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SINOPSE

Nós éramos melhores amigos, então viramos inimigos.

Amada. Protegida. Querida.

Houve um tempo em que Ranieri Andretti me fez sentir essas


coisas.

Isso foi antes da família dele vir atrás da minha.

Ele deveria me esquecer.

Nós seguimos caminhos separados.

Deveria ter ficado assim.

Mas agora ele está de volta na minha vida e ele é meu novo
chefe.

Eu quero odiá-lo.

Ele é meu ex melhor amigo.

Meu atormentador.

O chefe da família Andretti.

Mas não importa o quanto eu tente...

Eu não posso ficar longe.


NOTA DA AUTORA

Ei, leitores!

Espero que gostem deste livro, mas antes de iniciar a


leitura, aqui estão algumas informações úteis. Este livro
acontece simultaneamente com Niccolaio Andretti e Bastiano
Romano. Pode ser lido como um livro autônomo, mas a maioria
gosta de lê-lo na sequência da série.

Com tanto, tanto, tanto amor,

Parker.
DEDICATÓRIA

Para Chloe,

e todas as almas puras cujas velas se apagaram cedo demais.


RESSENTIMENTO

Re-sentimento

(substantivo)

Amarga indignação por ter sido maltratado.


RESSENTIMENTO

Desapontamento. Fúria. Medo. Todas as emoções


solitárias e dolorosas por direito próprio. Combinadas, elas
formam ressentimento.

Como a surpresa da injustiça se desvanece, assim


também a raiva e o medo se desvanecem, deixando a decepção.
Mas o que acontece com o desapontamento é que está tudo na
sua cabeça. A decepção é seu cérebro se ajustando ao fim de
uma velha realidade, descobrindo o fim da maneira como você
um dia pensou que as coisas eram. E talvez isso seja uma coisa
boa.

Faça sua própria realidade. Nunca se contente com menos


do que você merece. E se alguém o decepciona, nunca se culpe
por esperar demais deles. O ressentimento e o desapontamento
desaparecem.

O verdadeiro amor não desvanece.


PRÓLOGO

O ressentimento é como beber veneno e esperar que a outra


pessoa morra.
– Carrie Fisher

Quando você é criança, traição é quando seu melhor


amigo se junta com outra pessoa para um projeto escolar. Ou
sua paixão do Jardim de Infância não o convida para a festa
de aniversário dele. Ou você encontra uma nota de vinte
dólares no chão durante o recreio, e seu pai faz com que você
a entregue à senhora mal-humorada dos Perdidos e Achados
da escola, que provavelmente acabará embolsando a nota para
si.

O que não deveria ser é a pessoa de quem você pensava


que poderia depender, seu melhor amigo em todo o mundo,
tornando-se seu atormentador. Ranieri Andretti deveria ter se
esquecido de mim. Eu pensei que ele tinha. Não conversamos
desde que eu parti para a faculdade e, tanto quanto eu sabia,
ele havia esquecido que eu existia.

Mas não importava o quanto eu tivesse tentada, nunca


poderia esquecer meu antigo melhor amigo.
Afinal, ele também não poderia.
CAPÍTULO UM

Raiva, ressentimento e ciúme não muda o coração dos outros –


só muda o seu.
– Shannon L. Alder

11 Anos Atrás

— Você já recebeu seu horário de outono? — Eu tirei o


meu do meu fichário rosa e o deslizei pela mesa.

A diversão forrou os lábios de Ranie enquanto os olhos


dele deslizavam pelo meu horário. Sempre com estilo, seu
cabelo escuro era curto nos lados e mais comprido na parte
superior em um corte de cavalheiro que lisonjeava seus olhos
verde-esmeralda, e ele era tão classicamente bonito, que fazia
meu estômago sentir como se um saco de Pop Rocks 1 tivesse
explodido por dentro.

Muito em breve, ele seria bom demais para ficar comigo


na parte de trás da loja de conveniência do meu pai. Eu não
admitiria se ele perguntasse, mas eu não estava entusiasmada
com nosso ano de calouros na Diavolo High. Eu estava

1 PopRocks são balas que possuem bolhas pressurizadas de gás carbônico que causam uma pequena
reação quando são dissolvidas na boca, é como se elas estalassem/explodissem na boca.
preocupada. Preocupada que Ranie descobrisse o quanto ele
era mais legal do que eu, e que nossos nove anos de amizade
fossem em espiral pelo cano abaixo.

Irracional? Provavelmente.

Ranieri Andretti era a melhor pessoa que eu conhecia,


incapaz de me desapontar. Minhas inseguranças não eram
irracionais, mas papai gostava de me lembrar a cada chance
que tinha, o quão dramática e irracional poderia ser uma jovem
de 14 anos.

Ranie falou em um leve sotaque sulista que eu nunca


havia captado em todos os meus anos de vida na Flórida: —
Aqui. — Ele alcançou o bolso de trás de seu jeans preto, puxou
uma folha de papel e jogou-a na minha frente.

Eu desdobrei o papel, esticando as dobras e li seu


horário:

O Período: time de Futebol masculino, Treinador Kevin

1º Período: Geografia Humana Avançada, Sr. Schlesinger

2º Período: Álgebra II/Trigonometria Avançada, Sr. Franks

3º Período: Saúde, Sra. Rutgers

4º Período: Biologia Avançada, Sra. Slight

5º Período: Inglês Avançado, Sr. Richards

6º Período: Espanhol II, Sra. Gutiérrez


Ranie era inteligente, e eu tinha certeza de que ele poderia
lidar com essas aulas, mas eu não sabia porque ele estava
frequentando-as. Ele odiava a escola. Odiava qualquer coisa
que o impedisse de sair com seu irmão mais velho durante os
dois anos que lhe restava antes de Niccolaio sair da Flórida
para a faculdade.

— Eu não entendo, Ranie.

Seu nome se formou em meus lábios, tão único, perfeito


e meu. Eu adorava poder dizer isso todos os dias, e ele
respondia sem falta.

— O que há para entender? — Ele sorria, e era o mesmo


sorriso que ele tinha desde que era criança. O mesmo sorriso
que agraciou seu rosto quando nos tornamos melhores amigos,
e ele me disse que era meu e de mais ninguém. E ele cumpriu
essa promessa todos os dias durante os últimos nove anos.

— Este é o meu horário. Tipo, literalmente idêntico.

— Você faz parte do time de futebol masculino da


universidade? Parabéns, baby.

— Oh, você sabe o que quero dizer. — Eu faço uma


varredura do horário de novo. — Estou falando de todo o resto.
Como... como você fez isso?

Aquele sorriso do diabo, tão convencido e presunçoso que


eu o odiaria se já não o amasse. — A mãe de Lacy Ryan é a
administradora chefe da Diavolo.
Meu coração cambaleou. Lacy Ryan me odiava, e embora
minha aversão por ela não fosse tão enfática, eu aceitaria de
bom grado uma ordem de restrição se me fosse oferecida.

— Oh.

Ele rolou os olhos. — Ela não é tão ruim assim, Gallo.

Não é tão ruim assim? Desde a pré-escola até o ensino


médio, ela aproveitou todas as oportunidades possíveis para
me intimidar. Eu era uma pessoa que sabia perdoar, mas não
era tão perdoadora assim. A única razão pela qual eu não tinha
dito ao Ranie era porque eu sabia como ele reagiria.

Quando alguém que ele amava era ferido, Ranieri Andretti


era um furacão imprevisível, causando a ruína como se ele
tivesse nascido para isso. Seu apelido no campo de futebol era
Caos, mas a nomenclatura era muito mais apropriada fora do
campo.

A última coisa que eu queria era que ele se metesse em


problemas enquanto me protegia. Seu pai já desaprovava
nossa amizade, e era por isso que nós fazíamos isso na sala de
descanso da loja de papai em North Beach ao invés da mega-
mansão de Ranie na parte da cidade de Miami Beach.

— Tanto faz. — Devolvi-lhe seu horário.

Ele apertou minha mão enquanto o tirava de mim. As


pessoas assumiam que namoramos. Nós não namoramos. O
momento em que nossa amizade começou foi o momento em
que tínhamos formado uma bolha ao nosso redor, porque não
precisávamos de mais ninguém além de um do outro. Ele era
dono do meu coração, mas eu também era dona do dele.

— Você não entrou em sua aula de culinária. — Ele sabia


o quanto eu queria me tornar uma chef quando crescesse.

— Não está disponível para calouros. — Eu encolhi os


ombros. — Há sempre o próximo ano. E não mude de assunto.
— Eu o estudei. — Sério, porém, o que há? Por que você copiou
meu horário?

A alegria fugiu de seus olhos, e ele se levantou, percorreu


a mesa, sentou-se ao meu lado e agarrou minhas mãos. —
Carina, — ele só me chamava assim quando estava falando
sério, — eu am...

Um estrondo alto interrompeu seu discurso. Eu me


levantei e corri da sala em direção à frente da loja. Um braço
forte se enrolou na minha cintura, puxando-me para dentro do
peito de Ranie. Ele me levantou e me carregou até o escritório
do pai com um braço.

— Me solte! — Eu lutei contra seu aperto. Os gritos do


lado de fora ficaram mais altos e eu estava começando a me
preocupar com a segurança de papai. — Eu preciso ajudá-lo!

Ranie cobriu minha boca com sua mão e sussurrou no


meu ouvido: — Acalme-se, Carina. Você não pode ir. Pode ser
perigoso.

Mais uma razão para ir lá fora e ajudar o papai. Eu me


esforcei mais contra seu aperto.
Ele apertou seus braços ao redor da minha cintura, e em
qualquer outra situação, aquelas Pop Rocks estourariam do
meu peito até a minha barriga. — Acalme-se, e eu soltarei. Ok?

Eu empurrei em uma última tentativa de me soltar, mas


quando não funcionou, eu me acalmei, relaxando meu corpo
contra o dele. Ele me soltou, girou meu corpo ao redor para
enfrentá-lo, e segurou um dedo em seus lábios, a mensagem
clara: cale-se.

Ele piscou para o monitor, e eu empurrei quando uma


imagem de Luigi, segurando meu pai pelo colarinho de sua
camisa, encheu a tela.

Virei-me para Ranie, a traição transmitindo alto e em bom


som do meu rosto. — Que diabos é isto?

— Car...

— O que o consiglieri de seu pai está fazendo ameaçando


o meu pai?

O consiglieri era o principal conselheiro do chefe da máfia.


Ele não agiria sem a permissão do pai de Ranie.

— Baby, eu...

— Você sabia disso? Foi por isso que você me impediu de


correr lá fora? — Sacudi a cabeça, o desgosto e a adrenalina
subindo pelas veias, e me dirigi para a porta, com a intenção
de ajudar meu pai.
Ranie agarrou meu braço, seu aperto firme e gentil. —
Não vá lá fora.

Eu o empurrei para longe. — Esse é meu pai!

— Eu não sabia. Eu juro, Carina. Eu te agarrei para evitar


que você se colocasse em perigo.

Seus olhos me suplicaram, e eu queria acreditar nele – eu


precisava acreditar nele – mas era do meu pai de quem
estávamos falando. Depois que mamãe nos deixou, ele e Ranie
eram tudo o que me restava. Mas Ranie nunca me colocou na
cama à noite e procurou por monstros debaixo da minha cama.
Isso era tudo papai, e ele estava lá fora. Sozinho.

— Deixe-me ir, Ranie.

— Ele é perigoso.

— Exatamente!

— Shh! — Ele baixou sua voz. — Fale baixo. Se algo


acontecesse com você, Carina, eu não conseguiria viver comigo
mesmo. Eu irei lá fora. Está bem? Deixe-me falar com Luigi.

Eu acenei com a cabeça, mas por dentro, já estava


preocupada com ele também. — Tudo bem.

Assim que ele saiu, minha cabeça se virou para a tela.


Aumentei o volume o máximo que pude sem chamar a atenção
para minha presença.
Luigi tinha papai inclinado para frente, pressionado
contra o balcão de vidro até onde seu corpo permitisse. — Você
sabe o que acontece quando você perde seu pagamento de
proteção? Já lhe demos uma flexibilidade antes por causa de
sua filha, mas você não pode continuar nos fodendo.

Isso não soou bem. O pai de Ranie, Cristiano Andretti, me


odiava. Se alguma coisa, ser meu parente deveria ter
prejudicado a causa de papai.

Papai sibilou. — Amanhã, eu te darei isso.

— Você faça isso porque se não o fizer, sua outra mão


será a próxima a ir.

— A próxima? O que você está falando... ahhhhhh!

Assim que os gritos de papai chegaram aos meus ouvidos,


eu saí correndo do escritório dos fundos e entrei na área
central da loja. Luigi já tinha abandonado o navio, e Ranie
estava nas máquinas de refrigerantes, molhando uma toalha
grossa. Corri para papai e peguei sua mão esquerda. Passando
o sangue e os hematomas crescentes, dois dedos dobrados
desajeitadamente para a direita.

— Oh, meu Deus. O que aconteceu, papai? — Eu peguei


a toalha da mão de Ranie e a encostei na palma da mão de
papai o mais gentilmente que pude.

Ele lutou para manter seus estremecimentos à distância,


mas eles atravessaram seu estoicismo e partiram meu coração.
— Não se preocupe com isso, querida. Não é nada.
— Nada? Nada?!

Ranie deslizou a toalha dos meus dedos trêmulos.

Eu tentei puxá-la de volta. — Nem fale comigo, Ranie.


Dinheiro de proteção? Do meu pai? Você está louco?! —
Pressionei a toalha até o pior dos sangramentos. Um martelo
ensanguentado colocado no balcão ao lado da mão do papai.
Eu desviei meus olhos e olhei fixamente para Ranie. — Você
deveria estar aqui fora! Eu confiei em você! O que aconteceu,
Ranie?!

— Carina, eu...

— Sabe de uma coisa? Eu não posso nem olhar para você


agora mesmo. Vá embora.

— Mas...

— Saia! — Eu gritei, jogando a toalha no balcão e


empurrando Ranie o mais forte que pude.

Foi a pior briga que já tivemos em nove anos de amizade.


Agora eu sabia que tinha sido injusta. Ranie sempre foi bom
para mim, meu mais feroz protetor e uma das duas pessoas
com quem eu sempre pude contar.

Eu tentei me desculpar.

E tentei.

E tentei.

E tentei novamente.
Avanço rápido cinco meses, e começava a parecer que eu
era a única caloura em Diavolo sem amigos. E Ranieri? Eu
estava certa. Ele tinha descoberto que era muito legal para
estar comigo, e aqueles nove anos de amizade que eu tanto
apreciava poderiam muito bem nunca ter acontecido.

A cada dia que passava, Ranie só tinha conseguido ser


mais... mais de tudo. Mais admirado. Mais bonito. Mais
popular. Ele era o calouro que andava com os mais velhos e
juniores, Niccolaio sempre de um lado dele e uma porta
giratória de lindas garotas do outro. E sua última conquista foi
a Lacy Ryan, meu bullying de infância.

A hora do almoço em Diavolo era a pior. Sentava-me no


extremo mais distante da cafeteria, em uma mesa, em sua
maioria sombreada pelo escuro. Era assim que eu gostava.
Quanto menos visível eu era, mais sã eu era. Depois que Ranie
deixou de ser meu amigo, todos que eu pensava que eram
meus amigos tinham tomado isso como permissão para me
intimidar, xingar e me atormentar nas costas dele.

Eu tentei me esconder neste canto.

Às vezes funcionava.

Às vezes não funcionava.

Uma bandeja de almoço caiu ao meu lado com uma


batida forte! Eu pulei de surpresa e me virei para enfrentar o
agressor. Olhos verdes que me lembravam os de Ranie
encontraram os meus. Seu queixo esculpido, maçãs do rosto
proeminentes e nariz aquilino eram bonitos como os de Ranie,
mas enquanto Ranie tinha cabelo escuro e um corte de
cavalheiro, o cabelo deste estranho era loiro e mais comprido.

— Olá. Eu sou Brody. — Ele estendeu a mão.

Meus olhos varreram de um lado para o outro, tentando


descobrir se alguém mais estava vendo isto. Eu esperava que
não. — Talvez você não queira fazer isso.

— Apertar sua mão? Você está doente ou algo assim? —


O sorriso que ele me presenteou era de boa índole. — Eu tenho
um sistema imunológico muito forte.

Eu larguei no meu sanduíche de geleia e manteiga de


amendoim. — Não, eu quis dizer sentar-se ao meu lado. Talvez
você não queira sentar-se ao meu lado.

— Por que não?

— Eu sou persona non grata.

— Esse é um nome estranho, Persona Non Grata.

Rolei os olhos, mas um sorriso puxou meus lábios. Já faz


algum tempo que alguém brincava comigo. — Estou falando
sério. É suicídio social sentar-se perto de mim.

Ele encolheu os ombros. — Eu não estou muito


preocupado com esse tipo de coisa. — Provavelmente porque
ele era facilmente um onze em uma escala de um a dez. As
garotas de Diavolo o comiam. Sentar-se ao meu lado não
mudava o quão atraente ele era.
Eu inclinei minha cabeça para o lado, assumindo seu
comportamento descontraído. — Por que eu?

— Você tinha esta mesa só para você. Achei que preferia


me apresentar a uma pessoa do que a uma mesa com dez
pessoas, cujos nomes eu esqueceria assim que me dissessem.

Eu peguei seu horário que ele tinha jogado em sua


bandeja de comida. — Então, você é novo aqui?

— Transferido de SoCal.

Eu acenei com a cabeça dele. — Isso explica o cabelo.

— O cabelo? — Ele passou uma mão através dos fios


loiros dourados.

— Longo. Beijado pelo sol. Surfista clássico.

Ele fez um som desaprovando. — Isso é um estereótipo, e


na verdade eu não sur...

Eu gritei, empurrando minha cadeira para trás enquanto


a água encontrava meu cabelo, pingando pelo rosto abaixo e
ensopando minha camiseta branca. Lacy ficou a alguns
centímetros de mim, uma garrafa de água vazia em sua mão.
Eu cobri meu peito com meu braço, esperando que ninguém
pudesse ver através de minha camisa fina.

Meus olhos se desviaram para Ranie, trancando com os


dele do outro lado da cafeteria com precisão laser. Ele pode ter
me abandonado como amigo, mas não tolerava o bullying. Se
ele o visse, geralmente falava alto. Era a única parte boa da
minha vida hoje em dia.

Mas quando eu olhava para ele, ele me absorvia por uma


fração de segundo antes de focalizar em Brody. Esperei por ele
para dizer algo. Qualquer coisa. Ele não disse nada. Em vez
disso, ele se voltou para Niccolaio e sussurrou algo em seu
ouvido. Niccolaio respondeu, e os dois começaram uma
conversa acalorada, ignorando completamente a minha
agitação.

Os sussurros começaram logo em seguida. Alguém


reuniu a coragem de rir. Depois outra pessoa. E outra pessoa.
E outra. Logo, a cafeteria inteira estava rindo de mim. Brody
tirou o suéter e o entregou para mim. Eu deslizei o suéter de
algodão macio sobre minha camisa molhada, agradecida por
pelo menos alguém estar do meu lado. Ele provavelmente
perceberia logo que a amizade comigo não valia a pena para
ser excluído na Diavolo, mas até lá, eu aceitaria qualquer ajuda
que pudesse conseguir.

Do outro lado da sala, os olhos de Ranie pegaram os


meus, permanecendo sobre o suéter. Ele se levantou, com
determinação consumindo sua postura, mas Niccolaio o puxou
de volta para baixo. Eles trocaram palavras apressadas, e as
sobrancelhas de Ranie franziram profundamente antes que ele
se acomodasse adequadamente em seu assento. Voltei minha
atenção para Brody, sentindo-me tola. Ranie não era o herói.
Ele era o vilão.
Sentei-me durante todo o almoço, encharcada e
tremendo, meu orgulho não me permitiu correr e me esconder.
Alguém se aproximou de mim e fez uma piada sobre meu
cabelo molhado. Foi como se, ao não me defender, a proibição
não falada de Ranie de me intimidar na sua frente tivesse sido
levantada. Brody atirou de volta e, por um momento, eu me
senti protegida novamente.

Quando o sino tocou durante o quinto período, mantive


minha cabeça erguida enquanto passava por Ranie com Brody
flanqueando meu lado esquerdo. Minhas mãos estavam em
punhos, fazendo tudo que podiam para esconder meus
tremores. Eu não sabia o que esperava de Ranie. Um pedido
de desculpas? Uma explicação? Uma espécie de
reconhecimento de como minha vida tinha ficado horrível? Isso
foi pedir muito depois de nove anos de ser tudo um para o
outro?

Em vez disso, seus olhos permaneceram mais uma vez no


modo em que o suéter de Brody moldava minha estrutura
magricela antes de olhar para o Brody e virar as costas.
Niccolaio me deu um olhar simpático, mas eu sabia que ele
estaria sempre do lado de Ranie.

Meu coração caiu, e a esperança que vinha preservando


desde que eu e Ranie deixamos de ser amigos desapareceu.
Depois do incidente da cafeteria, o bullying cresceu,
transformando-se em um monstro que nem mesmo os rígidos
professores de Diavolo conseguiam controlar.
Pelo menos eu tinha Brody.

Mas era para ser Ranie.


CAPÍTULO DOIS

Que hoje seja o dia que você deixa de ser assombrado pelo
fantasma de ontem.
– Steve Maraboli

O Presente, onde nada mudou.

Deslizei um refrigerante para uma das strippers, que


havia derramado aguardente em sua lingerie.

Fred correu até nós do outro lado da sala, seu cabelo


branco voando com a pressa, e a empurrou de volta para o
camarim. — Não, não. Nisso não!

Ela olhou para baixo para sua lingerie, um sutiã rosa e


preto apertado e um conjunto de calcinha. — O que há de
errado com isto?

— Você parece gorda nele. — Típico de Fred. Nunca foi


alguém de medir as palavras ou, não sei, agir como um ser
humano civilizado.

Ela cruzou os braços, cada pedaço justo em sua


indignação. — Eu sou gorda mesmo.
— Bem, eu não quero que você se pareça com você. Não
no meu clube. — Ele se voltou para mim. — O que você está
fazendo aqui atrás? Fora! Fora!

Peguei minha bandeja de servir, rolei os olhos e me dirigi


para minha seção. Fred era dono do The Down & Dirty, mas
ele já tinha passado do seu auge e provavelmente vai se
aposentar em breve. Diziam por aí no strip clube que ele estava
falando em vender o lugar, e havia atualmente uma guerra de
lances entre duas pessoas poderosas. Em uma cidade onde
havia um excedente de acompanhantes de alto nível e um
déficit de strippers, ele provavelmente lucraria um bom
dinheiro.

Paula, conhecida no The Down & Dirty como Honey


Cocker, passou por mim. Ela era uma garçonete, como eu. Ao
contrário de mim, trabalhar aqui não era seu último recurso.
Ela vivia para o The Down & Dirty. Vinha para trabalhar com
um sorriso genuíno todos os dias.

Eu agarrei o braço dela. — Fred está de mau humor.


Talvez você queira se afastar.

Ela arranhou o nariz. — Deus, ele não poderia se


aposentar já?

Eu dei nos ombros. O Fred era um chefe horrível? Sim.


Mas sabendo da minha sorte, seu substituto só seria pior.
Paula estendeu a mão e ajustou o tecido azul-pastel-bebê da
minha baby-doll. Ela combinava com a cor dos meus olhos,
saltos, e a peruca que escondia meu cabelo loiro escuro.
— Oh, meu Deus. — Paula torceu meu corpo até eu
enfrentar a sala VIP. — Ele é perfeição. Eu chamo dibs2.

Meu sangue esfriou.

Certamente, eu estava alucinando.

Tinham passado sete anos, mas o cabelo dele era o


mesmo – um corte de cavalheiro limpo. A alguns centímetros e
meio, ele se destacava com aquelas mesmas maçãs do rosto
afiadas e uma linha de mandíbula definida. E embora eu não
pudesse ver seus olhos a esta distância, eu sabia que eles eram
verdes como um trevo de quatro folhas.

— O que você está fazendo aqui? — Eu sussurrei.

Ele não podia me ouvir, é claro, mas era instinto querer


falar com ele. Os sete anos que se passaram desde a última vez
que nos vimos não tinham mudado isso. Nem aqueles quatro
anos de puro inferno do colegial.

— O quê? — Paula me encarou por uma fração de


segundo antes de devolver seu olhar para ele.

— Nada.

Mas isto era tudo menos nada. Ranieri Andretti estava


aqui. Meu primeiro amor. Meu tormento do colegial. Minha
grande traição. Eu suguei o fôlego e recuei, forçando-me a

2 No original “I call dibs”, significa quando uma pessoa reivindica algo antes que outra pessoa possa
fazê-lo. É como se ela dissesse “eu vi primeiro, agora é meu”.
manter a calma enquanto me dirigia para a sala de descanso
para encontrar Fred.

