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Capítulo

8
Evapotranspiração

O
retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo
hidrológico, ocorre através do processo da evapotranspiração. A
importância do processo de evapotranspiração permaneceu mal-
compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou
que a água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios,
posteriormente, como precipitação.

A evapotranspiração é o conjunto de dois processos: evaporação e transpiração.


Evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar
diretamente de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas
de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode
ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação. Mais comum neste
caso, entretanto, é a transferência de água através do processo de transpiração. A
transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte
da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera
através dos estômatos da folha.

Do ponto de vista do profissional envolvido com a geração de energia hidrelétrica a


evaporação é importante pelas perdas de água que ocorrem nos reservatórios que
regularizam a vazão para as usinas. Além disso, a evapotranspiração é um processo
que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em
vazão em uma bacia hidrográfica. Do ponto de vista da geração de energia,
portanto, a evapotranspiração pode ser encarada como uma perda de água.

Evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para


gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado
líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida tem energia suficiente
para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas
moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o
caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam a superfície é
maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação.

As moléculas de água no estado líquido estão relativamente unidas por forças de


atração intermolecular. No vapor, as moléculas estão muito mais afastadas do que
na água líquida, e a força intermolecular é muito inferior. Durante o processo de
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evaporação a separação média entre as moléculas aumenta muito, o que significa


que é realizado trabalho em sentido contrário ao da força intermolecular, exigindo
grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma molécula de água
líquida precisa para romper a superfície e evaporar é chamada calor latente de
evaporação. O calor latente de evaporação pode ser dado por unidade de massa de
água, como na equação 8.1:

λ = 2,501 − 0,002361⋅ Ts em MJ.kg-1 (8.1)

onde Ts é a temperatura da superfície da água em oC.

Portanto o processo de evaporação exige um fornecimento de energia, que, na


natureza, é provido pela radiação solar.

O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A


quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada
concentração de saturação (ou pressão de saturação). A concentração de saturação
de vapor de água no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostrado
no capítulo 4. Quando o ar acima de um corpo d’água está saturado de vapor o
fluxo de evaporação se encerra, mesmo que a radiação solar esteja fornecendo a
energia do calor latente de evaporação.

Assim, para ocorrer a evaporação são necessárias duas condições:

1. que a água líquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de
evaporação – esta energia (calor) pode ser recebida por radiação ou por
convecção (transferência de calor do ar para a água)

2. que o ar acima da superfície líquida não esteja saturado de vapor de água.

Além disso, quanto maior a energia recebida pela água líquida, tanto maior é a taxa
de evaporação. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentração de vapor no ar
acima da superfície, maior a taxa de evaporação.

Fatores atmosféricos que afetam a evaporação


Os principais fatores atmosféricos que afetam a evaporação são a temperatura, a
umidade do ar, a velocidade do vento e a radiação solar.

Radiação solar
A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa
das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e
sofre transformações, como apresentado no capítulo 4.

O processo de fluxo de calor latente é onde ocorre a evaporação. A intensidade


desta evaporação depende da disponibilidade de energia. Regiões mais próximas ao
Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de
evapotranspiração. Da mesma forma, em dias de céu nublado, a radiação solar é

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refletida pelas nuvens, e nem chega a superfície, reduzindo a energia disponível para
a evapotranspiração.

Temperatura
A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar
mais quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a
evaporação.

Umidade do ar
Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está
evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera
próxima à superfície estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação
diminui porque o ar já está praticamente saturado de vapor.

Velocidade do vento
O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar
úmido diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando.
O processo de fluxo de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por
difusão, isto é, de uma região de alta concentração (umidade relativa) próxima à
superfície para uma região de baixa concentração afastada da superfície. Este
processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela turbulência
causada pelo vento.

Medição de evaporação
A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de
mm para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de
tempo. As formas mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o
Evaporímetro de Piche.

