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DOUTRINAL

Revista doutrinária da Polícia Militar de Pernambuco

Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 -
Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal

COMO ELABORAR UMA SINDICÂNCIA A LUZ DA DOUTRINA E


JURISPRUDÊNCIA

Demétrios Wagner Cavalcanti1

RESUMO

O artigo propõe um apertado debate sobre os principais traços da elaboração de


Sindicâncias Administrativas nas Corporações Militares Estaduais. Se de um lado
não anula a grande valia das Instruções Gerais para elaboração de Sindicância
adotadas atualmente, de origem do Exército Brasileiro, de outro afasta possíveis
equívocos de interpretação de seus institutos. O texto foi elaborado com foco nos
institutos normativos, na jurisprudência e na doutrina pátria.

Palavras-chave: Sindicância Militar, Doutrina, Jurisprudência.

Introdução

O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, tem ressaltado que "[...] O


Direito, especialmente o instrumental, é orgânico e dinâmico [...] (STF - RMS: 28758
DF , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 22/11/2011, Primeira
Turma, Data de Publicação: Ac. E. DJe-231 D. 05-12-2011 P. 06-12-2011). Daí o
presente artigo prestar-se não a confundir ou trazer novas regras ao instituto da
Sindicância no âmbito da PMPE mas, ao contrário, aperfeiçoar-lhe, aproximando-a
do ordenamento jurídico pátrio.
De acordo com Hely Lopes Meirelles, a Sindicância “[...] é meio sumário de
elucidação de irregularidades no serviço público para subsequente instauração de
processo e punição ao infrator. Ademais, a sindicância tem sido desvirtuada e
promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em
que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada.

1
Capitão da Polícia Militar de Pernambuco, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito
Processual Civil, Penal e Trabalhista, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Ciências
Criminais Militares.

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(MEIRELLES, 1996)”2.
Já Maria Sylvia Di Pietro, recorrendo-se a um processo de cognição dedutivo
a partir de um estudo semântico discorre que "No idioma de origem, os elementos
componentes da palavra sindicância, de origem grega, são o prefixo syn (junto, com,
juntamente com) e dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este
segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer, ver. Assim,
sindicância significa, em português, à letra, a operação cuja finalidade é trazer à
tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto. (DI PIETRO, 2005)"3.
Na Polícia Militar de Pernambuco, por força da Portaria do Comando Geral nº
122, de 04/06/12, publicada no SUNOR nº 011, de 15/06/12, utilizamo-nos da
Portaria do Comando do Exército nº 107, de 13/02/2012 que estabeleceu as
Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército Brasileiro
(EB10-IG-09.001), o que a partir deste ponto iremos tratar apenas como "Manual de
Sindicância".
Primeiramente é preciso entender que o instrumento Sindicância
Administrativa não é um privilégio das Corporações Militares, sendo a figura utilizada
também em todos os órgãos que compõem o serviço público, cada qual é verdade,
com sua própria regulação. Podemos classificar o gênero Sindicância de acordo
com algumas espécies conhecidas na literatura, das quais destacamos duas, a
saber: a Sindicância Investigativa, como sendo aquela em que é conhecido o fato a
apurar e desconhecido o autor; e, a Sindicância Acusatória, quando o fato discorrido
já aponta um autor possível a ser investigado. Assim podemos também aferir que
enquanto a Sindicância Investigativa é mero procedimento administrativo, a
Sindicância Acusatória é um Processo em si e por isso mesmo deve obedecer
princípios constitucionais processuais especialmente a obediência ao Devido
Processo Legal, a ampla defesa e ao contraditório.
A fim de tornar mais didático, subcapitulamos o presente artigo obedecendo
ao rito estabelecido no Manual de Sindicância, ou seja, o "passo-a-passo" da
sindicância, deixando para cada qual seus respectivos comentários.

2
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
1996. p. 602.
3
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005 pág. 559.

