se impos
to à atenção de Harry. Simon, em perfeito contraste, começou a pro
curar pelos organismos mais estranhos de Burgess. “ Tenho uma
tendência natural para dar ênfase ao que é incomum” , disse-me Si
mon. “ Um novo braquiópode da Irlanda do Norte não é páreo pa
ra um novo filo.”
Imagine a situação e a oportunidade. Simon tinha pela frente
os cerca de 8 mil espécimes da coleção Walcott. A maior parte deles
nunca havia sido descrita ou mesmo observada com atenção. Nin
guém jamais examinara esse tesouro com a idéia de que as aberra
ções taxonômicas pudessem ser abundantes. Assim, Simon fez uma
coisa simples e óbvia e no entanto profundamente diferente de qual
quer das abordagens anteriores dos organismos de Burgess — e, por
tanto, corajosa. Ele deu início a uma prolongada exploração das ga
vetas do Instituto Smithsoniano em que estava guardado o material
161
a partir daí, nada mais importa. Bernie Kummel, que na década de
1970 ameaçou estudantes radicais com uma mangueira de água e que
desprezava (e temia) qualquer excentricidade na maneira de agir ou
de vestir, gostava de Bob Bakker (um de meus alunos, na época,
e agora ponta de lança de novas idéias acerca dos dinossauros) co
mo se fosse um filho, apesar de seus cabelos à altura do ombro e
de suas posições radicais a respeito de absolutamente tudo. (Nem
sempre a avaliação de Bernie foi tão boa. Houve uma época em que
ele e Harry Whittington formavam o grupo de paleontologia de in
vertebrados em Harvard. Bernie achava Harry excessivamente con
servador e ficou contente quando este resolveu ir para Cambridge.
Nessa ocasião ele me contratou para ser o substituto de Whitting
ton. Não se pode dizer que ele tenha feito um grande negócio.)
Simon Conway Morris, que se descreveu para mim como “ tão
pouco cooperativo como um adolescente e geralmente anti-social” ,
causou profunda impressão em Whittington ao revelar-se o melhor
candidato para o mais maluco de todos os desafios de Burgess —
os “ vermes” de Walcott. Os professores de Simon na Universidade
de Bristol haviam-no descrito a Harry como um homem que “ fica
sentado num canto da biblioteca, lendo, e usa uma capa” . Harry
lembra-se de sua primeira reação a essas informações: “ Oh, meu
Deus... um anarquista” . Mas Harry também percebera o brilho de
sua inteligência e, como eu já disse, nada mais realmente importa.
Os vermes representavam ao mesmo tempo a maior dor-de-
cabeça e a maior esperança de um projeto que, desde a elucidação
da anatomia de Opabinia, estava voltado explicitamente para a pro
cura de criaturas estranhas. Se estas existiram em grande número,
os estudos anteriores teriam colocado na velha categoria dos ver
mes a maior parte dos organismos que pareciam não se encaixar em
nenhum lugar. O grupo dos vermes era a tradicional lata de lixo da
taxonomia — o balde de dejetos para as criaturas que não se encai
xavam em lugar algum mas que tinham de ser colocadas em alguma
parte. Os vermes vêm desempenhando esse papel desde o próprio
ineu, que reuniu um grupo extraordinariamente heterogêneo de
criaturas sob essa categoria. A maioria dos animais são basicamen
te alongados e apresentam simetria bilateral. Assim, se um organis
mo qua quer apresentar essas características e você não souber o que
ele é, classifique-o como um verme.
Harry, um homem extraordinariamente bondoso, estremecia
com a 1 ia de que ele poderia estar encerrando no início uma pro
missora carreira ao atribuir um projeto tão difícil a um principian
160
te. Até hoje ele parece ser dominado por uma grande angústia ao
recordar-se do que fez — muito embora os resultados tenham sido
espetaculares. Ele me confessou o seguinte: “ Foi com temor e an
siedade que sugeri esse assunto a Simon [...] Senti-me péssimo. Que
tema horrível para se propor a um estudante! Por Deus, como tive
coragem de fazer isso com alguém? E no entanto eu tinha um forte
pressentimento de que ele seria capaz de dar conta do recado” .
Simon ficou encantado e desde então não parou de pesquisar.
O núcleo deste projeto é constituído pelas suas duas excelentes mo
nografias a respeito dos vermes de Burgess que realmente perten
cem aos filos modernos — os priapulídeos (1977d) e os poliquetas
(1979). Esses trabalhos serão discutidos no momento oportuno. Mas
Simon não começou por esse material convencional. Você realmen
te esperaria um início tão tradicional de um homem que usa uma
capa e não aparece para o café da manhã?
Na primavera de 1973, Whittington enviou Briggs e Conway
Morris a Washington para desenharem os espécimes tipo de Wal-
cott (aqueles usados nas descrições originais das espécies e que le
vam oficialmente os nomes com que Walcott os batizou), e fazerem
a seleção dos espécimes a serem emprestados a Cambridge. Um ve
lho provérbio, atribuído a Pasteur, diz que a sorte favorece a mente
preparada. Simon, um intelectual, optara por trabalhar com Harry
e ficou deliciado ao receber os vermes como tema de seu projeto
porque sentia que a perspectiva de uma descoberta mais importante
envolvendo os organismos de Burgess estava centrada na documen
tação das criaturas estranhas — tanto de suas constituições anatô
micas como de suas freqüências relativas. Opabinia havia se impos
to à atenção de Harry. Simon, em perfeito contraste, começou a pro
curar pelos organismos mais estranhos de Burgess. “ Tenho uma
tendência natural para dar ênfase ao que é incomum” , disse-me Si
mon. “ Um novo braquiópode da Irlanda do Norte não é páreo pa
ra um novo filo.”
Imagine a situação e a oportunidade. Simon tinha pela frente
os cerca de 8 mil espécimes da coleção Walcott. A maior parte deles
nunca havia sido descrita ou mesmo observada com atenção. Nin
guém jamais examinara esse tesouro com a idéia de que as aberra
ções taxonômicas pudessem ser abundantes. Assim, Simon fez uma
coisa simples e óbvia e no entanto profundamente diferente de qual
quer das abordagens anteriores dos organismos de Burgess e, por
tanto, corajosa. Ele deu início a uma prolongada exploração das ga
vetas do Instituto Smithsoniano em que estava guardado o material
161
de Burgess Ele abriu todos os armários e deitou os olhos em todas
buscando deliberadamente as coisas mais incomuns e pe-
siippsKr, ? UC,PU CSj Cencontrar- As recompensas foram grandes e o
xo- rlenn'113^6 atordoante- No início você pula para cima e para bai-
Orinntno*- u a ,8Um temP°> a riqueza o entorpece. Ao encontrar
foi- “rCaramba!
roí. ariP ^Outro
Ja P‘filo
147^’ tudo . que e^e P°de dizer a si raesm0
novo”
plprupíf0 oonsigo imaginar maior contraste (e, portanto, melhores
tinotrm ° Si >aia um diama) do Que os estilos dessemelhantes de Whit-
frVaHor 6 0nway Morris Harry, o velho e conservador sistema-
nrinpinin^tCSte^ -3 .lniciar ° maior projeto de sua vida, e Simon, o
, b n e radica ’ buscando conscientemente subverter as opiniões
fprpnff.eC1 CUS m^todos de trabalho não poderíam ser mais di-
Hn ne S Um -° outr° - Harry começou com grande cautela, escolhen-
,Prip!ianimaiS mmS COmuns de Burgess. Ele prosseguiu com uma
• e mon°grafias acerca de gêneros individuais, cada uma das
n q_ consumiu vános anos de preparação: Marrella (1971), Yohoia
mo irpm°S memb™s dos trdobitos (1975b), Opabinia (1975a) e, co-
tmbalbo?ncVer; e Aysheaia 0978). Ele limitou seu
conhecia m ei^ F CS ass™ Pensou, ao iniciá-lo), o grupo que
vencionais n or' . e começou seu projeto com pontos de vista con-
só mudou de 61t° a taxonomia dos organismos de Burgess, e
consciência Sim ™ C[Uando ‘ndlcios inesperados se impuseram à sua
fiança — come ° n’ k° contrar'° ~ c°m inocência, habilidade e con-
ficassem a ma- .^0 Uj -uscando exPÜcitamente criaturas que exempli-
dos organismo* J ^ r 03 d3S interPretações a respeito da anatomia
fantásticas m aratilhaTfe
único c 7 S i S " sao
blmon * reconstituições
r3r° melh° r; dÍVerS3Snum
baseadas d3S
“uâ car T 1976 ' <977. Conway Morris iniciou
com a sin o u h rv /^ f11 ° clnco art^ os a respeito de cinco criaturas
com a ngulandade anatômica dc novos filos.*
to. Nada dissTaromTOu™ ° V0Car. desaven«as e contlito abcr~
goria sim m a t.» . . - • drama mtelectual da mais elevada cate-
m istorias maliciosas de ostensivo antagonismo.
162
É claro que Derek se lembra de Harry resmungando algo acerca de
pessoas querendo correr antes de aprenderem a andar e é bem pos
sível que alguns sentimentos íntimos até hoje não tenham sido ma
nifestados. Entretanto, quando perguntei a Harry o que ele achara
de um estudante que havia publicado cinco breves artigos antes de
obter o seu Ph.D., às vezes baseando novos filos em apenas um es
pécime, ele respondeu: “ Fui solidário com ele e manifestei-lhe mi
nha aprovação com um sorriso. Jamais passaria pela minha cabeça
a idéia de desencorajar um de meus orientandos” .
Eu sei que o comentário seguinte é banal, mas a banalidade mui
tas vezes se baseia na verdade manifesta: a coalescência final da trans
formação de Burgess surgiu a partir de um admirável sinergismo en
tre essas duas abordagens distintas. É possível que o processo de in
terpretação tivesse conduzido de qualquer maneira ao resultado final.
Pode ser que tanto a lenta seqüência de monografias descritivas co
mo a rápida sucessão de monografias contendo asserções radicais
acabassem impondo a aceitação da nova maneira de encarar os or
ganismos de Burgess. Todavia, nada supera a combinação de uma
laboriosa descrição, tão cuidadosa que não pode ser contestada, com
ousadas afirmações tão escassamente documentadas e tão afasta
das da tradição que podem inspirar apenas fúria — e atenção. Sei
que esta combinação “ simplesmente aconteceu’’, ao longo de um
dos caminhos mais estranhos e imprevisíveis dos acontecimentos hu
manos; todavia, se alguém estivesse encarregado de regular o pro
gresso do conhecimento, ele não poderia ter agido com mais delibe
rado propósito ao planejar essa mistura de juventude e experiência,
cautela e ousadia.
Já interrompí esta narrativa uma vez (com Opabinia) para anun
ciar um momento tão importante que merecería ser destacado com
163
o uso e um tipo especial, e deverei fazê-lo novamente (para Ano-
na ocüns) não obstante, do modo como vejo a história de Burgess,
3 em ^ue ^inion explorou os armários do Instituto Smith-
*an° marca a segunda das três grandes transições. Quando Si-
• COme<^ u ’ OPabinia estava sugerindo a existência de alguma
ff>nAr*?S r3n a ’ maS n*n8u^m conhecia a natureza ou a extensão do
tr . 6n° ’ 6U acredito cIue H arry ainda tendia a interpretar as es-
hinao~S Cj iatUraS de ®urgess como grupos-tronco, primitivas com-
° t S. 6 caracteres due Posteriormente se dividiríam para dar ori-
m-ntp 1 ° S n^° ernos distintos, e não como experimentos singular-
i- . esPe^ ia lzados de design de organismos multicelulares,
tn Hr>^enS ln,j ependentes Que foram interrompidas em algum momen-
„ 3 ° ‘ Quar*do Simon completou a seqüência inicial de cin-
vi o3* ° S3 respe*t0 das curiosidades, o tentativo e o peculiar ha-
„ 6 rans ormado na norma para Burgess e a noção de Iinha-
moripr-11 T 63 CnteS .£ddn dos •imites da diversidade anatômica
mitivo” 3 <3Via substituído o convencional recurso aos termos “ pri-
cohprfa C,i precursor • Whittington recorda-se de sua reação às des-
v. y , e im? n ' Toda a atmosfera foi alterada. Nós não está-
j 1 an ° simplesmente com predecessores de grupos conheci
dos. A coisa toda começava a fazer sentido” .
távpi H- CmCÜ eJstranhos organismos de Simon apresentam uma no-
vida r»V^rS-1 3 e em termos de constituição anatômica e modo de
n x / T 0 tema que 08 une é a peculiaridade,
um ccr«4pfC 0cans' ^ Ste estranho animal é representado por apenas
tuiu n n r 6V T " 3 contraparte — a qual Conway Morris substi-
ele nrÓYimr»3 °, °®ra *3’ retocada como de costume, encontrada por
blicara e nãrfh em preParado espécime. Todavia, Walcott nada pu-
tificou assim - eiX3do nenhuma anotação. Conway Morris jus-
màções ‘‘T Y3 í CC1Sã0 dC PUbHcar com ba=* em tão poucas infor-
cam a atenção ír ^ C preservaÇão e a anatomia incomum justifi-
Cam Do pescoço” nai^f 3 ÚnÍC° espécime” <1976a’ p‘ 705)’
artrópode (fie 3 osn a uCnte’ Nectocaris assemelha-se mais a um
dices curtos^\ » ^ apresenta um ou pares de apên-
articulados (e, portanto8 dife &frem,e’ embora aparentemente não-
Logo atrás há um par de o lh o "^ 5 d°,S apêndices dos artrópodes).
sobre hastes A narm „ * . ° s grandes, provavelmente apoiados
paça oval tZpS d m e m T ? 6
X «*»
rém, não apresenta nenhuma * blvalve- O restante do corpo, po
des e, sob vários intrieantes C3ractenstIca específica dos artrópo-
mtrigantes aspectos, lembra os cordados - nosso
164
próprio filo. O corpo é comprimido lateralmente e constituído por
cerca de quarenta segmentos (uma característica comum aos artró-
podes e a diversos outros filos, inclusive o nosso). Conway Morris
não encontrou nenhum sinal da característica que define os artró-
podes — apêndices articulados. Em vez disso, tanto a superfície dor
sal como a ventral (a parte de cima e a parte de baixo do animal)
apresentam estruturas contínuas que, ao menos superficialmente,
assemelham-se a nadadeiras de cordados sustentadas por raios! (Com
um único espécime não se pode ir muito além do superficial, de mo
do que este ponto crucial permanece sem solução.)
Três características dessas nadadeiras e de seus raios negam a
existência de afinidades com os artrópodes e sugerem semelhança
com os cordados. Primeiro, uma estrutura delgada e contínua, pre
servada na forma de uma película escura sobre a rocha, parece ligar
as séries paralelas de raios curtos e endurecidos para formar uma
nadadeira coesa; os membros dos artrópodes, em contraste, são dis
tintos. Segundo, as nadadeiras estendem-se ao longo das superfí
cies superior e inferior do animal, como nos cordados primitivos;
os apêndices dos artrópodes em geral se ligam às partes laterais do
corpo. Terceiro, as nadadeiras de Nectocaris têm cerca de três raios
enrijecidos por cada divisão do corpo; a presença de um par de apên
dices por segmento original do corpo é uma característica que defi
ne os artrópodes. (A tagmose ou fusão dos segmentos dos artrópo
des é identificada pela presença de mais de um par de apêndices por
divisão do corpo. Os segmentos de Nectocaris são demasiado estreitos
3 .2 8 . O e n ig m á tic o Nectocaris, c u ja p o r ç ã o a n te r io r a s s e m e lh a -s e p r in c ip a lm e n te
a u m a r tr ó p o d e e q u e n a p a r t e d e trá s p a r e c e -s e m a is c o m u m c o r d a d o d o ta d o d e
u m a n a d a d e ir a c a u d a l. D e s e n h o d e M a r ia n n e C o llin s.
165
e numerosos para serem interpretados como resultado da fusão de
diversas divisões ancestrais.)
O que se pode fazer com uma tal quimera — uma criatura que
se assemelha mais a um artrópode quando vista pela frente (com
apêndices possivelmente não-articulados levantando algumas duvi
das) e que se parece mais com um cordado (ou com um organismo
de design desconhecido) quando vista por trás? Não muito, quando
se tem apenas um espécime. Assim, Conway Morris escreveu um ar
tigo curto e provocativo e jogou Nectocaris dentro da grande va a
comum da taxonomia — o filo Incertos. O título de um trabalho
de taxonomia tradicionalmente registra as afinidades filogenéticas
do animal que estiver sendo descrito, porém Conway Morris optou
por uma abordagem ostensivamente evasiva: “Nectocaris pteryx, um
novo organismo do Cambriano Médio de Burgess Shalé, Colúmbia
Britânica” . Suas palavras finais não expressam nenhuma surpresa
em relação à existência de uma criatura tão peculiar mas, em vez
disso, sugerem uma generalidade emergente: ‘‘O fracasso em escla
recer definitivamente as afinidades dessa criatura não deve ser cau
sa de surpresa. Pesquisas atualmente em curso estão mostrando que
um certo número de espécies de Burgess Shale não pode ser acomo
dado de maneira aceitável em qualquer dos filos atuais” ( 1976a,
P. 712).
2) Odontogriphus. Conway Morris conseguiu mais um indicio
com seu segundo tesouro de 1976. Ele ainda tinha apenas um único
espécime mas desta vez encontrou tanto a parte como a contrapar-
te. Ainda que Walcott tivesse posto Nectocaris de lado, ele ao me
nos providenciara uma fotografia para indicar sua importância. Mas
Odontogriphus — apropriadamente batizado por Conway Morris
com um nome que significa “ enigma denteado” — foi uma verda
deira descoberta, um espécime que passara inteiramente desperce
bido, cuja parte e contraparte encontravam-se em diferentes seções
da coleção de Walcott. Embora Conway Morris tivesse iniciado seu
artigo na convencional voz passiva, sua paixão e seu orgulho pes
soal transpareceram através da cobertura estilística:
Por ocasião de uma busca [...] na vastíssima coleção dos fósseis de
Burgess Shale [...] foi notada a existência de uma placa serrada con
tendo o espécime aqui descrito, a qual foi posta de parte para poste
rior estudo. Pouco depois sua contraparte foi encontrada em outra
sala da coleção. O espécime obviamente não havia chamado a aten
ção de nenhum outro pesquisador. Nenhum outro espécime foi encon
trado (1976b, p. 199).
166
O fóssil de Odontogriphus não está bem preservado e poucas
estruturas podem ser reconhecidas, mas estas são verdadeiramente
estranhas. Este animal alongado, ovóide e bastante achatado tem
de cinco a sete centímetros de comprimento e, atrás da região fron
tal, apresenta o corpo marcado por uma série de finas linhas trans
versais paralelas, distanciadas aproximadamente um milímetro umas
das outras. Conway Morris julgou que essas marcas eram anéis e
não divisões entre verdadeiros segmentos. Ele não encontrou nenhum
apêndice e nem sinais de áreas endurecidas, e presumiu que Odon
togriphus era gelatinoso.
O corpo inclui apenas duas estruturas reconhecíveis, ambas na
superfície ventral da extremidade anterior (fig. 3.29). Um par de
“ palpos” (provavelmente órgãos sensoriais) ocupa as bordas da ex
tremidade dianteira do animal. Estes são depressões rasas e arredon
dadas constituídas por até seis camadas laminares de tecido parale
las à superfície do corpo. A característica mais interessante, presu
mivelmente uma boca circundada por algum tipo de estrutura
alimentar, está logo adiante dos palpos, mas exatamente sobre a li
nha média do corpo. A estrutura tem a forma de um U achatado,
com a abertura voltada para a frente. Ao longo desse U, Conway
Morris encontrou cerca de 25 “ dentes” — estruturas cônicas e pon
tiagudas com menos de meio milímetro de comprimento. Como es
ses dentes eram demasiado pequenos e frágeis para raspar ou mor
der, Conway Morris conjeturou, de forma bastante razoável, que
eles atuavam como suportes para a base dos tentáculos, os quais te-
riam a função de apanhar os alimentos e rodeariam a boca forman
do um anel.
3 29 O a n im a l n a d a d o r a c h a ta d o O d o n to g rip h u s . N a p a r te d e b a ix o d a cabeça p o d e -
s e v e r o p a r d e p a lp o s e a b o c a ro d e a d a d e te n tá c u lo s . D e s e n h o d e M a r ia n n e C o ilin s .
167
Esse anel de tentáculos assemelhava-se muito a um lofóforo —
a estrutura alimentar de diversos filos modernos, notavelmente os
briozoários e os braquiópodes. Por conseguinte, Conway Morris co
locou provisoriamente Odontogriphus entre os assim chamados fi-
los lofoforados. Todavia, nenhum lofoforado moderno apresenta
dentes internos para servir de apoio a seus tentáculos e não existe
nenhum outro aspecto de Odontogriphus que lembre a forma ou a
estrutura de qualquer outro animal lofoforado. “ Enigma dentea-
do continua a ser uma boa denominação.
Aqueles que adotam estratégias de alto risco precisam aceitar
os constrangimentos causados pelos erros juntamente com as ale
gria de uma vitória incerta. Ao tomar a decisão de publicar traba
lhos a respeito dos espécimes mais raros e mais estranhos e de
estender-se amplamente em suas interpretações, Simon quase garan
tiu a ocorrência de alguns erros importantes. Esses vêm junto com
o território conquistado e não constituem demérito. Simon errou
ao tentar fazer uma avaliação das implicações mais amplas da des
coberta de Odontogriphus. Ele não pôde deixar de notar que os “ den
tes tinham uma vaga semelhança com os conodontes, na época os
objetos mais enigmáticos do registro fóssil. Os conodontes são es
truturas semelhantes a dentes, às vezes bastante complexas, que ocor
rem abundantemente em rochas que vão do Cambriano ao Triássi-
co (fig. 2.1), um grande intervalo de tempo mesmo em termos geo
lógicos. Embora estejam entre os fósseis mais importantes, em
virtude de sua utilidade na datação de camadas geológicas, suas afi
nidades zoológicas há muito permaneciam misteriosas, alimentan
do assim o mais famoso e duradouro de todos os enigmas paleonto-
lógicos. Os conodontes eram obviamente as únicas partes duras de
um animal de corpo mole. Mas a criatura propriamente dita nunca
havm sido encontrada - e o que se pode dizer com base em alguns
dentes desarticulados?
Conway Morris achou que os “ dentes” de Odontogriphus pu
dessem ser os conodontes e que, talvez, ele tivesse descoberto o es
quivo animal que produzira os conodontes. Ele até mesmo arriscou
uma chance e colocou seu enigma denteado na classe Conodonto-
^ ori a ' e 0 ^ance para um novato — descobrir o segredo dos
segredos e por fim a um século de discussões! Mas Simon estava
erra o. anima conodonte de corpo mole foi posteriormente en-
con ra o com incontestáveis conodontes no lugar certo, a extre
midade anterior do intestino. Essa criatura também foi descoberta
numa gaveta de museu — numa coleção reunida na década de 1920 ,
168
a partir de um Lagerstàtte escocês do período Carbonífero conheci
do como Granton Sandstone. O animal conodonte, que hoje se co
loca entre as poucas esquisitices zoológicas posteriores a Burgess,
não é nem um pouco parecida com Odontogriphus. Derek Briggs
foi um dos autores da descrição original e acha (embora eu não es
teja convencido disso) que o animal conodonte pode ser um corda-
do, ou seja, um membro do nosso próprio filo (Briggs, Clarkson
e Aldrigge, 1983).
3) Dinomischus. O terceiro animal misterioso de Simon tam
bém reforçou os indícios de que ele dispunha. Uma vez mais, Wal-
cott havia separado e fotografado um espécime mas não publicara
nada e não deixara nenhuma anotação. Desta vez, porém, Conway
Morris viu-se praticamente nadando num mar de indícios, uma vez
que dispunha de três espécimes — o de Walcott, em Washington;
Imm
169
3.31. Três espécimes do animal pedunculado Dinomischus. Um deles inclina-se em
nossa direção, exibindo as aberturas da boca e do ânus na superfície superior do cá
lice. Desenho de Marianne Collins.
170
cálice. Filamentos que se irradiam a partir do estômago para a su
perfície interior do cálice podem ter sido fibras de sustentação (do
intestino) ou feixes musculares.
Notam-se diversas semelhanças superficiais com uma miscelâ
nea de animais modernos, mas estas são provavelmente analogias
gerais relativas a designs similares (como as asas das aves e dos inse
tos) e não homologias detalhadas que reflitam afinidades filogené-
ticas. Conway Morris encontrou estreitos paralelos com o pequeno
filo Entoprocta (incluído entre os briozoários nas classificações mais
antigas), mas Dinomischus é uma criatura fundamentalmente estra
nha. Embora Conway Morris tenha demonstrado alguma hesitação
em seu trabalho original (1977a, p. 843), sua opinião final é inequí
voca: “ Dinomischus não apresenta nenhuma afinidade óbvia com
outros metazoários e provavelmente pertence a um filo extinto”
(Briggs e Conway Morris, 1986, p. 172).
4) Amiskwia. Com Amiskwia, Simon finalmente atacou um dos
organismos de Burgess que, apesar de ser um dos mais raros, fora
tema de diversos estudos. Cinco espécimes haviam sido descobertos
e Walcott descrevera formalmente o gênero — como um quetógna-
to — em 1911. Amiskwia também inspirara algumas discussões vei
culadas em trabalhos anteriores, embora nunca se tivesse levantado
a possibilidade de que ele não pertencesse a nenhum dos filos mo
dernos. Dois artigos publicados em 1960 haviam sugerido sua trans
ferência dos quetógnatos para os nemertinos. Embora os nomes des
ses filos não sejam familiares, ambos são de uso corrente na moder
na taxonomia.
Amiskwia, sendo um animal achatado e provavelmente gelati
noso, desprovido de carapaça externa, apresentou-se realmente com
primido na superfície das rochas de Burgess. Assim, esses fósseis
foram efetivamente preservados da maneira que Walcott equivoca
damente pensara ser a normal para todos os organismos de Burgess
__ como uma folha de papel. Na ausência da estrutura tridimensio
nal que Whittington encontrou nos artrópodes e cuja existência Si
mon confirmou em diversas outras curiosas criaturas, pouca coisa
da anatomia de Amiskwia pode ser claramente elucidada — embo
ra o que foi preservado seja suficiente para excluir a possibilidade
de colocá-lo em qualquer filo moderno.
A região da cabeça possui um par de tentáculos, inseridos na
superfície ventral anterior (fig. 3.32). O tronco exibe dois tipos de
nadadeiras, sem a presença de raios ou qualquer outra estrutura de
sustentação, no plano do achatamento do corpo — as laterais (nos
171
3.32. O animal nadador achatado Amiskwia, com um par de tentáculos na cab Ç
e nadadeiras laterais e caudais na parte de trás. Desenho de Marianne o
172
No interior da cabeça, um órgão bilobado talvez represente os
gânglios cerebrais, enquanto o intestino é constituído por um tubo
reto que vai de uma região expandida no interior da cabeça até um
ânus situado na outra extremidade do corpo, logo adiante da nada
deira caudal (fig. 3.33). A cabeça, desprovida das características pro-
bóscides com uma proeminente cavidade preenchida por um fluido
e dotada de paredes musculares, não se parece em nada com a de
um nemertino ao passo que a nadadeira caudal apresenta apenas uma
semelhança superficial (nos nemertinos, a nadadeira é bilobada e
o ânus se abre bem na ponta do corpo). Conway Morris, já então
sentindo-se bastante à vontade com a idéia de singularidade anatô
mica em níveis taxonômicos elevados, concluiu:
173
Hallucigenia, sustentada por seus sete pares de escoras, apóia-se sobre o fu ,l‘
do do mar. Desenho de Marianne Collins.
174
Io Annelida, os vermes segmentados, são os equivalentes marinhos
das minhocas terrestres, e estão entre os mais diversificados e bem-
sucedidos de todos os grupos animais.) Conway Morris posterior
mente (1979) mostrou que esse gênero estava ocultando uma notá
vel diversidade sob um guarda-chuva extremamente ampliado — pois
entre as sete “ espécies” de Walcott ele acabou reconhecendo três
gêneros distintos de poliquetos verdadeiros, um verme de um filo
inteiramente diferente (um priapulídeo que ele rebatizou de Lecy-
thioscopa) e Hallucigenia. Walcott, confundindo a mais estranha
de todas as criaturas de Burgess com um verme comum, batizou es
se animal de Canadia sparsa.
Como se pode descrever um animal quando nem mesmo se sa
be qual lado está para cima e quais são as extremidades anterior e
posterior? Hallucigenia é bilateralmente simétrica, como a maioria
dos animais móveis, e tem diversos conjuntos de estruturas repeti
das em comum com o design padrão de muitos filos. Os maiores
espécimes têm aproximadamente 2,5 centímetros de comprimento.
Se quisermos ir além dessas indicações extremamente vagas seremos
forçados a entrar num mundo verdadeiramente fantástico (fig.3.34).
Em linhas gerais, Hallucigenia tem uma “ cabeça” bulbosa numa
175
extremidade, mal preservada em todos os espécimes (cerca de trin
ta) e, portanto, não elucidada. Não podemos nem sequer ter certe
za de que essa estrutura representa a região frontal do animal; trata-se
de uma “ cabeça” apenas por convenção. Esta “ cabeça” (fig-
está ligada a um tronco alongado, estreito e basicamente cilíndrico.
Sete pares de espinhos pontiagudos — não apêndices articu a
dos, como os dos artrópodes, mas estruturas simples e distintas
ligam-se aos lados do tronco, próximos à superfície ventral, e
prolongam-se para baixo, formando uma série de suportes. Esses
espinhos não se articulam ao corpo, dando a impressão de estarem
implantados na parede do corpo, a qual estende-se por uma cur
distância ao longo da parte de cima de cada espinho, formando u
espécie de bainha. Ao longo da linha média da superfície dorsa
corpo, do lado diretamente oposto ao dos espinhos, sete tentacu
com pontas bifurcadas estendem-se para cima. Os sete tentácu
parecem estar coordenados aos sete pares de espinhos de uma
neira harmônica porém estranhamente deslocada: o primeiro te
culo (o mais próximo da “ cabeça” ) não corresponde a nenhum P
de espinhos. Cada um dos outros seis tentáculos está diretamen
acima de um par de espinhos. O último par de espinhos não corres
ponde a nenhum tentáculo. Um feixe de seis tentáculos dorsais mu
mais curtos (talvez dispostos na forma de três pares) encontra-se
go atrás da fileira formada pelos sete tentáculos maiores. Nesse P°n
to, a extremidade posterior do corpo estreita-se, formando um tu
bo que se dobra para cima e para a frente.
C om o um taxonom ista p ode interpretar esse designl Sim on cne-
gou à con clu são de que prim eiro teria de tentar im aginar de que m a
neira esse anim al poderia operar, ap ós o que ta lv ez p ud esse reunir
alguns indícios que o ajudassem a elucidar sua an atom ia. Procurando
an alogias, Sim on n otou que alguns anim ais m od ern os ap óiam -se ou
até m esm o se d eslocam com o auxílio de esp in h o s lig a d o s à parte
d e baixo de seus corp os. O peixe “ trip é” a p ó ia -se sobre d o is lo n g o s
esp in h os peitorais e um espin ho cau d al. O s ela síp o d es, um curioso
gru p o de h olotu róid es (p ep in os-d o-m ar, do filo d o s eq u inod erm os)
de mar aberto, deslocam-se em conjunto pelo fundo do mar apoia
dos sobre espinhos que têm a forma de tubos alongados (Briggs e
Conway Morris, 1986, p.173). Em Hallucigenia os dois espinhos de
cada par formam um ângulo de aproximadamente setenta graus, um
excelente arranjo para que uma série de apoios sustente o corpo com
boa estabilidade. Assim, Conway Morris partiu do pressuposto de
que os sete pares de espinhos permitiam que Hallucigenia se
176
firmasse sobre um substrato lodoso. Esta suposição define um há
bito de vida e uma orientação: “ As superfícies ventral e dorsal são
identificadas com base na suposição de que os espinhos ficavam en
terrados nos sedimentos do fundo” (Conway Morris, 1977c, p 625)
Até aqui tudo bem; Ha/lucigenia podería apoiar-se sobre o fun
do do mar com razoável estabilidade. Mas o animal não podia ficar
parado eternamente como se fosse uma estátua. Criaturas bilateral
mente simétricas, com cabeças e caudas, quase sempre são móveis
Eles concentram seus órgãos sensoriais na frente e têm seus ânus
atrás porque precisam saber para onde estão indo e se afastar do
que deixam para trás. Como, em nome de Deus, Ha/lucigenia po
dería se locomover sobre uma série de espigões firmemente fixados
na parede do corpo? Conway Morris conseguiu sugerir um modelo
plausível, no qual feixes musculares prendem a extremidade proxi-
mal dos espinhos à superfície interna da parede do corpo. A exten
são e a contração diferencial desses músculos poderíam movimen
tar os espinhos para frente e para trás. Uma onda coordenada desse
movimento ao longo dos sete pares podería propelir o animal, ain
da que um tanto desajeitadamente. Ele não ficou muito impressio
nado com as perspectivas dessa forma de locomoção, e sugeriu que
“Ha/lucigenia sparsa provavelmente não avançava com rapidez so
bre rochas ou lodo e que em boa parte do tempo ela se mantinha
parada” (1977c, p. 634).
Se os espinhos eram difíceis de interpretar, o que dizer dos ten
táculos, em que as perspectivas de órgãos análogos modernos eram
mais pessimistas? As tenazes presentes em suas extremidades pode
ríam ter servido para a captura de alimento, mas os tentáculos não
chegam até a região da cabeça e a passagem de alimento de um ten
táculo para outro em direção à boca frontal não oferece muitas pos
sibilidades de uma alimentação eficiente. Observando a possibilida
de de haver alguma espécie de conexão entre um tubo oco no inte
rior de cada tentáculo e um intestino no interior do tronco (nenhum
dos quais suficientemente bem preservado para inspirar confiança),
Conway Morris propôs uma fascinante alternativa. Talvez Ha/luci
genia não tivesse nenhuma boca frontal. Talvez cada tentáculo apa
nhasse alimento de forma independente e o fizesse descer através
de seu próprio esôfago, após o que ele iria para um intestino comu
nal. Quando se trabalha com um animal tão estranho é preciso le
var em conta soluções bizarras.
Todavia, Ha/lucigenia é tão peculiar e tão difícil de se imagi
nar atuando com eficiência que temos de considerar a possibilidade
177
de uma solução muito diferente. Talvez Hallucigenia não seja um
animal completo e sim um apêndice complexo de uma criatura maior,
ainda não descoberta. A extremidade da “ cabeça” de Hallucigenia
não é mais do que uma mancha incoerente em todos os fósseis co
nhecidos. Talvez isso não seja cabeça coisa nenhuma e sim um pon
to de fratura em que um apêndice (chamado Hallucigenia) separou-
se da parte principal do corpo (ainda não descoberta). Essa pers
pectiva talvez seja frustrante, já que o próprio Hallucigenia e um
animal tão assombroso. Portanto, estou apoian o a m erpre açao
de Conway Morris (embora, se fosse obrigado a apostar, colocar,a
meu dinheiro na teoria dos apêndices). Por outro lado porem a
a- de
perspectiva i-T„ih,,~iopnia sei
a Hallucigenia ser aF
apenas um apendice
1 e ainda mais
. a ex-
„
citante - pois o animal todo, se algum dia fosse descoberto e re
constituído poderia chegar a ser mais peculiar do que Hallucige
nia, tal como ela atualmente é interpretada. Não é a primeira vez
que isso acontece com os animais de Burgess. Anomalocaris (veja
o Ato 5) já foi considerado um artrópode completo e um crustáceo
bastante obscuro. Então Whittington e Briggs (1985) descobriram
que se tratava de um apêndice alimentar de um animal que só per
dia para Hallucigenia em termos de estranheza entre os animais de
Burgess. Nós certamente ainda não vimos a última surpresa de Bur
gess e, talvez, nem mesmo a maior delas.
178
prensa costuma exaltar tanto a novidade e a descoberta sensacional
— mais fáceis de relatar e mais apropriadas para o noticiário — que
as narrativas que chegam ao conhecimento do público geral não ape
nas omitem as atividades científicas habituais mas também, o que
é ainda pior, transmitem uma falsa impressão a respeito do que im-
pulsioná a ciência.*
Um projeto como o da revisão de Burgess tem aspectos poten
cialmente notáveis e outros menos conspícuos. Ambos são necessá
rios. Um repórter convencional comunicaria apenas os conceitos ex
citantes e os fatos sensacionais — Hallucigenia ganha destaque e os
trilobitos de Burgess são ignorados. Tomadas isoladamente, porém,
as estranhas criaturas de Burgess não significam muito. Colocadas
no contexto de toda a fauna, incluindo também a presença de ele
mentos convencionais, elas sugerem uma nova concepção da histó
ria da vida. As criaturas convencionais precisam ser estudadas com
o mesmo empenho e paixão — pois elas são igualmente importan
tes para o quadro geral.
Derek Briggs entregou-se ao estudo dos artrópodes bivalves —
obviamente o grupo mais convencional da fauna de Burgess. Ele es
creveu uma série de excelentes monografias sobre esses animais, en
contrando algumas surpresas mas também confirmando algumas ex
pectativas. Eu não tinha avaliado o papel central que o trabalho de
Briggs acerca dos artrópodes bivalves desempenhou na transforma
ção de Burgess. Ao ler as monografias de Derek, reconhecí meu er
ro, com um pouco de vergonha, e passei a ver Harry, Derek e Si-
mon como um trio de iguais, cada um com um papel distinto e ne
cessário no conjunto do drama.
Walcott e outros autores haviam descrito cerca de uma dúzia
de gêneros de artrópodes dotados de carapaça bivalve (usualmente
envolvendo toda a cabeça e a parte anterior do corpo). Vários des
ses gêneros não podem ser classificados com segurança pois apenas
as carapaças foram encontradas, não havendo sinal de suas partes
moles. Os outros gêneros, sem qualquer dúvida ou hesitação, sem
pre foram identificados como crustáceos — tal como todos os ar
trópodes modernos possuidores de carapaça bivalve. Derek Briggs
(*) Não digo isto com a intenção de fazer críticas ou denúncias. A imprensa
tem estado à altura do papel que lhe cabe executar. Apenas chamo a atenção para
o fato de que abordagens diferentes contemplam apenas determinadas partes de um
todo — tal como no desgastado símile do cego e o elefante — e que se pode cometer
um enorme erro ao confundir uma porção pequena e pouco representativa com a
entidade a que ela pertence.
179
iniciou seu projeto sem qualquer dúvida consciente: “ Havia algu
mas descrições a serem refeitas. Presumi que estaria lidando com
um punhado de crustáceos” .
Briggs descreve duas notáveis descobertas em sua primeira mo
nografia a respeito dos artrópodes bivalves de Burgess Shale. Junte
a isso as estranhas criaturas de Simon e os artrópodes órfãos de Harry
e você terá, em 1978, uma exposição inteiramente nova e bem arti
culada de como se deu a evolução da vida animal multicelular.
1) Branchiocaris, a primeira descoberta. Os crustáceos são um
grupo enorme e diversificado — desde os quase microscópicos os-
tracodos, cujo corpo é todo coberto por uma carapaça bivalve se
melhante às conchas de um mexilhão, até os caranguejos gigantes
do Pacífico, com tenazes que chegam a alcançar até 3,5 metros de
comprimento. Não obstante, todos são construídos de acordo com
um projeto fundamental estereotipado, com uma clara assinatura
na estrutura da cabeça. A cabeça dos crustáceos é o resultado da
fusão de cinco segmentos originais, com o acréscimo dos olhos. Por-
tanto, estão presentes cinco pares de apêndices — e dispostos num
arranjo definido: dois pré-orais (em geral antenas) e três pós-orais
(comumente peças bucais).* Como todos os artrópodes bivalves mo
dernos são crustáceos, Briggs presumiu que iria encontrar essa assi
natura frontal em seus espécimes. Mas Burgess logo proporcionou
mais uma surpresa.
Em 1929, Charles E. Resser, o braço direito de Walcott no Ins
tituto Smithsomano, descreveu um espécime de Burgess como sen
do o crustáceo^ P ro to c a ris p r e tio s a . O gênero P ro to c a ris fora esta
belecido em 1884 pelo propno Charles Doolittle Walcott, em seus
t r S n n õ ^ artróP°de d° Cambriano encon-
trado no Parker State, no estado de Vermont. Resser julgou que o
animal de Burgess estivesse suficientemente próximo para ser incluído
" ° T r t o Z l i n f ' SCOrdOU e cri0" 0 ^ n e r o BrancUocaris.
Bnggs conseguiu reunir um total de cinco espécimes - aquele
descrito por Resser, mais três da j 4
cuia Darte foi enmntraHa n co*eçao de Walcott e um quinto
cuja parte fo, encontrada por Raymond, em 1930, mas cuja contra-
180
ran
181
presa Vêenr^ e ^ r a n c ^ o c a r ‘f< porém, constituía uma grande sur-
para a frente e Cara™ente dois Pares de apêndices curtos voltados
convencí o T ^ * 8 a “ tonas - o primeiro de aparência
mais peculiar fortè Umrreme e com diversos segmentos; o segundo
uma garra ou urm CConstltuido de Poucos segmentos, talvez com
de “aoêndiee • Pin.ça na P°nta- Briggs chamou este segundo par
plexo diante ? nncipal” ~ da mesma forma que Whittington, per-
“grande apêndte” . eStrUtUra SÍmilar em Y o h o i a , inventou o termo
182
algum dos artrópodes de Burgess aceitaria fazer parte de um dos
grupos modernos em que Walcott, com o auxílio de sua calçadeira,
os enfiara?