O tanque Classe A é um recipiente metálico que tem forma circular com um


diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro
galvanizado, deve ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de
madeira a 15 cm da superfície do solo. Deve permanecer com água variando entre
5,0 e 7,5 cm da borda superior.

A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente


numa régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são
compensados os valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é
instalado em estações meteorológicas em conjunto com um pluviômetro.

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Figura 8. 1: Tanque Classe A para medição de evaporação.

O evaporímetro de Piche é constituído por um tubo cilíndrico, de vidro, de


aproximadamente 30 cm de comprimento e um centímetro de diâmetro, fechado
na parte superior e aberto na inferior. A extremidade inferior é tapada, depois do
tubo estar cheio com água destilada, com um disco de papel de feltro, de 3 cm de
diâmetro, que deve ser previamente molhado com água. Este disco é fixo depois
com uma mola. A seguir, o tubo é preso por intermédio de uma argola a um
gancho situado no interior de um abrigo meteorológico padrão.

Em geral, as medições de evaporação do Tanque Classe A são consideradas mais


confiáveis do que as do evaporímetro de Piche.

Transpiração
A transpiração é a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da
água através das plantas até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através
dos estômatos da folha.

A transpiração é influenciada também pela radiação solar, pela temperatura, pela


umidade relativa do ar e pela velocidade do vento. Além disso intervém outras
variáveis, como o tipo de vegetação e o tipo de solo.

Como o processo de transpiração é a transferência da água do solo, uma das


variáveis mais importantes é a umidade do solo. Quando o solo está úmido as
plantas transpiram livremente, e a taxa de transpiração é controlada pelas variáveis
atmosféricas. Porém, quando o solo começa a secar o fluxo de transpiração começa
a diminuir. As próprias plantas têm um certo controle ativo sobre a transpiração ao
fechar ou abrir os estômatos, que são as aberturas na superfície das folhas por onde
ocorre a passagem do vapor para a atmosfera.

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Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspiração que


ocorre em condições ideais de umidade do solo é chamada a Evapotranspiração
Potencial, enquanto a taxa que ocorre para condições reais de umidade do solo é a
Evapotranspiração Real. A evapotranspiração real é sempre igual ou inferior à
evapotranspiração potencial.

Medição da evapotranspiração
A medição da evapotranspiração é relativamente mais complicada do que a
medição da evaporação. Existem dois métodos principais de medição de
evapotranspiração: os lisímetros e as medições micrometeorológicas.

Os lisímetros são depósitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os


quais são preenchidos com o solo e a vegetação característicos dos quais se deseja
medir a evapotranspiração. O solo recebe a precipitação, e é drenado para o fundo
do aparelho onde a água é coletada e medida. O depósito é pesado diariamente,
assim como a chuva e os volumes escoados de forma superficial e que saem por
orifícios no fundo do lisímetro. A evapotranspiração é calculada por balanço
hídrico entre dois dias subseqüentes de acordo com a equação 8.2, onde ∆V é a
variação de volume de água (medida pelo peso); P é a chuva (medida num
pluviômetro); E é a evapotranspiração; Qs é o escoamento superficial (medido) e
Qb é o escoamento subterrâneo (medido no fundo do tanque).

E = P - Qs – Qb - ∆V (8.2)

Figura 8. 2: Lisímetros para medição de evapotranspiração.

A medição de evapotranspiração por métodos micrometeorológicos envolve a


medição das variáveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta
freqüência. Próximo à superfície a velocidade do vento é paralela à superfície, o que
significa que o movimento médio na vertical é zero. Entretanto, a turbulência do ar
em movimento causa flutuações na velocidade vertical, que na média permanece
zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e descendente alternados. Na
média estes fluxos são iguais a zero, entretanto num instante qualquer a velocidade
ascendente pode ser dada por w’.

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A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste
valor médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente
superior à média q, enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente
inferior à média. Se num instante qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar
mais úmido do que a média está sendo afastado da superfície, e se w’ e q’ são, ao
mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal está sendo trazido
para próximo da superfície.

