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UNIDADE 1

BIOQUÍMICA CLÍNICA
LABORATÓRIO CLÍNICO: DA TEORIA À PRÁTICA
Heloísa Ciol

Você está na unidade Laboratório clínico: da teoria à prática. Conheça aqui a dinâmica de um laboratório
de análises clínicas desde a coleta até o processamento das amostras; como esse laboratório se estrutura,
que inclui o ambiente físico da coleta, os equipamentos necessários para realização dos exames e quais
as principais técnicas utilizadas para exames de diagnóstico clínico.
Aprenda sobre a importância do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base no diagnóstico clínico, além dos
conceitos fisiopatológicos de uma doença de grande importância de saúde pública: a diabetes mellitus.
Estude as características dessa patologia, suas classificações, quais exames são indicados para o seu
diagnóstico e como interpretá-los com base nos conhecimentos de fisiologia que a unidade proporciona.
Bons estudos!

1 Dinâmica do laboratório na coleta de amostras


Laboratórios ou postos de coleta de material para exames são estruturas físicas de entidades
públicas ou particulares que fornecem atendimento e orientação para pacientes que precisam
realizar coletas de material biológico para diversas finalidades de exames. A estrutura desses
laboratórios precisa seguir recomendações técnicas para estabelecer um fluxo de trabalho que
não comprometa as amostras nem a saúde dos profissionais (BRASIL, 2002b).

1.1 Biossegurança e proteção individual adequada


Os profissionais que realizam coletas, chamados de flebotomistas, precisam de equipamentos
de proteção individual (EPI) antes de entrar em contato com o paciente. Confira os principais
equipamentos utilizados no quadro abaixo.

Quadro 1 - Itens essenciais de equipamento de proteção individual (EPI)Fonte: Elaborado pela autora, baseado em
BRASIL, 2002b.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro trazendo os principais itens de segurança que devem
ser utilizados por um profissional de coleta, bem como suas respectivas funções.

1.2 Cuidados com materiais perfurocortantes


Materiais contaminantes como seringas, tubos e agulhas devem ser descartáveis e de uso
exclusivo e individual para o paciente. Após o uso, esses materiais devem ser descartados em
caixa exclusiva para descarte de perfurocortantes. Uma vez cheias, as caixas para descarte
devem ser recolhidas pelo serviço de coleta hospitalar da cidade ou região (BRASIL 2002).

1.3 Coleta de sangue


Para a coleta de sangue, o profissional deve estar devidamente paramentado para a realizar a
coleta. Após colocar o garrote, o profissional deve solicitar que o paciente abra e feche as mãos,
e o local da punção deve ser limpo com isopropanol, álcool etílico 70% ou solução de iodeto antes
de inserir a agulha.

1.4 Amostras
Se as amostras forem coletadas com seringa, devem ser despejadas gentilmente no tubo, de
forma a escorrer pelas laterais do tubo, para evitar hemólise. Amostras coletadas diretamente
em tubos a vácuo devem ser misturadas por inversão de cinco a dez vezes antes de levadas
para transporte.
As amostras devem ser protegidas da exposição direta à luz, principalmente em exames cujos
compostos analisados podem degradar facilmente se expostos a ela (exemplo: bilirrubina)
(BRASIL, 2002b).

1.5 Transporte para o laboratório


As amostras coletadas devem ser acondicionadas em sacos plásticos, caixa térmica e, caso
precisem ser levadas a um laboratório fora da planta do posto de coleta, em caixa com gelo, de
preferência, reciclável, atentando para que as amostras não fiquem em contato direto com o
gelo.

1.6 Processamento
O tempo de armazenagem interfere diretamente na contagem de plaquetas em análises
hematológicas. Amostras de soro devem ser centrifugadas imediatamente após a coagulação
para análise. Amostras de plasma precisam ser centrifugadas imediatamente após a coleta. Após
tais processos, as amostras devem ser mantidas refrigeradas e, preferencialmente, sem troca de
tubos.

2 Coleta de sangue para exames: a venopunção


Agora, vamos estudar um pouco mais sobre punção de sangue venoso, também conhecido
como venopunção. Além da técnica para a coleta de sangue, existem, ainda, diferentes itens de
coleta que merecem a devida atenção, os quais serão destacados neste tópico.

2.1 Local da punção e o preparo do profissional flebotomista


Os flebotomistas devem escolher veias calibrosas, comumente localizadas na parte interna do
braço, um pouco abaixo da dobra do cotovelo. Essa região recebe o nome de fossa antecubital,
e por ela passam várias veias próximas à pele, que facilitam a visualização e a punção. Dentre
essas veias, a de maior interesse para o profissional de coleta de sangue em laboratório clínico
são as veias cefálica, basílica, cefálica mediana e cubital mediana, que são identificadas na
figura abaixo.

Figura 1 - Veias principais do braço utilizadas na venopunçãoFonte: Blamb, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: na imagem, há a figura frontal de um braço em posição anatômica apresentando


as principais veias que participam da circulação, dentre elas as veias cefálica, basílica, cefálica
mediana e cubital mediana.

As veias do dorso da mão podem ser usadas caso o acesso às veias da fossa antecubital não
esteja disponível. Veias nos membros inferiores só devem ser puncionadas com autorização
médica, por aumentarem o risco de flebites, tromboses ou mesmo necrose tissular (SUMITA,
2010).
Uma vez identificada a veia para punção, o profissional deve solicitar ao paciente que abaixe o
braço e abra e feche as mãos, para relaxar a musculatura e reduzir a pressão no interior dos vasos
antes de proceder com o uso do garrote ou torniquete.

2.2 Garrote ou torniquete


É utilizado para aumentar a pressão interna dos vasos e facilitar a coleta de sangue nos tubos
de ensaio. Pode ser de uso individual ou não e, preferencialmente, não devem ser de látex, pois
vários pacientes têm alergia a esse tipo de material. Caso ocorra contaminação do torniquete
com sangue do paciente, deve ser descartado imediatamente em local adequado.
O torniquete deve ser posicionado de 7,5 cm a 10 cm acima da fossa antecubital e
sua aplicação não deve exceder o tempo de um minuto. Tempos maiores que um minuto levam
a alterações laboratoriais, pois a estase sanguínea leva a um quadro de hemoconconcetração e
infiltração de sangue para os tecidos, refletindo em alteração do volume celular, hemólise e nos
índices de íons potássio e cálcio e homólise.

2.3 Recomendações ao paciente


Ao paciente que fará o exame, recomenda-se jejum adequado conforme o exame indicado (o
tempo de jejum varia de acordo com a análise que será realizada) antes de realizar a coleta.
Na sala de coleta, deve ser acondicionado em cadeira com um suporte para braço, que deve
estar a uma altura abaixo da altura do ombro e que permita que o paciente fique com o braço
esticado ou levemente inclinado para baixo durante a coleta.

3 Interferências nos exames laboratoriais


Embora pareça simples, a coleta de sangue é uma tarefa que exige concentração, cuidado e
habilidade do flebotomista para evitar interferência nos resultados coletados. Neste tópico, você
verá quais fatores são responsáveis pelas variações em resultados e como a conduta do paciente
e do profissional de saúde são imprescindíveis para evitar resultados equivocados por má conduta
da coleta, processamento ou análise das amostras.

3.1 Relação do paciente com os resultados do exame


Diversos exames podem sofrer alterações se colhidos em condições inadequadas. No quadro
abaixo estão alguns fatores que influenciam em variações nos exames.

Quadro 2 - Fatores de interferência em exames e sua relação com o resultadoFonte: Elaborado pela autora, baseado em
SUMITA, 2010.

#PraCegoVer: na imagem, há um quadro contendo os fatores que influenciam nos resultados dos
exames no ato da coleta e quais são as implicações desses fatores nos resultados esperados.
3.2 Amostras e variações: a influência da conduta do profissional e do cuidado das
amostras
A estabilidade das amostras coletadas é crucial para uma boa análise e um bom resultado clínico
dos exames. O tempo de espera, temperatura e condições de transporte têm grande papel na
manutenção da qualidade das amostras, uma vez que variações bruscas de temperatura, choques
mecânicos ou permanência prolongada das amostras antes do processamento podem contribuir
para agregação de moléculas, hemólise e reações enzimáticas que muitas vezes comprometem
a análise.
Idealmente, a amostra não deve exceder o tempo de espera de uma hora antes do início do
processamento. Análises que utilizarão soro ou plasma devem ser centrifugadas após a
coagulação do sangue, quando necessário, e mantidas sob refrigeração até o início das análises.
A temperatura tem um papel fundamental na qualidade das amostras, pois muitos compostos,
como enzimas e fatores de coagulação, são termoinstáveis.
Caso o material precise ser enviado para um outro laboratório para análise, o laboratório precisa
seguir as diretrizes da terceirização, destacadas na Lei nº 6.019, de 1974, na Lei nº 7.102, de
1983, e nas diretrizes da Resolução GMC 50/08, de 2009, documentos que contêm toda a
regulamentação técnica para transporte de substâncias infecciosas e amostras biológicas
(SUMITA, 2010).

4 Fases do exame: pré-analítica, analítica e pós-analítica


Os exames laboratoriais podem ser categorizados em três fases distintas de acordo com o estágio
do processo de coleta: pré-analítica, analítica e pós-analítica. No quadro abaixo, temos as
colunas correspondentes a cada uma das fases, destacando os estágios, principais fontes de erro
e contribuição percentual de erro de cada uma dessas fases para a qualidade e confiabilidade dos
resultados.
Quadro 3 - Fases laboratoriais: estágios e principais erros envolvidosFonte: Elaborado pela autora, baseado em SILVA et
al., 2015.

#PraCegoVer: na imagem, há um quadro com três colunas, separadas em fase pré-analítica,


analítica e pós-analítica. Essas colunas trazem informações de estágios de cada uma dessas
fases, bem como os principais erros envolvidos em cada uma delas, além de informar o quanto
cada fase corresponde, percentualmente, aos erros relacionados à qualidade e confiabilidade de
resultados.

5 Estrutura física do posto de coleta


As dimensões da estrutura física do posto de coleta podem variar conforme as necessidades da
região. De qualquer forma, segundo a normativa da ANVISA RDC 50/02 (BRASIL, 2002a), é
obrigatório que os postos de coleta sigam as regras de dimensão física:
• recepção para registro de pacientes, com cadeiras para espera;
• box de coleta com 1,5 m2 ou sala de coleta com pelo menos 3,6 m2;
• um dos boxes precisa ter maca e dimensões para tal;
• sanitários;
• o número de box deve suprir a demanda de 1 para 15 coletas/hora.
Quanto à construção e estrutura física, o local deve ter:
• pisos e paredes revestidos de material de fácil limpeza e lavagem, sem frestas;
• bancadas com cantos arredondados feitas de materiais com baixa ou nenhuma
porosidade;
• prateleiras devem ser de materiais laváveis, devendo ter portas se localizadas acima
da cabeça dos funcionários;
• pia para higienização das mãos.
As normativas se estendem, ainda, para a arquitetura do prédio, e o posto de coleta e o
laboratório devem:
• respeitar o espaço mínimo para conforto dos pacientes;
• ter construções resistentes ao fogo;
• saídas de emergências devidamente sinalizadas;
• portas e corredores com largura adequada;
• proteção automática contra incêndio.
É importante que haja aparelhos para desinfecção, como autoclaves, nos postos de coleta, além
de centrífugas e banho-maria para auxiliar nas fases de pré-processamento das amostras, quando
necessário.

5.1 Limpeza e desinfecção das facilidades


A solução de hipoclorito de sódio na concentração de 1% é uma ótima solução desinfetante e
deve ser utilizada para limpeza de geladeiras, banho-maria e vidrarias (que devem permanecer
em molho por 30 minutos antes de serem lavadas). As macas e prateleiras devem permanecer
sempre limpas e higienizadas (BRASIL, 2002b).

5.2 Descarte de materiais perfurocortantes


Todos os materiais perfurocortantes utilizados na coleta devem ser descartados em recipiente
com paredes rígidas e resistentes à perfuração, como caixas coletoras específicas, até o
preenchimento de dois terços de sua capacidade. As caixas devem ser fechadas e seladas
corretamente antes de serem encaminhados para a coleta específica, seguindo as normativas da
Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (NBR 12.810/93) (BRASIL, 2002b).
6 Materiais utilizados na coleta em bioquímica clínica
Neste momento, adentaremos um pouco mais a fundo nos itens necessários para fazer a coleta
de sangue do paciente, como seringas, agulhas e tubos. Para isso, vamos recapitular os passos
necessários até aqui para que o profissional esteja preparado para a coleta, de forma a minimizar
ou mesmo eliminar os erros relacionados à qualidade do exame:
• Verificar se o paciente está preparado corretamente para o exame (jejum, dieta,
repouso).
• Checar todos os pedidos de exame e identificar corretamente os tubos de coleta.
• Uso correto de EPIs para segurança do profissional.
• Escolha da veia para venopunção.
• Uso do garrote ou torniquete e suas orientações.

6.1 Venopunção: posição da agulha e recomendações


A punção venosa pode ser feita tanto com sistemas a vácuo quanto com seringa e agulha.
Vamos ver a diferença entre eles na próxima seção, mas, independente da escolha, a técnica de
venopunção é a mesma para ambos, e deve ser monitorada para evitar inserções erradas ou
perfurações dos vasos.

6.2 Tipos de agulha


As agulhas para procedimentos possuem três partes: canhão, haste ou corpo e biesel.
O canhão é a parte que se encaixa à seringa; o corpo ou haste é a agulha propriamente dita;
e biesel é o nome que se dá à ponta da agulha, que pode ser bifacetado, trifacetado e tratado
com silicone ou não. Uma quantidade maior de faces e o tratamento com silicone permitem uma
penetração mais suave da agulha na pele do paciente.

Figura 2 - Agulha para procedimentos e suas partesFonte: Alexander Baumann, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: a imagem mostra uma seringa preenchida com líquido vermelho e uma agulha
acoplada a ela, com o intuito de identificar o canhão, a haste e o biesel da agulha.

Nos sistemas de punção a vácuo, as agulhas não possuem canhão, mas sim uma outra ponta,
geralmente protegida por um adaptador de sistema a vácuo para que o tubo possa ser inserido,
aspirando o sangue da veia devido à presença do vácuo no interior dos tubos. O calibre e o
tamanho da agulha podem variar conforme a idade do paciente.

6.3 A técnica para a punção


A punção venosa deve ser feita suavemente, formando um ângulo de 15° entre a agulha e o
braço, com o biesel da agulha voltado para cima até que o sangue flua livremente pela agulha.
Uma vez que o sangue entrar no biesel, o flebotomista pode soltar o torniquete do paciente. No
caso do uso de seringas, o profissional deve puxar o êmbolo lentamente para evitar hemólise. Nos
sistemas a vácuo, o profissional deve encaixar gentilmente o tubo na seringa localizada dentro do
adaptador de sistema a vácuo.
O esquema ilustrado abaixo, baseado em Silva et al. (2015), mostra a técnica correta de inserção
da agulha a 15°, além de três exemplos de inserções incorretas que podem prejudicar a coleta de
sangue do paciente.
Figura 3 - Técnica de inserção da agulha para punção venosa e exemplos de inserções incorretasFonte: Elaborada pela
autora, baseada em SILVA et al., 2015.

#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema de uma agulha inserida corretamente na pele até
atingir uma veia e três exemplos de inserções incorretas em relação à posição do biesel (virado
para baixo), inserção parcial ou além da veia.

6.4 O uso de seringas e agulhas


As seringas foram usadas como método para punções venosas até meados da década de 1940,
quando surgiram os sistemas de punção a vácuo. Atualmente, a venopunção com seringas é
pouco usada, sendo substituída na grande maioria dos postos pela coleta com sistema a vácuo.
O sistema de coleta com seringas é também chamado de sistema aberto, pois o sangue do
paciente precisa ser realocado aos tubos após a coleta. O uso de seringas na coleta aumenta o
risco de erros e perda da qualidade das amostras na fase pré-analítica, pois o profissional precisa
coletar o sangue e depois repassá-lo aos tubos de ensaio. Isso pode levar a erros na transferência
do material, aumentar o risco de contaminação das amostras e reduzir a qualidade do material
colhido para exame. Além disso, aumenta o risco de contaminação do profissional de saúde pela
exposição direta ao sangue do paciente.

6.5 O sistema de coleta a vácuo


O sistema de coleta a vácuo é também chamado de sistema fechado, pois o sangue do paciente
não precisa de transferências entre tubos, pois já é coletado isoladamente no tubo de análise. O
sistema consiste em uma agulha acoplada a um adaptador de vácuo que protege tanto o
profissional da coleta quanto a amostra, pois o encaixe de cada tubo à agulha é protegido por
esse adaptador. Em alguns casos, dependendo do acesso à veia do paciente ou da quantidade
de material para a coleta, o flebotomista também pode optar pelo uso de um escalpe.

Figura 4 - Sistema de coleta de sangue a vácuoFonte: Andrii Bezvershenko, Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: a imagem mostra um sistema de coleta de sangue a vácuo, que consiste em uma
agulha acoplada a um sistema adaptador de tubos, onde a outra extremidade da agulha fica
protegida e onde os tubos de coleta serão acoplados para a coleta.

6.6 Tipos de tubos de coleta


Os tubos de coleta de sangue podem ser de vidro ou de plástico. Os feitos em vidro são menos
resistentes a choques mecânicos e altas velocidades de centrifugação, não têm tanta flexibilidade
para serem usados diretamente em equipamentos e, além disso, oferecem maior risco por
quebrarem facilmente (SILVA et al., 2015). Ainda, as paredes dos tubos de vidro podem interferir
em exames laboratoriais, principalmente os que investigam fatores da cascata de coagulação
(SILVA et al., 2015).
Os tubos de plástico, por sua vez, apresentam maior resistência a choques mecânicos e
conferem maior proteção aos profissionais que manipulam as amostras. Justamente por serem
mais maleáveis, podem ser centrifugados e utilizados diretamente em outros maquinários,
evitando o risco de contaminação ou perda da amostra pelos processos de transferência.

6.7 Aditivos usados nos tubos e suas relações com os exames


Uma forma de preservar o sangue por mais tempo para as análises é adicionar
um anticoagulante à amostra, pois ele impede que a cascata de coagulação se inicie por meio
da inibição da coagulação. Esse aditivo, porém, pode interagir com componentes do sangue e
alterar resultados de análises. Devido a isso, cada tipo de exame requer a coleta com um ou mais
coagulantes específicos, a fim de manter a qualidade da amostra. O anticoagulante deve ser
utilizado em uma concentração específica para o volume de sangue coletado.

A coagulação é um processo fisiológico para controlar sangramentos e reparar lesão tecidual. É uma
sequência de reações – chamada de cascata de coagulação – que envolve plaquetas e fatores de
coagulação (proteínas), até a formação de uma rede de fibrina – o coágulo. Além dos fatores de
coagulação, há ainda cofatores, como o cálcio e a vitamina K, que auxiliam na sequência de reações até a
formação final do coágulo de fibrina.

Agora, veremos alguns tipos de anticoagulante.


Ácido etilenodiaminotetracético (EDTA)
O EDTA é uma molécula que se liga fortemente ao cálcio iônico do plasma sanguíneo,
bloqueando, assim, a cascata de coagulação. Sua molécula, no entanto, pode provocar alterações
estruturais em fatores de coagulação e substâncias associadas, como o fator V, o fibrinogênio e
a trombina, por isso, não pode ser usado como anticoagulante em exames que irão analisar fatores
relacionados à coagulação do paciente (SILVA et al., 2015).
Normalmente, os sais de EDTA são adicionados aos tubos de coleta, vaporizados na parede do
tubo em uma quantidade de 1,5 mg a 2,2 mg de sal de ml de sangue. Esses valores foram
preconizados pelo conselho internacional de padronização em hematologia (International Council
for Starndardization in Heamatology – ICSH). Os sais de EDTA podem ser sais de sódio (EDTA-
Na2) ou potássio (EDTA-K2 ou EDTA-K3) (SILVA et al., 2015).
As amostras coletadas em EDTA têm maior durabilidade quando refrigeradas, mas, ainda assim,
a longa exposição do sangue ao sal de EDTA pode levar a alterações na morfologia celular e gerar
resultados de exames equivocados. Por conta disso, recomenda-se que sejam processadas em,
no máximo, 24h, para evitar resultados equivocados (SILVA et al., 2015).

Citrato de sódio
Assim como o EDTA, o citrato de sódio também é um sal que se liga ao cálcio para impedir a
coagulação sanguínea. O uso desse sal como anticoagulante é recomendado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) preferencialmente na concentração de 3,2% na forma de sal di-hidratado
(Na3C6H5O7.2H2O) (SILVA et al., 2015).
Heparina
A heparina é um outro anticoagulante bastante utilizado na clínica, mas cuja ação é inibir a
molécula de antitrombina e parar a coagulação. A concentração de uso dessa molécula é de 10 a
30 U/mL de sangue (SILVA et al., 2015).
A heparina é amplamente utilizada para exames que dependem das características morfológicas
das células, mas não é indicada para avaliar hemograma completo do paciente, por induzir
aglutinação de leucócitos e plaquetas. Ainda, a heparina inibe atividades enzimáticas, e por isso
não deve ser usada em exames que dependerão de enzimas para serem realizados, como é o
caso das reações em cadeia da polimerase (PCR) (SILVA et al., 2015).

Fluoreto de sódio
O fluoreto de sódio é um adjuvante utilizado primordialmente para inibir a via glicolítica e impedir
a degradação da glicose nas amostras de sangue. A ação anticoagulante do fluoreto de sódio é
fraca, e por isso ele normalmente é utilizado em conjunto com EDTA ou oxalato (outro quelante
de cálcio). Recomenda-se para uso a concentração de 2 a 3 mg de sal por mL de sangue.
Basicamente, o fluoreto de sódio atua como inibidor da enzima enolase, uma enzima da cadeia
glicolítica. A inibição dessa enzima previne que a glicose do sangue seja metabolizada pelas
células após a coleta. É o adjuvante usado nos exames para a dosagem da glicemia (SILVA et
al., 2015).

6.8 Padrão de identificação dos tubos de coleta


Como acabamos de ver, existem diversos tipos de adjuvantes e anticoagulantes que são utilizados
na coleta de sangue para preservar a amostra até o seu processamento. Além disso, vimos que
o sistema de coleta a vácuo, hoje, é o sistema de escolha para testes clínicos por ser um sistema
fechado que garante esterilidade à amostra e segurança ao profissional de saúde.
Justamente pela escolha de um sistema fechado, a indústria de insumos bioquímicos aprimorou
os tubos de coleta, e hoje eles podem ser encontrados já com o adjuvante na concentração ideal
para cerca de 10 mL de sangue. Esses tubos, no entanto, precisam conter uma identificação que
os diferencie uns dos outros e que seja intuitiva, para que o flebotomista não cometa equívocos
entre o tipo de adjuvante e as amostras para análise. Essa identificação, ainda, precisa ser
padronizada para evitar erros entre marcas diferentes de tubos a vácuo.
A coleta de sangue deve seguir uma sequência dos tubos para evitar contaminações do sangue
com substratos incompatíveis às análises. Para isso, o Instituto de Padrões Clínicos e
Laboratoriais (CLSI) criou uma ordem correta para a coleta com tubos a vácuo, que pode ser
visualizada no quadro abaixo.

Quadro 4 - Ordem dos tubos e razões para talFonte: Elaborado pela autora, baseado em SILVA et al., 2015.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro apresentando a ordem dos tubos de coleta em quatro
colunas, sendo que a primeira coluna mostra a ordem da coleta; a segunda, o aditivo contido no
tubo de coleta; a terceira, a cor da tampa do tubo; e a quarta, que mostra o motivo da escolha
dessa ordem.

7 Conhecendo o laboratório de bioquímica


Você já parou para pensar como são realizados os exames laboratoriais em geral? Já se
perguntou como seria se todos os processos dependessem exclusivamente de técnicos,
funcionários e profissionais desempenhando todas as funções e etapas dos exames?
Com o avanço da tecnologia, principalmente na área de saúde, a automação se tornou uma
realidade necessária e obrigatória a laboratórios clínicos, tanto para agilizar a análise de exames
quanto para refinar a padronização e dar maior confiabilidade aos resultados. Foi com essa
finalidade que ela entrou como um passo essencial na medicina laboratorial nas últimas décadas
(CAMPANA; OPLUSTIL, 2011).
A definição de Campana e Oplustil (2011, p. 120) sobre automação resume sucintamente esse
conceito:
Automação é a aplicação de técnicas computadorizadas ou mecânicas com o objetivo de tornar
um processo mais eficiente, maximizando a produção com menor gasto de energia e gerando
maior segurança. Entendemos por gasto de energia a aplicação de mão de obra especializada em
atividades de baixa geração de valor, gasto de tempo, desperdícios etc.
Ela permite conferir maior precisão na leitura das amostras, reduzir os erros de análise, reduzir os
gastos com insumos e profissionais pelo processamento de várias amostras simultaneamente em
um mesmo equipamento, gerenciar remotamente os processos analíticos, a padronização de
protocolos e favorecer a elaboração de laudos através da integração de diferentes plataformas.
Neste tópico, vamos conhecer um pouco mais sobre estes maquinários que compõem um
laboratório bioquímico e como e para que são utilizados.

7.1 A automação nas diferentes fases analíticas da amostra


A automação pode favorecer um laboratório clínico desde a fase pré-analítica até a fase pós-
analítica. O investimento em maquinários para essas etapas precisa estar ligado à demanda do
laboratório e à sua capacidade de processamento de amostras, pois existem diversos sistemas
de automação, dos mais simples, como uma centrífuga de bancada, aos mais complexos, como
robôs e braços robóticos.
A automação está mais presente na fase analítica dos exames, na qual inúmeros testes são parcial
ou totalmente automatizados. No entanto, grandes centros de análise podem expandir essa
automação tanto para as fases pré quanto pós-analítica.
Na fase pré-analítica, grandes centros de análise podem automatizar o processamento e o
transporte das amostras com o uso de robôs móveis, esteiras de transporte ou braços robóticos,
reduzindo os impactos do transporte e do tempo de espera pra o processamento inicial das
amostras.

Na fase analítica, o uso e adaptação de técnicas biofísicas e conhecimentos bioquímicos


permitiram automatizar praticamente todos os ensaios hematológicos, bioquímicos e imunológicos
que são realizados atualmente. Com a automação, dezenas ou centenas de amostras podem ser
processadas por hora, permitindo além disso reduzir o consumo de insumos e o lixo gerado.

Na fase pós-analítica, pode-se encontrar a automação completa do armazenamento de amostras


e organização de bibliotecas de soro (soroteca).
Vamos focar, agora, nos equipamentos mais utilizados no laboratório durante a fase analítica e
conhecer um pouco mais sobre as técnicas biofísicas e bioquímicas utilizadas para gerar laudos
e resultados.
7.2 Os equipamentos necessários para um laboratório clínico
Em um laboratório clínico, você irá encontrar equipamentos dos mais simples aos mais
automatizados, mas que são essenciais para um bom funcionamento dos ensaios que ali serão
realizados. No quadro abaixo, temos descritos os principais equipamentos que são encontrados
em laboratórios.

