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Como ações coletivas podem evitar um novo colapso mundial

O homem, assim como os demais seres vivos deste planeta, possui habilidades
específicas, sendo o grande diferencial entre a espécie humana e as demais espécies sua
capacidade racional e cognitiva mais desenvolvida. Com isso, o homem é capaz de criar e
transformar matérias de forma mais complexa, trazendo um maior impacto no mundo em
que vivemos. Talvez séculos atrás, quando não havia conhecimento sobre a repercussão
da evolução, desenvolvimento e aplicações de seus conhecimentos de forma insustentável
no meio ambiente, nos animais não humanos e, por cadeia, na própria humanidade, fosse
possível afirmar que o homem é o centro do universo somente levando em consideração
sua maior capacidade de gerar impacto no mundo em que vivemos.
Atualmente, a partir do desenvolvimento e pesquisa, a ideia de dependência da
vida humana de um mundo sustentável, que promova uma proteção e uso responsável
dos recursos ambientais e provenientes de animais, se encontra cada vez mais difundida.
Com base nessa intersecção, a OMS, a FAO e a OIE definiram em 2008 o conceito de Uma
Saúde, ou em língua inglesa, One Health. Uma Saúde é um paradigma em que a saúde é
determinada por uma gama ampla, inclusiva e interdependente de causa e efeito entre
ecossistemas e populações humanas e animais, que abordam amplamente a segurança
alimentar, mudanças climáticas, proteção da biodiversidade e bem-estar físico, mental e
social.
O conceito de Uma Saúde é, sem dúvida, um desafio para comportamentos
humanos e institucionais coletivos atuais. As políticas e decisões dos últimos séculos
muitas vezes podem ser decididas sem a devida consideração ou reconhecimento de seus
impactos negativos na saúde que engloba as três esferas do One Health. Entretanto, é
esperado que sejam propostas novas maneiras de incorporar a avaliação dos riscos à
saúde em decisões tomadas em uma gama muito mais ampla de práticas publicas e
privadas.
Em 2020 o mundo sofreu diversas alterações devido a pandemia de Covid-19,
sendo possível observar a interdisciplinaridade nos campos científicos e sua importância
para que pudessemos conhecer o vírus, suas características, consequências e possíveis
soluções em tão curto período, que já gerou déficits que poderão levar décadas para serem
corrigidos. Mas a pandemia não foi uma surpresa para muitos pesquisadores que
estudavam surtos e epidemias de doenças infecciosas (SARS-CoV-1, MERS, H1N1, ZIKA),
além dos que estudavam especificamente os coronavírus e, frente aos dados prévios,
previam a ocorrência do cenário pandêmico que vivemos hoje.
Assim como as consequências globais do descaso do homem às pesquisas que
indicavam o perigo com base em evidências científicas e solicitavam uma preparação para
uma pandemia, a comunidade científica também alerta à decadas sobre as consequências
para todo o mundo devido ao aquecimento global e, para evitar um novo desastre
mundial, que devemos agir de forma conjunta nos aspectos ambientais, huamanos e
animais.
A emissão de gases de efeito estufa na atmosfera é diretamente proporcional à
temperatura média do planeta. O constante aumento da temperatura média mundial nos
últimos anos gerou derretimento de geleiras, aumento do nível do mar e alterações nas
estações do ano, que interferem diretamente na fauna e flora e ameaçam muitas formas
de vida do planeta, incluindo as humanas. Com relação a esse aumento, destaca-se o uso
de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) como fonte de energia,
que apesar de apresentar o melhor custo-benefício para as empresas e governos no
sentido econômico, no cunho ambiental é responsável por liberar o carbono que se
encontrava preso no solo para a atmosfera, na forma de CO2, além de causar as chuvas
ácidas nas cidades mais industrializadas e poluição do solo, água e animais.
Diante disso, observa-se a ambição dos governantes por economizar e obter
resultados mais rápidos a curto prazo e também do egoísmo por pensar que, pelas
consequências não decaírem em sua geração, não é necessário agir de forma preventiva.
Além disso, como visto no livro e documentário “Merchants Of Doubt” de Naomi Oreskes
e Erik M. Conway, quando os problemas envolvem grandes indústrias consolidadas no
mundo, é comum que haja uma resposta como a compra de profissionais que questionem
as evidências científicas contrárias ao produto vendido, ou que defendam que tais
evidências são insuficientes, o que abre portas para uma validação de ações que deveriam
ser proibidas por suas consequências para a saúde do mundo.