De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e


pode ser medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto
sensores de resposta muito rápida para medir a velocidade do ar e sua umidade, e
um processador capaz de integrar os fluxos w’.q’ ao longo do tempo.

Estimativa da evapotranspiração por balanço


hídrico
A evapotranspiração pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis
que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante
ao apresentado na equação 8.2, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço
hídrico de uma bacia para estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as
estimativas não podem ser feitas considerando o intervalo de tempo diário, mas
apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a
água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no interior da bacia antes de
sair escoando pelo exutório.

Para estimar a evapotranspiração por balanço hídrico de uma bacia é necessário


considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período
relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir daí é possível
considerar que a variação de armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a
equação de balanço hídrico se reduz à equação 8.3.

E=P–Q (8.3)

EXEMPLO

1) Uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão


média corresponde a 700 mm. Qual é a evapotranspiração anual?

A evapotranspiração pode ser calculada por balanço hídrico da bacia desprezando a variação do
armazenamento na bacia E = 1600 – 700 = 900 mm.

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Equação de Thornthwaite
Uma equação muito utilizada para a estimativa da evapotranspiração potencial
quando se dispõe de poucos dados é a equação de Thornthwaite. Esta equação
serve para calcular a evapotranspiração em intervalo de tempo mensal, a partir de
dados de temperatura.
a
 10 ⋅ T 
E = 16 ⋅  (8.4)
 I 

onde E é a evapotranspiração potencial (mm.mês-1); FC é um fator de correção; T é


a temperatura média do mês (oC); e a e I são coeficientes calculados segundo as
equações que seguem:
1, 514
12 T
 j
I = ∑  (8.5)
j =1  5 

a = 6,75 ⋅ 10 −7 ⋅ I 3 − 7,71 ⋅ 10 −5 ⋅ I 2 + 1,792 ⋅ 10 −2 ⋅ I + 0,49239

onde j é cada um dos 12 meses do ano; e Tj é a temperatura média de cada um dos


12 meses.

A equação de Thorntwaite foi desenvolvida com dados restritos do hemisfério


norte e se tornou popular mais pela sua simplicidade – usa apenas a temperatura –
do que pela sua precisão. Sua aplicação nas demais regiões do mundo exigiu a
adaptação de um fator de correção que depende do mês do ano e da latitude. Uma
tabela com os valores deste fator de correção pode ser encontrada no livro
Hidrologia: Ciência e Aplicação (Tucci, 1993). Para uma latitude baixa o fator de
correção não tem muita importância, mas para uma latitude de 30oS, como no RS,
os valores do fator de correção sugeridos podem alterar o valor original em mais de
20%.

EXEMPLO

2) Calcule a evapotranspiração potencial mensal do mês de Agosto de 2006


em Porto Alegre, onde as temperaturas médias mensais são dadas na figura
abaixo. Suponha que a temperatura média de agosto de 2006 tenha sido de
16,5 oC.

Mês Temperatura
Janeiro 24,6
Fevereiro 24,8
Março 23,0
Abril 20,0
Maio 16,8
Junho 14,4

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Julho 14,6
Agosto 15,3
Setembro 16,5
Outubro 17,5
Novembro 21,4
Dezembro 25,5

O primeiro passo é o cálculo do coeficiente I a partir das temperaturas médias mensais obtidas da
tabela. O valor de I é 96. A partir de I é possível obter a = 2,1. Com estes coeficientes, a
evapotranspiração potencial é:
2 ,1
10 ⋅ 16,5 
E = 16 ⋅  =53,1 mm/mês
 96 

Portanto, a evapotranspiração potencial estimada para o mês de agosto de 2006 é de 53,1


mm/mês.

Equação de Penman-Monteith
As equações para cálculo da evapotranspiração são do tipo empírico ou de base
física. A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de
Penman-Monteith (equação 8.6). Esta equação pode ser obtida a partir de
representações simples do fluxo de calor latente e sensível a partir de uma
superfície úmida, combinadas à equação de balanço de energia em uma superfície.
Detalhes da obtenção desta equação podem ser encontrados em textos mais
aprofundados (Bierkens et al., 2008).