No fundo, ouvi Paula chamando por mim, mas a ignorei.

— O que você está fazendo aqui? — Fred agarrou meu


cotovelo e me guiou até um canto vazio da sala de descanso.

Tirei a mão dele de cima de mim. — Eu tenho que ir.

— O quê?

— Estou mal do estômago.

— Eu não me importo. Você sabe como esta noite é


importante para mim? — Ele esfregou a parte de trás do
pescoço e jurou. — Estou prestes a fechar a venda de uma
vida, e preciso de você servindo bebidas no VIP.

— O quê? — Eu me afastei dele. — Eu-eu... mas essa não


é minha seção.

— Você é a minha melhor garçonete.

— Não, eu não sou.

— Você tem um diploma universitário.

— Eu desisti.

— E então você foi para a faculdade comunitária.

— Eu também desisti depois de um semestre lá. — Cruzei


meus braços. Esta conversa foi como um rolo de filme dos
meus fracassos.
— Ele a pediu.

— Quem me pediu?

— Um dos meus compradores.

Oh, meu Deus. Havia alguma chance de que não fosse o


Ranie?

Mordi meu lábio inferior. — Eu não acredito em você.

Fred ergueu seu telefone, um texto datado de dois


minutos atrás, exibido na tela.

Ranieri: Envie a garçonete de cabelo azul para cá.

Ranie não poderia saber que era eu. Mesmo que não nos
víssemos há sete anos, a peruca e as camadas sobre camadas
de maquiagem pesada me fizeram quase irreconhecível, e eu
estive tão longe.

Meu estômago realmente se sentia enjoado desta vez. —


Eu realmente não me sinto bem.

— Não vai demorar muito.

As náuseas nublaram meu cérebro. — Sério, eu vou


vomitar.

— Segure-o.

Bílis levantou até o topo da minha garganta. Eu engoli,


tentando ao máximo empurrá-la de volta para baixo. — Não
consigo, Fred!
— Faça isso, então você pode ir.

— Não...

Ele me empurrou para fora da sala de descanso antes que


eu pudesse protestar.

Eu debati minhas opções. Eu realmente precisava deste


trabalho. A loja de papai estava perdendo dinheiro por
segundos, mas não importava quanto tempo passasse, não
importava o quanto de dívidas acumuladas, ele não conseguia
se separar dela.

Ele era como Leo no Titanic – ele poderia ter ficado na


borda dos destroços do navio de Rose e continuar flutuando,
mas escolheu afundar com o navio. Provavelmente pensou que
era nobre também. Eu estava convencida que um pedaço de
papai pensava que, se ele vendesse a loja, a mamãe não seria
capaz de encontrá-lo caso ela decidisse voltar.

Já haviam passado quinze anos desde que ela nos deixou,


e eu não estava segurando minha respiração para que ela
voltasse, mas meu pai ainda estava. Eu não tinha no meu
coração o desejo de confrontá-lo. Mesmo que isso significasse
que eu tivesse que abandonar a faculdade para trabalhar e
ajudar a pagar o aluguel para eu mesma, papai, e uma loja que
eu odiava com cada fibra do meu ser.

A verdade é que eu não tinha outra opção senão ignorar


meus nervos, acalmar a bílis subindo pelo meu corpo e lidar
com a minha realidade. Coloquei minha bandeja de servir atrás
do balcão e fiz meu caminho até a mesa VIP, arrastando meus
passos e esperando que o cabelo e a maquiagem fossem
suficientes para apagar minha identidade.

De perto, Ranie era mais devastador do que eu me


lembrava. Cabelo grosso e escuro, mais preto do que a noite
mais escura. Lábios cheios, um tom de vermelho sedutor o
suficiente para deixar o sangue invejoso. Olhos verdes
vibrantes, tão vívidos que parecia que uma floresta viva havia
ficado presa em suas íris. Como poderia um homem que eu
odiava, um homem que eu não tinha mais o direito de
entender, ainda provocar uma reação da minha parte?

Eu desviei meus olhos de Ranie, que ainda não havia se


virado para me enfrentar, e me dirigi ao resto de seu grupo de
cinco pessoas. — Os senhores gostariam de alguma coisa para
beber?

— Olá, querida. — O da extrema direita manteve sua voz


baixa, então eu tive que me aproximar para ouvir. Um truque
clássico do livro. Trabalhando no The Down & Dirty, eu tinha
visto tudo. — O que você tem para mim?

Eu olhei seu terno. Ele estava bem ajustado, mas a parte


superior estava ligeiramente desajustada de baixo para cima.
Provavelmente algo em liquidação, de duas marcas diferentes
com padrões quase idênticos que ele pensou que ninguém
notaria que eram diferentes.

Mas ele tinha tomado o cuidado de mantê-lo engomado e


passível de parecer sob encomenda, o que significava que ele
gostava de manter as aparências de riqueza. Minha aposta era
que ele iria atrás de algo chamativo, algo ostensivo que falava
de dinheiro, e com o negócio iminente, eu sabia que Fred
estava pagando a conta.

— Lagavulin single malt. Temos um malte de 37 anos


atrás.

Ele vacilou um momento, parando para dar uma olhada


no caminho de Ranie. Faz sentido. Era uma garrafa de três mil
dólares, vendida no clube pelo valor de seis mil. Não era algo
que se pedia sem a aprovação do chefe. E eu não tinha dúvidas
de que Ranie era o chefe.

Eu me forcei a não olhar para o Ranie. — Por conta da


casa, é claro.

O Sr. Engravatado acenou com sua aprovação e eu tentei


suprimir meu sorriso. Fred teria um ataque se soubesse que
eu tinha empurrado uma das garrafas mais caras que ele
ofereceu em uma conta da casa, mas foda-se Fred. O sorriso
passou pelos meus lábios, e quando olhei para a minha direita,
Ranie estava me encarando, a cabeça dele se inclinou
levemente para o lado e as sobrancelhas dele franziram como
se não conseguisse me colocar no lugar.

Eu congelei, insegura do que fazer. O que eu deveria ter


feito era jogar casualmente e continuar como se nada estivesse
errado. Em vez disso, entrei em pânico, girei, e quase corri para
o bar, onde arranquei duas garrafas de Lagavulin, o vinho com
o custo de mais de um ano de aula na Duke após minha bolsa
de estudos. Não que isso importasse, sendo uma desistente da
faculdade e tudo mais. Além disso, isto era Miami Beach, onde
a renda média anual era superior a dois milhões de dólares por
residência. Doze mil dólares. Centavos. Eles não saberiam a
diferença.

Procurando no clube por Fred, eu o vi conversando com


alguns clientes habituais, então me escondi na sala de
descanso. Quando ela passou por mim, eu agarrei a mão de
Paula.

Dei-lhe o meu melhor sorriso de – não estou fazendo nada


de errado. — Me faz um favor?

A cautela tomou conta de suas pequenas feições. Ela me


conhecia tão bem. — Depende. O que você quer?

— Assuma a seção VIP para mim?

Seus olhos quase lhe saltaram da cabeça antes que ela se


lembrasse de jogar com calma, e eu apostaria qualquer coisa
que sinais de dinheiro passaram pela sua cabeça. — Eu fico
com as gorjetas?

Eu lhe disse.

Eu resisti ao impulso de rolar os olhos. — Claro.

— Eles já pediram?

— Serviço de bar. Duas garrafas de Lagavulin.


Ela fez uma pausa. — Você acha que eles vão dar gorjeta
de vinte por cento?

Foda-se. Talvez. Ranie era rico e tinha modos suficientes


para dar gorjetas grandes, mesmo em garrafas caras. Se ele
daria os vinte por cento padrão, eram cento e vinte e quatro
dólares que eu estava perdendo. O suficiente para pagar
aluguéis, utilidades e parte do aluguel da loja do papai para o
mês. Eu deveria sugá-lo e enfrentar meu demônio, mas...

— É por conta da casa. — Eu estava me convencendo de


que pular fora era uma boa ideia quando eu deveria ter me
concentrado em convencê-la.

Mas estar perto de Ranie nunca deixou de me


transformar em uma bagunça. Quando criança, tinha sido
graças a sentimentos que eu não tinha idade suficiente para
entender. Como adulta, eu percebi o quanto eu estava
realmente ferrada.

Ranie era magnético. As pessoas se cansavam no ginásio,


nas salas de aula e no trabalho, tentando ser o que Ranie
naturalmente era – inteligente, rico, forte e sedutor. Não era
justo que ele chegasse a ser os quatro, mas eu sabia em
primeira mão o quão injusta era a vida.

Paula riu e deu uma olhada no Fred. — Fred vai odiá-la.

Eu encolhi os ombros. — Ele já odeia, mas não vai me


despedir. — Eu tinha minha parte de clientes regulares, e isso
significava dinheiro estável. A ganância sempre vence no final.
— Espere... esta é a mesa do Hottie McHottie3?

— Sim.

Ela me olhou como se eu estivesse louca, encolheu os


ombros e partiu para a Lagavulin. Talvez eu também devesse
ter ido embora. Isso teria sido a coisa mais sensata a fazer. Em
vez disso, eu espreitei o lado da sala de descanso, precisando
ver Ranie, mesmo que de longe.

Ele parecia tão bom quanto antes, se não melhor. Seu


guarda-roupa havia amadurecido desde a última vez que o vi.
Ele havia passado de jeans de grife e camisetas Henley macias
para um terno perfeitamente feito à mão.

The Down & Dirty atendia a uma multidão rica. Eu já vi


ternos caros antes, mas já fazia um tempo que eu não via um
corte tão bonito. As garçonetes e strippers se aglomeravam aos
clientes mais bem vestidos do bar, mas eu sabia que era
melhor.

A quantidade de dinheiro com que alguém estava


disposto a usar para si mesmo e a quantidade de dinheiro com
que estava disposto a usar para os outros eram duas coisas
totalmente diferentes. Foi por isso que eu nunca fui cega pelas
roupas vistosas. Tudo o que eu precisava saber sobre um
homem, eu podia ver em seus olhos. A partir das emoções que
eles tinham.

3 O apelido é como se fosse uma referência a um cara gostoso que consegue todas as mulheres.
Os olhares chamativos eram dos piores garotos da
fraternidade e dos homens brilhantes da classe média alta, que
sentiam que mereciam o serviço sem a taxa de serviço. Os
olhos simpatizantes davam uma boa quantia de dinheiro.
Alguns homens entram, veem uma garçonete em um clube de
strip, e dão uma boa gorjeta por piedade. O orgulho estava fora
da equação há tanto tempo, que eu não me sentia mais suja
por causa das gorjetas de pena.

Os olhos frios e distantes eram outro bilhete de loteria.


Esses caras eram os meus favoritos. Os noventa e nove ponto
nove por cento, que não tinham noção do valor do dólar. Pelo
que eles sabiam, um galão de leite custava um Benjamin 4,
talvez dois, e as centenas que eles empurravam no meu
caminho eram facilmente esquecidas. Esses caras nem sempre
eram os mais brilhantes, mas havia sinais sutis de riqueza.

Sinais sutis que Ranie compartilhou neste momento.

Um terno preto, liso, mas feito sob medida, feito de tecido


subestimado, mas caro, que poucos podiam pagar. Sapatos de
couro italianos escuros, feitos à mão. Uma camisa lisinha. Sem
gravata. Dois botões de cima desfeitos. E uma aura
distintamente inacessível, não afetada, como se não
importasse quem ele impressionava, porque nenhum de nós,
pessoas pequenas, éramos importantes.

Como Paula fez seu caminho até ele, ele pediu sem dar
uma olhada no cardápio. Outra coisa que as pessoas ricas

4 Um Benjamin é como se fosse uma nota do século, ou seja, uma nota de 100 dólares.
fazem. Quem precisava de um cardápio quando o preço não
importava, e você tinha pessoas que se esforçavam para
acomodar todos os seus desejos?

Enquanto isso, eu fiquei de pé, tremendo na minha baby-


doll – era muito curta e eu era muito alta. Com um e setenta e
cinco de altura, meus saltos me colocavam quase a dois metros
de altura. Eu me destacava na multidão, mesmo entre as
melhores strippers de Miami Beach.

Disseram-me que eu tinha envelhecido bem, meu rosto


estava notavelmente livre de rugas. Mas também, eu tinha
apenas vinte e cinco anos, quase vinte e seis. Mas isso era
antigamente nos anos de stripper – pelo menos aqui, onde a
idade média de uma stripper daria a uma assistente social um
ataque cardíaco.

Eu era magra, mas só porque não tinha condições de


pagar muita comida. Meu peito era pequeno, graças à minha
mãe, sua mãe e a mãe de sua mãe, que gostavam de transmitir
seus genes. E debaixo da peruca, camadas de base, cílios
falsos e uma estúpida quantidade de sombra, eu era
geralmente a menina loira de olhos azuis que preferia viver a
vida descalça e natural. Não porque eu era bonita o suficiente
para todo o movimento #NoMakeUp e #NoFilter. Eu
simplesmente não tinha tempo e nem dinheiro para
maquiagem. Meu saldo bancário era menor que a dívida do
meu cartão de crédito, e eu mal conseguia pagar as contas.

Essa era a minha vida.


Foi assim que o tempo me tratou.

Claramente, o tempo amava Ranie mais do que ele me


amava. A última vez que o vi, aos dezoito anos de idade, eu
pensava que ele era um homem. Eu tinha me enganado. Desde
então, ele tinha preenchido sua moldura. Os músculos magros
esculpiram seu corpo em uma máquina invejável, indutora de
hormônios. Ele ainda era, sem dúvida, rico, embora eu nunca
esperasse que isso pudesse...

— Para o que você está olhando?

Eu me empurrei. — Nada.

Fred franziu suas sobrancelhas. — Então, volte ao


trabalho.

— Mas você disse que eu podia ir embora.

— Se você cuidasse do VIP. Mas você não cuidou. — O


queixo dele se apertou. — Você empurrou-o à Paula, então
termine seu turno.

Ótimo.

Ao final da noite, meus pés tinham calos, e eu só


precisava chegar em casa. Agora. Saí do beco de trás,
mancando para o meu Civic de merda, degradante de 89, com
meus saltos altos demais que valiam mais do que meu carro.

— O que você está fazendo aqui?


Eu congelei. Tinha se aprofundado e amadurecido, mas
eu reconheceria essa voz em qualquer lugar. — Eu trabalho
aqui.

— Por quê?

Virei-me lentamente, mais incerta do que jamais havia


sido em minha vida. — Boas gorjetas.

Não que fosse da sua conta.

Meu coração estúpido e tolo bateu assim que meus olhos


encontraram os dele. Quatro anos de ódio no colegial não
apagaram nove anos de amor, mas, maldição, eu desejava que
apagasse.

Ele estava encostado na parede de tijolos, braços


cruzados, parecendo mais suave e perigoso do que qualquer
homem à espreita no beco de um clube de strip-tease tinha o
direito de ser. — Besteira. Para que serve um diploma se você
está servindo mesas em um clube de strip-tease?

Eu cruzei os braços, sem saber porque estava entretendo


esta conversa. Por que eu não disse apenas: “Vá se foder”, e
saí antes que meu coração fraturado pudesse se despedaçar
irrevogavelmente. Sempre parecia estar em prontidão ao redor
deste homem.

Eu levantei meu queixo. — Não que seja da sua conta,


mas eu não tenho um diploma.
— Mas você foi para Duke. — Suas sobrancelhas
franziram, e ele parecia quase chateado.

Eu não pensei na ideia de que Ranie pudesse ter se


importado com o que aconteceu comigo desde que ele me
abandonou de sua vida. A esperança inútil e implacável havia
me feito uma tola antes, enganando-me repetidamente durante
todo o ensino médio, e Carina adulta sabia que não devia
confiar em Ranieri Andretti. Se ao menos meu coração pudesse
pular a bordo.

— E desisti prontamente – Espere. — Eu dei um passo


atrás como se a distância pudesse enroscar minha cabeça em
linha reta. — Como você sabia que eu fui para Duke?

Ele se endireitou da parede e deu alguns passos


propositais em minha direção. Minhas pernas vacilaram,
divididas entre meu cérebro exigindo que fugissem e meu
coração implorando que ficassem. Outra chance! Outra chance!
Ele implorou em sua batida estúpida. Somente Ranie ainda
podia controlar meu coração depois de tudo o que ele havia me
feito passar.

Ele alcançou meu cabelo, onde uma mecha loira suja e


ondulada havia caído da minha peruca azul. O cérebro
finalmente ganhou, e eu dei alguns passos atrás.

Ele baixou a mão. — Não era assim que deveria ter


acontecido.

— O quê?
Ranie voltou a me olhar, mas eu vacilei e dei mais um
passo para trás. Olhos verdes de menta me estudaram antes
dele se virar, dirigiu-se para a porta do beco e gritou atrás dele:
— Eu vou consertar isso.

Consertar o quê?

Não era assim que eu esperava que nosso primeiro


encontro em sete anos se realizasse.
CAPÍTULO TRÊS

Como fumar é para os pulmões, assim é o ressentimento para a


alma; até mesmo um sopro é ruim para você.
– Elizabeth Gilbert

O tempo cura todas as feridas.

Quem inventou essa besteira provavelmente fumou


algumas ervas (maconha) em seus dias de folga, depois de se
empanturrar de cogumelos. O tempo pode ser uma cadela
vingativa. As feridas faziam muitas coisas, mas com certeza
não curavam.

As feridas inflamavam. Fato.

Não importa o quanto você tenta escondê-las, elas


deixaram cicatrizes. Cicatrizes feias e salientes. Fato.

Deixam você vulnerável para mais ferimentos e


amontoam peso como calouros universitários. Fato.

Rompa seu menisco algumas vezes e me diga novamente


como você se sente curado em poucos anos, quando seus
joelhos rangem a cada passo que você dá, e um único golpe
pode deixá-lo aleijado.
Carina Amelia Gallo foi a pior ferida de todas. Daquelas
que lhe lembravam que ela ainda estava lá uma vez que você
finalmente enganou a si mesmo para acreditar que ela havia
sarado. Eu culpei meu coração. O coração era o estúpido,
sempre espreitando sua cabeça de vez em quando, fazendo-me
pensar se finalmente eu poderia encontrar Carina e fazer as
coisas certas.

As pessoas achavam que pensar com seu pau era terrível,


mas pensar com seu coração era pior. Pelo menos uma ereção
podia ser suavizada. Mas não, não o meu coração. Meu coração
era um filho da puta duro, tão implacável que me fez pensar
onde aquela tenacidade esteve quando eu estava estudando
para meus GMATs5.

Obrigado por nada, Coração.

Eu estava preparado para fazer uma oferta baixa no The


Down & Dirty e ameaçar Fred Rollins para a ceder. Eu já fiz
isso antes sem remorsos. O Restaurante Bixby Fine. O Hotel
Atticus. O Complexo de Compras Constantine. Todos
comprados abaixo do valor de mercado, juntamente com
99,99% dos meus outros negócios de lavagem de dinheiro.

Luigi olhou o dossiê na minha mão de seu assento do


outro lado da minha mesa. — O pacote vai ser um problema?

O pacote.

5 É um teste de admissão para medir a aptidão de uma pessoa formada.


Ah.

Declaração do ano.

Carina era o pacote inteiro, e outro, e outro, e outro, e


outro. Olhos largos, inocentes e inesquecivelmente azuis. Nariz
inerte. Lábios rosados e cheios. Bunda de Miami-girl, cintura
estreita, e seios não tão grandes e nem tão pequenos, não me
importaria de tê-los emoldurados na minha mesa. E por baixo
daquela peruca azul ondulada, ondas longas e louras, feitas
para puxar na cama.

Nenhuma dessas coisas havia sido incluída no dossiê que


um dos meus homens havia compilado sobre a atividade de
Carina nos últimos sete anos. Alguém sairia com a mão
quebrada se estivesse.

Eu fechei o dossiê e o empurrei para algum lugar na


minha gaveta, onde o recuperaria assim que Luigi e seus olhos
curiosos me deixassem em paz. — Não. Sem problema. — Eu
peguei minha caneta de assinatura e peguei o contrato que
meus advogados impiedosos tinham escrito. — Traga Frank
para dentro.

— Fred.

— Tanto faz.

Não importaria em alguns minutos se seu nome fosse


Fred, Frank, ou Fuck. Ele estava recebendo vinte milhões dos
meus dólares, por um negócio pelo qual eu normalmente
pagaria apenas dez, e eu estava recebendo o melhor imóvel de
Miami Beach para lavar o dinheiro Andretti, e Carina Amelia
Gallo debaixo do meu polegar.

Eu teria pago qualquer coisa por este último.

— Pai, você tem que começar a cuidar melhor de si


mesmo. — Coloquei uma tigela de espaguete na frente dele,
junto com um garfo.

Normalmente eu estocava sua cozinha com comida


congelada e passava por lá tantas vezes quanto podia para
cozinhar comida de verdade para ele. Esta era minha única
saída para exercitar meus músculos de aspirante a cozinheira,
e meu pai era teimoso.

O indicador e os dedos médios de sua mão direita ainda


se dobravam desajeitadamente do trabalho sujo de Luigi, mas
papai se recusava a aprender a usar sua mão esquerda. O que
significava que coisas, como cortar vegetais frescos e mexer na
comida, doem como o inferno, e o bico como sua chef pessoal
não remunerada e a comida de microondas eram minhas
melhores apostas para conseguir calorias em seu corpo.

Ele não tocou no espaguete. — O que a deixou de mau


humor?

— Nada. Do que você está falando?

— Você tem zumbido pela cozinha como se tivesse


substituído seu sangue por bebidas energéticas.

Eu suspirei. — Eu vi Ranie no trabalho ontem.

Ele suspirou, e uma miríade de emoções – todas


indecifráveis – passou pelo seu rosto. — Oh? Como foi isso?

Eu era a pior. Meu pai não precisava de um lembrete do


que havia acontecido com a mão dele. Ele não precisava me
ouvir falar de Ranie. Eu podia desabafar em outro lugar. Era
para isso que Brody servia.

Eu abanava a cabeça. — Sinto muito. Sei que você


provavelmente não quer falar sobre a família Andretti depois
de... bem...

— Está tudo bem, querida. Fale-me sobre Ranie. Como


ele estava?

— Ele parecia... o mesmo? Mas diferente. Mais velho.


Mais maduro. Mas, ainda Ranie.

— Ele a reconheceu? — Papai sabia tudo sobre meu


trabalho. Fale sobre embaraçoso.
O que eu digo a isso?

Oh, ei, papai. O filho do homem que ordenou que Luigi


fodesse seus dedos esperou por mim depois do trabalho. Sabe,
no meu trabalho no clube de strip local. E de alguma forma ele
sabia que eu tinha ido para Duke. Disse que ele também
consertaria sabe Deus o quê.

É melhor não dizer absolutamente nada.

— Olhe, pai. — Eu enxuguei a última louça molhada. —


Vamos falar sobre isso em outra ocasião. Brody está me
esperando há dez minutos. Só passei por aqui para ter certeza
de que você está comendo. — Eu o beijei na sua têmpora,
peguei minhas chaves do gancho de chaves, e a tirei de lá antes
que ele pudesse me fazer qualquer pergunta embaraçosa.

Eu pensei muito em Ranie ao longo dos anos. Ele foi meu


melhor amigo. Meu tudo. E não importava o que acontecesse,
eu sempre amaria o garoto que um dia conheci. Mas cada vez
que eu esquecia o que havia acontecido, tudo o que eu tinha
que fazer era olhar para a mão de papai, e a culpa me sufocava.

Ranieri Andretti era meu inimigo.

Eu nunca mais me esqueceria.


Eu precisava do meu salário. O aluguel deveria ser pago
em poucos dias e, sem meu cheque, eu seria despejada. Era
dia, então The Down & Dirty estava bastante vazio, exceto para
a equipe, mas ainda não consegui localizar Fred.

Eu me aproximei de Paula. — Você já viu o Fred?

— Você ainda não soube? — A excitação iluminou o rosto


dela.

— O quê?

— Fred vendeu o clube. Adivinhe isto... — Oh, não. —


Hottie McHottie comprou-o.

Simplesmente ótimo.

Eu queria ficar surpresa, mas não fiquei. Eu sabia que


era inevitável assim que Fred insinuou que Ranie era um
comprador em potencial.

— Você sabe onde ele está? Preciso do meu cheque.

Ela acenou para o escritório, e quando eu saí, ela gritou:


— Lembre-se! Eu disse dibs!

Eu engoli meu orgulho e bati na porta do escritório.

— Entre. — Se ele engarrafasse aquela voz sedosa e rica,


ele poderia vendê-la por muito mais de um milhão de garrafas
de Lagavulin finamente envelhecidas. Ele tinha aquele velho e
macio sotaque sulista raramente ouvido nessas partes da
Flórida, e se eu pudesse me comunicar com os mortos, eu
agradeceria ao pai de Ranie por deixar cair o sotaque italiano
que seu bisavô tinha e adaptar o do Sul. Ou talvez eu o
amaldiçoasse por isso, porque isso me deixava fraca de joelhos,
e meus joelhos estavam muito perto do meu coração para me
confortar.