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1. A Portaria
A Portaria de uma Sindicância é o documento oficial de acusação, tal qual a
Denúncia do Ministério Público para o Processo Crime. Assim sendo é dos fatos
narrados na Portaria Inicial que irá se defender o sindicado, não podendo, por isso
mesmo, ser ele punido por qualquer fato que não esteja ali presente.
Neste sentido ainda podemos destacar a Portaria do Comando Geral da
PMPE nº 638, de 10/07/03, publicada no SUNOR nº 036, de 14/07/03 que diz
taxativamente que "Art. 1º. Os Comandantes, Chefes e Diretores deverão mencionar
nas Portarias de instauração de Processos Administrativos Disciplinares ( Processo
de Licenciamento ex officio, a bem da Disciplina e Sindicância) e de Procedimentos
investigatórios (Inquérito Policial Militar) a narração sucinta do fato e quando
possível a autoria do mesmo" ( grifos nossos).
Em mesmo sentido, entendem os tribunais. Vejamos:
Administrativo. Recurso em Mandado de Segurança. Processo Disciplinar.
Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento. Segurança
concedida. 1. A Portaria inaugural e o mandado de citação, no processo
administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado; 2. Ninguém
pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe
são imputadas; 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer
às regras do devido processo legal; 4. Recurso conhecido e provido (ROMS
0001074/91-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, ac. Unân., DJ 30-03-92,
pág. 03968)

Assim sendo, é um equívoco crasso estabelecer uma sindicância "de acordo


com os fatos narrados na comunicação" ou ainda "para apurar irregularidades
praticadas pelo sindicado". É um múnus, uma obrigação legal, da autoridade que
assina a Portaria Instauradora - o acusador - deixar bem claro os limites da
acusação para que com isso possa o sindicado se defender.
Reportando-nos às espécies de Sindicância, o manual de Sindicância
concorda na coexistência de duas espécies distintas, assim dizendo: "Art. 2º ... § 1º.
Na hipótese de não ser possível identificar a pessoa diretamente envolvida no fato a
ser esclarecido, a sindicância terá caráter meramente investigatório; entretanto,
sendo identificada a figura do sindicado desde sua instauração ou ao longo da
apuração, o procedimento assumirá caráter processual, devendo ser assegurado
aquele o direito ao contraditório e ampla defesa." (grifos nossos)

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Na PMPE a Sindicância Investigativa se assemelha aquela hodiernamente
chamada de Sindicância Sumária. Devido ao seu prazo curto - de acordo com
a Portaria do Comando Geral da PMPE nº 119, de 16ABR12, publicada no SUNOR
nº 008, de 30/04/12, de apenas 10 dias corridos - não é possível nesta obedecer os
prazos para o exercício da ampla defesa e contraditório. Daí inclusive ressaltarmos a
impossibilidade de utilizar nos dias atuais a Sindicância Sumária como "meio mais
rápido para apuração de pequenos casos", só sendo coerente sua utilização quando
inexistir totalmente qualquer imputado do fato a ser investigado.
O Art. 2º §1º no entanto fere o sentido jurídico da própria Portaria pois, em
dada interpretação cria a trágica hipótese do imputado, que é descoberto só após o
último depoimento, ser a partir dali considerado sindicado e daí, passar a responder
pelo que foi ventilado antes mesmo de sua intimação, com isso suprimindo-lhe o
direito de acompanhar os atos e defender-se, e neste sentido, como bem visto na
última citação jurisprudencial, a desobediência aos princípios da ampla defesa e
contraditório causam a nulidade de qualquer ato processual. Assim, vejamos como
se posicionam os Tribunais:
Polícia militar. Licenciamento. Mera investigação sumária dos fatos em que se
envolveu o autor. Violação do princípio da garantia de defesa. Aplicação do art. 5º,
inciso LV, da ConstituiçãoFederal. [...] A Constituição vigente instituiu, em prol dos
acusados em geral, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os
meios e recurso e ela inerentes. Assim, qualquer ato punitivo da Administração
com violação dessa garantia é visceralmente nulo. Dano moral - Inexistência de
comprovação. Pedido que não merece acolhimento. 5º LV Constituição Federal.
(579237 SC 1988.057923-7, Relator: Nestor Silveira, Data de Julgamento:
21/10/1993, 2ª Câm. de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação cível n.
40.289, da Capital.)

Assim sendo, surgindo um imputado - não é necessário que haja provas


concretas de sua participação, até porque será este o objeto na sindicância - durante
uma sindicância investigativa, deve-se estabelecer nova portaria e, dessa vez,
criando uma sindicância acusatória em substituição a sindicância investigativa.
O mesmo raciocínio deve ser adotado quando restar "fatos novos". Se
conexos, uma nova Portaria poderá aditar os fatos novos e a partir daí tratar deles
na instrução. Se fatos desconexos, nova portaria deve ser estabelecida a fim de
inclusive respeitar a individualização de cada conduta.