A equação de Penman-Monteith, na sua forma mais geral é:

 
 ∆ ⋅ (RL − G ) + ρ A ⋅ c p ⋅ (es − ed ) 
 ra  1
E = ⋅ (8.6)
  rs   λ ⋅ ρW
∆ + γ ⋅ 1 + 
 
  ra  

onde E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água; λ [MJ.kg-1] é o calor latente de


vaporização; ∆ [kPa.ºC-1] é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com
a temperatura do ar; RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida que incide na superfície; G
[MJ.m-2.s-1] é o fluxo de energia para o solo; ρA [kg.m-3] é a massa específica do ar;
ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; cp [MJ.kg-1.ºC-1] é o calor específico do ar
úmido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.ºC-1); es [kPa] é a pressão de saturação do vapor ; ed
[kPa] é a pressão real de vapor de água no ar; γ [kPa.ºC-1] é a constante
psicrométrica (γ = 0,66, aproximadamente); rs [s.m-1] é a resistência superficial da
vegetação; e ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica.

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Os valores das variáveis podem ser obtidos pelas seguintes equações:


λ = (2,501 − 0,002361⋅ T ) (8.7)

PA
ρ A = 3,486 ⋅ (8.8)
275 + T

4098 ⋅ e s
∆= (8.9)
(237,3 + T )2
 17,27 ⋅ T 
e s = 0,6108 ⋅ exp  (8.10)
 237,3 + T 

UR
ed = es ⋅ (8.11)
100

PA
γ = 0,0016286 ⋅ (8.12)
λ

onde UR [%] é a umidade relativa do ar; PA [kPa] é a pressão atmosférica; e T [ºC] é


a temperatura do ar a 2 m da superfície.

Há uma analogia de parte da equação 8.6 com um circuito elétrico, em que o fluxo
evaporativo é a corrente, a diferença de potencial é o déficit de pressão de vapor no
ar (pressão de saturação do vapor menos pressão parcial real: es-ed) e a resistência é
uma combinação de resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência
superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática
das folhas. Mudanças na temperatura do ar e velocidade do vento vão afetar a
resistência aerodinâmica. Mudanças na umidade do solo são enfrentadas pelas
plantas com mudanças na transpiração, que afetam a resistência estomática ou
superficial.

O valor de E, calculado pela 8.6, é convertido para as unidades de lâmina diária pela
equação a seguir.

E a = E ⋅ fc (8.13)

onde Ea [mm.dia-1] é a lâmina de evapotranspiração; E [m.s-1] é a taxa de


evaporação da água e fc [mm.s.dia-1.m-1] é um fator de conversão de unidades (fc =
8,64.107).

A energia disponível para a evapotranspiração depende da energia irradiada pelo


sol, da energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é
refletida pela superfície terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre
e da energia que é transmitida ao solo.

Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a


superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de

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insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de


nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida
disponível para evapotranspiração depende do tipo de dados disponível.

A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiação


medidos, dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo
RL da equação de Penman-Monteith pode ser obtido da equação a seguir, que
desconta a parte da radiação refletida.

R L = SSUP ⋅ (1 − α ) (8.14)

onde RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida na superfície; SSUP [MJ.m-2.s-1] é a radiação


que atinge a superfície (valor medido); e α [-] é o albedo, que é a parcela da radiação
incidente que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do
solo).

Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de


nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a
como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da
região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo.

A insolação máxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o


céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo.

24
N= ⋅ ωs (8.15)
π

onde N [horas] é a insolação máxima; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer


(depende da latitude e da época do ano), e é dado por:

ωs = arccos(− tan ϕ ⋅ tan δ ) (8.16)

onde φ [graus] é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério


sul); ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e δ [radianos] é a declinação solar,
dada por:

 2⋅π 
δ = 0,4093 ⋅ sin  ⋅ J − 1,405  (8.17)
 365 

onde δ [radianos] é a declinação solar; J [-] é o dia no calendário Juliano (contado a


partir de 1˚ de janeiro).