Canadaspis é o segundo animal mais comum de Burgess Shale.
É grande pelos padrões de Burgess (até 7,5 centímetros de compri
mento) e tende a ser preservado com uma conspícua cor avermelha
da. A criatura tem uma carapaça bivalve mas, como Briggs logo des
cobriu, sua anatomia é muito diferente da de Branchiocaris.
Num artigo publicado em 1977, Briggs situou duas espécies bi-
valves num novo gênero, Perspicaris. Suas reconstituições sugeriam
coisas excitantes, mas a raridade dos espécimes e seu mau estado
de preservação tornaram impossível qualquer conclusão definitiva.
Ele não podia provar a existência de uma afinidade filogenética, mas
nada do que se sabia acerca dessas duas espécies excluía a possibili
dade de pertencerem ao grupo dos crustáceos. Será que finalmente
havia sido encontrado um representante de um grupo moderno?
Em 1978, Briggs elucidou esta questão de modo elegante e de
finitivo. Sua longa monografia sobre a bem preservada e supera-
bundante Canadaspis perfecta por fim colocou uma criatura de Bur
gess em um bem-sucedido grupo moderno. Canadaspis não apenas
era um crustáceo como também se podia determinar sua posição
183
dentro desse filo Qn w
representante do ara^H °S^ S era um malacostráceo primitivo — um
lagostas. Brigas enrvTf6 grupo dos caranguejos, dos camarões e das
tipo dos malacostrá ° r° U todos os elementos do complexo estereó-
com cinco pares de „Ceos ,na anatomia de Canadaspis: uma cabeça
°s olhos; um tórax c*5611 1CeS e.constituída de cinco segmentos mais
men (porção posteri^ri ^ média^ cortl oito segmentos; e um abdô-
so> os cinco pares de ’ C? n\ sete segmentos e mais o telso. Além dis-
com dois pares de ant apen ,es estão dispostos na ordem correta,
Pares de apêndice* „QC? aS-Uldrremes curtas na frente da boca e três
nais não têm apêndi ° 3tras ^ a ^oca-* ®s segmentos abdomi-
de apêndices birreme6^ ^ Ca<3a seSmento torácico possui um par
e um ramo branouiai^w 1008’ C° m Um ramo interior- 0 da Perna’
A brevidade desta de n0r~ ^ larg° (figs‘ 3 3 1 e 3 J 8 ) ’
nadaspis no contexto da T °~'diminui a ™ Portância de Ca-
tranho torna necessário e orniula<^ao de Burgess. Um animal es-
ridade seja exDliVaria- Um tGXt° mais ,ong° para que sua singula-
Plesmente como “ n a r * cr'atura familiar pode ser definida sim-
Todavia, Canadaspis & C° m Joe’ que todo mundo conhece” .
Para a história de Buraess°„meSm° temp° Uma chave e uma ancora
> a criatura tão importante quanto qual-
Uás das conclusões expôsta^mm”!3 'dé!f de. quanta luta e esforço podem estar por
ressante nota em que Derek RHo« 3013 rcv'dade em meu texto, considere esta inte-
pis transformou-se numa b u s e / f COmenta este trech°: “ O trabalho com C a n a d a s -
era de que seriam muito peauenasa pnm®ir°. crustáceo [...] Na época, a expectativa
pudesse pertencer a grupos mnH» S pr°kabilidades de que qualquer dos artrópodes
consistia em reunir as decisivas eviHa°S’ Em S6 tratando de C a n a d a s p is , o problema
enores. O u s n m 1 8 9 0 1 7 fnúmprr, ncias rePresentadas pelos apêndices cefálicos pos-
C1f ’ no Museu Nacional dos Esrad 6 C^tá!°s ° de um espécime de importância cru-
tres (dentre milhares) desses esné ^ Umd° S] é.° me,hor entre os apenas cerca de
ros (eles quase sempre estão totalm65 dUC perm'tem uma visão lateral desses mem-
6tC') e’ c°mo você pode ver na Pranrh ^te obscurecitlQs pela carapaça, compactação
mostrar isso representou um enorme trah ,íBri| êS’ l978i ’ Preparar o espécime para
a Prancha representam o máximo n„» Em minha opinião, as figs. 6 6 - 6 9 des-
em serie de partes e contrapartes Deniv a Ser alcançado em matéria de preparação
vencer Sidnie Manton (guru de Harrv n ^ ,SS° dve um trabalho danado para con-
mente dispunha de indícios cruciais — ° ^ tange aos artrópodes) de que eu real-
hzaçao! [Manton era a maior autoridad! ?,CaS'â° ®U considerei isso uma grande rea-
em termos das categorias taxonôm icast mUnd° Cm das^ icação de artrópodes
tratava apenas de encontrar espécimes e^ Penores e ™ osso duro de roer.] Não se
necessar,0 demonstrar que os primeiros d o i ^ ° S apêndices Pudessem ser vistos; era
no n i T T !emelhant« Pertenciam à de Uma série de d“ Pa™ de apên-
Pois deles” .£ 330 “ signif'cativamente difeTentesToÍapênd5 f° SSem
tes uos apendices que vinham de-
184
3 .3 8 . O c r u s tá c e o v e r d a d e iro Canadaspis.Os c in c o s e g m e n to s d a c a b e ç a p o s s u e m
d o is p a r e s d e a n te n a s e trê s p a r e s d e a p ê n d ic e s p o s te r io r e s à b o c a , s e n d o q u e o s d o is
ú ltim o s s ã o u m a c o n tin u a ç ã o d o s a p ê n d ic e s b ir r e m e s d o c o r p o e tê m f o r m a s im ila r
à d e s te s. D e s e n h o d e M a r ia n n e C o iiin s .
185
da fauna dotarin^H?1811108 de Burgess, mesmo entre os membros
encaixam-se comoria** C° rpos constituídos apenas de partes moles,
sim a importância d a T ^ ^ grupos modernos — acentuando as-
malidade. Em 1977 cnaturas estranhas como acréscimos à nor-
ros de vermes nrin ’ onwaY Morris reconheceu seis ou sete gêne-
por três filo, l , . PUhde° S entre organismos que Walcott espalhara
oceanos modern<a^Uet° S’ crus,taceos e equinodermos). Embora nos
cerca de dez gên ern i pnapulldeos formem um pequeno filo, com
de Burgess Shaie m ’ 6 68 prec*om*navam entre a fauna de vermes
deos de Burgess) P3rte d° capítul° 5 é dedicada aos priapulí-
Nnm^° c L u a iJ l c a Ç a o de um raciocínio:
ola e Aysheaia, 1977-1978
APÓS um terceiro ato t'
curto, para assinalar de mÍ° extenso Precisamos de um quarto, m:
cidação de dois im p o rtan tes^ 1^ Cm grande parte simbólica, a el
outras razões que não apenasl061X18 de Burgess Que se destacam p
se impossíveis de se pronunciai n° mes carregados de vogais e qu
187
rr*
A 3 .4 0 . D e te r m in a ç ã o d a a fin id a d e
l a x o n ô m ic a d e Naraoia p o r d isse c a ç ã o .
A ) U m e s p é c im e c o m p l e t o a n te s d a
d iss e c a ç ã o . 13) O m e s m o e s p é c im e ,
d is s e c a d o p a r a e x p o r a s p e r n a s
n o p o n t o e m q u e e la s s e lig a m a o
c o r p o . C ) D e s e n h o e m c u m a r u lú c id a
d e u m e s p é c im e d is s e c a d o ,
y i s to q u e a c o n fig u r a ç ã o d a s p e r n a s
e tip ic a m e n te a d e u m tr ilo b ito ,
Naraoia é id e n tific a d a c o m o s e n d o
o p r im e ir o tr ilo b ito b iv a lv e c o n h e c id o .
À \ 188
tomia das partes moles; a maioria dos espécimes exibe apenas as ex
tremidades distais dos apêndices, que se projetam para fora das bor
das da carapaça (fig. 3.39). Como são as extremidades proximais
(e invisíveis) que proporcionam a base taxonômica primária para
a identificação dos grupos de artrópodes — tanto pela forma quan
to pelo padrão de inserção no corpo — Naraoia corria o risco de
jamais ser corretamente interpretada.
Whittington resolveu o dilema com sua descoberta relativa à
estrutura tridimensional dos fósseis de Burgess. Ele percebeu que
poderia dissecar através da sólida carapaça de modo a revelar as ex
tremidades proximais dos apêndices e os seus pontos de inserção.
Ao penetrar na carapaça de Naraoia (fig. 3.40) ele expôs os apêndi
ces o suficiente para poder contar seus segmentos e tornar visíveis
suas extremidades proximais, inclusive as gnatobases e os sulcos ali
mentares. Whittington também teve uma das grandes surpresas de
sua vida profissional. Ele estava olhando para o ramo da perna do
animal que ele melhor conhecia — um trilobito. A não ser por uma
vaga similaridade nas linhas gerais, porém, a carapaça, com suas
duas valvas, pouco se parecia com o exosqueleto de um trilobito.
A maioria dos trilobitos apresenta-se dividida em três partes: cabe
ça, tórax e pigídio. (Ao contrário do que pensa a maioria das pes
soas, não foi essa divisão que deu origem ao nome “ trilobito” , que
significa “ trilobulado” . A referência aos três lóbulos diz respeito
à tripla divisão longitudinal em um eixo central e duas regiões late
rais que recebem o nome de pleuras.)
Whittington também encontrou em Naraoia outros traços típi
cos dos trilobitos, em especial a característica segmentação da cabe
ça, com um par de antenas pré-orais unirremes e três pares de apên
dices ventrais pós-orais. Apesar da estranha carapaça, Naraoia era
com certeza um trilobito. Assim, ele descreveu esse gênero como uma
classe nova e independente dos Trilobita. Ele escreveu com mal dis
farçada alegria e um toque pessoal pouco comum em seus escritos
— e por que não, já que Harry é o grande especialista em trilobitos,
internacionalmente reconhecido. Aqueles eram os seus bebês e ele
havia acabado de dar à luz uma criança assombrosa e diferente:
A primeira escavação foi ao mesmo tempo surpreendente e excitante
[...] A nova reconstituição mostrava um animal muito diferente da
queles produzidos pelas reconstituições de Walcott e de outros [...] mui
to mais semelhante a um trilobito do que se pensara. Na verdade, con
cluí que N a r a o i a era um trilobito que havia perdido o tórax e eoloquei-o
numa ordem separada dessa classe (1977, p. 411).
189
Essa mudança pode parecer insignificante, uma transferência
de um grupo bem conhecido para outro e, portanto, um aconteci
mento de pouco interesse conceituai em meio a toda a agitação e
descobertas de Burgess. Nem tanto. A classificação de Naraoia é a
peça final de um quebra-cabeças e mostra que o padrão básico de
Burgess — disparidade anatômica além dos limites de variação das
épocas posteriores aplica-se a todos os níveis. As estranhas e des
conhecidas criaturas de Simon haviam confirmado o padrão no ní
vel elevado dos filos, os planos básicos da vida animal. As mono
grafias de Whittington haviam contado a mesma história no próxi
mo nível mais baixo de disparidade dentro dos filos — grupo após
grupo de artrópodes orfanados indicava que a anatomia de Burgess
estendia-se para muito além da amplitude de variação de qualquer
época posterior. E isto apesar do grande aumento no número de es
pécies de artrópodes, inclusive a moderna fauna de insetos, com qua
se um milhão de espécies descritas. Agora Harry demonstrara no
vamente o mesmo padrão no nível de disparidade mais baixo den
tro dos grandes grupos de um filo. Ele havia descoberto uma aparente
contradição em termos um trilobito de corpo mole com uma ca
rapaça formada por duas valvas. (Em 1985 ele iria descrever um se
gundo trilobito de corpo mole, Tegopelte gigas, um dos maiores ani
mais de Burgess, com cerca de trinta centímetros de comprimento,
de maneira que Naraoia não é uma solitária extravagância entre os
trilobitos.) O padrão de Burgess parece exibir um caráter “ fractal”
de mvariância através das escalas taxonômicas: levante o telescópio
ou espie pelo microscópio e você verá a mesma imagem - grande
íspari a e entre os organismos de Burgess, seguida de dizimação
e diversificação dentro dos poucos grupos sobreviventes.
A monografia sobre Naraoia representou um divisor de águas
conceitua para Whittington. Ele finalmente fez o enterro oficial da
c asse ri o ítoi ea, visto ser uma lata de lixo artificial sem valida-
e evo u iva. e por fim havia se permitido encarar os artrópodes
de Burgess como uma série de designs singulares, além dos limites
de vanaçao dos grupos posteriores-
190
útil e uma nova base para a avaliação das afinidades tilogenéticas está
emergindo (1977, p. 440).
A monografia seguinte de Harry, a respeito de Aysheaia, inicia-
se com o mais explícito reconhecimento da nova visão: “ Os animais
desta comunidade incluem uma espantosa variedade de artrópodes
e também formas bizarras, tais como aquelas descritas por Whit-
tington e Conway Morris, que, como Aysheaia, não podem ser pron
tamente colocadas nos taxa superiores modernos (1978, pp. 166-7).
Aysheaia foi talvez o mais famoso e o mais amplamente discutido
organismo de Burgess — por uma interessante razão ligada aos con
ceitos de “ primitivo” e “ precursor” . Walcott (191 lc) havia descri
to Aysheaia como um verme anelídeo mas seus colegas logo obser
varam com excitação que, ao menos superficialmente, a criatura qua
se não podia ser distinguida de um pequeno grupo de invertebrados
rnodernos chamados onicóforos, representados basicamente por um
gênero com o adorável nome de Perípatus. Os onicóforos possuem
uma mistura de características de anelídeos e de artrópodes, razão
pela qual muitos biólogos consideram este grupo uma das raras for
mas de ligação (elos “ não-perdidos” , se você preferir) entre dois fi-
los. Mas os modernos onicóforos são terrestres, ao passo que a tran
sição de anelídeo para artrópode, ou a derivação de ambos a partir
de um ancestral comum, deve ter ocorrido no mar. Além do mais,
os modernos onicóforos sofreram mais de 550 milhões de anos de
evolução desde o suposto elo entre anelídeos e artrópodes e não po
deríam ser vistos como cópias diretas da forma de transição. Um
onicóforo marinho do Cambriano seria uma criatura extremamen
te importante do ponto de vista evolutivo — e Aysheaia, interpreta
da por todos como sendo exatamente isso (Hutchinson, 1931),
transformou-se num herói de Burgess. O grande ecólogo G. Evelyn
Hutchinson, que realizara importantes estudos acerca da taxonomia
de Perípatus, na África do Sul, e que recordando sua profícua car
reira do alto dos seus noventa anos de idade ainda coloca seu traba
lho sobre Aysheaia entre os mais significativos que fizera (entrevis
ta em abril de 1988), escreveu:
Em Aysheaia temos um organismo vivendo em uma época muito re
mota, em condições ecológicas completamente diferentes daquelas ex
perimentadas pelas espécies modernas, e que, não obstante, tinha em
vida uma aparência externa que deve ter sido extraordinariamente se
melhante à dos representantes modernos do grupo (1931, p. 18).
Aysheaia possui um corpo cilíndrico, organizado em anéis ou
191
segmentos que se repetem no sentido do comprimento do animal,
e com dez pares de membros igualmente organizados em anéis e li
gados às laterais do corpo, próximos à superfície inferior e aponta
dos para baixo, presumivelmente usados na locomoção (figs. 3.41
e 3.42). A extremidade anterior não está separada do restante do
corpo por nenhuma espécie de divisão e, portanto, não existe cabe
ça bem definida. Ela possui um único par de apêndices, muito se
melhante aos outros na forma e na organização em anéis porém in
seridos em pontos mais elevados das laterais do corpo e apontando
para os lados. A boca terminal (um traço no centro da superfície
frontal) é rodeada por seis ou sete papilas. Os apêndices da cabeça
apresentam três extensões espinhosas em suas extremidades e mais
três espinhos ao longo da borda anterior. Os membros do corpo ter
minam numa ponta rombuda, com um grupo de até sete minúscu
las garras curvadas. Espinhos maiores saem dos membros propria
mente ditos. Esses espinhos estão ausentes no primeiro par, apon
tam para a frente nos pares 2-8, e para trás nos pares 9-10.
Whittington combinou essas informações anatômicas com ou
tros dados para reconstituir um modo de vida interessante e inco-
mum para Aysheaia. Em cerca de seis dos dezenove espécimes de
Aysheaia, ele encontrou restos de esponjas — uma associação qua
se nunca encontrada nos outros organismos de Burgess. Whitting-
ton presumiu que Aysheaia poderia ter se alimentado de esponjas
e também vivido entre elas para se proteger de eventuais predadores
(fig. 3.43). As minúsculas garras terminais dos membros não teriam
sido eficientes na lama, mas possivelmente o ajudariam a subir nas
192
’42' . Reconstituição de A y sh e a ia /e /to por Whittington (1978). A) Aspecto do ani-
ma v*s*° de cima. B) O animaI visto de lado; pode-se ver no alto o anel de tentáculos
em redor da boca terminal; a superfície dorsal está à direita.
193
esponjas e a manter-se agarrado a elas. Os apêndices anterio ^
poderiam ter levado alimento diretamente para a boca mas ,
servissem para lacerar as esponjas com os espinhos, permi 1
o animal absorvesse os sucos nutritivos e os tecidos moles. .
ras e espinhos voltados para trás, presentes nos membros PoS
res, poderiam ter atuado como âncoras para manter o anim
lugar quando posicionado em ângulos estranhos. gX-s.
Mas Aysheaia era um onicóforo? Whittington admitiu a ^
tência de algumas impressionantes semelhanças nos apêndices ^
riores, nos membros curtos e unirremes e no fato de o corpo
membros serem organizados em anéis. Todavia, também m
nou algumas diferenças, inclusive a inexistência de mandíbulas IP
sentes nos modernos onicóforos) e o término do corpo na a' tur^ . _
último par de membros (o corpo se estende mais para trás nos
cóforos modernos).
Na opinião de Whittington, essas diferenças ocasionavam
vidas suficientes para excluir Aysheaia do grupo dos onicóforos^
para reconhecer esse gênero, ainda que provisoriamente, como
grupo singular e independente. Citando as lições proporcionadas P
los outros gêneros, ele escreveu: “ Aysheaia, assim como outros
mais de Burgess tal como Opabinia, Hallucigenia e Minornisc
não pode ser acomodada prontamente em qualquer das categor
superiores que existem atualmente” (1978, p. 195).
Eu considero estas palavras momentosas e (simbolicamente, Pe
menos) como o término da transformação de Burgess. Ironicamen
te, digo isso porque acho que, por uma vez, Harry provavelmente
estava errado a respeito de Aysheaia. Penso que, pesando-se os in
dícios, Aysheaia deveria ser mantida entre os onicóforos. As simi
laridades são impressionantes e anatomicamente profundas e as di
ferenças superficiais e sem grande importância evolutiva. Dentre as
duas principais diferenças encontradas por Harry, as mandíbulas po
deriam simplesmente ter evoluído numa época posterior. As estru
turas podem ser acrescentadas ao longo da evolução desde que as
anatomias ancestrais não tornem impossível seu desenvolvimento-
Foi exatamente isso que aconteceu com pelo menos um proeminen
te grupo de Burgess. Embora os poliquetos de Burgess não possuís
sem mandíbulas, elas evoluíram na época do Ordoviciano e têm-se
mantido desde então. Quanto ao prolongamento do corpo para além
dos dois últimos pares de membros, isso me pareceu uma mudança
evolutiva fácil de ocorrer, inteiramente dentro da capacidade de um
grupo amplo como os onicóforos. O paleontólogo americano Ri-
194
chard Robinson elaborou uma lista muito maior de diferenças entre
Aysheaia e os modernos onicóforos e, não obstante, admite que Ays-
hmict faz parte do grupo. A respeito da segunda grande diferença
encontrada por Whittington, ele escreveu o seguinte:
Nos onicóforos terrestres, o prolongamento do corpo para além do
ultimo par de membros posteriores parece representar nada mais do
que uma pequena modificação para melhorar as condições sanitárias
através de um ligeiro deslocamento do ânus. Tal característica é me
nos importante nos animais que vivem na água, onde as correntes fa
cilitam a remoção dos resíduos tóxicos para longe do corpo. Assim,
a forma da parte posterior do corpo talvez seja mais indicativa de há-
bitat do que de afinidades filogenéticas (1985, p. 227).
195
, Si*
conhecida, passando pela cascata de fantásticas maravilhas e ^
mon e chegando à plena aceitação da singularidade taxonômica ^
mo hipótese a ser em princípio preferida. Um breve período e
anos e um novo mundo!
196
esforço coerente. As reconstituições da última década incluem al
gumas das mais estranhas e excitantes criaturas de Burgess. Mal posso
esperar para ler o Ato 6.
A sa g a c o r r e n te d o s a r t r ó p o d e s d e bu rg ess
Órfãos e especialistas
197
dotados de membros tipicamente birremes, com a possível exce
de dois primeiros pares. Tares.
Odaraia exibe também duas especializações únicas e pecu i
Este animal possui uma cauda dotada de três pontas (fig- 3.4 )> _
dois lobos laterais e uma projeção dorsal — um a estrutura
que lembra mais as baleias e os tubarões do que as lagostas.
3.44. Reconstituição do artrópode Odaraia feita por Briggs (1981a). A) Animal visto
de cima, mostrando a carapaça bivalve como se fosse transparente afim de revelar
a anatomia das partes moles situadas abaixo dela. Observe a saliência dos olhos na
frente da carapaça e, atrás, o arranjo da cauda trifurcada. B) Animal visto de lado-
198
3.45. Odaraia, nadando de costas. Os numerosos apêndices birremes podem ser
vistos através da carapaça tubular transparente. Observe também os grandes olhos
frontais, a curiosa cauda, situada na parte de trás, e o único par de apêndices ali
mentares, posteriores à boca. Desenho de Marianne Collins.
199
simples . Em setembro de 1988, Derek escreveu-me, fazendo uma
avaliação de sua monografia de 1981, e disse-me o seguinte: “Oda-
raia revelou-se não apenas taxonomicamente incomum porém, mais
importante em minha opinião, funcionalmente única entre os ar-
trópodes” .
Foi também em 1981 que David Bruton publicou uma mono
grafia sobre Sidneyia, já discutida nas pp. 87-96. A elucidação de
Sidneyia constituiu-se num importante marco no estudo dos artró-
podes de Burgess, e isso por duas razões. Em primeiro lugar, há mui
to tempo que Sidneyia tem desempenhado o papel de elemento cen
tral ou símbolo da fauna de Burgess. Walcott considerou esse gêne
ro o maior dos artrópodes de Burgess (hoje sabemos que o trilobito
de corpo mole Tegopelte e um ou dois artrópodes bivalves eram
maiores). Além do mais, ele supôs equivocadamente que um apên
dice eriçado de espinhos, encontrado separadamente, pertencesse à
cabeça de Sidneyia (pois ele não conhecia nenhum outro animal gran
de o suficiente para possuir tal apêndice). Com esse acréscimo Sid
neyia passou a ser não apenas grande mas também feroz. Visto que
nossa cultura valoriza essas características, Sidneyia chamou aten
ção. (Um psicólogo amigo meu explica a fascinação de nossa socie
dade pelos dinossauros através de uma simples lista — “ grandes,
ferozes e extintos” . Sidneyia, na versão de Walcott, era todas essas
três coisas.) Na revisão de Bruton, ainda era um predador, mas o
par de membros pertence a Anomalocaris. Sidneyia não possui ne
nhuma estrutura alimentar na cabeça.
Em segundo lugar, Sidneyia foi a primeira forma a ser redes-
crita no último e potencialmente coerente grupo dos artrópodes de
Burgess os assim chamados “ merostomóides” . Embora não es
tivesse sendo fácil conservar a esperança de colocar algum dos gran
des grupos de Burgess dentro de taxa modernos, os “ merostomói-
des representavam uma última oportunidade para o tradicionalis-
mo. Os merostomados são um grupo de artrópodes marinhos que
inclui os modernos límulos e os euripterídeos fósseis. Juntamente
com os escorpiões, as aranhas e os carrapatos, eles formam um dos
quatro grandes grupos de artrópodes, os quelicerados. O modelo
básico dos quelicerados — evidenciado com mais clareza nos eurip
terídeos do que nos límulos — inclui uma forte carapaça da cabeça,
um tórax constituído de diversos segmentos amplos, com a mesma
largura da cabeça, e uma cauda mais estreita, muitas vezes forman
do um ferrão. Vários gêneros de Burgess, incluindo Sidneyia, com
partilham esta forma básica.
200
Bruton frustrou a última esperança do tradicionalismo ao mos
trar que Sidneyia não poderia ser um parente próximo ou um an
cestral dos merostomados. O corpo “ merostomóide” não define um
grupo evolutivo coerente e sim uma série de criaturas díspares uni
das apenas pelo que em nosso jargão chamamos de um traço sim-
plesiomórfico (uma característica primitiva compartilhada por to
dos os membros da série). Essas características primitivas comuns
são ancestrais para grandes grupos e, portanto, não podem definir
subgrupos dentro do conjunto. O simples fato de possuírem cinco
dedos, por exemplo, não faz com que os ratos, os seres humanos
e os ancestrais dos cavalos constituam um grupo genealógico den
tro dos mamíferos. A presença de cinco dedos é uma característica
ancestral para os mamíferos como um todo. Algumas criaturas re
tiveram essa condição inicial; muitas outras desenvolveram modifi
cações. O corpo de forma “ merostomóide” é uma característica pri
mitiva compartilhada por muitos artrópodes. Os verdadeiros gru-
3.46. Sidneyia vista de ângulos diferentes: no alto, aspecto do animal visto de bai
xo, mostrando a form a dos membros e a inserção dos olhos e das antenas; embaixo,
o animal visto de cima. Desenho de Marianne Collins.
201
pos genealógicos, ao contrário, baseiam-se no compartilhamento de
características derivadas — as especializações únicas de seus ances
trais comuns.
Os verdadeiros quelicerados possuem seis pares de apêndices
e nenhuma antena na carapaça da cabeça. No que diz respeito a es
se aspecto fundamental, Sidneyia não poderia ser mais diferente.
A cabeça (fig. 3.46) tem um par de antenas e nenhum apêndice! Bru-
ton chegou à conclusão de que Sidneyia representava um curioso
mosaico de características. Os quatro primeiros dos nove segmen
tos do corpo possuem pernas locomotoras unirremes semelhantes
àquelas dos merostomados. Os cinco segmentos posteriores, no en
tanto, têm apêndices birremes comuns, com ramos branquiais e per
nas locomotoras. A região da “ cauda” , constituída por três segmen
tos cilíndricos e um leque caudal, assemelha-se mais à dos crustá
ceos do que à dos merostomóides. Bruton encontrou ostracódios,
hiolítidos e pequenos trilobitos no intestino de Sidneyia e interpre
tou o animal como um carnívoro que vivia no fundo do mar. Toda
via, em virtude da ausência de apêndices alimentares na cabeça e
da existência de um nítido sulco alimentar entre as pernas, pode
mos presumir que Sidneyia alimentava-se como a maioria dos ar-
trópodes, fazendo o alimento chegar até a boca a partir da parte
posterior do corpo e não procurando e apanhando o que estivesse
à frente.
O ano de 1981 foi fundamental para os artrópodes de Burgess
e para a debandada final dos últimos remanescentes da esperança “ me-
rostomóide” porque, no mesmo ano de Odaraia e Sidneyia, Whit-
tington publicou sua monografia “ operação limpeza” : “ Artrópodes
raros de Burgess Shale, Cambriano Médio, Colúmbia Britânica” . A
maioria ou todos esses animais haviam caído (ou teriam, se fossem
conhecidos na época) dentro do grupo dos “ merostomóides” . Whit-
tington, porém, não pôde reconstituir nenhum deles como quelicera
dos. Todos tornaram-se órfãos, artrópodes únicos desvinculados fi-
logeneticamente de qualquer outro organismo conhecido.
Molaria possui uma grande carapaça da cabeça, moldada na for
ma de um quarto de esfera e seguida por oito segmentos torácicos
que diminuem de tamanho à medida que se aproximam da parte pos
terior do corpo. Este termina num telso cilíndrico, com um espinho
posterior articulado bastante longo, mais comprido do que o próprio
corpo (fig. 3.47). Embora esta forma básica seja impecavelmente “ me-
rostomóide , a cabeça possui um par de antenas curtas seguidas por
tres pares de apêndices birremes.
202
Apesar de Habelia ter a mesma forma básica de Molaria, Whit-
tington relacionou um impressionante conjunto de diferenças, al
gumas de grande significado taxonômico. A carapaça é coberta de
tubérculos — uma diferença superficial porém visualmente marcante
(fig. 3.48). O tórax possui doze segmentos, sem telso cilíndrico. O
aguilhão da cauda tem farpas e arestas, e não é segmentado, embo
ra apresente uma única articulação na altura do final do segundo
terço a partir da base. A cabeça apresenta um par de antenas e ape
nas dois pares de apêndices ventrais subseqüentes. Os seis primeiros
segmentos torácicos possuem apêndices birremes mas os últimos seis
provavelmente têm apenas os ramos branquiais (em Molaria todos
os oito segmentos do corpo têm apêndices birremes).
Whittington também descobriu um novo gênero de artrópodes
— uma criatura complexa e minúscula com pouco mais de um cen
tímetro de comprimento (fig. 3.49). Neste animal extraordinário e
203
Pode tuberculado Habelia. Desenho de Marianne i
205
tremarnente particular a i
os limites das caract ' • Se eçao f^os gêneros] aqui abordada amplia
e aumenta a varier^?^)35 n?0r^°*°8icas dos artrópodes não-trilobitos
(1981, p. 332) 2 6 e diferentes combinações de características
£m | ^
golpe de misericórd?n I ^ it t in g t o n associaram-se para desferir o
portantes de Burees-T escrevenc*° os dois últimos artrópodes im-
derradeiros memhrr. a grandes Emeraldella e Leanchoilia, os
Stdrmer. S 0 esacreditado grupo Merostomoidea, de
A> *” *'“ » • * M W , ,w u u m , 0.
206
•3.5/. Emeraldella, vista de cima (A) e de lado (B), apoiando-se no substrato. Os
minúsculos ramos branquiais dos apêndices birremes indicam que este animal cami
nhava sobre o fundo do mar.
207
sentando anéis na última metade de sua extensão. O quarto segm ^
tem uma haste afilada, terminando dorsalmente num grupo e
garras e estendendo-se ventralmente como uma terceira estrutura ^
forma de chicote e dotada de anéis. As diferentes orientações e ^
rios espécimes indicam que o grande apêndice girava sobre sua
(fig. 3.53) e podia estender-se para frente, a fim de auxiliar e
choilia a firmar-se sobre o substrato (fig. 3.54), ou curvar-se P ^
trás, talvez para reduzir a resistência da água quando o anima es
vesse nadando. Os apêndices birremes nos proporcionam evid nC
adicionais de que se tratava de um animal basicamente nadador,
contrário de Emeraldella, com suas longas pernas locomotoras e P
quenos ramos branquiais, Leanchoilia possui ramos branquiais a ^
grandes que formam uma verdadeira cortina de lóbulos lamela 0
sobrepostos, cobrindo completamente e estendendo-se para além 0
curtos ramos da perna situados embaixo deles. ,»
A redescrição completa de todos os gêneros “ merostomóides
induziu Bruton e Whittington a refletirem a respeito da inacre 1
vel disparidade descoberta sob a similaridade superficial do aspecto
exterior. Considere apenas o arranjo dos apêndices da cabeça uma
208
A
I IQmrn |
209
3.54. Leanchoilia vista de dois ângulos diferentes: ao alto, em posição Ricota
com os grandes apêndices dobrados para trás e os tentáculos em forma apên-
estendendo-se para além do comprimento do corpo; embaixo, com os gra ^
clices estendendo-se para frente afim de auxiliar o animal a apoiar-se so re
Desenho de Marianne Collins.
(*) O autor faz um trocadilho com os termos claw , “ garra**, e Santa Claas ,
“ Papai Noel” . (N. T.)
210
acaba fazendo uma coisa útil. Quando, após sublime paciência e pro-
undas dificuldades, foi negada a Des Collins permissão para efe-
uai escavações na pedreira de Walcott, sendo-lhe autorizado ape
nas coletar espécimes na vertente da montanha (sob restrições adi
cionais e com delongas quase intermináveis), ele percebeu que teria
6 transferir para outro local seu interesse por Burgess.*
de começou a procurar por fósseis equivalentes aos
urgess nas áreas circunjacentes, onde a coleta e a escavação po
diam ser autorizadas. Ele teve grande êxito, encontrando fósseis de
^ imais de corpo mole em mais de doze locais das proximidades.
maioria desses agrupamentos de fósseis continham as mesmas es-
tá v ^ pedre’ra de Walcott, mas Collins também fez algumas no
táveis descobertas próprias. Numa localidade situada oito quilôme-
os ao sul da pedreira de Walcott (Collins, 1985), e trinta metros
caj 1X0 na secinência estratigráfica, Collins fez a descoberta da dé-
n —- um artrópode grande, com tantos apêndices cobertos de es-
t r ^ °iti601 SUa ca'3e<^a ^ue Collins, seguindo uma velha tradição do
^ a a o d e campo, deu-lhe um apelido. Assim como Walcott cha-
c - arrella de “ caranguejo rendado” , Collins batizou sua des-
g rj 6rta de ^anta Claws” . Trabalhando em conjunto com Derek
ggs, Collins já formalizou esse nome em sua descrição técnica
^Hggs e Collins, 1988). “ Santa Claws” agora é, oficialmente, Sanc-
aaris, o que significa quase a mesma coisa.
Carapaça da cabe?a de Sanctacaris é bulbosa, mais larga do
t . C comPrida, e estende-se lateralmente formando uma projeção
suangUlar ac^atada em cada lado da cabeça (fig. 3.55). O corpo pos-
mès°nZe Segmentos lar8 °s» os dez primeiros com apêndices birre-
^ eS' A extremidade posterior termina num telso largo e achatado.
bre°mk 'naÇa° ^ormada Por grandes ramos branquiais lamelados so-
os apêndices do corpo e um telso largo, bastante apropriado pa-
^ ^ ®u’ ma's que ninguém, estou comprometido com a “ ecologia” (no sen-
<tua.scetnaCU'ar 6 podt'co de deixar a natureza em paz), e certamente penso que a
fóssã Sa^ rac*a 'nte8r>dade dos parques nacionais deve ser respeitada. Todavia, um
de sinS° i re ° S0'° ’ nao tem ubsolutamente nenhum valor. Não se trata de um objeto
ral , 8 . e pristina beleza ou de uma parte permanente de qualquer cenário natu-
ja So,tPeCÍalmCIUe n° CaS° de *°sse‘s expostos nas paredes das pedreiras). Caso este-
e«ará°f S° bre ° SOl° ’ P° r ocasião da P^xima temporada de coleta ele provavelmente
enco endldo e tera sido deslocado pelo gelo para um local onde nunca mais será
tífico D° P° nt0 de vista ético e intelectual, a coleta controlada e o estudo cien-
Sao 0 destino mais apropriado para os fósseis de Burgess.
3.55. Sanctacaris. Desenho de Marianne Collins.
212
e Leanchoilia seu grande apêndice. Interessante, sem uvi
não a descoberta da década por mim anunciada.
Não é bem assim. A diferença entre Sanctacaris e os o
taxonômica e conceitualmente assombrosa: Sanctacaris pa
um genuíno quelicerado, o primeiro membro con eci o a
gem que acabou dando origem aos límulos, aranhas, escor
carrapatos. Sanctacaris tem os necessários seis pares e ap
na cabeça. Embora nenhum desses apêndices tenha so ri o a
cesso de especialização para dar origem a uma garra cara
— a quelícera, que define o nome do grupo a ausência
trutura numa época tão antiga pode indicar simp esmen e
especialização ainda não havia se desenvolvido. o ,prpt.
Briggs e Collins (1988) também identificaram ou tro scar
quelicerados derivados (incluindo a diferenciação entre os .
ces do corpo e da cabeça e a posição do ânus), con irman o
o status de Sanctacaris através de mais de um único aspec o.
fizeram a seguinte afirmação:
Tal combinação é única entre os quelicerados. A patente au^ n
quelíceras, uma característica avançada presente em o os ,
quelicerados, é consistente com os apêndices birremes pn . .
cabeça e do corpo. Isto coloca Sanctacaris num grupo p
mão em relação a todos os outros quelicerados.
Os quelicerados modernos possuem membros unirremes, _
do perdido os ramos exteriores dos apêndices da ca eça s ’
nas locomotoras das aranhas estão todas no prossoma, a
cefalotórax) e os ramos interiores dos apêndices do C0^P Ao
Quias das aranhas estão no opistossoma, a região o a
preservar todo o conjunto de possibilidades existen es za_
minação seletiva que ocorreu em linhagens posteriores do
das, Sanctacaris serve como um interessante precursor
seu grande grupo. sanctacaris é seu
Todavia, o que há de mais interessante em , ão aos
Papel chave na complementação de um raciocínio 0_
artrópodes de Burgess. Com a descoberta de Sanctacari , ^
ra em Burgess representantes de todos os quatro gian , repre-
artrópodes — trilobitos em razoável abundância; crus ’nd0-se
sentados por Canadaspis-, unirremes, por Aysheaia
- nrovavelmente abriga
(*) O status dos onicóforos, a categoria taxonom Q ^ onicóforos um
Aysheaia, continua controvertido. Alguns especialistas consi e , jmos unjr-
filo totalmentc independente e não julgam que eles estejam nv
213
de R° bÍSOn’ COmo eu faÇ°); e quelicerados, repre-
d á lo m n d n , SanCtacaris- Eles estão todos lá - mas o mesmo se
ro equivalenm treZe outras linhagens (e, talvez, por um núme-
tam a idêntír * 0l!tras ainda aguardando descrição) que apresen-
emre os m Singularidade morfológica. Alguns desses treze estão
numéricos ^Specia lzados (Leanchoilia) ou, ao menos em termos
Bureess P» h rCr ° S ma*S bem-sucedidos (Marrella) artrópodes de
ríamos volta r S& 10 qua*quer Paleontólogo a demonstrar que pode-
do que efetivam^ de Burgess e>sem qualquer conhecimento
pis a ysheain ^ ^ 3 acontecer- selecionar Naraoia, Canadas-
como destinadas ao e identifi'
prontas naraser ^ v ’ Sldneyia e Leanchoilia como formas de vida
a correr n 1 *?»***• ^ a Ata da história da vida e faça-
a produzir al? ^ 6 eJ 3 dUe em alguma ocasião o replay voltaria
produzir algo parecido com o que conhecemos hoje?
