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ag DA EDUCAGAO PELA ARTE AS EXPRESSOES ARTISTICAS INTEGRADAS: CONTRIBUTOS DE UMA FORMACAO HOL{STICA DE PROFESSORES Lucilia Valente um momento muito especial estar presente neste encontro de homenagem ao Dr. Arquimedes. Jé foram proferidas palavras, muitos bonitas e de uma forma muito mais eloquente do que cu seria capaz de fazer. Para mim o Dr, Arquimedes é um mestre. ‘De mim, uma s6 palavra bastaria: obrigada. O curso de educagéo pela arte marcou em definitive a minha vida. ‘Mas néo é disso que vou falar, pois cabe-me abordar o futuro. se tem feito a pergunta se a educagdo pela arte é uma datada. Jé tive a oportunidade de responder a esta questo, defen- dendo que a educagéo pela arte, no contexto de formacéo de pro- fessores é actual “quando traduzida numa formagéo de professores que incentiva a inovagdo e se baseia na criatividade e autoconhe- cimento” (Noesis, 52, 1999). ‘Apesar do curso ter sido encerrado nos anos oitenta a “politi- ca de sementeira” funcionou e algumas sementes germinaram nos mento resulta de alguns anos de experiéncia de formagéo de pro- fessores do primeiro ciclo ¢ educadores de infancia, que bebeu nos princfpios da educacéo pela arte . 148 EDUCAGAO PELA ARTE A primeira experiéncia, resultow num Curso de Estudos Supe- que decorreuna Universidade do Minho, em cuja criagome quei logo que cheguei a esta Universidade, e do qual fui direct entre 1993 1996, ano em que mudei da Universidade do Minho para a Universidade de Evora. Este projecto integrou no seu corpo docente antigos alunos da Escola Superior de Educagdo pela Arte (ESEA) e outros elementos, que nfo tendo frequentado a ESEA se integraram muito bem na equipa. Nao posso de deixar de mencionar nomes como, Céu Melo, Maria Flor, Judite Cruz, Carla Antunes, Ana Paula Macedo, Amadeu ‘Alvarenga ¢ tantos outros que conseguiram dar corpo ao curso, Foi um projecto vivido com muita intensidade e entusiasmo tendo despoletado uma reflexéo e investigacao sobre o conceito de integragao das artes. No ambito das iniciativas do CESE reali- zaram-se dois encontros sobre a problemética das express6es artis- ticas integradas (1995 e 1996) . Considero que toda esta actividade foi bastante frutuosa e motivou directa ou indirectamente um jé assinalével némero de publicagdes que seria exaustivo enumerar. Um outro efeito a assinalar foi o contributo dado pelos alunos para a reflexéo e construgao de um corpus teérico para as expres- ses artistica integradas (p. ex.° Ferraz e Melo, 1988). Muito mais material foi produzido com os projectos finais realizados, j4 dis- ponfveis na biblioteca do Instituto da Crianga da Universidade do Minho. Esta primeira experiéncia langou as suas sementes, como mos- ‘tra um trabalho de mestrado por mim orientado (Lourengo, 1999) ‘em que foi feito um estudo sobre a formagao e praticas da popula- io de professores e educadores de infancia que frequentaram os. CESES em Expresses Artfsticas Integradas, quer em Braga quer em Almada. E de assinalar que esta formagao envolveu mais de duzentos alunos (a amostra foi constitufda por 134 sujeitos). Muitos dos educadores ¢ professores que a vivenciaram, come- garam a olhar a sua prética de uma forma diferente, em tormos de fundamentacao to6rica e intervengéo pratica. Temos testemunhos que apontam para a importancia do CESE na transformagao posi- EDUCAGAO PELA ARTE 148 tiva da sua prdtica pedagégica, que se traduz no aumento de diver- sidade de utilizacéo de estratégias pedagégicas, no aumento de motivagao das criangas para aprender e na melhoria no rendi- ‘mento escolar dos alunos Mas o que me proponho fazer neste depoimento é centrar-me numa segunda experiéncia em que outra equipa, por mim