Atualmente são emitidas cerca de 51 bilhões de toneladas de CO2 por ano na
atmosfera, segundo Bill Gates. No Relatório Especial do IPCC (Painel Intergovernamental
Sobre Mudanças Climáticas) de 2018, sobre o aumento de 1,5°C em relação aos níveis pré-
industriais, foi previsto que até 2050 precisamos reduzir esse número de emissão de CO2
a 0. Mas a emissão não vem somente das fontes não renováveis de energia. Na verdade, a
origem da emissão de gases do efeito estufa pelas formas de energia representa apenas
27% da emissão total. Portanto, além de implementar amplamente o uso de energias
renováveis como a eólica e a solar, de forma mais eficiente e barata em todos os países,
deve-se também interferir a fim de reduzir fortemente o uso de aço, cimento, os meios de
transporte, uso de determinados fertilizantes e a produção animal, responsáveis pela
emissão dos demais gases do efeito estufa. Tudo isso a curto prazo, com apenas 29 anos.
Segundo Bill Gates, no seu livro “Como evitar um desastre climático”, chegar ao
zero nesse período é uma tarefa difícil, mas não impossível. O ponto principal do livro é a
necessidade de uma intervenção governamental que force o mercado a aumentar o custo
do uso das tecnologias poluentes para, consequentemente, baratear as tecnologias que
causam menor impacto no meio ambiente. É necessário que sejam aplicados impostos
sobre os produtos que usam energia não renovável, por exemplo, visto que a fonte de
energia que utiliza combustíveis fósseis só é mais barata, porque dentro de seu valor de
mercado não estão inclusas taxas sobre o impacto ambiental que essas trazem para a
saúde mundial. Além disso, ele fala sobre a necessidade de compromisso corporativo,
mudança comportamental e incentivo à inovação que substitua as tecnologias poluentes.
Ao ler esse livro, fiz duas observações, ambas relacionadas ao âmbito socio-
econômico. A primeira é que nem todos os países vão ter condições de fechar acordos para
o uso de energias renováveis em ampla escala devido ao seu alto custo, e aumentar o valor
de mercado das energias poluentes mais baratas deixariam esses países sem energia. Com
isso, acredito que além disso, deve haver uma cooperação dos países mais desenvolvidos
para ajudar nos investimentos para que essa ação seja realmente global.
E a segunda, com relação as inovações tecnológicas e mudança comportamental,
a grande maioria possui alto custo e existem países em que não é a maioria da população
que determina o preço de mercado, muito menos a maioria possui condições de fazer essa
troca. No Brasil, por exemplo, mais da metade da população atualmente se encontra em
situação de insegurança alimentar grave. Um dos maiorers produtores de alimentos do
mundo, que alimentou um sexto da população mundial ano passado, teve 116 milhões de
seus cidadãos sem comida na mesa. Num país em que 10% da população detém quase a
metade de toda a renda, é impossível que tais ações individuais sejam aplicadas em larga
escala.
A solução para evitar um colapso mundial, seja por alterações climáticas ou
qualquer uma das outras ameaças à saúde nas próximas décadas, ao meu ver,
definitivamente não está centralizada em ações individuais, como muitas pessoas
costumam afirmar. Você não está salvando as tartarugas só por usar um canudo de metal
ou papel, já que grande parte do plástico presente nos oceanos tem origem em resíduos
industriais. Da mesma forma, você não pode dizer que está salvando o planeta do
aquecimento global sendo suas atitudes ter um carro elétrico e comer carne sintética ou
vegetariana ao invés da proteína proveniente da produção animal. Você ajuda de forma
real o combate à fome cobrando políticas públicas que auxiliem financeiramente aqueles
em situação de pobreza e extrema pobreza, não somente por fazer doações de cestas
básicas. Ações individuais são importantes, mas são ineficazes e não geram impacto real
sobre o problema caso realizadas isoladamente, sem os demais fatores envolvendo ações
governamentais e empresariais.
Com relação às ações governamentais, devem-se estabelecer investimentos
aplicados a políticas públicas de curto prazo, como taxas sobre os produtos poluentes,
maior rigidez quanto ao uso de fertilizantes, incentivo para mudança de hábitos
alimentares que evitem a emissão de metano e queimadas. As empresas devem investir
mais em inovação tecnológica, procurando por alternativas que não geram poluição e
possuam o menor custo possível e tomar atitudes em maior escala.
Por fim, no âmbito individual, além de se adaptar, quando possível, a um estilo
de vida mais sustentável, devemos cobrar das empresas, que inserem sustentabilidade e
responsabilidade ambiental como parte de sua visão, para que tenham atitudes
adequadas e realmente impactantes no mundo. Devemos cobrar principalmente dos
governantes por políticas públicas eficazes, maior conscientização da população sobre o
cenário atual e devemos manifestar nossa indignação, tentando impedir ao máximo que
continuem com ações que estão destruindo as nossas vidas e o nosso planeta.

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