W iw axi,ia
°P ta d ^ U a n ^ ° p e r g u n te ^ a S im o n C o n w a y M o r r is a r a z ã o d e h a v e r
p le x ° ^ ° r t r a ^ a ^ a r d u r a n t e t a n t o s a n o s c o m u m a n i m a l t ã o c o m -
H a r ° C° m ° W iw a x ia e l e , c o m g r a t a f r a n q u e z a , r e p l i c o u q u e t a n t o
Q u e r ia C° m ° ^ e r e ^ ^ a v l a m f e i t o s u a s “ s u p e r p r o d u ç õ e s ” e q u e e l e
u io n p r ° v a r <l u e t a m b é m s e r i a c a p a z d e e s c r e v e r u m a “ r i g o r o s a
Ç ão ^ g F a ” a d e a c o r d o c o m a t r a d iç ã o ” . (E u c o n s id e r o e s ta a fir m a -
e m j g ^ a s ^a ^ a m e n t e m o d e s t a . O s t r a b a l h o s p u b l i c a d o s p o r S i m o n
m on r a r e sP e lto d o s p r ia p u líd e o s e d o s p o liq u e t o s , s ã o
g ê n e r o s 3 ^ aU t^ n t 'c a s e e x t e n s a s . T o d a v i a , c a d a u m a b o r d a v á r i o s
o tr a t 6 ’ p o r t a n t o ’ n a o f ° i p o s s í v e l d a r a n e n h u m a d a s e s p é c i e s
a m e n t o e x a u s t i v o q u e W h i t t i n g t o n p r o p o r c i o n a r a a M a r r e lla
s e n t id o T '5 ° ,U ^ r 'g g S a C o rw d c isp is p e r f e c ta . T a l v e z S i m o n t e n h a s e
s u a d ' a ° m s a t ' s f e d o p o r h a v e r e s c o l h i d o c r ia t u r a s a s s i m r a r a s p a r a
e o c a n m e i r a *n c u r s a o e n t r e e s s a s f a n t á s t i c a s m a r a v i lh a s q u e , n o s c i n
t e s D ° S' P ° d e e s c r e v e r a p e n a s tr a b a lh o s c u r to s e in d e p e n d e n -
P r im o 6 ^ U a ^ U e r m a n e ir a > s u a m o n o g r a f i a s o b r e W iw a x ia é a l g o d e
P e it o h ° i T 6 ^°* a ^o n t e o r i g i n a l d o m e u i n t e r e s s e e m e s c r e v e r a r e s -
V ez e f iu r g e s s S h a le (G o u ld , 1 9 8 8 ) — p e lo q u e , S im o n , m a is u m a
P r e s e n to -lh e m e u s m e lh o r e s a g r a d e c im e n t o s .)
o v a l Wiwaxiah C U m a c r *a t u r a p e q u e n a , m o l d a d a n a f o r m a d e u m a
2 ,5 a c d &t a d a ( le m b r a u m s e i x o b e m a r r e d o n d a d o ) , c o m c e r c a d e
x -m o e n P m e t r o s d e c o m p r i m e n t o , e m m é d i a , e o d o b r o d i s s o , n o m á -
e s c le t C° r P 0 s im p le s é c o b e r t o p o r e s p in h o s e p la c a s ( c h a m a d a s
s o b r e ; 1 ° S^ e x c e t o p e la s u p e r fíc ie v e n tr a l d e s n u d a , q u e s e a p ó ia
c o t t i ° s.u b s t r a t o q u a n d o W iw a x ia r a s t e j a p e l o f u n d o d o m a r . W a l-
to s c f o r ç a d o a i u d u s ã o d e W iw a x ia e n t r e o s v e r m e s p o l i q u e -
^ e j c o n f u n d in d o e s s e s e s c le r ito s c o m e s tr u tu r a s s u p e r fic ia lm e n te s e
c o e a n t6 S dC U m v e r m e m a r i n h o b e m c o n h e c i d o c u j o s n o m e s t é c n i -
0 t r a n s m it e m im p r e s s õ e s m u i t o d i f e r e n t e s — A p h r o d ita ,
n e m ° ° m a r ' ^ ° d a v i a , o c o r p o d e W iw a x ia n ã o é s e g m e n t a d o e
___ p ° s s u i c e r d a s v e r d a d e i r a s ( a s p r o j e ç õ e s p i l o s a s d o s p o l i q u e t o s )
0 g r ' P O r ta n to > n a o a p r e s e n ta a s d u a s c a r a c te r ís tic a s q u e d e fin e m
su i u P °" ^ s s *m c o m o t a n t o s o r g a n i s m o s d e B u r g e s s , W iw a x ia p o s -
d if íc iT d a n a t o m i a t o d a p r ó p r i a . W iw a x ia é t a m b é m e x t r e m a m e n t e
1 d e r e c o n s titu ir p o r q u e o s e s c le r it o s s e d is p e r s a m p e la s u p e r -
215
i.sl.
r e g iõ e s e m c a d a u m d o s la d o s ( f ig . 3 .5 7 B ) , c o m d u a s f ile i-
ú n ‘ 6 E .a .c a s .a P o n t a n d ° p a r a c i m a e d u a s v o l t a d a s p a r a t r á s ; 3 ) u m a
lc a 1 e ir a i n f e r i o r d e e s c l e r i t o s e m f o r m a d e m e i a - l u a , s e p a r a n d o
P a r t e s u p e r io r d o c o r p o , o r n a m e n t a d a , d o v e n t r e n u .
a d t'S ^ U aS f U e Í r a s s e t e a on ze esP*nhos a lo n g a d o s elevam -se
a r ir das fileiras superiores de escleritos de cad a um d os lad os,
217
Próximo ao limite com a c i
se Projetam para cima e P aC3S da SUperficle superior. Os espinhos
teger o animal contra ’ ^r^surr” velmente, tinham a função de pro-
yersos espécimes (duram / orf*’ conf° rme indica a ruptura em di-
ramento). a V]|da do animal e não após o soter-
Simon pôde ver nn
a lé m d e u m i n t e s t in o retn ? J ° ' S a d a a n a t o m i a i n t e r n a d e W iw a x ia ,
a m e n t e c o m o v e n t r e nnP ° Xlrno,à s u P e r f íc i e v e n t r a l — o q u e , j u n -
P a r a e s t a b e le c e r a p o s i c a r / e s P ' n ^ o s v o l t a d o s p a r a c i m a , s e r v iu
c a r a c t e r í s t i c a in t e r n a t a l v * / - ^ p e l ° a n i m a l e m v i d a . M a s u m a
e W iw a x ia q u a n t o p a r a n m ^ 3 c r u c ia l t a n t o p a r a a c o m p r e e n s ã o
g e s s . A c e r c a d e c i n c o m H i W I n t e ;r p r e t a Ç ã o g e r a l d a f a u n a d e B u r -
M ° r n s e n c o n t r o u d u a s f n iv ^ d& e x t r e m i d a d e a n t e r i o r , C o n w a y
S ° ” U m a O le ir a d e d e n t e s c ô n ,6 ” 1 f o r m a d e a r c o > c a d a u m a d e la s
;5 9 )- A e s t r u t u r a d a f r e n m n ° S s i m p l e s v o l t a d o s p a r a t r á s ( f ig .
a s s i n a l a n d o u m a á r e a d e s n m P^ e s ^ n t a U m a c h a n f r a d u r a n o c e n t r o ,
c a d a u m a d a s q u a i s c o m s e f / 1^ dC d e n t e s e n t r e a s r e ê l õ e s la t e r a is ,
n m a b o r d a f r o n t a l m a is c u r v ' d e n t e s ' A e s t r u t u r a d e t r á s t e m
o a a e x te n s ã o d a o r la n o c i l / & P ° r é m m a is r e g u la r , e d e n te s em
e m e n t e lig a d a s a o in íc io d o iní-1 0 *- ^ s t a s e s t r u t u r a s e s t a v a m p r o v a -
« fin tu r a s e su a p o s ^ o n r i ? T e n d o e m v is t a a f o n n a d e s s a s
, p a r e c e s e g u r o in t e r p r e t a i m a S ^ e x t r e m i d a d e a n t e r i o r d o a m
a m e n t a ç ã o - “ m a n d í b u l l t - í “ C° m ° d i s p o s i t i v o s e m p r e g a d o s n a
U la s ’ s e v o c ê q u i s e r .
DeSenh° * e T a r Z 7 e S £ "■•ciando-.
218
M o r r is e s t e n d 'V& ^ r e u n ’r e i n t e g r a r t o d a s a s e v i d ê n c i a s , C o n w a y
s ic a d e W iw CU SCUS CStUC*0 S p a r a a ^ m d o s l i m i t e s d a a n a t o m i a b á -
s ib ili d a d e d e ^ h ' p r o c u r a n b o i n d í c i o s o n d e q u e r q u e h o u v e s s e a p o s -
n o s f e r im e n t o * ^ a ^ U m f i n f o r m a ç ã o p r e c i o s a — n o c r e s c i m e n t o ,
n o s , o s e s p i n h ' n a e c o 'o g 'a e n a p r e s e r v a ç ã o . N o s e s p é c i m e s p e q u e -
P ° r c i o n a n d o ° S- S a ° m e n o r e s ° u i n e x i s t e m c o m p l e t a m e n t e — p r o -
® U rg e s s , d e a p S S lm ~U m ^ o s r a r o s e x e m P l° s > e n t r e o s o r g a n i s m o s d e
ju sta p o sto s era<^a o n a ^o r m a c o m ° c r e s c i m e n t o . D o i s e s p é c i m e s
d a m u d a , e n ã o ri "6111 r e p r e s e n t a r u m s ó i n d i v í d u o f l a g r a d o n o a t p
Z am e n t o d e la m ° 1S a n ' ? 1 f * s s o b r e p o s t o s a c i d e n t a l m e n t e p e l o d e s l i -
Se 0 c o r p o m o : - 3 '. . 0 e s p ®c ™ e m e n o r é e n c o l h i d o e a l o n g a d o , c o m o
X an d o s e u v e l l m 1VCSSC a c a b a d o d e s e a r r a s t a r p a r a f o r a d e l e , d e i -
Pe<i u e n a s c o n c h r e y ,e s b m e n t 0 P a r a t r á s c o m o u m a “ c a s c a v a z i a ” .
P r e s a s a o s e s c l e r ’^ * y a n q u i ó p o d e s o c a s i o n a l m e n t e e n c o n t r a d a s
lc 'e d o s e d i m e n t o ° S m<^ C a m cl u e W iw a x ia r a s t e j a v a s o b r e a s u p e r -
os caronas n erm C n a o _ s e e n te r r a v a n e le , p o is n e s te ú ltim o c a -
.e r u p t u r a d o s p c r ,a iv,e n te S n a o p o d e r ia m t e r s o b r e v i v i d o . O s p a d r õ e s
S lb il id a d e d e e s m ^ j S s u ®e r e m a e x i s t ê n c i a d e p r e d a d o r e s e a p o s -
c ° n t r a d o s n u m a f i f 1- e } f S ‘ ^ s p ^n b o s p e q u e n o s o c a s i o n a l m e n t e e n -
P o s s ib ilid a jjjg He r p C f s p *n b o s g r a n d e s e u n i f o r m e s i n d i c a m a
u a d o d e s u b s t i t u i c ã 6I! e r a ç a o a P d s a q u e d a o u d e u m p a d r ã o o r d e -
e d en tes em v e r te h ° C o m o n o d e s p r e n d im e n to e r e n a s c im e n to
ra o s s e m d e n tiç ã o p e r m a n e n te ). A p r e s e n ç a d e
219
au
d e tr ito s s o b r e o w b r t r a t o ^ d ed ÍC a d a a r a s p a r a lg a s o u a c o le ta r
o r g a n i s m o c o m p i e t o e ( W 6 ™ 0 ? 6 W iw a x ia a p r e s e n t a - s e c o m o u m
r o q u e s e n u t r ia d e n e n 1003 ~ U m a n im a l h e r b ív o r o o u o n ív o -
P e r f íc i e d o s u b s t m t ^ U e n a s P a r tl'c u la s d e a l i m e n t o c o l e t a d a s n a s u -
m ar. s u b s tr a to a m e d id a q u e e le s e a r r a s ta v a p e lo f u n d o d o
C o n q u a n t o t o d a s essa ®
w a y M o r r is r e c n n c t i t , • 3S i n d l c a ç o e s t l v e s s e m p e r m i t i d o a C o n -
p a z d e e n c o S r S - ° m ° d ° d e ,id a d e e le n ã o fo i ca -
m o l o g i a , i s t o é , d o s r e la ° * l g u a *m e n t e P e r s u a s i v o s a r e s p e i t o d a h o -
Q u a lq u e r o u t r o e r u n n ,c l o n a m e n t ° s g e n e a l ó g i c o s d e s s e a n i m a l c o m
o u a p ê n d i c e s e n ã o a n r e t 0 r g a n *s m o s - S e n d o d e s p r o v i d o d e c e r d a s
tr ó p o d e n e m a n e líd e o s e g m e n t a Ç ã o , W iw a x ia n ã o é a r -
d a d e c o m a e s t r u t u r a a m J 1 1 3 1 1 ^ ^ 3 e j d b e u m a i n t r i g a n t e s im il a r i-
p o r é m q u a n t o a o m a is n ã n h t * d ° S m ( d u s c o s > c h a m a d a d e r á d u la ,
s e a s s e m e lh e a u m m e x i lh ã & ° a d a e m ^ ‘ w a x ‘a Q u e n e m d e l o n g e
o u t r o m o l u s c o v i v o o u e x t i n t ’ U*m ,i í e s m a > u m p o l v o o u a q u a l q u e r
t u r a d e B u r g e s s , t a lv e z m a is ° ' • lW axia ® m a is u m a e s t r a n h a c r ia -
q u er o u tr o filo m o d e r n o p r o x ir n a d o s m o l u s c o s d o q u e d e q u a l -
r a d u la d o s m o l u s c o s - ^ m a n d í b u la s f o r e m h o m ó l o g a s à
P r o v a v e lm e n te n ã o m u it o p r ó x im a .
(*) Embora os aplac'f
do e vermiforme T " te Ser mais semelhantes" n 6 P° UC° conhecido gr«P° de moluS'
uma imDrpn«" ’ vezes coberto por nln • ° sentldo de terem um corpo alonga-
■onante lista de detalhadas dif&S 6 espícu,as> c °nway Morris enumera
erenças em sua monografia.
220
Anomalocaris
3.61
s in a l R e c o n s ti,u iç ã o d o a p ê n d ic e F , f e i t a p o r B r ig g s (1979). E s ta e s tr u tu r a f o i o ri-
P r e ta d e n ,e ^e s c r ’,a p o r W a lc o tt c o m o u m m e m b r o a lim e n ta r d e Sidneyia e re in te r-
cerxte ° P ° r R r‘^Ss c ° m o u m a p ê n d ic e d e u m a r tr ó p o d e g ig a n te . U m a p e s q u is a re-
alim e m ° S ,ra q u e ° “P Ü ndice F é , n a v e r d a d e , u m d o s e le m e n to s d e u m p a r d e ó r g ã o s
n ta re s d o m a io r a n im a ! c a m b r ia n o c o n h e c id o .
221
seguiu essa tradição e
1•1). na qual ele constr^3 famosa Pintura da fauna de Burgess (fig-
malocaris e Tuzoia u h Um organ*smo composto unindo Ano-
Provida das partes m ni^3 3S cai aPa?as de artrópode bivalve des-
didato para ocultar a A corresP°ndentes e»portanto, um bom can
g a s o portador ofi escj0,n ^ec'd a cabeça de Anomalocaris.
nas uma parte da nnt™ u'3 . ° nome Anomalocaris representa ape-
zadas por Walcott dp^ lstona- Três outras estruturas, todas bati-
rat>va. ’ mPcnham papéis centrais nesta complexa nar-
1) A cabeça de ç w ■
homenagem a seu filho ° artrdp°de que Walcott batizou em
a ser descrita por ele (IQi ,n?^ 6 a Pr*me^ra das criaturas de Burgess
outro apêndice. Walcott a| ’,P°ssui um par de antenas e nenhum
mentar de artrópode is Cm encontrou um grande membro ali-
teriormente (1979) c h a ^ 0,d° 0rganismo a que pertencera e pos-
taÇão” ] p0r Derelc g . 3 ° e ‘apêndice F ” [defeeding, “ alimen-
e,ra a única criatura de R. { *g' 3' 61')- No Juízo de Walcott, Sidneyia
ora desse apêndice- s i i a / ê6SS gr,an.de 0 suficiente para ser a porta-
Quavam muito bem áo eon C3rateristicas predatórias também se ade-
a na conta de um fero-, ,nCeit0 QUe Wa,cott fazia de Sidneyia, tendo-
ireta, Walcott fez o r 3rnivoro-_Ass»n, sem nenhuma evidência
Jdneyia. Bruton ( 1981-1 rnf nt.° e Junt°u o apêndice F à cabeça de
a cabeça de Sidneyia não°S enorrnente determinou que a carapai
estrutura. ~ era
v,a grande
&rancie o bastante para acomodar t
2} n ,
medusas e holotúrios fnen° ^ a^cott (1911b), sobre as supost
de Burgess Shale, 0 4 ^ ° ^ ° - " “ ' d° ™° d«s equinoderme
escreveu cinco gêneros p n ,.8*16 seus esforços mais acurados. E
nemona-do-mar e, portant 0r* ^ aclcenzia seja provavelmente un
° niesmo a que pertencem a<°’ j Ç 3 parte do fi,C) dos celenterado
Ç3 celenterac
m °utro
°utro grupo,
gruDo on dos lhoIotr,n-edUS3S’
. medusas, Walcott colnrnn
Walcott colocou pksp eên<
esse gên
verme priapulídeo (Conw™0^ ^ ma se®unda criatura revelot
aínda é 'lessificlda c ? J' M° ' riS- 1977d>- U m . terceira,
de a“ r r“Ç5° maís recente m T " pecLlliar Uolotúrio Hutuar
* aposta, „ m bom din“ ™« (Durham, 1974), mas eu seria ca,
tsmos de Burgess que se 0 ° f 3 acabará sendo mais um c
te C r ba,i20“ ™ q u a l « Ia peculiaridade,
notou a -m ? Um holotúrio cnríf , nero’ Laggania, e classificou <
da por um1StênCÍ3 de Uma boca e a em apenas um espécime. I
0S traços c a ? 61 de placas- A má nre°U qUe~ela P°deria estar rode
acterísticos dos holnt - ?ervaçao havia apagado tod
holotunos. Walcott admitiu o que
222
3 ^2
ris e W h ' m a 'S con4lec'^a rec° n str u ç ã o d e B u rgess Sliale, d e sen h a d a p o r C o n w a y M o r-
ve Qs v g 'r l,n g to n P a ra u m a r tig o p u b lic a d o n o Scientific American, e m 1979. O b s e r
v a s en p ría p u líc te o s e m su a s to c a s e d iv e r s a s c r ia tu r a s e s tra n h a s e d e s c o n h e c i-
binia (1°9) tr<n r S e m B u rg e ss ~ in c lu in d o Dinomischus (17), Hallucigenia (18), Opa-
d e a b a c 6 ~ 'WaX'a N u m S r a n d e e rro , d u a s m e d u s a s (10) s e m e lh a n te s a f a tia s
^ t r u t u r * 1>S“ ° m o s ,r a B a s n a d a n d o p a r a d e n tr o d o p a lc o a p a r tir d a e s q u e r d a . E s ta
B u r g e s ? s n 10" Br^ aC*e ° *oca d e Anoma*ocar' s- (R e tir a d o d e “ T h e A n im a is o f th e
Scipntsr- ? e ’ Cle B itn on C o n w a y M o r r is e II. B . W h ittin g to n . C o p y r ig h t© 1979
n tiJtc A m e r ic a n , Inc. T o d o s o s d ir e ito s r e s e r v a d o s .)
segue:
p£s ® corpo do animal está tão completamente achatado que os
--- CLestão obscurecidos, o contorno da região ventral per-
u acrais
aido ?e as faix;
*a' xas concêntricas quase obliteradas” (1911b, p. 52).
^njc 3)' Como um quinto e último gênero, Walcott colocou nome na
tUr&a medusa de Burgess, Peytoia. Ele descreveu esta peculiar cria-
EstaCOrn° Um anC^ ^ ^bulos em torno de uma abertura central,
tes , Sec^ nc!a de lóbulos poderia ser dividida em quatro quadran-
2 sèt ayenc^° um lóbulo maior em cada um dos quatro cantos do anel
óbulos menores entre os cantos de cada quadrante. Walcott
p . U 3 ^resença de óois pequenos pontos em cada lóbulo, que se
jetavam para dentro em direção à abertura central. Ele interpre-
223
tou essas estruturas como “ pontos de ligação das partes do co ^
próximas à boca ou, talvez, braços orais” (1911b, p. 56). A nao ^
pela simetria radial, Walcott não encontrou nenhum traço
racterísticas que definem uma medusa — nenhum tentáculo nelTj.atia
xes musculares concêntricos. Peytoia, mais parecida com uma ^
de abacaxi do que com uma água-viva, constituía uma me usa
rivelmente estranha. Nenhum verdadeiro membro do grupo po ^
uma abertura em seu centro. Não obstante isso, a interpretaç;a ^
Walcott prevaleceu. A reconstrução moderna mais conhecida a
na de Burgess, publicada no Scientific American vários a_noS.^ on.
Whittington e seus colaboradores terem iniciado suas revisões (
way Morris e Whittington, 1979), apresenta Peytoia como uma
tura de disco voador e fatia de abacaxi, entrando em cena pc o
te (fig. 3.62). . ã0
Quem é que já sonhou na possibilidade de haver uma r
entre a extremidade posterior de um camarão, o apêndice a ime a
de Sidneyia, um pepino-do-mar achatado e uma medusa com
abertura no centro? Ninguém, obviamente. A fusão desses Qu ^
objetos para dar origem aAnomalocaris apresentou-se como um
que inteiramente imprevisto. Além do mais, a feliz reconstitui
não emergiu a partir desse caos inicial. Vários esforços interme
rios, todos basicamente errôneos mas cada um deles proporcion
do um elo importante para o desenvolvimento da história, p iece
ram a bem-sucedida conclusão. reS_
Anomalocaris tem sido a nêmesis das pesquisas recentes a
peito de Burgess. Esta criatura acabou revelando seus segredos, tu ^
não antes que Simon Conway Morris e Derek Briggs tivessem c ^
metido seus maiores erros tentando lidar com as várias partes de Q
ela era constituída. Não se pode ter a esperança de tazer algo sigu
ficativo ou original em ciência a menos que se aceite a inevitabi i a
de da ocorrência de erros importantes ao longo do caminho. re
passos, porém, fizeram realmente as coisas caminharem pouco a p°u
co rumo a uma resolução, quaisquer que fossem os erros lateral
cometidos.
1) Em 1978, Conway Morris aplicou as novas técnicas de Whh
tington para distinguir estruturas tridimensionais em Laggania, agota
considerada uma esponja e não um holotúrio. Ele aplicou uma tm
crobroca de dentista à contraparte do singular espécime e descobriu
uma fatia de abacaxi correspondente a Peytoia no local em que Wal
cott identificara a indistinta boca. Conway Morris esteve perto de
fazer a interpretação correta mas acabou cometendo um erro de ava
224
^ “ esponja”
liação. Ele chegou a considerar a p0*s^ a d(stmta e sim um eleine*!
chamada Laggania não fosse uma cr parte centra
to ligado a Peytoia, que se rejeitou essa recons-
um estranho medusóide. Conway lodos os organismos d
tituição porque ele considerava que q distintos e não na
gess haviam sido preservados como e grande maioria dos o
ma de partes desagregadas. Ele escrev • ^ razoável concluir qu
seis de Burgess foram preservados m ;ntegrante de Peytoia n
o corpo de Laggania cambria não e p -ado a0 medusóide du
thorsti e sim um elemento estranho ac -a» (1978, P-
aqui è interpretado como sendo uma um acidente resultan
argumentou que a associação era simp e assoCiação entre o me
do deslizamento de lama em Burgess. acaso. O leito fi °P
sóide e a esponja ocorreu presumive m deslizamentos de lama
de foi depositado através de uma serie ^sinos tenham fica 0
é provável que após o transporte os ois
juntos” (1978, p. 130). E v o c a d o quanto às razoes
Embora Conway Morris tenha se d e laggania, ele havi
para a existência de uma ligação entre fundamental, reunindo o
descoberto (literalmente) uma associaçao ar ^ nomalocans-
dois primeiros dos quatro pedaços que vm singularidade de Pey
2) Em 1982, Simon tentou a tra c a r-s e ^ p eyto ia c°'
toia (Conway Morris e Robison, 19 ” liares” (f982, P-^ '*
mo “ um dos medusóides cambrianos mai p àtico» em seu titulo.
e chegou até mesmo a usar a palavra e etamente seu bic o,
Embora Simon não houvesse interpre a medusóides e, assim,
ele colocou em dúvida sua afinidade co QS Escrevendo acer
manteve os canais de questionamento em , , n concluíram o se
ca da abertura central, Conway Morris e modernos ou s
guinte: “ Este traço é desconhecido em cn cnidário. Seu rela-
seis e pode indicar que Peytoia nathors i n a^nda mais obscuro
cionamento com qualquer outro filo Pare
(1982, p. 118). .. , a extremidade ante-
3) O próprio Anomalocaris, ongm.al™ teaves, fora atribuído
rior de um camarão, na interpretação e sha^e. Afmal de co
a Derek Briggs, na primeira partilha de artrópode com u
las, supunha-se que se tratava do corpo
earapaça bivalve. c a tiv a reconstituição do am
Em 1979, Briggs publicou uma Pr° VOCf táveis observações qu
tual que lhe coubera estudar. Ele fez u .
contribuíram para a elucidação de Anomaloca
225
Primeiro, reconheceu que Anomalocaris era um apêndice com
espinhos pareados em suas bordas internas e não um corpo completo
com apêndices em suas orlas ventrais. Se Anomalocaris fosse o tórax
de um organismo completo, alguns dentre os mais de uma centena
de espécimes deveríam apresentar traços de um intestino e seriam en
contrados pelo menos uns poucos com articulações de artrópodes no
qué seriam os seus supostos apêndices.
Em segundo lugar, ele argumentou que Anomalocaris e o apên
dice F (o membro alimentar de Sidneyia, na visão de Walcott) eram
variantes da mesma estrutura básica e, provavelmente, pertenciam ao
mesmo animal. Embora, como iremos ver, esta conclusão não esti
vesse inteiramente correta, o argumento de Briggs realmente uniu de
maneira apropriada mais duas peças do quebra-cabeças representa
do por Anomalocaris.
Exceto por estes importantes insights, a reconstituição de Briggs
estava basicamente errada, embora fosse espetacular. Ele continuou
a considerar Anomalocaris e o apêndice F como partes de um artró-
pode conjeturando que Anomalocaris fosse uma perna locomotora
e o apêndice F uma estrutura alimentar de uma única e gigantesca
criatura, provavelmente com mais de noventa centímetros de com
primento! Ele colocou o seguinte título em seu trabalho: “Anomalo
caris, o maior artrópode conhecido do Cambriano” .
Mas o próprio Briggs não estava muito convencido de haver re
constituído corretamente o animal. Ainda restavam muitos mistérios.
Ele ponderou a respeito de sua incapacidade para encontrar qualquer
indício, ainda que fragmentário, do gigantesco corpo ao qual aque
les apêndices supostamente deveríam ter estado ligados. Uma estru
tura com noventa centímetros de comprimento poderia estar com
pletamente ausente de uma fauna de organismos de corpo mole?
Briggs conjeturou que tais fragmentos poderíam existir na forma de
lâminas e películas orgânicas até então ignoradas por carecerem de
estruturas distinguíveis. São dele as seguintes palavras: “ É quase certo
que nas encostas do monte Stephen existam grandes fragmentos da
cutícula corporal de Anomalocaris canadensis, anteriormente não
identificados e relativamente desprovidos de traços característicos, es
perando por serem descobertos” (1979, p. 657). Derek não percebeu
que o corpo de Anomalocaris havia sido descoberto e recebera um
nome já na época de Walcott, mas estivera disfarçado na forma do
“ holoturóide” Laggania, posteriormente interpretado como uma es
ponja com uma medusa em cima.
A expedição do Serviço de Levantamento Geológico do Canadá
226
havia descoberto um estranho espécime na pedreira de Raymond, pou
co acima do leito filópode de Walcott. Whittington havia recolhido
esse fóssil grande, indefinido e praticamente desprovido de traços ca
racterísticos e o colocara numa gaveta — esperando, creio eu, esquecê-
lo, de acordo com o velho ditado: “ Longe dos olhos, longe do pen
samento” . Mas ele continuou pensando nesse estranho fóssil de uma
criatura muito maior do que qualquer dos outros organismos de Bur-
gess Shale. “ Eu costumava abrir a gaveta e voltar a fechá-la” ,
explicou-me Harry. Certo dia, em 1981, ele resolveu escavar o fóssil
na esperança de que alguns detalhes de sua estrutura pudessem ser
esclarecidos. Ele esgravatou uma extremidade da criatura e, para sua
surpresa, encontrou um espécime de Anomalocaris visivelmente liga
do a ela e no seu devido lugar (fig. 3.63). Harry contou a Derek Briggs
a respeito dessa descoberta e Derek simplesmente não pôde acreditar
no que ouviu. O objeto escavado era com certeza Anomalocaris mas,
tal como na interpretação que Simon dera à medusa Peytoia sobre
a esponja Laggania, talvez este espécime de Anomalocaris houvesse
acidentalmente se enleado com uma grande lâmina de alguma outra
coisa quando o deslizamento de lama sedimentou-se.
Pouco tempo depois, Whittington e Briggs passaram a estudar
um conjunto de espécimes emprestados das coleções de Walcott. Es
sas lajes exibiam glóbulos e lâminas relativamente desprovidas de
traços característicos e que nunca haviam atraído muita atenção, in
cluindo o corpo de Laggania com Peytoia em cima. Num único e
momentoso dia — a inegável contraparte (não no sentido técnico,
mas no vernacular) de um outro momento fundamental no drama
de Burgess, ocorrido quase uma década atrás, quando Whittington
havia escavado a cabeça e os flancos de Opabinia e não encontrara
nada por baixo — eles escavaram o fóssil e viram que tanto Peytoia
como o apêndice F eram órgãos de uma criatura maior.
Conforme assimilavam esta que foi a maior de todas as surpre
sas de Burgess, e continuavam descobrindo em outras lajes a mes
ma associação entre Peytoia e o apêndice F, Harry e Derek percebe
ram que haviam esclarecido a estrutura de um só organismo e solu
cionado uma pilha de problemas. Peytoia não era uma medusa mas
sim a boca da grande criatura, situada na superfície ventral, próxi
ma à extremidade anterior do organismo. O apêndice F não era um
elemento de uma grande seqüência de membros repetidos de um ar-
trópode; na verdade, dois apêndices F formavam um único par de
órgãos alimentares situados adiante da boca e ligados à extremida
de anterior do novo animal.
227
posiçãodfront:!i0AeSPéCÍme que Whittin8ton deixara na Inglaterra esta
ce F (fíg. 3 63\ / a ° Cupac*a P°r Anomalocaris e não pelo apêndi-
ele encontrou traços hÍ Í ^ espécime de forma mais comPleta’
gundo Anomalocaris f n ^ ’ “ nstltuída P°r Peytoia, e de um se-
mesma oosirãn > formando um par de órgãos alimentares na
W a s h i n g T o ^ n C PC,° ^ ^ aPêndÍCCS F nos espécimes de
anomalias1— n ^ aS 3S f CÇaS haviam se juntado. A partir de quatro
não combinava w m n e n í 0 ^ Cabeça’ um apêndice alimentar que
enhum ammal até então conhecido, uma me-
228
UtTlQ irn n o ... —" w âzòiu c u u m r u tu j c c, j/ vmmmiv,
b o c a ( in d * mr i SP el*la<*a P ° r te esP é c im e r e p r e s e n ta d a n a f i g . 3 .6 3 . O b s e r v e a
u m v e s t i t í d P ° r ^ 6 0 p r ím e ir o “P ê n d ic e d e s c o b e r to ( j l - i W . D e s s a v e z , p o r é m ,
lo g o a b a íx w SegUnc* ° aP ê n d ic e a lim e n ta r f o i e s c a v a d o n o c a n to in fe r io r e s q u e r d o ,
0 o lin h a o b liq u a q u e re p r e s e n ta a r a c h a d u r a n a ro c h a .
^11
saltar ^ Uma f a r t u r a no centro e uma lâmina comprimida que
constit 'h Um para outro — Whittington e Briggs haviam re-
l° c a r is r ° dUaS esp^c‘es distintas pertencentes ao gênero Anom a-
toia 5 h Q^ an‘a era uma Parte achatada e distorcida do corpo; Pey-
não p3 ° Ca r°d eada por um pequeno círculo de placas dentadas e
de óriT Uma Sé” C de ^bulos com ganchos; Anomalocaris, o par
0 apênd°S a^mentares de uma espécie (Anomalocaris canadensis)',
locari 1CC Um ®r®ao alimentar de uma segunda espécie (A nom a-
A.s na^ 0rst‘, tomando emprestado o antigo nome de Peytoia).
n°niin CX~Ve^s regras de nomenclatura que davam preferência à de-
me j mais antiga exigiam que todo o gênero recebesse o no*
^ h ite n° malocaris’ em reconhecimento à publicação original de
ocorr aVCS’ datada de 1892. Mas que feliz e apropriada imposição
camarão’MeSte CaS° — tratava-se realmente de um “ estranho
229
locaris pode ter ma'
do estendido, o animal6 dezo*to cent;ímetros de comprimento quan-
outros organismos de RCOmp^eto ^eve ter diminuído quase todos os
ram que os maiores esn'Ur8eSS Shale‘ Whittington e Briggs estima-
de comprimento de l Clmes Possu>am quase sessenta centímetros
briano! Uma recente ° m5*or tQdos os animais do Cam-
e Whittington, 1985) ,COnstru^ ° de toda a fauna (Conway Morris
blicada em 1979 no 9 ,asic^ment;e uma atualização da versão pu-
caxi representada nor ^ mer‘can’ substituiu a fatia de aba-
ua obliquamente a nart; ° m' ^Ue era desenhada entrando em ce-
çador Anomalocaris r l ° ° eSte ^62), por um grande e amea-
Partir do leste Cfi» í Presentado intencionalmente avançando a
Whittington e Bri&
malocaris em 1985 um ®s. Publicaram sua monografia sobre Ano-
que talvez seja a mais rmtáUt| ° ^astante apropriado para coroar 0
Paleontologia do século * ™Portante série de monografias da
cie dorsal da longa cahoo X’ , gião lateral e posterior da superfí-
grandes olhos apoiados c^K°Va de ^ nornalocaris possui um par de
Perfície ventral, 0 nar a pedúnculos curtos (fig. 3.66). Na su-
jBnw ■ ^ apen *ces aümentares prende-se à cabeça,
’■ m, « m - L”*nchollla 5
thorsti, visto det>P' ^ con^ecicías de Anomalocaris: em cima, Anomalocaris na-
'nc°rretamente i d ^ r r ex^ 'n<^° 0 Par de apêndices alimentares e a boca circular,
r‘s canadensis vist" ri C.ac*a p o r Waicott como uma medusa; embaixo, Anomaloca-
Collins. ° e a^0’ em P°sição própria para nadar. Desenho de Marianne
231
3.67. A nom alocaris visto de a
mostrando como os apêndices ^
alimentares poderíam levar a '
a boca (IVhittington e Briggs, ‘ '
Logo atrás da boca, à esquerda, P
do animal fo i omitida para torn ^0s
visíveis as brânquias situadas ac
três segmentos posteriores da ca
232
3.69 a froc
p ode-se v er d iv e r s '^ " ° ma*ocar‘s> c o n fu n d id a p o r W a lc o tt c o m a m e d u s a Peytoia.
P o d em e sta r se n ' 1 e ‘ra s ^ e n te s e s te n d e n d o - s e d e s d e o e s p a ç o v e n tr a l, a s q u a is
Pécim e. B j n B« I Ü letan<* ° a p a r t l r d ° e s ô fa g o d o a n im a l. A ) U m a f o t o g r a f i a d o es-
0 e m c â m a r a lú c id a d o m e s m o e s p é c im e .
233
alguns neixpc ° ^ "^ Ih a n te à aba lateral inteiriça da nadadeira < ■
semelhado a m Anomaloc“ris em movimento poderia ter se a
de ondulacõe® & moderna>deslizando através da água por me]
Tal comn f r°p UZldaS pela nadadeira larga e contínua,
bém aaui é n n » 0* i ?lt0 em re^açao a Wiwaxia e a Opabinia,
to do modo corno*/! CVantar algumas conjeturas razoáveis a r«
co — afinal de cn t noma!ocar‘s operava do ponto de vista bic
pelas quais ejdste aPenas um certo número de man
que um animal a®®” 3 f - 3 pode comer e se movimentar. Todav
cos? Durante um IT estranho Poderia ser em termos genea
terpretadoscom nnaT ° .° S apêndices alimentares haviam sid
mentado realmente \ k '° corpo de artrópodes — e seu caráter í
culadas. Mas a r e n ^ ~ã ° grande das criaturas de patas a
seqüência
seqüência de
de lóbulo®
lób ulos ?etlÇa°
1Ça° 6C a3 segmentação,
se8mentaÇão, reveladas tanto
reveladas tanto
butos __aos artrd”
butos restritos 01x10 AOS aDêndirpo
10^1108 apêndices qlimontoroe
alim entares, n5
n ã o sã o a:
dos e até m esm o no moiP° CS ~ p ense nos a n elíd eo s, n o s verteb
m a outra característica H ^ Neopilina<um “ fó ssil v iv o ’’. N enl
os artrópodes. O corno ns Anomal°caris sugere u m a lig a çã o c<
sempre aberta e dotada h* 0 P° SSUi aP cndices articu lad os e a b
tudo o que existe n o filo A ^ 3nel de Pla cas, é ú n ica, diferent
m ostra que, em bora seia se»TY,r° POda‘ ^ m a com p a ra çã o d eta lí
noHeStt ! 0nge de ser P a r e c id o T nt3d° ’ 0 par de a Pêndices alim e
animãiW hlttÍngt0n e firiggs conH ? de qualcluer p ro tó tip o de ar
u m T n T t3m erizado e possuí”, U r3m ^Anomalocaris “ era
ia u m ê lf a n e * d e Placas em t r ,U m p a r d e apêndices articulad
coX hh M P° de mas sim u m r rn° da b o ca - N ã o ach a m o s que
° (1985, p. 5 7 ^ p esentante de um filo até agora
234
Coda
liz a d o s p o r e s t ° C° n c ^ ' r a C i e d e e s t u d o s s o b r e B u r g e s s S h a l e r e a -
S a r , c o m n o v a ^ e r a ^ a o ' ^ e P ° i s d i s s o u m a n o v a g e r a ç ã o ir á c h e -
d °s o s seu s a ltS 1 6 n o v a s té c n ic a s . T o d a v ia , a d e s p e ito d e to -
d t u la t iv a . O s t° S k , X 0 S ’ d e s e u s a v a n ç o s e r e c u o s , a c i ê n c i a é c u -
Serà o r e v e r e n c i ^ a ^ ° S d e ® " 8 g s > C o n w a y M o r r i s e W h i t t i n g t o n
f o r m a d o r a s en ° S ^ ° r S U a e ^e g a n c i a e p e l a f o r ç a d e s u a s id é i a s t r a n s -
d gs h u m a n a s _ ^ U a n t0 m a n t iv e r m o s a m a is p r e c io s a d a s c o n t in u id a -
E m bora n & C a d e *a i n i n t e r r u p t a d e g e n e a l o g i a i n t e l e c t u a l ,
t a ç à o p o s s a t e rU m ' i r a m a c o m o e s t e n e n h u m o r g a n i s m o o u in t e r p r e -
Ç l h o de u m h & U d m a P a i& v r a > é p r e c i s o r e s p e i t a r o f e c h o d o t r a -
t in g t o n , q U e m 0 m e m ' ® e P d ° g ° d e s t a p e ç a p e r t e n c e a H a r r y W h i t -
8 e «s e m t e r m o & C S C re v ea a r e s P e i t o d e s u a s m o n o g r a f i a s s o b r e B u r -
s c a r a c te r is tic a m e n te c o n c is o s e d ir e to s : “ T a lv e z e s s e s
235
trabalhos obrigatoriamente frios transmitam um pouco da excita
ção da descoberta — tratou-se certamente de uma pesquisa fascí
nante que teve seus momentos de grande alegria quando a prepara
ção revelava uma estrutura nova e inesperada” (1? de março ®
1988). “ Foi o projeto mais fascinante e excitante de que participel
(22 de abril de 1987).
236
d f Grandes grupos de um filo. Nenhum grupo de invertebra-
Q0S .e*s foi mais estudado ou goza de mais popularidade do que
nai°S esqueletos mineralizados dos fósseis convencio-
tãòS^ reSentam Uma extraordinária diversidade, mas todos eles es-
0 e acordo com um design básico. Após todos esses estudos difi-
?nte alguém teria previsto que a amplitude total de variação ana-
Todav' ~rU^ ° Poc*er' a ter sido maior nos seus primeiros dias.
moie nao há dúvida de que Naraoia, um organismo de corpo
aPênd' Um tr^°'3^ 0 ' i sso ®indicado pelo arranjo característico dos
oraist1068 ca^ eça ium Par de antenas e três pares birremes pós-
tam t por seus convencionais apêndices do corpo, que apresen-
isso o °rma e 0 nhmero de segmentos “ corretos” . Não obstante
ümites dX° S^ e' et° ^ arao‘a’ com duas valvas, está bem fora dos
VencionaisVar*a^a0 anat^mica d° grupo indicados pelos fósseis con
237
a maioria deles são únicos, com características que não são com
partilhadas por nenhuma outra espécie.
í identifi-
A obra monográfica de Whittington e de seus colegas 1
cou treze designs únicos (tabela 3.3), todos discutidos na cron ^
gia precedente. Quantos mais, porém, ainda estão por ser
tos? Whittington arrola 22 espécies (e inadvertidamente omite ^
rella) em sua categoria “ ainda não colocados em nenhum 1 0
classe dos Arthropoda” (1985b, p. 135). Assim, de acordo com
nhas melhores estimativas, Burgess Shale contém pelo menos v ^
designs únicos de artrópodes, além de representantes docume
dos de todos os quatro grandes grupos do filo.* ntás-
3) Vida animal multicelular como um todo. Embora as a _ _
ticas maravilhas de Burgess sejam fascinantes e excitem u °ssa_' c_
ginação, a história dos artrópodes proporciona satisfação m ^
tual equivalente, principalmente em virtude de sua linha de re e ^ a
cia estar completa, possibilitando conseqüentemente urna. __
estimativa da freqüência relativa das criaturas mais bizarras e i
238
uns. Entretanto, enquanto M a rre lla e L e a n c h o ilia talvez sejam or-
car'lSm° S ^ os e surPreendentes, O p a b in ia , W iw a x ia e A n o m a lo -
n s nos causam espanto — são ao mesmo tempo profundamente
Perturbadores e emocionantes.
r e v is ã o d e B u r g e s s id e n t i f i c o u a e x i s t ê n c ia d e o i t o d e s ig n s a n a -
em ^ UC n a ° s e e n c a i x a m e m q u a l q u e r f i l o a n i m a l c o n h e c i d o :
nom i dC p u b l*c a ç â o > O p a b in ia , N e c to c a r is , O d o n to g r ip h u s , D i-
e s ta l i t US‘ ^ m 's ^ w ‘a> H a llu c ig e n ia , W iw a x ia e A n o m a lo c a r is . M a s
tiv a a* a CSt^ ' 0 n g e ser c o m p le ta — e la c e r ta m e n te é m e n o s e x a u s -
B ó p o c T a r e *a<^ ° ^ a s c r ia t u r a s b iz a r r a s d o c u m e n t a d a s e n t r e o s a r -
ta d e d ^ ' m e 'b o r e s e s tim a tiv a s in d ic a m q u e a p e n a s c e r c a d a m e -
r a m de&S Cr*a t u r a s e s t r a n h a s e d e s c o n h e c i d a s d e B u r g e s s S h a l e f o -
d e t o d a C ritaS - ^ U aS ^o n t e s r e c e n t e s c o l o c a r a m a o n o s s o a l c a n c e l i s t a s
tr e m a gS aS ^ a t u r a s q u e e s t ã o p o t e n c i a l m e n e n e s t a c a t e g o r i a d e e x -
m a is rr. 1 a r ^ ac^e - W h i t t i n g t o n c o n t a d e z e s s e t e e s p é c i e s d e “ a n i -
t e to ta lU B 0 r m e S ' > ^ ® ^ B , P - 1 3 9 ) . E e u a c r e s c e n t a r i a E ld o n ia a e s -
m °s nr C C o n w a y M o r r is r e la c io n a m d e z e n o v e “ O r g a n is -
C o lú m h ° b e b u r g e s s S h a le , C a m b r ia n o M é d io , n a
d esse serv ' ? ta r b c a ” (1 9 8 6 ). N ã o t e n d o e n c o n t r a d o n a d a q u e p u -
Sas f a n t á s t C k &Se p a r a u r a u r r a n j o g e n e a l ó g i c o o u a n a t ô m i c o d e s -
v e c r ia t ,, 1CaS m a r a v i l h a s , e l e s s i m p l e s m e n t e a r r o l a m s u a s d e z e n o -
ò ^as ordem alfabética.