Abri a porta, e não importava quantas vezes eu tivesse


visto Ranie de infância, nada poderia me preparar para Ranie
adulto.

Dei um passo adiante, passando pela porta até onde eu


ousava. O que foi meio passo. — Eu preciso do meu salário.

Ele pegou um talão de cheques, e eu esperei sem jeito


enquanto ele o preenchia. Ele segurou o cheque para mim e eu
o peguei sem olhar, cuidando para não tocar nossos dedos
antes de eu sair o mais rápido que pude.

Quando finalmente cheguei na calçada, ainda não


suficientemente longe dele, olhei para o cheque e franzi o
cenho. — Que porra é essa? — Voltei para o escritório, abri a
porta sem bater, e acenei com o cheque no ar. — Que diabos é
isto?

— Seu cheque de pagamento...

— Há um zero a mais atrás dos duzentos.

Ele estendeu sua mão. Eu lhe dei o cheque e bati meu pé


impacientemente enquanto ele o consertava. Quando ele me
devolveu, eu quase lhe joguei o cheque de volta.
— Vinte mil dólares?! Você está falando sério? Duzentos.
Esse é o meu cheque de pagamento. Não dois mil e,
certamente, não vinte mil.

Ele encolheu os ombros. — Qual é o problema?

Eu atirei o cheque para ele. — Eu não preciso do seu


dinheiro de piedade. Apenas me dê o que eu trabalhei para que
eu possa ir embora.

Ranie ficou de pé, contornou a mesa e se aproximou de


mim. Eu dei um passo atrás e outro até que fui pressionada
contra a porta. Ele alcançou a minha mão, soltando facilmente
os punhos em que haviam sido enrolados.

Tocando-o novamente, senti como se estivesse descendo


de uma rodovia com sirenes soando à distância. Tinham se
passado onze anos. Eu não o sentia desde aquele dia na loja
do meu pai quando ele enrolou o braço na minha cintura e me
impediu de ajudar o meu pai.

Eu tentei me afastar dele. Tentei empurrar para fora


aquele seu cheiro de groselha negra, bergamota italiana,
maçãs francesas, abacaxi real, rosas, amadeirado, jasmim
marroquino, patchouli, almíscar, carvalho, âmbar-cinzento, e
um pouco de baunilha.

Mesmo todos esses anos depois, ele ainda usava a mesma


loção pós barba, e eu ainda poderia listar cada ingrediente
melhor do que os químicos poderiam citar a tabela periódica.
Eu ainda tinha a garrafa meio vazia que eu tirei de seu
banheiro durante aquele verão antes do colegial, e nunca
consegui resistir a um cheiro, mas cheirava melhor nele do que
na garrafa.

Patético, patético, patético.

Ele colocou algo em minha mão e enrolou meus dedos ao


redor dele. O cheque. Puta merda. Eu tinha basicamente vinte
mil dólares na minha mão. Mas não importava o quanto eu
precisasse, eu nunca poderia descontá-lo.

Droga. O orgulho era uma coisa tão inconstante. Eu o


senti murchar, ferido quando me lembrava do meu pai. Eu
podia passar fome sem piscar um olho, mas permitir que o pai
sofresse não era insondável. A verdade era que nós dois
precisávamos desse dinheiro.

Eu apertei o cheque, movimentei-me, e saí sem dizer uma


palavra. Não que eu estivesse mantendo o controle, mas
parecia uma outra perda. Pouca coisa havia mudado nos
últimos sete anos. Eu ainda era a conquistada e Ranie era mais
uma vez o conquistador.

Mas não da próxima vez.

Não havia nenhum valentão do colegial à vista, e eu era


uma mulher crescida, de rua, mais do que capaz de cuidar de
mim mesma. Ranie descobriria isso. Ranie aprenderia muitas
coisas, nenhuma das quais me incluía ajoelhando diante dele.
Se ele quisesse voltar à minha vida depois de todos estes anos
e atirar dinheiro de piedade em mim como se eu fosse seu caso
de caridade pessoal, ele tinha outra coisa a seu favor.

Ranie: 1. Carina: 0.

Mas mesmo com a pontuação.

...e eu ganharei.

— Para onde você está indo? — Luigi chamou atrás de


mim.

Eu parei no terraço por respeito, mas não me virei para


enfrentá-lo. Em vez disso, eu peguei a vista do jardim e do
labirinto que Carina e eu costumávamos brincar quando
éramos crianças, quando papai não se preocupava em dizimar
minha amizade com ela.

Eu o amaldiçoava e sua volontà del re. Em italiano era a


vontade do rei – o desejo moribundo do chefe da máfia ao seu
antecessor. E até que eu cumprisse a volontà del re de meu
pai, eu não podia nomear meu próprio consignatário e estava
preso ao seu, Luigi. O problema era que eu não sabia qual era
a sua volontà del re, e Luigi não me dizia.

— Eu vou confrontá-lo.

Minha mão agarrou o corrimão com mais força. Miami


Beach era uma cidade de milionários e bilionários, mas eu
tinha os melhores imóveis, uma das maiores rendas, e a maior
potência. Eu controlava tudo o que acontecia nesta cidade. Ou
assim eu pensava.

As pegadas de Luigi soavam vagamente atrás de mim. —


Nada de bom virá do confronto com Piero Gallo.

Voltava sempre para o pai de Carina. Eu respeitava o


homem. Sempre o fizera. Que era a única razão pela qual ele
ainda estava vivo depois de estar consistentemente no meio de
todos os meus problemas.

— Isto começou com ele. E termina com ele.

Luigi se aproximou de mim até que ficamos lado a lado,


olhando para o labirinto de sebes. — Termina?

— Não por morte. — Carina nunca me perdoaria. — Mas


isto precisa acabar de alguma forma.

— Não por falar com o Sr. Gallo.

Eu me voltei para enfrentá-lo, examinando-o de uma


forma que normalmente fazia os homens menores vacilarem.
— Ele está de alguma forma envolvido na volontà del re?
— Não. Isto é apenas um conselho de seu consignatário.
Sugiro que você o aceite.

Seus lábios se curvaram, e eu observei como seus traços


envelhecidos se enrugavam enquanto ele sorria. Ele parecia
bem para sessenta, mas isso não me enganou. Ele já deveria
ter se aposentado, e eu quase me senti mal em tirar meu doce
traseiro de cumprir a vontade do rei. Quase.

Ele falou novamente: — Houve um tempo em que um


chefe ouvia seu consignatário.

— Houve um tempo em que os patrões podiam escolher


seus consignatários.

— Cumpram a volontà del re, e você pode.

Eu me movi, terminei com esta conversa. As pessoas


geralmente eram descartáveis. No final, ou o desapontavam,
ou o traíam, ou ambos. Niccolaio tinha me ensinado isso
quando ele matou nosso tio e se juntou à família Romano. A
vida simplesmente confirmou sua lição uma e outra vez.

Eu amava Luigi como um pai. Mas as opiniões dele não


eram tão importantes quanto as minhas. Não se tratava de
uma vida de homens, cheia de experiências mundanas. Esta
era a família Andretti. O império Andretti. E neste mundo, eu
só podia confiar em uma pessoa – em mim mesmo.

E isso significava que eu tomava minhas próprias


decisões.
Eu enfrentaria Piero Gallo, e conseguiria o que queria.

A filha dele.
CAPÍTULO QUATRO

O tempo não sara todas as feridas, somente a distância pode


diminuir a picada delas.
– Shannon L. Alder

Gallo chegou ao The Down & Dirty precisamente na hora


certa, em ponto. Ainda a garota pontual que eu conhecia há
tantos anos. Eu me perguntava o que mais seria o mesmo. Será
que ela ainda era engraçada? Inteligente? Mal-humorada?
Responsável? Confiável? O tipo de garota que se importava
mais com os outros do que com ela mesma?

Ela não me deu tempo para contemplar, pois fez seu


caminho direto para mim, determinação evidente em seus
olhos azuis-marinhos do Caribe. O propósito naqueles olhos
grandes como bolinhas de gude fazia meu pau tremer, a peruca
azul me fez reconsiderar minhas fantasias, e seu rosto sem
nada era a cereja no topo da mulher mais quente que eu já
havia visto em minha vida – passado, presente e futuro.

— Olha, — ela colocou as mãos em seus quadris, — Você


é meu chefe, mas não vamos tornar isso esquisito.

Eu sorri. — Como você está fazendo agora mesmo?


Ela me ignorou. — Conversamos quando o trabalho
requer, e quando não requer, ignoramos um ao outro.
Entendeu?

Não. Não entendi.

Se ela quisesse me ignorar, ela tinha outra coisa vindo


para ela.

Eu.

Eu inclinei minha cabeça e apreciei aquela fachada de


durona que ela usava tentando tanto me convencer. — Você
realmente acha que...

Ela se virou e saiu para o vestiário.

Ela. Porra. Saiu.

Luigi se aproximou de mim ao meu lado. — Ela vai ser


um problema?

— Não.

Ela era o oposto de um problema. Se alguma coisa, todos,


menos ela, eram um problema. Incluindo Luigi.

Eu me virei para enfrentá-lo. — Por que você está aqui?

— Tinha que ver por mim mesmo.

— Ver o quê?
— O chefe da família Andretti dirigindo um clube de strip.
— Ele olhou para o clube, torcendo o lábio com desdém. —
Santi foi pego hoje.

Merda.

Santi tinha sido enviado para a fronteira Andretti-


Romano em Maryland. Era um território perigoso para
patrulhar e, portanto, um castigo adequado por foder minha
prima e largar sua bunda no dia seguinte.

Rastreei meu maxilar com meu polegar. — Ele está bem?

— Ele vai viver. Não será cem por cento, mas ele viverá.

Mensagem entregue.

Enquanto eu dirigia um clube de strip, que eu deveria ter


passado para um dos meus caporegimes, meus homens
estavam fazendo seu trabalho e levando balas. Este “The Down
& Dirty” não era nem mesmo um trabalho para o qual meu
sub-chefe estivesse apto. Mas ao ver Carina Gallo naquela
noite, todos os meus planos mudaram.

Eu a queria, e ela estava aqui.

A matemática me pareceu simples.


Dez anos atrás

— Você tem certeza de que vai ficar tudo bem? — Eu


puxei meu vestido vermelho-sangue, o único que eu tinha.

Ranie o tinha comprado para mim no meu aniversário no


verão passado. Um mês antes do que tinha acontecido na loja
do meu pai. Era o segundo ano, e esta foi a minha primeira vez
usando-o. Eu teria escolhido outro vestido se tivesse dinheiro
para isso, mas... bem, eu iria para a faculdade, conseguiria um
emprego, e coisas como dinheiro para um vestido seriam um
pensamento posterior.

Brody me abraçou com o braço em volta dos ombros. —


Vai ficar tudo bem. Confie em mim.

Eu fiz. Na verdade, confiei. Durante o último semestre do


primeiro ano e durante todo este primeiro semestre do segundo
ano, Brody esteve lá para mim. Todos. Os. Dias. Eu pensava
que ele duraria alguns dias. Talvez uma semana, no máximo.
Em meus sonhos mais loucos, eu não poderia ter previsto que
ele me apoiaria por um ano inteiro. Pela primeira vez desde que
eu e Ranie seguimos caminhos diferentes, eu estava
genuinamente esperançosa para o meu futuro.

— Está bem. Não sei porque estou tão nervosa.

Mentira.
Estava nervosa porque esta era a minha primeira festa do
colegial e estava tecnicamente estragando tudo. Brody tinha
sido convidado, mas não eu.

Nunca eu.

Brody e eu subimos a entrada, eu em meu Chuck Taylors


e vestido com decote V profundo e ele em seu jeans ajustado e
uma camiseta branca. Ele manteve seu braço pendurado no
meu ombro, levando meu corpo distraído até a escadaria da
frente para as enormes portas duplas enquanto eu entrava na
mansão com os olhos bem abertos.

Eu estive na propriedade de Ranie muitas vezes, mas isso


foi há cerca de cinco anos atrás quando éramos crianças, e o
pai dele ainda tolerava nossa amizade. Esta mansão era menor
do que a de Ranie, mas ainda assim era impressionante. O tipo
de monstruosidade espaçosa, branca e dourada típica dos
mega-milionários de Miami Beach.

Brody apertou seu braço ao meu redor, puxando-me para


mais perto de seu corpo em uma tentativa fracassada de me
confortar. — Você está tremendo.

— Não se preocupe comigo. — Contei até dez em minha


cabeça, forcei-me a acalmar e empurrei as portas duplas de
mogno.

Os “Seventeen Forever” do Metro Station pulsavam dos


alto-falantes embutidos em toda a casa. Álcool caiu sobre as
calças jeans do Brody enquanto empurrávamos nosso caminho
através da multidão indisciplinada. Chegamos à cozinha, onde
ele tirou algumas fotos, e eu peguei no refrigerador um vinho.

Brody e eu estávamos dançando quando vi Niccolaio.


Fizemos contato visual, e a multidão se separou enquanto ele
se aproximava de mim. Eu dei um passo atrás, e minhas costas
encontraram o peito de Brody. Ele deslizou seu braço em torno
de mim e estabilizou meu corpo.

Niccolaio olhou o braço de Brody ao redor da minha


cintura. — O que você está fazendo aqui?

Eu estreitei meus olhos e inclinei o queixo para cima. —


Olá para você também, Niccolaio. Por que você está me
tratando assim?

Ele suspirou e observou a multidão curiosa antes de


baixar sua voz. — Veja. Meu irmão está por aqui em algum
lugar. — Ele olhou novamente para Brody, depois voltou os
olhos para os meus. — Ele podia vê-la a qualquer momento.

— Como isso é problema meu?

— Apenas... ele tem muito em que pensar. Você não


entenderia.

Eu cruzei meus braços. — Eu faria se ele não tivesse me


deixado como amiga dele. — Eu suspirei e olhei para Brody, a
adrenalina e meu humor de festa já se foram. — Podemos ir
embora? Eu não quero mais estar aqui.
Brody aumentou seu aperto na minha cintura. — Você
tem certeza?

Eu acenei, irritada com a satisfação que se desenrolava


no rosto de Niccolaio. Eu sabia que ele não era uma pessoa
má, e o que quer que estivesse fazendo, ele provavelmente
achou que era o melhor para seu irmão, mas foi às minhas
custas. E isso doía muito, vindo de alguém que eu conhecia a
vida inteira.

Brody soltou seu aperto na minha cintura e, juntos,


abrimos caminho até a porta. Alguém esbarrou em mim,
enviando-me para o corpo de Brody. Ele passou um braço
protetor sobre meus ombros, e eu me inclinei para dentro dele,
na esperança de evitar qualquer contusão da multidão.

Eu fiquei de olho em Ranie. Apesar do que havia se


desdobrado no último ano e meio, eu o olhava de qualquer
maneira. Patético, sim, mas eu ainda me importava com ele. O
amor não desapareceu da noite para o dia.

Eu congelei quando passamos por Ranie ao lado da porta.


Ele tinha uma garota pressionada contra a parede, seus lábios
escovando contra o pescoço dela. Lacy. Ela riu enquanto me
viu. Ela inclinou a cabeça para cima e sussurrou algo em seu
ouvido.

Ranie virou-se para me encarar, seus olhos encarando o


vestido antes de pousar no braço de Brody ao meu redor. Eu
me senti nua diante dele, e vestindo este vestido – o vestido
dele – pareceu-me uma ideia pior do que eu já havia pensado
que era.

Ele me bebeu sem palavras por mais um momento antes


de voltar para enfrentar Lacy, dispensando-me como se eu não
fosse nada. Nem seu passado, nem seu presente, e certamente,
não seu futuro.

Ele descansou sua palma sobre o quadril dela, e meu


coração parou.

Ele enrolou uma mão ao redor da nuca delgada dela, e


minha alma se fraturou.

Ele pressionou seus lábios contra os dela, e eu fiquei


destroçada.

A esperança. A fé. A coragem.

Tudo se foi.

Em seu lugar estava a decepção. O estúpido era que eu


sabia melhor. Eu merecia mais. Eu nunca entenderia porque
Ranie, o melhor cara que eu já tinha conhecido, não podia me
dar isso, mas eu não ia me contentar com menos do que eu
merecia.

Não havia futuro para o Ranie e para mim.

Isso ficou claro.


Em casa, rasguei aquele estúpido vestido vermelho e o
joguei na lata de lixo. Por mais que eu tentasse, não conseguia
superar a sensação de Ranie em mim. Ele não tinha me tocado
esta noite, mas estava em todos os lugares.

Tudo nesta sala – neste maldito apartamento – fazia-me


lembrar dele. Eu precisava sair daqui. Agora. Eu me enfiei num
par de jeans skinny rasgados, joguei um agasalho de capuz
sobre minha cabeça e escorreguei nos meus Chucks. Em uma
decisão de última hora, peguei o vestido vermelho, sabendo
que, se o deixasse no lixo, eu o pegaria e o devolveria ao seu
cabide no meu armário, onde ficaria tirando sarro de mim por
anos e anos.

Assim que cheguei ao parque próximo, joguei o vestido no


caixote do lixo mais próximo e rastejei até o topo do brinquedo
do parquinho público. Deitei-me sobre o metal barato revestido
de plástico, olhando para o céu noturno. Nem Miami Beach
nem North Beach tinham sido boas para mim, mas eu não
podia odiar seus céus estrelados.

A chuva quente caía sobre mim como um chuveiro quente


demais, obscurecendo minha visão. Uma sombra descansava
sobre meu rosto, e eu comecei a disparar para cima até que
um cheiro familiar me atingiu o nariz. Ranie baixou seu capuz
e se deitou ao meu lado.

Eu deveria ter me movido. Eu tinha acabado de prometer


nunca me contentar com menos do que eu merecia. Para
eviscerar qualquer esperança que eu tinha de um futuro para
Ranie e para mim. A mesma esperança que alimentou minha
infância, pois me apaixonei cada vez mais por ele, apesar da
zona de amigos em que nós tínhamos colocado firmemente
desde o início.

Mas, maldito seja, se aqueles Pop Rocks não me deixaram


com uma bagunça no estômago com seus estúpidos e caóticos
saltos.

Fechei os olhos, desfrutando da sensação de chuva que


me salpicava o rosto. — O que você está fazendo aqui?

A voz dele patinou sobre minha pele e afundou nos meus


ossos, deixando sua marca. — Passei por sua casa e entrei no
seu quarto, mas você não estava lá. Imaginei que você estivesse
aqui.

Não estava perdido em mim como ele me conhecia bem.


— Responda minha pergunta. Por que você está aqui?

— Eu…— Ranie sem palavras não era um Ranie que eu


conhecia. Ele se deslocou e eu pude sentir seu hálito
alaranjado de Tic-Tac na minha bochecha. — Você sabe que
eu te amo, certo?
Meu coração tremulava, mesmo sabendo que ele não
queria dizer esse tipo de amor. — Certamente não me pareceu.

— Você não entende. É... complicado.

— Descomplique isso. — Eu peguei suas mãos e olhei-o


nos olhos, pedindo-o para se abrir para mim. — Ajude-me a
entender.

— Não podemos ser amigos.

— Não essa besteira de novo. — Virei-me para o meu lado,


então me afastei dele. — Se você não vai me dar uma
explicação, então vá embora. Apenas vá embora, Ranie.

— Vamos lá, Gallo.

Gallo.

Como se fôssemos amigos novamente.

— Você não pode aparecer do nada depois de um ano e


meio me ignorando. — Eu respirei fundo, tentando forçar a
emoção a sair da minha voz. — O que você quer de mim,
Ranieri?

— Eu... — Ele agarrou minha cintura e me virou para


enfrentá-lo.

Eu quase chorei ao sentir o seu toque novamente. Era


como a chuva depois de uma seca. Comida depois de um
jejum. Amor eterno depois de um coração partido.
Seus punhos se agarravam como antigamente, quando
ele se segurava para não fazer nada. Minutos passaram antes
que seus dedos se desdobrassem lentamente, e ele alcançou
meu rosto. Ele puxou uma mecha de cabelo molhada atrás da
minha orelha, arrastando o movimento o máximo de tempo
humanamente possível. — Posso te beijar?

— O quê?

A respiração dele provocou meus lábios. — Posso te


beijar? — Ele repetiu, como se não tivesse perdido tanto tempo
me ignorando.

Minha respiração tremeu, e eu engoli o máximo de


emoção e indignação que pude. — Eu mereço melhor.

— Sim, você merece. Você merece tudo.

Ele pressionou seus lábios contra os meus, esmagando-


os em mim como se pudesse empurrar nove anos de amor em
um só beijo. Eu abri minha boca para dizer “Como você se
atreve?”, mas ele escorregou sua língua pelos meus lábios. E o
estúpido e tolo coração embaçou meu cérebro sem sentido, até
que eu devolvi seu beijo, meu coração na garganta, ao
encontrar sua língua com a minha, precisando estar mais
perto dele.

Foi o meu primeiro beijo. E foi descuidado, molhado,


aquecido e perfeito. Ele respirou em minha boca, e eu o engoli,
tentando absorver o máximo dele que pude. Era uma noite
úmida sob as estrelas. O Tic-Tac laranja usado como moeda.
Risadas dos domingos de espaguete na cozinha. Éramos nós,
e eu estava tonta. Com vertigem. Sem fôlego, como a chuva
úmida que grudava o meu cabelo ao seu rosto, escorregava
entre nós e empilhava umidade sobre nossa pele encharcada,
como pequenas amantes acariciando-as umas às outras.

Ele me virou de costas e se deslocou, então pairou sobre


mim, seu corpo inteiro colado ao meu enquanto sua língua
acariciava o céu da minha boca. Eu queria mais. Precisava de
mais. Passei meus dedos debaixo de sua camisa, explorando
as bordas duras de cada músculo abdominal, mais definidas
do que eu havia me lembrado que eram.

Os trovões dispararam pelo céu, e momentos depois,


seguiram-se relâmpagos.

Nós nos afastamos, e Ranie olhou para o céu como um


lutador de olho no seu maior rival. — Deveríamos entrar. Eu a
acompanho de volta ao seu apartamento.

Eu hesitei, querendo prolongar isto... o que quer que isto


fosse. — O que acontece agora?

Os nós dos dedos dele escovaram levemente minha


bochecha, e ele os deslizou pelo meu rosto até chegar ao meu
queixo. Com seu polegar, ele empurrou meu lábio inferior para
baixo, separando meus lábios. — Pergunte-me o que eu quero.

Eu falei ao redor de seu polegar, minha língua escovando


levemente contra sua pele com cada palavra: — O que você
quer?
— Você.

Ele pressionou seus lábios contra os meus para dar mais


um beijo. Foi curto e doce, e assim, tão certo. Ele me
empurrou, ficou de pé, e me ajudou a levantar. De mãos dadas,
ele me acompanhou de volta para casa, como ele teria feito
naquela época.

Eu estava sorrindo no dia seguinte, quando chegou a


hora do almoço. Voltei-me para Brody, que me observou como
se eu tivesse acabado de brotar uma coroa e declarado esta
escola meu território. — O quê?

Ele balançou a cabeça, um sorriso leve enfeitando seus


lábios. — O que te deixou toda sorridente?

— Nada. — Mas o sorriso nunca saiu do meu rosto


enquanto esperávamos na fila para a comida, e eu
discretamente fiz uma varredura na cafeteria por Ranie.

Como de costume, conversas se prolongaram enquanto


ele e Niccolaio entravam na sala. Seus olhos pegaram os meus,
permaneceram em Brody e voltaram para Niccolaio. Eu esperei
que ele se aproximasse de mim. Para acenar. Reconhecer-me.
Qualquer coisa depois daquele beijo.

Em vez disso, ele tomou um lugar entre Niccolaio e Lacy


e me ignorou.

O mesmo no dia seguinte.

E no dia seguinte.
E no dia seguinte.

Ranie tinha razão naquela noite, ele tinha roubado meu


primeiro beijo – eu não entendi.

Mas eu entendi que tínhamos acabado antes de


começarmos.
CAPÍTULO CINCO

A culpa é a raiva dirigida a nós mesmos – com o que fizemos


ou não fizemos. O ressentimento é raiva direcionada aos outros
– no que eles fizeram ou não fizeram.
– Peter McWilliams

Presente

— Qual é o inferno do seu problema? — Gallo entrou em


meu escritório, sem ser convidada e sem aviso prévio. O sutiã
de renda revelador e a calcinha colada em sua pele me deixou
duro em um instante.

Empurrei minha cadeira mais abaixo da escrivaninha, e


eu com ela, enquanto ajustava minha ‘madeira’6 debaixo da,
bem, madeira. — Sabe, para alguém que insiste tanto em me
ignorar, com certeza está fazendo um trabalho horrível.