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2. Notificação Citatória
A citação foi prevista no Art. 6º, V, do manual de Sindicância. A notificação
citatória se presta "para conhecimento do fato que lhe é imputado,
acompanhamento do feito, ciência da data de sua inquirição e da possibilidade de
defesa prévia, além da possibilidade de requerer a produção ou juntada de provas".
De tudo o que foi descrito pelo Manual de Sindicância, o primeiro objetivo é o mais
importante de todos, devendo, por isso mesmo, ser no mesmo ato entregue cópia
integral da Portaria. Vale ressaltar também que nesta notificação não é aberto o
prazo para a defesa prévia, mas apenas a informação de que esse prazo será
ofertado posteriormente, pois de acordo com o Art. 13 esse prazo é aberto quando
do interrogatório.

3. O Interrogatório
O interrogatório, ao contrário do que parece, não é peça de acusação, mas de
defesa. É por isso mesmo que é pacífico o entendimento de que este ato é uma
faculdade e não uma obrigação do sindicado: “O comparecimento do réu ao
interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma
faculdade e não um dever do mesmo ( Correição Parcial: RJ, 2007.02.01.007301-4,
Rel. Des. Federal Maria Helena Cisne)”.
Assim, se o sindicado é intimado para comparecer ao interrogatório e não
comparece, não comete nenhuma transgressão disciplinar para com o oficial
sindicante. Pode, no entanto, responder para com o seu Comandante, caso este o
tenha apresentado por ofício, e o sindicado simplesmente não cumprir a ordem de
comparecimento, mas isso de forma alguma poderá ser levado em consideração,
sequer citado, quando do julgamento do mérito da Sindicância.
Por outro modo, caso compareça, não poderá o sindicado ser ouvido caso
declare que não tem interesse em prestar o interrogatório. Neste sentido inclusive,
sugerimos sequer registrar as perguntas pois se assim o fizer poderá, em casos
remotos, responder por abuso de autoridade (Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de
1965).
Ainda descrevendo a autonomia de vontade do sindicado quando de seu

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interrogatório, em nenhum momento deve ele ser obrigado a dizer a verdade,
podendo silenciar ou até mesmo não relatar a verdade dos fatos e ainda assim não
lhe podendo ser imputado por isso qualquer transgressão disciplinar ( como por
exemplo o Art. 128 do CDME-PE, que não é cabível quando do exercício da defesa).
Isso decorre do preceito constitucional previsto no "Art. 5º. (...) LXIII - O preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, (...)" o que
segue o Pacto de San José da Costa Rica que em seu Art. 8º, §2º, alínea g.
assegura que "Toda pessoa tem o direito de (...) não ser obrigada a depor contra si
mesma, nem a confessar-se culpada". Desse raciocínio decorre a velha expressão
de que "ninguém será obrigado a produzir provas contra si mesmo":
[...] III. Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a
prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado contra
ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação" (STF, HC n.
84.517/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 19.10.2004)

Não há nenhuma ilegalidade em encerrar uma Sindicância sem Interrogatório,


desde que sejam juntados aos autos da Sindicância prova de que o Sindicado foi
regularmente intimado para comparecer.
Por fim, ao término do interrogatório pode, o sindicante, aproveitar-se do
próprio termo para abrir o prazo para defesa prévia, em conformidade com o Art. 13
do Manual de Sindicância, com isso evitando elaborar um ofício para fazer o ato em
conformidade com o princípio da Economia Processual.

4. A Defesa Prévia
A Defesa Prévia é a segunda oportunidade de defesa do sindicado. Além dos
argumentos de defesa, é nesse documento que o Sindicado deve apresentar as
testemunhas que deseja que sejam ouvidas. Outrossim, caso venham a ser
apresentadas posteriormente, deve o sindicante ouvi-las sob risco de permitir a
alegação de prejuízo à ampla defesa.
A ausência de Defesa Prévia também não leva a Sindicância à nulidade, salvo
se o Sindicado não tiver sido intimado para esse ato. Assim, vejamos o que dizem os
tribunais: "Não há falar em nulidade se a defesa do paciente, regularmente por este
constituída, deixa de oferecer defesa prévia no tríduo legal, embora devidamente

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intimada (HC 141153 CE 2009/0131042-4, Rel. Ministro OG FERNANDES)".

5. A Colheita de Outras Provas

5.1 Prova Testemunhal


Acerca da oitiva de testemunhas, diz o Manual de Sindicância que "Art. 31. As
testemunhas do denunciante ou ofendido serão ouvidas antes das do sindicado". No
entanto, vale lembrar que em casos excepcionais é possível sim fazer a inversão
dos depoimentos.
Neste sentido, temos:
A inversão da ordem de oitiva de testemunhas de defesa e acusação [...] não
acarreta nulidade ao Processo Administrativo se em razão disso, não houver
qualquer prejuízo para a defesa do acusado"(MS 24487/GO, Rel. Min. Félix
Fischer).