P r o v e n ie m ° jU t u r o P ° d e r á n o s t r a z e r e m t e r m o s d e m a i s s u r p r e s a s
m in a d a e r r fu 6 ^ u r g e s s S h a l e ? V e j a o c a s o d e B a n f f ia , a s s i m d e n o -
b o e a B u ° m e n a g e m a o f a m o s o p a r q u e n a c io n a l p r ó x im o a Y o -
f r o n t a i 0 rg ê e s s S b a l e - 0 “ v e r m e ” d e W a l c o t t — c o m u m a p o r ç ã o
r io r e m f o r ^ ^ a d& e m a n é *s e i n d e p e n d e n t e d e u m a r e g i ã o p o s t e -
B u r g e s s q u m a 6 SaC ° ~ ® p u a s e c o m c e r t e z a u m a d a s c r i a t u r a s d e
a lo n g a d o q o ^ d e s t a c a p e l a s i n g u l a r i d a d e . O u P o r ta lia , u m a n i m a l
c ° rP o . O u ^ t l ^ e n t ^ l o s B i f u r c a d o s d i s p o s t o s a o l o n g o d o e i x o d o
estr u t u r a t u h ° i ,n g f n a ’ u m o B j e t o e m f o r m a d e e s c a m a c o m u m a
geria c o m o U ^ s ' n u o s a e m s e u t o p o . W a l c o t t i n t e r p r e t o u P o llin -
f it o s d e W i U m a c o u r a ç a B e u m a n i m a l m a i o r , s e m e l h a n t e a o s e s c l e -
Sal; B r ig g s e ^ , a ’ e e x P Ü c o u o t u b o s i n u o s o c o m o u m v e r m e c o m e n -
ja U m o r e a n - ° n w a y M o r r is , p o r é m , a c h a m q u e o o b j e t o t a lv e z s e -
^ ü r g e s s t a l v 1SIT1' 3 C O m p ^e t 0 , ^ c o n f i g u r a ç ã o g e r a l d a h i s t ó r i a d e
a in d a n ã o r Z C Ste^a b e m d e l i n e a d a m a s a p e d r e i r a d e W a l c o t t
e v e o u tQ d o s o s s e u s e x t r a o r d i n á r i o s t e s o u r o s .
239
T a b e la 3 . 3 . O D r a m a d e B u r g e s s : D r a m a tis P e rs o n a e e m O r d e m d e A p a r e c im e n to
Ano de
Nome Status para Walcott Stalus Revisado Revisor
Redescrição
X
al iaç ão das rfi a ^ -
005 °«ü*mMos
^ e l m e n f e s e r i a ^ ’, . P o r q u e * ^ ® a c ° n t e c e r . n ã o é a s s i m t ã o si
n ea T 'C n teS f ° r n ia s : a l ° Cal d e c e P c io n a m ^ .m a n e ir a ° h o r i z o n t e p>
d i « f ° ê I C a s ’ o u tr a s r êU rria s s e r v e m n a 6 s im ila r id a d e s a s s u m í
s t ln Ç ã o e n t r e U lt, P r e s e n la n i a r m a d ri l ° r Í e n t a r a s i n f e r ê n c i a s £
* t lp o e o u t r o ^ d l 'h a s e P e r i g o s . P a r a f a z e r
n a m e n t a l f a z e r u m a r íg h
242
ra c t ^ a ° C n tr e s 'm i i a r i d a d e s d e v i d a s s i m p l e s m e n t e à h e r a n ç a d e c a -
d a s a / S 1C,aS p r e s e n t e s e m a n c e s t r a i s c o m u n s e s e m e l h a n ç a s o r i g i n a -
d e s e m raV h e v o 'u ^ a o i n d e p e n d e n t e d e e s t r u t u r a s a n a t ô m i c a s q u e
c h a m a d ^ ^ & m e s m a ^u n Ç ã o . A p r im e ir a e s p é c i e d e s i m i l a r i d a d e ,
Se estab&l 6 h° m0l° ^ > ®due f°m ece indicações apropriadas para
bras ce 6-eC?r a decadência. Eu tenho o mesmo número de vérte-
vian1en^V\CaiS ^ Uma g' ra^a ’ uma t 0UPeira e um morcego, e (ob-
Ças da C 1SS° n^° acontece P°rQne todos nós usamos nossas cabe-
^am ífer 681113 mane' ra e sim P°rque sete é o número ancestral nos
m odern^V transmitido P°r herança a quase todos os grupos
®undo ti°S (CH° mexCe^ ° ^as Preguiças e formas aparentadas). O se-
r° o b s tá ^ 4 fimüuridade, chamada de analogia, é o mais traiçoei-
ceg0s e do ° a ^nvest'®açao da genealogia. As asas das aves, dos mor-
r°dinâm'°S pterossauros compartilham as mesmas características ae-
independ^ ^ ^ cas’ mas cada uma delas evoluiu de forma
tes de d o i T ’ nen^um ancestral comum de quaisquer representan-
e analoa'S ,esses .^upos Possuiu asas. A distinção entre homologia
inos umà3 6 & at!v^ ac^e básica da inferência genealógica. Nós te-
mentar a S'mp' es: excluir rigidamente as analogias e funda-
feros e nãcTav^ 08^ 8 apenas na homologia. Morcegos são mamí-
P r° g r e s s o Z a n ^ ° C Sta r e ®r a f u n d a m e n t a l n ó s p o d e m o s f a z e r a l g u n s
a P re s e n t a S n ° f UC f e r e ^e r e a B u r g e s s S h a l e . A c a u d a d e Odaraia
s im ila r e s ^a n t a s P c a s e m e l h a n ç a c o m e s t r u t u r a s f u n c i o n a l m e n t e
raia é e v i d C gU R S p e 'x e s e m a m í f e r o s m a r i n h o s . A p e s a r d i s s o , Oda-
q u e A rio m ^ l e m e n t e u m a r t r ó p o d e e n ã o u m v e r t e b r a d o . É p o s s í v e l
n a d a r p o r ° ° Car,s t e n h a u s a d o s u a s a b a s la t e r a i s s o b r e p o s t a s p a r a
P e ix e s C om m e i ? m o v im e n to s o n d u la n te s , ta l c o m o fa z e m c e r to s
s à ° a c h a t a d n a ^ a ^ e ' r a S ' a t e r a *s c ° n t í n u a s o u c u j a s b o r d a s d o c o r p o
d e b a s e s a T * •m a S e s t a s im i la r i d a d e f u n c i o n a l , q u e e v o l u i u a p a r t ir
Ca d e r e l a c f ° m 'C as d if e r e n t e s , n ã o f o r n e c e n e n h u m a i n d i c a ç ã o a c e r -
U m e s t r a n h ° n a m e n t 0 S ^ e n e a * h g ic o s . Anomalocaris c o n t i n u a s e n d o
d e a u a ir ,, ° o r ®a n i s m o , n ã o m a is p r ó x i m o d e u m v e r t e b r a d o d o q u e
S ã ? 0 U tr a c r i« “ r a c o n h e c id a .
n a ° n o s ae ,la> & ^ s t in ç a o f u n d a m e n t a l e n t r e h o m o l o g i a e a n a l o g i a
e n tre a s n ^ 1U^ ° i ° n S e - P r e c i s a m o s f a z e r u m a s e g u n d a d i v i s ã o ,
res h u m a 1 ^ n 3 S e str u tu r a s h o m ó lo g a s . T a n to o s r a to s c o m o o s se-
A m b a s a s ° S P O S S U em P ^ i ° s s o b r e o c o r p o e u m a c o l u n a v e r t e b r a l ,
a n c e s t r a l C a r a c te r i s t ic a s s ã o h o m o l o g i a s , e s t r u t u r a s h e r d a d a s d e u m
q u a d o n C° m u m ' e s tiv e r m o s b u s c a n d o u m c r ité r io q u e s e ja a d e -
ra a g ru p a r o s ra to s e o s seres h u m a n o s d e n tr o d o g ru p o
243
genealógico dos mamífp
lo s so b re o co rp o - o fat °^’ n ° S p o d e r e m o s u sa r a p resen ça de pê-
uju dará em n a d a ' P o r ° 6 a m ^o s terem c o lu n a v er teb ra l n ã o nos
p or ser esta u m a c a r a r tp ^ f- 3 d d e r e n Ça? A p r e s e n ç a d e p ê lo s é útil
m a m ífe ro s en tre o s v e t *t lc a comPQrtilhada-e-derivada, restrita aos
n ada p o rq u e esta é u m a & ra<^os; A c o lu n a v er teb ra l n ã o a ju d a em
P resen te n o an cestral e C aracterística compartilhada-mas-primitiva,
e n ã o a p en a s n o s m a m íf 111111 dC t 0 d ° S 0S v e r te b r a d o s terrestres —
E sta d istin ç ã o e n t r e i tT~ C ,n a m a Ío r p a r te d o s p e ix e s ’
(co m p a rtilh a d a s e d e r i v a i h o m o lo 8 ia s a d e q u a d a m e n te restritas
tilh a d a s m a s p rim itiv a s! - 3S Ê a s e x c e s s>vam ente a m p la s (com par-
des ^ e a tu a lm en te en fr ? q u e stã o ce n tr a l d a * m a io r e s d ificu ld a -
S ess.* M u ito s artrÓ D o d eT íf11^ 8 Gm re^a ç a o a ° s o r g a n ism o s d e Bur-
P aça b iv a lv e ; m u ito s e B u rg e s s, p o r e x e m p lo , têm u m a cara-
n rer o sto m ó id e” b ásica ° U r° S c o m p a r td h a m a c o n fig u r a ç ã o
P ° r n u m er o so s se g m e n to Uma C arapaça d a c a b e ç a g r a n d e segu id a
n o ferrão d a ca u d a . Essa«SwC° rP 0ra*S ^a r g o s e c u r to s q u e term in am
e > g en u ín a s h o m o lo e ia s Q, fUx S ca r a cter ística s s ã o , p resu m iv elm e n -
Va ^es n ã o p artiu d o n ada « J 0 p o d e s ~ c a d a u m a d a s lin h a g e n s bi-
Xa de f ° r m a len ta e in den^ ®se n v o ,v e u a m e sm a estr u tu r a co m p le-
nta carapaça b ivalve nem n” Cnte' E n tr e ta n to , n e m a p r esen ça de
e,m caracterizar um e n m r ,m c o r p o d e fo r m a “ m e r o s to m ó id e ” P°"
tro p o d e s d e B u rgess n orm ° g en ! a l° g ic a m e n te c o e r e n te en tre o s ar-
a s-m a s-p rim itiv a s q a m b o s s a o ca r a c te r ístic a s co m p a rtilh a -
A % 3.71 talvez to
características compartilhaíL” 13^ claras as razões para rejeitar as
lj f ntaçao Para a genealogia s' mas;Primitivas como uma fonte de
na o386”1 QUe se diversifiCOii ‘ Esta árvore evolutiva representa uma
s e n c a ^ 3 0 assinalada peia linh"1/ ^ ,ê randes grupos — l, li e III -
br0 ante Um traC° homólogo -1 race-*ada- b m a estrela indica a pre-
muitos en° r ~~ herdado de um P° r exemplo>cinco dedos no mem-
r s ZT
« ? ‘«90 f l S rHm0t0
Por uma Cr ma‘s ser reconhpa'H ° ° U m°dtficou-se tanío a ponto
— (A)-
UV° S abJ nÍa coni segmemS0 d!i 1Viwaxia com™erda8rrfSSeÍr°.S cometidos Por Wa,cott
a dlstinção entre S artrdP°des — rP S de P°hquetos e as abas laterais
tre earacterísticas homólogasreeSanálogm “ “ fa'ha m3ÍS e'emen'
244
3.7], uma *
dhado
cn?°T mas~pr‘mitivos nãnV f flÍP° t^í'Ca mostrando P °r Que os caracteres comparti-
0
deT
;s "'magens
aráter
linhagens e os nnm
Qter ccomPartilharin
o^-
no f 'T
■ POntos
w ” '--'“
P° ra w.cmu,
orientar u
° $ de6 ramificação
a luenujicaçao
identificação aegruposgeneatógi-
de grupos genealógi
..........
ram‘f ‘caCdo assinalados por uma J . estrela
J ' ..............
possuem L r
dSSSe’ ‘^ 0. ^ t,lhad°-’nas-pnmitiV0. Flechas com duas pontas indicam a perda
traço.
5»
^ncia
iencta h de» três^ dos erros possíveis — deixando de perceber a exis-
rros possív<
deles para constru'°S verdade' ros e tomando membros de cada um
artl ancestral dos ^ UI? ^a*S° agruPament°: a espécie 1 poderia ser
SDéoio
a ^Pécie
- a VlIXl f l n cavalos; as espécies 2 ve- j3,
- . v 4 j íroedores
v j t / U U i t j pprimitivos;
A-i m u i u v u j j 'e
245
' ICI de ser resolvido Fm ’ n° ientanto>é provavelmente ainda mais
zes me referi a um saco«- 1° 3 cron°l°gia em cinco atos, muitas
estí)?niveis- SuPonha que an” Cnd° 3S caracten'sticas de artrópodes
S r ’ na fig- 3-71, cara; f °,Ct° ntrário do fa ç o assinalado com uma
Donh 010 3 caraPaça bivalvp S~'C3S cPmPartilhadas-mas-primitivas,
lab,.|.j ^Ue nessa época nrim ao indiquem linhagens contínuas. Su-
'abl ,dadegenéticaf t ai^ P; ar Va í exPer*mentação sem paralelo e
lenta^”^ n° Va linhagem de S pPdessem surgir, repetidas vezes, em
ÍDok Clndependente como re F Po p o d e s ~~ não através de evolução
D0 tenent,a ° ° S tra?os represem” de Uma similaridade funcional
primif-13 Ídades ,atentes no sicf3” 3”1 analpsias clássicas), mas como
da iinh'VOS’ recrutados separada”13 genético de todos os artrópodes
de e ca agern' Nesse caso tram mente para P,ena expressão em ca-
re evnTaPaÇas bivalves pi nora • C° m° corpo de forma merostomói-
Desconfd° S artrópodes 1301 repetidas vezes por toda a árvo-
246
de uma refeição a
um processo não muito diferente da montag um item da
partir de um gigantesco cardápio chinês a listas em cada
coluna A, dois da B, com muitas colunas cidade de reco-
coluna. São duas as razões pelas quais temo / . iores primeiro,
nhecer grupos coerentes entre os artropo e origiual para o
as linhagens perderam essa potenciah a e corp 0 a partir
recrutamento de cada uma das principais P a remoção da
de muitas possibilidades latentes. Em segun apenas uns P°u"
maioria das linhagens, através de extinção, ^ 5 ^ ig 3 .72 ).
cos sobreviventes, com grandes lacunas 1 (produzindo uma
A irradiação dessas poucas linhagens so revi disparidade total)
grande diversidade de espécies com uma re m0S como fh °s
deu origem aos grupos distintos que oje c
e classes ■ ntMim modelo semelhante
Acho que Derek Briggs tinha em me ara classificar os
a este quando escreveu a respeito da di ícu ossua característi-
artrópodes de Burgess: “ Em bora ca(*a esJ e m 0utras tendem a
cas únicas, aquelas que são comparti a a portanto, os rela-
ser generalizadas e comuns a muitos artrop' esta0 longe de ser
cionamentos entre essas espécies contempo n^ ec^ as” 0^81 >
óbvios, e as possíveis formas ancestrais sao
241
podes. Mas é possível que o saco de surpresas de Burgess ^ ggpé-
através dos filos. Talvez estruturas articuladas com uma jjjjji-
tica comum ainda não estivessem restritas aos artrópo es. ^ ^ 0
tada presença em grupos não implicaria um estreitore‘acl° ariedade
genealógico com os artrópodes mas apenas uma amp a g
de estruturas latentes e recrutáveis que ainda não respeitava
transponíveis fronteiras que posteriormente se estabelecer ^ ^ uja
os filos modernos. As mandíbulas de Wiwaxia (lembran brand°
dos moluscos) e o órgão alimentar de Odontogriphus osSjveis
0 lofóforo de diversos filos) nos vêm à mente como outra
características contidas no grande saco de surpresas. taxonO"
O modelo do saco de surpresas é um pesadelo para 0 or.
mista e um deleite para 0 especialista em evolução. Imagiu® c0lT1
ganismo constituído por uma centena de características ba con.
vinte formas possíveis por características. O saco de surp g em
tém uma centena de compartimentos com vinte fichas di e ç otn-
cada um. Para fazer uma nova criatura de Burgess o Gra ^ arra-
binador retira ao acaso uma ficha de cada compartimento e
as todas juntas. E voilà, a criatura funciona — e o número e
rimentos bem-sucedidos possíveis é quase tão grande Qaant° p eS.
melodias que podem ser feitas a partir de uma escala musical.
de os tempos de Burgess que o mundo não funciona mais dessa ^
neira. Atualmente o Grande Combinador utiliza diversos saC° bra.
ferentes — que trazem as etiquetas “ projeto do corpo dos verte
dos” , “ projeto do corpo dos moluscos” , “ projeto da estrutura
angiospermas” , e assim por diante. As fichas de cada compartu»®
são em número bem menor e poucas, se tanto, do saco 1 P° _
ser encontradas também no saco 2. O Grande Combinador ag
faz um conjunto muito mais ordenado de novas criaturas, iha
jovialidade e a surpresa de seus primeiros trabalhos não existem to» 1 ’
Ele não é mais o enfant terrible de um admirável mundo novo mu
ticelular, moldando Anomalocaris com uma pitada de artrópode’
Wiwaxia com um sopro de molusco e Nectocaris com uma mist«ra
de características de artrópode e vertebrado.
A história é velha e canônica. O jovem incendiário converteu s
248
Porém, não e°t'° ° m senso e do design estável. A velha centelha,
dadeirarnentS &mteíramente apagada. De vez em quando algo ver-
da rígida he6 n° V° 'ntrodllz"se sorrateiramente dentro dos limites
lhor sobre e l ^ r f ' ^ a*vez sua vaidade natural tenha levado a me-
idéia de mant ^ Uem sa':)e e'e nao íonha sido capaz de suportar a
e não ter ne vT exce^ente Pe<?a em cartaz durante tanto tempo
roudocormr r ”1 Cron*sta Para admirar sua obra. Assim, ele reti-
bacias cerebrailmenl;0 ^ do saco dos Primatas a ficha para mais acro-
as cavernas d&1t 6 montou uma esPécie que seria capaz de pintar
decifrar o u- C, ascaux>modelar os vidros de Chartres e, por fim,
3r 3 hlst0” a de Burgess Shale.
AÜ
M o srR A S » A L E C° M O UMA
REPRESEN TATIVA d o c a m b r ia n o
249
através dos f i l o T T f QUe ° S3co de surPresas de Burgess esten^ né-
tica comum 3 Vez estruturas articuladas com uma base g
tada presença p a nao estivessem restritas aos artrópodes. Sua 1
genealógico m ü ! grupos nao implicaria um estreito relacionam®
de estruturas lato °tS artr°P °des mas apenas uma ampla varie
transponíveis fr C recrutáveis que ainda não respeitavam as
°s filos moderna.!1 !lr3S QUe Posteriormente se estabeleceram en
dos moluscos! ' - S mandíbulas de Wiwaxia (lembrando a r
0 iofóforo d e d iv í 0rg3° alimentar de Odontogriphus (lembra*»
características conTHS '*°S^ nos v^m a mente como outras PoSSlV
O modelo dn «! 3S i*0 grande saco de surpresas,
mista e um deleite n3C° surpresas é um pesadelo para o taxon
ganismo constituíHr.313 ° esPecialista em evolução. Imagine um 0
v)nte formas Po s s í l P° r Uma centcna de características básicas com
tém uma centena de n P° F características. O saco de surpresas co
cada um. p ara fazer ° mPartimentos com vinte fichas diferentes em
bmador retira ao a l a S * n° Va criatura de Burgess o Grande Co»'
as todas juntas. E v o ilr !* ^ f*cba de cada compartimento e amarr
•mentos bem-sucedido^3 Criatura funciona — e o número de exp
S " iasque Podem se r fenSSÍVeÍS é quase tão grande quanto o de
neira F^mPos de Burgess T 3S 3 part’r de uma escala musical.* P eS
ferent tUa*mente o G ra n ^ ° mundo não funciona mais dessa ma
dos3 o ' que trazem " í C° mbinador utiliza diversos sacos d*
angio'snePr°^et0 d° corpo . lquetas “ projeto do corpo dos vertebra
São8 e ^ n T 8’ ’ e as«m por din,0lUSCOs:’>“ P ^ e t o da estrutUr3 ^
ser encont m!f 0 bem menor 3nte' As fichas de cada compartimen
faz um c adas também n Fe poucas. se tanto, do saco 1 podem
jovialídacje g3nto muit0 mais 3C° 2- ° Grande Combinador agora
Ele "«o é Z?'O '" * * <fe J L " ado * novas criaturas, mas a
ticelular, mold° en^ant te r r ib h ^ r ^ ^ 0* trabalhos não existem mais-
Wiwaxia com ,f 3CÍ0 A n ornalOCa * Um admirável mundo nòvo mu '
de característica^ H°pr° de moluse C° m Uma Pitada de artrópode,
A ^ o s t r a S o A L E COMO UMA
REPRESENTATIVA d o c a m b r ia n o
249
tra o pano de fundo da disseminação global e da ecologia conven
cional da fauna como um todo.
250
Branchiocaris e Yohoia (fig. 3.74D e F) — não eram primordial-
mente bênticos porque não possuíam apêndices birremes com for
tes ramos locomotores. Yohoia possui três apêndices birremes na
cabeça mas o corpo provavelmente tem apenas membros unirremes
com ramos branquiais, usados na respiração e na natação; Bran
chiocaris possui apêndices corporais birremes porém com ramos lo
comotores curtos e fracos. A ausência de ramos interiores fortes nos
apêndices do corpo também sugere que esses gêneros não se alirnen-
251
3.74. Mais artrópodes de Burgess, todos desenhados na mesma escaa. ^ ^
t caris. B) Plenocaris. C) Leanchoilia. D) Branchiocaris. E) Marrella. F) o
Actaeus. H) Canadaspis. I) Waptia. J) Burgessia. Fonte: Briggs e Whitting o
252
ta pequena categoria — consistindo em Odaraia e Sarotrocercus (fig.
3.73A-B) — inclui os animais de Burgess que eram verdadeiros na
dadores. Esses gêneros ou não tinham ramos locomotores (Sarotro
cercus) ou possuíam ramos internos curtos que não iam além da ca
rapaça (Odaraia). Eles tinham os maiores olhos entre os artrópodes
de Burgess e ambos provavelmente procuravam pequenas presas,
alimentando-se por filtração.
6) Outros. Todas as classificações têm uma categoria residual
para membros incomuns. Aysheaia (fig. 3.73C) pode ter sido um
parasita, vivendo entre as esponjas e alimentando-se delas. Alalco-
menaeus (fig. 3.73E) possui fortes espinhos ao longo de todas as bor
das interiores das pernas locomotoras e não apenas no primeiro seg
mento, adjacente ao sulco alimentar. Briggs e Whittington conjetu-
raram que Alalcomenaeus pode ter usado esses espinhos para
apanhar algas ou para dilacerar carcaças.
Briggs e Whittington incluíram duas excelentes figuras-síntese
em seus artigos (figs. 3.73 e 3.74). Cada gênero é mostrado em seu
próprio hábitat e todos são desenhados na mesma escala — de ma
neira que as substanciais diferenças do tamanho entre os gêneros
possam ser apreciadas.
Cada uma das seis categorias cruza as linhas genealógicas. O
conjunto cobre inteiramente uma série de papéis usuais nos mo
dernos artrópodes marinhos. A grande disparidade anatômica entre
os artrópodes de Burgess não é, portanto, uma simples resposta
adaptativa a uma maior variedade de ambientes disponíveis nessa
época primitiva. O mesmo conjunto básico de oportunidades de
alguma maneira fez surgir originalmente uma amplitude muito
maior de experimentação anatômica. O mesmo mun o eco ogico,
respostas evolutivas muito diferentes, esta situaçao e ine o emg
ma de Burgess.
253
o restante é constituído por algas. Catorze por cento dos a
possuem esqueletos conchosos; os demais têm corpo mo e. _
A fauna contém 119 gêneros e 140 espécies; 37% desses ^
ros são artrópodes. Conway Morris identificou os dois princl
elementos da fauna: 1) Uma esmagadora maioria constitui a _
bentos e por espécies que viviam próximo ao fundo, que f° ra^
vados para dentro de uma bacia estagnada pelo deslizamento ^
do. A partir da grande quantidade de algas, que necessitava ^
luz para a fotossíntese, Conway Morris inferiu que esses org
mos viviam originalmente em águas rasas, provavelmente co
nos de noventa metros de profundidade. Ele deu a este compon ^
o nome de grupo Marrella-Ottoia, em homenagem aos animais ^
comuns dentre os que andavam sobre o substrato (o artrópode
r e lla ) e d e n t r e o s q u e f a z i a m t o c a s ( o v e r m e p r i a p u l í d e o O t t o t o ) - ^
Um grupo muito mais raro de criaturas que nadavam permanen ^
mente na coluna de água acima da bacia estagnada e que se depo ^
taram junto aos animais transportados pelo deslizamento
Conway Morris chamou este componente de grupo
Oclontogriphus, em homenagem a duas de suas estranhas criatur •
Ele descobriu que os gêneros de Burgess, apesar de suas ana
m i a s b iz a r r a s e dispares, caem dentro das categorias c o n v e n c i o n
quando classificados segundo o hábitat e a forma de alimentaÇ '
Ele reconheceu quatro grandes grupos: 1) Animais que coletaJ0o/0
material depositado para se alimentar (a maioria artrópodes) ' .
do total de indivíduos; 25-30% dos gêneros. (Esta categoria mc
Marrella e Canadaspis, os dois animais de Burgess mais comun >
sendo este o motivo da alta representação em termos de indivíduo
2) Animais que se alimentavam engolindo material depositado
maioria moluscos comuns dotados de partes duras) — 1% do®111
víduos; 5% dos gêneros. 3) Animais que se alimentavam de m » '
rial cm suspensão (na maioria, esponjas, que retiram o alimento
retamente da coluna de água) — 30% dos indivíduos; 45% dos ge'
neros. 4) Carnívoros e animais que se alimentavam de cadáveres (u
maioria, artrópodes) - 10% dos indivíduos; 20% dos gêneros. ^
O saber tradicional, com suas tendências progressistas e sua ic®
nografia do cone de diversidade crescente, tem considerado as c°
munidades do Cambriano menos especializadas e menos comple*a*
do que suas sucessoras. As faunas do Cambriano têm sido caracte
rizadas como ecologicamente não-especializadas, com espécies
ocupavam grandes nichos. Julgou-se que a estrutura trófica teriasl
do simples, com o predomínio de organismos que se alimentava^1
254
e detritos e do material em suspensão e que os predadores fossem
raros ou estivessem inteiramente ausentes. As comunidades foram
leconstruídas com amplas tolerâncias ambientais, grandes distribui
ções geográficas e fronteiras difusas.
Conway Morris não subverteu totalmente essas idéias tradicio
nais a respeito de um mundo relativamente simples. Ele realmente
encontrou uma complexidade comparativamente pequena na capa
cidade de ataque e de manobra dos predadores de Burgess: “ Parece
Plausível que o grau de sofisticação nos estilos de predação (busca
e ataque) e de defesa tenha sido substancialmente menor do que o
existente em faunas do Paleozóico, mais jovens” (1986, p. 455).
Todavia, sua mensagem básica tornou a ecologia de Burgess
Shale mais convencional e mais semelhante aos mundos de perío
dos geológicos posteriores. Quando a comunidade completa pôde
s e r a v a l i a d a a p a r t ir d e s e u s e l e m e n t o s d e c o r p o m o l e , v e z e s e v e z e s
seguidas Conway Morris encontrou maior riqueza e complexidade
do que anteriormente se julgara possível. Os organismos que se ali
mentavam de detritos e de material em suspensão realmente domi
navam o cenário mas seus nichos não se sobrepunham de maneira
ampla, com todas as espécies simplesmente sorvendo tudo de co
mestível que estivesse ao alcance da vista. Ao contrário, a maioria
d o s o r g a n i s m o s e r a m especializados em determinados tipos e tama
nhos de alimentos, num ambiente nitidamente delimitado. Os ani
mais que se alimentavam de material em suspensão não absorviam
todas as partículas em todos os níveis da coluna de água; tal como
nas faunas posteriores, as várias espécies estavam dispostas em ca
madas, formando agrupamentos com interações complexas. (Ao se
disporem em camadas, as várias formas se especializam, restringindo-
se aos níveis inferior, médio ou superior da coluna de água à medi
da que a comunidade se diversifica.) O mais surpreendente de tudo
é que os predadores desempenhavam um papel importante na co
munidade de Burgess. Este nível superior da pirâmide ecológica es
tava completamente ocupado e ativo. A disparidade das formas pri
mitivas não poderia mais ser atribuída às reduzidas pressões de um
mundo fácil, desprovido da competição darwiniana da luta pela exis
tência e, portanto, aberto a qualquer engenhoca ou experimento frau
dado. A fauna de Burgess, sustenta Conway Morris, “ mostra ine
quivocamente que a estrutura trófica básica da vida marinha meta-
zoária foi estabelecida no início de sua evolução” (1986, p. 458).
Conway Morris chegara à conclusão de que as coisas que Briggs
e Whittington haviam demonstrado em relação ao modo de vida dos
255
ar ropo es eiam igualmente válidas para toda a ecologia de Burgess.
i.Cf<D n ° eco^®*co de Burgess Shale havia sido bastante nor
ma . ode-se afirm ar” , escreveu Conway Morris, ‘‘que a estrutu
ra a comunidade do Leito Filópode não era essencialmente dife-
rente a de muitas faunas mais recentes de organismos de corpo mole
o a eozóico” (1986, p. 451). Por que, então, o ‘‘jogo evolutivo”
esses tempos primitivos era tão diferente?
b u r g e ss c o m o u m a f a u n a m u n d ia l p r im it iv a
256
exemplo, não conta com a presença de Marrella — de longe a espé
cie mais comum na pedreira original de Walcott. O campeão ali é
Alalcomenaeus, uma das criaturas mais raras do leito filópode, com
apenas dois espécimes. Collins também encontrou algumas espécies
novas. Sanctacaris é particularmente importante, como já foi dito,
por ser o primeiro artrópode quelicerado conhecido. Outro espéci
me, uma das criaturas estranhas, ainda não foi descrito; trata-se de
“ um animal coberto de espinhos, com pernas peludas e afinidades
desconhecidas” (Collins, 1985).
Acima de tudo, Collins havia complementado a descoberta ca
nônica de Walcott com coisas tão importantes como uma maior di
versidade e a possibilidade de se fazer comparações. Suas localida
des adicionais incluem cinco agrupamentos de fósseis suficientemente
distintos quanto ao número de espécies e suas proporções relativas
para serem considerados agrupamentos diferentes. Significativamen
te, esses sítios adicionais incluem quatro novos níveis estratigráfi-
cos — todos temporalmente próximos ao leito filópode, sem dúvi
da, mas mesmo assim nos dando a crucial informação de que a fau
na de Burgess representa uma entidade estável e não um momento
atípico durante uma primitiva orgia de transformações evolutivas
que nunca mais voltou a se repetir.
Embora sejam basicamente organismos de corpo mole, algu
mas poucas espécies de Burgess possuem partes do corpo ligeiramente
endurecidas que podem se fossilizar em circunstâncias comuns
sobretudo os escleritos de Wiwaxia e os apêndices alimentares de
Anomalocaris. Há muito que se tem conhecimento da presença des
ses elementos em sítios de diferentes épocas e distantes entre si. Mas
uns poucos fragmentos não formam um agrupamento de fósseis.
A fauna de Burgess, na condição de uma entidade mais coesa, atual
mente já foi reconhecida fora da Colúmbia Britânica, em agrupa
mentos de fósseis de organismos de corpo mole em Idaho e Utah
(Conway Morris e Robison, 1982, sobre Peytoia-, Briggs e Robison,
1984, sobre Anomalocaris] e Conway Morris e Robison, 1986). Es
ses agrupamentos de fósseis contêm cerca de quarenta gêneros de
artrópodes, esponjas, priapulídeos, anelídeos, medusóides, algas e
organismos desconhecidos. A maioria ainda não foi formalmente
descrita mas cerca de 75% dos gêneros também estão representados
em Burgess Shale. Muitas espécies que já foram conhecidas apenas
por um momento no tempo e um ponto no espaço agora têm uma
ampla distribuição geográfica e uma duração razoavelmente está
vel. Escrevendo sobre o priapulídeo mais comum de Burgess, Con-
257
way Morris e Robison registram a “ notável extensão geográfica e
estratigráfica do que antes fora uma ocorrência singular [...] Ottoia
prolífica estende-se pela maior parte do Cambriano Médio (15 mi
lhões de anos?), período durante o qual ele apresenta alterações mor-
fológieas mínimas” (1986, p. 1).
Mais excitante ainda foi a descoberta de muitos elementos de
Burgess em sedimentos mais antigos. Burgess Shale data do Cam
briano Médio; a famosa explosão que deu origem à vida moderna
ocorreu pouco antes, no Cambriano Inferior. Nós desejaríamos ar
dentemente saber se a disparidade existente em Burgess foi alcança
da imediatamente, no centro da explosão propriamente dita.
Mesmo antes das descobertas mais recentes, já existiam umas
poucas indicações positivas, notavelmente alguns elementos seme
lhantes às criaturas de Burgess encontrados na fauna Kinzers, cons
tituída por organismos de corpo mole do Cambriano Inferior, des
cobertos na Pensilvânia, e por um animal estranho e suspeito cole
tado na Austrália e descrito em 1979 como um verme anelídeo.
Então, em 1987, Conway Morris, Peel, Higgins, Soper e Davis pu
blicaram uma descrição preliminar de uma fauna completa de orga
nismos semelhantes aos de Burgess, encontrada na Groenlândia e
datando da metade para o fim do Cambriano Inferior. Tal como
se dá no caso de Burgess, a fauna é dominada por artrópodes não-
trilobitos. A criatura mais abundante, com cerca de 1,3 centímetros
de comprimento, possui uma carapaça bivalve semicircular; a maior,
com aproximadamente quinze centímetros, assemelha-se ao trilobi-
to de corpo mole Tegopelte, encontrado em Burgess. As coleções
existentes são insatisfatórias e a área é, como dizemos no ramo, “ de
difícil acesso” . Mas Simon visitará o local no próximo ano e pode
mos esperar algumas novas aventuras intelectuais. Nesse meio tem
po, ele e seus colegas fizeram algumas observações cruciais, confir
mando que o fenômeno de Burgess ocorreu durante a explosão cam-
briana propriamente dita: “ A extensão da amplitude estatigráfica
de pelo menos alguns taxa semelhantes aos de Burgess até o começo
do Cambriano também sugere que eles foram parte integrante da
diversificação inicial dos metazoários” (1987, p. 182).
No ano passado, meu colega Phil Signor, sabendo de meu inte
resse por Burgess, enviou-me uma cópia de um trabalho de um co
lega da China (Zhang e Hou, 1985). Não pude ler o título porém
o nome em latim saltou-me aos olhos — Naraoia. Embora as publi
cações chinesas sejam notórias pelas fotografias ruins, as ilustrações
que acompanhavam o trabalho mostravam um inequívoco trilobito
258
bivalve de corpo mole. Um elemento fundamental de Burgess fora
encontrado a meio mundo de distância e, muito mais importante,
Zhang e Hou dataram esse fóssil como sendo da parte inicial do Cam-
briano Inferior.
Uma criatura é tantalizante; para tirar conclusões seguras, po
rém, precisamos de faunas completas. Tenho o prazer de relatar —
pois esse promete ser o achado mais fascinante desde a própria des
coberta original de Walcott — que desde então Hou e seus colabo
radores publicaram mais seis trabalhos sobre a nova fauna encon
trada por eles. Se o gênio da minha fábula anterior (ver p. 65) tives
se voltado cinco anos atrás e me oferecido uma fauna no estilo de
Burgess Shale em qualquer outro tempo e lugar, eu não poderia ter
feito uma escolha melhor. A fauna chinesa está a meio mundo de
distância da Colúmbia Britânica — demonstrando assim a natureza
global do fenômeno de Burgess. Mais importante ainda, as novas
descobertas parecem datar do início do Cambriano Inferior. Relem
bre a anatomia geral da explosão cambriana: um período inicial, cha
mado tomotiano, com partes e fragmentos enrijecidos e sem trilo-
bitos — a “ pequena fauna conchosa” ; em seguida, a principal fase
da explosão cambriana, chamada atdabaniana, marcada pelo apa
recimento dos trilobitos e de outras criaturas cambrianas conven
cionais. A fauna chinesa é da segunda zona de trilobitos da fase at
dabaniana — justo no centro e perto do próprio início do principal
estouro da explosão cambriana!
Hou e seus colaboradores descrevem um rico e bem preservado
conjunto de fósseis, incluindo vermes anelídeos e priapulídeos, di
versos artrópodes bivalves e três novos gêneros de organismos com
o corpo de forma “ merostomóide” (Lou, 1987a, 1987b e 1987c; Sun
e Hou, 1987a e 1987b; Hou e Sun, 1988).
O fenômeno de Burgess, portanto, remonta ao início da explo
são cambriana. Num relato preliminar, baseado numa datação con-
fessamente incerta, Dzik e Lendzion (1988) descrevem uma criatura
parecida com Anomalocaris e um trilobito de corpo mole encontra
dos em estratos da Europa Oriental situados abaixo do primeiro apa
recimento dos trilobitos comuns. Não podemos ter mais dúvidas de
que Walcott encontrou produtos da própria explosão cambriana em
seus estratos da Colúmbia Britânica ligeiramente posteriores. Em
bora a disparidade encontrada na fauna de Burgess seja bastante
espantosa para uma época apenas trinta ou quarenta milhões de anos
após o início do Cambriano, não podemos considerar a grande va
riedade de formas de Burgess como resultado de um processo regu
259
lar de acumulação durante esse período relativamente curto. A prin
cipal arrancada ocorreu bem no início do Cambriano Inferior — e
provavelmente produziu toda a ampla variedade de organismos en
contrados em Burgess, se a fauna chinesa mostrar-se tão rica quan
to sugerem os relatos preliminares. A fauna de Burgess Shale repre
senta um período de estabilização ligeiramente posterior para os pro
dutos da explosão cambriana. Mas o que causou a dizimação ulterior
e o conseqüente padrão da vida moderna, caracterizado pela exis
tência de grandes lacunas entre ilhas de ampla diversidade no âmbi
to de designs anatômicos limitados?
260
A O R IG E M D A F A U N A D E B U R G E SS
261
diam encontrar seu lugar ao sol. A vida estava se irradiando para
os espaços vazios e poderia proliferar em progressão logarítmica,
tal como uma célula bacteriana numa placa de ágar. Na efervescên
cia e agitação desse período inigualável, a experimentação imperou
pela primeira e última vez num mundo praticamente desprovido de
competição.
Na teoria darwiniana, a competição é o grande regulador. Dar-
win, metaforicamente, via o mundo como uma tora com 10 mil
cunhas firmemente cravadas ao longo de sua extensão, representando
as espécies. Uma nova espécie só poderia entrar nesse mundo su
perlotado insinuando-se por uma fenda ou deslocando uma outra
cunha. Assim, a diversidade é auto-reguladora. À medida que a ex
plosão cambriana prosseguiu ela se completou, enchendo a tora com
cunhas. Todas as alterações posteriores ocorreríam por um proces
so mais lento de competição e substituição.