— Eu adoraria ignorá-lo, Ranieri. Eu realmente,


realmente adoraria. Mas quando você faz merdas como esta,
— ela acenou uma folha de papel no ar, — é muito difícil, porra.

6O personagem usa a expressão “wood” que significa ereção, mas a palavra também pode significar
madeira.
Isso foi uma, duas, três palavras de maldição desde que
ela entrou. Foi engraçado. Eu sorri, arranquei a folha de papel
da mão dela, e o segurei. Ela tinha impresso o e-mail que eu
lhe enviei ontem à noite. É claro, ela tinha. Ela era dona de um
telefone da era Backstreet-Boys. Provavelmente não tinha nem
internet, muito menos e-mail.

Eu entreguei de volta o papel e desviei meu olhar para a


tela da minha área de trabalho, assim não tive que ficar
olhando para a tentação em lingerie. — Qual é o problema?

Ela arrancou-o dos meus dedos. — O problema é você.


Quem você pensa que é, dizendo-me que eu não sou mais uma
garçonete aqui?

— Eu sou seu chefe. E você foi promovida a gerente. —


Eu devolvi meu olhar para ela, e foda-se, ela era linda. — Não
é como se eu tivesse te despedido.

— Eu não ganhei essa promoção. — Ela cruzou os braços,


e os seios dela saltaram no movimento.

Meu olhar permaneceu por um segundo muito tempo


antes de eu levantar os olhos para os dela. — Eu acho que você
merece.

— Ninguém mais pensa isso. As pessoas já estão falando.

— Que se fodam as pessoas. Você e eu sabemos que


nenhum deles importa. — Um brilho malicioso cintilava em
meus olhos e eu não conseguia segurá-lo, mesmo que
quisesse. E eu não queria. — O que eles estão dizendo?
— Uggggh! — Era adorável como ela estava nervosa.
Realmente.

Eu estava sorrindo mais do que jamais havia sorrido


desde... bem, desde que éramos amigos. — Eles estão dizendo
que estamos fodendo, não estão?

— Não é engraçado, Ranieri Luca Andretti. — Ela se


lembrou do meu nome do meio.

Eu estava radiante. — É um pouco engraçado. — A


irritação nos olhos dela aumentou, mas foi tão cativante, que
mal consegui me acalmar. — Quer que eu esclareça as coisas?

— Como?

Eu apontei para a porta. — Eu poderia sair agora mesmo


e anunciar que não estamos fodendo, mas gostaria que
estivéssemos.

Ela fez uma careta. — Você pode deixar esclarecer as


coisas, devolvendo-me meu antigo emprego.

— Não vai acontecer, Gallo.

— É Carina para você. Pare de agir como se ainda


fôssemos amigos, Ranieri.

— Seria tão ruim se fôssemos?

— Sim. — Ela deu um passo atrás, distanciando-se o


mais longe de mim que a sala permitiria. — Porque num
segundo seríamos perfeitamente felizes e no segundo seguinte
o tapete será arrancado de debaixo de mim e eu ficarei
consertando um coração partido.

— Eu fiz, Gallo?

— Carina, — ela corrigiu.

— Responda à pergunta.

Ela cruzou os braços, a postura defensiva anulando a


minha diversão. — Você fez o quê?

— Eu quebrei seu coração?

Ela me encarou diretamente nos olhos, seu orgulho tão


inabalável quanto sua determinação de me odiar para sempre.
— Você o eviscerou.

Minha mandíbula se apertou. — Sinto muito. Eu quero


dizer isso.

— Talvez você sinta. Não muda nada.

— Você alguma vez vai me dar outra chance?

— Apenas me dê meu antigo emprego de volta.

— Não. — Eu olhei para o conjunto dela. — Seja minha


gerente.

Será que eu a queria fora dessas roupas que deixavam


tudo a mostra? Em público, sim.

Será que eu a queria aqui, ao meu lado? Claro que sim.


E ela teria um salário mais alto e um melhor ambiente de
trabalho. Eu poderia lidar com os rumores, fazer com que
todos calassem suas bocas idiotas. Por que isso era, sequer,
uma discussão?

Ela inclinava o queixo para cima. — Não. Há muito mais


dignidade lá fora com uma bandeja de garçonete do que aqui
dentro com você. — Ela se virou e saiu porta a fora.

Certo, então ela ficou brava. Ela tinha todo o direito de


estar. Mas eu a descongelaria. Eu sabia o que queria. Eu
sempre soube.

E eu estava finalmente em condições de persegui-la.

— Espera, o quê? — Brody balançou a cabeça, incrédulo


em cada respiração. — Pensei que tínhamos acabado com
aquele cara quando nos formamos no colegial.

Eu gemi. — Nós acabamos, Brody.

Eu tinha acabado de informá-lo sobre Ranie comprando


o clube e minha promoção não merecida. Eu não queria que
ele se preocupasse – ele sempre se preocupou – mas as
vantagens de ter um melhor amigo era ter alguém para ajudá-
la a suportar as porcarias da vida.

Eu não mencionei como meu coração ainda se lembrava


de Ranie como se ele estivesse impresso no meu corpo. Como
eu me peguei tentando dar uma olhada nele ao terminar meu
último turno como garçonete.
Será que eu estava feliz por parar de desfilar no The Down
& Dirty em lingerie diante de olhares de desagradáveis? Claro
que sim. Mas eu não entendi os motivos de Ranie. Ele poderia
ter me tido quando éramos adolescentes. Tudo o que ele tinha
que fazer era pedir.

Ao invés disso, ele me ignorou durante todo o ensino


médio e, por sua vez, eu fui intimidada dia após dia. Agora, ele
estava de volta, e esperava que eu, de repente, ficasse bem?
Meu coração pode ter sentido falta dele, mas meu cérebro não.

Brody me atirou uma camisa.

Eu a peguei. Estava velha, desleixada e tinha buracos em


lugares onde não deveria haver buracos. — Você está falando
sério?

Eu estudei Brody. Ele tinha cortado seu cabelo louro há


algumas semanas, e agora estava cortado num corte de
cavalheiro, como a versão Fantastic Sam7 do penteado de
Ranie. Brody tinha crescido em sua estrutura alta, e ele podia
ser modelo ao luar.

Tive pessoas ao longo dos anos me perguntando por que


nunca fui para Brody. Talvez eu devesse ter pensado nisso. Eu
amava o Brody. Eu realmente amava. Mas eu não o amava
dessa maneira. Quando olhava nos olhos verdes de Brody,
tudo o que via era como eles não eram tão vívidos quanto os
olhos verdes de Peter-Pan de Ranie.

7 É a maior rede americana de serviços completos de cabeleireiros nos EUA e no Canadá.


Mas, em momentos como estes, eu suspeitava que Brody
gostava de mim.

Atirei a camisa de volta para Brody. — Você pode me


encontrar uma camisa que não me faça parecer uma sem-teto
dos anos oitenta rejeitada?

Ele me deu a pior peça do meu armário a noite toda. Ele


claramente não queria que eu fosse nesta viagem de negócios
noturna com o Ranie, mas não era como se eu tivesse muita
escolha. Ranie não tinha cedido, e a falta de desistir, o que era
inaceitável, fez de mim sua gerente.

Aparentemente, ele estava procurando expandir The


Down & Dirty para South Beach e queria que eu o
acompanhasse em procuras a um imóvel.

— Por que você está indo, C?

— Eu já lhe disse. Apenas um ano deste salário, e eu


posso colocar a loja do pai de volta nos eixos e talvez sair desta
cidade sugadora de almas. — Eu estava recebendo um salário
de seis dígitos, mais do que receberia em cinco anos
trabalhando como garçonete no The Down & Dirty.

— Ei, eu vivo nesta cidade sugadora de almas.

— Eu o visitaria, é claro. — Enviei um sorriso em sua


direção. — Ou você é sempre bem-vindo para vir comigo.

Ele arqueou uma sobrancelha. — Só um ano?

— Um ano, — eu jurei.
Quão difícil poderia ser?

Dez anos atrás.

Desliguei o telefone na cara de Niccolaio.

Ele estava no meio de uma frase, mas eu não estava com


disposição para as suas besteiras. Era o mesmo velho discurso
“fique longe da Gallo” que me irritava durante os últimos dois
anos. Ao crescer, eu já tinha ouvido o suficiente do meu pai.
Eu não precisava disso de Nick também.

Um sênior aleatório combinou com meus passos. — Onde


vamos hoje à noite? — Será que ele não percebeu como era
patético idolatrar uma criança de quinze anos?

Dificilmente tinha colocado um pé em solo Diavolo High e


meu status de rei já tinha sido cimentado para o novo ano.
Típico. Deveria ter sido o trono de Niccolaio, mas, de alguma
forma, ignorando todos e geralmente não ligando para nada,
eu me tornaria o evasivo e misterioso bad boy de uma das
histórias do Wattpad de Gallo e da coroa roubada de Nick.

Eu não a queria, mas ele também não a queria. Então,


onde isso me deixou? Ser perseguido por minha marca pessoal
de groupies, como Justin Bieber em uma turnê esgotada. Ele
era outro dos prazeres secretos de Gallo, e como se eu
precisasse da lembrança dela, ela passeava pelo corredor,
parecendo mais gostosa do que qualquer garota de macacão
tinha o direito de ser.

Eu me lembrava disso. Eram minhas da peça de teatro da


escola que vestimos na sexta série. Um dos ombros havia sido
deixado propositadamente desabotoado, expondo um cropped
curto rendado que ela não tinha o direito de usar. Ela apertou
a cintura e os cortou em shorts curtos, e suas pernas longas
espreitavam por baixo do tecido jeans.

Foda. Me.

Brody se aproximou dela por trás e cobriu seus olhos


como se fosse o Chad Michael Murray fazendo uma audição
para um RomCom (comédia romântica) de grau B. Um sorriso
se espalhou pelo rosto dela, e ela riu de algo que ele disse. Seus
seios pequenos, subindo a cada risada, e eu o peguei olhando
para eles sob a renda da camisa dela.

Bastardo.

Um sorriso tocou meus lábios. Eu me perguntava como


ele se sentiria se soubesse que, todo esse tempo depois, minha
garota ainda usava minhas roupas. Ela arrancou as mãos dele
– boa garota – e quando ela abriu os olhos, eles pousaram nos
meus. Alguns metros e um oceano de miséria nos separaram,
mas ela me pegou olhando fixamente.

Foda-se.

Ela segurou meu olhar.

Olhe para longe. Olhe para longe. Olhe para longe.

Eu não sabia quem eu estava implorando – eu ou ela?

— Então... para onde estamos indo de novo? — Perguntou


o sênior novamente. Salvar a pele claramente não era o seu
forte.

Agradecido pela interrupção, eu me voltei para ele e


enfrentei a multidão que se reunira ao meu redor, como peixes
famintos que caçam camarões, assim como os que Gallo e eu
costumávamos atirar em lagos. — Uma festa.

Sempre a oportunista, Lacy se inclinava para dentro de


mim e falou: — Minha melhor amiga está dando uma. — Ela
cutucou uma menina. — Certo?

A pobre garota guinchou e acenou com a cabeça como as


bonecas bobblehead8 que Gallo e eu costumávamos roubar da
loja do pai dela quando tínhamos oito anos.

— Tanto faz.

8 Essa boneca tem a cabeça maior que o corpo e ficam balançando para frente e para trás.
Eu não me importava quem fazia a festa, desde que Gallo
não estivesse lá.

Porque, se eu a visse usando algo meu novamente, nem


mesmo um furacão poderia arrancar minhas mãos dela.

Presente.

Ele me pegou no parque, onde havíamos compartilhado


nosso primeiro beijo. Provavelmente não foi a melhor das
ideias, mas meu pai tinha passado pelo meu apartamento, e
enquanto morávamos em unidades próximas um do outro, eu
não podia expulsá-lo. E entre papai me pegar com Ranie e eu
me encontrar no parque, eu escolhi o último.

Ranie ficou em frente ao parquinho, olhando para o lugar


onde eu dei meu primeiro beijo há tantos anos. Aproximei-me
dele o mais silenciosamente que pude por trás, mas com minha
velha mala sendo puxada atrás de mim, interrompi a noite
tranquila.
Ainda assim, ele olhava fixamente para aquele lugar,
mesmo quando eu estava ao seu lado. Aquele beijo havia me
assombrado durante a última década, e eu não precisava ficar
em frente ao parquinho público ao lado do objeto de meus
desejos para me lembrar dele em alta definição.

Por isso, desviei meu olhar para Ranie. O poste de luz


iluminava seu rosto, e ele usava um longo casaco preto de
designer sobre seu terno feito sob medida, apesar da noite
úmida e quente de abril, como se nem mesmo o calor da
Flórida pudesse tocá-lo. As sombras acentuaram suas maçãs
do rosto altas, e embora eu não tivesse esquecido o quão
devastadoramente bonito ele era, ele ainda me roubava o
fôlego.

Eu estava preparada para a raiva e o confronto, mas


enquanto estudava seu rosto e a emoção em seus olhos, a luta
em mim esvaziou. — O que há de errado?

Mesmo assim, ele manteve seus olhos verdes de


Kryptonita treinados naquele local. — Minhas fontes
encontraram Niccolaio esta manhã. Ele está em algum lugar
da cidade de Nova York.

Eu tinha ouvido falar de como Niccolaio matou seu tio e


fugido. Cristiano Andretti tinha vasculhado a cidade em busca
de seu filho. Nos seis meses seguintes, eu vi soldados Andretti
em todos os lugares aonde eu ia. Mais de sete anos depois, eu
imaginava que Niccolaio ainda estava livre.

— O que você vai fazer?


— Eu coloquei uma recompensa nele. Cinco milhões de
dólares.

Eu engoli um suspiro. — Mas ele é seu irmão.

— Sangue não significa nada. Família não significa nada.


Não muda o fato de que as pessoas desapontam você. — Ele se
virou para me enfrentar. — Você, de todas as pessoas, deveria
saber disso.

Eu suguei o fôlego. — Isso foi desnecessário. Não fale de


minha mãe.

— Eu não estava falando de sua mãe.

Isso deixou o meu pai. O que não fazia sentido nenhum.


Além de lamentar sobre a mãe, meu pai nunca me havia
desapontado.

— Podemos ir? — Eu não tinha tempo para os enigmas


dele. Eu queria terminar este fim de semana.

Ele acenou com a cabeça e andou para o Range Rover.


Quando eu fiquei para trás, as rodas da minha bagagem de má
qualidade pegando cada fenda no pavimento, ele rolou os
olhos, carregou minha mala e acelerou seu ritmo. Eu era alta,
mas ele era mais alto, e eu corri para alcançar seus longos
passos.

Ele abriu a porta do passageiro para mim, esperou até eu


me acomodar no banco e a fechou. Jogando minha mala no
porta-malas, ele deslizou suavemente para dentro do banco do
motorista e ligou o motor. — Sobre o que eu disse antes... —
Ele fez uma pausa e demorou a continuar. — Você pode
esquecer tudo o que eu disse?

Mordi meu lábio. — Eu não contaria nenhum de seus


segredos. — Durante anos, eu já sabia tudo sobre os atos
nefastos de sua família e nunca havia contado a ninguém. Nem
mesmo ao Brody ou ao meu pai.

— Eu sei.

Ele encontrou meus olhos, e nós compartilhamos um


olhar.

Compreensão. Apreciação. Respeito.

Encheram o carro, cada segundo da história mais


doloroso do que o próximo. Eu precisava que este fim de
semana – este ano – passasse rapidamente, porque estava
ficando claro o quão implacáveis eram os sentimentos que
antes tínhamos compartilhado.
CAPÍTULO SEIS

O pior ressentimento que qualquer pessoa pode ter é um que


você se sente justificado para manter.
– Louis Gossett, Jr.

Enviei um texto para Isa, minha empregada, para levar a


Spaghetti em uma caminhada. A Spaghetti era a mistura de
husky com labrador de olhos azuis e pelo branco. Eu a tinha
conseguido como filhote há sete anos, e a última coisa que eu
precisava era que Gallo a visse. Ou que ela descobrisse que o
grande e mau chefe da máfia tinha uma cachorra chamada
Spaghetti.

— O que estamos fazendo aqui? — A voz de Gallo tremeu


enquanto eu passava os portões da propriedade de minha
família.

Exceto pelo meu pessoal do dia a dia, só eu vivia aqui. Tio


Luca, mamãe e papai estavam mortos, e Niccolaio estava morto
para mim. Em breve, ele estaria realmente morto. E quando eu
terminasse minha volontà del re, o que eu não tinha pressa de
fazer, Luigi também não teria razão para passar por aqui.
Eu a olhei de relance. — Estamos parando em minha
casa. Eu tenho que me trocar e pegar minha bagagem.

— Oh. — Ela saiu do carro em passos trêmulos quando


eu estacionei, e uma inquietação se espalhou pelo rosto dela
quando ela entrou na mansão pela primeira vez em mais de
uma década. Quase duas. — Parece a mesma coisa que eu me
lembrava.

— Eu não mudei nada. — Eu acenei com a cabeça para


Matteo, meu mordomo, enquanto ele nos abria a porta.

— Parece tão... vazio. — Os olhos de Gallo se alargaram,


e ela me deu um giro com a cabeça. — Sinto muito. Eu não
quis dizer isso. Sinto muito pelo seu pai. — Ela até fez a tristeza
ficar bonita.

— Você ouviu falar sobre isso?

Ela estava andando na minha frente, dirigindo-se para a


minha ala da mansão como se fosse apenas ontem desde a
última vez que ela veio aqui, mas às minhas palavras, ela se
virou. — Brody me disse, e seus amigos do colegial lhe
disseram.

Certo. Brody. Aquele filho da puta.

Eu engoli minha irritação com o babaca que estava


tentando roubar minha garota desde que pôs os olhos no que
era meu. — Isso aconteceu três anos atrás. Em quatro de
dezembro. — Eu abri a porta do meu quarto e a deixei entrar
primeiro.
Ela pegou um travesseiro – seu travesseiro de quando
tínhamos dormido no Jardim de Infância e na escola primária
– e se deitou na beira da minha cama. Eu nem achei que ela
percebesse o que estava fazendo, ou qual travesseiro ela estava
usando.

— Sinto muito, Ranie. Eu sei o quanto vocês eram


próximos. Não conseguia imaginar como me sentiria se meu
pai falecesse.

A verdade é que eu estava um pouco zangado por ela não


ter estado lá por mim quando isso aconteceu. Ela deveria estar.
Se tantas pessoas não tivessem se intrometido em nossa
amizade, eu não tinha dúvidas de que Carina Gallo e eu
estaríamos juntos agora mesmo. Provavelmente, até mesmo
casados.

Mas essa não era a nossa realidade. E não importava o


quanto eu tentasse desligá-la, não conseguia deixar de estar
apaixonado por ela. Foi por isso que eu a afastei todos aqueles
anos atrás. Foi por isso que eu tinha pedido um favor para lhe
conseguir aquela bolsa de estudos em Duke. E era por isso que
meu pulso batia na minha garganta sempre que ela estava por
perto.

Peguei a bagagem da Louis Vuitton no meu armário e


voltei para a área central do meu quarto. Honestamente, eu
poderia ter um dos funcionários da minha casa arrumando-a
para mim, mas não pude resistir de ver Gallo em minha casa
depois de tanto tempo. E ela parecia em casa aqui.
Verdadeiramente.

Os olhos dela encontraram os meus quando eu saí do


closet. Suas bochechas estavam corando e ela tinha minha
gaveta de cabeceira aberta como a pequena bisbilhoteira que
ela sempre foi. — O que é isto?

Eu engoli meu gemido. Eu não precisava olhar para saber


do que ela estava falando. — Não se intrometa, Gallo.

Ela tirou o vestido vermelho da gaveta. — Você guardou


isto? Mas eu o joguei fora naquela noite no parque.

E, assim como um bobo, patético e apaixonado que eu era


e ainda sou, eu o tinha tirado do lixo assim que o vi. E o
mantive ao lado da minha cama por mais de uma década,
depois que mandei Isa lavá-lo com o sabão que Gallo sempre
usava.

Ela o segurava no nariz e o cheirava, com o rosto


atordoado. — Isto cheira a…

Você.

Cheira como você, Gallo.

Como rosas; e magnólias; e madeira de cedro; e maçãs; e


noites úmidas de verão no parque, onde roubei o que foi seu
primeiro beijo; e os domingos de espaguete na sua casa Gallo,
onde cozinhamos espaguete na cozinha de seu pai, como se
fôssemos marido e mulher, e você era a chef que sempre quis
ser; e aqueles lindos olhos azuis de hortênsia de que eu sentia
tanta falta que comprei um cachorro com os mesmos olhos azuis
e lhe dei o nome de Spaghetti.

Peguei o vestido de suas mãos, coloquei-o na gaveta e


virei-me para sair. — Estamos atrasados para nosso voo.

— Voo? — Ela se mexeu, mas olhou de volta para a


gaveta, uma pergunta na ponta da sua língua.

Eu não deixei que ela a expressasse. — Eu não gaguejei.

Eu era um idiota, mas odiava me sentir vulnerável. Talvez


se nosso relacionamento fosse o que já era, eu teria contado
tudo a ela. Mas nossa história não era algo que eu pudesse
cortar como manteiga. Estava cheio de ossos e cartilagens que
precisavam ser colhidos, picados e manuseados com cautela.

— Mas South Beach fica a apenas duas horas e meia de


carro de Miami Beach.

— Exatamente.

Enviei um texto ao meu assistente para que o avião fosse


preparado para decolagem o mais rápido possível. Para ser
honesto, eu não tinha planejado voar. Estava ansioso por duas
horas e meia em um carro com Gallo, mas eu entrei em pânico
quando ela viu O vestido e, como um pré-adolescente nervoso
em um encontro com uma garota fora de seu campeonato,
desfocou a primeira coisa em que pensei.
Eu precisava que Gallo me desse uma chance de
reconquistá-la, e eu ficaria amaldiçoado se eu a assustasse
primeiro.

O voo privado de vinte e quatro minutos, de desperdício


de combustível, passou em silêncio. Eu ficava olhando para
Ranie, que parecia confortável banhado em luxo mas
desconfortável sob meu escrutínio. Mas eu não pude evitar.

Ele tinha ficado com o vestido.

Ele. Manteve. O. Vestido.

Eu não sabia como me sentia a respeito disso. Certo, isso


era mentira. O bater do meu pulso consumiu meu corpo, e
cada vez que eu olhava para ele, eu achava difícil respirar.
Havia tantas perguntas que eu queria fazer, mas não
conseguia fazer porque tinha medo das respostas dele. Com
medo de que, se ele dissesse o que eu acho que diria, eu cairia.
Mais forte do que eu jamais havia caído.
Quando chegamos ao hotel cinco estrelas em que Ranie
fez nossa reserva, eu mesma já havia me silenciado.

— Você tem certeza? — Ranie parecia um homem não


acostumado a não conseguir o que queria, pois perguntou,
pela quinta vez, se eles tinham ou não um quarto extra.

Foi ele quem reservou uma suíte Ele-e-Ela9 para nós, e


agora era como se isso fosse a última coisa que ele queria. Eu
estava quase ofendida, exceto que também não estava muito
interessada em dividir um quarto com ele. Não quando as
emoções corriam tão altas entre nós.

A senhora da recepção, que tinha passado de flertadora a


apreensiva, desgastada a cada reiteração, repetiu: — Sinto
muito, Sr. Andretti, mas o hotel está completamente lotado.
Nós já cancelamos e reembolsamos um cliente habitual
quando você fez a reserva de última hora esta manhã.

Ele endireitou. — Bem, cancele e reembolse outra pessoa.

— É quase meia-noite, senhor.

— E?

— Eu... eu...

— Ranie, — eu interrompi, tendo pena dela. — Está tudo


bem. Vamos dividir um quarto. Nada de mais.

Exceto que era um grande negócio.

9 Suíte com espaços separados para o casal.


Uma grande porra de negócio.

— Este é o meu hotel. Estarei condenado se não


conseguir um quarto no meu próprio hotel.

Claro, era o hotel dele.

Eu mal podia pagar um apartamento de estúdio de


merda, e ele era dono de um hotel à beira-mar em South
Beach.

— Eu entendo isso, mas é tarde, e quero dormir. — Eu


bocejei por precaução. — Podemos simplesmente ir para a
cama? E se você quiser seu próprio quarto amanhã, você pode
assediar a pobre senhora pela manhã.

Ele estreitou os olhos. — Eu não assedio as pessoas.

— Oh, meu Deus. — Discutir com ele era inútil. Eu me


virei para a senhora hostilizada. — Posso ter a chave do
quarto? — Quando ela me entregou uma, eu fui até o elevador
e disse atrás de mim: — Siga, se quiser. Eu não ligo. Eu vou
para a cama.