A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época


do ano:

ρW ⋅ λ
S TOP = 15,392 ⋅ ⋅ d r ⋅ (ωs ⋅ sen ϕ ⋅ sen δ + cos ϕ ⋅ cos δ ⋅ sen ωs ) (8.18)
1000

84
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onde λ [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no


topo da atmosfera; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; δ [radianos] é a
declinação solar; φ [graus] é a latitude; ωs [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr
[-] é a distância relativa da terra ao sol, dada por:

 2⋅π 
d r = 1 + 0,033 ⋅ cos ⋅ J (8.19)
 365 

onde J é o dia do calendário Juliano.

A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria


atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais
responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície
terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

 n
SSUP =  a s + b s ⋅  ⋅ STOP (8.20)
 N

onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do


ano; n [horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação no topo da
atmosfera; SSUP [MJ.m-2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da
radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a
fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N).

Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas,
são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as
e bs (Shuttleworth, 1993).

Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é


utilizada com n medido e N estimado pela equação 8.15. Quando a estação dispõe
de dados de fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente.

Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme
já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas,
de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela
de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm.

O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende,


basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera.
Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando
em um balanço negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A
equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície
terrestre.

L n = f ⋅ ε ⋅ σ ⋅ (T + 273,2 )
4
(8.21)

onde Ln [MJ.m-2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [-


] é um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura

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média do ar a 2 m do solo; ε [-] é a emissividade da superfície; σ [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é


uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo.

ε = 0,34 − 0,14 ⋅ (e d ) (8.22)

onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa].

O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f)


pode ser estimado com base na equação a seguir:

n
f = 0,1 + 0,9 ⋅ (8.23)
N

Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de Penman-


Monteith – pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de
tempo é relativamente grande (1 dia).

Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas


resistências que a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência
superficial e resistência aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a
dificuldade com que a umidade, que deixa a superfície das folhas e do solo, é
dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar tende a ficar mais úmido,
dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a turbulência
contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à
superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies
líquidas, pelo ar seco de níveis mais elevados da atmosfera.

A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos


enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência.
2
6,25   10  
ra = ⋅ ln  para h < 10 metros (8.24)
u10   z 0  

94
ra = para h > 10 metros (8.25)
u10

onde ra [s.m-1] é a resistência aerodinâmica; u10 [m.s-1] é a velocidade do vento a 10


m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície; h [m] é altura média da cobertura
vegetal.

A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da


vegetação.

As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento


medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de
10 m é utilizada a equação a seguir (Bremicker, 1998).

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  10  
 ln  
  z 
u10 = u 2 ⋅   0   (8.26)
 ln 2  
  z 
  0 

onde u10[m.s-1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; u2 [m.s-1] é a velocidade do


vento a 2 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície.

A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da


resistência estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao
fluxo de umidade do solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é
diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variáveis ambientais como
a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiação recebida pela planta. A maior
parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistência dos estômatos e,
portanto, pode controlar a resistência superficial.

A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em


condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de
resistência superficial são mínimos.

A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode


ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama
utilizada para cálculos de evapotranspiração de referência tem uma resistência
superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condições de umidade.
Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condições de
umidade do solo.

Durante períodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada
por evapotranspiração e, à medida que o solo vai perdendo umidade, a
evapotranspiração diminui. A redução da evapotranspiração não ocorre
imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a capacidade de campo e um
limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a evapotranspiração não é
afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspiração é diminuída,
atingindo o mínimo – normalmente zero – no ponto de murcha permanente.
Neste ponto a resistência superficial atinge valores altíssimos (teoricamente deve
tender ao infinito).