Quadro 5 - Equipamentos essenciais em um laboratório clínicoFonte: Elaborado pela autora, baseado em BRASIL, 2002b.

#PraCegoVer: na figura, há um quadro que destaca os equipamentos essenciais em um


laboratório clínico, listando na coluna da esquerda quais são esses itens, e na da direita as suas
funções.

Esses equipamentos podem estar presentes nas quantidades necessárias para cada demanda,
mas são itens essenciais para a montagem de um laboratório clínico.
A seguir, vamos destacar algumas técnicas e instrumentação em laboratório para que você possa
compreender um pouco mais como os ensaios são realizados.
7.3 Espectrofotometria
A espectrofotometria é uma técnica física baseada em dois princípios básicos:
• A absorção da luz por substâncias em comprimentos de onda específicos.
• A quantidade de luz absorvida é proporcional à quantidade de substância em um
determinado caminho óptico com tamanho definido (ARNESON; BRICKELL, 2007).
Cada substância tem características próprias que resultam em uma absorbância maior ou menor
de luz. Nem sempre toda a luz é absorvida quando passa por um meio, e a quantidade de luz
transmitida quando um feixe passa por uma determinada substância (chamada de transmitância)
também pode fornecer resultados importantes.
Espectrofotômetros são equipamentos que medem a quantidade de luz absorvida por uma
substância através de uma comparação inicial e final da quantidade de luz emitida pelo feixe.
Esses equipamentos podem varrer uma grande faixa de comprimentos de onda, indo do UV até a
o infravermelho.
De forma simplificada, um espectrofotômetro é composto por:
•Uma ou duas fontes de luz – Vão do espectro visível ao ultravioleta (geralmente,
lâmpadas de tungstênio para o espectro visível – 380 a 750 nm – e lâmpada de deutério
para a faixa do ultravioleta – 100 a 380 nm).
• Monocromador – Um filtro de luz que permite filtrar um único comprimento ou faixa de
comprimento de onda para a análise.
• Fenda de passagem – Auxilia a selecionar o comprimento de onda específico desejado.
• Cubeta – Para colocar a solução.
• Fotodetector – Para detectar a luz transmitida (a que não foi absorvida) pela amostra e
converter o sinal de energia luminosa em energia elétrica.
• Medidor – Para registrar o dado coletado.
A figura a seguir ilustra de forma simplificada como todas essas peças se organizam para o
funcionamento de um espectrofotômetro.

Figura 5 - Esquema didático de um espectrofotômetroFonte: extender_01, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema do princípio de um equipamento de


espectrofotometria, no qual há uma luz, representando a fonte de luz, irradiando sobre um prisma
(monocromador), um aparato com uma fenda à frente do prisma, seguido de uma cubeta que
contém uma solução por meio da qual passa a luz, e um fotodetector conectado a um medidor à
frente.
Assista aí

A fotometria pode ser considerada uma subdivisão da espectrofotometria. Trata-se da ciência


que mede a quantidade de luz em um determinado comprimento de onda. Os equipamentos
para fotometria são mais simples que os espectrofotômetros, pois não fazem leitura em todo o
espectro de luz, mas sim de comprimentos de ondas específicos conforme a aplicação. No
entanto, os princípios físicos para a análise dos resultados são os mesmos. No laboratório clínico,
as técnicas fotométricas são rotineiramente utilizadas para análises de inúmeros exames.
A grande maioria dos equipamentos utiliza os conhecimentos ópticos da luz. É possível explorar
como forma de análise e diagnóstico todas as formas de interação da luz com a matéria: absorção,
emissão, espalhamento e reflexão. Vamos aprofundar o conhecimento em duas técnicas bastante
utilizadas na rotina diagnóstica de um laboratório clínico, a turbidimetria e a nefelometria, que se
baseiam na absorção e espalhamento da luz pela substância analisada.
Turbidimetria e nefelometria
Tanto a turbidimetria quanto a nefelometria são técnicas fotométricas que medem o quanto a
luz é capaz de interagir com uma amostra. A turbidimetria mede a perda de intensidade de luz
quando ela passa por uma amostra, enquanto a nefelometria mede o quanto a luz se espalha ao
passar pela amostra (ARNESON; BRICKELL, 2007). Geralmente as fontes de luz usadas nesses
equipamentos são de alta intensidade, como lasers ou lâmpadas de tungstênio, que incidem em
uma cubeta onde se encontram as amostras.

A figura abaixo exemplifica de forma mais clara como essas duas técnicas se correlacionam.

Figura 6 - Diferença entre turbidimetria e nefelometriaFonte: Elaborada pela autora, baseada em VON MUHLEN;
BENDER, 2009; StockBURIN, Shutterstock, 2020; Gossip, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: a imagem mostra uma fonte de luz incidindo sobre um jogo de lentes e atingindo
uma amostra em tubo de ensaio. Desse tubo de ensaio, saem duas flechas indicando a trajetória
da luz após passar pela amostra: uma com o ângulo de 0°, indicando a luz transmitida
(turbidimetria) e outra com o ângulo maior que 0° e menor que 90º, indicando a luz espalhada
(nefelometria).

7.4 Imunoensaios
Imunoensaio é um método analítico que
usa anticorpos ou antígenos como reagentes (ARNESON; BRICKELL, 2007). São ensaios
usados amplamente em diagnóstico há mais de 40 anos, e seu princípio está presente desde o
diagnóstico de anticorpos contra vírus até em testes caseiros como o de gravidez.
Antígenos são moléculas de proteína ou oligossacarídeos que conseguem ativar uma resposta
imune (produção de anticorpos). Anticorpos, por sua vez, são um complexo de proteínas
produzidos por linfócitos B que reconhecem antígenos e se ligam a eles. No organismo, essa
marcação de antígenos pelos anticorpos funciona como uma sinalização do sistema imune
para neutralizar e eliminar corpos estranhos. Em laboratório, o conhecimento desse
mecanismo de ação foi adaptado a técnicas que, fazendo uso do mesmo princípio, conseguem
marcar substâncias de interesse para análise.
Existem diversos tipos de imunoensaios, categorizados de acordo com seu mecanismo de ação
e marcação da reação. Nesta seção, vamos analisar os principais tipos de ensaio usados na
clínica.
Ensaios de aglutinação
São ensaios em que um anticorpo reage com um antígeno presente em uma partícula insolúvel,
como uma célula, produzindo agregados (VON MUHLEN; BENDER, 2009). Esses agregados
precipitam o meio, e o teste pode ser lido por técnicas fotométricas. O quadro a seguir descreve
alguns dos tipos de ensaios de aglutinação.

Quadro 6 - Tipos de ensaios de aglutinaçãoFonte: Elaborado pela autora, baseado em VON MUHLEN; BENDER, 2009.

#PraCegoVer: na figura, há um quadro trazendo uma relação dos principais tipos de teste de
aglutinação utilizados na prática laboratorial clínica. Na coluna da esquerda, temos os tipos de
teste usados; na coluna central, há uma breve explicação do funcionamento dos testes; e na
coluna da direita, existem exemplos de exames laboratoriais feitos rotineiramente por esses
testes.

Ensaios fluorescentes
São testes realizados com marcadores fluorescentes (fluoróforos) ligados ao antígeno ou
anticorpo. A fonte de luz do equipamento excita o fluoróforo, que emite fluorescência. Quando
ocorre a interação antígeno-anticorpo, o fluoróforo é liberado no meio e a fluorescência emitida
pode ser captada. Esses testes dependem de equipamentos leitores de fluorescência.
Os ensaios de citometria de fluxo são baseados no princípio da fluorescência. Células são
misturadas com fluoróforos específicos e, ao passarem pelo capilar do equipamento, são
iluminadas com um feixe de luz laser e emitem uma fluorescência. Essa fluorescência é captada
pelo equipamento e fornece informações sobre a população de células presente na amostra.
Fluoróforos produzem fluorescência quando são excitados por uma fonte de luz de comprimento de onda
específico. Esse comprimento de onda de excitação varia conforme a natureza da molécula. O fluoróforo
recebe essa energia luminosa (fóton) e fica eletricamente instável, ejetando essa energia na forma de
fluorescência para voltar ao estado energético neutro. Tal ejeção de fluorescência se chama emissão, e
sempre é de um comprimento de onda maior que o comprimento de onda de excitação.

Ensaios quimioluminescentes
Tratam-se de ensaios que detectam a emissão de luz produzidas por reações químicas. Esses
ensaios são geralmente utilizados para detectar a presença de anticorpos na amostra do paciente.
A reação de quimioluminescência ocorre com a adição de um anticorpo comercial, que além de
reconhecer o complexo antígeno-anticorpo, possui um composto luminescente, como o luminol,
conjugado a ele. Para que esse composto emita luz, é preciso adicionar reagentes que iniciarão
uma reação química ou enzimática, produzindo a luz, que pode ser detectada e quantificada por
equipamentos ultrassensíveis.
Ensaios enzimáticos
Os imunoensaios enzimáticos permitem identificar antígenos e anticorpos. Nesses ensaios, a
interação de enzimas e substratos produz uma alteração na coloração da solução, permitindo o
diagnóstico.
Um dos imunoensaios enzimáticos mais conhecidos é o ELISA (do inglês enzyme-linked
immunosorbent assay). Nesse teste, antígenos ou anticorpos comerciais para o ensaio de
interesse são imobilizados em uma fase sólida (gel, por exemplo), sobre a qual é adicionada a
amostra de soro do paciente. O soro pode ser detectado pela ação de uma enzima conjugada ao
anticorpo reagente, que catalisa um substrato adicionado na amostra e promove uma mudança
de coloração. Anticorpos podem ser detectados por ELISA direto ou indireto, e antígenos podem
ser detectados por ELISA sanduíche ou ELISA competitivo, como mostra a figura a seguir.

Figura 7 - Os tipos de imunoensaios por ELISA: direto, indireto e sanduícheFonte: Soleil Nordic, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura traz um esquema de três tipos de imunoensaio ELISA. No primeiro
quadrante, do lado esquerdo, há a representação do ELISA direto, em que antígenos são
representados por bolinhas laranjas imobilizadas em uma superfície, seguido da adição de
anticorpos conjugados a uma enzima, que, ao reconhecerem o antígeno, formam o complexo
antígeno-anticorpo e emitem um sinal quando há a adição do substrato da enzima na reação. No
quadrante direito superior, há a representação do ensaio ELISA indireto, mostrando o antígeno
imobilizado em uma superfície, reconhecido pelo anticorpo do paciente, e a adição de um segundo
anticorpo que está conjugado à enzima; No quadrante direito inferior, há a representação do ELISA
sanduíche, no qual um anticorpo é imobilizado em uma superfície para reconhecer antígenos
presentes na amostra do paciente. Uma vez formado o complexo antígeno-anticorpo, um segundo
anticorpo – conjugado à enzima – é adicionado para reconhecer o antígeno.
8 Equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base
Agora que você já teve uma boa introdução ao funcionamento do laboratório clínico, vamos
mergulhar um pouco mais nos principais exames que são realizados de forma rotineira.
Iniciaremos com o entendimento do conceito de equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base, partindo
para importância na manutenção dos íons e pH e quais as principais disfunções relacionadas aos
quadros de desequilíbrio. Após a leitura deste tópico, você compreenderá, também, um pouco
mais sobre o papel fundamental dos íons na manutenção do nosso organismo.

8.1 Conceitos do equilíbrio hidroeletrolítico


A água compõe metade ou mais do nosso peso corpóreo e está presente tanto no meio
extracelular quanto no meio intracelular (ÉVORA et al., 1999). A maior parte da água do nosso
organismo está no compartimento intracelular (40% do peso corpóreo), enquanto o restante se
encontra no compartimento extracelular, que é dividido em água intravascular (15%)
e intersticial (5%).
Os equilíbrios hídrico e osmótico no organismo são mantidos por cátions, como íons cálcio
(Ca2+), potássio (K+), sódio (Na+) e magnésio (Mg2+), e ânions, como cloro (Cl-) e bicarbonato
(HCO3-), fosfatos e proteínas.
A composição dos líquidos intracelular (LIC) e extracelular (LEC) diferem significativamente,
principalmente em relação à quantidade de íons Na+, Cl- e HCO3- encontrados no LEC. Essas
diferenças são mantidas ativamente por proteínas na membrana plasmática das células.
O equilíbrio hídrico é mantido pela excreção, sudorese e ingestão de água, mas pode ser alterado
em casos de desidratação, edema, e intoxicação hídrica.
A desidratação é uma redução na quantidade de água total do organismo. Pode ocorrer por
infecções e afecções do trato gastrointestinal, sudorese excessiva ou mesmo por baixa ingestão
de líquidos. Os sinais mais comuns são perda de peso, perda de elasticidade da pele e hipotensão
postural, acompanhados de sintomas como febre, oligúria e taquicardia (ÉVORA et al., 1999).
Edemas também são alterações do equilíbrio hídrico, mas geralmente não são a causa primária
do desequilíbrio, e sim um indicativo de afecções renais, hepáticas e/ou cardíacas.
O oposto à desidratação, a intoxicação hídrica pode ocorrer por excesso de ingesta de água
(mais raro) ou por excesso de administração de água e glicose via parenteral. É possível identificar
o quadro se o paciente apresentar náuseas, fadiga e queda no volume urinário somados ao
aumento de peso.

8.2 Sódio: função e alterações


O sódio é o íon mais abundante no LEC, participando tanto da transmissão de impulsos nervosos
quanto na contração muscular (ÉVORA et al., 1999). Os rins têm um papel fundamental na
manutenção de sódio no organismo, pois controlam ativamente sua retenção e excreção. Como
ressaltam Évora et al. (1999, p. 455), “o equilíbrio hidroeletrolítico é regido por um princípio
fisiológico importante: A água vai para onde for o sódio”.
Veremos, agora, as alterações nas concentrações de sódio do organismo que merecem
atenção.
Hiponatremia
É a redução na concentração do íon sódio no plasma. Pode ocorrer por deficiência de sódio ou
por excesso de água no organismo – esta última é a forma mais comum, geralmente associada à
insuficiência renal.
Determinar a causa dessa redução é primordial para determinar o tratamento adequado, pois
a hiponatremia por depleção de sódio ocorre quando há perda de Na+ através da perda de
fluidos orgânicos (como diarreias, vômitos, sudorese excessiva), enquanto a hiponatremia por
diluição pode estar relacionada à insuficiência cardíaca, cirrose e doenças renais.
Os sintomas de ambos os casos de perda de sódio são similares e envolvem, de forma geral,
confusão mental e alterações neurológicas como convulsões e delírio. O tratamento consiste em
repor o sódio, no caso da perda por depleção, ou, no caso da hiponatremia por diluição, tratar
como um caso de intoxicação hídrica.
Hipernatremia
É a retenção de sódio, aumentando a sua concentração no plasma. Nos quadros de
desidratação, está ligada à: perda de água, reposição de água insuficiente, sobrecarga de sódio
na alimentação ou mesmo uso excessivo de esteroides.
A sintomatologia é mais difícil de diagnosticar, pois o corpo tenta manter o equilíbrio hídrico, mas
os sinais podem se mostrar através de mucosas e boca secas, alterações musculares como
fraqueza e cãibras, febre e até sinais neurológicos. O tratamento é feito com reposição do volume
hídrico.

8.3 Potássio: função e alterações


Enquanto o sódio é o principal íon extracelular no organismo, o potássio é o cátion
intracelular mais importante, pois participa do funcionamento dos músculos (neuroexcitação e
contração), da formação das reservas energéticas de glicogênio e de síntese de proteínas e
principalmente do equilíbrio ácido-base. Os rins controlam os níveis de potássio no organismo de
forma conjunta e inversa com o sódio.
Hipopotassemia
A queda na concentração de potássio no organismo está diretamente ligada à perda de fluidos
orgânicos, que por sua vez podem estar relacionadas a doenças como Cushing e síndrome de
Cohn. O paciente também apresentará fraqueza muscular, poliúria e alterações no SNC como
letargia e irritabilidade, podendo se estender até a complicações cardíacas. O tratamento consiste
na reposição via oral ou endovenosa do íon.
Hiperpotassemia
O excesso de potássio no organismo pode ocorrer por excesso de ingesta, problemas renais,
hemólise e quaisquer eventos que levem à degradação de proteínas. Os sinais estendem-se
desde fraqueza muscular até possíveis complicações cardíacas. O tratamento se dá pela
administração de soluções iônicas sem potássio, como gluconato ou cloreto de cálcio.

8.4 Cálcio: função e alterações


O íon cálcio participa de inúmeros processos fisiológicos tanto a níveis moleculares como a
nível tecidual: é necessário para manter as membranas celulares, participando da cascata de
coagulação sanguínea, da formação dos ossos e até do funcionamento correto do coração.
Sua manutenção no LEC é mantida pelos hormônios da tireoide (níveis de cálcio no sangue) e
da paratireoide (equilíbrio do cálcio nos ossos, absorção nos intestinos e eliminação pelos rins).
Hipocalcemia
Quadros comumente encontrados quando há retirada da paratireoide e insuficiência renal. Os
sintomas são mais clássicos e comuns de serem observados quando há retirada do tecido
glandular, levando à parestesia, cãibras, diarreias, convulsões e arritmias. O tratamento de casos
agudos deve ser feito via endovenosa, e a continuidade do tratamento por via oral, com
administração simultânea à vitamina D (ÉVORA et al., 1999).
Hipercalcemia
O excesso de cálcio no sangue pode ocorrer em casos de hiperparatireoidismo, neoplasias,
excesso de vitamina D e insuficiência da glândula adrenal. Esse quadro pode se manifestar com
sintomas de fraqueza, constipação, sonolência, vômitos e alterações cardíacas. O tratamento de
quadros agudos pode ser feito com uso de diuréticos.

8.5 Magnésio: função e alterações


O íon magnésio também atua a níveis moleculares, em atividades enzimáticas, e nos tecidos
musculares, promovendo excitabilidade da fibra muscular. O controle de magnésio no organismo
está a cargo dos rins, através da excreção, e do paratormônio.
Hipomagnesemia
A baixa concentração de magnésio no organismo pode estar ligada a inúmeros fatores, que vão
desde o alcoolismo até alterações e patologias metabólicas, como cirrose, pancreatite e acidose
diabética. Pode também surgir com alterações hormonais (hiperaldosteronismo primário e
hiperparatireoidismo). Os sinais e sintomas atingem funções neuro-motoras, alterações cardíacas
(taquicardia e arritmia) e confusão mental. O tratamento consiste em administração endovenosa
de soluções contendo magnésio ou via oral de sulfato de magnésio.

Hipermagnesemia
O excesso de magnésio geralmente está associado a quadros de insuficiência renal com
comprometimento da excreção. Dentre os sintomas estão fraqueza muscular, hipotensão,
confusão mental e alterações cardíacas. O tratamento deve focar na melhora da função renal, por
meio de diálise. Administração de cálcio pode ser usada como forma de melhora temporária por
o íon cálcio ser antagonista ao íon magnésio.

8.6 Conceitos do equilíbrio ácido-base


Para o metabolismo correto do organismo, a respiração celular consome grandes volumes de
oxigênio, gerando dióxido de carbônico (CO2). O CO2 produzido é levado pela corrente sanguínea
até os pulmões, para que ocorra a troca gasosa na respiração. No entanto, o CO2 é capaz de
reagir com a água do organismo e gerar um ácido fraco – o ácido carbônico (H2CO3) –, que entra
em um equilíbrio químico, produzindo íons bicarbonato e hidrogênio circulantes:

Proteínas e fosfatos têm um papel crucial na manutenção do equilíbrio ácido-base, pois atuam
como tamponantes do organismo, mantendo o pH estável (que deve ser de 7,35). No sangue, a
hemoglobina (Hb) dos eritrócitos também participa na manutenção do equilíbrio por se ligar ao
hidrogênio circulante. A Hb tem carga positiva e se liga ao H+ livre para formar o complexo HHb+,
que reage então com o oxigênio circulante e forma o complexo Hb-O2:

O conceito de pH em uma solução tampão foi descrito por Henderson e Hasselbalch na equação
de Henderson-Hasselbalch. Essa equação correlaciona o pH de uma solução com a constante
de dissociação dos ácidos (Ka), que pode ser considerada igual ao pH quando as concentrações
de ácido (A-) e base (AH) são iguais.

No organismo, o ácido responsável por manter o pH estável é o ácido carbônico (H2CO3), então
podemos reescrever a equação de Henderson-Hasselbalch como:

Esta equação permite avaliar alterações encontradas no equilíbrio ácido-base, permitindo avaliar
indiretamente, por exemplo, a concentração de CO2 no organismo.
É importante ressaltar que tanto o sistema respiratório quanto o sistema excretor participam da
regulação do equilíbrio ácido-base no organismo, uma vez que o pulmão é responsável pela
excreção de substâncias voláteis (gases), e os rins pelas moléculas físicas (tampões). Quando há
alterações no funcionamento pulmonar ou renal, o equilíbrio ácido-base pode ser comprometido,
gerando acidose (pH < 7,35) ou alcalose (pH > 7,35), distúrbios estes que podem estar
relacionados ao metabolismo ou à respiração.
Assista aí

8.7 Alterações relacionadas ao metabolismo


As alterações metabólicas do equilíbrio ácido-base estão relacionadas ao funcionamento dos rins,
podendo ser de acidose metabólica ou de alcalose metabólica.
Acidose metabólica
Aqui, os rins não conseguem eliminar o excesso de íons hidrogênio nem recuperar os íons
bicarbonato na filtração, reduzindo a proporção ideal de bicarbonato e ácido carbônico para que
ocorra a normalização do pH no organismo. Essas alterações podem acontecer por aumento na
produção de ácidos não-voláteis, como quadros de cetoacidose, acúmulo de lactato ou
intoxicação por metanol; alterações renais como insuficiência renal crônica; ou por perda de
bases, devido à má absorção intestinal ou excesso de ingestão de ácidos, por exemplo (MOTTA,
2009)
Os quadros de acidose metabólica podem ser diagnosticados pela redução do bicarbonato e do
pH do sangue. Para tentar contornar o quadro, o indivíduo entra em hiperventilação. Isso ocorre
pois há aumento do influxo de O2 e da excreção de CO2. Este mecanismo, no entanto, é funcional
somente em quadros de acidose aguda. Em casos de acidose crônica, o tratamento primário deve
focar em corrigir a causa primária, mas em casos em que o pH sanguíneo estiver bastante baixo
(igual ou menos que 7,2), deve-se considerar a administração de bicarbonato via endovenosa.
Alcalose metabólica
Ocorre por excesso de bicarbonato no organismo, que pode ser resultado de depleção de H+
ou ingestão em excesso de substâncias alcalinas. Perdas de H+ e K+ podem levar ao quadro de
alcalose metabólica, assim como administração excessiva de carbonato de sódio (NaHCO3) ou
de antiácidos (MOTTA, 2009).
As alcaloses metabólicas podem ser diagnosticas pelo aumento do pH sanguíneo e dos íons
bicarbonato. O indivíduo pode iniciar uma compensação respiratória para tentar voltar o pH a 7,4,
por meio da redução da respiração, mantendo o CO2 no organismo por mais tempo e retardando
as trocas gasosas. Em casos graves, o tratamento deve ser feito com solução eletrolítica que vise
reestabelecer os níveis de potássio no organismo, para dessa forma facilitar a excreção de
bicarbonato.

8.8 Alterações relacionadas à respiração


Alterações respiratórias também contribuem para quadros de acidose ou alcalose e estão
relacionadas a alterações pulmonares que impedem a troca gasosa correta pela respiração.
Acidose respiratória
É o quadro em que o pulmão não consegue expelir o gás carbônico corretamente, resultando
em redução do pH sanguíneo. Esse quadro geralmente é resultante de problemas respiratórios
que comprometem o tecido pulmonar, como bronquite crônica, enfisema pulmonar, asma e
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Também pode ser resultante de inibição no sistema
nervoso central (SNC) do controle da respiração, ocasionado por fármacos, traumas ou infecções
do SNC.
O quadro de acidose respiratória pode ser diagnosticado por meio de aumentos na concentração
de CO2 no sangue e da redução do pH (acidemia), podendo haver compensação renal, caso o
quadro seja crônico, levando à perda de potássio na urina. O tratamento pode envolver desde
suprimento de oxigênio via inalatória ou por ventilação mecânica até ao uso de medicamentos que
estimulam os centros respiratórios no SNC.
Alcalose respiratória
Na alcalose, há excesso de eliminação de CO2 pelos pulmões. Esse quadro leva a uma redução
dos níveis séricos de CO2, resultando em aumento do pH sanguíneo. Pode ocorrer em pacientes
com problemas e enfermidades pulmonares (como pneumonia, asma, edema etc) e
comprometimento do centro respiratório no SNC (como tumores, infecções, acidentes vasculares
cerebrais etc).
O organismo tenta compensar esse desequilíbrio recrutando íons H+ do compartimento
intracelular, para reduzir a quantidade de íons bicarbonato no plasma. Os rins auxiliam nessa
manutenção por meio da retenção de H+ durante o processo de filtração. Intervenções externas
estão relacionadas ao tratamento das condições que podem levar à acidose respiratória, ou
mesmo através de respiração mecânica nos quadros mais graves.

9 Gasometria: o estudo dos gases sanguíneos


O exame de gasometria permite avaliar o equilíbrio ácido-base de um paciente, determinando
os teores de gases no sangue, o pH, teor de ions bicarbonatos e pressões parciais de CO2 (pCO2)
e de O2 (pO2).
Tanto o sangue venoso quanto o sangue arterial podem ser usados para realização do exame
hemagasométrico. O sangue arterial, no entanto, apresenta vantagens como escolha por não
sofrer consequências de possíveis estases de fluxo, tendo também valores de pH e de pO2
maiores, enquanto o sangue venoso apresenta maiores concentrações de bicarbonato e pCO2
(CASTRO; KEENAGHAN, 2020).

9.1 A análise gasométrica


A análise gasométrica é feita com o sangue total do paciente. É importante ressaltar que os
valores de referência variam entre os sangues venosos e arteriais. O ideal é que o exame seja
analisado sem longas esperas da coleta, para evitar interferência nos resultados.
As amostras são analisadas por equipamentos automatizados, que avaliam:
• pH sanguíneo;
• pressão parcial de O2 (pO2);
• pressão parcial de CO2 (pCO2);
• concentração de íons bicarbonato;
• cálculo relativo (excesso/deficiência) de bases no sangue;
• saturação de O2.
Os resultados do exame permitem avaliar se as desordens encontradas são leves ou graves,
agudas ou crônicas e se são de origem metabólica ou respiratória. No quadro a seguir, podemos
visualizar como alguns desses parâmetros podem ser analisados.

Quadro 7 - Índices medidos na gasometria e o que indicamFonte: Elaborado pela autora, baseado em MOTTA, 2009.