Ele me seguiu, e quando as portas do elevador se


fecharam, voltamos ao silêncio excruciante. A este ritmo,
podíamos fazer um filme mudo desta viagem. Mas ele se voltou
para mim, e a urgência em seus olhos, como se esta viagem
estivesse se afastando dele, falou mais do que as palavras
jamais poderiam.
Meu coração mergulhou e precisava correr para fora do
meu corpo. Toda mulher merecia um homem que olhasse para
ela como Ranie estava olhando para mim. Como se nada mais
o satisfizesse, a não ser eu.

Ele se aproximou de mim, seu controle escorregou


visivelmente. — Por que é que você é a única mulher que pode
me colocar de joelhos?

— Não te vejo ajoelhado. — Minha falsa bravata foi uma


porcaria, mas era a única coisa que estava entre nós e as más
decisões que eu queria tão desesperadamente tomar.

Ele se abaixou lentamente.

— O que você está fazendo? — Eu o peguei nos ombros,


tentando levantá-lo de pé. — Levante-se!

— Você quer que eu me ajoelhe, e eu me ajoelho. — Ele


olhou para cima para mim. — Diga-me o que você quer de mim,
Gallo, e eu o farei.

— Queria que você voltasse no tempo, e queria que não


tivesse me ignorado. Queria que você apagasse os últimos onze
anos, em que eu senti que não conhecia meu melhor amigo. —
A realidade me encharcou instantaneamente. — Você não é
mais meu melhor amigo. Eu não te conheço. Não sei se você
ainda embebe seus cereais em leite até que fiquem
nojentamente encharcados. Não sei se você ainda deixa seus
calçados amarrados porque odeia amarrá-los de volta. Não sei
se você ainda procura o enredo do filme on-line antes de
assistir a um filme porque odeia surpresas mais do que
qualquer outra coisa. Eu. Não. Conheço. Você. Ranie.

Ele se endireitou em seus pés, seus movimentos foram


lentos e propositados. As portas do elevador se abriram, mas
nenhum de nós se moveu. Ele se estendeu, e a mão dele tocou
o meu rosto. — Você vai me conhecer?

Se eu dissesse que sim, parecia que estava perdoando


tudo o que ele tinha feito comigo. Partindo meu coração.
Ignorando-me. Permanecendo de pé enquanto todo o corpo
estudantil me aterrorizava por quatro malditos anos.

Mas, meu Deus, eu queria dizer que sim.

Você merece mais, Carina Gallo.

Eu odiava aquela vozinha. Era o diabo no meu ombro ou


o anjo?

De qualquer forma, dei um passo atrás e sussurrei: —


Não.
Dez anos atrás

— Onde você estava hoje à noite? — A voz de papai veio


do corredor, ecoando do chão de mármore dourado. Nas
sombras, ele parecia sinistro, mas eu supunha que esse
poderia ter sido o ponto.

— Eu estava com Niccolaio. — Eu comecei a passar por


ele. — Fomos a uma festa algumas ruas abaixo. A amiga de
Lacy a chamou.

O pai gostaria disso. Ele tinha me pressionado para


persegui-la, e ela tinha sido uma boa distração por um tempo,
mas eu queria a coisa real. Não a imitação de cabelos loiros e
olhos azuis de Gallo. E se eu fosse honesto, nunca deveria ter
me contentado com Lacy quando ela me perseguiu. Eu me
sentia só. Ela estava lá. Nada mais.

Foi uma má decisão em uma vida cheia de más decisões.

O pai bloqueou o caminho. — Então, por que você estava


em North Beach?

Eu congelei. — Você está me seguindo?

— Responde à pergunta, filho.

Corri uma mão cansada pela minha cara abaixo. — Sim,


eu estava em North Beach.
Beijando o amor da minha vida.

Sua voz rígida se endureceu. — Você estava com aquela


garota Gallo?

Sim, e se eu estivesse do meu jeito, eu estaria com ela a


cada segundo de cada dia.

— Você me disse para me afastar dela.

— Eu disse. — Ele me perseguiu. — É melhor você se


lembrar disso, ou sabe o que vai acontecer.

Foda-se, pai.

Eu encontrei os olhos dele. Minutos passaram antes que


ele finalmente olhasse para o lado. Eu me virei e me dirigi para
a porta da frente.

— Onde você está indo? — Ele estava perdendo o controle


sobre mim, e ele sabia disso. — Eu estou falando com você!

E porque eu estava bem ciente de que ele poderia fazer de


minha vida um inferno – já estava fazendo – eu disse atrás de
mim, — Tio Luca!

A única pessoa, além de Niccolaio, que meu pai não tinha


roubado de mim.
Presente.

Eu não vou desistir, Gallo.

Ranie tinha me dito isso antes de pegar um travesseiro e


um cobertor da cama king size e ir para o sofá na área comum
da suíte. Eu havia fechado a porta do quarto, tentando colocar
o máximo de limites entre nós.

Isso não ajudou.

Passei a noite virando e revirando. Ele fez parecer tão


simples, como se eu só precisasse dizer “Sim!”, e todos os
problemas que nos atormentavam iriam se dissipar. Mas nada
poderia mudar o que havia acontecido no colégio e eu não
podia começar a perdoá-lo se ele não se explicasse. Mesmo que
fosse ridiculamente engraçado que ele tivesse mantido o
vestido vermelho todos esses anos depois.

Ranie saiu do banheiro, seu cabelo molhado e uma toalha


branca fofinha enrolada na cintura. Pequenas gotas de água
deslizaram pelo peito, empurrando suas linhas em V definidas,
e desaparecendo sob a toalha que nada fez para esconder sua
impressionante protuberância. Eu me virei, mas não antes que
ele me visse olhando.
— Você parece cansada, Gallo.

Eu estou, graças a você.

Mantive meu rosto treinado na tela plana, onde Uma linda


mulher havia voltado de um intervalo comercial. — Estou bem
para nossas reuniões de hoje.

Ranie tinha um livro de corretores imobiliários para os


potenciais imóveis que o The Down & Dirty poderia expandir.

— Então, o tempo de confissão... — Ele fez uma pausa, e


eu me voltei imediatamente para ele, esperando que finalmente
ele esclarecesse a escola secundária. — Eu não quero expandir
The Down & Dirty.

Minhas sobrancelhas franziram. — O quê?

— Quero dizer, eu vou, se é isso que você quer.

Eu revirei meus olhos. — Eu não quero saber do The


Down & Dirty. Por que estamos aqui se não para expandir o
clube?

Ele teve a audácia de não parecer culpado. — Miami


Beach é tóxica. Sempre foi. Precisávamos fugir dali.

— Quem é 'nós'? Porque eu não fui consultada sobre nada


disso.

— Eu quero você, Gallo. — Ele se ajoelhou, então ficamos


à altura dos olhos. — Está bem? Dê-me só este fim de semana.
Por favor.
Eu abri minha boca para recusar. De verdade. Mas me vi
dizendo: — Sim, — porque este era Ranie, e eu o amei em um
momento da minha vida.

Talvez este fim de semana com ele fosse o que eu


precisava para seguir em frente.
CAPÍTULO SETE

Ressentimento, amargura e velhos rancores eram coisas


mortas, que apodreceram as mãos de quem os agarraram.
– Winston Graham

Nove Anos Atrás

— O que você está fazendo?

Brody pulou enquanto eu me aproximava dele por trás,


todo seu corpo sacudindo ao som da minha voz. Eu sorri, não
acostumada a ser capaz de esgueirar-me para cima das
pessoas, mas ele parecia concentrado com a cabeça baixa e os
dedos pressionados contra as grades do meu armário.

Eu ainda conseguia ler com dificuldade a palavra


“Perdedora” que havia sido pintada em spray no metal azul há
alguns meses. Fiquei bastante impressionada com a equipe de
limpeza. Eles tinham feito alguns juniores esperarem sete
meses para que as pichações em seu armário fossem limpas,
mas “Perdedora” foi lavado do meu armário quando eu voltei
depois da aula. Mesmo a tempo, porque Ranie ficou diante do
meu armário, olhando de relance o que sobrou da palavra na
pintura azul feia. A tristeza pintou seus olhos, junto com algo
que parecia, mas que não podia ser, arrependimento.

Agradeci ao zelador no dia seguinte, mas ele alegou que


não limpou. E eu estava grata por sua ignorância fingida,
mesmo que a piedade tenha ferido meu ego.

Brody virou-se para me enfrentar. — Nada. Apenas vi algo


saindo do seu armário e tentei voltar a enfiá-lo.

— Oh. Obrigada. — Eu espreitei ao redor dele e vi meia


folha de papel dobrada saindo da minha grade do armário. —
Você está fazendo um trabalho horrível. — Meu divertimento
aumentou quando alcancei com meu dedo indicador e a enfiei
de volta em meu armário com um soco.

Brody rolou seus olhos para mim, e eu o esbarrei


levemente com meu quadril. Coloquei minha combinação do
armário, com o cuidado de inclinar meu corpo para mantê-la
escondida. Minha paranoia era alta, mas em minha defesa, se
o corpo estudantil pegasse minha combinação, eu encontraria
todo tipo de coisas adoráveis em meu armário até o pôr-do-sol.

A folha de papel dobrada flutuava até o chão enquanto a


porta do meu armário se abria. Eu me curvei para pegá-la, e
quando me levantei, meus olhos encontraram os de Ranie.
Seus olhos mergulharam para o papel na minha mão,
balançaram para Brody que olhou a folha de papel com
concentração incomum e voltou para seu armário. Eu poderia
jurar que vi os cantos dos lábios dele inclinarem-se para cima
antes que ele enterrasse seu rosto em seu armário.
— O que é isso? — Brody acenou com a cabeça para o
papel. — Um panfleto?

Eu o abri e o fechei imediatamente quando vi a linha de


cima: — Querida garota de olhos azuis. — Era provavelmente
uma carta de ódio, e eu não queria mais piedade de Brody. Ele
já tinha o suficiente em seu prato com sua última chance de
fazer os testes neste fim de semana e as finais do time de
basquetebol chegando.

— Nada. — Enfiei o papel no bolso de trás, onde ele ficaria


até eu passar por uma lixeira. — Tenho que ir para a aula. Vejo
você no almoço?

Ele acenou com a cabeça, distraindo as características de


seu rosto bonito. — Até mais, Gallo.

Eu pausei, inclinando minha cabeça. Só Ranie me


chamava de Gallo. E quando me virei para pedir ao Brody que
não o fizesse, ele já estava fora, e o corredor estava começando
a clarear. Eu tirei a carta do bolso, desamassei e joguei-a no
caixote do lixo sem lê-la, mas, por capricho de última hora, a
recuperei.

De relance para cima e para baixo no corredor para ter


certeza de que eu estava sozinha, eu aplainei a carta contra
um armário aleatório, suavizando as rugas e vincos.

Querida menina de olhos azuis,


Viu o que eu fiz lá? Mas, realmente, por que você está tão
triste, Gallo? Você não costumava ser assim. Você costumava
sorrir toda vez que olhava para o céu e acenava oi a estranhos
aleatórios porque eles olhavam bem para você. Onde está
aquela garota, Gallo? Eu sinto falta dela.

Você provavelmente não vai responder a isso. Tudo bem.


Eu não mereço e, sinceramente, não sei bem o que eu faria se
você respondesse de qualquer maneira. Você já se sentiu como
se fôssemos Romeu e Julieta? Falando em segredo. Amantes de
estrelas traiçoeiras. Esse tipo de coisa.

Isso é um exagero. Eu fico sem resposta tanto quanto você.


Você poderia imaginar se a peça fosse apenas Romeu? Romeu
a pincelar depois de uma Julieta esquecida. Romeu observando
de longe, já que é unilateral. Romeu se engajando em monólogos
grandiosos, sozinho. Romeu desesperadamente apaixonado. E
durante todo o tempo, Julieta nunca soube. Ou talvez ela apenas
o ignore. Mas ei, ambos acabariam vivos.

Você provavelmente pensa que sou louco. Espero mudar


isso um dia. Um dia, eu ascenderei e a levarei comigo, mas
tenho a sensação de que você já estará lá. Talvez então
possamos estar juntos.

Assinado,

Outro Grandioso Monólogo de Romeo Solitário

P.S. Eu só guardei a merda idiota porque eu sou aquele


idiota que escreve cartas de amor em caneta.
Uma carta de amor.

Para mim.

Carina Amelia Gallo.

Era quase inacreditável, e se eu não estivesse segurando


nos dedos, eu teria pensado que teria sonhado com esta carta.
Talvez tenha sido uma brincadeira. Nada disso fazia sentido de
qualquer maneira. Foi escrita como se fosse uma de muitas, e
noventa e nove por cento dela parecia enigmas e balbuciantes,
mas uma palavra se destacou – Gallo.

O solitário Romeu havia me chamado de Gallo.

Assim como Ranie faz.

Presente

— Alguma coisa errada? — Ranie virou-se de lado, seu


corpo escovando contra o meu, enquanto a cama fluía sob o
peso de seus movimentos.

Quando ele me pediu para lhe dar este fim de semana, eu


não pensei que ele quis dizer deitado na cama, vendo a versão
de Leo Di Caprio de Romeu e Julieta no Pay-per-View. Mas era
exatamente isso que estávamos fazendo há cerca de quarenta
minutos.

— Não. Só pensando.

Sobre aquela carta de ‘Romeu Solitário’, todos aqueles


anos atrás.

— Sobre?

Eu engoli um milhão de perguntas sobre o passado que


eu não podia fazer por medo de que ele me negasse novamente.
— South Beach. Eu nunca estive lá. Podemos explorar a
cidade?

Foi estranho saber que eu estava sendo cortejada


ativamente. Cada ação de Ranie, eu estudei. Cada palavra.
Cada movimento. Cada respiração. A satisfação.
Desapontamento. Tudo o que ele fazia gerava uma reação
binária, e não era justo para ele, mas também não era algo que
eu pudesse ajudar.

Eu suspirei de alívio quando ele acenou com a cabeça.


Fui trocar minhas calças de ioga e a camiseta caída no ombro,
mas ele me puxou até a porta, e eu não me dei ao trabalho de
protestar. Em sua calça de moletom e camiseta branca justa,
este foi o mais casual que o vi desde que nossa amizade
terminou, e eu não queria arriscar isso.

Eu me esforçava para acompanhar seus longos passos.


— Onde estamos indo?
Como tínhamos voado, não tínhamos carro, mas em vez
de usar o serviço de carro de seu hotel como eu pensava, ele
me levou até o Metrorail10. Eu nem pensei que alguém com seu
patrimônio líquido soubesse que ele existia.

— Quando as coisas ficavam muito difíceis em casa,


Niccolaio costumava me levar para South Beach. Passávamos
nosso dia no Metrorail porque papai não conseguia rastrear
nossos telefones através de todo este cimento subterrâneo. —
Ele agarrou minha mão e pagou os dois dólares cada um por
nosso caminho através dos portões de metal torcidos. — Eu
ainda venho aqui às vezes. Não com a frequência que eu
gostaria.

Isto deve ter sido uma separação pós-amizade. Ranie


estava colorindo nos detalhes de sua vida, as coisas que eu
havia perdido desde que tínhamos nos separado. Ele estava me
dando a oportunidade de conhecê-lo. Tudo o que eu tinha que
fazer era aproveitá-la. Eu me calava, esperando que ele
continuasse e me desse mais. Qualquer pedaço de sua vida
que eu pudesse devorar.

— O Metrorail não para em nenhum destino turístico,


então são principalmente os nativos que andam. É como uma
cidade aqui embaixo. — Ele me levou para além das multidões
agitadas. — Todo este dinheiro, e eu nunca estive em Nova
York. Nunca vi seus metrôs. Mas isto, — gesticulou ele, — é a
próxima melhor coisa.

10 Sistema de transporte ferroviário rápido de Miami.


— Por que você não vai para Nova York?

Ele agarrou minha mão, para que não nos perdêssemos


um ao outro, enquanto passamos por um grupo de pessoas
entrando no próximo trem. — Eu não posso. Cada família tem
suas fronteiras, e elas não podem ser passadas. Já estive em
território De Luca e Camerino. — Ele manteve sua voz baixa, e
eu me aproximei para ouvi-lo acima de todo o barulho. — Mas
a família Romano tem uma disputa de sangue de gerações com
a minha, e a família Rossi está ligada à família Romano pelo
casamento e pelo sangue. Ambos territórios estão fora dos
limites.

— Então, você vem aqui.

Ele acenou com a cabeça. — Venha, veja isto. — Ele


passou por um canto, e uma melodia suave correu para mim.
Foi uma interpretação melancólica “River Flows in You”, de
Yiruma. Ele nos levou mais perto e jogou uma espessa pilha
de notas de cem dólares no chapéu virado para cima na frente
do músico idoso, que saudou Ranie pelo nome. — Wesley
esteve aqui todas as vezes que eu visitei, sempre tocando
aquelas teclas como se tivesse nascido com elas presas em
seus dedos.

As pessoas passaram por nós, mas Ranie me colocou na


frente dele e envolveu seus braços ao redor do meu corpo,
protegendo-me contra a multidão. A música flutuava pelo ar,
enchendo a estação com suas descendências lamentosas,
como uma sala de concertos suplantada na vida real. Eu fechei
os olhos, e a multidão ribombou ao fundo, mas o barulho só
aumentou a canção, enchendo os mergulhos e subindo na
melodia de uma forma que os instrumentos não conseguiram.

Eu não conseguia medir o tempo que passamos na


estação, meu corpo pressionava contra o dele, ouvindo Wesley
tocar. O tempo era incalculável ao redor de Ranie, outra coisa
que ele desafiava ilogicamente. Quando os dedos do pianista
ficaram doloridos e meu estômago resmungou, Ranie me levou
para fora da estação.

Caminhamos para conseguir comida, mas cinco minutos


depois, quando meu estômago rosnou novamente, Ranie rolou
os olhos e chamou um táxi, o que nos levou ao Rocky's, um
restaurante subterrâneo em uma área endurecida de South
Beach.

— Deixe-me adivinhar... — Caminhei cuidadosamente


pelos degraus íngremes. — Sem rastreamento celular por
aqui?

Os lábios dele apareceram. — Você não sabia? Seu


homem é um rebelde.

Meu homem.

Ele não quis dizer isso, mas foi bom ouvir isso. Eu queria
Ranie. Era inegável a esta altura. Exceto que eu queria mais a
verdade, e minha verdade era que eu não deveria querê-lo, mas
eu nunca tinha parado de verdade.

Eu precisava construir muros ao redor do meu coração.


Rapidamente.

Sete anos atrás

— Por que você ainda olha para ele dessa maneira?

Eu balancei minha cabeça de Ranie, que driblou a bola


no campo de futebol, para Brody. — O quê?

Brody bateu com um dedo na direção de Ranie, seus


movimentos bruscos e rápidos. — Por que você ainda olha para
ele dessa maneira?

Eu me esfreguei nas arquibancadas. Só porque meu


traseiro estava dolorido por ter ficado sentada por um tempo
inteiro. Certo. — Eu não sei do que você está falando.

Só que eu sabia. Quatro anos haviam se passado desde


que eu e Ranie seguimos caminhos separados, e a esperança
empurrou e puxou meu coração, como um jogo sem fim de
puxão de guerra. O comportamento lamentável não era algo a
ser defendido, então fingi ignorância.

— Sim, você sabe. — Um brilho leve de suor brilhava da


testa de Brody. Ele puxou o colarinho da camisa e enfiou a
manga direita no braço com um puxão impaciente. — A
primeira coisa que você faz quando entra na cafeteria é virar a
cabeça para a mesa dele. — Só para ter certeza de que Lacy
Ryan não está lá! — Você vai a todos os jogos de futebol, e nem
sequer gosta de futebol. — O espírito escolar é importante,
certo? — E de alguma forma, todos os anos, de caloura ao
sênior, você acaba em todas as mesmas aulas que ele.

Agora isso não foi culpa minha, então me agarrei a ele


como se isso me absolvesse de todos os outros pontos válidos
dele. — Eu não tenho nada a ver com isso! Culpe a escola.

Seus lábios enrolados num sorriso feio, e eu não


conseguia entender porque ele estava tão... tão zangado. Ele
abriu a boca para dizer alguma coisa, mas os aplausos
agitados sacudiram as arquibancadas. Que bom. Eu não
queria ouvir o que ele tinha a dizer.

Voltei-me para o jogo. A bola descansou no fundo da rede


do time adversário, e a multidão cantou o nome de Ranie. Ele
tinha marcado, e eu perdi.

Enquanto seus companheiros de equipe batiam e


gritavam, ele corria para a meia linha, nunca um para dançar
a vitória. Mas quando seu pé bateu no círculo central, ele olhou
para as arquibancadas, e como se soubesse onde procurar,
seus olhos encontraram os meus.

A vitória brilhava neles.


CAPÍTULO OITO

Um ressentimento de longa data contra o mundo pode queimar


mais calorias do que você possa imaginar.
– Paul Russel

Presente

— Para onde agora? — Inclinei minha cabeça para Ranie


e escondi meu sorriso com a surpresa no rosto dele.

Já passava da meia-noite e ele já me tinha levado pela


cidade, mostrando-me todos os seus lugares favoritos de South
Beach, entrelaçando histórias sobre o porquê dele correr para
South Beach. O passeio particular Ranieri Andretti Tour:
South Beach Edition foi suficiente para me convencer a me
mudar para cá, mas eu podia senti-lo escondendo algo de mim
– o grande segredo que ligava as pequenas histórias do porquê
de ele ter precisado de um lugar longe de casa.

E se ele não ia me contar, eu ainda não tinha terminado


esta noite. Eu ia apertar seus botões até que ele cedesse.

Mesmo que passássemos o resto desta noite e amanhã


bem acordados.
— Sério?

— Yep. — Eu disse estendendo o P, tentando me manter


o mais casual possível.

— Ouvimos um mini-concerto no Metrorail, almoçamos


no Rocky's, dividimos churros enquanto alimentávamos os
patos no lago, atiramos armas de água em pedestres do
telhado do hotel, comemos teppanyaki em um lugar onde
funcionários e chefs falavam exclusivamente japonês, e
terminamos a noite roubando moedas da fonte do meu hotel e
tentando esgueirá-las nos bolsos das pessoas, bolsas e sacos
de compras. O que mais você gostaria de fazer?

Quando ele colocou assim, eu me senti gananciosa por


querer mais.

Mas eu não recuei. — Mais uma coisa. Dê-me mais uma


coisa.

— Bem, eu disse que lhe daria tudo o que você quiser.

Eu arqueei uma sobrancelha. — E tudo o que tenho que


fazer é pedir, gênio?

— Se eu fosse um gênio, você só teria três desejos.

Eu levantei um dedo. — Primeiro desejo, eu quero fazer


algo divertido.

— Seu desejo é uma ordem. Segundo desejo?


— Eu quero tirar estas pernas. Elas estão doridas como
o inferno. — Eu ri quando ele se inclinou para frente para que
eu subisse em suas costas.

Ele prendeu seus braços sob minhas pernas e esperou


que eu enrolasse meus braços ao redor de seu pescoço antes
de me levantar. — Terceiro desejo?

Eu me inclinei para ele, meu nariz escovando o ponto


sensível abaixo de suas orelhas. Senti-o estremecer sob mim.
— Eu quero a verdade. O que aconteceu conosco?

Ele engoliu com força. Senti o pomo de Adão dele


loucamente contra meu braço. — Não posso lhe dizer isto.

— Mas você disse que tudo o que eu tenho que fazer é...

— Perguntar. Eu sei. — Ele virou a cabeça, tentando dar


o melhor de si para encontrar meus olhos comigo de costas. —
Mas não é apenas o meu segredo.

Outra pista misteriosa.

Eu aceitaria, por enquanto, mas não desistiria.

Ele deu um passo à frente.

Apertei meus braços mais forte em torno dele, e ele estava


tão grudado em mim, que meu corpo se iluminou de
necessidade. — Você não vai me carregar o caminho todo, vai?

— Diabos, não. Você é pesada.


Mordi o pescoço dele com suas palavras, e ele gemeu,
forçando seu aperto em mim. — Retire isso de volta.

— Nunca, se isso significa que você vai me morder de


novo.

Rolei meus olhos. Ele deslocou meu peso, então segurou


a maior parte dele em seu lado direito, tirou uma nota de cem
do bolso e o segurou em direção à rua. Dois táxis pararam
instantaneamente e ele abriu a porta para um deles, deslizou-
me pelas costas e me ajudou a entrar no banco de trás.

Ele fechou a porta. — Parque Rylafax.

O taxista olhou para mim como se Ranie tivesse acabado


de me raptar, seus olhos me pedindo para piscar três vezes se
eu estivesse em perigo e duas vezes se eu estivesse bem. E eu
não estava bem. Na verdade, não.

No Metrorail, meu coração frágil ganhou um ou dois


batimentos.

Quando Ranie tirou o molho dos meus lábios no Rocky's


e lambeu-o de seu dedo, reconsiderei minha posição ao dormir
com ele.