Evapotranspiração potencial de referência


Para muitas aplicações, especialmente na área de Agronomia, é utilizado o conceito
de evapotranspiração potencial de referência. A evapotranspiração potencial de
referência pode ser obtida utilizando a equação de Penman-Monteith considerando
o valor do parâmetro rs (resistência superficial) de 69 s.m-1, e estimando a resistência
aerodinâmica ra a partir das equações 8.24 a 8.26, considerando que a rugosidade da
superfície é z0=0,12 m. Estes valores correspondem aos valores adequados para
representar a evapotranspiração de um tipo de grama utilizada como referência em
medições de evapotranspiração de lisímetro, em boas condições de umidade do

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solo. Como resultado, é otida uma nova versão da equação de Penman-Monteith,


que serve para estimar a evapotranspiração potencial de referência a partir de
valores das variáveis meteorológicas de um determinado local (paper FAO 56):

900
0,408 ⋅ (R L − G ) + γ ⋅ ⋅ u 2 ⋅ (e s − ed )
ER = T + 273 (8.27)
∆ + γ ⋅ (1 + 0,34 ⋅ u 2 )

Onde ER é a evapotranspiração potencial de referência [mm.dia-1]; u2 [m.s-1] é a


velocidade do vento a 2 m de altura; ∆ [kPa.ºC-1] é a taxa de variação da pressão de
saturação do vapor com a temperatura do ar; γ [kPa.ºC-1] é a constante
psicrométrica (γ = 0,66, aproximadamente); T [ºC] é a temperatura média do ar a 2
m do solo; RL [MJ.m-2.s-1] é a radiação líquida na superfície; G [MJ.m-2.s-1] é o fluxo
de energia para o solo; es [kPa] é a pressão de saturação do vapor; e ed [kPa] é a
pressão real de vapor de água no ar.

É importante lembrar que o valor de evapotranspiração calculado pela equação


acima corresponde a uma estimativa da evapotranspiração de um determinado tipo
de vegetação (grama), bem suprida de água. Caso a grama não tenha bom
suprimento de água a evapotranspiração será inferior ao valor estimado pela
equação. Além disso, outros tipos de vegetação, diferentes da grama, podem ter
valores diferentes de evapotranspiração, mesmo que estejam bem supridos de água.

Evapotranspiração real e potencial


A evapotranspiração real é o fluxo de calor latente para atmosfera que realmente
ocorre em uma dada situação. A evapotranspiração real depende dos fatores
atmosféricos, de características do solo e das plantas e da disponibilidade de água.
Em uma área com a vegetação bem suprida de água a evapotranspiração real é igual
à potencial. Porém a evapotranspiração potencial é diferente para cada tipo de
vegetação. Para simplificar a análise freqüentemente se utiliza o conceito da
evapotranspiração potencial da vegetação de referência (ER), descrito acima. E, a
partir desta, são calculados os valores de evapotranspiração potencial de outros
tipos de vegetação, utilizando um ponderador denominado “coeficiente de cultivo”
(Kc), como mostra a equação 8.28:

EV = E R ⋅ K c (8.28)

onde EV é a evapotranspiração potencial de um tipo de vegetação; ER


evapotranspiração potencial de referência; Kc é o coeficiente de cultivo.

A vegetação de referência normalmente adotada para os cálculos é um tipo de


grama, e a sua evapotranspiração pode ser estimada a partir de dados de um
lisímetro ou usando uma equação como a de Penman-Monteith (veja item
anterior).

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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A

Caso se considere que os valores de Kc variam de acordo com a umidade do solo,


então a estimativa EV, calculada pela equação 8.27 pode representar uma estimativa
da evapotranspiração real.

Valores de Kc para diferentes tipos de vegetação, especialmente culturas agrícolas,


estão disponíveis na literatura especializada. O valor de Kc raramente supera 1,
porém alguns tipos de vegetação tem evapotranspiração potencial superior à da
grama de referência, e, nestes casos, o valor de Kc pode se chegar até cerca de 1,2.