#PraCegoVer: na imagem, há um quadro com alguns parâmetros que são analisados pelo exame
de gasometria e o que eles significam.
10 Ionograma: o que é e como analisar
Ionograma é o nome do exame que quantifica os principais íons responsáveis por manter
o equilíbrio hidroeletrolítico no organismo. Além dos íons sódio e potássio, já ressaltados no
tópico anterior, os ânions cloretos também são abundantes no LEC e de extrema importância
para manutenção da pressão osmótica no organismo. Os íons do organismo contribuem para os
equilíbrios hidroeletrolítico e ácido-base, e analisar a concentração sérica desses íons é de
extrema importância.
O exame para analisar a concentração dos íons bicarbonato também pode receber o nome
de reserva alcalina. Na bioquímica clínica, entende-se por reserva alcalina todos os íons que tem
capacidade de neutralizar ácidos no sangue, sendo o principal representante desse grupo os íons
bicarbonatos.
O quadro a seguir mostra as condições de coleta, análise e valores de referência dos três
principais íons avaliados pelo ionograma.

Quadro 8 - Principais íons avaliados no ionograma, métodos e análise e valores de referênciaFonte: Elaborado pela
autora, baseado em MOTTA, 2009.

#PraCegoVer: na imagem, há um quadro trazendo os principais íons analisados pelo exame


ionograma, identificando como deve ser preparada a amostra para análise, os métodos de
diagnóstico utilizados na prática clínica e os valores séricos de referência.

11 Casos clínicos
Para saber como podemos usar essas informações que tivemos até agora em um caso clínico,
separamos duas situações.
Caso 1
Uma paciente de 48 anos chega ao pronto socorro com a respiração superficial, perda de
consciência, mas frequência respiratória normal. A família informa ao hospital que a paciente não
estava se sentindo bem e confundiu um medicamento para febre e dores em geral com um
tranquilizante, tomando 40 gotas do tranquilizante. Esse tranquilizante, em excesso, causa
depressão respiratória. Os exames gasométricos iniciais mostraram que o pH sanguíneo da
mulher encontra-se em 7,25, e que a pCO2 é de 80 mmHg.
Sabendo que a pressão de gás carbônico normal é de 35 a 45 mmHg, explique o que levou a
mulher a este quadro de alterações.
Resposta esperada: A paciente apresenta uma acidose por seu pH estar em 7,25, quando o
normal é de 7,35 a 7,45. A pCO2 está aumentada, indicando que o gás não está sendo retirado
totalmente do organismo.
O acúmulo de CO2 na corrente sanguínea causa uma acidose, neste caso, de componente
respiratório, pois o pulmão não está conseguindo eliminar os gases devido à depressão
respiratória causada pelo medicamento. Portanto, a paciente entrou em um quadro de
hipoventilação, o que levou ao acúmulo de CO2 no organismo (aumento da pCO2) e redução do
pH por aumento da concentração de íons hidrogênio, o que levou à perda de consciência.
Caso 2
Um paciente idoso e acamado chega ao pronto-atendimento desorientado e muito sonolento,
reclamando de boca seca. Nos últimos três dias, o paciente apresentou um desconforto
gastrointestinal e teve um quadro de diarreia aguda, que levou à perda de muito líquido. O paciente
não foi internado para reposição do líquido perdido e nem consumiu mais água ou soluções de
soro caseiras para repor o volume hídrico. O médico solicitou um ionograma completo do paciente,
e os valores de sódio apresentaram-se alterados: 158 mEq/L.
Sabendo que os valores de referência para o sódio são de 135 a 145 mmol/L e que mEq = mmol
para este caso, discuta o que pode ter acontecido com o paciente e sugira uma possível conduta
para solucionar o desequilíbrio encontrado.
Resposta esperada: O paciente perdeu uma grande quantidade de líquidos devido ao desarranjo
gastrointestinal pelo qual passou e está em um quadro de desidratação. A perda de líquidos pelas
fezes levou a um aumento da concentração de sódio no organismo – hipernatremia –, o que
explica os sinais e sintomas apresentados pelo paciente. O quadro levou a uma desidratação dos
compartimentos intracelulares para compensar o desequilíbrio no meio extracelular.
Uma possível conduta indicada para o tratamento do paciente seria a administração de soro
fisiológico via intravenosa, com monitoramento do paciente, até que o equilíbrio hidroeletrolítico
se reestabeleça.

12 Pâncreas e insulina: fisiopatologia da diabetes mellitus


O pâncreas é uma glândula que pertence ao trato gastrointestinal, sendo composto por:

Porção exócrina Porção endócrina

12.1 Um breve histórico do pâncreas e da insulina


O pâncreas já é conhecido desde a Grécia Antiga, mas foi só no final do século XIX que Minkowski
descobriu sua relação com a diabetes, ao remover o órgão de cães e observar que os animais se
tornavam diabéticos. A correlação do pâncreas com metabolismo dos carboidratos se concretizou
em 1921, quando os pesquisadores Frederick Banting, Charles Best e John Macleod conseguiram
isolar a insulina pela primeira vez do extrato pancreático, o que lhes rendeu o prêmio Nobel em
1923 (QUIANZON; CHEIKH, 2012). Em 1978, David Goeddel e sua equipe produziram
em Escherichia coli pela primeira vez uma insulina de DNA humano recombinante, que chegou ao
mercado farmacêutico no início da década de 1980. A partir de então, aprimoramentos na síntese
de insulina para aumentar sua eficácia conseguiram melhorar a qualidade de vida dos pacientes
diabéticos e reduzir as complicações causadas pelas diabetes crônica não tratada.
12.2 Insulina e o metabolismo dos carboidratos
A insulina é uma proteína e o principal hormônio secretado pelas ilhotas pancreáticas, uma
vez que são produzidas nas células beta, e estas compõem cerca de 60% dessas ilhotas no tecido
endócrino do pâncreas.
Após o consumo de carboidratos na alimentação e a digestão inicial no trato digestório,
a glicose entra na corrente sanguínea e estimula rapidamente a liberação de insulina. A insulina,
por sua vez, atua se ligando a receptores específicos nas membranas celulares e estimulando a
internalização da glicose, armazenamento e metabolização, principalmente nos tecidos
musculares, adiposo e hepático (GUYTON et al., 2006).
Nos músculos, a glicose só é utilizada durante exercícios intensos, caso contrário é armazenada
na forma de glicogênio quando há presença de insulina. O tecido muscular em repouso usa
preferencialmente ácidos graxos para gerar energia.
O tecido hepático também é de extrema importância no metabolismo e armazenamento da glicose.
Após a alimentação, a insulina liberada na corrente sanguínea encontra receptores na membrana
das células hepáticas e estimula imediatamente a internalização da glicose e armazenamento na
forma de glicogênio. Esse glicogênio será usado como forma de energia pelo organismo nos
períodos de intervalo entre as refeições.
Quando o armazenamento de glicose em glicogênio atinge seu limite e a quantidade de glicose
internalizada pelos hepatócitos é maior que a capacidade de armazenamento ou uso para o
metabolismo celular, a insulina promove a conversão do excesso de glicose em ácidos graxos.
Esses ácidos são transformados em triglicerídeos e lipoproteínas de densidade muito baixa
(VLDL), sendo levados aos tecidos adiposos pela corrente sanguínea e armazenados na forma
de gordura (GUYTON et al., 2006).
A ação da insulina na internalização de glicose pelas outras células do organismo ocorre de forma
semelhante. Essas células também precisam de receptores de insulina para desencadearem a
sinalização intracelular que resultará na entrada de glicose para o citoplasma. No tecido adiposo,
a glicose é usada como substrato para a porção glicerol que compõe os lipídios. No SNC, as
células não usam insulina para a internalização da glicose por serem células permeáveis à glicose,
sem precisar de transporte ativo da molécula para o seu citoplasma.
Fique de olho
O pâncreas endócrino é composto principalmente por três tipos celulares:
as células alfa, que produzem glucagon e correspondem a cerca de 20% das células da ilhota;
as células beta, que produzem insulina e correspondem a 50-80% das células;
e as células delta, que produzem somatostatina e compõem de 3-10% das ilhotas.
O glucagon estimula a gliconeogênese e a glicogênese, aumentando a glicemia; a insulina sinaliza para o
uso e armazenamento da glicose. A somatostatina inibe a ação endócrina do pâncreas e se comunica com
o sistema digestório. O equilíbrio entre todos esses hormônios envolve ações do SNC e ajuda a manter a
homeostase do organismo.

13 Síndrome do metabolismo da glicose: diabetes mellitus


A diabetes mellitus (DM) é uma síndrome de erro do metabolismo de carboidratos, gorduras
e proteínas, que pode ser causada tanto pela falta de produção de insulina (DM tipo 1) quanto
por perda de sensibilidade celular à insulina (DM tipo 2). Em ambos os casos, as células não
conseguem internalizar a glicose, há aumento da glicemia e aumento no consumo de ácidos
graxos e de proteínas pelas células como tentativa de manter o metabolismo celular ativo mesmo
em privação de glicose.
A DM é assintomática em um primeiro estágio, quando a glicemia ainda não atingiu valores tão
discrepantes, sendo geralmente diagnosticada por exames laboratoriais. No entanto, em
indivíduos que não fazem acompanhamento clínico de rotina e a doença progride lentamente sem
tratamento, os sintomas podem aparecer com aumento da enurese, sede, boca seca, aumento da
fome, perda de peso e fadiga. Os sinais já aparecem quando a DM atingiu um estágio grave e o
paciente entrou em um quadro de cetoacidose, com alterações respiratórias e dores abdominais,
podendo evoluir para um quadro crítico de acidose metabólica, que pode levar à morte.

13.1 Diabetes mellitus tipo 1 (DM1): causas e tipos


A DM tipo 1 (DM1) é resultado da não produção de insulina pela degeneração das células beta
do pâncreas. O ataque às células beta pode vir de doenças virais, doenças autoimunes ou mesmo
resultante de fatores genéticos familiares que levam à sua. É uma doença que frequentemente se
manifesta na infância ou juventude, mas pode aparecer em adultos de forma mais lenta.
A DM tipo 1 pode ser subdividida em dois tipos de acordo a causa primária que leva à não
produção de insulina: tipo 1A e tipo 1B.

13.2 Fisiopatologia da DM1


A não produção de insulina gera um quadro de hiperglicemia, refletindo em desidratação e
poliúria no paciente. Quando a glicemia atinge valores de 180 mg de glicose por 100 mL de sangue
nos rins, o excesso de glicose no plasma ultrapassa os limites de reabsorção dos túbulos renais,
levando à perda de glicose na urina.
No organismo como um todo, o excesso de glicose no sangue aumenta a pressão osmótica dos
fluidos extracelulares, promovendo a saída de água do interior das células e levando a um quadro
de desidratação intracelular.
Ainda, a perda de glicose na urina também provoca um efeito conhecido como osmose diurética.
O excesso de glicose no plasma reflete em glicosúria, pois os rins não conseguem filtrar toda a
glicose que passa pelos túbulos renais. A glicose que passa para a urina, por sua vez, cria uma
pressão osmótica e faz com que menos líquido seja recuperado na filtração tubular dos rins,
levando também a um quadro de desidratação extracelular.
A redução dos reservatórios hídricos do corpo, por fim, gera um estímulo a nível de SNC para que
o paciente aumente o consumo de água, refletindo-se em sede abundante.

13.3 Diabetes mellitus tipo 1A


A DM tipo 1A é a manifestação mais frequente da DM insulino-dependente, sendo caracterizada
pela presença de autoanticorpos contra as células beta do pâncreas. Assim como para grande
parte das doenças autoimunes, ainda não se sabe exatamente o que leva o corpo a desenvolver
anticorpos contra as células beta, mas há correlações com fatores hereditários e ambientais, como
infecções virais, dieta e microbiota intestinal, que predispõem o sistema imune a atacarem o
próprio corpo. Os anticorpos se mostram presente no soro do paciente mesmo antes dos quadros
de hiperglicemia severa, e são um indicativo laboratorial da doença.
A Sociedade Brasileira de Diabetes (2017) traz em seu livro de diretrizes sobre a doença
os marcadores clínicos mais conhecidos e usados no diagnóstico da DM1:
• anticorpos anti-ilhota (ICA)
• anti-insulina (IAA)
• antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65)
• antitirosina-fosfatase e antitransportador de zinco (Znt8).

13.4 Diabetes mellitus tipo 1B


É o quadro de DM de origem idiopática, ou seja, de causas não totalmente conhecidas. Neste
caso, há ausência de autoanticorpos e o diagnóstico é feito por presença de alterações nos
exames de diagnóstico padrão.

13.5 Diabetes mellitus tipo 2 (DM2)


A DM tipo 2 (DM2) atinge preferencialmente a população acima de 45 anos. É a forma mais
comum da doença, correspondendo a mais de 90% dos casos de DM. As causas do seu
desenvolvimento estão relacionadas à herança genética e a fatores ambientais, como hábitos e
dietas, sedentarismo e obesidade, além de hipertensão arterial e dislipidemias.
Ao contrário da DM1, em que as ilhotas param de produzir insulina, a DM2 se desenvolve por
uma resistência celular à ação da insulina, e a concentração de insulina no plasma aumenta
invés de cair. Sabe-se que alguns processos inflamatórios contribuem para a instalação da DM2,
como a deposição de gordura visceral, que é um forte fator de risco ao desenvolvimento de DM2,
pois o tecido adiposo abdominal, quando hipertrofiado, produz fatores pró-inflamatórios (citocinas)
relacionados à resistência insulínica.
O aumento na produção de insulina ocorre como uma consequência do aumento da concentração
de glicose no sangue, uma vez que os tecidos periféricos se tornam menos sensíveis à insulina
(resistência insulínica), comprometendo o transporte ativo da glicose para o interior das células.
Esse desequilíbrio metabólico leva a um aumento na produção de glucagon (hiperglucagonemia),
aumento na produção hepática de glicose, aumento de ácidos graxos circulantes no sangue,
resultantes do aumento da lise de gorduras, aumento na reabsorção renal de glicose e produção
e secreção de insulina deficientes pelas células beta do pâncreas.
A DM2 não tem um diagnóstico clínico certeiro como a DM1 e, na maioria das vezes, é uma
doença assintomática por um longo período. O diagnóstico baseia-se em exames laboratoriais de
rotina para avaliar a glicemia.

13.6 Fisiopatologia da DM2


O aparecimento da DM2 se inicia com a resistência dos tecidos à ação da insulina, ou seja, a
interação da insulina com seu receptor na membrana celular não ativa o transporte ativo da
glicose para o citoplasma. Sabe-se que o aparecimento da resistência insulínica e dos erros de
metabolismo dos carboidratos tem relação com o peso excessivo e obesidade. Além disso, a
sinalização intracelular da ligação da insulina com seu receptor pode ser prejudicada pelo acúmulo
de lipídios no interior de hepatócitos e células musculares, porém os mecanismos que
correlacionam a obesidade à resistência insulínica ainda não são completamente compreendidos.
A resistência insulínica faz parte de chamada síndrome metabólica, que inclui: obesidade e
acúmulo de gordura abdominal, resistência insulínica, hiperglicemia, dislipidemias e hipertensão.

13.7 Diabetes mellitus gestacional (DMG)


A diabetes mellitus gestacional (DMG) é um quadro que se desenvolve sem diagnóstico prévio de
DM. A gestação por si já é uma condição favorável à diabetes, pois a placenta produz hormônios
que estimulam a hiperglicemia, como cortisol, estrógeno, progesterona e prolactina, além de
enzimas que degradam a insulina (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017). O principal
hormônio relacionado à resistência insulínica na gestação é o hormônio lactogênico placentário
(MIRANDA; REIS, 2008).
A DMG pode desaparecer com a gestação ou permanecer após o parto, e oferece riscos à mãe e
ao bebê. Os fatores de risco para o desenvolvimento de DMG vão desde fatores hereditários a
condições maternas que favorecem o quadro, como idade avançada, sobrepeso, gordura visceral,
baixa estatura ou mesmo síndrome dos ovários policísticos (SOP). O tratamento para DMG
envolve desde mudança na dieta para adequação aos índices glicêmicos até o uso de insulina em
casos mais graves.

14 Metabolismo intermediário: o que é e como se altera nos


quadros de diabetes
O metabolismo intermediário compreende o estágio entre a entrada da glicose no interior celular
até a formação de piruvato. Os metabólitos intermediários da glicose – e destacamos aqui os
mais importantes: glicose-6-fosfato, piruvato e acetil-CoA – são precursores de outras cascatas
de síntese ou metabolismo aeróbico ou anaeróbico na célula.
Após a sinalização da insulina para a internalização de glicose, ocorre um processo de transporte
ativo da glicose para o citoplasma, por meio de transportadores chamados GLUT. Uma vez no
interior da célula, a glicose precisa ser fosforilada para não voltar ao meio extracelular. Essa
fosforilação ocorre pela ação de hexoquinases e gera o intermediário glicose-6-fosfato.
O composto passa, então, pelo processo de glicólise para formar ácido pirúvico, um outro
intermediário do metabolismo da glicose. O ácido pirúvico (ou piruvato) pode ser direcionado
para diferentes vias no interior da célula, dependendo do tipo de tecido e/ou da necessidade da
célula:
• na mitocôndria, será oxidado e dará origem ao acetil-coenzima-A (Acetil-CoA);
• pode ser a via da gliconeogênese, formando as reservas de glicogênio,
principalmente em células musculares e hepáticas;
• pode participar da síntese de aminoácidos e formar proteínas, processo conhecido
como proteogênese, que ocorre principalmente em músculos e fígado;
• pode dar origem a ácidos graxos e triglicerídeos em hepatócitos e adipócitos,
processo conhecido como lipogênese;
• pode, ainda, ser usado na respiração anaeróbia (ausência de oxigênio),
sofrer fermentação láctica e dar origem ao lactato.
A figura a seguir resume todo esse processo que acabou de ser descrito.

Figura 8 - O metabolismo intermediárioFonte: Elaborada pela autora, 2020.

#PraCegoVer: a figura representa, de forma esquemática, o processo de metabolismo


intermediário da glicose, descrevendo o processo de entrada da glicose na célula por meio de
transportadores, chamados GLUT, e passando por processos bioquímicos até gerar o ácido
pirúvico, que pode ser usado na respiração mitocondrial, fermentação lática, lipogênese,
proteogênese e gliconeogênese.

Síntese de lipídeos: lipogênese


O processo de lipogênese ocorre quase que totalmente em hepatócitos, dependendo também da
conversão do piruvato em acetil-CoA, que é posteriormente convertida em malonil-CoA, o
precursor da síntese de triglicerídeos no fígado.
Tais triglicerídeos são liberados na corrente sanguínea na forma de lipoproteínas, e no tecido
adiposo são convertidos novamente em triglicerídeos para serem armazenados na forma de
gordura.
Síntese de aminoácidos
A síntese de aminoácidos no organismo depende de intermediários do ciclo do ácido cítrico (ou
ciclo de Krebs), que são usados como reagentes em reações de transaminação.
Os aminoácidos glutamato, glutamina, prolina e arginina são sintetizados a partir de -cetoácidos
produzidos no ciclo do ácido cítrico. A síntese dos aminoácidos aromáticos – fenilalanina, tirosina
e triptofano – depende de fosfoenolpiruvato, uma molécula derivada do intermediário metabólico
piruvato, produzido na glicólise. Já os aminoácidos lisina, arparagina, metionina, treonina e
isoleucina são derivados de oxaloacetato, um outro intermediário do ciclo do ácido cítrico.

14.1 Mudanças do metabolismo intermediário na DM


A falta de glicose intracelular na DM leva à metabolização de lipídios para suprir a demanda
energética (lipólise). A lipólise libera ácidos graxos livres nos hepatócitos, que uma vez oxidados,
formam acetil-CoA. Embora o acetil-CoA seja um intermediário do metabolismo da glicose, há um
limite máximo de moléculas que podem ser usados no ciclo do ácido cítrico. Dessa forma, o
excesso de acetil-CoA, é convertido em corpos cetônicos no fígado. Esses corpos cetônicos
(acetoacetato e beta-hidroxibutirato) levam a um quadro de cetoacidose (BARONE et al., 2007).
Os quadros de cetoacidose são evoluções graves do DM não tratado que podem levar o paciente
à morte, pois a acidose metabólica gerada pela DM se associa à desidratação intensa do paciente
devido à poliúria, agravando o quadro de acidose. O organismo tenta compensar a acidose através
da respiração rápida e profunda para retirar maiores volumes de CO2 do organismo, mas esse
processo consome as reservas alcalinas. Os rins tentam compensar a perda do bicarbonato
(reserva alcalina) recuperando maiores quantidade do íon na filtrado glomerular. No entanto, se o
quadro não for revertido e a DM estiver bastante descontrolada, o pH sanguíneo pode cair para
valores abaixo de 7.0, levando ao coma e podendo levar o paciente à morte em questão de horas.
O metabolismo excessivo de gorduras no fígado também leva a um aumento do colesterol
circulante, favorecendo a deposição de gordura nas paredes arteriais, processo conhecido como
aterosclerose, e pode que causar lesões e/ou bloqueios vasculares graves.

15 Quadro clínico da DM e diagnóstico laboratorial


A DM é uma doença silenciosa, pois seus sinais e sintomas só aparecem no paciente depois que
a doença já está instalada. No entanto, alterações fisiopatológicas já estão presentes mesmo sem
que a glicemia atinja valores discrepantes.
O estágio inicial da doença, em que a glicemia de jejum está acima do normal, mas não atingiu
valores altos suficientes para o diagnóstico da DM, chama-se pré-diabetes. Neste caso, o
diagnóstico é feito através de exames laboratoriais.

15.1 Diagnóstico laboratorial: exames e interpretações


A fase de pré-diabetes pode ser chamada também de glicemia de jejum alterada ou tolerância
à glicose diminuída. Essas denominações foram atribuídas pela Associação Americana de
Diabetes (ADA), que também estabeleceu os exames necessários para detectar os estágios da
tolerância à glicose e assim auxiliar no diagnóstico da DM (AMERICAN DIABETES SOCIETY,
2020). São eles:
Quaisquer resultados positivos nos exames de glicemia de jejum, TOTG ou HbA1c conferem o
diagnóstico para pré-diabetes, DM estabelecida ou DM gestacional. Confira, no quadro a seguir,
os valores adotados pela Sociedade Brasileira de Diabetes (2017) para pacientes
normoglicêmicos, pré-diabéticos, diabéticos e DM gestacional.

Quadro 9 - Valores de referência para interpretação de exame laboratorial para diagnóstico da DMFonte: Elaborado pela
autora, baseado em SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017.

#PraCegoVer: na figura, há um quadro trazendo dados de referência para os exames de


diagnóstico laboratorial da diabetes mellitus. Nele, os valores dos exames de glicemia de jejum,
glicemia após 2 horas de sobrecarga de glicose (TOTG) e hemoglobina glicada (HbA1c) são
definidos para situações de normoglicemia (não-diabetes), pré-diabetes, diabetes estabelecida e
diabetes mellitus gestacional.

16 Epidemiologia e rastreamento populacional da DM


A Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que 8,8% da população mundial entre 20 e
79 anos tenha diabetes, sendo a maior prevalência da doença em países em desenvolvimento,
que representam cerca de 75% dos casos. A prevalência da DM está associada a hábitos
alimentares, estilo de vida sedentário, excesso de peso e obesidade e envelhecimento
populacional (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017).
A DM é uma questão de saúde pública de grande importância, devido ao uso do sistema de saúde
por pacientes diabéticos, principalmente os com glicemia descompensada. Ainda, não está claro
se todas as complicações decorrentes do diabetes estão relacionadas somente à hiperglicemia
ou também às alterações hormonais provocadas pela doença, dislipidemias e glicação de
proteínas.
As complicações da DM e a doença em si são as causas primárias responsáveis por morte
precoce de pacientes. A doença apresenta complicações tanto para indivíduos recém-
diagnosticados quanto para aqueles que convivem com a doença há longos tempos. Para a DM1,
o coma acidótico tem grande importância na causa de óbitos de recém-diagnosticados, enquanto
a nefropatia diabética é a maior responsável pela mortalidade em indivíduos diabéticos de longa
data. Para a DM2, as doenças cardiovasculares agravadas pela síndrome metabólica são as
principais causas de óbito (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017).
Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (2017), as complicações do DM mais comuns são
distúrbios micro e macrovasculares que resultam em retinopatia, nefropatia, neuropatia, doença
coronariana, doença cerebrovascular e doença arterial.
A prevenção à diabetes se estende desde a prevenção de início ao DM até o tratamento e
reabilitação de quadros graves e suas complicações. Dentre algumas recomendações, estão o
aleitamento materno e não introdução de leite de vaca antes dos três meses de vida e mudanças
no estilo de vida, com introdução de exercícios físicos e reeducação alimentar.

16.1 Rastreamento populacional da DM2


O rastreamento consiste em diagnosticar o quadro de pré-diabetes ou DM2 por meio
de exames laboratoriais, permitindo assim tratamentos precoces e redução de agravamento dos
quadros cardiovasculares. Preferencialmente, a população rastreada precisa ser a de alto risco
em desenvolver DM.
Essa população é selecionada de acordo com os questionários FINDRISC (Finnish Diabetes
Risk Score) ou com o da Associação Americana de Diabetes (ADA), que avaliam o quadro clínico
do paciente como peso, altura, idade, circunferência abdominal, sedentarismo e alimentação, além
de investigar o histórico familiar em relação à glicemia e à pressão arterial, indicando o risco de o
paciente desenvolver DM nos próximos dez anos. O rastreamento deve ser realizado em centros
de tratamento e com pacientes que não tenham diagnóstico prévio da doença.
Assista aí

16.2 Prevenção e tratamento


As práticas de prevenção e os tratamentos disponíveis contra a diabetes estão relacionados à
DM2, principalmente para pacientes que receberam o diagnóstico de pré-diabetes via laboratorial
e/ou cujos exames de rastreamento alertam para alto risco de desenvolvimento de diabetes.
As práticas de prevenção podem ser não farmacológicas, que envolvem dieta adequada e
prática de exercícios físicos monitorada, ou farmacológicas, que ajudam a diminuir a incidência
de DM2 em pacientes pré-diabéticos.

17 Diagnóstico laboratorial da DM
O diagnóstico laboratorial da DM é feito através de três exames padrão:
• glicemia de jejum;
• glicemia 2 horas após administração de solução de glicose (teste oral de tolerância à
glicose – TOTG);
• hemoglobina glicada (HbA1c).
Vamos conhecer como são feitos rotineiramente esses exames, quais valores de referência e
como interpretá-los.

17.1 Glicemia de jejum e TOTG


Embora seja um exame simples, a fase pré-analítica do exame de glicemia pode contribuir para
diversos erros de análise, uma vez que os eritrócitos continuam a metabolizar a glicose no tubo
de ensaio após a coleta.
Para reduzir ou evitar a metabolização da glicose pelos eritrócitos, pode-se utilizar tubos com
adição de fluoreto (tampa cinza), que conservam os níveis de glicose na amostra por até 4 horas
após a coleta. Caso sejam utilizados tubos de soro (tampa vermelha), a centrifugação e a
manipulação das amostras devem ocorrer no máximo em até 2 horas após a coleta.
Os ensaios mais comumente utilizados para quantificar a concentração de glicose no sangue são
por métodos enzimáticos, como o ensaio glicose-oxidase e hexoquinase com leitura de
absorbância. Os valores de referência para a glicemia de jejum e para o exame TOTG já foram
descritos anteriormente.