Quando ele me deu churros no lago, eu estava a ponto de


perguntar se ele poderia me dar algo mais. Algo ao sul da
fronteira.

Quando ele me entregou uma pistola de água e atirou um


jato de água em um turista do telhado, eu desejei que
tivéssemos doze anos novamente, tendo brigas de água no
parque onde mais tarde compartilhamos meu primeiro beijo.

Quando ele pediu para nós, no que eu presumi ser


japonês fluente, no restaurante teppanyaki e os olhos da bela
garçonete brilharam de interesse, eu quis pegar a camisa do
Ranie, puxá-lo para mim e plantar o maior beijo em seus
lábios, como um cachorro com testosterona em um concurso
territorial de mijar.

E quando pegamos as moedas da fonte em seu hotel e ele


me ensinou a ser uma batedora de carteiras invertida11, eu me
senti livre e entusiasmada pela primeira vez desde que nossa
amizade se dissolveu.

Então, eu fiquei bem?

Não.

Mas pestanejei duas vezes mesmo assim.

O Parque Rylafax era um parque montanhoso adjacente


ao aeroporto e, tanto quanto pude ver, um lugar

11 Batedora de carteiras invertida, porque ao invés deles furtarem das pessoas, eles estavam
colocando moedas nas coisas delas (bolso, bolsas, sacolas).
extraordinariamente barulhento para completar o melhor
encontro que eu já tive. Diabos, eu nem tinha certeza se era
um encontro, mas nenhum outro rótulo me parecia certo.

— O que você está fazendo?

Ranie abriu a fechadura do parque fechado – claro, que


ele teria uma chave – e nos levou para o lado do parque, onde
havia uma fileira de armários. — Niccolaio e eu deixamos
cobertores e lanternas aqui há muito tempo, mas não tenho
certeza se eles ainda estão aqui. — Ele olhou para a fileira
antes de se encontrar um armário à esquerda do centro. —
Aqui está.

Quando ele se torceu na combinação e a fechadura se


abriu, um sorriso genuíno se espalhou pelo seu rosto. Ele me
entregou um cobertor, colocou o outro sobre seu ombro, pegou
uma lanterna longa e fechou novamente o armário.

— Era o meu aniversário?

Um sorriso largo substituiu seu sorriso. — Talvez. — No


passeio de táxi, ele havia mencionado que tinha vindo aqui no
colegial. Mas isso foi depois que ele me largou como amigo,
mesmo assim ele fez a combinação do armário na data do meu
aniversário? — É fácil de lembrar.

Certo.

18 de julho de 1992.

18-07-92.
Não é exatamente 11-11-11.

Levantei uma sobrancelha. — O que estamos fazendo em


um parque escuro sozinhos à noite? — Não havia um único
poste de luz à vista.

Ele acendeu a lanterna e me levou em direção ao centro


do parque. — Você vai ver. — Era tarde, mas ele gritou para
ser ouvido no parque vazio, o som dos motores dos aviões
interrompendo cada sílaba.

Peguei a mão que ele ofereceu porque, apesar do meu


orgulho exagerado, não queria tropeçar estupidamente no
escuro. Quando chegamos ao centro da colina mais alta do
parque, ele endireitou seu cobertor no chão, agarrou o que
estava na minha mão e fez um gesto para eu me deitar.

Ele se esticou ao meu lado, de modo que estávamos


ombro a ombro, nossos corpos inteiros inclinados pela colina
e pressionados contra a manta macia e felpuda. Ele balançou
o outro cobertor, o mais grosso, sobre nossos corpos, apesar
do calor da Flórida. Eu me inclinei para frente para sentar,
mas ele esticou seu braço para fora, bloqueando-me, de modo
que eu permaneci contra a grama coberta pela manta.

Virei minha cabeça para enfrentá-lo, mantendo as costas


pressionadas até o chão. — O quê?

Ele encontrou meus olhos, a antecipação transbordando


em seus. — Espere por ele.

— Esperar por...
— Grite.

Nem um segundo depois, ele soltou um grito que me


assustou, e quando a porra de um avião voou apenas com os
pés acima de nós, meus gritos cresceram mais alto do que os
dele.

Uma vez que passou, meus cabelos estavam bagunçados


do vento e meus olhos brilhavam de alegria. — Que diabos foi
isso? — Eu respirei fundo, tentando acalmar o palpitar do meu
coração. — Haverá mais?

— Muitos voos12 decolarão em breve, então sim.

Ele agarrou minha mão, e eu o deixei, entrelaçando


nossos dedos de uma maneira que eu separaria os detalhes
mais tarde. Este momento era extraordinário demais para
arruinar com nossa história manchada.

Ele apertou minha mão. — Fique pressionada até o chão,


está bem?

Eu acenei com a cabeça. — Isso foi... — Fiquei sem


palavras.

— Eu sei. Senti o mesmo na minha primeira vez. Está


tecnicamente fechado ao público por razões óbvias de
segurança, mas comprei a Rylafax assim que fiz dezoito anos.

12 A autora usa aqui os chamados red-eye flights, que significam, os voos corujões, ou seja, são aqueles

voos programados para partir à noite e chegar na manhã seguinte.


Eu resisti à vontade de sacudir a cabeça. Eu não deveria
ter me surpreendido. Eu tinha um desejo avassalador de
construir uma casa na beira do parque e vir a esta colina todos
os dias para o resto da minha vida, e ele era dono deste lugar.

Pelo menos quarenta aviões decolaram e voaram bem


acima de nossos rostos antes que parassem de vir. Eu nunca
me havia sentido tão empolgada quanto neste momento,
deitada ao lado de Ranie debaixo de aviões decolando.
Nenhuma droga, álcool ou substância poderia substituir o
compartilhamento de novas experiências com alguém que você
amava.

E eu o amava.

As últimas vinte e quatro horas haviam me lembrado


porque eu amava Ranie quando deveriam me lembrar porque
eu não deveria ter amado.

Ele se virou para me enfrentar, e foi exatamente como


naquela noite no parquinho, nós dois deitados lado a lado. E
como naquela noite, seu hálito provocou meus lábios, e ele
perguntou: — Posso beijar você?

E embora eu estivesse falando sério, eu zombava, —


Mereço melhor.

E eu merecia.

Eu merecia a verdade.
Um sorriso nostálgico inclinou seus lábios para cima,
cheio de pesar, remorso e carinho. — Sim, você merece. Você
merece tudo.

Ele bateu seus lábios nos meus, colidindo-os contra mim


como se pudesse afastar onze anos de ódio de nossas almas
com um beijo. Eu o devolvi, meu coração na garganta,
enquanto enfiava minha língua em sua boca, precisando estar
mais perto dele.

Déjà-vu percorria minha pele, e o prazer saturava cada


receptor meu, mas ao contrário de nosso primeiro beijo, este
não poderia ser visto por uma criança menor de 13 anos 13. Ele
acariciou minha língua com a dele e me puxou para cima dele,
então eu montei seu corpo. Eu era alta, mas ele era mais alto,
e a maneira como nos encaixamos me embalou como um
banho quente depois de um longo dia.

Seu hálito ainda tinha gosto de Tic-Tac laranja, e nós


ainda nos deitávamos sob as estrelas de uma noite úmida na
Flórida. E ainda éramos nós, e eu ainda estava tonta, com
vertigem, e sem fôlego. Mas ao invés da chuva cair sobre nós,
era uma luxúria que consumia décadas de vida.

Eu esfreguei meu núcleo contra ele, gemendo em sua


boca enquanto meu clitóris encontrava sua ereção através de
nossas roupas. Ele me virou de costas até pairar sobre mim e

13A personagem usa aqui o termo PG-13 que é a classificação indicativa para maiores de 13 anos,
pois é considerado conteúdo inadequado para crianças menores de 13 anos.
empurrou contra mim, como se estivesse me fodendo apesar
de seu moletom fino e minhas calças de ioga mais finas.

Tirei meus lábios dos dele e os segui pela mandíbula até


o pescoço. O pomo de Adão dele se moveu enquanto eu corria
minha língua ao longo dele, seguido por meus dentes. Puxando
seu moletom por sua bunda firme, deslizei minhas mãos para
a frente de suas cuecas de boxer e agarrei seu pau com meus
dedos.

— Foda-se, — ele assobiou.

Ele agarrou minhas mãos e as colocou sobre minha


cabeça, prendendo-as com uma de suas grandes palmas. Com
a outra, ele deslizou minhas calças e calcinhas de ioga até os
meus joelhos, até que eu estava nua diante dele.

Quando ele enfiou um dedo na minha boceta, ele deslizou


tão facilmente para além da umidade, eu corei, agradecida por
ele não poder ver a cor das minhas bochechas na escuridão da
noite. Usando seus dentes, ele puxou minha camisa para
baixo, e seus lábios envolveram meu mamilo, sugando-me
através do meu sutiã.

Ele enfiou mais dois dedos e eu afundei neles, cavalgando


com fervor em seus dedos grandes, um gemido nos meus lábios
cada vez que a palma da mão dele escovava contra o meu
clitóris. Quando ele moveu seus dedos, eu gozei, gritando seu
nome mais alto do que eu havia gritado a noite toda.
Eu pressionei minha testa contra a dele depois que desci
do meu orgasmo. Ele escorregou seus dedos para fora de mim
e balançou contra minha boceta. A cabeça de seu pau havia
escapado de seus boxers, e quando ele esfregou contra meu
clitóris molhado, eu soltei um gemido.

Com minhas mãos ainda presas por sua mão esquerda,


ele levantou os dedos e traçou meus lábios com eles, cobrindo-
me com minha umidade. Ele pressionou um beijo contra
minha boca, sua língua lambendo o rastro molhado de gozo
que tinha deixado em meus lábios. Eu podia sentir o meu gosto
enquanto ele deslizava sua língua pelos meus lábios e
acariciava o céu da minha boca.

Ele puxou para trás, e eu mal conseguia perceber o


sorriso satisfeito em seus lábios no escuro. — Para onde agora?

Para lugar algum.

Eu acordaria amanhã, querendo a verdade, mas agora


mesmo, em seus braços, eu estava finalmente feliz novamente.
CAPÍTULO NOVE

O ressentimento é... um sentimento rechaçando ou re-lutando


com alguns eventos no passado. Não se pode ganhar, porque
você está tentando fazer o impossível – mudar o passado.
– Maxwell Maltz

Eu acordei quando um pássaro pousou ao lado da minha


cabeça. Abri minha boca e gritei, e uma palma enorme cobriu
meus lábios e um risinho encontrou minhas orelhas.

— Isto não é engraçado. — Minha voz estava abafada sob


a palma da mão de Ranie. Empurrei do peito dele, um
emaranhado de cobertores tornando levantar-se mais difícil do
que deveria ter sido.

— É um pássaro, não um orgasmo.

— Eu não gritei assim tão alto ontem à noite.

Ranie riu como se não acreditasse em mim, e o pássaro


fugiu com uma gritaria barulhenta, como se estivesse tomando
o lado de Ranie. Eu fiquei de pé enquanto Ranie dobrava os
cobertores. Nós os devolvemos aos armários, onde eu, a
responsável, liguei para um Uber porque o telefone de Ranie
havia morrido ontem à noite.

Cada passo em direção ao elevador da entrada estava


relutante porque eu sabia que esta viagem estava chegando ao
fim e com ela, o único fim de semana que eu havia prometido
dar a Ranie. Eu queria a verdade. Eu merecia a verdade, e não
cederia até consegui-la.

Ranie entrou no elevador primeiro. — O que há de errado?

Eu o segui, e as portas se fecharam. — Nossa viagem


noturna terminou.

Os olhos dele se desviaram para mim. — Diga a palavra,


e podemos ficar juntos. Isto não tem que acabar.

Baixei minha cabeça. — Não.

Seus dedos encontraram meu queixo e levantaram minha


cabeça até que eu estava a centímetros de seus lábios. — Diga
a palavra.

— Não.

Ele alcançou atrás de mim, puxou o freio de emergência,


em seguida, alcançou e arrancou o fio da câmera de vigilância
com um puxão de seu pulso. — Diga a palavra.

Eu dei um passo atrás quando ele se aproximou de mim,


e minhas costas bateram na parede espelhada do elevador. —
O que você está fazendo?
— Pergunte-me o que eu quero.

— Não.

Ele se ajoelhou até o rosto ficar nivelado com minha


boceta. — Pergunte-me, Gallo.

— O-o que você está fazendo, Ranie?

Os dedos dele passaram pela bainha das minhas calças


de ioga e ele as deslizou pelas minhas pernas. Ele manteve
contato visual comigo e se inclinou para frente. Seus dentes
rasparam meu clitóris através de minha calcinha. — Quantas
vezes você fantasiou com isso quando estávamos no colegial?

O tempo todo.

— Nunca. — Eu soltei um gemido. — Você foi mau para


mim.

Ele empurrou minhas calças de ioga para longe dos meus


pés, e eu saí delas, sem saber se eu queria prolongar ou parar
isto. — Mentirosa. Você me queria. Eu via a maneira como você
me olhava.

— Como eu olhava para você?

— Como você está olhando para mim agora. — Ele rasgou


minhas calcinhas em duas e as jogou descuidadamente atrás
dele. — Como se você me quisesse em cima você. Dentro de
você. Debaixo de sua pele. Como se você quisesse me
consumir. — A boca dele se agarrou ao meu clitóris, e eu estava
perdida. Ele o acariciou com a língua.
Uma vez.

Duas vezes.

Três vezes.

Eu joguei minha cabeça para trás e gemi, prendendo


meus dedos em seu cabelo com tanta força, que deve ter sido
doloroso. Mas ele não reclamou. Ele agarrou minha perna e a
prendeu sobre o ombro, pressionando sua língua mais
profundamente em minha fenda.

Virei minha cabeça para o lado e encontrei meus olhos no


espelho antes de descer para Ranie. Ele tinha uma mão
agarrada em seu pau através de suas calças de moletom, e se
acariciou enquanto fodia minha boceta com a língua.

Eu estava perto. Tão perto de me desfazer. — Estou perto.

Ele puxou para trás, e o ar fresco escovou contra a minha


umidade. — Isto não tem que acabar. Diga a palavra.

Eu tentei e falhei em empurrá-lo de volta para mim. —


Isto é cruel.

Ele se inclinou para frente e empurrou meu clitóris com


a ponta de seu nariz, provocando um gemido de mim. — Tudo
o que você tem que fazer é dizer as palavras. Diga-me que você
quer isto.

— Quero que você me faça gozar, Ranie.


O calor brilhava através de seus olhos, e sua voz estava
rouca quando ele falou. — Diga-me que você quer nós.

— Não até você me dizer a verdade.

Diga que sim, meus olhos imploraram.

Ele estava a ponto de dizer não, e meu corpo murchando


quando uma voz hesitante rompeu a névoa cheia de sexo. —
Uh, desculpe-me? Aqui é o gerente. Ainda não temos certeza
do problema, mas estamos fazendo o nosso melhor para
consertá-lo rapidamente. O corpo de bombeiros foi chamado e
chegará em breve.

A irritação brilhou nos olhos verde-grinch de Ranie, e ele


puxou o freio de emergência enquanto eu deslizava
tranquilamente minhas calças de ioga de volta. Ranie não
tinha jogado limpo, e eu posso ter sido a responsável, mas
nunca tinha dito que eu era a madura.

Eu queria vingança.

Em breve.

— Onde estamos indo? — Mais uma vez, acelerei meu


ritmo para alcançar Ranie enquanto percorríamos o lobby do
hotel. — Para casa, certo?

Ele deu uma gorjeta generosa ao carregador de malas,


enquanto o homem alto carregava nossas malas no carro da
cidade que o hotel nos ofereceu. — Temos mais uma parada
primeiro.
Eu saltei para o banco de trás enquanto Ranie segurava
a porta aberta para mim. — Foi uma viagem de um dia para o
outro. — Minha mão estendeu e impediu o fechamento da
porta. — A noite acabou, então vamos para casa. — Eu fechei
a porta na cara dele.

— Temos um compromisso que não podemos perder, —


gritou ele do outro lado da porta.

Eu rolei pela janela. — Para casa.

— Compromisso.

— Casa.

— Compromisso.

Meu Deus, era como se fôssemos crianças de novo.

Só que agora ele era meu chefe.

— Está bem. Que seja rápido.

Ele acenou com a cabeça, percorreu o carro e entrou no


banco de trás pela porta oposta. — Sempre em frente, — ele
ordenou ao motorista. — Eu lhe direi quando virar.

Ranie nos levou a uma área rica de South Beach, onde


palmeiras revestiam os calçadões imaculados e areia branca se
estendia para cima e para baixo na costa de água-marinha.
Ficamos em frente a um espaço comercial vazio em frente à
praia em uma área linda de South Beach que tinha conseguido
ficar escondida dos turistas. A multidão era grande a esta hora,
mas eu não me importava, pois tinha a vista para a praia de
águas claras do outro lado da rua.

Virei-me para Ranie e levantei uma sobrancelha. —


Pensei que não estávamos aqui para procurar locais para o The
Down & Dirty 2.0. Este seria um lugar horrível para um clube
de strip, a propósito.

E era mesmo. O espaço vazio foi imprensado por dois


restaurantes de família. Dificilmente algo que gritasse: —
Entre para um par de tetas!

Ele manteve seus olhos centrados em mim. — Seria um


lugar horrível para um restaurante?

— O quê?

Ele deu um passo mais perto. — Seu restaurante.

Eu recuei com um passo atrás. — O que você está


dizendo, Ranie?

— Você parou de seguir seus sonhos...

— Eu não tive escolha.

Os sonhos não eram esta entidade sem limites, que os


filmes, os livros e os políticos os faziam crer. Eles estavam
ligados por nossas oportunidades, por nossas
responsabilidades, pelos privilégios que possuíamos ou que
nos faltavam.
— Agora você tem, Carina. — Ele entrou com um código
na porta e me levou para o espaço amplo. — Se há algo que eu
quero para você, exceto estar com você pelo resto de minha
vida, é que você siga seus sonhos e seja feliz.

Ele havia se lembrado. Nossos domingos de espaguete


sempre foram minha desculpa tola para passar mais tempo
com ele, mas ele sempre os tinha tratado com seriedade, como
se fossem prática para minha futura carreira como chef.

O espaço era perfeito para um restaurante. O local


ocupava o principal imóvel de South Beach com tráfego
generoso de pedestres; as janelas do chão ao teto ofereciam
muita luz natural; o espaço enorme era mais do que suficiente
para encher com mesas e cadeiras; e além do buraco da parede
de espreitar, eu podia ver que a cozinha era enorme. Este era
o sonho de um chef de cozinha. Era o meu sonho. Mas não era
real. Não podia ser.

Eu me virei para Ranie. — Não posso aceitar isso de você.

Seus braços desafiadores cruzaram-se sobre seu peito. —


Por que diabos não?

— Nós nem estamos namorando. Nós... nós não somos


nada, Ranie. — Eu andei pelo chão. — Eu não posso aceitar
algo assim de alguém para quem não sou nada.

— Você não é... — Ele me tocou no ombro e parou meus


movimentos. — Pare de andar, maldição. — Com as duas mãos
sobre meus ombros, ele se inclinou para baixo e me olhou nos
olhos. — Você não é nada, Carina. Você é tudo, e eu quero
você.

Eu levantei meu queixo. — Diga-me a verdade. Conte-me


o que aconteceu.

— Não.

— Se você se importasse comigo, você me diria a verdade.

— Eu não posso te dizer a verdade. — Um gemido


frustrado lhe escapou dos lábios. — Eu faria se pudesse, mas
não posso. E isso não significa que eu não me importe com
você. Não significa nada além de que Eu. Não. Posso. Dizer. A.
Você. — Ele respirou fundo, sua expressão preocupada
buscando piedade do meu coração fraco. — Você ainda me
ama. Você está apaixonada por mim. Eu vejo isso em seus
olhos. Eu ouço quando você fala comigo. Eu sinto quando você
cede sob meu toque, como você fez no elevador.

O elevador.

Onde ele não lutou de forma justa.

Onde ele usou meu corpo contra mim.

Onde ele usou meu desejo contra mim.

Obrigada por me lembrar, idiota.

— Você. Este restaurante. Nós. — Eu empurrei meus


ombros para trás, levantei a cabeça e reforcei nosso contato
visual, de modo que ele sabia que eu estava muito séria. — É
uma boa fantasia, mas é só isso. Até que você me diga o que
aconteceu, nada disso jamais será realidade.

Eu recuei e me afastei dele.

Se ele não quisesse lutar de forma justa, eu também não


iria.

A saia do vestido de verão curto de Gallo levantou


enquanto ela subia o degrau para o jato privado. Eu inclinei
meu corpo, para que o entregador de malas atrás de mim não
tivesse um show gratuito do conjunto de lingerie branca que
ela usava embaixo do vestido.

— Gallo... — Eu avisei.

Ela estava vestindo este vestido curto para me irritar. Pela


mesma razão que ela saiu nua depois de seu banho mais cedo,
ela voltou para mim enquanto deslizava suas calcinhas
brancas de renda. Eu tinha admirado a maneira como seus
lábios de sua boceta brilhavam quando ela se dobrava por trás,
imprensada entre aquela sua bunda perfeita, como o lanche
dos meus sonhos.

E quando ela balançava as calcinhas em suas pernas


longas e esbeltas, eu quase podia imaginar seus seios cheios
saltando a cada movimento. Por trás, eu até peguei o
movimento, de dar água na boca, da lateral do seu seio. Eu
queria fodê-la, e foi preciso tudo de mim para eu não dobrá-la
sobre a cama e afundar meu pau em sua boceta apertada e
quente.

Ela olhou para mim sobre o ombro. — Sim?

Eu falei com os dentes cerrados, — Apresse-se.

Ela tomou o assento mais distante de mim, acenou


docemente para o entregador de malas adolescente excitado
antes dele sair, e se deslocou para me enfrentar. — Eu não
estava ciente de que estávamos com pressa.

As portas do avião se fecharam. A aeromoça derramou


um uísque puro para mim e um copo de água para Gallo.
Assim que a aeromoça mergulhou para fora do compartimento,
Gallo separou as pernas. A saia curta de seu vestido subiu,
expondo sua roupa íntima. Uma mancha molhada manchou o
centro de suas calcinhas, e eu quis chupá-la com a língua.

Eu agarrei meu copo. — Você está brincando com o fogo.

— Conte-me o que aconteceu com a gente e você pode me


ter. Inteira. — Ela se levantou, determinação evidente em seus
olhos enquanto me perseguia, e por um breve momento, fiquei
orgulhoso dela por ser tão forte.

— Você já é minha.

Era sua vez de ajoelhar-se diante de mim. — Eu não sou


sua para tocar.

— Cuidado, — eu adverti.

Porque ela era minha.

Sempre foi.

Ela colocou uma palma em cada uma das minhas coxas


revestidas de terno. — Eu não sou sua para beijar. — Suas
mãos escorregaram para cima, parando sem tocar o meu pau
dolorosamente duro. — E eu não sou sua para foder. — Seus
dedos escovaram minha fivela do cinto, a proposta ficou clara
como o dia. — Mas eu poderia ser.

— Não posso te dizer o que aconteceu.

Ela deslizou o couro para fora do laço de metal. — Por que


não?

Eu engoli o uísque, nunca precisando mais de força


líquida do que precisava agora. — Não é meu segredo para
contar.

Ela desabotoou minhas calças. — Se envolve você e eu, é


tão nosso quanto de qualquer outra pessoa.
Eu agarrei as barras do meu assento. — Eu fiz uma
promessa.

Ela puxou na borda de minhas cuecas boxer, e meu pau


estalou livre e se encostou em sua bochecha, quase no
comprimento do rosto dela. Era a coisa mais quente que eu já
havia visto, e jurei, se a CIA enviasse Carina Gallo a
Guantanamo, ela teria todos aqueles detentos derramando
seus segredos mais sujos até o pôr-do-sol. Não que eu fosse
deixar essa porra acontecer.

Seu hálito quente acariciou meu pau enquanto ela falava,


— A quem?

Ela olhou meu pau assim como todo homem sonha que
uma mulher olhasse para seu pau – como se ela tivesse sido
presenteada com o Santo Graal, e ela não estava bem certa de
que poderia caber tudo em seu apertado… pacote. Seus olhos
se alargaram com a luxúria que ela não podia ou não se
preocupava em esconder, e a determinação espreitava atrás
daqueles lindos orbes azul marinho.

— Para quem? — Ela repetiu antes de envolver seus


lábios carnudos ao redor do meu pau e me levou até que minha
cabeça escovasse a parte de trás de sua garganta.

Ah, foda-se.

Eu fechei meus olhos e gemi. — Ao seu pai.

Porraporraporraporraporraporraporra.
Ela puxou para trás imediatamente. — Ao meu pai?