Evaporação em reservatórios
A evaporação da água de reservatórios é de especial interesse para a engenharia,
porque afeta o rendimento de reservatórios para abastecimento, irrigação e geração
de energia. Reservatórios são criados para regularizar a vazão dos rios, aumentando
a disponibilidade de água e de energia nos períodos de escassez. A criação de um
reservatório, entretanto, cria uma vasta superfície líquida que disponibiliza água
para evaporação, o que pode ser considerado uma perda de água e de energia.

A evaporação da água em reservatórios pode ser estimada a partir de medições de


Tanques Classe A, entretanto é necessário aplicar um coeficiente de redução em
relação às medições de tanque. Isto ocorre porque a água do reservatório
normalmente está mais fria do que a água do tanque, que tem um volume pequeno
e está completamente exposta à radiação solar.

Assim, para estimar a evaporação em reservatórios e lagos costuma-se considerar


que esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporação medida em
Tanque Classe A na mesma região, isto é:

Elago = Etanque . Ft

Onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8.

O reservatório de Sobradinho, um dos mais importantes do rio São Francisco, tem


uma área superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do
mundo, está numa das regiões mais secas do Brasil. Em conseqüência disso, a
evaporação direta deste reservatório é estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a
cerca de 10% da vazão regularizada do rio São Francisco. Esta perda de água por
evaporação é superior à vazão prevista para o projeto de transposição do rio São
Francisco, idealizado pelo governo federal.

Leituras adicionais
O livro Climate and the Hydrological Cycle, editado pela IAHS (Bierkens et al.,
2008), apresenta detalhadamente a forma como se obtém a equação de Penman-

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Monteith a partir de considerações sobre o fluxo turbulento de calor e umidade e a


partir da equação de balanço de energia em uma superfície úmida.

Uma boa fonte de referência para ampliar os conhecimentos sobre o processo de


evapotranspiração e sobre a estimativa da evapotranspiração para diferentes tipos
de vegetação, especialmente os cultivos agrícolas, é o FAO Irrigation and Drainage
Paper no. 56, de autoria de Richard G. Allen; Luis S. Pereira; Dirk Raes; e Martin
Smith, que pode ser encontrado em formato PDF na Internet.

Exercícios
1) Um rio cuja vazão média é de 34 m3.s-1 foi represado por uma barragem
para geração de energia elétrica. A área superficial do lago criado é de 5000
hectares. Considerando que a evaporação direta do lago corresponde a 970
mm por ano, qual é a nova vazão média a jusante da barragem?

2) Uma bacia de 2300 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão


média corresponde a 14 m3.s-1. Calcule a evapotranspiração total desta
bacia. Calcule o coeficiente de escoamento anual desta bacia.

3) A vegetação tem um papel importante no processo de


evapotranspiração, exercendo algum controle sobre a quantidade de
água que passa através das raízes, caule e folhas. Tipos diferentes de
plantas atuam de forma diferente, controlando o processo de
transpiração com maior ou menor intensidade. Entretanto, a
evapotranspiração real de qualquer tipo de vegetação normalmente não
supera a evapotranspiração potencial, que está limitada pela
disponibilidade de energia solar e pelas condições da atmosfera
(umidade relativa, velocidade do vento e temperatura). Em torno da
questão da evapotranspiração de uma espécie em particular, o
eucalipto, cultivado para produzir madeira e celulose, existe um intenso
debate. Um antigo trabalho afirma que o consumo de cada eucalipto
em uma floresta no RS é de 36,6 mil litros de água por ano. Faça um
comentário sobre esta estimativa, considerando:

a. Florestas de eucalipto são plantadas com espaçamento entre as


plantas que varia entre 2 m entre linhas e entre colunas, o que
representa uma planta a cada 4 m2 e 2x3 m (representando uma
planta a cada 6 m2).

b. Uma estimativa do limite superior para o valor da


evapotranspiração potencial de qualquer tipo de vegetação é
energia recebida no topo da atmosfera. As latitudes da região
sul do RS estão ao sul de 30 S.

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