Esta perspectiva darwiniana também nos remete a uma óbvia
objeção ao modelo do barril vazio como causa da explosão cam
briana. Apesar de a vida ter sofrido algumas terríveis extinções em
massa após o Cambriano — a débâcle do Permiano pode ter ani
quilado 95% ou mais de todas as espécies marinhas — o fenômeno
da explosiva disparidade de Burgess jamais voltou a ocorrer. Em
bora seja verdade que a vida voltou a diversificar-se rapidamente
após a extinção do Permiano, não houve o surgimento de nenhum
filo novo; todos os recolonizadores de uma Terra esvaziada perma
neceram dentro dos limites dos designs anatômicos anteriores. Não
obstante, os mundos do começo do Cambriano e do pós-Permiano
eram crucialmente diferentes. Embora 5% talvez não seja uma taxa
elevada de sobrevivência, nenhum modo de vida e nenhuma função
ecológica básica foram inteiramente eliminados pela débâcle do Per
miano. A tora permanecia ocupada, muito embora as cunhas tives
sem se tornado mais largas ou mais distanciadas umas das outras.
Mudando de metáfora, todas as grandes esferas permaneceram no
barril e apenas os seixos dos interstícios necessitaram de uma recar
ga completa. O barril do Cambriano, por outro lado, estava com
pletamente vazio; a tora estava incólume, sem nenhum golpe de um
lenhador ou arranhão feito pelo canivete de um amante (veja Er-
win, Valentine e Sepkoski, 1987, para um interessante desenvolvi
mento quantitativo deste raciocínio geral).
Esta visão convencional tem sido aceita em praticamente toda
a literatura relativa a Burgess — não como um argumento ativo ex
plicitamente apoiado pelas evidências de Burgess mas como um tri-
262
buto que todos nós prestamos de boa-fé às explicações tradicionais
quando fazemos um comentário marginal a respeito de um assunto
que no início não despertou nossa atenção. “ Competição menos se
vera” tornou-se a senha da interpretação. Whittington, por exem
plo, escreveu:
H avia provavelmente alimento e espaço abundantes nos diversifica
dos ambientes que inicialmente foram sendo ocupados por esses no
vos animais, e a competição era menos severa do que nos períodos pos
teriores. Nessas circunstâncias, diversas combinações de característi
cas podem ter sido possíveis, enquanto estavam sendo desenvolvidas
novas form as de captar os estímulos sensoriais dos arredores, de ob
ter alimento, de fazer a locom oção, de constituir as partes duras e de
com portam ento (por exemplo, predação e utilização da carcaça de ou
tros animais na alim entação). É assim que podem ter surgido estra
nhos animais que não se encaixam em nossas classificações, dos quais
alguns remanescentes podem os ver em Burgess Shale (1981b, p. 82).
263
ditar que, nos tempos do Cambriano, os ambientes e os organismos
eram diferentes, e que a explosão e a posterior fase de tranqüilidade
se deveram tanto a uma mudança no potencial orgânico quanto a
condições ecológicas modificadas.
Ultimamente tem aumentado a popularidade de idéias acerca
de organismos desempenhando papéis assim tão ativos no encami
nhamento dos rumos de suas próprias modificações evolutivas (e não
meramente fornecendo a matéria-prima para o motor da seleção na
tural), à medida que os padrões rigidamente limitados do darwinis-
mo convencional cedem sua preponderância absoluta, embora con
servando uma grande e justificada influência. A evolução é uma dia
lética do interior com o exterior e não um quadro em que a ecologia
empurra uma estrutura maleável em direção a um conjunto de posi
ções adaptativas num mundo bem azeitado. Duas importantes teo
rias, expostas a seguir, atribuem um papel mais ativo à estrutura
orgânica.
2) Uma história direcional para sistemas genéticos. Na visão dar-
winiana tradicional, as morfologias possuem histórias que restrin
gem seus futuros, embora o material genético não “ envelheça” . Di
ferenças nas taxas e nos padrões de mudança constituem respostas
de um substrato material inalterável (os genes e seus efeitos) às va
riações ambientais que reajustam as pressões da seleção natural.
Mas talvez os sistemas genéticos realmente “ envelheçam” no
sentido de se tornarem “ menos propensos a perdoarem uma grande
reestruturação” (para citar uma frase de J. W. Valentine, que refle
tiu cuidadosamente a respeito deste problema). Talvez os organis
mos modernos não possam gerar uma rápida sucessão de designs
fundamentalmente novos, quaisquer que sejam as oportunidades eco
lógicas.
Não tenho nenhuma sagaz sugestão acerca da possível nature
za desse “ envelhecimento” genético; peço, simplesmente, que con
sideremos tal alternativa. No ritmo explosivo em que aumentam nos
sos conhecimentos a respeito do desenvolvimento e da mecânica da
ação genética, dentro de uma década deveremos ter os fatos e as
idéias necessários para embasar tal concepção. Valentine menciona
algumas possibilidades. Os genomas do Cambriano eram mais sim
ples e mais flexíveis? Os genes primitivos apresentavam menos inte
rações com outros genes? A evolução de múltiplas cópias para mui
tos genes, cópias que então divergiram para dar origem a uma va
riedade de funções afins, amarrou os genomas em teias de interação
que não podiam ser facilmente rompidas? Os organismos primitivos
264
se desenvolveram com uma tradução mais direta dos genes para o
produto, permitindo a tais criaturas permutar e alterar separada
mente os seus componentes? E, mais importante, será que a maior
complexidade e estereotipagem do padrão de desenvolvimento que
vai do ovo ao organismo adulto não puseram um freio no potencial
de alterações de grande magnitude? Por ora não podemos ir muito
além dessas sugestões toscas e preliminares.
Todavia, posso apresentar um bom argumento contra nossa jus
tificativa usual para rejeitar essas idéias em favor do convencional
controle pelo ambiente externo. Quando os evolucionistas chamam
atenção para o fato de que diversas linhagens não-relacionadas apre
sentam a mesma resposta ao mesmo tempo, eles em geral têm por
certo que alguma força externa à genética dos organismos provo
cou a resposta comum (pois os sistemas genéticos são muito desse
melhantes e uma pressão similar vinda de fora parece ser a única
causa comum plausível). Sempre consideramos que as criaturas res
ponsáveis pela explosão cambriana tinham pouquíssimas afinidades
entre si. Afinal de contas, elas incluem representantes de quase to
dos os filos modernos, e que coisas poderíam ser mais diferentes
umas das outras do que um trilobito, uma lesma, um braquiópode
e um equinodermo? Esses designs morfológicos eram tão diferentes
no Cambriano quanto o são hoje, de maneira que damos como cer
to que os sistemas genéticos eram igualmente dessemelhantes — e
que o vigor evolutivo comum a todos os grupos deve, portanto, ter
registrado a pressão externa da oportunidade ecológica.
Este argumento, porém, pressupõe a velha concepção de uma
longa e invisível história do Pré-Cambriano para criaturas que de
senvolveram esqueletos durante a explosão cambriana. A descober
ta da fauna pré-cambriana de Ediacara, com a forte possibilidade
de que este primeiro conjunto de fósseis multicelulares talvez não
tenha dado origem aos grupos modernos (veja pp. 366-7), sugere
que todos os animais do Cambriano, a despeito da disparidade de
formas, podem ter divergido não muito antes a partir de um ances
tral comum do final do Pré-Cambriano. Se isto ocorreu — se eles
ficaram separados apenas por um curto período de tempo — todos
os animais cambrianos podem ter sido portadores de um mecanis
mo genético muito similar em virtude do seu tempo estritamente li
mitado de vida independente. Nenhum vínculo é tão forte quanto
os laços de herança. Em outras palavras, a resposta similar dos or
ganismos de Burgess pode refletir a homologia de um sistema gené
tico em grande parte ainda conservado em comum e ainda bastante
265
flexível, e não apenas a analogia da resposta a uma pressão externa
comum. É claro que a vida teve necessidade do impulso externo da
oportunidade ecológica, mas sua capacidade de resposta pode ter
indicado uma herança genética comum, agora dissipada.
3) Diversificação inicial e posterior fecham ento como uma pro
priedade de sistemas. Meu amigo Stu Kauffman, da Universidade
da Pensilvânia, desenvolveu um modelo para demonstrar que o pa
drão de Burgess, caracterizado por rápida disparidade máxima se
guida pela posterior dizimação, é uma propriedade geral dos siste
mas, que pode ser explicada sem a necessidade de uma hipótese es
pecial a respeito de uma competição inicial mais branda ou de uma
história direcional para o material genético.
Considere a seguinte metáfora. O palco da vida é uma paisa
gem complexa, com milhares de picos de alturas diferentes. Quanto
mais elevado o pico, maior o êxito — medido em termos de valor
seletivo, complexidade morfológica ou por qualquer outro critério
que você preferir — dos organismos que estão sobre ele. Espalhe
ao acaso uns poucos organismos iniciais sobre os picos dessa paisa
gem e deixe que eles se multipliquem e troquem de posições. As mo
dificações podem ser grandes ou pequenas, embora estas últimas não
nos interessem aqui, já que não produzem nenhum novo plano de
organização do corpo e permitem apenas que os organismos elevem-
se um pouco mais no pico onde já se encontravam. As oportunida
des para o aparecimento de novos planos de organização corporal
surgem com os saltos maiores, bem mais raros. Os saltos grandes
podem ser definidos como aqueles que levam um organismo para
tão longe do seu antigo lar que o novo panoram a não guarda ne
nhuma relação com o antigo. Os grandes saltos são extremamente
arriscados mas proporcionam uma enorme recompensa para aque
les que obtêm sucesso. Se você aterrissa num pico mais alto do que
aquele onde se encontrava, você prospera e se diversifica; se aterris
sa num pico mais baixo ou num vale, você está liquidado.
Agora nós perguntamos: com que freqüência um salto grande
é bem-sucedido (produzindo um novo plano de organização do cor
po)? Kauffman demonstra que a probabilidade de êxito é no início
bastante alta mas logo cai e chega a praticamente zero — tal como
na história da vida. Este padrão condiz com nossa visão intuitiva
do problema. As poucas espécies iniciais são espalhadas ao acaso
pela paisagem. Isto significa que, em média, metade dos picos são
mais altos e metade mais baixos do que aqueles em que os organis
mos se encontravam antes. Assim, o primeiro grande salto tem uma
266
chance de sucesso de aproximadamente 50%. Agora, porém, as es
pécies que triunfaram ocupam alguns dos picos mais elevados que
a média — e a porcentagem daqueles picos que ainda são mais altos
que a média diminuiu. Após alguns poucos saltos bem-sucedidos não
restam muitos picos altos desocupados e a probabilidade de uma es
pécie saltar de um pico para outro cai acentuadamente. De fato, se
os saltos longos ocorrerem com razoável freqtiência, todos os picos
altos serão ocupados logo no início do jogo e ninguém terá mais
nenhum lugar para onde ir. Assim, os vitoriosos cavam trincheiras
e a evolução produz sistemas desenvolvimentais tão ligados aos seus
picos que, mesmo que surja uma nova oportunidade, as espécies não
poderão mais mudar. Portanto, tudo que lhes resta é aferrar-se ain
da com mais força a seus picos ou morrer. Trata-se de um mundo
penoso e muitas espécies encontram o último destino — não porque
a ecologia é uma tora darwiniana repleta de cunhas firmemente fin
cadas mas sim porque mesmo extinções ao acaso deixam espaços
agora inacessíveis a todos.
Kauffman pôde até mesmo quantificar o rápido declínio das
possibilidades de se fazer um salto bem-sucedido. O período de
espera até o próximo pico mais elevado dobra após cada salto vi
torioso. (Stu contou-me que existe uma montanha de dados rela
tivos a desempenhos atléticos mostrando que quando um recorde
é quebrado o tempo médio até a próxima quebra é multiplicado
por dois.) Se o primeiro êxito necessitou em média de apenas duas
tentativas, o décimo exigirá mais de mil. Dentro de pouco tempo
não há, na prática, nem mesmo uma única chance de conseguir
um lugar melhor, pois, embora o tempo geológico seja grande, ele
não é infinito.
267
Por mais notável que seja, porém, a iconografia invertida não
tem por si mesma um impacto revolucionário porque não exclui a
possibilidade de voltarmos a recorrer à convencionalidade. Lembre-se
do que está em jogo! Nossa mais preciosa esperança para a história
da vida, uma esperança da qual relutaríamos ao máximo em abrir
mão, envolve os conceitos de progresso e previsibilidade. Uma vez
que a mente humana surgiu tão tarde e, portanto, corre o risco de
precisar ser interpretada como uma acidental reflexão tardia num
peculiar jogo evolutivo, nós somos estimulados a fincar pé com fir
meza em nossas posições e postular que toda a vida anterior seguiu
uma ordem sensata na qual estava implícito o surgimento da cons
ciência. A maior das ameaças está numa história constituída de nu
merosas possibilidades, todas passíveis de serem compreendidas após
o fato mas cada uma delas totalmente imprevisível no princípio —
e com apenas um (ou pouquíssimos) caminho levando a alguma coisa
semelhante a nossa sublime condição.
A disparidade de Burgess e a dizimação que se seguiu consti
tuem um pesadelo que configura a pior hipótese possível para essa
esperança de uma ordem inevitável. Se a vida começou com um pu
nhado de modelos simples e a partir daí teve um curso ascendente,
qualquer experimento que consistisse em fazer correr novamente a
fita da história da vida a partir do punhado de organismos originais
seguiría o mesmo curso básico, embora diferente nos detalhes. To
davia, se a vida começou com todos os seus modelos presentes e cons
truiu uma história posterior a partir de apenas uns poucos sobrevi
ventes, então nos vemos diante de uma possibilidade perturbadora.
Suponha que apenas alguns fossem triunfar mas que todos tivessem
as mesmas possibilidades de consegui-lo. A história de qualquer con
junto de sobreviventes faria sentido, porém cada um deles nos leva
ria a um mundo inteiramente diferente daquele produzido por qual
quer outro conjunto. Se a mente humana for produto de apenas um
desses conjuntos, então talvez nós não tenhamos evoluído aleato
riamente, no mesmo sentido do ato de se atirar uma moeda para
cima. Nosso advento, ao contrário, seria produto de poderosas con
tingências históricas e nós provavelmente nunca voltaríamos a sur
gir mesmo que se pudesse fazer correr novamente milhares de vezes
a fita da história da vida.
Podemos, contudo, despertar deste pesadelo — com um sim
ples e óbvio argumento convencional. Certo, as extinções em massa
ocorreram e apenas uns poucos designs originais sobreviveram. Não
268
precisamos, contudo, supor que as extinções tenham sido lances de
azar. Suponha que os sobreviventes tenham sobrevivido por seus pró
prios méritos. O início do Cambriano foi uma fase de experimenta
ção. Deixe um punhado de engenheiros remendões se encarregarem
de um trabalho e a maioria dos resultados não valerá nada: os per
dedores de Burgess estavam destinados à extinção por causa de suas
constituições anatômicas defeituosas. Os vencedores eram melhor
adaptados e tinham a sobrevivência assegurada pela sua superiori
dade darwiniana. Que importância tem se o início do Cambriano
eliminou uma centena ou um milhar de possibilidades? Se apenas
meia dúzia revelaram-se suficientemente adaptadas para triunfarem
num mundo penoso, então essas seis iriam dar origem a toda a vida
subseqüente, não importando quantas vezes se fizesse correr nova
mente a fita da vida.
Essa idéia de sobrevivência determinada pela capacidade ana
tômica ou pela complexidade — “ maior aptidão competitiva” , no
jargão técnico — tem sido a explicação favorita, praticamente nun
ca contestada, para a redução da disparidade de Burgess e, na ver
dade, para todos os episódios de extinção da história da vida. Esta
interpretação convencional está firmemente ligada à visão conven
cional de que a origem da disparidade de Burgess foi o enchimento
de um barril ecológico vazio. Um barril vazio é um local generoso
e complacente. Ele contém tanto espaço que até mesmo um ostensi
vo desastre de design anatômico pode enfiar-se numa fenda e
agüentar-se lá sem precisar enfrentar a competição com os meninos
maiores que possuem uma anatomia superior. A festa, porém, aca
ba logo. O barril enche-se e todos são atirados no redemoinho da
competição darwiniana. Nesta “ guerra de todos contra todos” , os
ineficazes sobreviventes dos tempos mais suaves logo desaparecem
para sempre. Apenas os poderosos gladiadores vencem. Polegares
para cima para a boa anatomia!
Você lerá esta interpretação em livros didáticos, em artigos pa
ra revistas de divulgação científica e até mesmo no Yoho National
Park Highline, o boletim informativo do parque nacional que abri
ga Burgess Shale (edição de 1987). Sob a manchete “ Os fósseis de
Yoho têm significado mundial” , é dito que: “ Os primeiros animais
se instalaram num ambiente destituído de competição. Posteriormen
te, formas de vida mais eficientes passaram a dominar, apenas para
serem suplantadas repetidas vezes à medida que as condições se al
teravam e a evolução seguia seu curso” . E quando, em 1988, o Ser
viço de Parques Nacionais do Canadá publicou a primeira brochu-
269
mais de Burgess Sha^ ” ? S ^*sse's ma^s famosos do seu país (“ Ani-
estão fora dos limit ^ h 6^ S escreveram que todas as criaturas que
saída evolutivos destí hS ^ ° S rnoc^ernos “ parecem ser becos sem
Ihor adaptados nu as a serem substituídas por organismos me-
Até recente S eflcientes” -
safiado essa cômoda vi ^ ^ tT^ ngton e seus colegas não haviam de-
grafia sobre Wiwaxia 1Sa0 *St° ^az mu^to sentido. Em sua mono-
famente os dois cenárirfT exemplo>Conway Morris reuniu explici-
causa da disparidade se** radicionais ~ enchimento do barril como
subsequente extinção- ^U* ° de severa competição como causa da
É Possível que adi v e jf. .
rsponibilidade de u m P Ça° tenha sido simplesmente um reflexo da
veis de competição w f a^° ec°lógico quase vazio e com baixos ní-
vanedade de pianos de o r™ ?ossibilitado a evolução de uma grande
caPazes de sobreviver no[8an!?aÇa0’ dos quais apenas alguns foram
competitivos com o decor anV 6nteS que se tornavam cada vez mais
Briggs disse a m ° t6mp° 8eológico (1985, p. 570).
gação científica france^: ^ a° S leit0res de uma revista de divu1'
Essa diversidade t
cns a Uma fase anterior ao n™reS1^ tado de uma ausência de competi-
se r a °S,mares do Cambriano T C 1I?leat0 de todos os nichos ecológi-
ram s! amente, sem dúvida nr, maíoria desses artrópodes extinguiu-
stituídos por outros mTu16 ° S ardmais menos adaptados fo-
Whittington també adaptados (1985’ p‘ 348)’
brevivência e superioridadleS? a equiparaÇão automática en-
As subseqüentes e , adapta‘iva:
f0r^
",od» ® e, ”X M
emtetrM^ T ar por, adM
i Plel0ra
podemde(er
■ »TOuiiado
« * * * » »,
n£
„ ’ ‘etrospecto rrr u 1 ter resultado no
Conway Morris e . ’ nhecemos
ecemos como
c°mo filos (1980,
(1980, -r
ls direta S e Whtttineton
teafonte^elnfoarlÍ8° Para° 3 qUestão de
nÚmero de C eT
Muitos animais do naie que tem <
pu Porgorgani^Q
Po P°r o r g a n i s aZ°^rios?de°tina^osm
m o ; 105’ destinado, * * experimcntos
exPe™ rentos pion
pio
n° ’ a tendência
no> t e n d ê n na melhor adaptado
S melh<» adaptados ^ 0 ** suPlantados
SUplantados no
no <de
’
o e s d e r e l a t n __ rece ser dP • Após a irrad iarão a,
t’®Sde relativamemeCe Ser de sucesso eApÓS a irrad'aÇão do (
r°S 8rUpos (1979, p PS s ®upo, à e u s m T 0 no número
■P- 133). d custa da extinção dem
270
descrifivPa 1VraS tem Uma influência sutil. Frases Que pretendemos
Embo aS denunciam nossas noções de causa e significado último.
tar ra eu desconfie que nesse trecho Simon e Harry pensavam es-
“ de ? CnaS delineando um padrão, considere o peso de frases como
reu e ln,ad° S a ser suplantados” e “ à custa de” . Sim, a maioria mor-
Corne a ®,Uns Proliferaram. Nossa Terra sempre operou de acordo
escolh’HnnC1P*° C*Cque mu^ os sao convocados e apenas uns poucos
rece 1 y?S 9 s™ Ples padrão de vida e morte, no entanto, não ofe-
os n Indicio de que os ganhadores sobrepujaram diretamente
qUantr edores. As causas da vitória são tão variadas e misteriosas
gem ° S qUatro fenômenos considerados tão maravilhosos que fo-
nos a° nosso entendimento (Provérbios 30:19) — o vôo da águia
em T 118’ ° rastei ar da cobra no rochedo, a navegação de um barco
a u eno mar e o caminho de um homem junto a uma jovem. Os
a $ , entos 9ue propõem a superioridade adaptativa como base para
cínio eVlVenc’a correm o risco de incorrer no clássico erro do racio-
a Clrcular. A sobrevivência é um fenômeno a ser explicado e não
dos” a ’ lpso f acto’ de que os sobreviventes eram ‘‘melhor adapta-
Eda há° ^Uê aque*es due morreram. Esta questão vem sendo deba
tem t(£ nia*S de Um s^cul° Pelos adeptos da teoria darwiniana. Ela
cos f mesmo um nome — o “ argumento tautológico” . Seus críti-
to. ,lrmam que o lema “ sobrevivência dos mais aptos” é uma tau-
e a ,gla seni sentido porque a aptidão é definida pela sobrevivência,
6 ínição da seleção natural reduz-se a um vazio “ sobrevivência
OS s°breviventes” .
este C° nhece‘se o caso de criacionistas que chegaram a apresentar
j rêumento como uma suposta refutação da evolução (Bethell,
um ’ <V6^a 3 minha resposta em Gould, 1977) — como se mais de
már*61^ 0 -^6 C0leta de dados Pudesse ser destruído por um erro pri-
soln ~ 6 1ÓgÍca srlogística. Na verdade, o suposto problema tem uma
aPtid~° faCÍI’ Uma que 0 PróPrio Darwin aceitou e apresentou. A
da a a,° ~~ peste contexto, maior adaptação — não pode ser defini-
desaf ° S ° fat0 pe,a sobrevivência, mas pode ser prevista antes do
Port 10 3través de uma análise da forma, da fisiologia ou do com-
rer arPento. Como argumentou Darwin, o veado que pudesse cor-
ü ™ais raPido e por mais tempo (conforme indicado por uma aná-
Prob°h ° SS0S’ das arílculações e dos músculos) deveria ter uma maior
res f bllldade de sobrevivência num mundo de perigosos predado-
ns maior taxa de sobrevivência é uma previsão a ser testada e
uma definição de adaptação.
sta condição aplica-se de forma exatamente igual à fauna de
271
Burgess. Se Quisermos afí
varam os melhores d e i' 1Fmar ? ue as extinções de Burgess preser-
mento poderia ser p r e v /f ^ 6 ej 'm*naram aqueles cujo desapareci-
brevivência como nrnvl °a ent^° nao Poderemos utilizar a mera so-
P>°> ter a capacidade ri 6 vj*Per.*?r*dade- Precisamos, em princí-
reconhecimento de sua p & identificar os vencedores através do
Petitiva. O ideal seria ef C'a anatômica ou superioridade com-
em seus dias de glória m pudessem° 8 “ visitar” a fauna de Burgess
C10nar as espécies d e s S ? SM elementos prosperavam, e sele-
vantagem estrutural definível sobrev'vência Por meio de alguma
77
273
Pudesse novampnfm°* ° 3 permitir 9ue a diversificação dos metazoários
briano, parece m &ravessar os imites entre o Pré-Cambriano e o Cam-
corpo que surai«SS1Ve pueos bem-sucedidos planos de organização do
sem incluído o. 3 ? frbr dessa arrancada inicial da evolução tives-
A ss. waxideos em vez dos moluscos (1985, p. 572).
274
últinÜ.8rÍ1?,.e ner,huma mosca — e também nenhuma abelha e, em
g anallse> nenhuma linda flor.
ger t a m b ^ 3 CSta ^ uestao para a^ m dos artrópodes afim de abran-
em Bu 601 a<^ue^as criaturas singularmente estranhas encontradas
^ n n d o ^ 68^' ^ ° r ^ Ue nao OPab‘nia ou Wiwaxial Por que não um
lugar d 6 Cr^lvoros marinhos raspadores dotados de escleritos em
mu n d o ^ C° nc^ as d °s caracóis? Por que não Anomalocaris e um
para a ° Predadores marinhos com membros anteriores próprios
qUe não31^ ^ C Uma mandíbula semelhante a um quebra-nozes? Por
é sugadoUm ^teven Spielberg em que um rude marinheiro
esmagad ^ entro da ^oca cilíndrica de um monstro marinho c
a sune f'°- entamente por múltiplas carreiras de dentes que cobrem
o i n w ICIe interna de uma boca circular e estendem-se bem para
Não" ° eSÔf3g° ?
loteria p Sa^emos com certeza se a dizimação de Burgess foi uma
êozavam ? ntu^ 0’ nao temos nenhum indício de que os vencedores
tem pos CsuPenor,dade adaptativa ou de que um observador con
tes. Tud ne° pu<^esse ter apontado antecipadamente os sobreviven-
n° g ra f ° ° aprendemos com as melhores e mais detalhadas mo-
Perded(^S anat° m*cas da paleontologia do século x x indica que os
tante apto* ^ ^ Ur®ess eram adequadamente especializados e bas-
275
4
r, A VISÃO DE WALCOTT
A N a t VREZA d a h i s t ó r i a
UMA N° ™ b io g r á f ic a
Doolittle AA/ol
a sombra projetada d alcott tivesse sido um homem comui
tão grande e seu erro b T -6 6 S° bre ^urgess Shale não se mostrai
mos dentro dos gruDoc S1C° de ^orçar a inclusão dos novos organ
uma nota de rodané 1^ °° .e,CÍdos talvez não merecesse mais do q
í r ü n W o . e poderosr>QS a*cott f°i um dos cientistas mais <
m do mais, sua i n f l u í ^ ^ ° S p stad°s Unidos jamais produz
Perspectiva profundam ent^ apoiava' se de modo evidente em ui
^ a e da moralidade. Assimonservadora e tradicional a respeito
as razões para seu firme a r ,'Se pudermos compreender as comp
soclaS adquirir uma comnrepê°~a Calçadeira de Burgess talvez p<
!? e conceituais à inova de Caráter geral dos obstácu
° nome de Walcot Ça° científica.
cia noTtPCSSOaS que têm alguma f016 nã° é muito conhecido, mesi
PúmS r ' r ericana- Toda8v T s i r Uaddade com a história da ci'
história da 3Penas nossa conce ef aparec”nento da consciên
lia?ão in co ríelíd ; Uma atitude ^ e ^ f ° Samente enviesada
Nós valoriza da lmP°rtância tlcamente assegura uma a
277
ministrada é um flui 6 0 os' ^ marca de uma instituição bem ad-
desembaraçado nua * SUaVe quf d á a impressão de ser espontâneo,
me do presidente de s au^ omí*t'co- (Quantos de vocês saberão o no-
do Por desfalque?) Os^d anC° ’ 3 menos que ele tenha sido indicia'
nhecidos por seus suh & ynin*stradores são evidentemente muito co-
abordar o chefe em h ° r 1Pl.ados e beneficiários — pois precisamos
e dinheiro, que caracm*" daqueles fav°res, sob a forma de espaço
Mas o nome de um born^H1" &S questues cotidianas das academias,
sagem pelo poder & rnin'strador morre ao encerrar-se sua pas-
280
P°r que w ]CSCtrans/ ormou quase numa obsessão: queria descobrir
clusão dos orCOtt comet’do 0 erro fundamental de forçar a in-
que a respo ^gamsmQS c*e Burgess nos grupos então conhecidos. Achei
tada por Bur && questao P°deria completar a grande história con-
gem não em^rfSS ^ a*e ~ P°^s se os motivos de Walcott tivessem ori-
e atitudes t *.10ss' ncras’as pessoais mas sim na adesão aos valores
^hittingtoTa / C’0na's’ então eu poderia mostrar como a revisão de
algo antigo0' f aseac^a no tema da dizimação por loteria, subverteu
eaixa e des 6 , undamental em nossa cultura. Eu vasculhei caixa por
c°njunto deCf- ” numerosos indícios da existência de um complexo
levado pelos at° res> tod °s eles indicando claramente que Walcott fora
a inclusão d S6US Sentiment0s e c°nvicções mais profundos a forçar
impôs aos f ^ Cr*aturas de Burgess em grupos conhecidos. Walcott
relação à ^ ^ ur®ess seus dem definidos pontos de vista em
inovadora * e*CS nao dialogaram com ele em nenhuma maneira
ci°nal que ° U lndePendente. A calçadeira foi um expediente conven-
m° seu aD Preservou tanto a iconografia do cone de diversidade co-
sivel da arato conceituai subjacente de progresso e evolução previ-
p c ° n s c iê n c ia .
cínica es mUltos S tores minha afirmação poderá parecer estranha e
de nós Ç601 mente quando aplicada a uma teoria científica. A maioria
mito de ° SOmos snficientcmente ingênuos para acreditar no velho
conceitos^Ue ° S C^en^ slas sao modelos de objetividade isenta de pre-
suas con 11®aa'mente abertos a todas as possibilidades e chegando às
lógicos fqUS^CS apenas através do peso dos indícios e dos argumentos
ierências ° S,temos a c°mpreensão de que nossas predisposições, pre-
tante pa ’ | 0res sociais e atitudes psicológicas desempenham impor-
xar ieVa^e 00 processo da descoberta. Todavia, não devemos nos dei-
0 Ponto extrcmo oposto, representado pelo completo cinismo —
nhum p e. v*sta de que os indícios objetivos não desempenham ne-
vas e deape ’ de que as percepções da verdade são inteiramente relati-
de de n C].ae„as conclusões científicas são apenas uma outra modalida-
num H,r? Cranc'a estética. A ciência, tal como é praticada, constitui-se
argumla °^ ° £n^re dados e idéias preconcebidas. Não obstante, estou
sidera e~mando que a calçadeira de Walcott foi usada sem qualquer con-
c° st pao aos dados de Burgess e, conseqüentemente, negando que o
ta aj- eiro diálogo tenha ocorrido neste caso. Além do mais, faço es-
meirar^ a^ ° a respeito da maior descoberta de um cientista de pri-
a. lnba e não a propósito de um episódio menor na vida de um
paraSecundário. Este insólito fluxo de mão única, das preconcepções
os indícios, pode realmente ocorrer?
281
Eu
Em geral, a resposta seria não. Os fósseis iriam p r o t e s t a r ^ ^
não tenho nenhuma perna sob a carapaça” , Opabinia disse a
verdade mi-
Whittington. “ Aquela medusa chamada Peytoia e na -sicas,
; básicas,
nha boca” , exclamou Anomalocaris. Mas, por duas razões
transfot-
os animais de Burgess disseram pouca coisa a Walcott coer-
mando desse modo sua calçadeira num admirável exemplo e ^
ção ideológica. Em primeiro lugar, suas preconcepções possuíam ^
zes firmes, tendo se originado no âmago de seus valores soei
de seu temperamento. E, segundo — uma razão tão ridicu am ^
simples e óbvia que poderia passar despercebida em nossa busca
significados mais “ profundos” —, os fósseis não responderam P ^
que Walcott nunca encontrou tempo para conversar com eles.
da pode ser esticada até um certo ponto. Os encargos adminis r
vos acabaram impedindo que Walcott continuasse sendo um ci
tista atuante. Ele simplesmente nunca encontrou tempo para estu
os espécimes de Burgess. Walcott publicou quatro artigos prelimi
nares em 1911 e 1912. Seu assistente, Charles E. Resser, trouxe a
luz postumamente as anotações de Walcott, em 1931- Nesse meio
tempo, durante os últimos quinze anos de sua atarefada existência,
Walcott publicou monografias sobre as esponjas e as algas de Bur
gess, mas não produziu mais nenhum trabalho a respeito dos com
plexos animais da fauna fóssil mais importante do mundo.
A primeira razão (sólidas idéias preconcebidas) con stitu i o fuu
dam ento para a m ensagem deste livro; a segunda (en cargos ad m i
nistrativos) é um a particularidade relativa apenas a W a lc o tt. N ã o
obstan te, iniciarei m inha discussão por esta pecu liarid ade de W a l
cott visto que precisam os entender por que ele fo i in ca p a z de ouvir
antes de nos concentrarm os na gravação de sua própria ca n çã o .
• n°m ° v?S 3 m im stradores são em geral recrutados entre o s PeS"
tóriad?W alcouUCedld° S’-qUando estes atin&em a meia-idade, a his-
tes e do conseaüènteTf'11^ de demandas intensamente conflitan-
Zde*0
o rreirao
c f Z aque
u eseZouve entre
^ Ínterno’ ía z «» a™ sin cero e d ifu n
Os administradores são escolhido!! instituições científicaS'
no sentido de gostarem t u , P0rciue entendem de pesquisa
tão velha qaanto a ™ t “baí ° ' d' bem- A U st6ria é
amava. Você comeca f iS Í Í ® 8 d° Cambriano óue W alcott tanto
terei mais o mesmo temor, ° ° Uma promessa a si mesmo: eu não
compensação, serei mais er™ me dedicar as pesquisas, porém, em
beira do caminho comioo 1C!ente‘ Embora outros tenham caído à
nhas pesquisas; vou contir!^ ^ dlferente'>uunca abandonarei mi-
- vou continuar trabalhando e publicando quase que
282
insinuar^1^ 13 capac‘dade m áxima. Lentam ente, a obstinação da
do deixada1deVltabÍ1Ídade assume ° controle. A pesquisa vai sen-
nal. Sua ' 3 6 ^ ° ' nunca abandona o ideal, o am or origi-
tor. assimntenÇa° ^ voBar Para d e> assim que deixar de ser dire-
mente de f UC SC aposentar>assim que... Algumas vezes você real-
velh0; Cq ruta. de um renovado período de atividade depois de
■aterpõe se ^reqüênc' a ’ com o no caso de W alcott, a morte
tivos f0s" 0tt 016 de^xa PerPlexo. Em bora seus encargos administra-
durante t ^ extraordmariamente pesados, ele continuou a publicar
(em Taft* ° ° penodo final de sua vida. Sua bibliografia completa
Primeiro ^ ’■ relaciona 89 itens entre 1910, o ano de seu
Destes trab m " 0 S° bre Burgess Sha,e’ e 1927>Quando ele morreu,
em dados P ° S’ ^ eram artigos técnicos originais fundamentados
mia e da ntre eles estão trabalhos de vulto no campo da taxono-
Ve mais anatom *a >alguns deles escritos nos anos em que se mante-
P°des do p Baao. uma centena de páginas a respeito dos braquió-
brianr» ambriano, em 1924, oitenta sobre os trilobitos do Cam-
Neolenu outra centena sobre a anatomia do trilobito
dia , estab' 1921' Mesmo assim, porém, o limite de 24 horas por
ças e os t eC^ ° pd ° Senhor, restringiu dolorosamente as esperan-
Ser cozidP an° S dC ^ a^cott- A maior parte das pesquisas passou a
nha os f 601 Brando. A mais conspícua dessas panelas conti-
P°r negi°SSC*S Bur®ess Shale. O sentimento de culpa de Walcott,
da perso CnCÍar Seus fósseis favoritos, e sua alegria antecipada diante
tante PectlVa de poder v°ltar a dedicar-se a eles é um tema cons-
do Prop S-Ua corresP °ndência. Penso que Walcott estava guardan-
Centro ,0 sita*mente os espécimes de Burgess para transformá-los no
morreu 6 ^ *nteresse durante os anos de aposentadoria. Mas ele
T o d ^ 68 dC SC aP °sentar> aos 77 anos de idade.
tos do 'd° C^Se processo familiar, com seus inevitáveis deslocamen-
P°de s * ea^ smo da juventude para a resignação da idade madura,
Quívo^ h reconstituído com extraordinária perfeição graças aos ar-
jovem w Walcott (fi8s- 4-f e 4-2)- No dia 2 de junho de 1879, o
vant alcott, buscando seu primeiro emprego no Serviço de Le-
loen ^ 1,ento Ge°lógico dos Estados Unidos, escreveu ao grande geó-
80 Llarence King:
d0s e l ? S? ’ este é WilIi™ Howard Taft, na época ex-presidente dos Estados Unt-
tr° par 6Sldente interino da Suprema Corte, que prefaciou a narrativa desse encon-
a Perpetuar a memória de Walcott.
283
Estou pronto a executa ■
onde quer qUe eu venha dl'alc|UC' . tare,a que esteja ao meu alcance e
geologia estratigráfica in d n f úti1, p meu desejo trabalhar com
os invertebrados. r ’i p n n 0 a ccdeta e o estudo da paleontologia
[•••] Espero sinceramente t„ f ° Staria de fazer disso o trabalho de vida.
’ entao>Permanecer ou não n 0p° Itlln’ dade de fazer uma experiência
King resnnnHo ° m ase nos resultados do meu trabalho.
de julho? ■ " " * » Positivamente, e com amabilidade, n0 dia „
7?
PQtic° Jovem
ÍJ/fJ
mui<os desses retr'n^°r°8r^ Ca ^ ^a^co11 Por volla (pJ ,9 ,s - Apesar de existirem
>r,en,e deste p or ' al0i n° S ar<üt,'vos do Instituto Smithsoniano, eu gosto particular-
SUa Profundu tr ' T pa,ece m°strar tão bem não só a força de Walcott mas também
is eza durante esses anos de tragédia familiar.
anti8as do CamK ■
recUsou um ' m ünano> ao qual dedicou toda a sua vida, Walcott
de Poder d C3I®C! Pr° f essor na Universidade de Chicago a fim
enviou sua3^ 0111*1111' 0*3^ 6 as suas PesQuisas livre de embaraços. Ele
c*°nário arf .e^cu^ as a T. C. Chamberlin, eminente geólogo e fun-
desej0 e ™!nÍstrativo de Chicago: “ Como o senhor bem sabe, meu
nentais q3111 ^ 3° ^ comP*etar 0 trabalho sobre as formações conti-
log0s os UC <?a*am d° *nício do Paleozóico e proporcionar aos geó-
M as?16'08 P3r3 ciassiü ca'ias e mapeá-las” ,
começar °^ ° 30 ano seê uinte, 1894, as atividades administrativas
que en v 3m 3 restrin8ir ° seu trabalho a partir de dentro. Numa carta
tes QUe 1-0’U ^ SU3 m ae’ Walcott expressou os sentimentos conflitan-
nhecim Iriarn Persegui-lo pelo resto da vida — orgulho pelo reco-
dos à en^° f Um ardente desejo de prestar bons serviços, mescla-
angústia pela redução do tempo disponível para as pesquisas:
285
25 / 10/1894
286
chegará° ^ ^°rma satisf^tória e de que no devido tempo o senhor
ele” rfi 3 Uma S0^UÇ^° prática para todos os problemas ligados a
dente d CJ,Ut0U pe*° bem-estar dos cientistas, escrevendo ao presi-
°s pes 3- 0rrassao Interestadual de Comércio para argumentar que
^esm o f Sa^ ° reS C*eVer’am receber passes ferroviários gratuitos ‘‘do
^ente *u° ^ Ue 0S f° rnecidos a pessoas que se dedicam exclusiva-
tiu a jn3 -° .ras caridade ou a instituições beneficentes” . Ele resis-
sião em 10' 138 so^c' tad°es de fragmentos do seu dia, como na oca-
Wrdlick C*UC ° antloPÓlogo-chefe do Instituto Smithsoniano, Ales
ele cp 3> So*'c' tou-lhe algum tempo para a tomada de medidas que
se esquecera de fazer:
287
4 .3 . T o d a a f a m ília W a lc o ll e m T r o v o , U ta h , e m 1907 E m p é , d a e s q u e r d a p a ' a
a d ire ita : S id n e y ,q u in z e a n o s; C h a rle s J r„ d e z e n o v e ; C h a r le s, 57; H e le n a , 4 2 . S e n ta
d a : H e le n , tr e z e a n o s.
288
° fito d e p a r a to m a r d e c is õ e s p a te r n a is “ o p o r t u n a s ” c o m
d e s i m p r ó n ° - C^ e r SU ? ^ n c *a e i n s i n u a f i l h a c o n t r a o s r i s c o s d e a t i t u -
a P re c ia d a s *re<^ e n t e s i n t e r v e n ç õ e s d e W a l c o t t e r a m m u i t o
e X e m p i0 e i^ 6 & s e n b ° r i t a H o r s e y . N o d i a 1 8 d e j u n h o d e 1 9 1 2 , p o r
P a r a a s m u l h eS C reV eU : ' ^ U a c a r t a a ^e z P e r c e b e r c o m o é o b j e t á v e l ,
1116 a c h a ir r e ^U m a r ‘ lh e d ig o is to c o m fr e q ü ê n c ia m a s e la
1 7 d e j u l h o d*6 ]l a v e *m e n t e a n t i q u a d a ” . E s c r e v e n d o d e P a r i s , n o d ia
P orém , a m e 6 ’n ^o r n i o u : “ S u a b e l e z a é t ã o g r a n d e [ . . . ]
d e n t e d e s e j o ^ ^ U e .s u a m a n e i r a e x t r a v a g a n t e d e s e v e s t i r e s e u a r -
s is t e m a t ic a m C a t r a ^r a a t e n Ç ã o e a a d m i r a ç ã o d o s h o m e n s s e j a m
a Cau s a r - ih e r e ^r e a d ° s d u r a n t e a l g u m t e m p o , i s s o p o d e r á v ir
l‘a > e la d e c l a ^ ra n < ^ f l ^ h c i d a d e ” . E m o u t r a c a r t a , e n v i a d a d a I t á -
* c h e ia d e v i d ° U ' r e a ^m e n t e n a o e s t á a s a l v o d e r i s c o s . H e l e n
S ete a n o s _ S ? a n ‘^ a P ° r a v e n t u r a s — t o d a s a s g a r o t a s t ê m d e z e s -
e n c o n t r 0 s [coe e a é *n 8 ê n u a e i n o c e n t e , e p o d e r i a s e r i n d u z i d a a t e r
V e ssi*ra . o m e n s] à s e s c o n d id a s , a p e n a s p a r a f a z e r u m a tr a -
Em meio 13 ÍSt° Seria Peri8 °s° ” -
tos n°i'mais d & CSSaS extraoi"dinárias tragédias pessoais, os assun-
teihpo de Wal& V1C*a ^arn^*ar e Profissional também consumiam o
lnvestid0s na ^ 0 tt' mesmo tempo em que administrava milhões
Urn banco local0mPan^ a ^ nerêia Elétrica Telluride, ele advertia
Cld° a seu filho^ respe^to ^a importância de limitar o crédito ofere-
^ eu filho, b . s w i
Sada e, até o alcott, e calouro em Princeton. Ele recebe uma me-
eu não conced101116111-0 ’ tem pa®° suas contas em dia. N ão obstante,
de trinta dias 6113 Cr^ ' t0 a ele ou a Qualquer outro garoto por mais
c°nseqüênn’ m^smo assim > o faria apenas em quantias limitadas.