Meu pau estava duro e nu na frente dela, e nós estávamos


conversando. Sobre. O. Pai. Dela. Era quase vergonhoso como
a minha ereção não mexia nem um centímetro. — Foda-se. Não
era para você ouvir isso.

— Meu pai, — repetiu ela. Surpreendida.

Acho que eu a choquei. Deslizei minha Calvin Klein sobre


minha rígida ereção, um pouco envergonhado. Meu pau havia
sido pressionado com força contra suas amígdalas, e foi o pai
dela que a chocou.

Ego, conheça o golpe.

Minha garganta se fechou. — Esqueça.

— Não posso.

— Carina. — Eu peguei as mãos dela.

Ela as arrancou e cruzou os braços. — Conte-me tudo.


Agora. Ou terminamos, e eu vou embora.

Eu rangia os dentes e me mantinha em silêncio.

Que se foda o meu pai.

Que se foda o Niccolaio.

E o Piero Gallo que se foda.

Durante o resto da viagem de avião, ela se sentou o mais


longe possível de mim, o rosto dela virou para a janela. Ela não
falou quando aterrissamos. Ela não falou quando eu a deixei.
E ela não falou quando eu lhe perguntei, como uma merda de
uma rejeição musical da High School Musical, quando eu a
veria em seguida.

Eu tive minha chance – duas chances, de fato – e arruinei


as duas.

Eu a arruinei.
CAPÍTULO DEZ

No coração de toda raiva, todos o rancor, e todo o


ressentimento, você sempre encontrará um medo de que espera
permanecer anônimo.
– Donald L. Hicks

— Tenho algo para lhe dizer.

Eu precisava confrontar meu pai, mas a gravidade


revestiu as características de Brody. Além disso, ele estava me
esperando do lado de fora da minha porta da frente há muito
tempo, então acenei para ele continuar enquanto eu virava a
fechadura da minha porta e entrava no meu apartamento do
estúdio.

Ele limpou a garganta enquanto seguia atrás de mim. —


Eu vi Ranie falando com seu pai há pouco tempo atrás.

Eu estava tirando os saltos, mas, às suas palavras, eu


congelei. — Quando?

— Antes de você me dizer que o tinha visto novamente.


Eu chutei meus sapatos, virei-me para enfrentar Brody e
coloquei meus punhos fechados sobre meus quadris. — E por
que você não me disse?

— O cara te fodeu, e demorou uma eternidade para você


se curar. — Ele se babou. — Por que eu iria querer falar sobre
ele?

Eu ainda não estava curada. Ranie era uma cicatriz,


marcada na minha pele durante os mais de vinte anos que eu
o conhecia, e a cada segundo que passava, a cicatriz só se
aprofundava. Pode ter ficado invisível, mas eu a sentia.

Ela foi levantada e moldada como a dúzia de quase beijos


que tínhamos compartilhado na escola; a amizade que ele
tinha me concedido apenas para arrancar o amor dos meus
dedos; e as mentiras que continuavam a se amontoar entre
nós, como uma pilha de roupas rejeitadas após uma limpeza
completa, até que eu não podia mais ver o garoto que um dia
conheci.

— É justo. — Deixei minha mala de merda na porta e


mergulhei na minha cama, precisamente a três passos do
tapete de boas-vindas.

Brody deitou-se ao meu lado, como sempre havia feito no


passado, já que não havia espaço no meu apartamento de
estúdio para um sofá que caberia mais do que a bochecha
esquerda da minha bunda. — Desculpe.
— Não é culpa sua que eu tenha um gosto horrível por
caras. — Inclinei minha cabeça sobre seu ombro. — Mas não
em amigos. — Eu o olhei de relance. — Sério, não tenho ideia
do que faria sem você.

Ele se virou para o lado, então ele estava um pouco acima


de mim. Quando ele se inclinou para frente e seus olhos se
fecharam, eu me empurrei para trás. Fiquei nervosa, insegura
do que dizer.

Os olhos dele se abriram e vi o desanimo em seu rosto


todo. Ele pulou da cama. — Sinto muito.

Eu dei um passo atrás. — O que foi isso?

Ele deu um passo na minha direção. — Eu...

Eu dei uma ajuda. — Você acabou de tentar me beijar.

— Eu sinto muito...

Eu não podia deixá-lo falar. Eu tinha medo do que ele


diria. — Você pode ir embora? Por favor? Falarei com você
amanhã.

— C, eu...

— Por favor.

— Mas, Carina, eu...

— Agora, Brody! Eu não posso...

— ESTOU APAIXONADO POR VOCÊ!


Minha mandíbula caiu. Será que todos na minha vida
escondiam algo de mim?

Ele deu um passo mais perto. — Diga alguma coisa.

Eu não queria machucá-lo, mas também não queria levar


isso adiante. Claramente, eu tinha feito algo errado nos
últimos onze anos. — O que você quer que eu diga?

— Que você me ama, também.

Eu suavizei a minha voz. — Mas eu não amo. — Eu engoli.


Duro. — Há quanto tempo você está apaixonado por mim?

Seu olhar se deslocou para a parede acima da minha


cabeça, onde um quadro horrível da IKEA ficou pendurado na
minha tentativa de embelezar esta lixeira. — Bastante, desde
que te conheci.

Eu queria zombar, mas me abstive. Por pouco. — Amor à


primeira vista?

— Você estava tão solitária, vulnerável e desolada


naquela cafeteria.

Minhas sobrancelhas dispararam. — Você se apaixonou


por mim porque eu estava quebrada?

— Eu me apaixonei por você depois disso. — Ele sugou o


fôlego. — Não, você não estava quebrada. Você estava triste, e
eu me aproximei de você porque queria ser eu a fazer a garota
bonita e solitária feliz.
Talvez fosse o meu olhar, mas quando lhe pedi para sair
novamente, ele me escutou. Suas palavras haviam sido...
doces? Assustadoras? Eu não sabia, mas também não queria
lidar com isso. Porque tudo voltou para Ranie.

Brody tinha razão na primeira vez.

Eu estava quebrada, e Ranie tinha sido o único a me


quebrar.

Esperei quatro horas na cozinha de papai antes dele


chegar em casa do trabalho. Ele tinha um apartamento estúdio
como eu. Não tinham os dois quartos onde eu havia crescido,
mas era o mesmo prédio. Uma vez que eu me mudei, o
proprietário nos deu apartamentos de estúdio lado a lado com
desconto.

Pequenas misericórdias.

O pai jogou suas chaves no gancho. — O que você está


fazendo aqui?

Eu acenei para a tigela de espaguete no jogo de mesa em


frente a mim. Já estava muito frio, mas eu não estava com
vontade de aquecê-lo para ele. — Coma.
Ele agarrou um garfo e sentou-se. — Espaguete?

— É domingo. — Eu assisti enquanto ele torcia o


macarrão ao redor do garfo e enfiava o espaguete na boca.

Ele falou ao redor de uma boca cheia de comida. — Está


frio.

— Você estava atrasado.

— Não sabia que você estava me esperando.

Inclinei minha cabeça para o lado, examinei-o, e disse,


quando ele estava no meio de uma mordida: — Eu estava com
Ranie. Passamos o fim de semana juntos em South Beach.

Ele engasgou-se com o espaguete. Esperei alguns


segundos antes de ficar de pé e agarrei um copo de água para
ele.

Ele tomou um gole. — Obrigado.

— Por que você mentiu para mim? — Pensei que se eu


não dissesse sobre o quê, ele me preencheria os espaços em
branco.

O rosto dele ficou paralisado, e ele deixou cair o garfo que


tinha segurado. — Ele lhe disse?

— Sim, — eu menti. — O que eu quero saber é porque eu


tinha que ouvir dele e não de você.
Ele puxou sua cadeira para trás e ficou de pé
abruptamente, fazendo-a cair no chão com um violento
estrondo. — Não posso falar sobre isso com você.

Meus braços cruzaram, e meu olhar pesado nunca


vacilou. — Se você me quer em sua vida, não há outra opção.
— Eu estava preparada para seguir em frente com minha
ameaça? Maldito se eu soubesse. Mas os segredos tinham
arruinado meu passado, e eu não os deixaria arruinar meu
futuro.

— Querida, não.

— Por que, pai?! — Em meus vinte e cinco anos de vida,


eu nunca havia levantado minha voz no papai, no entanto,
minha voz ressoava bem alto no pequeno apartamento,
agitando aos dois.

Ele puxou silenciosamente sua cadeira e se sentou. A


queda de seus ombros apunhalou meu coração. — Eu não
podia dizer à minha filha que a mãe dela teve um caso com o
pai de seu melhor amigo.

Era a minha vez de ficar pálida.

Ele estudou minha cara. — Você não sabia.

— Pai, preciso que você pare de mentir. — Minhas mãos


se apertaram em punhos, mas eu as escondi debaixo da mesa
de jantar. — Eu não sei quem você está protegendo neste
momento, mas com certeza não sou eu.
— Querida, eu não posso...

— Você vai, ou eu vou. — Estava na hora de começar a


me colocar em primeiro lugar. As pessoas me tratavam com
base em suas expectativas em relação a elas, e eu não seria
persuadida a esperar menos.

Ele engoliu suas palavras, e o silêncio desceu sobre nós.


— Sua mãe conheceu Cristiano Andretti quando ela foi buscá-
la na casa de Ranie. Ela começou... a vê-lo depois disso, toda
vez que ela ia buscá-la.

Eu baixei os olhos. Lembrei-me de como ela estava


vestida quando veio me buscar. Uma vez até lhe disse o quanto
ela estava bonita quando apareceu com seu vestido fluido, seu
cabelo encaracolado e seu batom vermelho.

Ela desapareceu “para o banheiro” por uma hora, e eu


não tinha pensado em nada disso porque eu estava muito
ocupada brincando com Ranie, e eu era muito jovem para
saber o que isso significava de qualquer maneira.

Quando ficou claro que meu pai não tinha intenção de


continuar, eu zombei. — Estou aqui todos os dias para você
nos últimos vinte e cinco anos, e você ainda está guardando os
segredos de mamãe. Você ainda é leal a ela.

Meu pai empurrou a tigela para longe dele. O garfo caiu


para fora do lado e se caiu no chão. — Não é o segredo de sua
mãe. É meu. — Ele baixou a voz até não gritar mais comigo,
mas suas palavras só cortaram mais fundo. — Eu não era
suficiente.

— Isso é ridículo.

— É mesmo? Olhe para este lugar. Você mesma disse,


uma e outra vez. — Ele fez um grande gesto por todo o
apartamento. — Sua mãe queria mais. Ela merecia mais!
Então, quando Cristiano pediu à sua mãe que nos deixasse,
ela o fez.

— Pare de inventar desculpas para ela, pai! Eu tinha dez


anos! Dez! Ela não tinha o direito de sair.

— Ele lhe deu a vida glamurosa que ela sempre quis. A


vida que ela merecia.

— E você lhe deu uma família.

Insuficiência puxou as bordas do meu coração, mas eu a


empurrei para longe. Se havia algo que eu sabia com certeza,
era que eu era desejada. Ranie havia passado os últimos dois
dias confirmando o que eu já deveria ter sabido. Era a vez de
papai descobrir, e eu esperava, para o bem de ambos, que ele
soubesse.

Meu papai desviou os olhos. A culpa – tanta culpa os


consumiu. — Ele a instalou em um apartamento de cobertura
na extremidade oposta de Miami Beach, mas alguns anos se
passaram, e ela estava sozinha e queria voltar para casa.
Ele engoliu. — Nós estávamos resolvendo as coisas.
Cristiano não queria que ela saísse, então ele tentou mostrar-
lhe como, — sua garganta se moveu, — eu não era suficiente
para ela. Não era bonito o suficiente para ela. Não havia
sentimento suficiente. Não havia dinheiro suficiente. Quando
você estava no oitavo ano, querida, Cristiano teve seus
capangas por perto. Dinheiro de proteção, eles tinham
chamado. E eu o paguei. Era tanto dinheiro, e eu paguei. Eu
só queria você a salvo.

— Mas você não conseguia manter os pagamentos, — eu


sussurrei.

Ele balançou a cabeça. — Não.

— Onde está mamãe agora?

Cristiano tinha ido embora. Não havia razão para que ela
não voltasse para casa.

Meu pai deu de ombros, algo que parecia muito parecido


com dor que transbordava em seus olhos. — Eu não sei.
Sempre achei que talvez ela tivesse muita vergonha do que
tinha feito.

Eu mexi no meu lugar. — Por que você está sofrendo por


ela? Por que você não vende a loja e sai desta cidade de merda?
Você está com perda de dinheiro por todo lado, — gesticulei no
apartamento, — e olhe onde moramos! Você poderia comprar
um bom rancho em um estado barato e se aposentar com o
dinheiro da venda da loja. Talvez encontrar alguém para amar
novamente, papai.

— Mas eu a amo.

Eu não conseguiria raciocinar com isso.

Eu sabia em primeira mão como era o amor ilógico.

Eu desviei a conversa. — O que tudo isso tem a ver comigo


e com Ranie?

— Cristiano nos deu um ultimato. Se Ranie parasse de


passar tempo com você, ele baixaria a taxa de proteção.

— E você foi por isso?

— Eu pensei que podíamos ser uma família novamente!

— Partiu meu coração! — Eu bati com meus punhos na


mesa. — Isso me quebrou!

— E eu sinto muito! Eu cometi um erro.

Eu balancei a cabeça. — Eu não entendo. Por que Ranie


concordou com isso?

— Porque ele te amava, e eu lhe implorei.

— Brody disse que viu você e Ranie juntos recentemente.

— Ele queria te contar tudo, e eu lhe pedi que não


contasse.

— Por quê?
— Eu estava envergonhado! — Ele arrancou seus olhos
de mim, incapaz de encontrar meu olhar, e quando seu volume
nunca diminuiu, foi como se ele estivesse gritando para si
mesmo. — Tanto tempo passou! Tinha medo de que não
olhasse para mim da mesma maneira! Eu tinha medo de
perder você!

Eu me levantei e contornei a mesa para enfrentá-lo,


porque o fato de meu pai não poder me olhar nos olhos me
golpeou duramente, como um golpe inesperado de um lutador
de MMA. — Você estava certo e errado. Não vou olhar para você
da mesma forma, mas você também não vai me perder. —
Afinal de contas, ele ainda era meu pai. — Eu preciso ir.

Falaríamos sobre isso mais tarde e eu o perdoaria, porque


ele havia tentado me proteger. E embora suas intenções se
tornassem menos puras, ele ainda era meu pai, e eu sabia o
que era estar apaixonada sem sentido.

— Aonde você vai? — O pai finalmente perguntou quando


meus dedos escovaram a maçaneta da porta.

— Eu preciso encontrar Ranie.


Passei pelo Down & Dirty, mas quando não consegui
encontrar Ranie, fui parar no condomínio de Brody. Ok, então
eu estava nervosa, e precisava de tempo para me reerguer.
Roma não foi construída em um dia.

Deslizei a chave reserva de Brody da pedra falsa na frente


de sua casa e deslizei-a para dentro da porta. Ele não estava
em casa, mas eu também não estava com pressa para
confrontá-lo. Seu lugar era pequeno, mas limpo, com móveis
de bom gosto.

Ele trabalhava como eletricista, então ganhava um


dinheiro decente, mas não jogaria dezoito buracos no country
club com o resto dos milionários e bilionários de Miami Beach
a qualquer momento.

Abaixo da tela plana da sala de estar havia uma prateleira


por cima de uma lareira. Molduras cheias de fotos de Brody e
eu forravam a prateleira da lareira, junto com algumas
quinquilharias que representavam sinais de nossa amizade ao
longo dos últimos onze anos.

Houve um tempo em que eu pensava que Brody poderia


gostar de mim como mais do que um amigo. Tinha sido
durante nosso segundo ano do ensino médio, mas
rapidamente depois que eu tinha pensado nisso, ele tinha
encontrado uma namorada.

E depois outra.

E outra.
Desde então, ele tinha tido uma sequência constante de
namoradas, mais do que eu podia contar, e era um dos
solteiros mais elegíveis de North Beach. E foi por isso que ele
me pegou de surpresa esta manhã.

Mas, olhando agora para sua casa, minha presença neste


lugar era assustadora. Eu estava em quase todas as molduras.
Eu estava lá para quase todas as compras de móveis e lascas
no piso de madeira. Eu pensava que era uma situação típica
de melhor amigo, mas eu só tinha tido um outro melhor amigo
em minha vida para compará-lo – Ranie.

E eu tinha me apaixonado por ele.

Duas vezes.

Meus dedos escovaram sobre a pequena caixa de madeira


que eu havia comprado para a Brody no segundo ano de Natal.
Tínhamos ido ao encontro de troca, acordado um orçamento e
nos separamos para caçar presentes um para o outro.

Levantei a tampa, puxei a folha dobrada de papel, alisei


as bordas e congelei quando reconheci a caligrafia familiar.

A minha.

Só que esta carta não era para ele.


CAPÍTULO ONZE

O ressentimento é uma união de tristeza e maldade.


– Samuel Johnson

Nove Anos Atrás

Talvez eu estivesse em uma alta de RomCom após uma


maratona de o Diário da Princesa, seguido por Titanic, Diário
de Uma Paixão e alguns outros títulos de comédia romântica
de mesmo gênero. De qualquer forma, eu escrevi uma resposta
à carta do Solitário Romeu em minha assinatura com tinta
turquesa.

Se Ranie era o Solitário Romeo (e ele tinha que ser porque


era o único a me chamar de Gallo), ele merecia uma resposta,
e se não fosse, talvez não fosse tão ruim tentar falar com ele
novamente. Éramos os melhores amigos há nove anos. Um ou
dois anos de luta era apenas uma mancha no grande esquema
das coisas.

— Diga-me novamente porque estamos fazendo isso. —


Brody encostou-se a um armário, sua voz ecoando ao longo do
corredor vazio.
— Shh! — Eu dei uma bofetada na boca dele. O objetivo
de pular a aula era para que ninguém pudesse nos pegar, e eu
não precisava de sua grande boca arruinando meu plano. —
Nós não estamos fazendo nada. Eu estou fazendo. — Com
minha mão livre, levantei a carta para meus lábios e pressionei
um beijo para fora, meu brilho labial de chiclete deixando uma
marca no papel. — Estou fazendo isto porque me foi dada uma
carta de amor e preciso responder. É justo.

Ele lambeu minha mão, que ainda estava pressionada


contra sua boca, e eu a puxei para trás, enruguei meu rosto
com nojo, e limpei seu cuspe em sua polo perfeitamente
pressionada. — Não vamos assistir RomComs neste fim de
semana.

Eu encolhi os ombros. — É a sua vez de escolher os filmes


este fim de semana de qualquer forma. — Encontrei o armário
e me movi para deslizar meu bilhete para dentro, mas a mão
de Brody bloqueou meu caminho.

Suas sobrancelhas sulcadas. — Este é o armário de


Ranie.

— Eu sei.

— Ele é um idiota. Ele odeia você.

Obrigada por me lembrar.

Eu suspirei, aborrecida por ter que me repetir. — Ele é


um idiota? É. Neste momento, ele é, mas nós éramos amigos.
Eu gosto de pensar que aquele cara que eu conhecia e amava
ainda está lá.

Se possível, o cenho franzido dele se aprofundou. —


Amava?

Eu não sabia porque sentia a necessidade de me


defender, mas eu sabia. — Você não pode ser amigo de alguém
por nove anos sem amá-lo.

Ele levantou uma sobrancelha, o interesse afligia suas


feições. — É mesmo?

— Sim. — Eu o empurrei para o lado com meu quadril. —


Agora, mexa-se.

Meu coração bateu enquanto eu deslizei a carta para


dentro do armário. Estava arriscando meu coração, e se não
recebesse uma resposta, ficaria esmagado. Novamente. Mas
Ranie era o tipo de cara pelo qual valia a pena lutar. Ele era
meu protetor. Meu amigo engraçado. Meu passado, meu
presente e meu futuro. E meu melhor amigo.

Valeu a pena lutar por isso.

— Esta é uma má ideia, — repetiu Brody. Ele estava


apenas sendo seu eu protetor habitual, mas isso estava me
irritando.

Eu dei a ele um sorriso falso. — Eu sei que você odeia o


cara, mas eu realmente apreciaria se você pudesse me apoiar
nisto. Eu já estou nervosa o suficiente. — Minhas palmas
estavam tão pegajosas, que nem conseguiam formar punhos
adequados. — Chega de negatividade da sua parte, senhor.

Ele segurou as duas mãos para cima. — Está bem, está


bem.

— Eu tenho que ir para a aula. Vamos rever as


precauções de segurança para a dissecação de ratos na aula
de hoje. Eu provavelmente deveria pegar o máximo que puder,
para não fazer algo estúpido como apunhalar minha parceira
de laboratório.

Não que eu não me importasse de chatear a Lacy Ryan.

— Ou deslizar uma nota de amor para dentro do armário


de algum idiota.

Eu estreitei meus olhos. — Ei!

Certo, talvez isso tenha sido um pouco idiota.

Ele riu. — Esse foi o último golpe. Eu juro.

— Vejo você esta noite! — Joguei minha mochila sobre o


ombro e deixei Brody sozinho no corredor.

Esperei o resto do dia por uma resposta de Ranie.


Qualquer coisa. Esperei no dia seguinte também. Mas os dias
se transformaram em semanas, as semanas em meses e os
meses em um ano. Depois, no dia seguinte. E no dia seguinte.

E mesmo assim, sem resposta.


E então lembrei-me do que Brody havia dito naquele dia
que eu havia recebido minha carta de Solitário Romeo.

Adeus, Gallo.

Presente

Havia hordas e hordas de cartas debaixo de minha


resposta ao Solitário Romeu. Eu roubei a caixa e fugi da casa
de Brody, não me dando ao trabalho de trancar atrás de mim.
Sem me falar em ver Ranie e papai juntos, eu poderia perdoar.
Mas roubar as cartas de Ranie para mim – e eu não tinha
dúvidas agora que elas eram de Ranie – era imperdoável.

Eu não podia ir para casa porque estava zangada com o


meu pai. Não podia correr para casa de Brody porque ele tinha
me traído e não podia ver um futuro onde pudéssemos ser
amigos novamente. E eu não podia correr para The Down &
Dirty porque Ranie era o dono, e nós estávamos brigados.

Aqueles eram os três homens da minha vida, e todos eles


haviam mentido para mim massivamente em um momento ou
outro. Mas o único que tinha tido boas intenções – o único que
realmente só tinha o meu bem-estar em sua mente – era Ranie.
E por acaso era por ele que eu estava apaixonada.

Dirigi até o parque perto do meu apartamento e subi no


parquinho, com a caixa na mão. Minhas mãos tremeram
enquanto eu tirava as cartas e as espalhava diante de mim na
base de metal ralado e coberto de plástico.

Havia dezenas destas cartas, e todas elas não tinham


data. Eu agarrei a mais próxima de mim.

Hoje eles serviram torta de maçã na cafeteria. Tinha gosto


do seu cheiro, e quando eu segurava o papel de embrulho
vermelho, não conseguia tirar a memória de você e daquele
vestido da minha cabeça.

– Solitário, Romeu Amante de maçã

E ele tinha mantido esse vestido.

O tio Luca levou a família para comer italiano hoje. Meu pai
não parava de reclamar de como o espaguete não era autêntico
o suficiente. Eu queria tapar a boca dele com um pouco do seu
espaguete – espaguete de domingo, mas depois me lembrei que
você me odeia. Queria que você não me odiasse. Eu quero
espaguete de Domingo. E cozinhar na casa de seu pai. E atirar
molho um no outro e culpar o gato do vizinho quando seu pai
perguntar. Eu quero você.

– Solitário, Romeu Desejo de Espaguete


Ranie e eu poderíamos ter sido felizes. Poderíamos ter
sido Romeu e Julieta, reunidos em segredo, malditos sejam
nossos pais. Brody tirou isto de mim.

Aprendemos a mecânica básica de um banheiro hoje na


aula de Life Skills14. Juro, o Sr. Clarke deve ter puxado o
autoclismo centenas de vezes. E cada vez que ele descarregava,
eu ficava pensando que eu era aquela água, minha vida
rodopiando em círculos caóticos pelo ralo. O tio Luca está morto.
Mamãe está morta. Niccolaio se foi, e provavelmente também
morrerá em breve. E eu só quero minha melhor amiga de volta.
Volte, Gallo. Eu te amo.

– Solitário, Romeo Descarga de Banheiro

Uma lágrima deslizou pela minha bochecha. Eu deveria


estar lá para ele. Ele era meu melhor amigo e eu teria
suportado toda a sua dor se isso significasse, por um segundo,
que ele teria se sentido ainda um pouco melhor.

A primeira gota de chuva caiu na minha bochecha. Corri


para enfiar as cartas na caixa e as escondi em local coberto,
onde ficariam a salvo da chuva. Eu não estava pronta para ir
para casa, então me deitei ali, sob o céu escuro e chuvoso de
abril.