17.2 Hemoglobina glicada (HbA1c)


O uso do ensaio de HbA1c como diagnóstico da DM é recente. Até a década de 2010, o exame
era solicitado apenas para avaliar complicações dos quadros de DM. É um ensaio realizado em
sangue total e não precisa de jejum prévio, podendo ser coletado em qualquer horário do dia. O
sangue precisa ser coletado em tubo com EDTA (tampa roxa) e a estabilidade da HbA1c é bem
maior que a da glicose – até 24h após a coleta em temperatura ambiente.
São preconizados três ensaios distintos para quantificação da hemoglobina
glicada: cromatografia de troca iônica, cromatografia por afinidade ou imunoensaio de
inibição turbidimétrica. Ambos os ensaios de cromatografia são realizados por cromatografia
líquida de alta afinidade, em que o soro do paciente passa por uma coluna que separa as
diferentes hemoglobinas por carga da molécula (troca iônica) ou por afinidade. O imunoensaio,
por sua vez, utiliza anticorpos anti-HbA1c, com alta especificidade. É um ensaio mais simples, de
baixo custo e pode ser realizado por equipamentos automatizados, sendo o método comumente
utilizado pelos laboratórios.

18 Interpretações das dosagens de glicose


Os valores de referência da glicemia de jejum e pós-prandial podem ser utilizados pelo médico e
pelo paciente para monitorar a necessidade de ou regular a dieta para reduzir o consumo de
carboidratos, ou ajustar a dose se insulina quando necessário. O quadro a seguir traz quais são
os valores de glicemia pré e pós-prandial para pessoas não diabéticas, crianças e adolescentes
diabéticos e adultos diabéticos.

Quadro 10 - Valores glicêmicos ideais para pacientes não diabéticos e diabéticos quando em jejum ou logo após a
alimentação (pós-prandial)Fonte: Elaborado pela autora, baseado em SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017.

#PraCegoVer: na figura, há um quadro trazendo dados de referência para os exames de


diagnóstico laboratorial de pacientes não diabéticos e diabéticos. Nele, há os valores com jejum
(pré-prandial) e pós-prandial dos exames de glicemia para não diabéticos, crianças e adolescentes
e adultos com DM1.

19 Testes adicionais ao diagnóstico da DM


Além dos exames padrão para identificar a DM, há ainda exames adicionais que podem auxiliar o
médico a avaliar as variações da glicemia no paciente, como os testes de glicemia pós-prandial,
frutosamina, peptídeo C e lactato. Esses testes não substituem os exames padrão e não fecham
diagnóstico de DM.

19.1 Glicemia pós-prandial


É um exame de glicemia realizado 1 ou 2 horas após o início de uma refeição, visando determinar
o índice glicêmico do paciente após a ingestão de carboidratos.

19.2 Frutosamina
Frutosamina é um nome utilizado para designar proteínas glicadas de forma geral. A albumina
corresponde a 80% das proteínas glicadas encontradas no sangue. É um exame que pode ser
usado como alternativa ao HbA1c quando os resultados são duvidosos, mas não deve ser adotado
como critério de diagnóstico para DM. O exame é realizado por ensaio colorimétrico.

19.3 Peptídeo-C
O peptídio-C é uma molécula produzida juntamente com a insulina com a clivagem do precursor
pró-insulina (WAHREN; LARSSON, 2015). É encontrado no plasma sanguíneo a níveis
equimolares da insulina e pode auxiliar no estudo da reserva pancreática em pacientes com DM1
e no diagnóstico de complicações macrovasculares em pacientes com DM2, por ter um tempo de
meia vida maior que o da insulina. O ensaio é realizado por eletroquimioluminometria.

19.4 Lactato
O lactato é um metabólito resultante da respiração anaeróbica, e sua dosagem pode auxiliar no
monitoramento e diagnóstico da acidose metabólica causada pela DM. O exame é realizado por
método enzimático.

20 Casos clínicos
Agora, vamos compreender como o diagnóstico clínico do diabetes pode ser aplicado em estudos
de casos:
Caso 1
Um menino de 10 anos foi levado ao pronto-socorro após apresentar dores abdominais, náuseas,
vômitos, perda de peso e oligúria na última semana e estar em um quadro de letargia. O médico
suspeita de diabetes mellitus juvenil (tipo 1) e precisa solicitar exames para fechar o diagnóstico.
Comente quais exames o médico deve solicitar para o diagnóstico, quais são as alterações
esperadas caso seja DM e o porquê de o menino apresentar esses sintomas.
Resposta esperada: Para o diagnóstico da DM no menino, o médico deve solicitar ao menos os
exames de glicemia de jejum e hemoglobina glicada, visto que a alteração de um desses exames
já fecha o diagnóstico de diabetes mellitus, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes
(2017). É esperado que os valores desses exames voltem alterados (para glicemia de jejum,
valores esperados são maiores que 100 mg/mL; para hemoglobina glicada, os valores esperados
para um caso positivo são maiores que 5,7%).
Como a diabetes é uma doença silenciosa, a apresentação de sinais e sintomas indica uma
doença já instalada e bastante descompensada, com valores de glicemia bastante elevados e
metabolismo de lipídios e proteínas ativo, gerando corpos cetônicos. É provável que o menino
apresente uma cetoacidose, uma vez que o corpo já começou a responder com sinais de
intoxicação. Isso ocorre porque o metabolismo da glicose é interrompido pela falta de insulina
característica da DM1, levando as células a metabolizarem lipídios e proteínas para suprir a
demanda energética do organismo.
Caso 2
Um homem de 57 anos começou a apresentar sudorese excessiva logo após a alimentação, com
atordoamento e sensação de hipotensão. Ao procurar um médico, este percebeu que o paciente
apresentava um abdômen superior bastante volumoso, além de constatar ser um senhor
sedentário e com alimentação desregrada.
O médico solicitou os exames de glicemia de jejum, TOTG e hemoglobina glicada ao paciente,
cujos resultados foram: Glicema de jejum – 124 mg/mL; TOTG (após 2h) – 168 mg/mL e HbA1c –
6,1%.
Qual o diagnóstico deste senhor? O quadro dele é reversível? Como?
Resposta esperada: O quadro clínico deste senhor de 57 anos é de pré-diabetes ou de resistência
à insulina. Esse quadro ainda não fecha o diagnóstico para diabetes mellitus do tipo 2, mas indica
que o organismo está em um processo inflamatório e de hiperglicemia que pode levar à falência
das células beta do pâncreas, instalando a diabetes e aumentando os riscos cardiovasculares no
paciente.
O quadro pode ser revertido com reeducação alimentar e exercícios físicos adequados para o
paciente. O uso de medicações pode ser necessário, a depender da avaliação do médico.

É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
compreender como deve ser a estrutura de um centro de coletas e como um flebotomista deve
proceder para realizar as coletas de um paciente;
aprender como é realizada boa parte dos exames de bioquímica clínica e quais são os princípios
físicos por trás dos equipamentos;
conhecer como os íons do nosso organismo são importantes para a manutenção do equilíbrio
hidroeletrolítico e ácido-base e quais as complicações envolvidas quando há desequilíbrio;
aprofundar seus conhecimentos sobre diabetes mellitus, diferenciando o diabetes mellitus tipo 1,
tipo 2 e gestacional;
explorar como é feito o diagnóstico clínico do diabetes e quais as complicações envolvidas no
desequilíbrio do metabolismo da glicose.

REFERÊNCIAS

AMERICAN DIABETES SOCIETY. Introduction: Standards of Medical Care in Diabetes - 2020. Diabetes Care, v. 43, n.
Supplement 1, p. S1–S2, jan. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Manual de
apoio aos gestores do SUS: organização da rede de laboratórios clínicos. Brasília, DF: Editora MS, 2002.

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UNIDADE 2
DA FISIOLOGIA À PATOLOGIA: SISTEMAS RENAL, ÓSSEO E
HORMONAL
Heloísa Ciol

Você está na unidade Da fisiologia à patologia: sistemas renal, ósseo e hormonal. Conheça aqui a fisiologia
e patologia dos sistemas renal, endócrino, compreendendo um pouco mais sobre a fisiologia da gestação.
Aprenda como o rim controle todo o processo de absorção e excreção para manter o equilíbrio
hidroeletrolítico e quais são as principais patologias renais e suas implicações. Descubra como o
metabolismo ósseo é ativo e relacionado aos sistemas renal e hormonal e como a deposição e a absorção
da matriz óssea contribui para o equilíbrio de cálcio no organismo e participa de diversas patologias. Ainda,
explore o que são, como são produzidos e como agem os principais hormônios do corpo, entendendo como
o corpo da mulher se comporta ao longo de uma gestação.
Bons estudos!

1 Fisiopatologia do sistema renal


Neste tópico, vamos conhecer mais a fundo a anatomia e fisiologia renais, aprofundando as
patologias que acometem os rins e como identificá-las por meio de exames laboratoriais.
Vamos lá?
Os rins são dois órgãos que se localizam na parede posterior do abdômen, fora da cavidade
peritoneal. Têm aproximadamente 150 g e são envolvidos por uma cápsula fibrosa protetora.
Em seu interior, há duas regiões distintas se destacam: o córtex, porção mais externa, e
a medula, que é dividida em porções triangulares chamadas de pirâmides renais. As
pirâmides renais têm sua base voltada para o córtex e terminam nas papilas, que se ligam
aos cálices menores, depois cálices maiores, para, então, desembocar no ureter.
Acompanhe na imagem a seguir a anatomia desses órgãos.
Figura 1 - Anatomia dos rinsFonte: Axel_Kock, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura traz uma imagem dos rins na sua posição anatômica. O rim direito
está representado em corte transversal, diferenciando as estruturas internas como córtex,
medula, cálices menores, cálices maiores, pelve renal e ureter. O rim esquerdo se encontra
íntegro, com a glândula adrenal acima dele. Entre os dois rins passam dois grandes vasos: a
veia cava inferior e a aorta descendente.

Toda a comunicação do rim com o organismo ocorre pelo hilo renal, local onde passam
a artéria e veia renais, vasos linfáticos, fibras nervosas e ureter. O sangue chega aos rins
pela artéria renal, que se ramifica e da origem às arteríolas aferentes no córtex renal,
formando os capilares glomerulares, local onde ocorre filtração do sangue. A porção final
de cada arteríola forma a arteríola eferente, que origina os capilares peritubulares, que
envolvem a alça de Henle.

1.1 A estrutura do néfron e a formação da urina


O néfron é a estrutura funcional presente nos rins responsável por filtrar o sangue, o
processo inicial para a formação da urina. Durante a passagem do filtrado pelo néfron,
ocorrem quatro processos distintos: filtração, reabsorção, secreção e excreção.
A filtração ocorre no glomérulo e corresponde à filtração do sangue. A reabsorção ocorre
no túbulo contorcido proximal, na alça de Henle e no túbulo contorcido distal, e corresponde
tanto à reabsorção de água quanto de íons. A secreção acontece nos túbulos proximal e
distal, momento em que íons são secretados diretamente do sangue para a urina.
A excreção, por fim, é saída da urina para o ducto coletor, ureter e bexiga. Confira abaixo, de
forma didática, como essa estrutura se organiza.
Figura 2 - Estrutura do néfronFonte: Vecton, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: na figura, temos a representação do néfron, a estrutura funcional dos rins. Os
néfrons se localizam no córtex renal e são uma organização de tubos e vasos que permitem
a filtração do sangue. Na parte tubular, temos a cápsula de Bowman, onde se encontra o
glomérulo renal, um emaranhado de capilares resultantes da ramificação da arteríola
aferente. Ligado à cápsula de Bowman está o túbulo contorcido proximal, que prolonga e dá
origem à alça de Henle. A alça de Henle tem um ramo descendente, faz uma curva de 180˚ e
volta a subir pelo ramo ascendente, de onde nascem o túbulo contorcido distal e,
posteriormente, o ducto coletor. Entre os ramos da alça de Henle passam os capilares
peritubulares.

Cada néfron é composto por uma estrutura capsular chamada de glomérulo. O sangue chega
aos néfrons pela arteríola aferente, que se ramifica em capilares glomerulares e permitem
a filtração sanguínea. Esses capilares possuem um endotélio fenestrado e
predominantemente de carga negativa, o que auxilia na filtração de água e solutos, mas
impede tanto física quanto eletronicamente a filtração de proteínas.
O filtrado glomerular é rico em solvente (água) e solutos (íons). Ele segue pelo túbulo
contorcido proximal, onde se inicia a reabsorção. Praticamente toda a glicose e todos
aminoácidos filtrados são recuperados nessa porção do néfron, enquanto cerca de 65% dos
íons sódio, cloreto, bicarbonato e potássio são reabsorvidos por transporte ativo no túbulo
contorcido proximal por bombas de contratransporte, que recuperam os íons do filtrado e
secretam íons hidrogênio, ácidos orgânicos e bases no lúmen do túbulo.
Na alça de Henle ocorre a reabsorção de cerca de 20% da água do filtrado no ramo
descendente, principalmente por difusão simples. No ramo ascendente, não há reabsorção
de água, mas sim de solutos (Na+, K+, Cl-, Ca2+, HCO3- e Mg2+), também ocorrendo secreção
de íons hidrogênio. É no ramo ascendente da alça que se encontram as bombas de N+-2Cl-
K+. Essas bombas trabalham na reabsorção simultânea de um sódio, um potássio e dois
cloretos, e é nela que atua a maioria dos diuréticos mais comumente utilizados na clínica
médica.
Quando a urina chega ao túbulo contorcido distal, na porção inicial, a reabsorção de solutos
continua de forma semelhante à da porção do ramo ascendente da alça de Henle, mas não
há reabsorção de água e de ureia. Já na porção mais distal do túbulo ocorre reabsorção de
sódio e água e secreção de potássio e hidrogênio. Por fim, a urina chega aos ductos coletores
medulares, onde cerca de 10% da água e sódio filtrados são reabsorvidos, em conjunto com
cloretos, bicarbonato e ureia, enquanto íons hidrogênio são secretados no lúmen do ducto
coletor.
Uma vez no cálice, a urina está pronta para ser enviada à bexiga, seguindo caminho para
fora dos rins pelos ureteres. Ao chegar na bexiga, é armazenada até começar a fazer pressão
contra a parede da bexiga, que, por meio de um reflexo nervoso, é esvaziada na micção.

2 Patologias renais
As doenças renais estão entre as principais causas de morte e debilidade no mundo. Elas
podem ser agrupadas em duas categorias:
As principais consequências da insuficiência renal são retenção de água, metabólitos e
eletrólitos no sangue e nos fluidos extracorporais, podendo levar a um desequilíbrio
hidroeletrolítico, resultando em edema e hipertensão. Os riscos associados à falência renal
são hiperpotassemia e acidose metabólica, devido ao fato de o paciente não conseguir
excretar potássio e hidrogênio na urina. Em casos graves, o paciente precisa ser submetido à
diálise, caso contrário, corre riscos de morte se a excreção não for restaurada.
A seguir, estudaremos cada uma delas de forma mais detalhada.

2.1 Insuficiência renal aguda


A insuficiência renal aguda pode ser causada por diversos fatores, desde redução do
suprimento sanguíneo nos rins até patologias que acometem a estrutura renal ou de outros
órgãos do sistema renal. Nos próximos subtópicos, você vai conhecer as variações da doença.

2.2 Insuficiência renal aguda pré-renal


É resultante da redução do suprimento sanguíneo nos rins por problemas não renais. Os
rins geralmente recebem um suprimento sanguíneo abundante, de cerca de 1100 mL/min.
Esse fluxo é essencial para manter a filtração glomerular efetiva. Quando o volume de sangue
que chega aos rins diminui, a taxa de filtração glomerular também diminui, levando a um
acúmulo de água e solutos nos fluidos corporais.
Os rins conseguem se manter mesmo que o fluxo sanguíneo renal chegue a 20% devido à
redução da taxa de filtração glomerular. Abaixo desse valor, as células entram em hipóxia e
podem morrer caso a situação não seja revertida, levando a um quadro de falência renal
aguda intra-renal.
As causas mais comuns da insuficiência renal aguda pré-renal são:
• depleção do volume intravascular (hemorragia, queimadura, diarreia, vômito);
• falência cardíaca (infarto do miocárdio, danos valvulares);
• hipotensão e vasodilatação periférica (choque anafilático, anestesia, sepse);
• anormalidade hemodinâmica primária dos rins (estenose, embolia ou trombose da
artéria renal).
2.3 Insuficiência renal aguda intra-renal
A insuficiência aguda intra-renal ocorre por problemas na estrutura do próprio rim, que
podem ocorrer em locais distintos, como danos nos capilares glomerulares ou em outros
pequenos vasos do rim, danos no epitélio do túbulo renal e danos no interstício renal.
Um exemplo da afecção é a insuficiência renal aguda causada por glomerulonefrite. Essa
patologia está associada, na maioria das vezes, à infecção por bactérias do
gênero Streptococcus. O complexo antígeno-anticorpo formado contra essas bactérias
geralmente é insolúvel e se acumula nos capilares glomerulares durante a filtração sanguínea,
atraindo células de defesa. Essas células iniciam uma resposta inflamatória no local,
bloqueando o fluxo nos glomérulos. Os glomérulos que não foram danificados, por sua vez,
têm um aumento na permeabilidade e deixam passar eritrócitos e proteínas para o filtrado.
Geralmente, uma vez resolvida a inflamação, os rins dos pacientes acometidos volta ao
normal.
Outra causa de insuficiência intra-renal é a necrose tubular, em que ocorre a destruição das
células epiteliais dos túbulos renais, ou por isquemia ou baixo suprimento de oxigênio e
nutrientes, ou por medicações, toxinas ou venenos que podem destruir as células epiteliais
tubulares.

2.4 Insuficiência renal aguda pós-renal


Trata-se do bloqueio parcial ou total do fluxo urinário, levando à insuficiência renal aguda
mesmo sem comprometimento do fluxo sanguíneo renal. A obstrução geralmente é causada
por deposição de sais, formando cálculos nos cálices renais que impedem o escoamento da
urina para os ureteres, formação de coágulos sanguíneos e obstrução da uretra. A obstrução
prolongada pode levar a danos renais irreparáveis.

2.5 Insuficiência renal crônica (IRC)


A insuficiência renal crônica (IRC) é o resultado da perda progressiva e irreversível de
néfrons funcionais. As complicações mais graves surgem quando a perda atinge pelo menos
70% a 75% dessas estruturas. As causas mais comuns de IRC envolvem acometimento dos
vasos e circulação sanguínea, glomérulo, túbulos renais, interstício renal e trato urinário
inferior.
A IRC pode ser consequência ou complicação de outras patologias ou síndromes cujas
complicações afetam o funcionamento renal, como desordens metabólicas (diabetes mellitus,
obesidade), hipertensão, desordens imunológicas (glomerulonefrite, lúpuseritematoso) e
infecções (pielonefrite, tuberculose).

2.6 Complicações vasculares e a insuficiência renal crônica


Várias lesões vasculares podem resultar em baixo suprimento sanguíneo para os rins e,
consequentemente, morte do tecido renal. Dentre elas, as que mais se destacam são:
• lesões ateroscleróticas das artérias renais;
• hiperplasia fibromuscular de uma ou mais artérias, levando à oclusão do vaso;
• nefroesclerose, causada por lesões escleróticas em arteríolas menores e nos
glomérulos.
Aterosclerose e hiperplasia fibromuscular são patologias que geralmente acometem mais
um rim que o outro, levando à perda de funções unilateral dos rins. A nefroesclerose pode
se iniciar de forma benigna, e é a forma mais comum da doença nos rins. É uma lesão vascular
que ocorre nas arteríolas renais, levando à deposição de depósitos fibrinoides nas camadas
mediais do vaso, podendo levar à oclusão total do vaso. Tanto a nefroesclerose quanto a
glomeruloesclerose são agravadas por quadro de hipertensão e/ou diabetes mellitus.

2.7 Glomerulonefrite como causa de insuficiência renal crônica


A glomerulonefrite crônica pode ser causada por diversas patologias que levam a um
quadro inflamatório e danificam os capilares glomerulares. Ao contrário da glomerulonefrite
aguda, o quadro crônico leva a danos graduais e de progressão lenta aos glomérulos até o
ponto que se tornam irreversíveis e comprometem o funcionamento renal. Pode ser tanto a
causa primária da IRC quanto uma causa secundária devido a uma patologia sistêmica, como
o lúpus eritematoso.

2.8 Pielonefrite e lesão no interstício renal como causa da insuficiência renal crônica
Lesões do interstício renal podem resultar de danos à vasculatura, glomérulo ou túbulos
renais, levando à destruição dos néfrons. Quando esse dano é causado por infecções
bacterianas, recebe o nome de pielonefrite.
Geralmente, as infecções renais ocorrem por bactérias que conseguem chegar ao rim a partir
de uma infecção de bexiga (cistite). A infecção normalmente ocorre na medula renal, local
onde passam as alças de Henle que é responsável por concentrar a urina. Como
consequência, pacientes com pielonefrite não conseguem concentrar a urina. Quando a
infecção não é tratada, os danos podem evoluir para as outras estruturas do néfron, levando
à insuficiência renal crônica.

2.9 Síndrome nefrótica


Muitos pacientes com doenças renais desenvolvem um quadro chamado de síndrome
nefrótica, caracterizado pela perda de proteínas plasmáticas na urina. Essa perda está
relacionada a um aumento na permeabilidade da membrana glomerular, podendo ocorrer
em qualquer patologia que acometa os néfrons.
Dentre as causas mais comuns, destacam-se: a glomerulonefrite crônica, amiloidose (a
deposição anormal de proteínas nas paredes dos vasos sanguíneos) e nefropatia de lesão
mínima (doença glomerular que causa pequenas lesões nos rins e leva à perda de proteínas
na urina).

2.10 Insuficiência renal terminal ou falência renal


A evolução dos quadros de insuficiência renal crônica pode levar à falência renal. São
quadros que colocam a vida do paciente em risco, pois o sistema excretor não consegue mais
filtrar e remover toxinas e metabólitos do organismo. São quadros em que o paciente
necessita de diálises e transplante renal para conseguir remover as toxinas do organismo.
3 Quadro clínico da insuficiência renal
O quadro clínico de insuficiência renal é similar entre os casos agudos ou crônicos, diferindo
no prognóstico da doença e opções de tratamento. Com o funcionamento ou não dos rins, o
organismo passa a produzir menos urina e, consequentemente, reter líquidos, que se
acumulam nos membros inferiores. Além desses sinais, ainda é possível que um paciente com
insuficiência renal apresente quadros de sonolência, falta de fome e
de ar, fadiga, convulsões, náuseas e vômitos – sintomas típicos de um quadro de
intoxicação pelos metabólitos que o organismo não consegue excretar na urina e começam
a se acumular no sangue.
Os exames laboratoriais que podem auxiliar no diagnóstico da insuficiência renal vão desde
quantificações séricas dos compostos já mencionados nesta unidade quanto exames
complementares de biomarcadores precoces da insuficiência renal, que ainda estão em fase
de estudo.

4 Biomarcadores
A função renal pode ser avaliada por meio de biomarcadores no sangue que refletem
a taxa de filtração glomerular (TFG). Dentre os biomarcadores mais utilizados na prática
clínica para acessar a capacidade de filtração dos rins estão a creatinina sérica, ureia sérica,
ácido úrico e cistatina-C. A origem desses marcadores e o motivo de serem utilizados na
prática clínica estão detalhados no quadro a seguir.
Quadro 1 - Biomarcadores da avaliação da função renal na prática clínicaFonte: Elaborado pela
autora, 2020.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro que apresenta os biomarcadores mais utilizados na
prática clínica para avaliar a função renal. O quadro possui três colunas: na primeira,
encontram-se descritos os marcadores; na segunda, constam informações sobre a origem
destes marcadores no organismo; na terceira, temos informações do porquê de eles serem
usados na avaliação da função renal.

Há ainda marcadores não produzidos pelo organismo, mas que são absorvidos na dieta e/ou
podem ser administrados via intravenosa para determinar mais precisamente a taxa de
filtração glomerular (TFG), uma vez que são totalmente eliminados na urina na filtração
glomerular e não sofrem absorção ou secreção em nenhuma porção do néfron durante o
processo de formação da urina. Dentre estes compostos, estão a inulina e o iotalamato.
A inulina é um polissacarídeo não produzido pelo organismo, mas presente em raízes de
algumas plantas, que pode ser pode ser administrado via intravenosa para detectar o tempo
e o volume de urina necessários para excretar toda a massa de inulina administrada ao
paciente, e assim determinar a TGF. O iotalamato, por sua vez, não é um polissacarídeo, mas
sim um sal iodado utilizado como contraste radiológico com o mesmo propósito da inulina:
avaliar a TFG de uma substância que não sofre absorção e nem secreção ao longo do processo
de filtração urinária.

4.1 Taxa de filtração glomerular (TGF)


A taxa de filtração glomerular (TFG) é uma medida que pode ser determinada por
substâncias que são filtradas do sangue que não sofrem reabsorção ao longo do néfron. Essa
taxa auxilia a avaliar a função renal por meio do cálculo de toxinas ou metabólitos que estão
sendo excretados.
Na clínica, a TFG é utilizada com a quantificação de componentes no sangue para avaliar se
as concentrações de metabólitos estão dentro dos valores esperados. Os metabólitos mais
comumente analisados no sangue para avaliar a função renal são creatinina sérica, cistatina
C e ureia sérica.
A TFG indica o volume filtrado de plasma em função do tempo, considerando a pressão
gerada pela cápsula de Bowman. A TFG pode ser determinada pela soma das forças
hidrostáticas na membrana glomerular e pela filtração dos capilares glomerulares.
A pressão de filtração é a resultante da soma de forças que atuam nas membranas dos
capilares glomerulares, como:
5 Exames de rotina para avaliar a função renal
São classificados como exames de rotina e padrão para avaliar a função renal as contagens
séricas de creatinina, ureia e cistatina C.

Tabela 1 - Exames de rotina para avaliação da função renalFonte: ABENSUR, 2011.

#PraCegoVer: na figura, há uma tabela que informa os valores de referência e o método de


diagnóstico para os principais exames que avaliam a função renal. A tabela possui três
colunas: a primeira corresponde ao biomarcador (creatinina sérica, ureia sérica e cistatina C);
a segunda, aos valores de referência desses biomarcadores; por último, a terceira, traz os
métodos de diagnóstico rotineiramente usados na prática clínica.

O método cinético-colorimétrico para detectar a creatinina é também conhecido como reação de Jaffe, o químico
responsável por descrever a reação. Nesta reação, a creatinina reage com ácido pícrico em meio alcalino, gerando
um produto de cor avermelhada que absorve a luz em 520 nm. O ácido pícrico, no entanto, pode reagir com diversos
compostos do soro, como proteínas e glicose, fornecendo resultados falso-positivos. Devido a esta interferência,
foram feitas modificações e correções nas análises feitas pelo método de Jaffe para permitir maior especificidade na
reação.