coor- denada, desenvolvou outro CESE tam! Express6es Artisti- cas Intogradas que decorreu no Insti Conseguimos reunir um corpo do bém com alguns professores formados na Escola de Educagao pela Arte. E sempre arriscado mencionar nomes porque se corre 0 risco de deixar algum de fora, mas, considero que este depoimento 6 também hist6ria recente © gostaria de mencionar elementos como ‘Adelina Peixoto, Helena Ferraz, Ana Paula Macedo, Helena Costa, ‘Alberto Barros de Sousa, Carlos Guerreiro, José Pontes, José Caeiro, ‘Anna Feitosa, Antéo Vinagre, Cristina Campos, Sara Marques Pereira, Leonardo Charréu, sem os quais néo terla havido tanto espirito criativo e empenhamento. O projecto iniciou-se em 1996 e ainda esté na fase de encerra- mento com as monografias finais. Foi muito importante a experi- éncia que jé tinha adquirido na Universidade do Minho e posso dizer que foi possivel, neste segundo projecto, aprofundar a prati- a das express6es, pois o curriculo do curso previa um maior ni- mero de horas praticas. A titulo de exemplo, s6 a disciplina de globalizagio das express0es artisticas continha 170 horas de for- macéo, para além de terem sido introduzidas disciplinas como Psicopedagogia das Expressdes Artisticas, Oficinas de Praticas Artistico-Artesanais, Expressao Poética e outras (ver Vilela, 1999, para mais informacao sobre o CESE). jplicado, tam- Uma nova disciplina, Introdugdo as Técnicas Artistico-Tera- péuticas, pormitiu avancar com uma dinémica baseada numa abor- dagem holistica na educacdo, que me parece merecer alguma reflexéo em termos de formagio de professores ¢ do que poder fazer-se no futuro. ‘Ao propor-mne falar de formagio holistica de professores néo posso deixar de citar o Professor Pierre Weil (1990) segundo o qual. 146 EDUCAGAO PELA ante as qualidades necessérias numa formagao holistica de professores sio parecidas com as que se encontram nos grandes mestres. Em, todas as culturas existem homens e mulheres suficientements Tiicidos e modestos que, por vivenciarem o amor, a verdade, a sabe. doria ¢ pela disponibilidade do seu tempo e dedicacio ao servigg dos outros, sso um bom exemplo para aqueles que querem seguir efou experimenter estar em harmonia com o que, numa perspec- tiva holistica, se designa por ecologia interior, social e ambiental. Pode definir-se educacao holistica, como um processo que se ra.em métodos activos dirigindo-se a pessoa como um todo, 40, intuig&o, sensagio e emocéo. A ética holistica inspi. -se sobretudo nos valores de preservaco da vida, alogria, coo. peracéo, amor, servico, criatividade, sabedoria e transcendéncia traduzidos por acgées efectivas. Pierre Weil diz-nos ainda que a “visio holistica no se trata de uma nova corrente filoséfica ou religiosa ou ainda de um nova ciéneia. A viséo holistica é um cenério de trabalho onde as correntes jé existentes podem encon- trar-se na busca de solugées criativas para os problemas especifi- cos da nossa época na ciéncia, na educaglo, na arte ou na tradigao espiritual, levando em conta o passado (Crema, 1989)", Para Weil (1998) a formagao holistica esté-se a mostrar como um poderoso método de transformagéo no sentido do despertar para uma nova consciéncia para o terceiro milénio. Esta forma- 40 consiste num processo de aperfeigoamento pessoal e numa tomada de consciéncia, reconhecida pela UNESCO, como méto- do holistico de educagio para a paz. Pode dizer-se que uma nova concepcao da humanidade come- ‘ga a esbocar-se, resultando do encontro entre a ciéncia, a filoso- fia, a arte e as tradic6es espirituais, criando uma nova perspectiva interactiva de aspectos metafisicos e educativos. Para Crema a visdo holistica representa o encontro entre a ciéncia e a conscién- cia. E gragas