Outro ponto a esclarecer é a quantidade de testemunhas. De acordo com o


Manual de Sindicância esse número é de 03 testemunhas para a defesa e 03
arroladas pelo Sindicante (acusação). Esse número pode ser alterado desde que
não haja prejuízo para a defesa e que prevaleça a "paridade de armas" entre
acusação e defesa, ou seja, ocorrendo aumento do número de testemunhas de uma
ou outra parte ( acusação/defesa), deve o mesmo número ser ofertado a outra.
Por outro modo, se ao acusado é possível faltar com a verdade em seu
depoimento, o mesmo não ocorre com a testemunha. Excluindo disso aquelas que
não são obrigadas a prestar o compromisso ( Vide Art. 354 do CPPM), todas as
demais estão subjugadas a dizer toda a verdade sobre o que sabem e não têm o
direito de se calar. Por outro modo, em Sindicância não há a possibilidade de trazer
coercitivamente uma testemunha para depor. Assim também entende Ivan Barbosa
que diz que no "[...] caso do processo administrativo disciplinar, onde a autoridade
pode apenas convidar, solicitar que compareça, mas nunca obrigar nem impor
comparecimento ( RIGOLIN, 1995)"4.

4
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis. São Paulo:
Saraiva, 1995, p. 264.

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5.2 Provas de outros documentos como processo judiciais, inquéritos,


processo de licenciamento e outras sindicâncias.
É perfeitamente possível simples juntada de cópias de documentos de outros
processos desde que estes também estejam submetidos ao crivo da ampla defesa e
contraditório. O documento trasladado nessas hipóteses será chamado de prova
emprestada. Neste sentido: "Conforme precedentes é legal a utilização de prova
emprestada de processo criminal na instrução do processo administrativo disciplinar
( MS 10874 DF 2005/0123370-1, Relator Min. Paulo Callotti)"
Só não é possível utilizar-se de documentos de IPM e Sindicância
Investigativas pois estes instrumentos não se submetem a ampla defesa e
contraditório.

5.3 Depoimento da Vítima


A "vítima" nos autos da sindicância deve ser ouvida como ofendida(o) e nesse
sentido não se faz necessário que preste compromisso de dizer a verdade. Deve-se
evitar a nomenclatura vítima uma vez que a vítima será sempre a Administração
Pública, sendo o particular mero ofendido.
É por isso mesmo que não é coerente que uma sindicância seja arquivada
sob a justificativa a "vítima não teve o interesse de prosseguir" na investigação,
conforme assim leciona Sandro Lúcio Dezan que enfaticamente diz que "(...) A
Administração Pública, parte autora, deve se encarregar de iniciar e findar a
persecução disciplinar, independentemente de manifestação da outra parte (DEZAN,
2010)"5.

5.4 Da retirada do sindicado durante os depoimentos de ofendido e


testemunhas
Situação constrangedora mas muitas vezes necessária, é a retirada do
Sindicado da sala de audiência quando do depoimento do ofendido(a). É importante
entender que, decorrente do contraditório, é direito do sindicado permanecer na sala
5
DEZAN, Sandro Lucio. Fundamentos de Direito Administrativo Disciplinar. Curitiba: Juruá, 2010.

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e acompanhar o ato, sendo sua saída uma exceção. Caso haja a necessidade, é
importante seguir o Art. 358 do CPPM que aponta que "(...) Neste caso, deverá
constar da ata da sessão a ocorrência e os motivos que a determinaram (...) ". Sobre
o tema, assim tem se manifestado o STF:
É certo que a jurisprudência deste Superior Tribunal não vê nulidade na retirada
do réu da sala de audiências a pedido de testemunhas ou vítimas (art. 217 do
CPP). Porém, a retirada em razão da simples aplicação automática do comando
legal, sem que se indague os motivos que levam à remoção do acusado, fere
o próprio conteúdo daquela norma, bem como o art. 93, IX, da CF/1988. Dever-se-
ia fundamentar concretamente a remoção, pautando-se no comportamento do
acusado (HC 83549-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
22/4/2008)

Ainda que haja a retirada do sindicado, deve este ser representado para que
se exerça o contraditório. O contraditório é direito que se exaure no tempo, portanto
incompatível com o que prevê o Art. 21 §3º do Manual de Sindicância. Ao contrário
do que ali foi proposto equivocadamente, deve o sindicante adotar a seguinte
conduta: Caso o sindicado possua advogado, será por este representado; caso não
possua, deve ser nomeado um defensor ad hoc, ou seja, para acompanhar aquele
ato, podendo esse defensor ser qualquer outro militar estadual disponível para o
feito, preferencialmente oficial e com formação em Direito.