0 Saroto e tPr„jaS & disponibilidade de crédito são prejudiciais para
tendentes a causar complicações.
e s s a b a b e l d e ^ t -8 v f 3 *6 p o < ^e r i a t e r s e a d e q u a d o a e s s e c a l d e i r ã o ,
Se a n e c e s s i d a d e d ' Vl a ^ CS cf > m p u i s ° r i a s e n e c e s s á r i a s ? W a l c o t t t i-
d e ~~~ a ° m e n o s SCUS V e r ° e s n a s M o n t a n h a s R o c h o s a s c a n a d e n -
e tlc o n t r a r t e m n ° m ° U m a t e r a p i a - C o n t u d o , e l e n u n c a f o i c a p a z
s e m W a s h i n a t ° Pf r a <^e<d fc a r - s e a o e s t u d o c i e n t í f i c o d o s e s p é c i -
« o d e s s e ò"8 ' 0 ” - U r a " ° « v e l i n d i c i o a r e s p e i t o d a ,
.d 0 n t r a ad °o mn u m, . a. .r e m a pP u° ir Pp a r t e d o p r oó p r i o W a l c o t t p o d e s e r e n -
c ji s A s s e i s d e B u ^ 6 a<^ ° r a s ^ e c a r ta s q u e a b o r d a m a q u e s tã o
^ e.r t ’ s e u a n t i g o ~ ~ SU a c o r r e s p o n d ê n c ia c o m C h a r le s S c h u -
3 ls ^ e s t a c a d o s a S ^1 S te n l e e > n a é p o c a , p r o f e s s o r e m Y a l e e u m d o s
P a e o n tó lo g o s d o s E s ta d o s U n id o s . E m 1 9 1 2 , e m -
aPenas u m ^ e a T ln a h *0Cm atividades de co m itês, W a lco tt i
chert lhe enviara: ernora n° estiido de alguns trilobitos que Schu-
sas a&me larla mals fe*’z d° <lue poder prosseguir com minhas pesqui-
Ze anP° nt° Pa^iiear os dados que venho coletando nos últimos quin-
mstrati* nas montanhas do Oeste. [...] Embora minhas tarefas admi-
cons'd*VaS na° ten*lam s’do desagradáveis ou decepcionantes, eu as
que * h™ Um Acidente transitório e não um trabalho sério, se bem
narà ° Vlamente>às vezes tenhamos de dar o melhor de nós mesmos
a s o lu c io n a r os problemas que aparecem.
291
A B A SE R A C IO N A L M A IS P R O F U N D A
P A R A A C A L Ç A D E IR A D E W A L C O T T ^
O caráter de Walcott
292
[
servai/ Cartas ^ c' ta^ as dão uma idéia de suas atitudes sociais con- |
idéias T ~ ° tratam ent0 diferenciado para filhos e filhas e suas
Iam m S° ^ & ^ru8a^dade e a responsabilidade. Os arquivos reve-
eu api.Ultas outras facetas desse traço básico de sua personalidade;
atitude Sdnt° Uma pe(*uena amostra apenas para dar uma idéia das
te o J 6 Um P°deroso representante do conservadorismo duran-
no r,«jirn° ®rande período de confiança na superioridade moral e
Poder secular norte-americanos.
%ião-m ^ a*cott escreveu a John D. Rockefeller sobre a re-
Piedó^ ° Nova York, por minha mãe e sua irmã, que eram
nos fuS" Cr’stas' Sempre fui adepto da Igreja Presbiteriana, pois creio
fament1 amentos da religião cristã e na necessidade de praticá-los jun
te Para6 - °m pessoas que acreditam na eficácia da Igreja como um agen-
a preservação e o desenvolvimento da espécie humana.
C ito ;
festadas a5 j3p*n*°es de Walcott sobre o consumo de álcool (mani-
c°nsider^ ^ no Cm ^ de outubro de 1923), não porque eü as
c°ncordo grac' osamente antiquadas ou antediluvianas (na verdade,
das conse * P0Stura ind>vidual de Walcott, ainda que duvide
grafo) m qUCnCÍas P e r n a s prefiguradas por ele no segundo pará-
da Per'sonaSrH°rqUe considero o tom desta passagem tão evocativo
a i ade e das atitudes gerais de Walcott:
294
vários antropólogos haviam co e a tempo que invocav
Estados Unidos durante a guerra ao , s e a informações q
a imunidade científica para o b t e r acess proibidas. E l e argu
d e o u tr o m o d o p o d e r ía m te r s id o e c , in fo r m a ç õ e s se c r e ta s
m e n to u q u e , e m b o r a a c o le ta c la n e s 1 d e n e g ó c io s e m ilita r e s ,
s e ja a c e itá v e l n o c a s o d e p o lít ic o s , o d u p lic id a d e c o m o n o r -
v is to q u e a s p e s s o a s d e s s a s á r e a s p r a ic c o n sid e r a d a s a b o m í
m a , ta is c h ic a n ic e s n ã o p o d e r ia r n e ix a , . QS c i e n t í f i c o s . H o j e
n á v e is e c o n d u c e n t e s à d e s t r u i ç ã o o s P e a m a io r p a r te d a s
e m d ia , a n o t a d e B o a s c a u s a r ia p o u c a c i n g ê n u a d o s id e a i s
p e s s o a s a e n c a r a r ia c o m o u m a e v o c a ç a o u m t a n t o
c ie n tífic o s . „ r ^ r te -a m e r ic a n o , p o r é m ,
N a a tm o s fe r a jin g o ís ta d o p ó s-g u e r r de B o a s fo i a u
a s r e a ç õ e s fo r a m d ife r e n te s . P a r a a c o > . * m o d o e d e s le a l q u e
t im a g o t a d ’ á g u a d a p a r t e d e u m e s t r a n g e i fir m o u e le , a c u s a r a
b á m u ito v in h a lh e c a u s a n d o ir r it a ç a o . ’ p o is W ils o n h a -
d ir e t a m e n t e o p r e s i d e n t e W i l s o n d e s e r m e s p iõ e s : n a s d e m o
v ia d e c l a r a d o q u e “ s ó a s a u t o c r a c i a s e m p g f o i d e o p in iã o
c r a c ia s e l e s n ã o s ã o n e c e s s á r i o s ’ . W a c o d a c iê n c i a n o r t e -
q u e a n o ta d e B o a s c o lo c a v a e m d ú v id a a m g ^ r o f issio n a is q u e
a m e r i c a n a i n to tu m p o r c a u s a d e u m p u n b u sca n d o a o m es-
p o s s i v e l m e n t e a t u a r a m c o m o “ a g e n t e s ,u ^ ’ õ e s se c r e ta s,
m o t e m p o c o n h e c i m e n t o s c i e n t í f i c o s -£ " L o e r a d a c o m o b a s e p a r a
Walcott utilizou esta interpretação e , aivez, excluí-lo com-
u m a v ig o r o s a c a m p a n h a p a r a c e n s u r a r o a s ’ W a lc o t t , im e d ia -
P i e t a m e n t e d o c í r c u l o d a c i ê n c i a norte-ame • ^ d e B o a s n o In s
t e e p e r e m p to r ia m e n te , c a n c e lo u o c a r g o t o d o s o s s e u s arrn-
tituto Smithsoniano. Em seguida, escreveu P buscando sugestões
Sos conservadores importantes e influen > nUIPdo. Para Nichb-
quanto às formas pelas quais Boas podería se £ sidade Colúm-
las Murray Butler, por exemplo, presiden e ^ de janeiro de
bia (onde Boas lecionava), W alcott escreveu
1920: xtin
O c a r g o q u e o d r . B o a s o c u p a v a n o I n s t it u t o S ' ^ s e c r e tá r io L a n
t o , p o is h a v ia s id o c r ia d o e s p e c ia lm e n t e p
g le y , e m 1 9 0 1 . , . r ,0 a s n o N a tio n d e 2U
O c o n t e ú d o d o a r t ig o p u b lic a d o p e o ' m c o m a q u e la s i
d eze m b ro fo i ta l q u e , n o m e u en ten d er , u m d t u t 0 S m it h s o m a n \
n ã o e r a d ig n o d e te r u m v ín c u lo o f ic ia c o u i a r e s o u o f ic ia is .
P r e f ir o te r b o n s a m e r ic a n o s e , e m t e r m o s ? p o lc h e v is t a , s e j a m
v e j o n e n h u m a s e r v e n t ia p a r a t o lo s o
• «aaus ou alemães '
* * * • se encerrado pia°Upag^os- Embora a luta com a Alemã"
truir de disseminar r ? ? 35 começou contra os elementos que
efmitivamente tudo Con[iança>criar conflitos internos e des-
^luitos a<*Ul‘0 que nós americanos defendemos.
era,!tM » todas as é
nantem a lUz.
296
A visão geral de Walcott sobre a evolução e a história
W a lc o tt c o n s id e r a v a -s e u m s e g u id o r d e D a r w in . P ® . um a
a m a io r p a r t e d a s i n t e r p r e t a ç õ e s m o d e r n a s , t a l a d e s a o 1 P nos
íi r m e c r e n ç a n a i m p o r t â n c i a d a p e c u l i a r i d a d e e o o p h is tó r ia
c a m in h o s e v o lu tiv o s e u m a p r o f u n d a c o n v ic ç ã o e q “m o
d a v id a t r a t a d a a d a p t a ç ã o a a m b i e n t e s l o c a i s v a r i á v e i s e n a
g r e sso ” e m te r m o s g e r a is . D a r w in , p o r é m , f o i u r n o m _
x o , e a m a r c a d o s e u n o m e te m s id o a p lic a d a a d iv e r s a s ^ en fo -
so b r e a v id a — a lg u m a s m u t u a m e n t e c o n tr a d itó r ia s q
c a m p r e fe r e n c ia lm e n te q u e s t õ e s r e la tiv a s a o n o s s o p r
e n ã o a o d e le . . .... , O ses-
A vida não foi feita sem contradições ou ambiguidades,
tudiosos muitas vezes erram ao presumir que sua exegese
d e pensador deva necessariamente resultar num t e x t o t o a ..
r e n t e . O s g r a n d e s C ie n t is t a s p o d e m s e d e b a t e r d u r a n t e o
c o m a lg u m a s q u e s t õ e s s e m j a m a i s c h e g a r a u m a s o u ç a o .
d e m s e d e ix a r l e v a r p o r i n t e r p r e t a ç õ e s c o n f l i t a n t e s e s u a *
a tr a tiv o s d e a m b a s . A lu t a d e le s n ã o s e r e v e la n e c e s s a
co e r e n te . , .
d a r w in m a n te v e u m a d e s s a s p r o lo n g a d a s b a ta lh a s
a id é i a d e p r o g r e s s o e v i u - s e n u m b e c o s e m s a í d a , e re^
^ Ue su a te o r ia b á s ic a a r e s p e ito d o m e c a n is m o e v o lu tiv o s
n a tu r a l — n a d a d iz ia a c e r c a d o p r o g r e s s o . A s e le ç ã o n a tu r a
e x p lic a c o m o o s o r g a n i s m o s r e s p o n d e m d e f o r m a a d a p t a i v a
a n ç a s n o s a m b ie n te s lo c a is e v ã o s e m o d if ic a n d o a o o n ® ° •
~ 7 " d e s c e n d ê n c ia c o m m o d if ic a ç ã o ” , n a s p a la v r a s e
e id e n tific o u e s ta r e je iç ã o d a id é ia d e p r o g r e s s o g e r a e
e a ju ste s lo c a is c o m o o a s p e c to m a is r a d ic a l d e s u a te o r ia ,
d e d e z e m b r o d e 1 8 7 2 , D a r w in e s c r e v e u a s e g u in te c a r ta a o P
„ 0 g 0 a m e r ic a n o (e a n t ig o o c u p a n t e d a m in h a s a la ) A P e^ s
P ó s muito refletir, não posso evitar a convicção eque
e nenhuma tendência inata para um desenvolvimento progre
., ^°davia, Darwin foi ao mesmo tempo um crítico e um ,
1 no da Grã-Bretanha vitoriana, no auge de sua expansao q
Predomínio industrial. O progresso foi a senha da cu u
^rcundava, e Darwin não pôde renunciar a um a id e » ta c > funefc
«mal e atraente. Assim, em meio à sua costumeira s a tis Ç
n- 0nto de vista radical de que as modificações sofri tam .
mos representam adaptações aos ambientes locais,
297
ké
que permeia to d a ^ h -6* ^ 30 da ' d^’a de ^ue 0 progresso é um tema
que viveram em cad 1St0r*a da v^ a - Ele escreveu: “ Os organismos
ta superaram seus n& h™3 d3S sucess^vas fases da história do plane-
do, ocupam uma nn^ ^cessofes na corrida pela vida e, neste senti-
vez seja esta a causa h ^ 0 f 3*8 e*evada na escala da natureza. Tal-
exPerimentado por m a>UC 6 sent*mento vago e ainda mal definido,
modo geral tem progr<Lhd<y^(ijf 0l° 8° S’ ^ qUC a orgardzaça° ^
299
feros entrarem em cena, havendo desde então uma indubit v ^ grn
pela supremacia, que se prolongou até o surgimento do 0 osSos
seguida veio a era das invenções. A princípio, de implemen o
e sílex, de arcos, flechas e anzóis; depois, de lanças e escu os,
e canhões, fósforos de fricção, ferrovias, telégrafos elétrico
301
£ Que o progresso
ética, então a neces^id P7 ? S*ddidade constituem o fundamento da
mensuravelmente a d Cmterna de uma calçadeira aumenta inco-
derosa; a prescricão n . ? nÇã° ,é p ° r si mesma suficientemente po-
Walcott escreveu a R r ^ confundir. No dia 7 de janeiro de 1926,
gresso sistemático na « osdick acerca do valor moral de um pro-
na evolução:
diante
as ~ edaa Sup^em
suP8“: ™íc° ^^ finalm
« i e a»e :n: tt de
e padronizada
— da dos
dp* «ci ■ -
de vista de quenno a„ -o °orte> IQst
rte’ em 1987 assegurou nossa vitória legí
assegUrou
te legítimos porém en? a e a reügiãn r, Consiste em sustentar o pon
ta ” atribui os mec^n^ependentes. E s t a T ^ em domínios
e reserva os fundam 1Sm° s e 0s fenô reiVlndicação “ separacioni
nistas
nistas em eprai nEmentos
em geral. ?1108 das menos8 naturais
das decisõpmen° naturais ans
aos cientisti
cientist
caminhos trilhados npi°Ca da ^ e r d a d ^ 038 aos teól°g ° s e hurn
Çao de basear as inferé^ natUreza. 0s e.enveredar por todos
dições do mundo ffSl„ fío;„ Clas e Pronuncia
v Pronunnm Cntlstas renunciam aà te
‘enunciam tent
os:
oss fatos da natureza ns Um excelemment0S morais sobre as as< 1
der mnrci
ráter moral. na° mpm-
nao ”I \ ee aH
vciente
lncorPoram adequado arranjo,
WaIcott
. Wa'“ achava *d(* .
« acha,a hunia reivindicação de
an s ,a ,a p o re „ coma » « « tá ,elest
m o r a is r e s p o s t a s q „ e p r d P r ia t la t u r e ? 5^ 0 s e P a r a c i o n i s t a . 1
r a d a s o c t e d a d e e daq h' ' o r ™ b o r a s ! e m ® a a s ' « P o s t a s à s q u e s t i
e a r e i ,g ,a o e p s 0 i s o , ° ' . a d a v id a ” £ ? 0 ° ” “ » ' “ c o n s e r v a ,
em domínios Sen esejava unir a ciên
arad°s que se respeit
sem mutuamente. Com efeito, ele acusou o argumento separacio-
nista de haver insuflado a chama antiintelectual de Bryan, levando
as pessoas a suspeitar que os cientistas na verdade queriam prescin
dir totalmente da religião (embora tivessem entrado num acordo,
de caráter prático e temporário, a fim de excluir a religião dos as
suntos da natureza). Assim, Walcott resolveu combater Bryan e suas
idéias publicando uma declaração, assinada por um grupo de res
peitados tradicionalistas como ele próprio, a respeito das conexões
e*istentes entre a ciência e a religião — em particular sobre a m ani
festação da obra divina nos caminhos da modificação evolutiva. An
gariando assinaturas, ele fez circular um a carta entre seus amigos:
Infelizmente, graças à ação de radicais na ciência e na religião, homens
COm a inteligência de William Jennings Bryan têm visto no ensino dos
fatos evolutivos uma grande ameaça à religião.
Um certo número de cientistas e clérigos conservadores está sendo
solicitado a subscrever uma declaração, à qual será dada grande publi
cidade, a respeito das relações entre a ciência e a religião.
g ^ declaração, publicada em 1923, dois anos antes do julgamento
0s°Pes, trazia Walcott como primeiro signatário e incluía também
P„n^mes de Herbert Hoover e de lideranças científicas como Henry
lr ield Osborn, Edwin G rant Conklin, R. A. Millikan e Michael
h . ' 111111recentes controvérsias” , afirm ava a declaração, “ tem
ca 0 Uma tendência para apresentar a ciência e a religião como
tentP° S 0post°s e irreconciliáveis. [...] Em vez de se oporem ou de
tam » m ocupar 0 lugar um a da outra, elas na verdade se suplemen-
303
senta revelando-se, através de incontáveis séculos, no aperfeiçoamen
to da Terra para servir de moradia ao homem e, há muito tempo, insu
flando o sopro da vida nos elementos que a constituíam, o que acabou
culminando no homem, com sua natureza espiritual e todo o seu po
der próprio de um deus.
Nesta passagem fundamental, a calçadeira transforma-se num
instrumento divino. Se a história da vida revela a inequívoca bene
volência divina em sua marcha ordenada rumo à consciência huma
na, então a dizimação ao acaso, com uma centena de milhares de
resultados possíveis (e tão poucos levando a alguma espécie dotada
de inteligência consciente de si mesma), não pode ser uma opção
para o registro fóssil. As criaturas de Burgess Shale tinham de ser
ancestrais primitivos de um conjunto de descendentes mais aperfei
çoados. A calçadeira de Burgess foi mais do que um simples susten-
táculo para uma cômoda e conveniente concepção da vida; ela foi
também uma arma moral e, praticamente, um mandado de Deus.
304
desenho que fez para A origem das espécies, haviam usado metáfo
ras botânicas e desenhado diagramas abstratos ramificados como
indicadores gerais dos relacionamentos existentes entre os organis
mos. Haeckel, porém, transform ou essa iconografia na representa
ção preferida da evolução. Ele desenhou numerosas árvores, com
casca real e ramos retorcidos, e colocou um animal verdadeiro em
cada broto de suas frondosas copas.) Em bora para aqueles que fa
lam o inglês como língua m aterna o nome de Haeckel talvez não
seja tão conhecido como o de Thomas Henry Huxley, ele foi certa
mente o mais obstinado e influente propagandista da evolução que
jamais existiu. Aquelas árvores, que constituíam um elemento sem
pre presente no ensino na época em que W alcott estudou e deu au
las de paleontologia, exemplificam os temas da escada e do cone de
maneira bombasticamente aberta e falazmente sutil.
Para começar, todas as árvores de Haeckel ramificam-se conti-
R e p t i l ia A ves M a m iu a lia
\Lacer-)V?phi-- J| íCheio* ^IlAidonhaâlí Pacdo-)
\ núi II v y1 trophi J i
305
otammbaum àeròaugetmere
mil JnbogrifTdes Mensrtitn
cntn ar/tn ami ç m uÁ/iel vat
f-rnsfHaecktl. Jrtut,,<tÁ
4 .5 .
A á rv o re e v o lu tjva
a s '" a m ífe rn «■
’ se Zu " d o U a e c k e l (1
(1866).
8 6 6 ).
f t lP n t o para
nuamente __ ci
vezes permitia .7 e Para fora
sem para dentro n d° ‘S ram° s Pe^fé!"131^ 0 Um cone’ (HaeC
todos os grupos'c o u u P° ’ a filp de abH°S ^ Cada subcone cr
ele preservou c u id a d o ^ 6™ numa só n l CSPaÇ0 suficiente par
ra c'ma e para f 0samente a im Pap na — mas observe <
neira pelaqUai Haecke? P ? ‘e recorreu a 8er3' de cresciment
tre posição inferior blsPôs os m m a esse exPediente.) /
escada e do cone. ^ primttivo, unind°S re^orça a identificaçã
0 assim os temas cen""
306
nia dos v e P° r ex,e mpl° ° tratamento que Haeckel deu à filoge-
em sua c * 6 rf ^ os 4-4; todas as figuras de Haeckel aparecem
Para úma^ ' 6 ^ morp^°^0^ ie^ 1866). A árvore toda ramifica-se
de no to A&fa *°ra’ *orrnand° dois níveis e com maior diversida-
denota c í°' camac*a Inferior, reservada aos peixes e aos anfíbios,
ma, desti^H016016 ^r’m't*v’srno e amplitude limitada; a parte de ci-
^■versidad 3 &3° S r^pte' s’ aves e mamíferos, sugere as idéias de mais
ca em que6 Cma'° r aPerfeiçoamento. Qualquer que tenha sido a épo-
nuam vivos6 ° r*®’naram ’ no entanto, os peixes e os anfíbios conti-
diversidad C os,pf*xes sao dc longe os vertebrados com maior
kel fez n 6 mor^0*°gica e número de espécies. A árvore que Haec-
010 as por ~ ° S mam^ eros (fig- 4.5) ilustra de forma dramática co-
^erados°S1Ç° eS ma*S e*evadas correspondiam aos organismos consi-
Va Podia*11315 avançac*os e 0 modo pelo qual uma diversidade relati-
ramo e r a ^ representada de maneira incorreta quando um pequeno
Nesta á epUlparad° a todo um nível superior de desenvolvimento.
c>alizadas°re,‘ ° S a^ amente diversificados e morfologicamente espe-
afins) s~ artlocláctilos (bovinos, carneiros, cervos, girafas e formas
em cont3° COmpr'm^ os na parte de baixo da árvore. Os primatas,
Pam a u raSte> C*ue c°nstituem um grupo relativamente pequeno, ocu-
turalm 3Se metac^e d° nível superior e situam-se do lado direito, cul-
d0s o s " 16 ^avorecido. Os roedores, os mais diversificados de to
p a ^ mamiferos, têm de se espremer numa pequena bolha de es-
existè apris' onac*os entre as duas camadas principais — pois não
Naeck'6^ 3^0 ^3ra e*CS no toP°> oncle os dois grupos favoritos de
êúcia)6 ~~ ° S carm'voros (pelo valor geral) e os primatas (pela ar-
oenpam indevidamente um espaço maior do que por di-
eito lhes caberia.
Um S e<lumodermos proporcionam para a iconografia da árvore
tes CS-e CU'*a soluÇão ajuda a resolver outros problemas semelhan
t e ’ P° 1S3través de Partes duras bem preservadas, já bem documen-
ge *:ernpo de Haeckel, eles contam a mesma história de Bur-
SgSS ' a^e máxima disparidade inicial seguida de dizimação. Ob-
rve como Haeckel reconhece essa disparidade máxima inicial com
nta floresta de ramos primários no começo geológico (fig. 4.6). Mas
cone estabelece que as árvores têm de ser expandir para fora à
e tda que crescem, e assim esses grupos primitivos são reduzidos
0 insignificante espaço disponível na parte de baixo da árvore. A
arvore moderna, radicalmente dizimada, concentra quase toda a sua
tversidade em dois grupos com amplitude de design estritamente
■niitada — as estrelas-do-mar (os “ Asterida” de Haeckel) e os ouri-
307
C°s-do-mar (os
4.6.
de ' «rvore
VerOCOrdo con eVo,dlii,a
309
'
o : r dS>l2p W a lc o tt a ju s to u ^ v in i° t l re p re s e n ,a n c ,o a f i i o g e n i a d o s a r tr ó p o d e s d e
c e s tra l I n eSCada' d e s e n h u n d o U n h a s ° S SBUS d a d o s - e m c o n fo r m id a d e c o m
p riu p v m U m n ° s e u h ip o té tic o in t ■ ? CaS d e c o n v e r s ê n c iu n a d ir e ç ã o d e ttm «n ~
c in c o f 0 i “° d e d is p a r ‘d a d e d e l i u r v ' ° , 'p a ,ia n o - E le ta m b é m m in im iz o u a p rá -
n h a h i ° " ' [ as q u e n a v e r d a d e f o r a m *** ° ° a /' n fla r- e m o r d e m o b v ia m e n te te m p o r a l,
Jade a Z ! ; « l l a d o ^ T ^ 01™ ™ Ca d ir e ita ), e a o tr a ç a r u m a H;
s a p o c a d e B u rg e ss, h ip ó te S<*Uer<*a p a r a s u g e r ir a p e r s is tê n c ia cia d iv e r si -
Se e m
,n jf aavvoo r d a q u a I n ã o e x is te n e n h u m indício-
tram maravilhosamente a r •
d a^H ^!”- ^ ? Uadr° (fig. r ^ 0 0,3 ide° I° g ia pela iconografia-
aaui n n b u içã o e stratigrá fica ^ Pretende'se um a sim p les descrição
ra con fhiarta".to ’ as convenções HUm COntexto fü o g e n é tic o . M esm o
Pos p rin ciW dlspar‘dade de B u r ^ .CSCada e d o co n e conspiram Pa"
grupo de cin'S re^on hecidos. A etr^t n° S ^m ‘tes de uns p o u co s gru-
tar Habelia A /8f ner° s “ m ero sto in ' -^atUa no sentido de reduzir um
« * £ £ £ £ £ * ■ \ uma única linha: ao tra'
cott transmitiu -de 3ncestrais dos a~Sldneyia como uma se-
envolvendo esse^ '!npressão de ter h nptendeos e dos límulos, Wal-
lacionados entre ^ neros c o n te m p o r â í0 Uma sucessão temporal
seguí "— os (e, sabemos hoje, não re-
em ^ g r a í í ' ^ força a i , „
p°s — as liujj de todos os outros gêneros
s dos branquiópodes e a dos
C0ntemnoIT'erOStOmaC*0S’ ^ m*r)0ra todos esses gêneros tenham sido
nhas v e rti^ ^ H 8’ ^ a^cott em°ldurou todo o esquema com duas li-
tinuaram a318' ,an^ ° f entender que as amplitudes posteriores con
de nenhum ^H3 &^*spar*dade registrada em Burgess — apesar
eialmente 1C1° ^ ’ret0 aP°*ar essa pressuposição. Observe espe-
nhum ore & ^n^ a ^ v*s° r' a a esQuerda não corresponde a ne-
ra levar 3n!*mo e^a ^ Um truciue iconográfico acrescentado pa-
máxima f ° ° S 3 Ver um cone- Sem essa linha a disparidade seria
Nunca du3 HP<HCa ^ ^ ur®ess’ s°frendo depois acentuada redução,
tes. Em ceV't ^ ° P°^er ta‘s iances aparentemente insignifican-
ganha u ^ i 0 sentid°. tudo o que venho tentando dizer neste livro
ra represe ^ C®a n t e ePltome nesse traço vertical — acrescentado pa-
0rganismos ^ Um3 ^*oso^ a de vida e não o registro empírico dos
Num
CPntori segundo truque,
1UMU''» sem o apoio de qualquer dado e acres-
coo ° Para ^ar sustentação a uma interpretação tradicional, Wal-
C0tt rePresentou“ 3; ori8em dos gêneros de Burgess em diferentes ni
veis de
no. Eie111^ 11-16.™3*0 ^ré-Cambriano que ele chamou de lipalia-
vinculou
aPontav ------ CSSeS mve's com duas linhas inclinadas que
eam b ria n ^ 1531^3 *3a*X0’ na direção de um remoto ancestral pré-
num ne ° h 6 tOC*a a arvore- ^ sse estratagema deu à árvore uma raiz,
dispunlw t ° pr' m'tN ° de limitada disparidade. Mas Walcott não
estado 3 C nen*luma indicação — e hoje continuamos no mesmo
de Bur ^ ex*st^ncia dessa ordem evolutiva entre os artrópodes
311
conhecidos apenas como contemporâneos na época de Burgess Shale)
a fim de construir uma ligação hipotética entre os merostomados
e os crustáceos: “ Formas como Habelia, Molaria e Emeraldella ser
vem para preencher o espaço entre os Branchiopoda e os Merosto-
mata, representados por Sidneyia e, posteriormente, pelos euripte-
rídeos” (1912, p. 163). Por fim, a fig. 4.10 m ostra a última e a mais
abstrata das filogenias dos artrópodes de Burgess feitas por Wal-
cott. Até mesmo os grupos maiores estão enfileirados nos ramos ver
ticais, e toda a árvore converge para um a raiz branquiópode.
Essas filogenias incorporam o elo crucial entre a interpretação
que Walcott deu aos artrópodes de Burgess e o foco anterior de uma
carreira que se estendera por mais de trinta anos de intensa ativida
de — o estudo das rochas do Cam briano e o problema da explosão
cambriana. O vínculo entre Burgess e a concepção de Walcott a res-
Stribop»
Sidneyia
Am iella
A glatpis ^Hymenocan-
Molaria
4 .9 . O s e g u n d o d ia g ra m a d e W a lc o tt m o s tr a n d o a filo g e n ia d o s a r tr ó p o d e s d e B u r
g e s s (1 9 1 2 ). U m a v e z m a is, a s lin h a g e n s c o n v e r g e m p a r a u m h ip o té tic o a n c e s tr a l £°~
m u m e d iv e r s a s f o r m a s c o n te m p o r â n e a s s ã o c o lo c a d a s n u m a o r d e m te m p o r a l, à es
q u e r d a e n a s lin h a s ce n tra is.
312
E uryptcrida
313
sanamente ter existid
uci0nacj0 Q mjst^rjo m outras palavras, ele achou que havia so-
s ortodoxos. /\ ÊXp osao cambriana em termos darwinia-
rUP°s esíáveis e bem SI^ ° ^os arfrópodes de Burgess em cinco
A faana de cru,. - C° nheCÍdos ««so lid o u sua solução:
«■suam cinco ranioTnn 9n° Ssugere Que no início do Cambriano
n) Via'n Se Originado na énó” ar8enS ,princiPais f- -J e que todos eles já
s Iniac,0Pré-Cambrian T lpa,iana — o período de sedimentação
e nos continentes at„ ° f 011191 nenfluma parte conhecida está pre-
Devem osn o sl dIUa,s (1912, pp. 160-,).
317
deriam abrigar
E acrescentou: . ^
320
porque tiveram tempo para dialogar adequadamente com os fósseis
de Burgess e porque estavam dispostos a ouvir.
A transição de Walcott para W hittington é um marco cuja im
portância dificilmente poderá ser superada. A nova concepção ad
vinda de Burgess Shale é nada mais nada menos do que o triunfo
da própria história como um princípio privilegiado na interpreta
ção da evolução da vida.
321
cas podem ser tratadas da mesma forma e simuladas adequadamen
te em laboratório. O quartzo do Cambriano é como o quartzo m o
derno — um tetraedro de silício e oxigênio ligados em todos os ân
gulos. Determine as propriedades do quartzo moderno sob condi
ções controladas num laboratório e você será capaz de interpretar
as areias de praia do Arenito Cambriano de Potsdam.
Suponha porém que você queira saber por que os dinossauros
morreram ou por que os moluscos prosperaram ao passo que IVi-
waxia extinguiu-se? O laboratório não é irrelevante e talvez lhe pro
porcione importantes insights por analogia. (Poderiamos, por exem
plo, aprender coisas interessantes sobre as extinções do Cretáceo tes
tando as tolerâncias fisiológicas de organismos modernos ou mesmo
de “ modelos” de dinossauros sob as condições ambientais sugeri
das pelas várias teorias a respeito de seu desaparecimento.) Toda
via, as técnicas limitadas do “ método científico” não podem che
gar ao âmago desse singular evento envolvendo criaturas que m or
reram há muito tempo numa Terra em que o clima e as posições
dos continentes eram muito diferentes dos de hoje. A elucidação da
história tem de apoiar-se na reconstituição dos próprios aconteci
mentos do passado — em seus próprios termos — com base em in
dícios narrativos desses fenômenos singulares. Nenhuma lei garan
tiu a extinção de Wiwaxia, mas um complexo conjunto de eventos
concorreu para assegurar esse resultado — e talvez possamos des
cobrir quais foram essas causas se, por sorte, houver quantidade su
ficiente de vestígips em nosso irregular registro geológico. (Até dez
anos atrás, por exemplo, não sabíamos que as extinções do Cretá
ceo corresponderam temporalmente ao provável impacto de um ou
de diversos corpos extraterrestres sobre a Terra — embora os indí
cios, sob a forma de assinaturas químicas, estivessem disponíveis
nas rochas da época.)
Há muitas diferenças entre as explicações históricas e os resul
tados experimentais. Não existe a possibilidade de se comprovar os
fatos através de sucessivas repetições porque estamos tentando ex
plicar as causas de um conjunto único de detalhes que, tanto pelas
leis da probabilidade como pelo caráter irreversível do transcurso
do tempo, não pode voltar a ocorrer. Não tentamos interpretar os
complexos eventos da narrativa histórica reduzindo-os a simples con-
seqüências das leis naturais; embora os eventos históricos obviamente
não violem nenhum princípio geral acerca da matéria e dos movi
mentos, eles ocorrem no âmbito dos detalhes contingentes. (A lei
da gravidade nos diz como uma maçã cai, mas não por que aquela
322
maçã caiu naquele momento, e por que aconteceu de Newton estar
sentado lá, pronto para receber a inspiração.) E o aspecto da predi-
ção, um ingrediente central no estereótipo, não entra na narrativa
histórica. Embora possamos explicar um evento após ele ter ocorri
do, a contingência exclui sua repetição, mesmo se partirmos do mes
mo ponto inicial. (Custer foi condenado a um destino trágico, quan
do milhares de eventos concorreram para isolar suas tropas; toda
via, se o curso dos acontecimentos recomeçasse novamente em 1850
ele talvez nunca chegasse a ver Montana e, muito menos, Touro Sen
tado e Cavalo Louco.)
Estas diferenças colocam as explicações históricas ou narrati
vas numa condição desfavorável, quando julgadas pelos restritivos
estereótipos do “ método científico” . Assim, as ciências que tratam
da complexidade histórica tiveram seu status rebaixado e em geral
ocupam uma posição de menor prestígio na avaliação dos profis
sionais da área. De fato, o ordenamento das ciências de acordo com
o status transformou-se num tema tão familiar que o ranking das
diversas especialidades, tendo a inflexível física no topo e descendo
até assuntos tão elásticos e subjetivos quanto a psicologia e a socio
logia, tornou-se ele próprio um estereótipo. Essas distinções
incorporam-se a nossa linguagem e as nossas metáforas — as ciên
cias “ moles” versus as ciências “ duras” , o “ rigorosamente experi
mental” versus o “ meramente descritivo” . Vários anos atrás, num
ato pouco característico de inovação educacional, a Universidade
Harvard modificou repentinamente o campo conceituai organizan
do as ciências de acordo com a maneira de proceder e não como
disciplinas convencionais em um currículo central. Nós não fizemos
a costumeira divisão entre ciências físicas e biológicas, mas reconhe
cemos os dois tipos que acabaram de ser discutidos — o experimental-
preditivo e o histórico. Cada categoria foi designada por uma letra
em vez de um nome. Adivinhe qual divisão tornou-se Ciência A e
qual Ciência B? Meu curso de história da Terra e da vida foi cha
mado de Ciência B-16.
Talvez o aspecto mais lamentável desse ranking linear seja a acei
tação da inferioridade pelos que estão na parte mais baixa e suas
insistentes tentativas de macaquear métodos inapropriados, que tal
vez sejam eficazes no alto da escala. A ordem deveria ser vigorosa
mente desafiada, e a pluralidade em condições de igualdade reivin
dicada com orgulho, mas um número excessivo de cientistas da área
histórica age como o prisioneiro que goza de certas regalias e que,
sempre ciente da fragilidade de seus privilégios, supera o próprio
323
guarda do presídio no zelo com que se esforça por preservar o sta-
tus quo de poder e subordinação.
Assim, os cientistas das disciplinas históricas muitas vezes im
portam uma caricatura excessivamente simplificada da ciência *‘du
ra” ou, simplesmente, curvam-se ante os pronunciamentos dos es
pecialistas de áreas que gozam de um status mais elevado. Muitos
geólogos aceitaram os últimos e extremamente restritivos dados de
lorde Kelvin, em favor de um a Terra jovem, apesar dos dados p ro
venientes dos fósseis e das camadas geológicas indicarem nitidamente
um planeta mais antigo. (Os dados de Kelvin traziam o prestígio das
fórmulas matemáticas e o peso da física, embora a descoberta da
radiatividade logo tenha invalidado a premissa de Kelvin de que o
calor que atualmente emana do interior da Terra registra o esfria
mento do nosso planeta a partir de um estado inicial liquefeito não
muito antigo.) Um número ainda m aior de geólogos rejeitou a deri
va continental, apesar de um impressionante conjunto de dados a
respeito das antigas ligações entre os continentes, porque os físicos
haviam considerado impossível a movimentação lateral dos conti
nentes. Charles Spearman fez mau uso das técnicas estatísticas de
análise fatorial a fim de caracterizar a inteligência como uma enti
dade física, simples e mensurável, situada na cabeça, e depois
rejubilou-se pela psicologia porque ‘‘essa Cinderela entre as ciên
cias fizera um lance ousado até mesmo para o próprio nível da triun
fante física” (citado em Gould, 1981, p. 263).
Todavia, as ciências históricas não são piores, mais limitadas
ou possuidoras de uma menor capacidade de chegar a conclusões
firmes pelo fato de o experimento, a predição e a subsunção nas leis
invariáveis da natureza não representarem a forma pela qual elas
costumam operar. As ciências históricas utilizam um tipo diferente
de explicação, baseada na comparação e na riqueza de dados pro
venientes da observação. Embora não possamos examinar direta
mente os eventos ocorridos no passado, a verdade é que a ciência
em geral baseia-se em inferências, e não na observação pura e sim
ples (ninguém consegue ver os elétrons, a força da gravidade ou os
buracos negros).