Deitada debaixo da chuva assim, senti como se tivesse


dez anos de idade novamente, correndo ao redor do playground

14 Life Skills seria uma aula que é ensinada habilidades para a vida.
com Ranie, brincando de Princesa e Dragão. Eu era o dragão,
e eu o tinha feito brincar de princesa. E ele o fez, porque me
amava. Talvez ele sempre amou.

Ranie subiu no brinquedo, sua aproximação quase


silenciosa graças aos salpicos incessantes da chuva forte e
úmida. Ele se estabeleceu ao meu lado, suas costas
pressionadas contra o metal barato revestido de plástico, seus
olhos fixos no céu escurecido.

Seus olhos sangravam lágrimas de gota de chuva,


enquanto os meus sangravam lágrimas reais. Eles
escorregaram pelas minhas bochechas, sem dúvida
misturando-se com a chuva estrondosa, como um encontro de
amantes furiosos finalmente.

Ranie se estendeu e escovou o máximo de umidade que


pôde do meu rosto. — Você me odeia?

— Eu não te odeio, Ranie. Seria muito mais fácil se eu


odiasse.

Sua mão caiu para o seu lado e descansou entre nós. —


Eu te procurei na casa de seu pai. Ele me contou o que
aconteceu. — Ele hesitou. — Ele está preocupado com você.

— Eu o perdoarei. Eventualmente. — Eu me virei de lado


e enfrentei Ranie, cruzando meus dedos com os dele. — Você
me perdoa?

— Pelo quê?
— Todo este tempo que desperdiçamos poderia ter sido
gasto juntos. Eu deveria ter sabido melhor. Você nunca me
machucaria de propósito, mas eu o vi com todas aquelas
garotas, e isso me confundiu.

O arrependimento engoliu seu semblante. — Eu


precisava afastá-la. Você não desistiria.

— Porque eu te amava. E eu deveria ter te amado o


suficiente para ver além das ilusões.

— Você não poderia adivinhar.

Eu me sentei, e a emoção subiu na minha garganta,


dificultando a fala, mas eu empurrei as palavras honestas para
fora, porque ele precisava ouvi-las. — Você não entendeu. Me
mata que eu te amasse tanto, mas não conseguia ver além de
tudo.

Era como a multidão animada na estação de trem,


cobrindo o som das teclas do pianista. Mas ao invés de ouvir a
melodia por baixo das distrações, eu fui engolida pela
multidão.

Ranie também se sentou e se inclinou para frente até


ficarmos à altura dos olhos. — E você não entendeu. Nossos
anos separados não importam. Não quando temos o resto de
nossas vidas para passar juntos. Eu te amo, Carina Gallo.
Sempre amei. Sempre amarei.

Seus lábios pressionados contra os meus, escorregadios


da chuva, e era tão doce e tão familiar, que eu queria me perder
em seu toque, mas sabia que jamais o faria. Não quando estava
impressa em minha memória para sempre.

Ele me levantou com um braço e me moveu até que eu


me sentei entre suas pernas. Inclinei-me para frente e
pressionei meu peito contra o dele, empurrando-me para
dentro do beijo. Era lábios em guerra, dentes em choque, e
línguas em duelo, compensando o tempo perdido. Foram nove
anos de amor de infância e onze anos de calamidade.

Eu empurrei sua camisa sobre sua cabeça e a joguei para


o lado. Ela pousou longe do brinquedo, mas nenhum de nós
piscou um olho. Ele gemeu quando eu puxei meu vestido pelos
braços e do meu corpo. Eu o joguei para longe de mim.

Ele tirou um preservativo de seu bolso, uma pergunta nos


olhos. Eu balancei a cabeça. Eu tomava pílula e estava limpa,
e confiei nele para não me machucar. Os olhos dele estavam
aquecidos e corri para desabotoar o jeans, abrir o zíper e
deslizá-los pelas pernas. Ele estava nu por baixo, e seu pau
saltou para cima, batendo na barriga.

Finalmente, isso estava acontecendo. Este momento


havia vinte anos, e meu cérebro me implorou para saboreá-lo.
Ele estava nu, e lindo, e meu, e foda-se, eu estava saboreando-
o. Eu precisava dele agora. Eu precisava dele rapidamente. E
eu precisava dele com força.

Ele abriu meu sutiã, jogou-o fora, e rasgou minhas


calcinhas de novo. Mas eu sacrificaria todas as minhas
calcinhas se isso significasse que eu o tinha. Estávamos ambos
nus um diante do outro pela primeira vez, e o choque e a
luxúria nunca enfraquecendo dos nossos olhos.

— Deslize sua boceta no meu pau, — implorou ele.

Da minha posição acima dele e da maneira como o


desespero brilhava em seus olhos sedentos de luxúria, eu me
sentia mais poderosa do que jamais havia sentido em minha
vida. Empurrei seus ombros para trás até que suas costas
foram pressionadas contra o chão.

Sua mão agarrou seu pau e ele se posicionou na minha


entrada. Baixei minha boceta sobre sua ereção e fechei meus
olhos. Meu corpo se ajustou ao seu tamanho e saboreei a
sensação de minhas paredes estreitas agarrando seu pau.

— Carina, — ele rosnou enquanto se empurrava para


dentro de mim e empurrava com força. Adorei como ele me
fodeu, como se soubesse que eu poderia aguentar. — Se você
não me montar agora mesmo, vou te foder até que você não
consiga andar, vou te girar e te virar de costas, — ele agarrou
minha bunda com força e suas unhas cavaram em minha pele
sensível, — e espalhar meu esperma naquela bunda perfeita
com minha mão enquanto eu te espanco por me provocar.

Eu chorei com as palavras dele e balancei meus quadris


para frente. — Diga-me como você me quer.

Ele se sentou, e meu clitóris se roçou em sua pele. — Para


sempre.
Meu riso se transformou em um gemido enquanto ele
chupava a mancha abaixo da minha orelha. — Eu quero dizer,
como você quer que eu te foda?

— Você confia em mim?

Eu acenei com a cabeça. — Sempre.

Ele me levantou, e eu enrolei minhas pernas em volta de


sua cintura e me empurrei mais profundamente para o seu
pau enquanto ele nos levava para as paredes gradeadas do
brinquedo.

A chuva quente escorria pelo seu rosto, gotejava pelo


queixo e salpicava seu peito enquanto ele falava: — Segure as
barras. — Ele rasgou uma tira de tecido de sua camisa
enquanto eu agarrava a barra acima de mim. — Assim você
não escorrega. — Ele apertou um beijo nos meus lábios, depois
amarrou meus pulsos à barra com o tecido. Ele puxou-a,
certificando-se de que ela não se soltasse.

Meus lábios encontraram os dele, e ele agarrou seu pau


e o acariciou uma vez antes de esfregar a cabeça de sua ereção
no meu clitóris. Eu me empurrei para frente, balançando meus
quadris para encontrar seu pau. A frustração surgiu através
de mim enquanto as amarras mordiam meus pulsos.

Ele me parou com um tsk-tsk. — Não seja gananciosa,


Gallo. Se você não consegue se controlar, eu posso ainda
amarrar suas pernas.

Eu estreitei meus olhos. — E se eu não gostar de BDSM?


Ele estendeu a mão e esfregou o polegar no meu lábio
inferior, dividindo-o. — Isto não é BDSM. É um estilo. — Ele
moveu seus lábios para o meu ouvido até que eles escovaram
contra o lóbulo enquanto falava. — E você gosta disso.

— E como você saberia disso?

Ele chegou entre nós e acariciou os lábios da minha


boceta antes de separá-los e afundar três dedos dentro. —
Ensopada.

Enrolei uma perna na cintura dele e o puxei para mais


perto de mim. — Cala a boca e me foda já.

Ele riu e me deu o que eu queria, empurrando para dentro


de mim e acertando meu ponto g em sua primeira tentativa.
Ele agarrou minha outra perna e a enrolou em torno de sua
cintura, também, dirigindo cada vez com mais força em mim.
Eu joguei minha cabeça para trás e gemi.

Não importava o que eu havia sentido por ele no passado,


do amor à frustração, do desespero à raiva, eu sempre soube
que fomos feitos um para o outro. Seu corpo era um par
perfeito para o meu. Seu longo e grosso pênis, um estiramento
perfeito para as paredes apertadas da minha boceta.

Seus impulsos se aceleraram, e eu encontrei cada um


deles, balançando meus quadris avidamente. Fechei meus
olhos e descansei minha cabeça contra seu ombro, saboreando
a sensação de, finalmente, estar conectada a ele. Eu queria que
ele ficasse em mim para sempre.
— Mais, — eu implorei.

Ele se inclinou para frente e mordeu meu mamilo. Ele


escovou a língua contra ele. Uma vez. Duas vezes. Três vezes,
antes de chupá-lo, alcançou entre nós, e escovou a almofada
de seu polegar contra o meu clitóris.

— Goze no meu pau, — insistiu ele.

Eu estava perto. Voando cada vez mais perto enquanto


faíscas piscavam atrás dos meus olhos, e Pop Rocks viajou
através do meu corpo, enchendo minhas veias com algo que
era, sem dúvida, amor.

Meus olhos voaram abertos, e eu sussurrei: — Eu te amo,


Ranieri Luca Andretti.

E então eu gozei.

Minhas paredes se apertaram em seu pau, e ele me


seguiu logo depois, derramando-se dentro de mim. Quando ele
puxou para fora, eu baixei minhas pernas, e seu esperma
escorreu por elas. Ele usou seu indicador e seus dedos médios
para limpar minha coxa interna, empurrou seu esperma de
volta para dentro de mim e gemeu ao ver.

Eu senti seus dedos massageando minhas paredes. Ele


era um provocador tão sujo.

— Ranie...

— Shh, — ele implorou. — Deixe-me desfrutar da visão


da minha porra possuir sua buceta por mais um segundo.
Ele colocou seus dedos contra meus lábios, efetivamente
me empurrando. O seu esperma manchou meus lábios, e eu
pulei minha língua para fora, escovando seus dedos enquanto
eu o provava. A chuva lavou o resto de seu esperma, mas eu
ainda o sentia em mim. Ao meu redor. Dentro de mim.

Ele me alcançou e me desamarrou, e nós ficamos em


silêncio, levando um ao outro até que a chuva morresse, mas
nossos sentimentos permaneceram inabaláveis.

Dando um passo adiante, ele usou seu corpo para me


encurralar contra a parede do brinquedo. — Eu te amo, Carina
Amelia Gallo. Você foi feita para mim, e não importa onde você
esteja ou quanto tempo passe, eu sempre a encontrarei,
porque nosso amor está fadado, e Romeu precisa de sua
Julieta.

Deslizei por baixo dele, peguei a caixa de madeira e a abri.


Entreguei a nota a ele. — Está nove anos atrasado, mas acho
melhor tarde do que nunca. — Apertei um beijo nos lábios dele.
— Julieta também precisa de seu Romeu.
CAPÍTULO DOZE

As bactérias de ressentimento criadas:


a distância transformada em desconfiança;
a desconfiança se transformou em amargura;
a amargura ao ódio, que é, afinal de contas, uma espécie de
amor doloroso.
– Johnny Rich

ERA VOCÊ, RANIE.

SEMPRE FOI VOCÊ.

– Monólogo Sentimentalista de Merda da Julieta Amadora


EPÍLOGO

O ressentimento de um bom homem é a coisa mais difícil de


suportar.
– Publilius Syrus

Um ano depois

— Você tem certeza de que quer fazer isso?

Meus olhos dispararam para Niccolaio, e eu o nivelei com


um brilho até perceber que ele estava brincando. Eu não o
conhecia tão bem quanto antes, mas eu o conheceria.
Eventualmente.

Eu ainda estava me acostumando a tê-lo por perto e a


não querer matá-lo, mas essa era mais a história dele para
contar do que a minha. Além disso, estranhou-me que ele
tivesse largado o sotaque para se misturar no Norte.

Ao nosso lado, Luigi bufou.

— Ria, velhote. — Eu olhei para o smoking dele. — Eu


poderia mudar de ideia sobre ter um cara de oitenta anos como
um dos homens do noivo.
— Cinquenta, — ele corrigiu.

Niccolaio grunhindo. — Se você tem cinquenta anos, eu


ainda não nasci.

— Faz sentido. O seu nível de maturidade está mais ou


menos aqui. — Luigi baixou a mão até que ela pairou um
centímetro acima do chão, e eu jurei ter ouvido suas costas
racharem. — Não se preocupe. Vai se desenvolver quando você
chegar à puberdade.

— Eu ainda não cheguei à puberdade, — brincou


Niccolaio. — Qual é a sua desculpa?

Eu me levantei quando Luigi abriu sua boca, uma réplica


certamente na ponta da língua.

Ele desviou seu olhar para mim. — Aonde você vai?

— Ver minha noiva.

— Mas isso é azar!

— Eu não acredito em azar.

A porta bateu atrás de mim, e quando cheguei à sala onde


Gallo se preparava para nosso casamento, eu a espiei por trás
da parede estendida. Um estilista estava mexendo no cabelo
dela enquanto ela se esforçava para deslizar sua cinta-liga pela
perna.

Além de seu pai, ela não teve nenhuma madrinha de


casamento. Por mais que Brody tivesse tentado, Gallo não
conseguia perdoá-lo, e eu estava cem por cento bem com isso,
porra. Mas desde que nos mudamos para South Beach, ela se
abriu para o mundo, e eu não podia imaginar um cenário onde
alguém não a amasse. Ela faria novos amigos. Amigos que não
manipulavam e eram coniventes e não estavam secretamente
apaixonados por minha mulher. E até então, eu era feliz por
ser seu único melhor amigo.

Eu saí das sombras e o estilista arfou.

Ele tocou seus lábios com as pontas dos dedos. — Não,


não. Oh, não. Você não pode estar aqui. — Ele deu um passo
à frente e tentou me empurrar para fora. — Isto é azar.

Eu não estava pagando para ele me irritar, então eu me


abaixei debaixo do braço dele e ignorei suas ondas frenéticas,
empurrando meu caminho para minha futura esposa. Eu
empurrei suas mãos para o lado, peguei a cinta-liga e deslizei
minhas mãos sob o vestido de noiva dela.

Era branco e fofo, e ela estava linda nele, mas tudo que
ela vestia também ficava. Esta cinta-liga de renda, por outro
lado, despertou meu interesse. Eu a deslizei lentamente pela
sua perna, e enquanto não conseguia ver o que estava fazendo
debaixo de todas as camadas de tecido do vestido de noiva, eu
podia senti-la. Ela era macia, e lisa, e minha.

Tão. Porra. Minha.


O estilista finalmente teve o senso de nos deixar em paz,
e logo, o único som na sala era a dificultosa respiração de
Gallo.

— Isso foi indelicado. — Ela gemeu quando eu coloquei a


cinta-liga em sua parte superior da coxa e deslizei meus dedos
para sua buceta molhada. Ela estava sempre tão, tão molhada
para mim.

Eu movi as calcinhas dela para o lado e provoquei o seu


clitóris com meus dedos. — Se alguma coisa, a culpa é sua por
me distrair.

Ela estava manchando sua lingerie de noiva com sua


excitação, e eu não queria nada mais do que lamber a lingerie.
Ela inclinou a cabeça para trás e balançou os quadris para
frente, tentando encontrar minha mão. — Você nem deveria
estar aqui.

— Eu poderia ir embora.

— Não se atreva.

— O que você diz de sairmos daqui e irmos mais cedo


para nossa lua-de-mel? — Pressionei um beijo contra o
pescoço dela. — Vou fazer valer a pena.

— Temos convidados.

Tínhamos o pai dela, meu irmão, Luigi e Spaghetti. Eu


duvidava que algum deles se importasse.
Tirei minha mão de debaixo do vestido dela e me
endireitei, ignorando seus protestos. — Vamos lá. — Peguei a
mão dela e a puxei para cima.

— Aonde vamos? — Perguntou ela, mas ela me seguiu


igual.

Eu nunca tinha sido do tipo idiota, mas tive que admitir


que adorava o quanto ela confiava em mim. — Para o nosso
casamento.

— Só começa daqui a uma hora.

Eu encolhi os ombros. — Todos estão aqui.

— Ranie!

Eu girei e a encarei. Percebi que a amaria tanto em um


corredor vazio como em uma capela de casamento cheia, e não
queria nada mais de que ela fosse minha esposa. Agora. Ela
me encarou com um olhar desnorteado colado em seu rosto
inocente, mas eu sabia que minha noiva marota ainda estava
molhada entre as pernas e, no que me dizia respeito, essa era
a melhor condição para dar a ela meus votos.

— Carina Amelia Andretti, eu prometo amá-la através do


tempo e da adversidade.

— O que você está fazendo?

— Dizendo meus votos. — Belisquei o traseiro dela. —


Pare de interromper. É indelicado. — Eu me esquivei do soco
dela no estômago. — Prometo amá-la mesmo quando você
queimar o pão no jantar, e você vai queimar, porque não
importa o quão grande chef você seja, você nunca conseguirá
acertar o pão. — Uma gargalhada rasgou meus lábios quando
ela bufou. — Eu prometo te amar mesmo quando você se
recusar a usar o Vestido Vermelho...

— Estava no lixo!

— ...e, especialmente nos domingos de espaguete. Eu te


amei quando éramos jovens, e te amarei quando formos velhos.
Prometo te amar mesmo quando toda esperança estiver
perdida, e você achar que não há como isso funcionar, porque
funcionará, Gallo. Você é isso para mim.

— Eu não serei Gallo tão cedo.

Eu me inclinei e lhe beijei o nariz. — Você sempre será


Gallo para mim. Mas você está certa, e eu gosto mais de você
usando meu nome.

— Bem, prometo te amar através do tempo e da


adversidade, mesmo quando você queima água como só você
poderia, mesmo quando você goza antes de mim...

— Isso foi uma vez!

Ela levantou uma sobrancelha.

Eu balancei a cabeça. — Você estava usando aquela


peruca azul pela segunda vez. Isso não conta.

Niccolaio entrou no corredor. — Vocês vão se casar agora


mesmo?
— Ninguém te convidou, — brinquei ao mesmo tempo em
que ela gemeu, — Cala a boca, Nick!

Gallo sorriu. — Eu estava terminando os meus votos. —


Ela se inclinou e sussurrou ao meu ouvido enquanto seu pai,
Spaghetti, Niccolaio e Luigi se reuniam ao nosso redor. —
Prometo amá-lo, quer você esteja do outro lado do mundo, quer
tenha suas bolas afundadas dentro de mim. — Ela se
endireitou. — Prometo te amar, quer você esteja feliz ou triste.
Mas quando você estiver triste, eu farei minha missão de
colocar um sorriso em seu rosto. Prometo ser sempre a sua
Julieta Monólogo e Amante de Merda, e quer você ainda me
ame ou não, eu sempre o amarei, e você nunca mais será o
Solitário Romeu. Apenas Romeu. Meu Romeu.

O pai de Carina, que havia sido certificado on-line, limpou


a garganta. — Agora você pode beijar a noiva? — Ele disse isso
como se fosse uma pergunta, como se estivesse no corredor o
confundisse.

Ela agarrou meu rosto e me beijou, pressionando seus


lábios com força contra os meus. — Acabamos de nos casar no
corredor, uma hora antes do nosso casamento.

E eu não queria que fosse de outra forma.

Eu me ajoelhei sob suas costas e levantei seu estilo de


bombeiro. — Lua-de-mel. Agora.

Nunca fomos normais de qualquer maneira.


Um ano depois

Ele tinha me vendado os olhos.

Ouvi a Spaghetti ofegante enquanto ela corria de volta


para nós, e quase pude imaginar seus olhos azuis vivos
brilhando à luz do dia. Olhos azuis que lembravam os meus
para o meu marido. Os olhos, ele admitiu, foram o fator
decisivo para adotar Spaghetti porque ele tinha se perdido de
olhar para dentro dos meus.

Eu estendi a mão para o braço do Ranie. — Estou com


esta venda nos olhos há uma hora! Sei que pegamos um voo,
e a menos que esta viagem termine com sexo perverso, vou
ficar desapontada.

Ele me deu um tapa na bunda. — Você não confia em


mim?

— Sempre, — respondi honestamente.

— Então, você vai adorar. — Ele tirou a venda dos olhos.


— Abra seus olhos.
E ele estava certo.

Eu realmente adorei.

Cobri minha boca com minha mão, boquiaberta. Desde a


última vez que estivemos aqui, ele tinha fechado todo o parque
Rylafax e construído uma casa na borda. Era uma casa de
fazenda clássica, uma versão superdimensionada da casa do
rancho que meu pai tinha se aposentado no ano passado,
exceto que a minha estava colocada em nosso parque. Um
avião voou por cima, lembrando-me o quão especial este lugar
era para mim.

Eu ri e girei em círculo, tão feliz e tonta, como eu estava


desde que Ranie e eu fizemos as pazes naquele dia no
parquinho. Spaghetti se juntou à minha celebração, correndo
em círculos ao meu redor, latindo para minhas risadas, para
os aviões, e para sua própria maldita cauda.

Ranie enrolou um braço ao meu redor e me puxou até seu


peito. — Sabe, as pessoas normalmente reclamam de viver
perto dos aeroportos.

Eu olhei para os acres e acres de grama verde e colinas.


— Do que há para reclamar?

— O barulho.

— Casei com um chefe. — Pressionei um beijo na


garganta dele e sorri contra sua pele. — Tenho certeza que você
encontrou uma solução?
— E se eu não tivesse achado?

— Eu te amo o suficiente para que você não note o


declínio.

Ele estreitou os olhos e me beliscou o traseiro. — Você é


tão esperta. — Ele se aproximou atrás de mim e abriu a porta
da casa. — Para sua informação, eu encontrei uma solução. —
Ele encolheu os olhos. — Uma solução à prova de som de dez
milhões de dólares. Imagine o isolamento acústico de um
estúdio de gravação, mas em uma casa de dez mil metros
quadrados.

— Aí está o meu chefe.

Ele me levou para dentro da casa, passando pelo grande


hall de entrada, e para a enorme sala de estar. A casa era linda,
mas poderia estar em ruínas e eu teria adorado. Nos últimos
dois anos, este homem tinha me dado tudo. Seu coração. O
restaurante à beira-mar. O bebê crescendo na minha barriga.

Eu vi a parede atrás do sofá, e meus olhos se alargaram.


— Você as emoldurou.

Dúzias de molduras verde-esmeralda encheram a parede,


e em cada uma delas, nossas cartas de amor foram exibidas
com orgulho. No centro, como um núcleo, descansava minha
carta, rodeada por uma espantosa moldura azul escura.

— Não sei como lhe agradecer.

Ele sorriu. — Eu sei.


Eu ri enquanto ele rasgava minha camisa em pedaços, e
meus olhos ficaram presos nas cartas de novo.

Romeu não era mais tão solitário, mas Julieta ainda tinha
uma queda por monólogos e merdas sentimentais.
AGRADECIMENTOS

Chloe, obrigada por me dar os melhores três anos da


minha vida. Você esteve lá desde o início desta viagem louca, e
todos os dias, eu gostaria que você pudesse estar lá até o final.
Sinto sua falta, garotinha. Todos os dias. A cada hora. A cada
minuto. A cada segundo.

Obrigada a Rose e Bauer por serem os melhores filhotes


de cachorro de sempre. Vocês dois, junto com Chloe, me
ensinam a amar e a ser amado todos os dias. Não seria sempre
bom?

Obrigado a L, por passear os filhotes quando eu tenho


que escrever e ser minha outra metade. Sou provavelmente o
maior punhado de qualquer menina deste planeta, mas vocês
me fazem sentir como uma princesa todos os dias. Você é o
Romeu para minha Julieta.

Obrigada, Heather, por ser sempre meu ombro para rir,


apoiar-me, chorar e berrar. 99,99% de certeza que fico irritada,
mas você lida comigo com tanta graça, que não acredito que
tenho um mauzão como você como amigo.

Obrigado, Odette, por ser minha melhor amiga escritora


para sempre. Você me dá tantas ideias com minha história e a
parte menos divertida de escrever-marketing (vomitar). Você
também está sempre presente para mim, e é de segunda
natureza querer lhe enviar uma mensagem sobre TUDO.
Obrigada, Carla, por lidar com minhas mensagens
esporádicas e dar seu máximo apoio. Você sabe que é minha
garota e que está sempre presa a mim.

Obrigada, Heidi, por amar os cães, e a mim e aos meus


livros. Você é tudo o que eu quero e preciso em um amigo, e eu
prometo que não te tomo como certa.

Obrigada, Krista, por dirigir minha página de fãs no


Facebook, por ser minha doce mãe ursa e por ser um ombro
no qual eu posso me apoiar. Eu te amo, eu te amo, eu te amo.

E por último, mas não menos importante, obrigado aos


leitores, blogueiros e a todos que compartilham meu trabalho
nas mídias sociais. EU OS AMO A TODOS!

XOXO,

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