6. Alegações Finais
Previsto no Art. 13, §2º do Manual de Sindicância, temos nas alegações finais
a última e mais importante oportunidade de defesa do sindicado. Assim sendo, a
jurisprudência é pacífica em apontar a impossibilidade de encerrar o feito sem ela.
Daí nossos Tribunais sempre alertarem que “As alegações finais constituem ato
essencial do processo, cuja ausência acarreta a sua nulidade absoluta (APELAÇÃO
CRIMINAL ACR 14 AM 2004.32.01.000014-6, Relator Desembargador Federal
Tourinho Neto):
STJ. Defesa. Ausência de alegações finais. Nulidade. Princípios da ampla defesa
e contraditório. Precedentes do STJ. Réu indefeso. CPP, arts. 267 e 497, V. CF/88,
art. 5º, LV. A falta de alegações finais, imediatamente anteriores ao julgamento do
mérito da causa, consubstanciam-se em termo essencial do processo penal, razão
pela qual a sua ausência implica em nulidade, por ofensa aos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. (STJ - Rec. Ord.
em HC 10.186 - RS - Rel.: Min. Edson Vidigal - J. em 01/03/2001 - DJ 02/04/2001 -
Boletim Informativo da Juruá 290/024892)

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Assim, podemos asseverar em garrafal apontamento que é ilegal o disposto
no Art. 13, §2º, do Manual de Sindicância, quando sugere que a Sindicância pode
prosseguir a marcha processual sem que sejam juntadas as alegações finais.
Caso encerre-se o prazo para que o Sindicado e/ou seu advogado apresente
as Alegações Finais sem que este documento seja juntado, deve o sindicante
nomear um defensor ad hoc, ou seja, para executar aquele ato, podendo esse
defensor ser qualquer outro militar estadual disponível para o feito,
preferencialmente oficial e com formação em Direito. Nesse sentido, vejamos a
possibilidade no entendimento do próprio STF de caso semelhante em Processo
Administrativo Complexo ( Conselho de Disciplina):
ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. EXCLUSÃO. INFRAÇÃO
DISCIPLINAR. DESNECESSIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO.
PROCESSO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.
REEXAME PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. O Supremo Tribunal
Federal possui jurisprudência consolidada de que não há ofensa aos princípios da
ampla defesa e do contraditório no fato de se considerar dispensável a presença,
no processo administrativo, de advogado, cuja atuação, no âmbito judicial, é
obrigatória. (Precedentes: AGRRE n. 244.027-2/SP, relatora Ministra Ellen Gracie;
RE n. 282.176-4/RJ, relator Ministro Moreira Alves; AGRAG n. 207.197, relator
Ministro Otávio Galloti). No caso, não houve qualquer prejuízo para a ampla
defesa do apelante, pois ele foi defendido de forma técnica, efetiva, profissional e
competente pelo OFICIAL MILITAR designado para o caso, que possui
conhecimento altamente especializado para os casos submetidos ao Conselho
Disciplinar. Apurada em processo administrativo disciplinar a prática de falta grave
e submetido o policial militar a Conselho de Disciplina, em que se observou o
contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, reveste- se de legalidade
o ato administrativo que excluiu o faltoso dos quadros da Corporação (citado em
STF quando do julgamento da Apelação Cível n. 1.0024.03.790008-3-004,
MG. STF - AI: 602844 MG , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento:
28/09/2007, Data de Publicação: DJe-129 DIVULG 23/10/2007 PUBLIC
24/10/2007 DJ 24/10/2007 PP-00040)

Outra forma de promover a economia processual na Sindicância, é utilizar o


próprio termo de audiências ( no caso, o último) e ao término incluir a expressão "
fica a defesa intimada para o prazo das alegações finais".