O que se exige com firmeza de todas as ciências — sejam histó
ricas ou convencionais — é uma verificabilidade confiável e não a
observação direta. Precisamos ter a possibilidade de determinar se
nossas hipóteses são positivamente erradas ou provavelmente cor
retas (deixamos as asserções de certeza para os pregadores e os polí
ticos). A riqueza da história nos impele a utilizar diferentes méto-
324
UMA DEFESA DO ELEVADO STATUS DA HISTÓRIA NATURAL
325
em que w a naiselevado r„ <•. «e/o/, em suma, «">
«v associrJSei<1SUa teor‘a deoer,,2*"*° convenci°™l do termo. Os indícios
caros a n a Z ° laborat°rios — m Z ? ?materiais e objetos que costumam
tudo Para ‘7 de dlrninutas quanttnlçdes precisasfeitas com equipamentos
o renome f nqUÍStar o a p l a Z Z Z de irídi°' A teoria do impacto tem
status. As rprtUm ganhador do N n h ? ^ " C° ~~ aventais brancos, números,
a impressãn < ~,SCriçôes de Burges? „ 6 ° uma P°sKão no topo da escala de
aIguns anim ° Ser Uma sucessão Z °Utro ^ado>dão a muitos observadores
história da estranhos, anteri 6 C°'Sas bizarras — meras descrições de
lim a v a . * R e z a d o s , datando do início da
- um>
o p a ssado com ta n ta
p e r m ite m , p o r c o n s iliê n c ia de in d u ç ã o , ex^ ° e £ M/e A l v a r e z p o d e r i a
c o n fia n ç a (se o s in d íc io s f o r e m b o n s) d u an q u ím ic a s ,
r e u n ir e m f a v o r d e s e u a s t e r ó i d e a t r a v é s a d e r t o d o o a lc a n c e e
N ó s n u n c a te r e m o s a c a p a c id a d e e co , t ip o d a h ie r a r q u iz a ç a
sig n ific a d o d a c iê n c ia a té q u e d e s p e d a c e m o s o d ife r e n te s m o d a li a e
fu n d a m e n ta d a n o status e p a ssem o s a enca c o m o q u a l q u e r C0IS
d e e x p lic a ç õ e s h is tó r ic a s c o m o a t i v i d a d e s t a o a tin g ir m o s e sse n o v
fe ita d e a c o r d o c o m a fís ic a o u a q u ím tc a . e só e n tã o a
a r r a n jo t a x o n ô m i c o d e p l u r a l i d a d e e n t r e a s v js (v e l. D e v e r e m o s e n ao
im p o r tâ n c ia d e B u r g e s s S h a l e s e t o r n a r á c a r a ta s d o tip o “ P o r q u e 0
fin a lm e n te c o m p r e e n d e r q u e a r e s p o s ta a p e n c o n t r a - s e t a n t o (e
se res h u m a n o s tê m a c a p a c id a d e d e p e n s a ' . gncI£I h i s t ó r i c a q u a n
P r o fu n d a m e n te ) n o s p e c u lia r e s c a m in h o s a
n a f i s i o l o g i a d o s n e u r ô n i o s . _______________________ __ ________________
327
pp. 60-4), embora seu principal argumento apóie-se na consiliência
de Whewell. Nós sabemos que a evolução é necessariamente um prin
cípio subjacente à ordem da vida porque nenhuma outra explicação
é capaz de coordenar os diversos dados relativos à embriologia, à
biogeografia, ao registro fóssil, aos órgãos vestigiais, aos relaciona
mentos taxonômicos e assim por diante. Darwin rejeitou de modo
explícito a idéia ingênua porém bastante aceita de que uma causa
precisa ser diretamente observada a fim de que possa se qualificar
como uma explicação científica. Ele escreveu acerca da maneira ade
quada de se testar a seleção natural, invocando a idéia de consiliên
cia para a interpretação histórica:
Agora esta hipótese pode ser testada — e esta me parece ser a única
maneira justa e legítima de se considerar toda a questão verifícando-
se se ela é capaz de explicar vários e grandes conjuntos independentes
de fatos, tais como a sucessão geológica dos seres orgânicos, sua dis
tribuição no passado e no presente, e suas mútuas afinidades e homo-
logias. Se o princípio da seleção natural puder efetivamente explicar
estes e outros grandes grupos de fatos, ele deverá ser aceito (1868, vol.
1, p. 657).
Todavia, os cientistas históricos precisam ir além da simples de
monstração de que suas explicações podem ser testadas através de
procedimentos diferentes dos do “ método científico” porém igual
mente rigorosos; eles também têm de convencer os outros cientistas
de que essas explicações do tipo histórico são ao mesmo tempo inte
ressantes e extremamente informativas. Quando tivermos transfor
mado o que hoje é “ apenas história” na única explicação completa
e aceitável para fenômenos que todo m undo considera importantes
— a evolução da inteligência humana, ou de qualquer espécie de vi
da dotada de consciência de si mesma, por exemplo — então nós
teremos vencido.
As explicações históricas assumem a form a de uma narrati
va: E, o fenômeno a ser explicado, manifestou-se porque D ocor
reu antes, precedido por C, B e A. Se qualquer dessas etapas ini
ciais não houvesse acontecido, ou tivesse decorrido de uma outra
maneira, então E não teria existido (ou teria se apresentado de uma
forma substancialmente modificada, E \ exigindo uma explicação
diferente). Assim, E faz sentido e pode ser explicado rigorosamente
como o resultado da sucessão que vai de A a D. E ntretanto, ne
nhuma lei da natureza determinou a ocorrência de E, qualquer va
riante E surgida a partir de um conjunto modificado de antece
328
dentes seria igualmente explicável, ainda que muito diferente na
forma e no efeito.
Não estou falando de acaso (pois E tinha de ocorrer, como
conseqüência de A a D), mas do princípio central de toda a histó
ria — a contingência. A explicação histórica não se baseia em de
duções diretas das leis da natureza, mas num a seqüência imprevi
sível de estados antecedentes onde qualquer grande alteração em
qualquer etapa da seqüência teria modificado o resultado final.
Este resultado final, portanto, depende ou está na contingência
de tudo o que aconteceu antes — a indelével e determinante assi
natura da história.
Muitos cientistas e leigos curiosos, seduzidos pelo estereótipo
do “ método científico” , acham tais explicações contingentes me
nos interessantes ou menos “ científicas” , mesmo quando sua pro
priedade ou correção têm de ser reconhecidas. O Sul perdeu a Guerra
de Secessão com uma espécie de inexorável inevitabilidade após cen
tenas de eventos importantes terem transcorrido da forma como se
deram — o ataque de Pickett fracassou, Lincoln ganhou a eleição
de 1864 etc. etc. etc. Todavia, volte a fita da história norte-americana
até a compra de Luisiana, a decisão Dred Scott ou mesmo só até
o forte Sumter, e deixe-a correr novamente com apenas algumas pe
quenas e criteriosas modificações (mais toda a cascata formada por
suas conseqüências), e um resultado diferente, inclusive uma deci
são oposta para a guerra, poderia ter ocorrido com idêntica inexo-
rabilidade após um determinado ponto. (Eu achava que a superio
ridade do Norte em termos de população e de produção industrial
havia virtualmente assegurado o resultado desde o início. Todavia,
alguns estudos recentes me convenceram de que guerras por reco
nhecimento, em oposição às guerras de conquistas, podem ser ven
cidas por minorias determinadas. O Sul não estava tentando inva
dir o Norte mas apenas defender suas próprias fronteiras e ser reco
nhecido como um Estado independente. As maiorias, mesmo no
meio de uma ocupação, podem se tornar suficientemente cansadas
da guerra e propensas a uma retirada devido à incessante atuação
de insurgentes, em particular guerrilheiros.)
Suponha, então, que tenhamos um conjunto de explicações his
tóricas, tão bem documentado como qualquer dado da ciência con
vencional. Esses resultados não se manifestam como conseqüências
dedutíveis de alguma lei da natureza; elas nem mesmo podem ser
previstas a partir de alguma propriedade geral ou abstrata de um
sistema mais amplo (como superioridade populacional ou industrial).
329
C o m o podemos negar a tais explicações um papel tão importante
e interessante como o de uma conclusão científica mais convencio
nal? E u sustento que devemos conceder a elas um status equivalen
te e m virtude de três razões básicas:
1) Uma questão de confiabilidade. A documentação dos indí
cios e a plausibilidade da verdade pela refutação das alternativas po
dem ser tão conclusivas quanto qualquer explicação da ciência tra
dicional.
2) Uma questão de importância. O impacto equivalente das ex
plicações historicamente contingentes dificilmente pode ser negado.
A G u e rra de Secessão é o foco e o momento decisivo na história
dos E stad o s Unidos. Questões fundamentais como raça, regionalis
mo e p o d er econômico devem sua forma atual a esse grande evento
que n ã o precisava ter ocorrido. Se a presente ordem taxonômica e
a relativa diversidade da vida forem mais uma conseqüência da “ sim
ples h istó ria ” do que uma dedução em potencial a partir dos princí
pios gerais da evolução, podemos então concluir que o padrão bási
co d a natureza é determinado pela contingência.
3 ) Um problema psicológico. Até aqui tenho sido demasiado
escusatório. Cheguei até mesmo a resvalar para a retórica da infe
rio rid ad e — começando pela premissa de que as explicações históri
cas p o d e m ser menos interessantes e depois lutando belicosamente
pela igualdade. Nenhuma dessas justificativas precisa ser apresen
tada A s explicações históricas são infinitamente fascinantes por si
m esm as e> de mu*tas maneiras, mais intrigantes para a psique hu
m ana d o que as inexoraveis leis da natureza. Nós somos tocados de
um a m aneira especial por eventos que não tinham necessariamente
de acontecer mas que, em virtude de causas identificáveis sujeitas
a infinitas trapalhadas e atribulações, acabaram ocorrendo. Em con
traste, am bas as extremidades da dicotomia usual — o inevitável e
o v erdadeiro acaso — geralmente causam menos impacto em nos
sas em oções porque elas não podem ser controladas pelos agentes
e o b je to s da ldstõria e, portanto, ou seguem seu curso ou são com
b atid as sem muitas esperanças de se poder rechaçá-las. Com a con-
tin„gpcia> porém, nós somos seduzidos; nos deixamos envolver; com-
rtilham os as alegrias do triunfo ou a dor da tragédia. Quando per
cebem 05 que ° verdadeiro resultado não tinha necessariamente de
o c o rre r ’ que qualquer alteração em qualquer etapa ao longo do ca-
m in h ° telda desvlado a cascata dos acontecimentos para um leito
d ife r°n te ’ n° S comPreendernos o poder causativo dos eventos indi-
vidum s ‘ JSÍÓS podemos discutir, lamentar ou exultar com cada deta
330
lhe — pois cada um conserva o poder de transformação. A contin
gência é a afirmação do controle do destino por parte dos eventos
imediatos, o reino perdido por causa de um prego de ferradura. A
Guerra de Secessão é uma tragédia especialmente dolorosa porque
um replay da fita poderia ter salvo meio milhão de vidas por milha
res de diferentes razões — e nós não encontraríamos uma estátua
de soldado, com o nome dos mortos cinzelados no pedestal, em to
dos os vilarejos e em cada sede de distrito dos velhos Estados Uni
dos. Nossa própria evolução é uma alegria e um prodígio porque,
embora provavelmente jamais voltasse a acontecer, tendo ocorrido
transforma-se em algo bastante razoável. A contingência é uma au
torização para participarmos da história, e nossa psique reage a isto.
A questão da contingência, tão pouco entendida e explorada
pela ciência, há muito tem sido um dos esteios da literatura. Obser
vamos aqui uma situação que talvez possa ajudar a romper as fal
sas fronteiras entre a arte e a literatura e, até mesmo, permitir que
a literatura ilumine a ciência. A contingência é o tema principal de
todos os grandes romances de Tolstoi. Ela é a fonte de tensão e in
triga em várias das melhores obras de suspense, de maneira muitís
simo notável numa recente obra-prima de Ruth Rendell (escreven
do com o nome de Barbara Vine), A fatal inversion (1987) — um
livro arrepiante no qual se descreve uma tragédia que traga as vidas
e o futuro de uma pequena comunidade através de uma escalada
de acontecimentos aparentemente sem importância, todos peculia
res e improváveis (embora perfeitamente plausíveis), sendo que ca
da um deles acarreta um conjunto de conseqüências ainda mais es
tranhas. Esse expediente faz com que a tram a de A fatal inversion
seja tão intricada e engenhosa que sou forçado a considerar a exce
lente obra de Rendell como um texto intencional sobre a natureza
da história.
Dois romances populares publicados nos últimos cinco anos es
colheram a teoria de Darwin como seu tema principal. Para mim,
é especialmente agradável e intrigante que ambos tenham aceito e
explorado a contingência como a mais importante conseqüência da
teoria para nossas vidas. Com esta acertada decisão, Stephen King
e Kurt Vonnegut superam muitos cientistas na compreensão dos sig
nificados mais profundos da evolução.
A obra de King, The Tommyknockers (1987), rompe uma tra
dição da ficção científica ao tratar as “ inteligências superiores” ex
traterrestres não como mais elevadas no sentido geral, mais sábias
ou mais poderosas, porém meramente como astutos beneficiários
331
do grande jogo darwiniano da adaptação através do sucesso repro
dutivo diferencial em determinados ambientes. (King refere-se a es
sa permanência como “ evolução m uda” ; eu chamo a isso de darwi-
nismo.)* Esse duvidoso sucesso através de ajustes incessantes e ime
diatos produz contingência, a qual, então, torna-se o tema dominante
de The Tommyknockers — à medida que os alienígenas fracassam
em seus planos para a Terra, graças em grande parte à atitude in
tencionalmente ambígua de um professor de inglês habitualmente
cínico, ineficiente e dipsomaníaco. Stephen King reflete sobre a na
tureza dos eventos determinantes em seqüências contingentes e so
bre o nível em que a importância desses eventos é percebida nas di
ferentes escalas:
Não seria eu a lhes dizer que não há planetas em algum lugar do uni
verso que são grandes restos sem vida de material carbonizado flutuan
do no espaço em virtude de uma guerra que, iniciada em torno de uma
discussão sobre quem estava ou não utilizando-se egoisticamente de
um número excessivo de secadoras na lavanderia automática local, so
freu uma escalada que culminou na destruição de todas as formas de
vida nele existentes. Ninguém é realmente capaz de dizer como as coi
sas irão terminar — ou se isto chegará a ocorrer. [...] Temos obvia
mente a possibilidade de, sem qualquer ajuda externa, fazer nosso mun
do explodir algum dia desses por razões que irão parecer igualmente
triviais quando analisadas a partir de um ponto de observação situado
a anos-luz de distância. Vistos de lá nós giramos em torno de um eixo
imaginário, num longínquo raio da Via Láctea, na Pequena Nuvem
de Magalhães. Saber se a União Soviética irá ou não invadir os cam
pos de petróleo iranianos ou se a o t a n decidiu instalar mísseis ameri
canos Cruise na Alemanha Ocidental poderá parecer tão importante
quanto determinar de quem é a vez de pagar uma conta correspon
dente a cinco cafés e a igual número de cervejas.
Galapagos (1985), de Kurt Vonnegut, é um comentário ainda
mais explícito e deliberado sobre o significado da evolução a partir
do ponto de vista de um escritor. Sinto-me especialmente feliz que
um cruzeiro às ilhas Galápagos, um dos principais fatores que leva
ram Vonnegut a escrever o livro, tenha sugerido a questão da con
tingência como principal tema inspirado pelo santuário geográfi
332
co de Darwin. Embora no romance de Vonnegut os caminhos da
história possam ser largamente limitados por princípios gerais, tais
como a seleção natural, dentro desses limites a contingência dispõe
de tal margem de manobra que qualquer resultado em particular
deve-se mais a sutis sucessões de eventos antecedentes do que aos
canais estabelecidos pelas leis da natureza. Galapagos é na verdade
um romance sobre a natureza da história do universo de Darwin.
Eu o recomendaria (e o faço) aos estudantes dos cursos de ciência
como um guia para a compreensão do significado da contingência.
Em Galapagos, o holocausto do despovoamento surge na for
ma relativamente branda de uma bactéria que destrói os óvulos hu
manos. Este flagelo começa a propagar-se atacando as mulheres que
compareceram à Feira Internacional do Livro, em Frankfurt, mas
rapidamente se espalha por todo o mundo, deixando de esterilizar
apenas um remanescente isolado de Hom o sapiens. A sobrevivên
cia da espécie humana passa a depender de um minúsculo e hetero
gêneo grupo transportado por um barco até as isoladas ilhas Galá-
pagos, fora do alcance das bactérias — o último dos índios kanka-
bono, um turista e mais um ou dois aventureiros. A sobrevivência
e a curiosa propagação dessas pessoas se dá através de uma extrava
gante sucessão de contingências e, no entanto, todo o futuro da his
tória humana depende desse diminuto grupo de sobreviventes:
Em questão de menos de um século o sangue de todo ser humano vi
vendo sobre a Terra será predominantemente kanka-bono, misturado
com um pouco de Von Kleist e Hiroguchi. E esse espantoso curso dos
acontecimentos só se tornou possível, em grande parte, por causa de
uma dentre as apenas duas pessoas absolutamente sem importância
incluídas na lista original de passageiros para o “ Cruzeiro Naturalista
do Século” . Esta era Mary Hepburn. O outro joão-ninguém era seu
marido, que desempenhou o papel crucial na determinação do futuro
da espécie humana ao reservar, no momento em que se defrontou com
sua própria extinção, aquela pequena cabine barata abaixo da linha
de flutuação.
A contingência tem sido também um tema importante em mui
tos filmes, tanto clássicos como recentes. Em Back to the future [De
volta para o futuro] (1985), Marty McFly (Michael J. Fox) é um ado
lescente que faz uma viagem no tempo, voltando até a escola secun
dária onde seus pais estudaram, e precisa lutar para reconstituir o
passado tal como ele efetivamente transcorreu, depois que sua in
tromissão acidental ameaça alterar a seqüência original dos aconte
cimentos (quando sua mãe, numa interessante variação em torno
333
do tema de Édipo, fica apaixonada por ele). Embora os eventos que
McFly precisa corrigir pareçam ser ocorrências triviais, absolutamen
te insignificantes, ele sabe que nada poderia ter maior importância,
uma vez que seu fracasso acabaria resultando em seu próprio desa
parecimento, já que seus pais nunca acabariam se encontrando.
A maior expressão da contingência, que eu escolhería como
holótipo* do gênero, aparece perto do final da obra-prima de Frank
Capra, I t ’s a wonderful life [A felicidade não se compra] (1946).
George Bailey (James Stewart) levou uma vida de renúncia porque
sua natureza essencialmente generosa o fez adiar suas aspirações pes
soais a fim de ajudar a família e a comunidade. Sua precária asso
ciação de empréstimos e edificações foi levada à falência e acusada
de fraude pelas maquinações de mr. Potter (Lionel Barrymore), um
avarento e poderoso escroque local. Desesperado, George resolve
se afogar, mas é salvo pela intervenção de Clarence Odbody, seu
anjo da guarda, que se atira na água antes dele porque sabe que a
bondade de George o levará a socorrer o próximo antes de tratar
de seu próprio suicídio. Em seguida, Clarence tenta animar George
pela via direta: “ Você simplesmente não sabe como foi importante
tudo o que fez” . George, contudo, replica: “ Não fosse por mim to
do mundo estaria bem melhor arranjado... Acho que teria sido me
lhor se eu jamais tivesse nascido” .
Num momento de inspiração, Clarence concede a George seu
desejo e lhe mostra uma versão alternativa da vida na cidade de Bed-
ford Falis, tal como ela teria se passado sem a presença dele. Esta
magnífica cena de dez minutos é ao mesmo tempo um dos pontos
altos da história do cinema e também a melhor ilustração que já en
contrei do fundamental princípio da contingência — um replay pro
duzindo um resultado diferente porém inteiramente razoável; alte
rações aparentemente insignificantes, entre elas a ausência de Geor
ge, conduzem a uma cascata de diferenças acumulativas.
No replay sem a presença de G eorge tu d o faz m u ito sentid o em
term os de personalidades e forças econôm icas. T o d a v ia , esse m u n d o
alternativo é triste e cín ico, cruel até, a o p asso que G eorge, através
334
de uma vida visivelmente insignificante, havia impregnado o am
biente de bondade e, conseqüentemente, contribuído para o suces
so dos seus beneficiários. Bedford Falis, sua idílica cidadezinha norte-
americana, está agora repleta de bares, salões de sinuca e casas de
jogo; ela foi rebatizada de Pottersville, porque a Bailey Emprésti
mos e Edificações havia desaparecido na ausência de George e seu
inescrupuloso rival assumiu o controle da propriedade e mudou o
nome da cidade. Agora um cemitério ocupa o lugar da comunidade
de pequenas casas que George havia financiado a juros baixos e com
inúmeros perdões para as dívidas. O tio de George, desesperado por
causa da falência, está internado num hospício; sua mãe, fria e in
sensível, dirige uma pensão barata; sua esposa é uma solteirona en
velhecida que trabalha na biblioteca municipal; uma centena de ho
mens morreram num navio-transporte naufragado porque o irmão
de George afogou-se sem que este o socorresse, e nunca cresceu pa
ra salvar o navio e ganhar a Medalha de Honra.
O astuto anjo, encerrando a discussão, anuncia nesse momen
to a doutrina da contingência: “ Estranho, não é? A vida de cada
homem afeta tantas outras vidas, e quando ele não está por perto
fica um terrível vazio, não?... Veja bem, George, na verdade você
teve uma vida maravilhosa” .
Contingência é não só o lema mas também a lição que nos é
ensinada pela nova interpretação de Burgess Shale. O fascínio e o
poder de transformação da mensagem de Burgess — uma fantásti
ca explosão de disparidade precoce seguida de dizimação, talvez em
grande parte ao acaso — estão na confirmação da história como o
principal determinante dos rumos da vida.
A visão anterior de Walcott, diametralmente oposta, abordava
o padrão da história da vida a partir de um tipo de explicação cien
tífica diferente e mais convencional — previsibilidade direta e sub-
sunção sob as leis invariáveis da natureza. Além do mais, o ponto
de vista de Walcott a respeito das leis invariáveis atualmente seria
considerado mais uma expressão da tradição cultural e das prefe
rências pessoais do que uma representação acurada dos padrões da
natureza. Como já vimos, Walcott interpretou a história da vida co
mo a efetivação de um propósito divino que, com toda a certeza,
após uma longa história de progresso lento e gradual, viria a produ
zir a consciência humana. Os organismos de Burgess tinham de ser
versões primitivas de formas posteriores mais aperfeiçoadas, e a vi
da tinha de avançar a partir desse começo simples e limitado.
A nova visão, por outro lado, está fundamentada na contin-
335
r d ° Processo R ü a d e s a n a t o m i c a m 7 T ° P O r c io n a r i
5 ° Poder contrni B]Urgess Shale tra n ? 6 comPetentes iuSu ,
a Estória da V' ^ ° r da c°ntingên? ° rma' se no elemento ct
. *>r fímdas; ida e da sua Z " "" dete™inação do pa
é «ão anen?’ e Você aceitar m POS,ção atual.
fascfnio todo e Z 1PreensiVel e im p o r? 0161110 de que a contingé
sas idéias gerais QCla1, então BUr„„.. ante’ mas também possui
Cn,Che uma n a respei<° da Z ! f ° a,te^ Por com pleto,
? e a ,mP r o b a b iiiZ eSpécie de assom h° Padrao ~ e,e também
° a Produzir n« 6 d° ev®nto) n^i / ° também de um ,/W»
Z f - o s /*?/*<, J ? eS humanos. ju :? /ato de a evolução ter chei
çj. ®do indicador) ? ^ ° niJa seu n I 3r6S e m dbares de vezes n
n-eção da históri? de desaparecl ? Cgar 3 Cerca de um mi,ímet
d a ? C° r r e r n o v a l n ° r u * ° d e u m ? * d e v i d o a m udança <
P o c a d e B u r g es<i n t f a f i t a j m il h ~ m , n í l ° i g u a l m e n t e plausíve
n d a ° P Íe n s ^ m a i s Ch d U v i d o q u e a l e i f ° d e Te z e s a P a r t ir d o in íd
a r a v i] j j 0 s a eS a sse a e v o lu i C o ls a P a r e c i d a c o m o H °
; - Trat— —
na eu realmente a'SPUÍa entre a Previsibilidade
rgumentando que nada a res-
336
peito da história da vida pode ser previsto ou, talvez, ser conseqüên-
cia inevitável e direta das leis gerais da natureza? É óbvio que não;
a questão.CQirrque nos defrontamos é de escala, ou de focalização.
A vida apresenta uma estrutura que obedece os princípios da física.
Não vivemos em meio a um caos de circunstâncias históricas não
afetadas por nada que seja acessível ao “ método científico” tal co
nto ele é tradicionalmente concebido. Desconfio que a origem da
vida na Terra foi praticamente inevitável, considerando-se a com
posição química dos oceanos e da atmosfera primitivos e os princí
pios físicos que regem os sistemas auto-organizados. Boa parte da
configuração básica dos organismos multicelulares deve ser limita
da pelas regras de construção e do bom design. As leis de superfí
cies e volumes, reconhecidas primeiramente por Galileu, exigem que
os organismos grandes desenvolvam formas diferentes daquelas en
contradas em seres aparentados de menor porte, a fim de manter
a mesma área superficial relativa. Do mesmo modo, pode-se espe
rar encontrar simetria bilateral em organismos móveis construídos
por divisão celular. (Os estranhos e desconhecidos organismos en
contrados em Burgess eram bilateralmente simétricos.)
Todavia, por mais amplos e importantes que sejam esses fenô
menos, eles estão muito longe dos detalhes que nos interessam acer
ca da história da vida. As leis invariáveis da natureza afetam as for
mas e as funções gerais dos organismos; elas estabelecem os canais
em cujos limites deve-se dar a evolução dos designs orgânicos. Mas
os canais são tão largos em relação aos detalhes que nos fascinam!
Eles não determinam especificamente o surgimento de artrópodes,
anelídeos, moluscos e vertebrados. O que eles fazem, no máximo,
é estabelecer a existência de organismos bilateralmente simétricos
baseados em segmentos repetidos. Os limites dos canais afastam-se
ainda mais quando fazemos as perguntas básicas a respeito de nos
sa própria origem! por que a evolução produziu os mamíferos? Por
que os primatas adotaram uma vida arborícola? Por que o minús
culo broto que produziu o Homo sapiens originou-se e sobreviveu
na África? Quando focalizamos o nível de detalhamento que regula
as questões mais comuns a respeito da história da vida vemos que
a contingência domina e que, de maneira geral, a previsibilidade
retira-se para um irrelevante segundo plano.
Charles Darwin reconheceu esta distinção fundamental entre leis
controlando os princípios básicos e contingência nos detalhes, nu
ma célebre troca de correspondência com o devoto evoluciomsta cris
tão Asa Cray. Este, botânico de Harvard, estava inclinado a apoiar
337
não apenas a demonstração, feita por Darwin, de que a evo uçao
realmente ocorreu, mas também o princípio da seleção natural
como seu mecanismo. Gray, porém, estava preocupado com as ím
plicações para a doutrina religiosa cristã e para o sigm *ca 0 a V1
da. Ele se afligia de forma especial com a possibilrdade de que o
ponto de vista de Darwin não deixasse nenhum espaço para o imp
rio das leis universais e representasse a natureza como se e a osse
moldada inteiramente pelo acaso cego. . . ,
Darwin, em sua profunda resposta, reconheceu a exis en
leis gerais que regulam a vida no sentido amplo, ssas ei ,
mentou ele, voltando-se para a principal preocupação e >
deriam até mesmo (por tudo que sabemos) refletir a P
mais elevado do universo. Contudo, o mundo ama ur
pleto de detalhes, e estes constituem o objeto b S1^ ° irTinrf)nria_
Muitos desses detalhes são “ cruéis” quando ava ia os,
mente, pelos padrões morais humanos. Ele escreveu a
não consigo me convencer de que um Deus bon oso _
tenha intencionalmente criado os icneumonídeos com o aeartas
POSÍ.O de que as Larvas de.es se d »
vivas, e feito o mesmo com os gatos para q ^ _11Kanr;a de mo-
camundongos antes de matá-los” . Como, então, a universo
ralidade nos detalhes poderia ser harmoniza a Darwin
cujas leis gerais refletissem algum Propo^ ° da contingência,
replicou que os detalhes estão situados na es aQ lon_
a qual não é direcionada pelas leis que estabe ece ^ Darwin)
go dos quais se processa a evolução. O umve ^ sejam
respondendo a Gray, é regido pelas leis, c . hp acaso”
bons ou ruins, deixados a cargo do que P °de™°s ° estões reduz-se à
E assim, em última análise, a questão das q ... , . sou as iejs
determinação da linha divisória entre a previsi 1 rontingên-
invariáveis da natureza e as múltiplas possibilida es a
cia histórica. Tradicionalistas como Walcott colocariam a
em baixo que todos os grandes padrões da história a vi
acima da linha, dentro da esfera da previsibilidade (e, para >
nifestação direta dos propósitos divinos). Eu, no entanto, 1 g
uma linha divisória situada tão no alto que quase to os os ev
interessantes da história da vida cairiam na esfera da contingência.
Eu considero a nova interpretação de Burgess Shale como ° me or
argumento proporcionado pela natureza em favor da tese e que a
divisa deva ser colocada numa posição assim tão elevada.
Isto significa — e temos de encarar de frente esta imp ícaçao
338
de um improvável ra ° *?°m o saP‘ens como um minúsculo broto
da árvore está situacT h Um ga,h° contínê ente de uma afortuna"
deDarwin, nó sso n io ° ^ abaixo da Unha divisória. No sistema
e não um propósito ou corporifi-
xados a cargo do nUe H°m ° S deta,hes>sejam bons ou ruins> dei'
iutiva da inteligência cP° dernos chamar de acaso” . Se a origem evo-
ma °u abaixo da linha°cr SOb qua,quer forma está situada ací-
não sei. Tudo o que c IVIsdr,a>trata-se simplesmente de algo que
próximo de repetir o^feit° ^'ZCr ® que nosso planeta nunca esteve
E— » - z p i " “ r ■ 4spuma’
0 ° : r : aaquelaf,°r tCVedeser branca,
^ " ■ Í" ™ » « * * w a
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innocem What had th 7 n d fi° Wer l i k e a Y L‘ke the in«rcdients of a '
whit„ ~ othea!'ail? What brou f 0VVer to do with h °-h , / A n d dead wings carr
° th th«her in the “*ht the k i n d r e d h„bem g w h ite- / T he w ayside I
ern" * «»* ” í . i ' f i : »•» « « »««■..,/ «
8 °fdarkness to..........
appaJÍ? -
340
5
MUNDOS POSSÍVEIS: O PODER DA
“SIMPLES HISTÓRIA ”
341
v% « u u r a Q í j p n i
342
de dar a essas criaturas o nome de Priapulus, que significa “ peque
no pênis” .
A armadura da probóscide dos priapulídeos poderia ser moti
vo de algum sobressalto em analogias injustificadas. Na maioria das
espécies, a parte de baixo exibe 25 fileiras de pequenos dentes enci
madas por um aro ou anel bucal. A extremidade superior apresenta
diversos pentágonos inscritos, constituídos por dentes, em redor da
boca. A maior parte dos priapulídeos são ativamente carnívoros,
capturando e engolindo suas presas inteiras, embora uma espécie
talvez se alimente de detritos.
Todavia, quando nos voltamos para a sinopse de Parker a res
peito dos organismos vivos, encontramos apenas três páginas dedi
cadas aos priapulídeos, com uma pachorrenta descrição de cada fa
mília. Os priapulídeos simplesmente não dão uma contribuição muito
grande para a diversidade orgânica; os zoólogos encontraram até
agora apenas quinze espécies. Por alguma razão, os priapulídeos não
estão entre as histórias mais bem-sucedidas da biologia moderna.
Uma análise da distribuição dos priapulídeos nos proporciona
uma pista para entendermos seu relativo fracasso. Todos os priapu
lídeos vivem em ambientes incomuns, severos ou marginais - co
mo se eles não fossem capazes de competir nos ambientes, rasos e
abertos, freqüentados pelos organismos marinhos mais normais ’
e só pudessem se agüentar em locais onde as criaturas comuns nao
os incomodam. Duas famílias de priapulídeos incluem vermes que
ficaram tão pequenos que vivem entre os grãos de areia, no rico e
fascinante mundo (mas positivamente “ atípico” ) da assim chama
da fauna intersücial. A maioria dos priapulídeos pertence a família
oa tauna íntersuc mes de maior porte (ate vinte centi-
Priapuhdae, constitui yivem n0 funcj0 do mar. Contudo, es-
metros de comprimen ) ^ ambientes mais generosos encon-
ses priapulídeos nao s Eles vivem em regiões mais frias
trados nas águasrasas , trópicos, e em águas rasas de zo-
- em grandes Proíundl ^ as'frígidos. Eles também conseguem to-
nas de altas
is latitudes e climas trigm
w uiuuw....... . , pondições _— níveis
níveis de
de oxigê-
o;
lerar uma variedade extraordi ambientes improdutivos
nio reduzidos, sulfeto de hi rog ’sez de alimentos, e salinidade
lhes impõem longos p e r í o d o s Pode-se argumentar, de for-
baixa ou sujeita a bruscas flu ? - conseguido se man-
ma bastante razoável, que os PmpuW eos ^ optado
ter precariamente neste mundo penoso e feroz.
por locais hostis porém desproVf marcantes diferenças entre
Nós poderiamos presumir que essas n
343
5.1. O priapulídeo de Burgess, Ottoia, em sua loca, com a probóscide semi-estendi
Desenho de Marianne Collins.
344
5 .2 .
Q elo de Burgess Canadia. Desenho de Marianne Collins.
345
nos poliquetos bem-sucedidos, não evoluíram antes do período Or
doviciano. Será que o aparecimento das mandíbulas deixou os P°l'
quetos em situação mais vantajosa do que os priapulídeos, anterior
mente mais abundantes?
bsta suposição é plausível
* » - r -v.v.v». V
» V IUI>v/j V
O U
VJU 7
346
mente inesperado” esqueleto de uma enorme ave pied ^ oming.
ma gigantea, encontrada em estratos do *oe • •. q
Diatryma era uma gigantesca ave terrestre com aSg qos membros, sen-
cedia qualquer ave vivente em tamanho c0 c01' ueleto reconstituí
do superada apenas pela maior das moas. I - cabeça são comple-
do tem quase 2,10 metros de altura. O pescoço ^ curto e muito
tamente diferentes dos de qualquer ave viva. P , . Q ac\iatado
poderoso e a cabeça enorme e dotada de um g
(Í917). cterizam
A cabeça gigantesca e o pescoço curto ttmdo"contrastc com
Diatryma como um feroz carnívoro, em pacíficos ratitas
a cabeça pequena e o pescoço leve e alo"g* ° 0 Tyran0saurus, pos-
(avestruzes, emas e espécies afins). 1 ai c ■ ^ ca^,eça gran-
suidor de reduzidos membros anteriores mas o escoicea-
de e poderosos membros posteriores, eve
do, arranhado e bicado suas presas até omia . tantes dos grous
Os diatrymídeos, que talvez fossem pare^ es e formas afins,
ntas que não têm nenhuma relação com os av vários milhões
existiram na Europa e na América do or e ^ carnívoros pu
de anos. Embora o privilégio do domínio e evaiecendo e nós
desse ter cabido às aves, os mamíferos aca ar t 5 rias acerca de
não sabemos o porquê disso. Podemos mv como sendo algo
cérebros de aves, duas pernas e ausência de caninos, mas o
necessariamente inferior à posse de quatro e se as aves ti-
fato é que no fundo de nossos corações sa g -gUa\rnente boas
vessem triunfado, nós poderiamos coataJ. a maior autoridade
a respeito de seu inevitável êxito. A. • ~n a ne acabou de passar,
em paleontologia de vertebrados da geraç
afirmou em seu manual, a bíblia da esp ^ ^ mamí-
348
gambás, entre outros). Nenhum carnívoro placentário habitou essa
gigantesca arca. A maioria dos livros de divulgação nos diz que os
carnívoros nativos da América do Sul eram todos marsupiais, os as
sim chamados borianídeos. Eles muitas vezes deixam de dizer que
um outro grupo proeminente — os fororacídeos, aves terrestres gi
gantes — saiu-se igualmente bem, se não melhor. Os fororacídeos
também possuíam cabeças grandes e pescoços curtos e poderosos,
mas não eram estreitamente relacionados com Diatryma. Na Amé
rica do Sul, as aves fizeram uma segunda e independente tentativa
de se tornarem os carnívoros dominantes — e dessa vez elas vence
ram, conforme sugere a famosa reconstituição, feita por Charles R.
Knight, de um fororacídeo postando-se triunfante sobre o mamífe
ro que capturara (fig. 5.3).
Devido a nosso presunçoso provincianismo centrado nos pla-
centários, talvez digamos que as aves conseguiram triunfar na Amé
rica do Sul apenas porque os marsupiais eram inferiores aos placen-
tários e não representavam a espécie de desafio que derrotou as aves
terrestres predadoras na Europa e na América do Norte. Podemos,
contudo, estar assim tão seguros? Havia também borianídeos gran
des e ferozes, que chegavam a ter o tamanho de um urso e incluíam
criaturas tão formidáveis quanto o Thylacosmilus, o dente-de-sabre
marsupial.
Nós poderiamos também dar um sorriso de escárnio e observar
que, de qualquer maneira, os fororacídeos saíram rapidamente de
cena (junto com os borianídeos) logo que os placentários superiores
afluíram através do istmo que estava emergindo. Mas essa habitual
saga de progresso também não se sustenta. G. G. Simpson, nosso
maior especialista em evolução de mamíferos sul-americanos, afir
mou num de seus últimos livros:
Vez por outra tem-se dito que essas e outras aves sul-americanas inca
pazes de voar [...] sobreviveram devido à ausência de carnívoros pla
centários no continente. Essa especulação está longe de ser convincen
te [...]. A maioria dos fororacídeos, com a exceção de um ou dois re
tardatários, extinguiu-se antes de os carnívoros placentários terem
alcançado a América do Sul. Muitos dos borianídeos que viveram en
tre essas aves durante muitos milhões de anos eram altamente predató
rios. [...] Os fororacídeos [...] tinham mais probabilidade de matar ma
míferos do que de serem mortos por eles (Simpson, 1980, pp. 147-50).
349
PADRÕES GERAIS QUE ILU STR A M A CONTINGÊNCIA
350
de outro grupo mais competitivo.* Todavia, ao utilizar a expressão
“ melhor adaptado” Darwin quis dizer apenas “ mais adequado a
um ambiente local sujeito a alterações” e não superior sob algum
aspecto anatômico no sentido geral. Os caminhos da adaptação lo
cal têm a mesma probabilidade de restringir ou de aumentar as pers
pectivas de êxito a longo prazo (simplificação nos parasitas, exces
so de pormenores nos pavões). Além do mais, nada é tão incons
tante e imprevisível — tanto em nossas metáforas como em nosso
planeta — do que as alterações climáticas e geográficas. Continen
tes se fragmentam e se espalham; correntes oceânicas se modificam;
rios alteram seus cursos; montanhas se elevam; estuários secam. Se
o jogo da vida é mais uma questão de acompanhar as modificações
ambientais do que de galgar posições numa escala de progresso, en
tão a contingência deve imperar.
Eu sustento que a contingência tem um importante papel no
sistema de Darwin, não como um corolário lógico de sua teoria, po
rém como um tema central e explícito de sua própria vida e obra.
Darwin recorreu à contingência de uma maneira fascinante, fazen
do dela seu principal argumento em favor do próprio fato da evolu
ção. Ele fundamentou sua defesa num paradoxo: alguém poderia
pensar que a melhor prova da evolução seriam aqueles primorosos
exemplos de adaptação ótima presumivelmente produzidos pela se
leção natural — a perfeição aerodinâmica de uma pena ou o impe
cável mimetismo de insetos que se assemelham a folhas ou galhos.
Tais fenômenos nos proporcionam os exemplos padronizados de nos
sos livros didáticos a respeito do poder da modificação evolutiva —
embora os moinhos da seleção natural possam trabalhar devagar,
a moagem é de excelente qualidade. Darwin, porém, reconheceu que
a perfeição não constitui evidência em favor da evolução, pois a ex
celência encobre as marcas deixadas pela história.
Se as penas são perfeitas elas tanto poderíam ter sido projeta
das a partir do zero por um Deus onipotente, ou ser resultado da
modificação de uma estrutura anterior, através de um processo na
tural. Darwin reconheceu que os principais indícios da evolução de
veríam ser procurados nas singularidades, curiosidades e imper-
351
feições reveladas pelos caminhos da história. As baleias, com os
sos pélvicos vestigiais, devem ter se originado a partir de tor
ancestrais terrestres dotadas de pernas funcionais. Os pandas, pa
ra comer bambu, precisam desenvolver um “ polegar” imper
a partir de um osso modificado do pulso porque seus ancestr
carnívoros perderam a indispensável mobilidade do primeiro ^
do. Muitos animais das Galápagos diferem apenas ligeiramen
seus vizinhos do Equador, apesar de o clima dessas ilhas vu c ^
cas relativamente frias divergir profundam ente das condiçoe
contradas na América do Sul continental, próxima dali. e a ^
leias não conservassem nenhum sinal de sua herança terres
os pandas tivessem polegares perfeitos e se os animais das
pagos estivessem inteiramente adaptados aos peculiares am ^
tes locais — então a história não seria inerente às produçoe
natureza. Todavia, nosso mundo é efetivamente m olda o P ^
contingências da desprezada história, e a evolução está à vlSconl0
grande número de estruturas que só podem ser explicadas c
vestígios do passado evolutivo. cQn_
Assim, a contingência tem seu papel até mesmo no mundo
cebido por Darwin a partir da extrapolação da competição org ^
ca em comunidades locais apinhadas de espécies. Contudo, um ^
citante movimento do último quarto do século tem nos leva 0
conhecer que a natureza não é ordenada de forma assim tão con
e uniforme; o grande não surge a partir do pequeno simples
mediante o acréscimo de tempo. Diversos padrões de grande a
ce — baseados na natureza da macroevolução e na história dos a
bientes — impõem suas próprias assinaturas aos caminhos da na
reza, além de romper, reajustar e redirecionar o que quer que ten ^
sido acumulado ao longo do tempo geológico. A maior parte dess
padrões reforça vigorosamente o tema da contingência (veja Gou
1985a). Consideremos apenas dois.
353
riedade exterior baseada na estereotipagem do design anatômico
transformou-se num traço característico dos vertebrados).*
Em minhas últimas pesquisas cheguei à conclusão de que o pa
drão de máxima amplitude inicial é uma característica geral de li
nhagens de vários tamanhos e de diferentes épocas, e não apenas
dos grandes grupos da explosão cambriana. De fato, tenho sugeri-
do que esta assimetria em que a parte mais pesada fica em baixo
talvez esteja entre os poucos fenômenos naturais que conferem uma
direção ao tempo, servindo assim como um dos raros exemplos de
“ flecha do tempo” (Gould, Gilinsky e German, 1987; Morris, 1984).