ao trabalho de autores como Damésio (1999) estamos mais despertos para a importancia da consciéncia. Em suma, o que se pretendeu com esta abordagem, foi encon- trar uma coeréncia e sistematizar algumas vivénci: um curso que defende a globalidade da pessoa e expressdes. Nao se trata de um trabalho cienttfico tradicional, mas de natureza experiencial. Procurou-se encontrar uma fundamen- sgragao das EDUCAGAO PELA ARTE 147 tagao que permita lidar com o individuo para além das tradicio- nais esferas cognitiva, afectiva e psicomotora. Sobretudo no campo da psicologia, abriram-se novos campos de estudo e actualmente estamos apetrechados com outros conhe- cimentos e Iinguagens que nos permitem perceber o individuo para além destas trés esferas. Ha quem defenda que gracas a nova fisica 6 possivel a jungdo de ciéncia e da espiritualidade de forma a permitir a compreenséo de novos campos como, por exemplo, a Psicologia Transpessoal. Foi Abraham Maslow quem primeiro falou de uma “quarta for- a” na psicologia, mais tarde denominada psicologia transpessoal, 20 ‘camente pela teoria positivista ou behaviourista (primeira forga) nem. pela teoria psicanalitica cléssica {segunda forga) tal como criatividade, amor, self, crescimento, organismo, necessidades bésicas de satisfa- etc. Autores cujos trabalhos caracterizam esta abordagem séo Goldstein, May, Fromm, Horney, Rogers, Maslow, Allport, Moustakas, Sutich e alguns aspectos do trabalho de Jung. ‘A psicologia transpessoal, ao surgir a partir dos anos 70, repre- senta apenas uma visdo holistica do mundo, embora até agora os dados cientificos apresentados por esta érea da psicologia sejam precérios e fragmentérios. Contudo, estes dados propéem alguns principios sobre as capacidades e desenvolvimento do potencial humano. O que importa 6 realgar as formas e as caracteristicas inspiradas nos principios nos quais a psicologia transpessoal se apoia, isto 6, o desenvolvimento das capacidades superiores do homem. Nesta orientagao transpessoal é fundamental um traba- Tho voltado para a realizago e expanséo do EU, para a expansio dos seus estados de consciéncia, a transcendéncia do self, a sacralizagao da vida quotidiana, e o espirito. A vontade de trabalhar numa dimenséo intencionalmente holistica fazia sentido em termos do percurso feito com educa- 148 EDUCAGAO PELA ARTE do pela arte e as expressdes artisticas integradas. No entanto, estamos conscientes que néo estamos a inventar nada. Jé Rudolf Steiner (1919), Carl Rogers (1961) e Maslow (1962) defendiam uma aprendizagem holistica englobando o ser humano na sus totalidade. A abordagem holistica desenvolvida na disciplina de Intro. dugéo as Técnicas Artistico-Terapéuticas envolveu 28 alunos » cerca de 200 horas de aulas. O trabalho fot conduzido durante dois anos pela dx. Adelina Peixoto, que tem o curso de educagao pola arte e formagao holistica, tendo sido sujeito a supervisao, Foi uum auténtico laboratério humano em que se actuou com precau- ‘cdo e muito respeito pelo outro. O que me levou a reflectir sobre a pertinéncia desta experién- cia foram os resultados obtidos com os alunos, demonstrados num pequeno estudo sobre esta abordagem (ver Caeiro, 2000) . O modelo implementado ndo preconiza um sistema pedagé- gico, mas uma forma de estar em educacéo, “despertando” o que jé se encontra no ser humano ¢ “informando” de acordo com as capacidades i . Steiner. Este modelo vai ao encontro da globalizacéo 6 as suas dimensées (corpo, mente e espirito). Como meio foram utilizadas técnicas activas de expressio e criatividade de orientagéo transpessoal. (ver Peixoto, 1999). Os depoimentos dos alunos dio-nos a convicgao profunda que esta abordagem tem um efeito muito positivo, tanto a nfvel pes- soal