6 Fisiopatologia do sistema ósseo


Os ossos são órgãos compostos por um tecido vivo – diferentes tecidos e células, além de
vasos que irrigam o tecido – e uma fase mineral sólida. Estão em constante remodelamento.
O corpo humano é composto por 206 ossos, sendo divididos em longos (fêmur, tíbia, ulna
etc.) ou chatos (escápulas, ossos do crânio, mandíbula etc.). A forma e estrutura desses ossos
depende de como é feita a deposição de matriz óssea ao longo do tecido.
Por estarem em constante remodelamento, os ossos têm células especializadas em manter
o metabolismo de depositar ou reabsorver a matriz, conforme os estímulos recebidos pelo
corpo. Vamos compreender mais a fundo como funciona esse sistema e quais são as
patologias envolvidas no metabolismo ósseo.

6.1 Fisiologia óssea


A nível microscópico, o osso é constituído principalmente por uma matriz mineral
(inorgânica) (60%) e uma orgânica (35%), preenchida por células, que correspondem a 5%
do volume total ósseo. Ela é composta principalmente por hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2,
junto a outros sais de cálcio, fosfato, magnésio e carbonatos, que podem variar de acordo
com a dieta e o processo de mineralização de uma determinada pessoa.
A mineralização óssea é feita por células chamadas de osteoblastos – responsáveis por
criar e reparar tecidos ósseos – por meio da secreção de uma mistura de proteínas e sais
chamada de osteoide (composto por colágeno, sais de cálcio e bicarbonato). Os osteoides
são feixes de colágeno não mineralizados que sofrem deposição de sais de cálcio, bicarbonato
e dão origem aos ossos.
Quando os osteoblastos depositam matriz óssea à sua volta e se afastam do contato com
outras células, sofrem uma mudança no metabolismo e passam a ser chamados
de osteócitos. Eles atuam como sensores de metabolismo ósseo, secretando e recebendo
sinais de outras células para auxiliar na deposição ou reabsorção de massa óssea e do
metabolismo de fosfato.
Já as células responsáveis por reabsorver o osso já depositado são chamadas
de osteoclastos. São células multinucleadas que derivam de monócitos e têm atividade
semelhante à fagocitose que no momento da reabsorção do tecido ósseo, auxiliando na
homeostase de cálcio no organismo.

6.2 O remodelamento ósseo


Os ossos estão em constante remodelamento. A ação
dos osteoblastos e osteoclastos ajuda a manter a homeostase de íons cálcio e reparar
pequenas lesões. Na puberdade, o remodelamento ósseo é intenso e necessário para
permitir o crescimento do esqueleto.
As taxas de deposição e absorção óssea são iguais em condições normais, para que a massa
óssea permaneça constante. Inicialmente, os osteoclastos secretam enzimas que digerem e
dissolvem a matriz orgânica dos ossos e vesículas contendo ácidos (cítrico e lático), que
dissolvem os sais ali depositados. Finalizada a reabsorção do tecido no local, os osteoblastos
chegam e iniciam a deposição de matriz em camadas circulares e concêntricas, chamadas
de lamelas, processo que pode levar meses até ser concluído.

6.3 O papel da vitamina D no remodelamento ósseo


A vitamina D participa da absorção de cálcio e fosfato no trato gastrointestinal e nos rins e
indiretamente influencia na absorção e reabsorção óssea. A sua forma ativa – 1,25-
dihidroxicolecalciferol – atua como um hormônio nas paredes intestinais para estimular a
absorção de cálcio, estimulando um aumento na expressão de proteínas ligadoras de cálcio.
Ainda, a vitamina D promove um aumento na absorção de fosfatos nos intestinos e reduz a
excreção de fosfatos e de cálcio na urina.
Nos ossos, a vitamina D pode estimular tanto a absorção quanto deposição de matriz. Em
doses muito altas, a vitamina D causa absorção óssea, mas em doses baixas, promove a
calcificação do tecido devido ao aumento de absorção de cálcio e fosfato nos intestinos.
Assista aí

6.4 Controle hormonal da absorção de cálcio


O principal hormônio envolvido com o controle de cálcio no organismo é o hormônio
da paratireoide – ou paratormônio (PTH). Esse hormônio é produzido nas células principais
das glândulas paratireoides, que se localizam atrás da glândula tireoide. Além do PTH, há,
ainda, o hormônio calcitonina, um peptídeo secretado pela glândula tireoide com efeitos
contrários ao PTH.
Paratormônio (PHT)
O PTH atua na absorção e excreção de cálcio e fosfato.
• Nos ossos, o hormônio é responsável por promover a absorção de cálcio e fosfatos
ativando os osteócitos e, posteriormente, a proliferação de osteoclastos para dar
início à reabsorção mais ativa desses sais. A exposição prolongada dos ossos ao PTH
pode levar à formação de cavidades largas nos ossos, diminuindo sua força
estrutural.
• Nos rins, o PTH atua reduzindo a excreção de cálcio por meio de um aumento na
reabsorção do íon nos túbulos renais distais ao mesmo tempo que reduz a
reabsorção de fosfato. Ainda, há aumento na reabsorção de magnésio e íons
hidrogênio e redução na absorção de sódio e potássio.
• Nos intestinos, o PTH atua indiretamente na reabsorção de cálcio e fosfato por
estimular a produção de 1,25-dihidroxicolecalciferol pelos rins.
O PTH é regulado pelos níveis séricos de cálcio: qualquer alteração da concentração desse íon
no líquido extracelular estimula a liberação de PTH em questão de minutos. Reduções bruscas
e continuadas de cálcio podem levar até a uma hipertrofia das glândulas. De forma análoga,
aumento na concentração extracelular de cálcio pode levar a uma redução do tamanho da
glândula paratireoide.
Calcitonina
A calcitonina é um peptídeo hormonal secretado pela glândula tireoide cuja função
é diminuir a concentração plasmática de cálcio. Sua liberação ocorre rapidamente após o
corpo detectar uma queda nos níveis de cálcio.
A calcitonina atua reduzindo a ação de osteoclastos e, assim, reduzindo a absorção do cálcio
na matriz óssea. A longo prazo, sua ação inibe ainda a formação de novos osteoclastos. Seu
efeito é mais pronunciado em crianças e jovens devido à remodelação óssea. Em adultos, sua
ação é mais fraca, e o efeito da redução de cálcio no líquido extracelular é mais ameno.

6.5 Patologias ósseas


O remodelamento ósseo pode entrar em desequilíbrio (taxa de deposição taxa de absorção)
devido a disfunções hormonais, quantidades insuficientes ou excessivas da vitamina D ou
mesmo por patologias que acometem os ossos. O quadro a seguir lista as patologias de maior
importância clínica, suas causas e quais as complicações envolvidas.
Quadro 2 - Principais patologias do metabolismo ósseoFonte: Elaborado pela autora, 2020.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro que identifica as principais patologias do
metabolismo ósseo, relacionando com a causa da patologia e as complicações que podem
surgir nesses quadros clínicos. O quadro possui três colunas: na primeira, estão descritas as
patologias; na segunda, as causas; na terceira, as complicações do quadro clínico.

6.6 Avaliação e diagnóstico das doenças do metabolismo ósseo


As patologias do metabolismo ósseo não acontecem somente por conta da dieta e fatores
ambientais, mas podem também ser consequência de desequilíbrios nos sistemas renal e
endócrino. Os sintomas variam conforme a patologia, mas geralmente estão relacionados às
variações nas concentrações de cálcio e fosfato no organismo. Veja, no quadro abaixo, as
principais patologias ósseas, destacando os principais sintomas e alterações encontradas nos
exames clínico e laboratorial:

Quadro 3 - Principais doenças do metabolismo ósseo e suas alterações clínicas e


laboratoriaisFonte: Elaborado pela autora, baseado em FENG; MCDONALD, 2011; GUYTON et
al., 2006.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro com três colunas: a primeira indica as principais
patologias que acometem o sistema ósseo; a segunda, os sinais e sintomas dos pacientes
acometidos por essa patologia; a terceira fala sobre as alterações laboratoriais encontradas
em cada patologia.

6.7 Dosagem de cálcio


Cálcio e fosfato são os dois principais marcadores de síndromes do metabolismo ósseo,
pois a variação de suas concentrações está relacionada à deposição e reabsorção dos ossos,
disfunções hormonais e disfunções renais, que consequentemente podem levar a doenças
do metabolismo ósseo.
O cálcio pode ser encontrado no organismo na forma ionizada (livre), que é a biologicamente
ativa, ou complexado a proteínas. A concentração total de cálcio no sangue, portanto,
corresponde à soma das duas frações: cálcio livre (ionizado) – 52%; cálcio ligado – 48%. Tanto
variações nas concentrações de proteínas séricas quanto no pH do sangue podem alterar a
relação cálcio livre-cálcio ligado do sangue (VIEIRA, 2007).
A quantificação de cálcio total pode não fornecer informações suficientes para avaliação
clínica do quadro paciente. Já a avaliação somente da porção livre (biologicamente ativa)
pode auxiliar no diagnóstico de hipocalcemias ou hipercalcemias de forma rápida e confiável.
A dosagem de cálcio total é feita por método colorimétrico automatizado, enquanto o cálcio
livre é quantificado pelo método de eletrodo íon-seletivo. Os valores de referência para o
cálcio total no sangue para adultos variam de 8,6 a 10,3 mg/dL. Já para o cálcio livre, os valores
vão de 1,11 a 1,40 mmol/L.
A hipercalcemia pode indicar hiperparatireoidismo, hipervitaminose D e doença de Paget,
enquanto a hipocalcemia pode estar relacionada ao hipoparatireoidismo, insuficiência renal
ou deficiência de vitamina D.

6.8 Dosagem de fosfatos


O fósforo pode ser encontrado no organismo ligado a lipídios (fosfolipídios) ou na
forma inorgânica, como fosfatos. Os fosfatos são essenciais para a manutenção da
maquinaria energética das células, ativação e desativação de vias proteicas, além de
contribuírem para o tamponamento do sangue. São, também, precisos para a mineralização
da matriz óssea, e sua concentração sérica é regulada pelos rins – alterações podem indicar
problemas renais e ósseos.
Os exames para quantificação de fósforo sérico avaliam a porção inorgânica dos fosfatos no
organismo, e as concentrações podem variar ao longo do dia, de acordo com o ciclo
circadiano e a alimentação, além de terem uma relação bastante alta com a idade do paciente
(VIEIRA, 2007).
O método fotométrico/colorimétrico é usado na análise de fosfato inorgânico no soro.
Os valores de referência variam de 2,5 a 4,5 mg/dL. Valores maiores que 4,5 mg/dL indicam
insuficiência renal, hipoparatireoidismo e hipervitaminose D. Valores abaixo de 2,5 mg/mL
podem indicar hiperparatireoidismo e raquitismo.

6.9 Dosagem de vitamina D e seus metabólitos


De todos os metabólitos da vitamina D, a 25 hidroxivitamina D (calcidiol) e a 1,25
dihidroxivitamina D (calcitriol) são os únicos com importância clínica para diagnóstico. A
quantificação do calcidiol pode indicar tanto a deficiência quanto a intoxicação causada por
excesso de vitamina D, além de ser a molécula de estoque no organismo. Já o calcitriol auxilia
no diagnóstico de quadros de hipercalcemia com baixo PTH, comum em doenças
granulomatosas ou mesmo em linfomas (AUTIER et al., 2014). Estas moléculas geralmente são
quantificadas por imunoensaios.
Confira, na tabela abaixo, os tipos de vitamina D analisado (calcitriol ou caldiciol), os valores
de referência esperados e a interpretação dos valores fora da referência segundo o “Manual
Diagnóstico – Doenças Osteometabólicas” da Fleury (s. d.).
Tabela 2 - Vitamina D, referência e alteraçõesFonte: Elaborado pela autora, baseado em FLEURY,
s. d.
#PraCegoVer: na imagem, há uma tabela que traz informações sobre o tipo de vitamina D
analisado (calcitriol ou caldiciol), os valores de referência esperados e a interpretação dos
valores fora da referência.

6.10 Paratormônio
É o marcador de remodelamento ósseo mais utilizado na pesquisa laboratorial de
doenças metabólicas dos ossos. Do ponto de vista científico, não é considerado um marcador
ideal, pois sua concentração pode ser influenciada por outras patologias, como a doença
renal crônica.
Os níveis séricos normais de PTH vão de 100-450 pg/mL. Níveis de PTH baixos (menores que
100 pg/mL) têm relação com patologias de baixa remodelação. Níveis acima de 450 pg/mL,
por sua vez, estão relacionados a patologias de alta remodelação óssea.
No diagnóstico laboratorial, é importante que os testes utilizados sejam conhecidos e bem
padronizados, pois muitos ensaios detectam moléculas inativas de PTH e fornecem valores
superestimados do hormônio. Ainda, o PTH sérico tem um tempo de vida muito curto, e sua
coleta demanda bastante cuidado, como refrigeração, centrifugação do soro e congelamento
rápido.
Atualmente, os testes mais utilizados para detecção do PTH são ensaios imunométricos (um
outro nome para o ELISA sanduíche). Esses ensaios foram otimizados para detectar somente
a porção ativa do PTH, com alta afinidade pelo fragmento N-terminal do hormônio.

Proteínas são formadas por sequências de aminoácidos interligados entre si por uma ligação peptídica.
Essa ligação é do tipo covalente e se forma entre grupo carboxila (-COOH) de um aminoácido e
o nitrogênio grupo amina (-NH2) de outro. Isso ocorre porque todos os aminoácidos possuem um
grupamento amina e outro carboxila ligados em extremidades opostas da cadeia principal. A extremidade
que possui o grupamento amina recebe o nome de N-terminal, enquanto a que possui o grupamento
carboxila recebe o nome de C-terminal.

6.11 Fosfatase alcalina (FA)


A fosfatase alcalina (FA) é uma proteína encontrada em diversos tecidos do organismo cuja
função é desfosforilar compostos orgânicos, como nucleotídeos e proteínas. As enzimas FA
podem ser produzidas no fígado, intestino, ossos, rins ou placenta, sendo as isoformas
hepática e óssea as mais prevalentes no soro (correspondem a mais de 90% de todas as
isoformas de FA).
A FA óssea é produzida durante a formação óssea, desfosforilando moléculas de pirofosfato
e auxiliando na deposição de hidroxiapatita nos ossos. Seu aumento é comum em crianças
em fase de crescimento e remodelamento ósseo, mas em adultos pode significar
remodelamento excessivo de tecido ósseo e merece investigação, uma vez que pode estar
relacionada à osteomalácia, osteoporose e doença de Paget. Outras complicações não ósseas
também podem ter relação com o aumento da concentração sérica de FA, mas não
entraremos em detalhes nesta unidade. Já a baixa concentração de FA no sangue pode
indicar, dentre outras causas, deficiência de vitamina D (MARSHALL et al., 2016).
Atualmente, existem exames laboratoriais específicos para identificar a porção óssea da FA
no sangue. Esses ensaios são feitos a partir da técnica de ELISA e apresentam em torno de
15% de interferência com as FA hepáticas. Ainda assim, técnicas bem padronizadas permitem
inferir e avaliar o quadro do paciente através da quantificação da enzima no sangue. Os níveis
séricos normais de FA variam conforme gênero:
Mulheres Homens

6.12 Osteocalcina
É uma proteína secretada por osteoblastos que indica a formação óssea. Ela é depositada
na matriz óssea junto com o colágeno, compondo a porção orgânica da matriz. Sua exata
função na matriz ainda não é conhecida, mas a pequena parcela dessa proteína que entra na
corrente sanguínea permite diagnosticar se o organismo está em processo de formação
óssea.
O tempo de vida da osteocalcina no sangue é baixo e sua expressão tem correlação com o
ciclo circadiano. Devido a isso, ela pode ser encontrada no sangue na forma de fragmentos
ou na forma intacta, e a coleta de sangue precisa seguir protocolos diferenciados,
semelhantes ao do PTH, para evitar a degradação da osteocalcina.
Os valores de referência da osteocalcina sérica variam muito conforme a idade, mas em
adultos, tanto para homens quanto para mulheres, devem estar entre 11- 48 ng/mL. Os tipos
de ensaio para detecção da osteocalcina podem ser do tipo imunométrico ou por
eletroquimioluminescência.

Ensaios de eletroquimioluminescência (ECL) são reações químicas que usam a eletricidade para excitar
reagentes em solução. Esta excitação constante dá origem a moléculas intermediários excitadas que
precisam perder energia para voltar ao estado fundamental. Essas moléculas perdem energia emitindo luz
(luminescência), e essa luz emitida, então, pode ser captada por detector e utilizada para quantificar e
qualificar uma amostra. A ECL é uma técnica amplamente utilizada em aplicações analíticas por ser um
método bastante sensível e seletivo.

6.13 Propeptídeos do colágeno tipo 1


São marcadores da formação óssea provenientes da secreção e deposição das fibras de
colágeno na matriz óssea. O colágeno é secretado da célula como pró-colágeno e, para ser
transformado em colágeno e depositado na matriz, precisa sofrer ação de enzimas que
removerão a extensão amino-terminal (P1CP) e carboxi-terminal (P1NP). Essas porções
são encontradas no sangue e metabolizadas no fígado, e suas concentrações não sofrem
influência de doenças renais crônicas. Assim, a quantificação desses fragmentos pode ser
usada para auxiliar o diagnóstico de patologias com formação óssea.
Na clínica, somente a quantificação de P1CP é feita como exame adicional ao diagnóstico.
Os níveis de P1CP se encontram elevados em doenças com alta atividade osteoblástica, como
hiperparatireoidismo e doença de Paget, e pode variar nos primeiros estágios da
osteomalácia (VARGAS; AUDÍ; CARRASCOSA, 1997). O fragmento P1NP também é liberado na
corrente sanguínea durante a deposição da matriz óssea, podendo também ser utilizado no
diagnóstico da formação de matriz óssea por não sofrer influências externas.
Os ensaios para quantificar estes peptídeos são feitos através da técnica de ensaio
eletroquimioluminométrico, e os valores de referência podem variar bastante durante as
fases da infância e adolescência. Em adultos, os índices de referência para P1CP são:

Mulheres Homens

6.14 Cross-links de colágeno (piridinolina e deoxipiridinolina)


Tanto a piridinolina (PID) quanto a deoxipiridinolina (DPD) são conhecidas
como interligadores de colágeno. Essas moléculas são produzidas durante a estabilização
das fibras de colágeno na matriz óssea, e após o colágeno ser depositado na matriz, ele passa
por um processo de maturação e direcionamento das fibras, como ilustrado na figura a
seguir.
Para que isso ocorra, é preciso que sejam feitas ligações nas porções iniciais ou terminais,
entre aminoácidos, de fibras diferentes. As moléculas responsáveis por fazer essas ligações
podem ser compostas por três radicais hidroxilisina (chamada, então, de piridinolina), ou por
uma lisina e duas hidroxilisinas (chamada de deoxipiridinolina) (VIEIRA, 1999). Quando
ocorre a reabsorção óssea, os osteoclastos secretam proteases na matriz óssea, degradando
as fibrilas de colágeno.

Figura 3 - Esquema das ligações entre fibras de colágenoFonte: Designua, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem ilustra a ordenação das fibras de colágeno, que se orientam de
forma entrelaçada e ordenada nos tecidos. A figura mostra três tranças de fibras, com as duas
fibras inferiores conectadas uma à outra em suas extremidades terminais, por meio de um
anel de piridina. Esse anel está conectado ao meio da fibra superior.

O que dita se o tecido terá mais interligadores de colágeno do tipo PID ou DPD são os tipos
de fibras de colágeno ali presentes. Tanto a PID quanto a DPD são moléculas que existem
no tecido ósseo e em cartilagens, mas a PID está em maior concentração no tecido
cartilaginoso, fazendo com que a quantificação da DPD seja mais específica para o tecido
ósseo.
O uso das moléculas interligadoras de colágeno no diagnóstico é complementar, e quando
solicitado pode ser feito por meio da quantificação dos compostos na urina. É importante
ressaltar que exames que utilizam a excreção metabólica como análise podem sofrer
influência de possíveis problemas renais em pacientes com insuficiência renal.

6.15 Telopeptídeos
Os interligadores PID e DPD conectam fibras de colágeno por meio dos peptídeos das
extremidades carboxiterminal (CTX) e aminoterminal (NTX), chamados de telopeptídeos, que
são liberados na corrente sanguínea durante o processo de reabsorção óssea juntamente
com os interligadores (SARAIVA; LAZARETTI-CASTRO, 2002). Os peptídeos CTX e NTX podem
ser dosados no sangue e na urina.
Os marcadores CTX têm sido utilizados como complemento ao diagnóstico, sendo
identificados pelo método de eletroquimioluminescência. Seus valores de referência para a
quantificação sérica são:
Mulher Homem

7 Fisiopatologia do sistema endócrino


O sistema endócrino do organismo é composto por diversas glândulas responsáveis por
produzir hormônios endócrinos, neurotransmissores, hormônios neuroendócrinos ou
mesmo citocinas capazes de sinalizar células ou tecidos para manter a homeostase.
O sistema de hormônios criado por todas as glândulas do organismo é essencial para manter
o metabolismo, crescimento, desenvolvimento, equilíbrio hidroeletrolítico, reprodução e até
comportamento.
Nos próximos subtópicos, vamos conhecer um pouco sobre a estrutura do sistema, os
hormônios produzidos e quais as principais patologias que podem acometer a homeostase
hormonal.

7.1 Glândulas endócrinas


As glândulas endócrinas são glândulas que não possuem ductos e secretam seus produtos
(hormônios) diretamente no sangue. As principais glândulas do sistema endócrino são:
• pineal;
• pituitária;
• tireoide;
• paratireoides;
• timo;
• pâncreas;
• adrenais;
• ovários e testículos;
• hipotálamo.
Podemos visualizar a localização de todas as glândulas citadas na figura a seguir.

Figura 4 - Posição anatômica das glândulas endócrinasFonte: Designua, Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: a imagem ilustra a localização das principais glândulas endócrinas do
organismo. Há o desenho de um corpo humano, mostrando a localização da pituitária e
pineal, ambas no cérebro. No pescoço, há a representação das glândulas tireoide e
paratireoide; no tórax, na região do mediastino anterior superior está o timo; há também a
indicação da localização do pâncreas, glândulas adrenais, ovário, testículo e placenta.

7.2 A estrutura química dos hormônios


Hormônios são moléculas sinalizadoras produzidas pelas glândulas do organismo.
Podem ser classificados em três diferentes classes: proteínas e polipeptídios, esteroides e
derivados de tirosina.
Hormônios proteicos ou peptídicos
Corresponde à classe da maioria dos hormônios do organismo. O tamanho destas cadeias
peptídicas pode variar desde três aminoácidos a proteínas contendo mais de 200
aminoácidos.
Os hormônios proteicos são sintetizados da mesma maneira que a maioria das proteínas,
ou seja, no retículo endoplasmático rugoso. Geralmente essas moléculas são sintetizadas
como pré-hormônios e clivadas em pró-hormônios no retículo endoplasmático, terminando
sua maturação no complexo de Golgi, onde são clivadas em porções menores e funcionais.
Os hormônios ficam armazenados em vesículas do Golgi, no citoplasma, e são liberados
quando a vesícula se funde à membrana plasmática no processo de exocitose. A exocitose
geralmente é estimulada por aumento nas concentrações de cálcio no citosol.

Peptídeos são moléculas formadas por dois ou mais aminoácidos ligados entre si por meio de uma ligação
peptídica, podendo chegar até 50 aminoácidos. Quando o tamanho do peptídeo ultrapassa os 50
aminoácidos, ele passa a ser chamado de proteína. Logo, proteínas são cadeias peptídicas com 50
aminoácidos ou mais.

Hormônios esteroides
São hormônios derivados do colesterol que não são armazenados como os hormônios
proteicos. Esses hormônios têm uma estrutura química semelhante à do colesterol e
são lipossolúveis, o que permite que eles se difundam facilmente pela membrana celular
após serem sintetizados. As estruturas do colesterol e de alguns hormônios esteroides
podem ser vistas e comparadas na figura a seguir, sendo possível observar os quatro anéis
do grupo esteroide.

Figura 5 - Estrutura química do colesterol e hormônios esteroidesFonte: Elaborada pela autora,


adaptada de Peter Hermes Furian, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura traz quatro estruturas químicas: a do colesterol e a de três hormônios
esteroides (cortisol, testosterona e estradiol). Essas estruturas apresentam os quatro anéis
esteroides comuns aos derivados de colesterol.

Hormônios amínicos (derivados de tirosina)


Os hormônios derivados de tirosina recebem o nome de amínicos pois são hormônios
sintetizados e armazenados nas glândulas como um pró-hormônio, e a secreção da molécula
funcional ocorre quando há a separação de um grupo amina da molécula do pró-hormônio.
Os grupos de hormônio amínicos do organismo são os da tireoide e da medula adrenal.
7.3 Mecanismo de ação dos hormônios
Uma vez na corrente sanguínea, os hormônios vão interagir somente com células que
possuem receptores específicos a ele em sua superfície. Os receptores hormonais podem
ser proteínas de membrana, citoplasmáticas ou mesmo nucleares, e, uma vez ligados ao
hormônio, iniciam uma cascata de reações.

7.4 Receptores hormonais


Os receptores hormonais são proteínas de grande tamanho, podendo estar presentes em
quantidades altíssimas (até 100.000 receptores!) nas células que precisam da ação hormonal.
A localização do receptor geralmente está ass ociada à natureza do hormônio que se liga a
ele, podendo ser:

A quantidade de receptores hormonais nas células-alvo pode variar conforme a necessidade


da maquinaria celular. Muitas vezes, após a ligação do hormônio ao seu receptor, a célula
deixa de expressar o receptor por haver inativação de moléculas ou proteínas intracelulares
que seriam necessárias para desencadear a cascara de resposta, ou mesmo por destruição
desses receptores através da via lisossomal. Em alguns casos, no entanto, a ligação do
hormônio ao seu receptor pode levar a um aumento na sensibilidade celular ao hormônio,
por meio do aumento de expressão da molécula receptora.
Independentemente da localização do receptor hormonal, uma vez que há a formação do
complexo hormônio-receptor, a conformação e função do receptor mudam e dão início a uma
resposta intracelular, de acordo com o tipo de sinalizador ligado a esse receptor.