7. Relatório
É no relatório que serão descritas todas as provas em sequência lógica e que
darão sustentáculo ao parecer final do Sindicante, conforme o Art. 6º do Manual de
Sindicância. Deve ele quando de seu parecer final apontar claramente se houve ou
não a transgressão disciplinar e qual o enquadramento cabível, as circunstâncias

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atenuantes e agravantes que vislumbra, deixando para a autoridade solucionadora
apenas o crivo de acompanhar ou não seu parecer.
Outrossim, vale ressaltar que, caso a figura se afigure um crime, deve o
sindicante propor que os autos sejam encaminhados ao Ministério Público, não
sendo nos dias atuais necessário instalar um Inquérito Policial Militar sobre o mesmo
fato que foi investigado na Sindicância, tudo isso em plena conformidade com o Art.
28. do CPPM que diz que "O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de
diligência requisitada pelo Ministério Público:a) quando o fato e sua autoria já
estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais [...]"
É importante ressaltar que, em decorrência da independência das instâncias,
mesmo que o caso se afigure um crime ( militar ou comum), deve o sindicante
externar seu parecer quanto à repercussão administrativa, podendo aqui apontar a
prática de uma transgressão - afinal de contas em decorrência dos Arts. 1º e 7º do
Dec. 22114, de 13/03/00, se houve a transgressão de uma lei incorre-se no descrito
no Art. 139 do CDME-PE - e qual a pena aplicável, ou se melhor é proceder à
Processo de Licenciamento, Conselho de Justificação ou Disciplina, conforme o
caso.

8. Solução
É na solução que a autoridade delegante irá aplicar o desfecho cabível ao
caso.
Se houver entendimento de que a conduta coaduna com algum dispositivo do
CDME, deve na solução a autoridade impor a reprimenda cabível, não sendo mais
necessário notificar para se defender de algo que foi largamente defendido durante a
instrução da sindicância.
Noutro ponto, vale esclarecer que o princípio da motivação dos atos
administrativos impõe ao Comandante que, caso discorde de algum ponto traçado
pelo sindicante, descreva-o sucintamente e demonstrando as razões pela qual não
acompanha o entendimento do sindicante. Nesse sentido, leciona Di Pietro:

O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os


fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela
doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas

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Versão on-line disponível em: http://www.portais.pe.gov.br/web/pmpe/revista-doutrinal
que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os
atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua
obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade
necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.( DI
PIETRO, 2008)6.

9. Recursos
Após a solução do Comandante, é possível utilizar-se de todos os recursos
descritos no CDMEPE como ainda do próprio judiciário. Os tribunais assim se
manifestam:
SERVIDOR PÚBLICO Ação ordinária de reintegração no cargo c.c. indenização e
pedido de tutela antecipada Improcedência. - O que não se permite ao Judiciário é
pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência,
oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria
emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito
administrativo, relacionando-se com conveniências do Governo ou com elementos
técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a
conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do
Direito. Não há confundir, entretanto, o mérito administrativo do ato, infenso a
revisão judicial, com o exame de seus motivos determinantes, sempre passíveis
de verificação em juízo. Exemplificando: o Judiciário não poderá dizer da
conveniência, oportunidade e justiça da aplicação de uma penalidade
administrativa, mas poderá e deverá sempre examinar seu cabimento e a
regularidade formal de sua imposição. - Procedimentos administrativos regidos
pelos princípios constitucionais e legais. (TJ-SP - APL: 1073455020088260000 SP
0107345-50.2008.8.26.0000, Relator: Oscild de Lima Júnior, Data de Julgamento:
06/06/2011, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/06/2011)

Considerações Finais

A segurança jurídica em qualquer processo administrativo só é possível a


partir da estrita obediência aos preceitos legais, em especial aquilo que foi
apregoado na Constituição Federal. Nesse sentido, a Sindicância Administrativa
deve ser usada no interesse da busca da verdade real mas sem perder de vista que
o principal patrimônio do serviço público é o próprio servidor que é responsável pelo
perfeito funcionamento da máquina pública e pelo sucesso de sua missão
institucional.
É por isso mesmo que é inafastável a necessidade de promover instrumentos
de investigação alicerçados no garantismo processual e com isso punindo-se com

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 77.

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DOUTRINAL
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Artigo publicado no Vol.03 Nº01 - Edição de JAN a JUN 2014 - ISSN 2318-3152 -
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máxima eficiência aos culpados ao mesmo passo que se afasta dos inocentes as
duras penas da lei.

Referências

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1996. p. 602.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas,
2005 pág. 559.

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos civis.
São Paulo: Saraiva, 1995, p. 264.

DEZAN, Sandro Lucio. Fundamentos de Direito Administrativo Disciplinar. Curitiba:


Juruá, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas,
2008, p. 77.

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