Em nosso estudo, representamos as linhagens evolutivas e os gru
pos taxonômicos utilizando os tradicionais “ diagramas de fuso” da
paleontologia — que são interpretados intuitivamente, com o tem
po na dimensão vertical e largura proporcional ao número de repre
sentantes do grupo vivendo em determinado momento (fig. 5.4). Es
ses diagramas podem ser mais pesados em baixo, mais pesados em
cima ou simétricos (com representação máxima na parte média do
eixo do tempo geológico). Se a história da vida for caracterizada
por linhagens mais pesadas na parte de baixo, então o padrão de
Burgess será a norma em toda a escala da vida (a maioria dos nos
sos diagramas de fuso representa grupos taxonômicos de categorias
mais baixas, usualmente gêneros dentro das famílias). Se as linha
gens simétricas predominarem, então a forma de diversificação não
confere nenhuma direção ao tempo.
354
O grau de assimetria é medido pela posição relativa do centro
de gravidade do diagrama. Embora esta explicação possa parecer
complicada, a verdade é que nossos diagramas são intuitivos e de
fácil entendimento. As linhagens com centro de gravidade menor
que 0,5 (mais pesadas na parte de baixo, em nossa terminologia) al
cançam sua diversidade máxima antes do ponto médio de suas exis
tências em termos de tempo geológico — isto é, elas seguem o pa
drão de Burgess. As linhagens com centros de gravidade acima de
0,5 atingem um número máximo de representantes após o ponto mé
dio de suas existências (veja a fig. 5.4).
Assim, nós estudamos toda a história da vida dos invertebra
dos marinhos — 708 diferentes diagramas de fuso, no nível de gê
neros dentro de famílias. Nós encontramos apenas um padrão em
que o desvio da simetria era estatisticamente significativo. As linha
gens que surgiram no início da história da vida multicelular, ou se
ja, aquelas que se originaram durante os períodos Cambriano e Or-
doviciano possuem centros de gravidade médios menores do que 0,5.
Os valores médios das linhagens que apareceram mais tarde não são
estatisticamente diferentes de 0,5. O padrão de Burgess está portan
to confirmado em todos os grupos de invertebrados marinhos dota
dos de partes duras existentes no registro fóssil convencional. O iní
cio da história da vida multicelular é marcado pela presença de
DIVERSIDADE DIVERSIDADE
r.
5.4. Centros de gravidade em diagramas pateontológicos de fuso. A) Um diagra
ma mais pesado na parte de baixo, com centro de gravidade menor do que 0,5. B)
Um diagrama simétrico, com centro de gravidade igual a 0,5. C) Um diagrama mais
pesado na parte de cima, com centro de gravidade maior do que 0,5.
355
linhagens individuais mais pesadas na parte de baixo; épocas poste
riores apresentam linhagens simétricas.
Além disso, verificamos que o mesmo padrão é a regra para
grupos em fase inicial de expansão. As linhagens mais pesadas em
baixo não são uma singularidade da vida invertebrada do Cambria-
no, mas uma regra geral a respeito da natureza da diversificação evo
lutiva. Por exemplo: as linhagens de mamíferos que surgiram du
rante o Paleoceno, o período inicial da explosiva diversificação que
se seguiu ao desaparecimento dos dinossauros, tendem a ser mais
pesadas na parte de baixo, ao passo que as linhagens de origem pos
terior são simétricas.
Podemos interpretar de diversas maneiras esse padrão de con
centração de peso na parte de baixo. Gosto de encarar isto como
“ experimentação inicial e posterior estandardização” . A maioria das
linhagens parece ter a capacidade de gerar uma notável disparidade
de designs anatômicos no começo de sua história — experimenta
ção inicial. Poucos desses designs sobrevivem a uma dizimação ini
cial e a posterior diversificação ocorre apenas dentro das limitadas
fronteiras anatômicas desses sobreviventes — posterior estandardi-
zação. O número de espécies pode continuar a crescer, atingindo tal
vez valores máximos em fases mais avançadas da história das linha
gens, mas essas profundas modificações ocorrem no âmbito de ana
tomias limitadas — embora tenham sido descritos quase um milhão
de espécies de insetos modernos, atualmente existem apenas três de
signs básicos de artrópodes, em comparação com os mais de vinte
da época de Burgess.
Como quer que interpretemos este padrão de peso concentra
do na parte de baixo, ele reforça vigorosamente os argumentos em
favor da importância da contingência e confirma a principal tese de
fendida neste livro. Em primeiro lugar, o padrão básico é uma refu
tação de nossa cômoda e convencional iconografia — o cone de di
versidade crescente. A submissão a essa iconografia e à base concei
tuai a ela subjacente impediu Walcott de perceber a verdadeira
extensão da disparidade de Burgess e tem continuado a representar
o padrão dominante da evolução numa direção diferente de sua ver
dadeira forma. Segundo, a disparidade máxima inicial e a posterior
dizimação conferem o papel mais amplo possível à contingência, uma
vez que, se a atual estrutura taxonômica da vida é mais o registro
de um afortunado grupo de sobreviventes de uma dizimação ao acaso
do que o resultado final de uma progressiva diversificação por aper
feiçoamento adaptativo, então um replay da fita da vida produ-
ziria um conjunto substancialmente diferente de anatomias sobre
viventes e uma história ulterior perfeitamente plausível em seus pró
prios termos porém acentuamente diferente daquela que conhecemos.
EXTINÇÃO EM MASSA
357
massa tem recebido um novo impulso sob a forma de excitação,
idéias originais e dados consistentes. Embora o estímulo inicial ob
viamente tenha sido a teoria de Alvarez, a respeito de extinções de
sencadeadas pelo impacto de corpos extraterrestres, a discussão lo
go se expandiu para muito além de asteróides errantes e passou a
abranger chuvas de cometas, supostos ciclos de 26 milhões de anos
e modelos matemáticos a respeito do mais autêntico caos. Embora
um relato adequado desse trabalho exija por si só um livro, reco
nheço um tema geral que pode ser sintetizado numa afirmação de
amplas implicações: as extinções em massa são mais freqüentes, mais
rapidas, têm uma magnitude mais devastadora e produzem efeitos
muito diferentes do que anteriormente se imaginava. Em outras pa
lavras, as extinções em massa parecem ser verdadeiras rupturas no
fluxo geológico e não simplesmente pontos altos de uma continui
dade. Elas possivelmente são resultado de alterações ambientais que
se processam com tamanha velocidade e conseqüências tão drásti
cas que os organismos não conseguem se ajustar através das pres
sões usuais da seleção natural. Assim, as extinções em massa po
dem interromper, desfazer ou redirecionar o que quer que possa ter
se acumulado durante os tempos “ normais” intermediários.
A principal questão levantada pelas extinções em massa sem
pre foi esta: elas obedecem a algum padrão — e, em caso positivo,
quais as causâs desse padrão? A possibilidade mais excitante susci
tada pelas novas idéias a respeito de extinções em massa é a de que
as razões para a sobrevivência diferencial são qualitativamente di-
erentes das causas de sucesso em tempos normais — conferindo as
sim uma assinatura característica, talvez padronizada, à diversida-
e e à disparidade na história da vida. Se o agente desse padrão for
a go tão nitidamente geológico e em grande escala, isto iria provar
a a si ade do velho modelo cumulativo que ofereceu à doutrina do
progresso a melhor esperança que lhe resta. Os paleontólogos estão
enas começando a estudar as causas da sobrevivência diferencial,
o juri ícará em recesso durante algum tempo. Não obstante, já
de PYt-ItlC3S ^ortes lo c a ç õ e s de que dois modelos acerca dos padrões
. mç^ I em massa — eu os chamo de modelo do acaso e modelo
a *[as 1 erentes ~ não apenas favorecem a tese da distinção das
. a uras como também reforçam enormemente o tema da con
tingência.
.. ! mo^ ° d° acaso. É quase desnecessário dizer que, se uma
çao em massa funcionar como uma verdadeira loteria, com ca-
grupo etendo um bilhete sem qualquer relação com suas virtu-
358
des anatômicas, isso terá provado o quanto a contingência é impor
tante e demonstrado a existência de uma amplitude máxima de pos
sibilidades por ocasião de novos replays da fita da vida. Nós dispo
mos de algumas indicações de que o verdadeiro acaso pode ter de
sempenhado um papel. Alguns dos eventos são tão profundos e o
conjunto dos sobreviventes tão restrito que podem ter ocorrido flu
tuações ao acaso em pequenas amostras. David M. Raup, por exem
plo, estimou a perda de espécies na extinção permo-triássica, a mais
antiga de todas, em 96%. Quando a diversidade cai a 4% do seu
antigo valor, precisamos considerar a idéia de que muitos grupos
foram eliminados em virtude de algo muito parecido com a mera
falta de sorte.
Num estudo mais direto, Jablonski (1986) investigou o papel
desempenhado nas extinções em massa por características que, em
tempos normais, reconhecidamente promovem a sobrevivência ou
aumentam a especiação em moluscos marinhos. Jablonski descobriu
que, sob as condições peculiares de uma extinção em massa, nenhum
desses fatores ajudava ou prejudicava a sobrevivência. Pelo menos
no que tange a esses importantes fatores causativos de épocas nor
mais, as extinções preservam ou aniquilam as espécies ao acaso. A
distribuição geográfica foi praticamente o único fator que Jablons
ki pôde correlacionar à probabilidade de sobrevivência — quanto
maior a área habitada por um grupo, maiores são suas chances de
sobreviver a uma extinção. Talvez nesses períodos as coisas tenham
ficado tão duras que quanto maior o espaço ocupado normalmente
por uma espécie melhor seriam as suas chances de poder encontrar
algum lugar para se esconder.*
2) O modelo das regras diferentes. Eu mesmo não acredito que
o verdadeiro acaso predomine nas extinções em massa (ainda que
ele provavelmente desempenhe algum papel, especialmente nas ex
tinções mais profundas). Penso que a maioria dos sobreviventes es
capa da morte por razões específicas, muitas vezes por um comple
xo conjunto de causas. Mas também desconfio que, na grande maio
ria dos casos, os traços que aumentam a sobrevivência durante uma
extinção o fazem de maneiras que são incidentais e que não guar
dam qualquer relação com as razões pelas quais eles originalmente
evoluíram.
(*) A distribuição geográfica é uma propriedade das populações e não de cara
cóis ou mexilhões tomados individualmente. Assim, mesmo que a sobrevivência es
teja correlacionada à distribuição geográfica, o destino de uma espécie pode ser ca
suai no que diz respeito às virtudes anatômicas de seus indivíduos.
359
Esta asserção é o elemento central do modelo de regras dife
rentes. Em tempos normais, os animais desenvolvem seus tamanhos,
suas formas e suas fisiologias de acordo com a seleção natural e por
razões específicas (geralmente envolvendo vantagens adaptativas).
Depois vem uma extinção em massa, com suas “ regras diferentes’’
de sobrevivência. Sob as novas normas, seus melhores traços, a causa
de sua prosperidade anterior, podem se transformar em sua senten
ça de morte. Um traço antes sem importância, que apenas pegou
uma carona no processo evolutivo como conseqüência indireta de
outra adaptação, talvez seja agora a chave da sobrevivência. Em prin
cípio, pode não haver nenhuma correlação causai entre as razões
para a evolução de uma característica e sua contribuição para a so
brevivência da espécie sob as novas regras. (Para se testar este mo
delo, portanto, é fundamental demonstrar que as novas regras efe
tivamente se impuseram.) Afinal, uma espécie não pode desenvol
ver estruturas tendo em vista sua potencial utilidade milhões de anos
à frente — a menos que nossas idéias gerais acerca da causalidade
sejam marc^damente errôneas e o futuro possa controlar o presente.
Provavelmente devemos nossa existência a esse tipo de sorte.
Os animais de pequeno porte, por razões que não estão bem claras,
parecem levar uma ligeira vantagem na maioria das extinções em
massa, particularmente na do Cretáceo, que exterminou os dinos
sauros. Portanto, mamíferos podem ter sobrevivido àquele grande
morticínio basicamente por serem muito pequenos e não porque pos
suíssem alguma superioridade anatômica intrínseca em relação aos
dinossauros, que a esse tempo estavam condenados a desaparecer
em virtude de seu tamanho. E os mamíferos certamente não eram
pequenos por terem percebido nisso alguma vantagem futura; eles
provavelmente permaneceram pequenos porque os dinossauros do
minavam os ambientes adequados aos grandes vertebrados terres
tres — uma razão que em tempos normais seria considerada des
vantajosa visto que, tanto na natureza quanto na política, os deten
tores de posições importantes em geral acabam sendo favorecidos.
Kitchéll, Clark e Gombos (1986) apresentaram um interessante
exemplo baseado em diatomáceas, vegetais unicelulares presentes no
plâncton marinho. Os paleontólogos há muito tempo se perguntam
por que as diatomáceas atravessaram relativamente incólumes a ex
tinção do Cretáceo, enquanto a maioria dos outros componentes do
plâncton foi aniquilada. O crescimento e a reprodução das diato
máceas depende da disponibilidade sazonal de nutrientes que, nas
zonas de ressurgência, sobem à superfície trazidos por correntes
360
ascensionais vindas de águas profundas. (Esses episódios de res-
surgência desencadeiam as assim chamadas “ florescências” de dia-
tomáceas.) Quando esses nutrientes se esgotam as diatomáceas po
dem assumir a form a de um “ esporo latente” , suspender tem po
rariamente seu metabolismo e se deixarem afundar para águas mais
profundas. Esse período de dormência será interrom pido por uma
nova fase de disponibilidade de nutrientes. Kitchell e seus colegas
atribuem o êxito das diatomáceas em resistir aos cataclismos do
Cretáceo a uma conseqüência incidental e indireta da capacidade
de entrar em estado de dormência. Os esporos desenvolveram es
sa característica como uma estratégia para lidar com flutuações
sazonais e previsíveis de nutrientes e para fazer frente às catástro
fes ambientais que provocaram as extinções em massa. Não obs
tante, a capacidade de entrar em estado de dormência pode ter si
do a salvação das diatomáceas quando passaram a vigorar as no
vas regras impostas na fase de extinções em massa do Cretáceo,
principalmente se o modelo de “ inverno nuclear” mostrar-se vá
lido para esse evento — pois a escuridão interrom pería a fotossín-
tese e as extinções se propagariam ao longo de uma cadeia alimen
tar em última análise dependente dos produtores primários, ao pas
so que as diatomáceas poderíam sobreviver à tempestade negra na
forma de esporos latentes em águas situadas abaixo da zona fótica.
Assim, o modelo de regras diferentes rompe a continuidade
causai que Darwin imaginou haver entre as razões para o êxito no
âmbito de populações locais e as causas da sobrevivência e proli
feração através de longos períodos de tempo geológico. Esse mo
delo, portanto, confere à contingência, considerada essencialmente
imprevisível, um papel muito mais im portante na evolução. Se o
êxito a longo prazo depende de aspectos incidentais de caracterís
ticas que evoluíram por razões diferentes, como então poderiamos
saber, se voltássemos a fita da vida até um passado distante, quais
grupos estavam destinados ao sucesso? O desempenho e a evolu
ção desses grupos durante o período em que os estivéssemos ob
servando não seriam relevantes. Em bora pudéssemos adiantar al
guns palpites baseados em características incidentais que em geral
contribuem para a sobrevivência em períodos sujeitos a alterações
ambientais que causam extinções em massa, como poderiamos fa
zer essas previsões com alguma segurança? Num im portante sen
tido, essas cruciais características nem ao menos existem até que
as regras diferentes da extinção em massa tornem seus efeitos in
cidentais relevantes — pois talvez seja necessário uma pressão am
361
biental extrema para “ ativar” essas características e os animais
talvez nunca cheguem a experimentar tais condições em períodos
normais. E, neste nosso mundo rico e variado, como poderemos
saber o que o próximo episódio de extinções em massa, a ocorrer
em algum momento do futuro, irá exigir? Se a longevidade geoló
gica depende das afortunadas conseqüèncias indiretas de caracte
rísticas que evoluíram por outras razões, então a imprevisibilida-
de deve prevalecer.
Eu particularmente acolho com alegria esta demonstração de
que os princípios gerais da macroevolução acentuam a im portân
cia da contingência. As generalizações — a respeito do maior pe
so na parte de baixo das linhagens e sobre as propriedades das ex
tinções em massa — constituem a essência da ciência não-histórica
tradicional, que costuma resistir ou, pelo menos, menosprezar um
princípio histórico como a contingência. Este reforço é muito bom
para o pluralismo científico. Não aprecio a idéia de defender a ciên
cia histórica construindo um bunker e lutando para conquistar res
peito e autonomia. O melhor é avançarmos em regime de coope
ração; os padrões gerais da evolução implicam a imprevisibilida-
de de resultados específicos.
362
tos em ordem cronológica a fim de culminarem no objeto biológico
que mais excita nossa provinciana imaginação — H om o sapiens.
363
da vida contou apenas com a presença de células procarióticas e só
a última sexta parte da história da vida sobre a Terra incluiu os ani
mais multicelulares.
Tais demoras e longos intervalos de tempo sugerem vigorosa
mente um importante papel para a contingência e um número imenso
de possibilidades irrealizadas. Se os procariontes tiveram de se de
senvolver até atingirem o grau de complexidade eucariótica, eles cer
tamente levaram um bom tempo para fazê-lo. Além do mais, ao con
siderarmos a hipótese mais bem aceita acerca da origem da célula
eucariótica, entramos no domínio das alterações imprevisíveis oca
sionadas por conseqüências indiretas incidentais. Nossa melhor teoria
identifica pelo menos algumas das principais organelas — as mito-
côndrias e os cloroplastos quase com certeza e outros com menor
segurança — como descendentes de células procarióticas inteiras que
evoluíram para viver simbioticamente no interior de outras células
(Margulis, 1981). Neste sentido, cada célula eucariótica é, por des
cendência, uma colônia que posteriormente alcançou uma integra
ção mais completa. A mitocôndria que penetrou pela primeira vez
no interior de uma outra célula certamente não estava pensando nas
vantagens futuras da cooperação e da integração; ela estava simples
mente tentando manter-se viva num áspero mundo darwiniano. Con
sequentemente, esse passo fundamental na evolução da vida multi-
celular resultou de uma causa imediata sem qualquer relação com
seu subseqüente efeito sobre a complexidade orgânica. Esse cenário
parece representar uma feliz contingência e não uma relação previ
sível de causa e efeito. E se, mesmo assim, você preferir considerar
a origem das organelas e a transição da simbiose para a integração
como algo previsível, de acordo com algum modelo ordenado, diga-
me então por que mais da metade da história da vida se passou an
tes que esse processo tivesse sido iniciado.
Uma última e, a meu ver, desalentadora questão a respeito da
possibilidade de ter havido algo semelhante à evolução humana num
mundo alternativo: muito embora esse primeiro evento tenha con
sumido mais da metade da história conhecida da vida, eu poderia
estar preparado para aceitar como provável o eventual surgimento
de algum tipo de inteligência superior se a Terra estivesse destinada
a durar centenas de bilhões de anos — de modo que esse passo ini
cial representasse apenas uma diminuta porção de sua existência em
potencial. Mas os cosmologistas nos dizem que o Sol está atualmente
mais ou menos na metade de sua vida e que daqui a cerca de cinco
bilhões de anos ele irá explodir, expandindo seu diâmetro para além
364
da órbita de Júpiter e engolfando a Terra. Todas as formas de vida
irão desaparecer, a menos que possam se deslocar para algum outro
lugar, e a vida sobre a Terra será inexoravelmente eliminada.
Como a inteligência humana surgiu apenas um segundo atrás,
em termos de tempo geológico, nós nos defrontamos com o assom
broso fato de que a evolução da autoconsciência exigiu cerca de me
tade da existência potencial da Terra. Dados os erros e as incerte
zas, as variações na velocidade e nos caminhos dos acontecimentos
em outros replays, que segurança podemos ter quanto a um even
tual surgimento das habilidades mentais que caracterizam nossa es
pécie? Faça correr a fita novamente e, mesmo que os caminhos ge
rais se repitam, dessa vez poderíam ser necessários 20 bilhões de anos
para se chegar à autoconsciência — só que a Terra teria sido incine
rada bilhões de anos antes. Repita a experiência mais uma vez e o
desenvolvimento das células eucarióticas a partir das procarióticas
poderia levar 12 bilhões de anos em vez de 2 bilhões — e os estro-
matólitos, sem nunca terem tido o tempo necessário para sair de ce
na, talvez fossem as formas de vida mais elevadas a testemunhar
silenciosamente o Armagedon.
365
acomodou-se confortavelmente nos manuais como dignos ancestrais
dos grupos modernos — pois sua combinação de idade máxima e
complexidade mínima casa-se elegantemente com as expectativas.
A fauna de Ediacara tem uma importância especial por ser o
único vestígio de vida multicelular anterior à grande linha divisória
que separa o Pré-Cambriano do Cambriano, um limite marcado pela
célebre explosão cambriana de grupos modernos dotados de partes
duras. Na verdade, as criaturas de Ediacara datam apenas do final
do Pré-Cambriano; elas ocorrem em estratos pouco anteriores ao
Cambriano e que provavelmente não se estendem por mais de 100
milhões de anos em direção ao Pré-Cambriano Superior. De con
formidade com a posição que ocupam, logo abaixo da linha divisó
ria entre o Pré-Cambriano e o Cambriano, os animais de Ediacara
são inteiramente desprovidos de partes duras. Se a identidade taxo-
nômica pudesse ser mantida ao longo dessas grandes transições geo
lógicas e a evolução das partes duras não se fizesse acompanhar de
nenhuma grande ruptura nos designs, então a suave continuidade
do cone seria confirmada. Esta versão de Ediacara começa a dar
a impressão de ser estranhamente semelhante à calçadeira de Walcott.
No início da década de 1980, meu amigo Dolf Seilacher, pro
fessor de paleontologia em Tübingen, Alemanha, e, em minha opi
nião, o melhor observador paleontológico atualmente em ativida
de, propôs uma interpretação radicalmente diferente para a fauna
de Ediacara (Seilacher, 1984). Sua dupla defesa apóia-se num argu
mento negativo e num positivo. Em sua argumentação negativa, elç
afirma, com base em dados funcionais, que as criaturas de Ediaca
ra não poderíam ter operado da mesma forma que seus supostos
equivalentes modernos e que, portanto, a despeito de alguma seme
lhança na forma exterior, elas não podem ser associadas a nenhum
grupo existente. A maioria dos animais de Ediacara, por exemplo,
foi associada aos corais, um grupo que inclui as modernas gorgô-
nias. Os esqueletos coralíneos representam colônias que abrigam mi
lhares de minúsculos indivíduos. Nos corais, os pólipos individuais
cobrem uma estrutura em forma de rede ou de árvore, cujos ramos
têm de estar separados para que a água possa levar partículas de
alimentos até os pólipos e remover as excretas. Nas formas de Edia
cara, porém, os ramos que podem ser vistos estão unidos, form an
do um capacho achatado semelhante a um acolchoado, sem nenhum
espaço entre as seções.
Em sua argumentação positiva, Seilacher sustenta que a maio
ria dos animais de Ediacara podem ser unificados taxonomicamente
366
na condição de variações de um único plano anatômico — uma es
trutura achatada dividida em seções unidas por entrelaçamento, tal
vez formando um esqueleto hidráulico muito semelhante a um col
chão de ar (fig. 5.5). Como esse design não corresponde a nenhum
plano anatômico moderno, Seilacher conclui que as criaturas de
Ediacara representam um experimento inteiramente distinto em ma
téria de vida multicelular — que acabou fracassando e foi elimina
do numa extinção, anteriormente não-reconhecida, ocorrida no fi
nal do Pré-Cambriano, visto que os elementos de Ediacara não so
breviveram até o Cambriano.
Quanto à fauna de Burgess, creio que os argumentos contrá
rios à calçadeira de Walcott foram provados com tanta segurança
quanto a ciência permite. No caso da fauna de Ediacara, a hipótese
de Seilacher, apesar de ainda não ter sido comprovada, é uma alter
nativa plausível e excitante à visão tradicional, que um dia será cha
mada de calçadeira de Glaessner ou de insight de Glaessner, con
forme for o caso.
Considere porém as implicações que haveria em relação à im-
previsibilidade se o ponto de vista de Seilacher, mesmo que parcial
mente, prevalecer. Segundo a visão de Glaessner, que os incluiu en
tre os grupos modernos, os primeiros animais, ainda que de forma
mais simples, compartilham os designs anatômicos de grupos pos
teriores — e a evolução deve ser canalizada para cima e para fora,
de acordo com o tradicional cone de diversidade crescente. Faça cor
rer novamente a fita uma centena de vezes, começando a partir de
simples celenterados, vermes e artrópodes, e suponho que você ge
ralmente acabará terminando com uma fauna constituída pelo re
sultado da diversificação e do aperfeiçoamento dessas formas iniciais.
Se Seilacher estiver certo, porém, outras possibilidades e ou
tras direções já estiveram disponíveis. Seilacher não acredita que to
dos os animais do final do Pré-Cambriano estejam dentro das fron
teiras taxonômicas deste experimento alternativo e independente de
vida multicelular. Estudando os variados e abundantes vestígios fós
seis (trilhas, pegadas e tocas) dos mesmos estratos, ele se convenceu
de que animais metazoários de design moderno — provavelmente
vermes genuínos de um ou outro tipo — compartilharam a Terra
com os animais de Ediacara. Assim, tal como no caso de Burgess,
diversas possibilidades anatômicas estiveram presentes desde o iní
cio. Embora a vida pudesse ter seguido tanto o caminho da fauna
de Ediacara quanto o caminho moderno, Ediacara desapareceu por
completo e nós não sabemos por quê.
367
5.5. Classificação de Seilacherpara os organismos de Ediacara, de acordo com suas
variações em torno de um único plano anatômico achatado e semelhante a um acol
choado. Estes organismos são, tradicionalmente, colocados em diversos filos mo
dernos.
368
correr a alterações na configuração geral do organismo, assumindo
a forma de fios, fitas, folhas ou panquecas, de modo que nenhum
espaço interno fique muito longe da superfície externa. (O comple
xo acolchoamento dos animais de Ediacara poderia ser interpreta
do como um meio de fortalecer uma forma assim tão precária. Uma
folha com trinta centímetros de comprimento e alguns milímetros
de espessura tem necessidade de algum apoio extra num mundo de
infortúnios, marés e tempestades.)
Se Ediacara representar esta segunda solução, e se essas cria
turas tivessem vencido no replay, eu duvido que a vida animal pu
desse ter se tornado muita complexa ou chegado a produzir algu
ma coisa semelhante à autoconsciência. O program a de desenvol
vimento das criaturas de Ediacara poderia ter excluído a
possibilidade de evolução de órgãos internos e, neste caso, a vida
animal teria permanecido para sempre na rotina das folhas e pan
quecas — uma configuração extremamente inadequada para o de
senvolvimento da complexidade autoconsciente tal como a conhe
cemos. Por outro lado, se os sobreviventes de Ediacara posterior
mente tivessem sido capazes de desenvolver algum tipo de
complexidade interna, então os caminhos iniciados nesse ponto de
partida radicalmente diferente teriam produzido um mundo dig
no da melhor ficção científica.
369
intervollum penes
370
po moderno (Bengtson, 1977; Bengtson e Fletcher, 1983). Nós po
demos classificar esse fósseis de acordo com o aspecto externo,
dividindo-os em tubos, espinhos, cones e placas (a fig. 5.7 exibe uma
amostra representativa), mas não conhecemos suas afinidades zoo
lógicas. Talvez eles sejam apenas representantes sem maior impor
tância de uma era de esqueletização primitiva e ainda imperfeita;
talves eles recobrissem organismos familiares que depois desenvol
veram conchas mais elaboradas e com assinaturas fósseis conven
cionais. Mas talvez — e esta interpretação tem conquistado a prefe
rência dos aficcionados da pequena fauna conchosa — a maior par
te das estranhas e desconhecidas criaturas tomotianas representem
anatomias singulares que surgiram no início da história da vida e
logo desapareceram. Rozanov, por exemplo, o principal especialis
ta russo nessa fauna, afirmou na conclusão de seu recente artigo de
revisão:
As rochas do início do Cambriano contêm numerosos remanescentes
de organismos bastante peculiares, não só animais mas também plan
tas, a maioria dos quais desconhecidos em estratos de períodos poste-
371
riores. Estou propenso a acreditar que numerosas categorias taxonô-
micas superiores se desenvolveram no início do período Cambriano e
rapidamente se extinguiram (1986, p. 95).
372
ser um produto imprevisível de um broto incidental ou a culmina-
ão de uma tendência inevitável ou, pelo menos, provável. Para o
inferno com as outras formas de vida; elas de qualquer forma não
fazem parte da linhagem que resultou no desenvolvimento da cons
ciência Por mais improvável que fosse o aparecimento dos verte
brados, uma vez que eles tenham surgido nós com certeza poderia
mos nos elevar confiantemente das lagoas para a terra seca, passan
do pela postura ereta sobre as pernas traseiras e chegando aos
cérebros grandes.
Eu poderia admitir a probabilidade da mais penosa transição
ambiental — da água para a terra — se as características anatômi
cas dos peixes indicassem, ainda que por razões incidentais, a possi
bilidade das nadadeiras se transformarem sem muita dificuldade nos
sólidos membros necessários para a sustentação do corpo diante da
ação da gravidade nos ambientes terrestres. As nadadeiras da maio
ria dos peixes, porém, são inteiramente inadequadas para essa tran
sição. Uma forte travessa basal acompanha a linha do eixo do cor
po e numerosos e delgados raios estendem-se paralelamente uns aos
outros e perpendicularmente em relação à travessa. Esses raios deli
cados e desconexos não poderíam suportar o peso do corpo sobre
a terra. Os poucos peixes modernos que se deslocam sobre a lama,
incluindo Periophthalmus, o “ peixe que anda” , estendem o corpo
para a frente e não caminham com as nadadeiras.
Os vertebrados terrestres puderam surgir graças apenas a um
grupo relativamente pequeno de peixes, remotamente relacionado
com o “ modelo padrão” , que acabou desenvolvendo por suas pró
prias razões imediatas um membro dotado de um tipo radicalmente
diferente de esqueleto, constituído por um forte eixo central perpen
dicular ao corpo e numerosas ramificações que se irradiam a partir
desse ponto de convergência comum. Uma estrutura com esse de-
sign poderia se transformar num membro terrestre capaz de supor
tar peso, com o eixo central convertido nos grandes ossos de nossos
braços e pernas e os ramos laterais formando os dedos. Uma nada
deira com essa estrutura não evoluiu porque sua flexibilidade futu
ra iria permitir o aparecimento dos mamíferos (devido a sua maior
capacidade de rotação, este membro pode ter proporcionado algu
ma vantagem aos peixes de fundo que usavam o substrato como um
auxílio à propulsão). Quaisquer que fossem essas vantagens desco
nhecidas, porém, esse pré-requisito necessário para a vida terrestre
evoluiu num restrito grupo de peixes afastado da linha principal —
o complexo dipnóico-celaeanto-ripidistiano. Volte a fita da vida até
373
o Devoniano, a assim chamada era dos peixes. Um observador teria
selecionado esses peixes ineomuns c atípicos como precursores de
tão notável sucesso num ambiente tão diferente? Faça correr nova-
mente a fita, elimine os ripidistianos por extinção, e nossas regiões
terrestres se transformam no domínio inconteste de insetos e flores.
374
corpo extraterrestre. Se os dinossauros não tivessem morrido nesse
evento eles provavelmente ainda dominariam o universo dos verte
brados terrestres de grande porte — tal como fizeram durante tanto
tempo e com tão notável êxito — e os mamíferos ainda seriam pe
quenas criaturas vivendo nos interstícios de seu mundo. Esse estado
de coisas manteve-se durante 100 milhões de anos; por que não po
dería prosseguir por mais 60 milhões? Como os dinossauros não es
tavam se encaminhando em direção ao desenvolvimento de cérebros
acentuadamente maiores e como tal perspectiva talvez esteja além
das possibilidades do design reptiliano (Jerison, 1973; Hopson, 1977),
somos obrigados a presumir que a consciência não teria evoluído
em nosso planeta se uma catástrofe cósmica não tivesse vitimado
os dinossauros. Enquanto mamíferos grandes e racionais, devemos
nossa existência literalmente à nossa boa estrela.
375
Segundo uma concepção alternativa, que recentemente encon
trou forte apoio nas reconstruções de nossa árvore evolutiva basea
das em diferenças genéticas entre grupos modernos (Cann, Stone-
king e Wilson, 1987; Gould, 1987b), o Hom o sapiens surgiu como
um detalhe evolutivo, uma entidade definida, uma população pe
quena e coesa que se separou de sua linhagem ancestral na África.
Eu chamo a esse ponto de vista a “ teoria da entidade” a respeito
da evolução humana. Ela contém uma série de interessantes impli
cações: o Homo erectus asiático desapareceu sem deixar descendên
cia e não é nosso ancestral direto (pois nós evoluímos a partir de
populações africanas); os homens de Neanderthal eram nossos pa
rentes colaterais, talvez já vivendo na Europa quando surgimos na
África, e também não contribuíram em nada para nossa herança ge
nética imediata. Em outras palavras, nós somos uma frágil e im
provável entidade que, após um começo precário como uma peque
na população africana, por sorte foi bem-sucedida. Nós não somos
o resultado previsível de uma tendência global. Somos uma coisa,
um detalhe da história da vida e não a materialização de princípios
gerais.
Esta afirmação não teria implicações surpreendentes se nós fôs
semos um experimento que pudesse ser reproduzido — se, caso o
Homo sapiens houvesse fracassado e sucumbido à extinção preco
ce, como acontece com a maioria das espécies, uma outra popula
ção com o mesmo tipo de inteligência superior estivesse destinada
a surgir. Os homens de Neanderthal não teriam se encarregado de
apanhar a tocha, se tivéssemos malogrado? Não teria surgido sem
muita demora alguma outra materialização do nosso nível de capa
cidade mental? Eu não vejo por quê. Nossos primos e ancestrais mais
próximos, o Homo erectus, os homens de Neanderthal e outros, pos
suíam habilidades mentais elevadas, conforme é indicado por suas
ferramentas e outros artefatos. Entretanto, apenas o Homo sapiens
apresenta evidências diretas daquela espécie de raciocínio abstrato,
incluindo os aspectos numéricos e estéticos, que identificamos co
mo sendo distintamente humano. Todos os indícios de realização
de operações numéricas no Pleistoceno — o calendário de varetas
e lâminas utilizadas em contagens — pertencem ao Hom o sapiens.
E toda a arte do Pleistoceno — as pinturas das cavernas, represen
tações de Vênus, cabeças de cavalo entalhadas, renas em baixo-relevo
— foi feita pela nossa espécie. De acordo com os indícios hoje dis
poníveis, o homem de Neanderthal nada sabia sobre arte figurativa.
Faça correr a fita novamente e deixe o minúsculo broto do Ho-
376
mo sapiens extinguir-se na África. Embora outros hominídeos pos
sam ter chegado no limiar do que conhecemos como possibilidades
humanas, muitos cenários plausíveis jamais chegariam a produzir
um nível de desenvolvimento mental equivalente ao nosso. Faça cor
rer a fita novamente e desta vez o homem de Neanderthal sucumbe
na Europa e o Hom o erectus na Ásia (tal como de fato aconteceu
em nosso mundo). A única linhagem humana a sobreviver, o H o
mo erectus, da África, agüenta-se durante algum tempo e chega até
mesmo a prosperar; todavia não sofre especiação e, portanto, per
manece estável. Aí um vírus mutante extermina completamente o
Homo erectus ou então uma alteração climática reconverte a África
numa floresta inóspita. Um pequeno broto no ramo dos mamífe
ros, uma linhagem com interessantes possibilidades que não se rea
lizaram, junta-se à grande maioria das espécies em extinção. E daí?
A maior parte das possibilidades nunca se realizaram e, de qualquer
modo, quem é que vai saber a diferença?
Argumentos desse tipo fazem-me chegar à conclusão de que o
mais profundo insight proporcionado pela biologia a respeito da na
tureza, do status e do potencial humano está contido nesta simples
frase, a corporificação da contingência: o H om o sapiens é uma en
tidade, não uma tendência.
Ao estender esse meu argumento para toda a história e para to
dos os níveis da vida, e ao aplicá-lo justamente ao âmago da nossa
própria evolução, espero tê-lo convencido de que a contingência afe
ta os eventos mais relevantes do processo evolutivo. De outro modo,
você talvez encare essas repetições mentais da fita da vida como um
simples jogo acerca de criaturas estranhas. Você poderá se perguntar
se todos meus devaneios têm realmente alguma relevância. Quem é
que se importa, perguntaria você, no velho espírito dos Estados Uni
dos, pragmático ao máximo? É divertido imaginarmos uma espécie
de disk jockey divino, sentado diante de uma máquina do tempo com
uma fitoteca de cassetes rotulados de “ priapulídeos” , “ poliquetos”
e “ primatas” . Mas faria realmente alguma diferença se todos os re-
plays de Burgess Shale produzissem as alternativas não realizadas —
e habitássemos um mundo de wiwaxídeos, com o fundo do mar co
berto de pequenos vermes em forma de pênis e florestas cheias de
fororacídeos? Em lugar de abrir conchas para nossas mariscadas po
deriamos estar removendo escleritos. Nossas salas de troféus talvez
disputassem o mais longo bico de Diatryma e não a mais farta juba
de leão. Entretanto, o que seria fundamentalmente diferente?
Tudo, digo eu. A divina máquina do tempo possuiu 1 milhão
577
de cenários, todos perfeitamente plausíveis. Pequenos desvios ocor
ridos logo no início, sem nenhuma razão em particular, desencadeiam
uma série de conseqüências que, em retrospecto, fazem um deter
minado futuro parecer inevitável. Porém a mais ligeira sacudidela
no início do processo faz com que ele siga por um sulco diferente
e a história se desvia para outro canal plausível, afastando-se conti
nuamente do seu caminho original. Os resultados finais são tão di
ferentes, quanto insignificante a perturbação inicial. Se pequenos
vermes em forma de pênis dominassem os mares eu não podería ter
nenhuma segurança de que o Austraiopithecus alguma vez chegaria
a caminhar ereto nas savanas da África. E assim, em relação a nós
mesmos, acho que podemos apenas exclamar: que admirável — e
improvável — mundo novo, esse que tem tais pessoas dentro dele!
378
5 .8 . Pikaia, d e B u r g e s s S h a le , o c o r d a d o m a is a m ig o q u e s e c o n h e c e e m to d o o
m u n d o . O b s e r v e a s c a r a c te rís tic a s d o n o s s o f i l o : a s f a i x a s m u s c u la r e s e m f o r m a d e
V e o n o to c ó r d io , u m a h a s te e n r ije c id a q u e s e e s te n d e d o r s a lm e n te a o lo n g o d o c o r
p o e q u e , p o s te r io r m e n te , s e t r a n s fo r m o u e m n o s s a c o lu n a v e r te b ra l. D e s e n h o d e
M a r ia n n e C o llin s .
379
ino, do Cambriano Superior — todos consideravelmente posterio
res à Pikaia de Burgess (veja Gagnier, Blieck e Rodrigo, 1986).
Obviamente, não estou dizendo que Pikaia é o verdadeiro an
cestral dos vertebrados, c nem seria tolo o bastante para afirmar que,
no Cambriano Médio, todas as oportunidades de um futuro para
os cordados passavam por Pikaia ; outros cordados, ainda não des
cobertos, devem ter habitado os mares do Cambriano. Todavia, em
virtude da raridade de Pikaia em Burgess e da ausência de cordados
em outros Lagerstàtten do Paleozóico Inferior, desconfio que nos
so filo não estava incluído entre as grandes histórias bem-sucedidas
do Cambriano, e que, nos tempos de Burgess, os cordados viram-se
diante de um futuro incerto.
Pikaia é o último elemento que estava faltando em nossa nar
rativa acerca da contingência — a conexão direta entre a dizimação
de Burgess e a subseqüente evolução do homem. Não precisamos
mais falar de personagens secundários segundo a ótica de nossos in
teresses provincianos — de mundos alternativos apinhados de pe
quenos vermes em forma de pênis, de artrópodes marreliformes, de
ausência de mosquitos e de temíveis anomalocarídeos engolindo pei
xes. Volte a fita da vida até os tempos de Burgess e deixe-a correr
novamente. Se Pikaia não sobrevive no replay, nós estamos fora da
história futura — todos nós, desde o tubarão e do tordo até o oran
gotango. E, tendo em vista os indícios de Burgess hoje conhecidos,
não creio que qualquer apostador tivesse atribuído chances muito
favoráveis à permanência de Pikaia.
E assim, se você quiser fazer aquela velha pergunta — por que
o homem existe? —, uma grande parte da resposta, referindo-se
àqueles aspectos do problema com os quais a ciência pode efetiva
mente lidar, deve ser: porque Pikaia sobreviveu à dizimação de Bur
gess. Esta resposta não menciona uma única lei da natureza; ela não
incorpora nenhuma afirmação a respeito de caminhos evolutivos pre
visíveis e nenhum cálculo de probabilidades baseado em regras ge
rais de anatomia e ecologia. A sobrevivência de Pikaia foi uma con
tingência da “ simples história” . Não acho que se possa dar uma res
posta mais “ elevada” e não sou capaz de imaginar uma solução que
seja mais fascinante. Nós somos produto da história e temos de criar
nossos próprios caminhos neste que é o mais diversificado e interes
sante dos universos concebíveis — um mundo indiferente a nossos
sofrimentos e que, portanto, nos proporciona o máximo de liberda
de para prosperarmos ou fracassarmos seguindo um caminho que
nós mesmos escolhemos.
380
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