7.5 Controle hormonal


A exposição dos receptores a altos níveis hormonais pode levar a uma redução em número e
afinidade dos receptores de superfície, processos conhecidos
como downregulation e dessensitização. O que regula a expressão dos hormônios e seus
receptores é o mecanismo de controle por feedback. O controle pode ser negativo quando
a concentração de um hormônio leva a uma queda na concentração de outro, ou positivo
quando o inverso ocorre.
O feedback negativo é o tipo de regulação hormonal mais comum no organismo. Por
exemplo, quando as concentrações de cortisol no sangue se encontram muito altas,
receptores do hipotálamo reduzem a liberação de corticotrópicos, que por sua vez suprimem
a liberação de hormônios adrenocorticotróficos (ACTH) pela glândula pituitária. Já quando os
níveis de cortisol no sangue caem abaixo do limite mínimo, o hipotálamo volta a produzir
hormônios e estimular a liberação de ACTH (ARNESON; BRICKELL, 2007).
Outra maneira de controle é por feedback positivo, quando um hormônio estimula a
liberação de outro. É menos comum que o feedback negativo e geralmente faz parte de um
mecanismo de controle mais complexo que envolve outros fatores regulatórios.
Além do controle por feedback, outros fatores também podem interferir na liberação de
hormônios no organismo, como o biorritmo, níveis de estresse e o próprio sistema nervoso
central.
No quadro abaixo, você pode conhecer os principais hormônios produzidos por cada uma
das glândulas do organismo e quais são suas funções.
Quadro 4 - Glândulas endócrinas, hormônios, funções e estruturaFonte: Elaborado pela autora,
adaptado de GUYTON et al., 2006.
#PraCegoVer: o quadro traz quatro colunas relacionando o tecido/glândula, os hormônios
produzidos por ela, as funções desses hormônios e o tipo do hormônio.

7.6 Avaliação clínica e laboratorial das alterações hormonais


As alterações hormonais podem ter sintomas variados de acordo com o sistema em
desequilíbrio. Identificar a origem da disfunção hormonal é essencial para a proposta de
tratamentos em cada um dos casos. Neste tópico, vamos focar nos principais hormônios das
regiões hipotalâmica, pituitária, adrenal, tireoide e gônadas, ressaltando algumas patologias
de interesse clínico e interpretações de alterações encontradas.

7.7 Hipotálamo e glândula pituitária


A glândula pituitária se localiza na fossa pituitária, abaixo do hipotálamo. O lobo anterior da
glândula, chamado de adeno-hipófise, possui diversos tipos celulares e é responsável pela
secreção da maioria dos hormônios que controlam a função de outras glândulas no corpo.
A porção posterior da hipófise é responsável por secretar o hormônio antidiurético e a
ocitocina. Os hormônios hipofisários são modulados pelo ciclo circadiano e podem sofrer
alterações devido a estresse.
Assista aí
As patologias que acometem o eixo hipotálamo-hipófise podem ser detectadas por
produções anormais de hormônios hipofisários e podem ser causadas por tumores benignos
ou malignos, mas precisam de confirmação de imagem.
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (s. d.) classifica
os adenomas como funcionantes – quando há produção em excesso de algum hormônio
hipofisário –, ou não funcionantes – quando não há produção hormonal excessiva, mas há
alterações na visão e aumento de cefaleias.
As síndromes hipofisárias mais comumente encontradas na clínica são:
Os exames hormonais hipofisários devem ser preferencialmente coletados até às 9h da
manhã, e o paciente deve permanecer um tempo em repouso antes da coleta. A tabela a
seguir lista os índices de referência dos exames hormonais hipofisários e quais os métodos
utilizados para diagnóstico.

Tabela 3 - Principais hormônios relacionados a patologias hipofisáriasFonte: Elaborada pela autora,


2020.
#PraCegoVer: na figura, há uma tabela que relaciona os principais hormônios hipofisários
relacionados a patologias que acometem a glândula. Na primeira coluna da tabela, estão
listados os hormônios prolactina, ACTH e GH; na coluna central, encontram-se os valores de
referência; na da esquerda, estão os métodos de diagnóstico usados usualmente para esses
exames.

7.8 Hormônios adrenais


As glândulas adrenais se localizam acima dos rins e podem ser divididas em região
cortical e região medular. No córtex adrenal, destacam-se três tecidos com produções
hormonais distintas: zona glomerulosa, responsável por produzir e secretar
mineralocorticoides; zona fasciculata, secretora de glicocorticoides; e zona reticular, secretora
de hormônios androgênios. A medula adrenal, por sua vez, produz catecolaminas e
peptídeos.

Figura 6 - Anatomia da glândula adrenalFonte: Designua, Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: na imagem, temos a ilustração da glândula adrenal, que possui uma forma
triangular. A glândula está em um corte sagital, destacando o córtex adrenal, formado pela
camada mais externa da glândula chamada de zona glomerulosa, seguida da zona fasciculata,
zona reticular e, ao centro da glândula, a medula adrenal. A imagem ainda destaca os
hormônios produzidos em cada uma das porções da adrenal: há uma conexão ligando
mineralocorticoides à zona glomerulosa; uma ligando glicocorticoides à zona fasciculata; e os
androgênios estão ligados à zona reticular e catecolaminas e peptídeos e à medula.

A secreção de glicocorticoides e andrógenos é controlada pelo hormônio ACTH, produzido


na hipófise. Já a secreção de mineralocorticoides é controlada pela renina e angiotensina.
Por ter uma divisão estratificada da produção hormonal e por ser controlada por sistemas
distintos, as patologias que acometem a adrenal interferem de forma diferente na liberação
dos hormônios adrenais.
O cortisol é o principal glicocorticoide secretado pelo córtex adrenal, e ele interfere no
metabolismo de carboidratos e lipídios no organismo. Sua ação suprime o efeito da insulina
e favorece o aumento da glicemia. Ainda, ele ativa as vias de glicogênese e gliconeogênese no
fígado, ativa o metabolismo de proteínas e promove a produção de lipídios pela ativação das
lipases celulares.
É importante lembrar que, em condições normais, esses eventos possuem funções
fisiológicas importante na manutenção da homeostase do organismo. O cortisol também
possui propriedades anti-inflamatórias por suprimir a ação e liberação de citocinas e
controlar o número de leucócitos.
Em excesso, no entanto, pode dificultar a cicatrização de feridas e ter efeito imunossupressor.
No equilíbrio hídrico, o cortisol favorece a saída de água das células para os fluidos
extracelulares e influencia na excreção renal.
As principais patologias que acometem a glândula adrenal afetam o córtex adrenal e
interferem no ciclo circadiano da produção de cortisol. Geralmente, a produção excessiva de
cortisol no organismo está relacionada a adenomas e recebe o nome de hipercortisolismo
primário. Esses quadros estão associados a um aumento na produção de cortisol ao longo
do dia e redução nos níveis de ACTH, que se encontra baixo por não haver dano hipofisário e
a glândula responder devido ao mecanismo de feedback negativo. Como consequência, o
paciente apresenta quadros de desequilíbrio glicêmico, lipídico e hídrico, alterações na
cicatrização, ganho de peso, deposição de gordura nas regiões do tronco e pescoço,
enfraquecimento dos ossos e depressão. Essa desordem metabólica recebe o nome
de Síndrome de Cushing.

A liberação de cortisol no organismo segue um ritmo circadiano bem definido, regulado pelo núcleo
supraquiasmático do hipotálamo. Em situações normais, os níveis de cortisol caem ao final da noite (entre
22h e 24h) e começam a subir novamente durante o sono, atingindo o seu pico entre 8h e 9h da manhã,
quando começa a cair novamente com o passar do dia. Esse ritmo pode ser afetado por situações de
estresse, interferindo na ação fisiológica desse hormônio.

A insuficiência da adrenal e a redução das taxas de cortisol no sangue também merecem


atenção clínica. Elas constituem os quadros de hipocortisolismo e podem ter origem
adrenal, também conhecido como doença de Addison, ou origem hipofisária
(hipocortisolismo secundário).
A doença de Addison resulta de um quadro crônico e progressivo em que as adrenais não
produzem hormônios esteroides suficientes por atrofia idiopática do córtex adrenal. Como
consequência da baixa produção de cortisol, há aumento na liberação de ACTH como uma
tentativa de a hipófise manter a homeostasia. A insuficiência adrenal pode ocorrer por ataque
autoimune, tumores, complicações de infecções virais, fúngicas ou por tuberculose. Em
adultos, a doença é caracterizada por sensibilidade insulínica, hipotireoidismo e fraqueza,
além de desequilíbrio hidroeletrolítico pela excreção de sódio, que pode levar à hipotensão,
desidratação e acometer o sistema cardíaco. O aumento de ACTH pode resultar em
hiperpigmentação da pele e mucosas, pois o hormônio tem ação estimulante em melanócitos
O diagnóstico dessas síndromes é feito através da quantificação de cortisol e de ACTH no
sangue. Como ambos os hormônios sofrem alterações com o ciclo circadiano, recomenda-se
que o exame seja feito em horários pré-definidos. A tabela que segue traz as informações
sobre valores esperados e alterados para os tipos de alterações do cortisol e como os exames
são avaliados no laboratório.

Tabela 4 - Alterações hormonais do córtex adrenalFonte: Elaborada pela autora, adaptada de


ARNESON; BRICKELL, 2007.
#PraCegoVer: na imagem, há uma tabela com três colunas correlacionando o tipo de
alteração adrenal encontrada e os valores hormonais de cortisol e ACTH esperados para cada
patologia. Ainda, nas últimas linhas, informa os valores de referência esperados para ambos
os hormônios e por qual técnica eles são analisados em laboratório.

Outro hormônio de importância clínica no estudo das glândulas adrenais é a aldosterona. A


aldosterona é um hormônio mineralocorticoide que participa da manutenção do equilíbrio
hidroeletrolítico do organismo. Sua função está intimamente ligada à reabsorção de sódio,
diminuição na calemia, aumento do pH no sangue e aumento da volemia. Sua atuação se dá
nos rins durante o processo de filtração tubular.
O aumento da produção e secreção de aldosterona se chama hiperaldosteronismo,
podendo ter origem primária – no órgão, com hiperplasia da glândula adrenal –
ou secundária – quando há alterações no sistema renina-angiotensina. O
hiperaldosteronismo pode resultar da presença de um adenoma na glândula adrenal
(conhecido como Síndrome de Conn), ou por complicações da síndrome de Cushing, e reflete
em aumento da pressão arterial, hipocalemia e hiperaldosteronemia.
Já o hipoaldosteronismo geralmente ocorre quando há atrofiamento do córtex adrenal,
como ocorre na doença de Addison, ou por reflexo de doenças renais que comprometem a
liberação de renina.

O sistema renina-angiotensina-aldosterona participa da regulação da volemia e da resistência vascular do


organismo, resultando em alterações cardíacas e na pressão arterial.
A renina, produzida nos rins, estimula a proteólise de angiotensinogênio no sangue, resultando na
produção de angiotensina II, que tem ação sobre vasos, rins e coração e também estimula a liberação de
aldosterona pelo córtex adrenal. A aldosterona atua nos rins, aumentando a recuperação de água e sódio
nos túbulos renais.

O diagnóstico das alterações de aldosterona são feitos com quantificação do hormônio no


sangue em conjunto com a quantificação de renina para descartar problemas renais. Segue,
na tabela a seguir, os valores de referência esperados para aldosterona e renina em casos
normais e para as patologias.

Tabela 5 - Alterações hormonais envolvendo aldosteronaFonte: Elaborada pela autora, adaptada


de ARNESON; BRICKELL, 2007.
#PraCegoVer: na imagem, há uma tabela com três colunas correlacionando o tipo de
alteração de aldosterona encontrada e os valores hormonais de aldosterona e renina
esperados para cada patologia. Ainda, nas últimas linhas, informa os valores de referência
esperados para ambos os hormônios e por qual técnica eles são analisados em laboratório.
Assista aí
7.9 Hormônios da tireoide
Os hormônios tireoidianos aumentam a taxa metabólica do organismo por meio da ativação
de receptores nucleares que modulam a expressão de proteínas relacionadas ao
metabolismo celular. Esses hormônios são responsáveis por aumentar o número e a
atividade de mitocôndrias e facilitar o transporte de íons pela membrana celular.
O hormônio tiroxina (conhecido como T4) é uma proteína conjugada a quatro átomos de
iodo, enquanto o hormônio triiodotironina (conhecido como T3) possui três átomos de iodo
em sua molécula. Tanto a síntese quanto a excreção de T3 e T4 são controladas pelo
hormônio hipofisário TSH. O mecanismo de liberação de TRH e TSH é controlado
por feedback negativo quando os índices de T3 e T4 atingem valores no sangue acima do
normal.
Além dos hormônios T3 e T4, a tireoide também produz calcitonina, um hormônio
polipeptídico secretado quando os níveis de cálcio no sangue se elevam.
A glândula tireoide pode ser sua função aumentada ou diminuída, gerando os casos de
hipertireoidismo e hipotireoidismo, respectivamente, os quais detalharemos a seguir.
Hipertireoidismo
Ocorre mais frequentemente em mulheres. O diagnóstico é feito com avaliação dos níveis de
TSH, tiroxina livre e triiodotironina livre. Os valores baixos de TSH sugerem hipertireoidismo.
Na maioria dos pacientes, a glândula tireoide fica maior, o que reflete em aumento da
quantidade de células secretoras de hormônio e, consequentemente, uma produção
hormonal acima do normal. Os altos níveis de T3 e T4 suprimem a expressão de TSH pela
hipófise, motivo pelo qual esse hormônio se encontra em baixas concentrações no
hipertireoidismo.
As causas do hipertireoidismo estão ligadas à autoimunidade, como ocorre na doença de
Graves, ao adenoma tireoidiano ou à carcinoma. Os sintomas consistem em inquietação,
intolerância ao calor, aumento de sudorese, perda de peso significativa, diarreia, fraqueza
muscular, fadiga extrema, tremores nas mãos e irritabilidade. O sinal mais característico é a
exoftalmia (protrusão ocular), devido a um inchaço edematoso nos tecidos retro-orbitais.
O diagnóstico laboratorial é feito por meio da quantificação de TSH, T3 e T4 livres no
sangue, e os valores de referência para os hormônios você pode visualizar na tabela a
seguir.

Tabela 6 - Hormônios da tireoideFonte: Elaborado pela autora, baseado em MARSHALL et


al., 2016.
#PraCegoVer: na figura, há uma tabela que traz os valores de referência e o método de
diagnóstico para os hormônios TSH, tiroxina livre (T3) e triiodotironina livre (T4).

Hipoparatireoidismo
O hipoparatireoidismo é uma condição em que a glândula tireoide está com sua função
reduzida. Isso pode ocorrer por doenças autoimune ou por retirada parcial ou total da
glândula, reduzindo a liberação de hormônios no sangue. Nesses casos, o nível de TSH é
maior que os valores de referência, mas os níveis de T3 e T4 estão diminuídos.
A doença autoimune mais conhecida por causa hipotireoidismo é a tireoidite de Hashimoto,
que tem início assintomático, mas com o tempo pode levar ao aparecimento de bócio devido
ao processo inflamatório estabelecido no local. Os sintomas relacionados à doença são
fadiga, depressão, dores no corpo e edema.

7.10 Hormônios ovarianos


Na puberdade e na fase adulta reprodutiva da mulher, o ciclo ovariano é coordenado pela
ação pulsátil dos hormônios hipotalâmicos e hipofisários nos folículos ovarianos. O ciclo dura
entre 24 e 29 dias e, por convenção, o primeiro dia do ciclo é considerado como o primeiro
dia de sangramento vermelho da menstruação. Após a fase menstrual, o ciclo é dividido
em fase folicular, ovulatória e lútea.
Com a descida da menstruação, inicia-se um novo ciclo ovariano, no qual um novo folículo
deve ser maturado para estar pronto para a fecundação. O desenvolvimento do folículo se
inicia de forma cíclica após a menstruação, e um folículo se destacará como dominante na
fase folicular tardia, atingindo um tamanho maior. Esse folículo passa a secretar estrógenos,
como o estradiol, que em determinado momento do fim da fase folicular, provocam a
liberação de hormônio luteinizante pela pituitária. O hormônio luteinizante (LH) estimula a
maturação do folículo com a retomada da meiose e o folículo se rompe, liberando o ovócito.
Vamos ver, na figura a seguir, como os hormônios sexuais femininos interagem ao longo do
ciclo menstrual de 28 dias.

Figura 7 - Ciclo menstrualFonte: Ptaha I, Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: a figura ilustra as variações de temperatura corporal basal, hormonais e de
espessura do endométrio ao longo de um ciclo menstrual de 18 dias. Na primeira linha da
figura, está representado o ciclo ovariano, com o folículo crescendo ao longo dos dias e
liberando o ovócito na ovulação. Abaixo, está o gráfico da temperatura corporal basal, que se
mantém estável na fase folicular (aproximadamente em 36,4°C), sobe cerca de 0,5 graus após
a ovulação e se mantem próxima a 37°C até a menstruação. A terceira linha mostra os gráficos
das variações hormonais: os níveis de FSH sofrem uma pequena elevação ao longo da fase
folicular, reduzem levemente e têm um discreto aumento na ovulação, caindo de forma
discreta e se mantendo baixo na fase lútea; o LH não tem concentrações expressivas durante
a fase folicular, sofre um aumento considerável na ovulação e volta a cair na fase lútea;
os estrógenos têm um aumento considerável ao longo da fase folicular, uma queda brusca
na ovulação e sofrem um leve aumento na fase lútea, reduzindo em concentração com a
menstruação; a progesterona se mantém em níveis insignificantes durante a fase folicular,
tem um aumento considerável durante a fase lútea e cai gentilmente até voltar a
praticamente 0 com a menstruação. A camada do endométrio começa a aumentar na fase
folicular, mantém-se crescendo durante a fase lútea e descama e sai em forma de
menstruação ao final do ciclo.

Os hormônios FSH e LH produzidos pela hipófise têm papel fundamental no desenvolvimento


e maturação do ovócito e na manutenção do ciclo menstrual. O hormônio FSH é liberado pela
hipófise de forma pulsátil e atua na maturação do folículo dominante, além de estimular a
produção de receptores de LH nas células ovarianas. O LH, por sua vez, estimula a produção
de andrógenos, estradiol e progesterona nos ovários.
Os hormônios esteroides produzidos no ovário – estrógenos e progesterona – participam
do desenvolvimento de características sexuais secundárias e influenciam o comportamento
sexual (MARSHALL et al., 2016). No início do ciclo, os estrogênios sinalizam para a hipófise
reduzir a secreção de LH e FSH por controle negativo, mas da metade do ciclo em diante
exercem uma influência positiva e estimulam a hipófise a produzir LH. Ainda, estimulam o
desenvolvimento do endométrio no útero. A progesterona estimula a secreção e o
engrossamento de muco cervical pelo endométrio uterino, para manutenção da gestação
caso a mulher engravide.
A partir dos 40 anos, o ciclo menstrual começa a se tornar irregular e a apresentar períodos
sem ovulação, até que cessem totalmente, caracterizando a menopausa. A menopausa pode
ser definida como a exaustão ovariana devido à redução de folículos e, consequentemente,
da produção de estrógenos. A baixa produção hormonal ovariana reflete em um aumento
hipofisário dos hormônios FSH e LH, que não sofrem mais o controle negativo dos estrógenos.
Logo, na menopausa, a produção de estrógenos cai a 0, enquanto as concentrações de FSH e
LH ficam elevadas.
Os valores de referência para os hormônios sexuais femininos, bem como os métodos de
análise comumente usados em laboratório, estão na tabela que segue.
Tabela 7 - Hormônios sexuais femininosFonte: Elaborado pela autora, baseado em
LABORATÓRIO PARDINI, s. d.
#PraCegoVer: na figura, há uma tabela indicando os valores de referência e os tipos de
ensaio diagnóstico para os hormônios femininos FSH, LH, estradiol e progesterona.

7.11 Hormônios sexuais masculinos


Os testículos fazem parte do sistema reprodutor masculino e são os órgãos responsáveis
por produzir testosterona e espermatozoides. As células de Leydig, nos testículos, são
responsáveis pela produção do androgênio testosterona. A hipófise também produz FSH e
LH no homem, que atuam, respectivamente, na divisão das células de Sertoli e na regulação
(em quantidade e função) das células de Leydig. A testosterona atua no controle negativo da
hipófise anterior, inibindo a secreção de LH (MARSHALL et al., 2016).
Os níveis de LH e FSH podem estar alterados no homem com ou sem relação com alterações
nos níveis de testosterona. Altas concentrações de LH e FSH e baixa concentração de
testosterona podem estar relacionadas à falência testicular primária, enquanto baixas
concentrações dos hormônios hipofisários e concentrações normais de testosterona
sugerem alterações na glândula cerebral.
Os hormônios FSH, LH e testosterona são primordiais para o diagnóstico de alterações
hormonais masculinas. Essas alterações podem refletir em casos de maturação sexual
incompleta, infertilidade ou impotência. Os valores de referência para os hormônios e o
método de diagnóstico estão listados na tabela abaixo.

Tabela 8 - Hormônios sexuais masculinosFonte: Elaborado pela autora, baseado em


LABORATÓRIO PARDINI, s. d.
#PraCegoVer: a tabela acima indica os valores de referência e os tipos de ensaio diagnóstico
para os hormônios masculinos FSH, LH e testosterona.

8 Avaliação laboratorial da gestação


Na gestação, o corpo feminino passa a contar com um outro órgão também produtor de
hormônios: a placenta. A placenta é um órgão temporário que se desenvolve a partir de
células embrionárias e uterinas com a função de controlar a nutrição fetal, regular
temperatura, facilitar a excreção e troca gasosa do feto, oferecer proteção imunológica ao
bebê e produzir hormônios que auxiliam na manutenção da gestação.

8.1 Hormônios placentários


É na placenta que o hormônio gonadotrofina coriônica (hCG), usado nos testes de urina
para detectar gravidez, é produzido. Esse hormônio mantém o corpo lúteo ativo, produzindo
estrógenos e progesterona, e previne que ele atrofie, como ocorre aos finais dos ciclos
menstruais antes da menstruação. Também produz progesterona, que promove o
espessamento da mucosa endometrial e o suprimento sanguíneo, e estrógenos (sendo o
principal o estriol), essenciais para o crescimento do útero e do tecido mamário. Ainda, a
placenta é responsável por produzir e secretar o hormônio lactogênio placentário (hPL),
cuja função se assemelha à do hormônio de crescimento, regulando metabolismo de
gorduras e carboidratos no início da gestação e, ao final, preparando as glândulas mamárias
para a lactação.
Na tabela a seguir, é possível analisar as variações de concentração desses hormônios
durante a gestação, o tipo molecular de cada um deles e o método de diagnóstico mais
comumente utilizado na clínica laboratorial.

Tabela 9 - Hormônios placentáriosFonte: Elaborada pela autora, baseada em LABORATÓRIO


PARDINI, s. d; LABORATÓRIO BEHRING, s. d.
#PraCegoVer: na imagem, há uma tabela com quatro colunas: na primeira, temos os
hormônios produzidos pela placenta; na segunda, os índices de referência para os
hormônios; na terceira, informa qual a tipo molecular dos hormônios; na quarta, o método
de ensaio utilizado no diagnóstico.
De todos os hormônios produzidos pela placenta, o mais utilizado no diagnóstico é o hCG,
que também é utilizado nos testes de urina para gravidez. Trata-se de uma glicoproteína
composta por duas subunidades (alfa e beta), catabolizada no fígado e secretada na urina. A
subunidade beta é degradada nos rins e um pequeno fragmento dessa subunidade pode ser
detectado nos testes de urina para hCG (BETZ; FANE, 2020).
Os testes de urina para detecção de hCG são imunoensaios, ou seja, são baseados na
reação de anticorpos com o fragmento da proteína hCG liberado na urina. As fitas de detecção
são compostas por um material bastante absorvente e possuem anticorpos depositados em
suas tramas. Se houver o fragmento de hCG na urina, os anticorpos formarão o complexo
antígeno-anticorpo e por capilaridade, chegarão até as fitas do teste (controle e hCG), onde
ocorrerá uma reação química com liberação de pigmentação caso seja positivo. A figura a
seguir ilustra de forma esquemática como ocorre todo esse processo.

Figura 8 - Teste de urina para gravidezFonte: Elaborada pela autora, adaptada de Pogorelova Olga,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem acima mostra uma fita de teste de gravidez, com as marcações das
regiões onde se encontram o anticorpo (uma faixa colorida próxima ao local de contato com
a urina) e onde se encontram as faixas de leitura do controle e do teste de hCG (inicialmente
invisíveis na fita). Ao lado, a fita está mergulhada em um pote com um líquido amarelo (urina),
e há a representação do caminho do líquido pela fita. Uma terceira fita indica os resultados
positivos para o controle e o teste de hCG após realizado o teste.

É ISSO AÍ!

Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

aprender sobre o sistema renal e compreender como ele coordena o equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base no
organismo;
conhecer as principais patologias que acometem os rins e como identificá-las.

conhecer sobre a formação dos ossos e seu metabolismo, suas células e composição;

explorar sobre as principais patologias ósseas e compreender como elas se originam;

descobrir o sistema endócrino, suas principais glândulas e hormônios, e entender como o organismo permanece
em equilíbrio por meio dos estímulos hormonais;

descobrir como os hormônios regem a fisiologia masculina e feminina e como essas alterações se mantêm na
gestação.

REFERÊNCIAS

ARNESON, W.; BRICKELL, J. (EDS.). Clinical chemistry: a laboratory perspective. Philadelphia: F. A. Davis Co, 2007.

AUTIER, P. et al. Vitamin D status and ill health: a systematic review. The Lancet Diabetes & Endocrinology, [S. I.], v.
2, n. 1, p. 76-89, jan. 2014.

BETZ, D.; FANE, K. Human Chorionic Gonadotropin (HCG). In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing,
2020.

FENG, X.; MCDONALD, J. M. Disorders of Bone Remodeling. Annual review of pathology, [S. l.], v. 6, p. 121–145,
2011.

FLEURY. Manual Diagnóstico – Doenças Osteometabólicas. Página inicial. Disponível


em: https://www.fleury.com.br/medico/manuais-diagnosticos/doenas-osteometablicas/intro-osteometabolica.
Acesso em: 16 set. 2020.

GUYTON, A. C. et al. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

LABORATORIO BEHRING. Progesterona. Disponível em: https://www.laboratoriobehring.com.br/pdfs/?id=214.


Acesso em: 16 set. 2020.

LABORATÓRIO PARDINI. Help de Exames. Página inicial. Disponível


em: http://www.labhpardini.com.br/scripts/mgwms32.dll?MGWLPN=HPHOSTBS&App=HELPE. Acesso em: 16 set.
2020.

MARSHALL, W. et al. Bioquímica Clínica: Aspectos Clínicos e Metabolicos. 3. ed. [S. l.]: Elsevier, 2016.

SARAIVA, G. L.; LAZARETTI-CASTRO, M. Marcadores Bioquímicos da Remodelação Óssea na Prática Clínica. Arquivos
Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, [S. I.], v. 46, n. 1, p. 72–78, fev. 2002.

VARGAS, D. M.; AUDÍ, L.; CARRASCOSA, A. Peptídeos derivados do colágeno: novos marcadores bioquímicos do
metabolismo ósseo. Revista da Associação Médica Brasileira, [S. I.], v. 43, n. 4, p. 367-370, dez. 1997.

VIEIRA, J. G. H. Considerações sobre os marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo e sua utilidade


prática. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, [S. I.], v. 43, n. 6, p. 415-422, dez. 1999.