como ao nivel profissional, na implicagéo no trabalho criati- vo com os seus alunos na escola, na familia e na comunidade (Caviro, 1999). Neste momento, com os dados de que dispomos, podemos dizer que 0 que marcou as alunas de uw alargamento do seu estado de consci ambiental. Esta é a base da filosofia hol Do que se fez nestas experiéncias pedagégicas muito haveria a dizer e seria interessante poder apresentar monografias que traduzem trabalhos realizados na sala de aula, de uma riqueza rofunda e que foram inspirados na disciplina de Técnicas Artistico- “Terapéuticas (Filomena, 1999; Graciete, 1999; Caeiro, 1999), EDUCAGAO PELA ARTE 149 Gostava de sonhar alto e pensar que se vio ses trabalhos e, sobretudo, que vai ser dada conti mica que nos permita testar os efeitos desta formagao no terreno, depois de passado 0 impulso mais forte provocado pela formacéo, ‘A questo que gostaria de colocar, contribuindo assim para a reflexao neste coléquio, em que me foi proposto falar do futuro, 6 questionar até que ponto a educacao holfstica poder ser uma das vias do futuro, visto que convoca o conceito de inteireza, de néo fragmentacéo, de globalidade da pessoa. A forma como encaro a educagao pela arte 6 essencialmente como uma forma de desenvol- vimento da pessoa através das linguagens expressivo-artisticas. Continuo a acreditar, e jé tenho algumas experiéncias que aju- dam a justificar a minha crenga, que ¢ no direccionar da pratica das expressées para o desenvolvimento pessoal, abarcando a espiritualidade, que reside a grande diferenga na receptividade e envolvimento dos professores em formagao. Quero salientar que falamos de uma espiritualidade experienciada, é uma experién- cia que faz parte da prépria natureza transpessoal do individuo e néo de conceitos ou dogmas religiosos adquiridos. Numa visdo holistica, as actividades artisticas atingem uma outra interforidade e 0 trabalho criativo manifesta-se com mafor profundidade. Criam-se espagos de tranquilidade de sentir-se a st e a0 outro, desenvolve-se mais a observacéo ¢ onfrentam-se emo- gées. O litdico aparece naturalmente e as pessoas falam e sentem transformagdo. Manter em equilfbrio a ecologia pessoal, o social ¢ ambiental 6 0 objectivo desta abordagom. Quando se fala em ecologia ambiental ndo se trata apenas de respeitar a natureza mas sentir-se natureza, senti-la no interior de simesmo, o que leva a expressé-la de forma mais consciente. Sentir, por exemplo, o sagrado dos elementos ar, terra, fogo, ar, conduza uma performance dramética em que 0 conceito de TODO comega a fazer cada vez mais sentido. Reforgo que, quando nos referimos a espiritualidade apela- mos sobretudo a interiorizagéo, a ritualizagao, ao sentir que 0 dentro ¢ o fora sio insepardveis. Como diz Weil (1990 ) uma vez que se tem esta experiéncia presente na nossa consciéncia, a fan- tasia da soparatividade (de que somos fragmentados) dissolve-se 180 EDUCAGAO PELA ARTE , progressivamonte, as emogoes destrutivas do apego, da indife. cee ‘orgulho, competic&o, medo ou raiva também se dissolvem, Viveriamos como diz Arquimedes uma “Paideia do Amor e da Alegria anagogicamente humanista (...)” (Santos, 1999). BIBLIOGRAFIA CAEIRO, J.A (2000) A abordagem Holistica em Educagdo uma outra forma de ‘estar Meméria final. CESE Expresses Artisticas Integradas em Educa- co. Almada, Instituto Piaget. lugdo 6 Visto Holistica. § Paulo: Summus Editorial Toward a Paychology of Being. Princeton: Van Nostrand. srianga ~ um ser global integrado no grupo, Meméria (1999) Abordagem Holistica das Técnicas Activas de Expresstio ¢ ientogdo ranspeseoal, Monografia Final do Curso om Departamonio de Artos Universidade de Evora

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