VIEIRA, J. G. H. Diagnóstico laboratorial e monitoramento das doenças osteometabólicas. Jornal Brasileiro de


Patologia e Medicina Laboratorial, [S. I.], v. 43, n. 2, abr. 2007.
UNIDADE 1
UNIDADE 3
BIOQUÍMICA CLÍNICA
PROTEÍNAS PLASMÁTICAS E ALTERAÇÕES
METABÓLICAS

Heloísa Ciol

Você está na unidade Proteínas plasmáticas e alterações metabólicas. Conheça aqui quais são as
proteínas plasmáticas que encontramos no nosso organismo e como elas podem auxiliar no diagnóstico
de patologias. Conheça, também, um grupo de doenças genéticas chamado erros inatos do metabolismo,
entendendo por que o teste do pezinho é tão importante para a vida do bebê. Aprenda mais a fundo sobre
dislipidemias, compreendendo o que é e quais os riscos associados aos lipídios do sangue. Além disso,
perceba o aminoácido homocisteína e descubra como ele e os lipídios contribuem para a formação da
aterosclerose.
Bons estudos!

1 Proteínas plasmáticas
As proteínas são um grupo de 50 ou mais aminoácidos que participam de diversas funções
no organismo. Quando nos referimos a proteínas plasmáticas – ou proteínas séricas – no
entanto, estamos nos referindo a dois grandes grupos de proteínas em especial: albumina e
globulinas. Vamos explorar neste tópico quais as funções dessas proteínas, como identificar
suas alterações e o que elas indicam.

1.1 Frações de proteínas plasmáticas


O plasma sanguíneo possui cinco grandes grupos de proteína que podem ser fracionadas e
analisadas para diagnóstico:
• albumina;
• alfa-1 globulinas;
• alfa-2 globulinas;
• betaglobulinas;
• gamaglobulinas.
O termo frações de proteínas plasmáticas se refere à separação das proteínas que
constituem o plasma sanguíneo, e o nome desses grupos se refere às frações resultantes
da separação. Atualmente, as frações de proteínas plasmáticas são analisadas por
eletroforese.

1.2 Eletroforese de proteínas plasmáticas


A eletroforese em gel é um método de análise de macromoléculas utilizado em laboratórios
de bioquímica e biologia molecular. É uma técnica que pode ser usada para separar ácidos
nucleicos ou proteínas por tamanho e carga. O princípio físico-químico por trás da
eletroforese se baseia na aplicação de uma corrente elétrica sobre um gel que promove a
movimentação (ou corrida) das moléculas pelo gel, indo de um polo (positivo ou negativo) a
outro (negativo ou positivo).
Um sistema de eletroforese é constituído por: uma fonte de energia com saídas
diferenciadas para polos positivos e negativos; uma cuba de eletroforese, onde serão
adicionados o gel de corrida, soluções tampão e onde os fios da fonte de energia serão
conectados.
Os géis de eletroforese são uma matriz polimerizada por onde passam as amostras após a
aplicação da corrente elétrica. Os materiais mais comumente utilizados nos géis de
laboratório são agarose – para ácidos nucleicos – e poliacrilamida – para proteínas. Os géis
de poliacrilamida (PAGE) têm resolução para separar proteínas de diversos e variados
tamanhos, de acordo com a porcentagem de acrilamida usada na mistura do gel. Devido à
malha formada durante a polimerização do gel, as moléculas menores passam com mais
facilidade, enquanto as maiores não se movem tão rapidamente, promovendo uma
separação fracionada por tamanho dos componentes da amostra, formando bandas
específicas.
As soluções tampão utilizadas na eletroforese fornecem íons que ajudam tanto para manter
o pH da solução como para um meio de passagem da corrente durante a corrida.
A constituição dessas soluções varia conforme o tipo de gel usado no ensaio.
Os géis mais comumente utilizados na prática clínica são os chamados de desnaturantes. Os
géis e a solução tampão usados na corrida de eletroforese de proteína contêm substâncias
desnaturantes, como o detergente SDS (sódio duodecil-sulfato), que quebram as estruturas
quaternária, terciária e secundária das proteínas, carregando a molécula com cargas
negativas, auxiliando no deslocamento da proteína para o polo positivo.
As soluções tampão, assim como os géis de corrida são colocados em uma cuba de
eletroforese, um aparato desenvolvido para permitir que a corrente elétrica forme uma
diferença de potencial e as proteínas migrem do polo negativo (cima) para o polo positivo
(baixo).
A figura a seguir ilustra de forma simplificada como é feita a preparação de amostras de
proteína para fracionamento/separação por eletroforese.

Figura 1 - Eletroforese de proteínasFonte: Elaborada pela autora, baseada em WhiteDragon,


Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura possui uma fonte de energia de onde saem dois fios que se ligam a
uma cuba de eletroforese. Dentro dessa cuba estão representados o gel e o tampão,
indicados por meio de setas. Há uma terceira imagem de uma micropipeta simulando a
aplicação de amostras nos poços do gel de eletroforese, seguida de uma quarta imagem, que
ilustra uma eletroforese após finalizada a corrida, com bandas (riscos paralelos) espaçadas,
indicando a separação de proteínas de tamanhos distintos.

É importante frisar que quanto maior for a quantidade de uma determinada proteína na
amostra adicionada ao gel de corrida de eletroforese, mais larga será sua banda após a
corrida. Isso se deve ao acúmulo de proteínas com os mesmos pesos moleculares em uma
determinada altura do gel.

1.3 Proteínas plasmáticas


As proteínas plasmáticas são diferentes e distintas entre si, participando de processos
fisiológicos no organismo. São encontradas no plasma como albuminas ou globulinas,
sendo que as últimas compreendem quatro grupos distintos: alfa-1 globulinas, alfa-2
globulinas, betaglobulinas e gamaglobulinas. Suas funções variam: podem ser enzimas,
anticorpos, carreadoras de moléculas e íons ou até inibidoras de processos enzimáticos.
Investigar proteínas plasmáticas permite avaliar e investigar alterações metabólicas,
auxiliando no diagnóstico do paciente.
O fracionamento de proteínas por eletroforese é o método utilizado para avaliar as frações
de proteínas plasmáticas do organismo. Em condições normais, a fração de albumina
corresponde a 60% da massa total de proteínas plasmáticas de uma amostra, enquanto
as outras proteínas se apresentam espaçadas e menos concentradas. Seguida da albumina,
uma banda mais fraca e difusa indica a fração de alfa-1 globulinas. Logo abaixo dessas vem a
banda de alfa-2 globulinas como uma banda mais intensa e definida, assim como a banda
das beta globulinas. Por fim, a banda das gamaglobulinas se apresenta mais difusa e alargada,
uma vez que existem diferentes classes de anticorpos e há algumas variações em tamanho
entre eles.
É possível gerar um gráfico da intensidade a partir da eletroforese dessas proteínas, como
mostra a figura a seguir. Nessa imagem, o fracionamento eletroforético está alinhado ao
gráfico de intensidade das proteínas plasmáticas. A porção correspondente à albumina se
encontra bastante elevada em comparação às outras amostras, e a fração
de gamaglobulinas apresenta um pico largo devido à diversidade das imunoglobulinas que
o compõem.
Figura 2 - Fracionamento de proteínas plasmáticasFonte: extender_01, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura ilustra uma corrida de eletroforese de proteínas plasmáticas
rotacionada à direita, com a banda de albumina bastante larga, seguida de uma banda fraca,
correspondente à alfa-1 globulinas. Mais à direita, uma banda mais intensa representa as
globulinas do grupo alfa-2, seguida da banda das betaglobulinas. Ao final da corrida temos
uma banda larga e difusa, correspondente às gamaglobulinas.

1.4 Albumina
A albumina é a proteína mais abundante no sangue e corresponde a 60% das proteínas
totais no plasma. São proteínas não glicosiladas, solúveis em água que geralmente participam
do transporte de moléculas, pois se ligam a várias substâncias, como cátions (Na+, K+ e Ca2+),
ácidos graxos, hormônios, bilirrubina e fármacos. Sua principal função é regular a pressão
oncótica do sangue. A albumina é uma proteína de baixo peso molecular e, justamente por
ser pequena, é a primeira classe de proteínas encontrada na urina em casos de danos
glomerulares.

Pressão oncótica é a pressão exercida por proteínas no plasma do sangue por não conseguirem atravessar
as paredes dos capilares. Como elas ficam retidas no líquido extracelular, acabam exercendo uma forte
pressão osmótica sobre os íons e a água, mantendo o líquido no interior capilar.

A albumina é produzida no fígado e o controle de sua produção ocorre provavelmente


quando o organismo detecta alterações na pressão oncótica (LEVITT; LEVITT,
2016). Alterações na sua concentração plasmática estão mais relacionadas à redução na
produção de albumina ou aumento de catabolismo que a perdas significantes da proteína
pela urina ou pelo trato gastrointestinal.
A queda nos níveis de albumina, ou hipoalbuminemia, é comum a diversas patologias e não
parece ter uma causa específica, mas valores séricos muito baixos podem indicar síndrome
nefrótica ou enteropatias graves. A síntese de albumina pode ser prejudicada em situações
de prejuízo hepático, como cirrose hepática e hepatite viral; o catabolismo (degradação) da
albumina pode estar relacionada a infecções bacterianas graves, tumores malignos, doenças
inflamatórias crônicas ou mesmo por insuficiência cardíaca. A baixa ingesta de
proteínas também pode refletir em queda nos níveis de albumina no sangue (SILVA; LOPES;
DE FARIA, 2008).

1.5 Alfa-1 globulinas


As globulinas são proteínas globulares e subdivididas em grupos. O grupo alfa-1 é composto
pelas proteínas alfa-1-antitripsina, protrombina, transcortina, globulina ligadora de tiroxina e
alfa-fetoproteína (SILVA; LOPES; DE FARIA, 2008).
A proteína alfa-1-antitripsina (1AT) é a fração mais abundante no grupo das alfa-1
globulinas, correspondendo a 90% das proteínas totais desse grupo. Sua principal função
é inativar proteases, dentre elas, a tripsina. A tripsina é uma proteína digestiva produzida
no pâncreas. A ação inibitória da 1AT previne que órgãos essenciais como pulmão e fígado
sofram ação de proteases durante processos inflamatórios.
A deficiência de a1AT é um distúrbio genético e afeta principalmente fígado e pulmões. Essa
proteína é codificada pelo gene SERPINA1, localizado no cromossomo 14, e faz parte de uma
família de inibidores de protease (CAMELIER et al., 2008). Mutações e variantes do alelo do
gene SERPINA1 constituem uma herança genética do tipo autossômica e codominante.
No pulmão, a deficiência de 1AT pode favorecer o surgimento dos quadros de enfisema e
deficiência respiratória. Associada ao tabagismo, pode agravar os quadros de enfisema e
lesão pulmonar. Os sintomas pulmonares correspondem à maioria dos sintomas clínicos
manifestados por pacientes com deficiência de 1AT, chegando a 80% dos casos.
No fígado, podem aparecer lesões como resultado do acúmulo de 1AT no retículo
endoplasmático e consequente polimerização da enzima no interior dos hepatócitos. A causa
dessa polimerização ainda é desconhecida, e os sintomas de doenças hepáticas podem variar
conforme o grau de polimerização da proteína. Pacientes com sintomas hepáticos
correspondem a cerca de 3% dos casos clínicos de deficiência de a1AT.

1.6 Alfa-2 globulinas


O grupo de globulinas que compõem a banda alfa-2 engloba as proteínas haptoglobina, alfa-
2-macroglobulina, ceruloplasmina, eritropoietina e colinesterase. Essas proteínas também se
apresentam aumentadas em casos de infecções e inflamações. Das proteínas desse grupo,
a alfa-2-macroglobulina e a haptoglobina correspondem à maior fração representativa.

1.7 Betaglobulinas
As betaglobulinas formam um grupo de proteínas cujos principais representantes são as
proteínas transferrina e componente C3 do sistema complemento.
O sistema complemento é uma resposta do sistema imune a infecções, como tentativa recrutar anticorpos
e inativar micro-organismos. Esse sistema é formado por diversas pequenas proteínas que circulam pelo
sangue que, quando estimuladas, iniciam uma cascata de ativação de proteínas do sistema complemento
que resultam no recrutamento de fagócitos para eliminar o corpo estranho, em inflamação para atrair mais
células fagocitárias e ativação do complexo de ataque à membrana, que auxilia na lise de diversos
patógenos.

1.8 Gamaglobulinas
As gamaglobulinas ou imunoglobulinas (Ig) são o grupo constituído por anticorpos
circulantes no organismo. Os anticorpos diferem entre si pela composição de suas cadeias
pesadas e podem ser subdivididos em diferentes classes: IgG, IgA, IgM, IgD e IgE.
Assista aí

As gamaglobulinas podem se apresentar alteradas em excesso ou deficiência. O excesso é


chamado de hipergamaglobulinemia e geralmente ocorre por excesso de imunoglobulina
IgM.
Os quadros de hipogamaglobulinemia ocorrem pela baixa produção de anticorpos no
organismo. Pode ser resultado tanto de imunodeficiências de causa genética (causa primária),
ou adquiridas (secundária) causadas por uso de medicações, cânceres de sangue, má nutrição
ou perda de gamaglobulinas na urina. A baixa produção ou concentração de anticorpos deixa
o paciente mais susceptível a infecções.
As alterações nas bandas eletroforéticas das gamaglobulinas podem ajudar a elucidar
síndromes e patologias, pois elas adquirem características distintas conforme o tipo de
alteração.
Uma alteração encontrada na banda eletroforética das gamaglobulinas é a de pico
policlonal, representado na figura a seguir. Esse pico ocorre quando o corpo está
desenvolvendo uma resposta imunológica contra um determinado antígeno, e pode envolver
quadros inflamatórios, imunes ou infecciosos e geralmente vem acompanhado de uma
queda nas frações de albumina. É possível encontrar esse tipo de alteração em casos de
tuberculose, esquistossomose, sífilis, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico (SILVA;
LOPES; DE FARIA, 2008).
Figura 3 - Pico policlonal de gamaglobulinasFonte: Elaborada pela autora, baseada em
extender_01, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra o gráfico padrão de distribuição de proteínas plasmáticas,
sinalizando em vermelho uma redução no pico de albumina e um aumento arredondado da
fração de gamaglobulinas, um quadro comum às alterações policlonais.

Outra modificação no padrão de eletroforese de gamaglobulinas é o pico monoclonal. Neste


caso, há um aumento de um único tipo de imunoglobulina, levando ao surgimento de um
pico estreito na fração das gamaglobulinas. Esses tipos de alterações podem ocorrer nos
casos de mieloma múltiplo.

Figura 4 - Pico monoclonal de gamaglobulinasFonte: Elaborada pela autora, baseada em


extender_01, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra o gráfico padrão de distribuição de proteínas plasmáticas,
sinalizando em vermelho uma redução no pico de albumina e um aumento considerável de
um pico estreito, ultrapassando em altura o pico de albumina, da fração de gamaglobulinas,
um quadro comum às alterações monoclonais.

1.9 Caso clínico


Um paciente chega ao hospital com fraqueza generalizada, dor abdominal, diarreia e vômito.
O médico de plantão solicita alguns exames, dentre eles ferritina sérica e eletroforese de
proteínas. O resultado dos exames mostra uma deficiência de ferro acompanhada de um
aumento de da banda de beta-globulinas. Explique o que pode ter acontecido com esse
paciente e comente os resultados observados.
2 Erros inatos do metabolismo
Erros inatos do metabolismo (EIM) são alterações genéticas que interferem com vias
metabólicas específicas no organismo, resultando em erros de síntese, transporte ou
degradação de uma molécula. Geralmente estão associadas ao metabolismo ou
armazenamento de carboidratos, ácidos graxos ou proteínas. As doenças isoladas são
raras, mas quando considerado em grupo, a taxa de ocorrência dos EIM é de 1 a cada 2500
nascidos. Os EIM podem se manifestar a qualquer idade e em diversos órgãos e sistemas.
Nem toda doença genética é um EIM, mas todo EIM é uma doença genética (JEANMONOD;
ASUKA; JEANMONOD, 2020).
A maioria dos EIM são de caráter autossômico recessivo, afetando somente um alelo
correspondente ao gene, mas existem manifestações ligadas à transmissão recessiva através
do cromossomo X, que se manifestam somente em filhos homens, ou autossômica
dominante, na qual basta uma cópia do gene para haver a manifestação da doença. Há ainda
EIM transmitidos pelo DNA mitocondrial. Atualmente, são conhecidos mais de 400 erros
metabólicos.
Assista aí

2.1 EIM e metabolismo celular


Os EIM podem acometer diversas vias e organelas celulares, prejudicando o metabolismo do
organismo. Para compreender como os EIM podem interferir com o funcionamento celular e
levar a um quadro grave no organismo, é importante lembrar a estrutura celular e suas
principais organelas. A figura a seguir ilustra uma célula eucariótica e suas organelas.
Figura 5 - Estrutura de uma célula eucarióticaFonte: Tefi, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura ilustra uma célula eucariótica. Um modelo 3D de uma célula apresenta
um corte horizontal, destacando as organelas no interior da célula: núcleo, retículos
endoplasmáticos liso e rugoso, ribossomos, mitocôndrias, peroxissomos, Golgi, lisossomos,
centríolos, microtúbulos, citoplasma e membrana plasmática.

O interior das células pode ser dividido em dois espaços principais: o citoplasma, onde se
encontram as organelas, e o núcleo, onde se encontra o material genético.
No citoplasma ocorre a síntese de proteínas e toda a função metabólica da célula, com
auxílio de organelas específicas e de grande importância clínica para as síndromes
metabólicas geradas pelos EIM.
Dentro das estruturas celulares, a síntese ou degradação de enzimas (proteínas), ácidos
graxos ou carboidratos podem ser comprometidas em doenças metabólicas causadas por
EIM. Vamos destacar as principais organelas envolvidas com síndromes metabólicas e EIM:
Lisossomos

Peroxissomos

Mitocôndria

2.2 Classificação dos EIM


Os EIM podem ser classificados de acordo com a localização primária dos sinais ou sintomas,
dos órgãos ou sistemas afetados ou pela cronicidade do problema. São classificados
como categoria 1 quando acometem um único órgão ou apresentam um único sintoma.
Geralmente são quadros de mais fácil tratamento e são diagnosticados por testes
laboratoriais.
Os EIM da categoria 2 já afetam várias vias bioquímicas ou metabólicas no interior da célula,
comprometendo vários órgãos e apresentando vários sintomas. Podem ser subdivididos em
três subgrupos:
• erros no metabolismo intermediário, que levam à intoxicação por acúmulo de toxinas
(exemplo: ureia);
• deficiência na produção ou utilização de energia na célula (exemplo: erros
mitocondriais ou no metabolismo de glicogênio);
• distúrbios na síntese ou degradação de moléculas, envolvendo organelas.

2.3 Principais manifestações dos EIM


A maioria das manifestações clínicas dos EIM surgem logo ao nascimento, infância ou
adolescência. Muitas desordens podem se manifestar com alterações físicas, mas muitas
não possuem sinais e sintomas específicos e necessitam de investigação aprofundada.
As principais manifestações em crianças de até 12 meses de idade são alterações
estruturais em cabelo, pele e/ou esqueleto. Geralmente essas manifestações estão
associadas a disfunções hepática, neurológica ou imunológica. As manifestações
dermatológicas geralmente estão associadas a defeitos no metabolismo de minerais e
vitaminas. Podem, ainda, surgir alterações oftalmológicas, como:
• cataratas, deslocamento de lentes e ceratite;
• cardíacas, como arritmias;
• hepáticas, com aumento do órgão associado a icterícia;
• musculoesqueléticas, como hipotonia, fraqueza muscular ou baixo teor de massa
muscular;
• neurológicas, as mais comuns em recém-nascidos, que se manifestam com
comprometimento da consciência, convulsões ou coma.
Os EIM que se apresentam durante os primeiros 12 meses de vida da criança podem ser
classificados em quatro grandes grupos, os quais estudaremos a seguir.

2.4 Problemas de síntese e degradação de moléculas complexas


São casos em que o gene mutante participa de vias metabólicas essenciais para a síntese ou
degradação de moléculas no organismo. A manifestação pode ocorrer ainda na fase
embrionária, pois a proteína mutante pode participar de vias metabólicas essenciais para a
embriogênese.
As síndromes mais conhecidas desse grupo são a síndrome de Zellweger, uma doença rara
e potencialmente fatal dependendo do grau de acometimento, caracterizada pela redução
ou ausência de peroxissomos. Como já relembrado, os peroxissomos são organelas
responsáveis pela síntese e degradação de peróxido de hidrogênio e pela degradação de
ácidos graxos, e a ausência de proteínas que executem essa função leva a um acúmulo de
ácidos graxos de cadeia longa no organismo, podendo comprometer o funcionamento de
diversos órgãos, principalmente o pulmão. Em neonatos, a síndrome de Zellweger apresenta
uma aparência típica, com fontanela ampla, testa proeminente, nariz achato e hepatomegalia
(MARSHALL et al., 2016).
Outra síndrome importante desse grupo é a síndrome Smith-Lemli-Opitz, cuja proteína
deficiente afeta a biossíntese de colesterol. Os sinais mais comuns da síndrome
incluem microcefalia, ptose e hemangiomas capilares, As crianças acometidas apresentam
ainda atraso intelectual, problemas de comportamento e más-formações que podem ser
letais.

2.5 Intoxicações
Quadros de intoxicações são manifestações clássicas de EIM. O acúmulo de metabólitos
tóxicos pode ocorrer até as primeiras 72h após o nascimento. A intoxicação é uma
manifestação comum aos erros no metabolismo intermediário, e dentre as principais
doenças deste grupo estão as aminoacidopatias, acidemias orgânicas, defeitos no ciclo
da ureia, intolerância a carboidratos e intoxicação a metais. Os principais EIM desse
grupo serão abordados em detalhes mais adiante.

2.6 Deficiência de estado energético


São EIM que bloqueiam quaisquer vias fundamentais para a produção de energia do
organismo. Podem acometer proteínas e enzimas mitocondriais ou citoplasmáticas e o
quadro clínico mais comum é o aumento de lactato no plasma e no líquido raquidiano, como
ocorre em desordens no metabolismo do piruvato. Um dos EIM deste grupo é a acidose
láctica congênita, que leva a um acúmulo de lactato no organismo e alteração do pH do
sangue.
2.7 Distúrbios convulsivos
Os distúrbios convulsivos são indicativos de afecções neurológicas. Nos EIM, estão bastante
ligados a quadros de intoxicação e doenças que afetam o metabolismo intermediário. Muitas
vezes, são resultado da evolução de uma desordem não tratada, como ocorre com a
fenilcetonúria, mas também pode ser uma manifestação primária, como no caso de
aminoacidopatias, por exemplo.
Alguns EIM se manifestam somente na infância tardia ou adolescência e geralmente têm um
período assintomático seguido de uma evolução clínica rápida. As principais alterações
ocorrem por anormalidades faciais ou odores específicos. Os EIM que se manifestam
nessa fase podem acometer:
• sistema cardíaco, geralmente associado à insuficiência cardíaca causada por
cardiopatias;
• sistema gastrointestinal e fígado, com manifestações hepáticas diversas e diarreia;
• sistema nervoso central, com disfunções neurológicas, psiquiátricas ou perda de
funções neurocognitivas.

2.8 Diagnóstico de EIM


Alguns EIM se apresentam de forma bastante grave antes dos três anos de idade, com
sintomas neurológicos e hepáticos. Os sinais clínicos que levantem suspeita de EIM devem
ser investigados com urgência, muitas vezes por equipes multidisciplinares de centros
especializados.
O diagnóstico laboratorial de EIM depende de um painel de exames de urina e sangue,
que permitem avaliar o perfil metabólico do paciente. Podem ser solicitados desde exames
mais simples, como hemograma, glicemia, ácido úrico e colesterol, até exames mais
complexos, como triagem de EIM no sangue e urina, dosagem de ácidos orgânicos na urina,
ou lactato, piruvato e amônia no plasma.
A gasometria é considerada um exame essencial para iniciar uma investigação laboratorial
de EIM, pois muitas síndromes provocam um desequilíbrio ácido-base no organismo devido
ao acúmulo de metabólitos no sangue, resultando em acidose metabólica. Esse exame deve
ser associado à testagem de cetonas na urina, uma vez que a cetonúria no período neonatal
é quase sempre patológica (MARSHALL et al., 2016).
A glicemia também auxilia no diagnóstico de EIM, sendo um dos exames essenciais a serem
feitos, pois muitas síndromes apresentam quadros de hipoglicemia, principalmente aquelas
com distúrbio no metabolismo de glicose.
A investigação de amônia plasmática é essencial em crianças que apresentem
encefalopatia. O aumento nas concentrações de amônia pode não ser detectado no período
neonatal e geralmente está relacionado a distúrbios no ciclo da ureia ou de ácidos orgânicos.
A avaliação da função hepática também é essencial para investigação de EIM, uma vez que
o fígado é o principal órgão metabolizador do organismo. Esses testes devem avaliar as
concentrações de bilirrubina, aminotransferases, fosfatase alcalina e tempo de protrombina
(MARSHALL et al., 2016).
Além dos exames básicos, há ainda exames mais específicos que podem auxiliar a equipe
médica a fechar o diagnóstico do EIM do paciente. Esses exames estão listados no quadro a
seguir, identificados por tipo de amostra analisada, motivação do pedido do exame e
síndromes associadas às alterações encontradas. A maioria dos exames de diagnóstico de
substratos, toxinas ou compostos em plasma ou urina é feita geralmente por meio de
quantificação por método enzimático ou por técnicas de cromatografia líquida.

Quadro 1 - Exames de triagem para EIMFonte: Elaborado pela autora, baseado em FLEURY, 2020.
#PraCegoVer: a imagem apresenta um quadro que lista exames de diagnóstico
complementares para erros inatos do metabolismo, identificando em colunas distintas o
nome do exame, o tipo do material utilizado para a análise (sangue ou urina), a motivação do
pedido do exame e exemplos de algumas síndromes que podem apresentar alterações
nesses exames.

Cromatografia líquida é uma técnica usada para separar moléculas de diferentes cargas ou tamanho,
permitindo avaliar a composição de uma solução. É um processo automatizado que consiste em passar
uma solução por uma coluna preenchida por uma resina que vai fracionar a filtração do analito. Esse
fracionamento pode ser dependente de tamanho ou de carga, e a identificação do composto é feita por
meio de espectroscopia, gerando um cromatograma como resultado. Essas filtrações de líquidos são de
alta eficiência (cuja sigla em inglês é HPLC – High performance liquid chromatography). Há também a
possibilidade de realizar a cromatografia de gases, chamada cromatografia gasosa.

2.9 Erros inatos do metabolismo intermediário


Os erros inatos do metabolismo intermediário pertencem ao subgrupo II da categoria 2 dos
erros inatos do metabolismo e estão relacionados à deficiência na produção e utilização
da energia. Podem ocorrer na mitocôndria, no metabolismo da glicose ou na oxidação de
ácidos graxos (AGANA et al., 2018).
Esses EIM são responsáveis por quadros de intoxicação aguda ou crônica e têm relação com
a alimentação, apresentando períodos sintomáticos e assintomáticos. Neste grupo
enquadram-se: Aminoacidopatias, acidemias orgânicas, defeitos no ciclo da ureia e
intolerância aos açúcares.

2.10 Aminoacidopatias
Os aminoácidos são essenciais para a síntese de proteínas e auxiliam na manutenção
energética em quadros de jejum. Durante esse metabolismo energético dos aminoácidos,
intermediários tóxicos são produzidos e precisam ser neutralizados e eliminados. Distúrbios
no metabolismo de aminoácidos são raros, e o mais comum entre eles é a fenilcetonúria.
Os sintomas de intoxicação, como vômito e convulsões, podem aparecer tanto no período
neonatal como na fase adulta, estando geralmente associados a quadros de catabolismo
proteico. Além desses, a criança também pode apresentar hiperatividade, atrasos intelectuais
e no desenvolvimento. O quadro a seguir traz as três das principais aminoacidopatias
causadas por EIM.

Quadro 2 - Aminoacidopatias: causas e consequênciasFonte: Elaborado pela autora, baseado em


WASIM et al., 2018.
#PraCegoVer: a imagem apresenta um quadro que indica três das principais
aminoacidopatias causadas por EIM. Na primeira coluna da tabela estão descritas três
patologias; na segunda coluna, encontra-se a descrição das alterações genéticas que levam a
essa desordem; na terceira, há a descrição das consequências dessa patologia no organismo.

O diagnóstico é feito por meio da quantificação de aminoácidos na urina ou no plasma. Essas


detecções podem ser feitas por meio de ensaios químicos, enzimáticos ou por cromatografia
líquida de troca iônica.

2.11 Acidemias orgânicas


Os EIM que levam a um aumento na produção de ácidos orgânicos devem ser investigados
por meio de alterações no pH do sangue e da detecção de ácidos orgânicos na urina.
Esses distúrbios metabólicos são causados por mutações em enzimas que metabolizam
aminoácidos, carboidratos, bases nitrogenadas, colesterol e ácidos graxos, levando ao
acúmulo de metabólitos no sangue. Esses metabólitos podem ser quantificados para auxiliar
no diagnóstico da enzima mutada.
Os sintomas podem aparecer já nos primeiros dias de vida ou podem tardar a aparecer até
a fase adulta. As crianças e os neonatos podem apresentar vômitos, crescimento lento ou
prejudicado, hipoglicemia, hiperamonemia, hipotonia, letargia e convulsões. Podem
apresentar odores incomuns, além de cetose e acidose metabólica. Muitas patologias podem
ser diagnosticadas pela análise de ácidos orgânicos por meio de cromatografia gasosa.
Alguns EIM intermediário que levam ao aumento da produção de ácidos orgânicos estão
descritos no quadro que segue.

Quadro 3 - Acidemias orgânicas: Causas e consequênciasFonte: Elaborado pela autora, 2020.


#PraCegoVer: a imagem traz um quadro que indica três erros inatos do metabolismo que
levam à acidemias orgânicas. Na primeira coluna, estão descritas três patologias; na segunda
coluna, encontra-se a descrição das alterações genéticas que levam a essa desordem; na
terceira, há a descrição das consequências dessa patologia no organismo.
2.12 Defeitos no ciclo de ureia
São doenças metabólicas que afetam a remoção de ureia do organismo. A ureia é produto
do catabolismo de proteínas no fígado, e a ausência de enzimas que fazem parte deste ciclo
podem levar ao acúmulo de metabólitos tóxicos, como a amônia.
O acúmulo de amônia no sangue leva a desordens neurológicas e, por ser neurotóxica,
pode levar a danos e edemas cerebrais, letargia, anorexia, alterações respiratórias,
hipotermia e convulsões.
Mutações em quaisquer proteínas que participam do ciclo da ureia podem comprometer
a formação de ureia e levar ao acúmulo de metabólitos. O ciclo da ureia e suas
enzimas estão representados na figura a seguir.

Figura 6 - Ciclo da ureiaFonte: VectorMine, Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: a figura ilustra o ciclo da ureia. Na parte superior, estão ilustradas
mitocôndrias hepáticas, onde ocorrem o ciclo da ureia. Há um esquema ilustrando a
conjugação da amônia com dióxido de carbono, formando carbamoil-fosfato, que entra no
ciclo da ureia e sofre ação de diversas enzimas até ser reduzida arginina, que se liga a uma
molécula de água, forma a ureia, cai na corrente sanguínea e é filtrada pelos rins para ser
excretada na urina.

2.13 Intolerância a carboidratos


A intolerância a carboidratos (ou açúcares, os produtos finais dos carboidratos) são erros
inatos do metabolismo de carboidratos. São causados por mutações em enzimas que
participam da quebra dos carboidratos em monossacarídeos. Os principais monossacarídeos
do organismo são glicose, galactose e frutose. Ainda, há o glicogênio, usado como reserva
energética e armazenado nos hepatócitos. Quaisquer mutações em enzimas que participam
do metabolismo destas moléculas levam a acúmulo de metabólitos no organismo e
constituem um EIM intermediário.
Doenças que acometam a síntese ou a quebra de glicogênio são chamadas
de glicogenoses. São causadas por mutações em quaisquer enzimas que participem da
cadeia metabólica do glicogênio. Em pacientes não tratados, pode haver atraso cognitivo e no
crescimento. O tratamento consiste em alimentação frequente com pequenas porções de
carboidratos para evitar quadros de hipoglicemia.
A deficiência de enzimas metabolizadoras de galactose leva a quadros de galactosemia. A
galactose não catabolizada é reduzida ao álcool galactiol, que se acumula nos tecidos e pode
levar a quadros de hepatoesplenomegalia e disfunção cognitiva, e também passa a ser
excretado na urina. Esse álcool precipita as proteínas do cristalino e leva à catarata, além de
levar à falência ovariana prematura, reduzir a densidade óssea e ataxia.
A intolerância hereditária à frutose é outro EIM de carboidratos, que pode ser causada por
deficiência das enzimas aldolase B ou frutoquinase. A redução no metabolismo da frutose
leva a um aumento de excreção de frutose na urina e ao aparecimento de sintomas de
intoxicação, como vômito, náusea, agitação, sudorese, tremores e letargia.

2.14 Triagem neonatal biológica: o teste do pezinho


A triagem neonatal biológica, mais popularmente conhecida como teste do pezinho, é
capaz de identificar diversas doenças, dentre elas, erros inatos do metabolismo. É um exame
que usa uma gota de sangue extraída do calcanhar do bebê entre o terceiro e o quinto dia de
vida, para evitar falsos-negativos (antes de 72h) e/ou danos no sistema neurológico por
intoxicação (após cinco dias). No Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, o programa de
triagem neonatal foi empregado em 2001, oferecendo, gratuitamente, os testes diagnósticos
neonatal para fenilcetonúria (PKU), hipotireoidismo congênito (HC), Fibrose cística (FC) e
hemoglobinopatias e anemia falciforme (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). Em redes privadas, o
teste do pezinho ampliado engloba, além das doenças citadas acima, hiperplasia adrenal
congênita, galactosemia, deficiência de biotinidase, deficiência de glicose-6-fosfato
desidrogenase e toxoplasmose congênita.
A análise é feita por uma gota de sangue do pé do bebê coletada por papel filtro absorvente
específico para o teste. Confira o quadro a seguir, que traz informações sobre os EIM
analisados pelo teste, método de análise e valores de referência.

Quadro 4 - Triagem neonatal: SUS e ampliadaFonte: Elaborado pela autora, 2020.


#PraCegoVer: a imagem traz um quadro que possui quatro colunas, informando a patologia
analisada no teste de triagem neonatal, que molécula é analisada no teste, qual o método de
detecção usado no ensaio e os valores de referência para as análises.

Espectrometria de massas é uma técnica usada para a identificação de moléculas de acordo com sua
massa e carga. A molécula de interesse é ionizada por bombardeamento de elétrons, que pode levar à
fragmentação ou não de algumas amostras. Os fragmentos ionizados gerados são então submetidos a um
campo eletromagnético, separados de acordo com sua carga e detectados através de um mecanismo
eletro-multiplicador. Os espectros são disponibilizados como intensidade de sinal em função da relação
massa-carga da molécula, e os analitos podem ser identificados através de análises computacionais.

2.15 Caso clínico


Recém-nascido a termo, com 3,850 kg. No segundo dia pós-parto se alimentou normalmente
e não apresentava sinais de icterícia. No terceiro dia pós-parto, o peso do bebê caiu para
3,400 kg, mesmo com alimentação constante e produção abundante de leite materno. No
quarto dia pós-parto, a mãe notou que os olhos do bebê estavam um pouco amarelados, com
indício de icterícia, e o peso do bebê havia caído para 3,250 kg. A mãe também comentou que
o bebê vomitou logo após a amamentação. O pediatra desconfia de um erro inato do
metabolismo e pede alguns exames, suspeitando de uma intolerância ao leite materno. Qual
exame deve ser solicitado pelo pediatra e por quê? Quais as complicações para o recém-
nascido caso não haja uma intervenção médica para correção do problema?
• Resposta esperada
O recém-nascido aparenta ter uma intolerância severa ao leite, levando a quadros de intoxicação. O
médico deve suspeitar de galactosemia e solicitar a análise da atividade das enzimas catabolizadoras
de galactose. Caso a suspeita de diagnóstico seja positiva, o médico deve orientar a mãe sobre uma
dieta restrita e específica ao neonato, livre de leite e derivados, para evitar complicações. Caso o
problema não seja corrigido, o neonato corre o risco de morte por intoxicação. A longo prazo, por
exposições esporádicas, o consumo de leite e derivados pode refletir em catarata precoce, perda da
densidade óssea e perda ovariana precoce.

2.16 Dislipidemias: O desequilíbrio das gorduras do sangue


Dislipidemia é o nome dado ao desequilíbrio dos lipídios do organismo, popularmente
associado a alterações no colesterol e triglicerídeos. O colesterol, no entanto, pertence a
um dos grupos de lipídios do organismo, como mostra o quadro a seguir.
Quadro 5 - Principais classes de lipídios e suas funçõesFonte: Elaborado pela autora, baseado em
MARSHALL et al., 2016.
#PraCegoVer: a imagem apresenta um quadro listando, em duas colunas, as principais
classes de lipídios (colesterol, ácidos graxos, triglicerídeos, fosfolipídios, eicosanoides,
esfingolipídios e as vitaminas lipossolúveis), bem como suas funções.

2.17 Metabolismo de lipídios


A maioria dos triglicerídeos consumidos na dieta são quebrados
em monoglicerídeos durante a digestão, absorvidos pelo intestino e reestruturados
em triglicerídeos nas células epiteliais intestinais. De lá, caem na linfa e são dispersados em
micro-gotas revestidas de proteína chamadas de quilomicrons. O colesterol e os fosfolipídios
absorvidos também entram nos quilomicrons.
Os quilomícrons são partículas esferoides lipoproteicas formadas por lipídios,
fosfolipídios, colesterol e proteínas, responsáveis por transportar lipídios ingeridos na
dieta. A estrutura do quilomícron é mantida pela interação de fosfolipídios, cuja cadeia apolar
se volta para o interior da esfera, enquanto a porção polar permanece na face exterior junto
com apolipoproteínas, como a apolipoproteína B, que auxiliam no transporte de lipídios.
Os quilomícrons são removidos da corrente sanguínea ao passarem pelos capilares dos
tecidos adiposo ou hepático. Nesses tecidos, a enzima lipoproteína lipase hidrolisa os
triglicerídeos, gerando ácido graxo e glicerol. A gordura armazenada no tecido adiposo,
quando mobilizada para fornecer energia, precisa ser hidrolisada para voltar à circulação
sanguínea. Essas moléculas são transportadas pelo organismo ligadas à proteína albumina.
Os outros lipídios absorvidos pela dieta, como colesterol e fosfolipídios, após liberados dos
quilomicrons, permanecem no plasma ligados a lipoproteínas. Essas lipoproteínas são
complexos formados por fosfolipídios e proteínas assim como os quilomicrons. Existe uma
relação inversa entre a densidade das lipoproteínas e seus tamanhos. Quanto maior for a
partícula lipoproteica, maior é a quantidade interna de lipídios em seu interior,
reduzindo ainda mais a densidade do complexo lipoproteico. A figura que segue ilustra como
se organizam essas moléculas.
Figura 7 - Estrutura da lipoproteínaFonte: Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem ilustra a estrutura de uma lipoproteína, que é representada por uma
esfera composta por esferas menores na cor rosa (fosfolipídios) em seu exterior, cuja porção
lipídica, representada por filamentos, se voltam para a parte interior. Entre as esferas rosas,
fazendo parte da membrana externa, estão esferas de maior tamanho, azuladas,
representando apolipoproteínas B. Um corte, na esfera ilustra a composição de seu interior:
além das porções apolares dos fosfolipídios, há também, no centro dessa vesícula, moléculas
de triglicerídeos e colesterol.
Além dos quilomicrons, as outras lipoproteínas de interesse clínico são:

Lipoproteínas de densidade intermediária (IDL)

Lipoproteínas de baixa densidade (LDL)

Lipoproteínas de alta densidade (HDL)

Praticamente todas as lipoproteínas são formadas no fígado, assim como a maioria do


colesterol plasmático, fosfolipídios e triglicerídeos. A principal função das lipoproteínas
é transportar o conteúdo lipídico pelo sangue.
2.18 Triglicerídeos (TGL)
Os triglicerídeos (TGL) podem ser consumidos na dieta ou formados a partir da ingesta
de carboidratos no organismo, sendo utilizados como reserva energética. Para tal, os TGL
são hidrolisados em ácidos graxos e glicerol, que são transportados pelo sangue até os
tecidos de interesse, onde serão oxidados e fornecerão energia. O glicerol entra na via
glicolítica para fornecer energia, enquanto os ácidos graxos são levados para as
mitocôndrias pelo carreador carnitina, onde são degradados em acetil-CoA e oxidados para
gerar ATP. Os TGL podem ainda ser sintetizados a partir de carboidratos e proteínas.

2.19 Fosfolipídios
Os principais fosfolipídios são sintetizados por quase todas as células, e os principais tipos
encontrados no organismo são as lecitinas, cefalinas e esfingomielinas. Os fosfolipídios
sempre contêm pelo menos uma molécula de ácido graxo e um radical de ácido fosfórico.
Os fosfolipídios são essenciais para a formação de lipoproteínas, sendo o principal
constituinte dessas moléculas. Também estão presentes na bainha de mielina, nas fibras
nervosas. São doadores de fosfato em reações químicas que ocorrem no interior da célula e
participam da formação estrutural da célula.

2.20 Colesterol
O colesterol é um lipídio com núcleo esteroide, sintetizado a partir de diversas moléculas de
acetil-CoA. Pode ser obtido por meio da dieta (colesterol exógeno) e também pode ser
sintetizado pelo organismo (colesterol endógeno). Sua concentração plasmática é afetada
com a ingestão de alimentos com alto teor de colesterol: o consumo de gorduras saturadas
aumenta a deposição de gordura no fígado, provoca aumento na produção de acetil-CoA e
contribui pra um aumento de 15% a 25% de sua concentração no sangue. Já o consumo
de gorduras insaturadas reduz a concentração de colesterol no sangue.
O colesterol tem inúmeras funções no organismo, desde estrutural até hormonal. Ele é
utilizado para formar os hormônios esteroides: adrenocorticais, progesterona, estrógeno e
testosterona; Ele também está presente no estrato córneo da pele, em que junto com outros
lipídios confere impermeabilidade da pele a agentes hidrossolúveis. Ele também é essencial
para a manutenção da estrutura da membrana celular.

2.21 Avaliação clínica e laboratorial das dislipidemias


Dislipidemia é a concentração de gordura no sangue em níveis anormais. Em países
desenvolvidos, os casos de hiperlipidemia são mais comuns devido à dieta rica em gorduras,
carboidratos e pobre em vitaminas e sais, e são caracterizados por níveis altos de colesterol-
LDL e triglicerídeos e baixos índices de colesterol-HDL.
As dislipidemias são doenças silenciosas, sem sintomatologia específica. Podem estar
associadas à obesidade e sedentarismo, mas não é uma relação obrigatória, uma vez que
pessoas com índice de massa corpórea normal também podem ter aumento de gordura no
corpo devido a má alimentação, falta de exercícios ou mesmo condições pré-existentes e/ou
genéticas. A dislipidemia severa e não tratada aumenta o risco de doenças coronarianas e
ateroscleróticas.
O diagnóstico das dislipidemias é feito por exames de rotina, e elas podem ser classificadas
de acordo com as variações encontradas nos exames do paciente. São chamadas
de dislipidemias primárias aquelas cuja disfunção está relacionada à herança genética no
metabolismo de lipoproteínas, e hiperlipidemias adquiridas ou secundárias aquelas
resultantes de alterações no metabolismo de lipoproteínas devido a outras patologias ou
interação medicamentosa. Dentre as doenças ou condições que podem favorecer o
aparecimento de uma hiperlipidemia secundária, estão:
• diabetes mellitus;
• hipotireoidismo;
• síndrome nefrótica;
• doença renal crônica;
• doenças hepáticas;
• álcool e medicamentos, como anti-hipertensivos e corticosteroides.
A avaliação clínica das dislipidemias é feita por meio do exame de sangue do paciente, com
obrigatoriedade de jejum de 12 horas. O paciente também deve evitar a ingestão de álcool
até 72h antes do exame e atividade física vigorosa até 24h antes da coleta. Como os
quilomicrons e VLDL são partículas grandes o suficiente para dispersar a luz, amostras de
plasma ou soro de pacientes sem jejum adequado ou com hiperlipidemias significativas
podem se apresentar turvas e opacas.
Quadro 6 - Avaliação laboratorial do perfil lipídicoFonte: Elaborado pela autora, baseado em
XAVIER et al. (2013).
#PraCegoVer: a imagem ilustra um quadro dividido em três colunas: Na primeira coluna da
esquerda, estão identificados os exames para avaliação do perfil lipídico; na segunda coluna,
há uma breve explicação da motivação do exame; na terceira coluna, estão detalhados os
valores de referência para os exames, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia.

2.22 Principais métodos laboratoriais de diagnóstico das dislipidemias


Os exames de diagnóstico de colesterol e triglicérides geralmente são feitos por meio de
método enzimático-colorimétrico. O método enzimático para identificação de colesterol
utiliza a enzima colesterol oxidase (conhecido também como reação de Trinder), enquanto
o método colorimétrico, com o uso de ácido fosfotúngstico e cloreto de magnésio para
precipitação da molécula de interesse. Os métodos enzimáticos-colorimétricos geram
produtos que podem ser quantificados por absorbância em comprimentos de onda
específicos. Para esses testes, não é necessário separar as lipoproteínas por centrifugação.
A separação das lipoproteínas por densidade é feita por ultracentrifugação. Esse
processo consiste em utilizar centrífugas especiais que atingem velocidades de rotação tão
altas quanto 150.000 rpm. O ajuste de densidade das lipoproteínas é feito por meio da
adição de sais, como brometo de potássio e/ou brometo de sódio, e todo o ensaio pode levar
até cinco dias para isolar totalmente as frações lipoproteicas do soro. A eletroforese de
proteínas também pode ser utilizada como técnica analítica das frações de lipoproteínas.

2.23 Complicações relacionadas à dislipidemia


O aumento na quantidade de gorduras do sangue pode levar ao desenvolvimento
de diabetes mellitus do tipo 2, mas também está relacionado ao risco de desenvolvimento
de aterosclerose e problemas cardiovasculares.
A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica que leva o acúmulo de lipídios nas
paredes arteriais, provocado por lesões no endotélio de artérias de médio e grande calibre.
O início da formação da placa aterosclerótica se dá pela agressão ao endotélio
vascular causada por diversos fatores, entre eles dislipidemias, hipertensão arterial ou
tabagismo (XAVIER et al., 2013). Como consequência, a parede da artéria se torna mais
permeável ao acúmulo de lipoproteínas no espaço subendotelial. A progressão da
aterosclerose é lenta, mas oferece grande risco ao paciente, uma vez que pode resultar
oclusão do fluxo sanguíneo e/ou em rompimento do vaso, o que pode ser fatal dependendo
do grau da lesão, artéria afetada e comorbidades do paciente.

2.24 Aterosclerose
A aterosclerose é uma doença das artérias de médio e grande calibre causada pelo depósito
de placas de gordura na parede das artérias, chamadas de placas ateromatosas ou
ateroscleróticas, que levam a uma calcificação da parede do vaso, fazendo com que ele
perca sua elasticidade. É uma patologia assintomática que compromete o fluxo sanguíneo e
aumenta o risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
O processo de formação das placas ateroscleróticas é chamado de aterogênese. A
aterosclerose está associada ao desenvolvimento de um processo inflamatório nas células
endoteliais dos vasos causado por danos e lesões ao endotélio arterial. Com a lesão, o
endotélio aumenta a expressão de moléculas de adesão e diminui a liberação de substâncias
anti-adesivas, como o óxido nítrico, ficando mais susceptível ao acúmulo de monócitos e
lipoproteínas de baixa-densidade (LDL) nos locais lesionados. Os monócitos entram nas
paredes das artérias e, na túnica íntima, se diferenciam em macrófagos, que ingerem os
lipídios ali depositados e os oxidam, se transformando em células espumosas. Essas células
se agregam na parede da artéria e formam uma camada de gordura. Com o tempo, esta
camada de gordura cresce, aumenta e reduz o calibre das artérias, formando placas
ateroscleróticas cada vez maiores.
A formação de placas ateroscleróticas recruta mais macrófagos, que liberam substâncias
pró-inflamatórias no local e estimulam a proliferação de tecido muscular e fibroso na parede
arterial. Esse processo resulta em fibrose e em precipitação de cálcio, gerando calcificação
arterial e em enrijecimento das artérias. Com a perda da elasticidade e redução do lúmen
arterial, as artérias ateroscleróticas ficam mais susceptíveis à pressão sanguínea e podem se
romper facilmente. Ainda, o endotélio enrijecido torna-se mais resistente às células
sanguíneas e favorecem a formação de trombos e êmbolos, levando a um bloqueio total da
circulação sanguínea. A figura a seguir ilustra o comprometimento do calibre dos vasos
conforme a progressão da doença e o aumento das lesões.

Figura 8 - Progressão da ateroscleroseFonte: Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: a figura ilustra os quatro estágios da aterogênese. A primeira imagem ilustra
uma artéria com corte sagital, sem lesão endotelial e com o lúmen livre para a passagem do
sangue. A segunda imagem, chamada de estágio inicial da aterosclerose, tem uma artéria com
corte sagital e um início de acúmulo de células espumosas e gordura na parede inferior da
artéria. A terceira imagem, chamada de aterosclerose significativa, apresenta um
comprometimento do lúmen maior, com maior deposição de placas ateroscleróticas na
parede arterial. A última imagem, chamada de bloqueio total do vaso, ilustra uma artéria com
o lúmen completamente obstruído pela placa aterosclerótica, bloqueando a circulação
sanguínea.

A progressão da aterosclerose é lenta e assintomática, e muitos pacientes só descobrem o


comprometimento das artérias quando desenvolvem problemas cardíacos ou vasculares.
Alguns sintomas relacionados a complicações cardiovasculares, como dores nas pernas,
dores no peito, pressão no peito e respiração curta, dor, pressão ou sensação de aperto no
pescoço, costas, ombros e mandíbula e indigestão e queimação no peito podem indicar a
progressão da doença, mas não existem sinais ou sintomas específicos que permitam um
diagnóstico clínico da doença sem intervenção ambulatorial, como ocorre nos exames de
cateterismo cardíaco.
A idade avançada e a genética são fatores de risco para o desenvolvimento de aterosclerose,
porém, síndromes metabólicas como diabetes, dislipidemias e hipertensão, maus-hábitos
como consumo de gorduras trans e tabagismo e acúmulo de gordura abdominal também
têm grande influência no aparecimento da doença.
Assista aí

2.25 Casos clínicos


Um paciente de 58 anos chega ao pronto-atendimento relatando dores de cabeça há mais de
quatro dias, além de dores no peito. Esse paciente tem diagnóstico de hipertensão arterial e
diabetes mellitus tipo 2. O paciente é obeso, não controla a alimentação devido a DM2, é
tabagista e consome bebida alcóolica com frequência. A pressão arterial do paciente no
momento da consulta é de 175x110 mmHg. O médico solicitou um cateterismo cardíaco e
identificou placas ateroscleróticas nas artérias coronárias. Comente sobre o possível quadro
lipídio desse paciente e quais suas relações com a queixa do paciente ao dar entrada no
hospital.

3 Homocisteína e risco de doenças coronárias


A homocisteína é um aminoácido de origem não proteica, biossentetizado a partir da
remoção de um grupo metil (-CH3) do aminoácido metionina. O ciclo da homocisteína está
representado na figura a seguir. A homocisteína é um intermediário na via metionina-cisteína
e, junto com o ácido fólico, forma o aminoácido essencial cisteína. Quando as concentrações
de homocisteína diminuem, o organismo usa a homocisteína para originar mais metionina.

Figura 9 - Ciclo metionina-homocisteínaFonte: Elaborada pela autora, 2020.


#PraCegoVer: a imagem ilustra o ciclo metionina-homocisteína: a metionina obtida através
do fosfato é fosforilada, convertida em S-adenosil-metionina, recebe um grupamento metil
por meio de uma metiltransferase, que dá origem à S-Adenosil-homocisteína e,
posteriormente, à homocisteína. Essa homocisteína pode sofrer ação da vitamina B12 e de
uma metionina transferase e formar metionina novamente, ou sofrer ação da vitamina B6 e
formar cisteína.

A homocisteína tem importância clínica na investigação de deficiência de ácido fólico e


na homocistinúria, um EIM, e recentemente tem sido associada a um risco importante para
o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (ARNESON; BRICKELL, 2007).
O maior risco que a homocisteína oferece ao organismo é quando suas concentrações ficam
acima dos 15 mol/L (GANGULY; ALAM, 2015). As principais causas clínicas de
hiperhomocisteinemia são o polimorfismo no gene MTHFR e deficiências em vitaminas do
complexo B (folato, B6 e B12). O mecanismo pelo qual a alta concentração de homocisteína
no sangue aumenta o risco de doenças cardiovasculares ainda não é totalmente esclarecido,
mas se acredita que a hiperhomocisteinemia possa causar danos nas células endoteliais dos
vasos, favorecendo a formação de placas escleróticas e aumentando o risco o de desenvolver
doenças coronarianas.
A homocisteína ainda aumenta o risco de desenvolver quadros de trombose. O aumento de
homocisteína promove a adesão plaquetária nas células endoteliais e está relacionada a um
aumento dos níveis de fatores pró-trombóticos.
A quantificação de homocisteína pode ser feita por variadas técnicas, de acordo com a
escolha do laboratório, equipamentos disponíveis e padronização. Este aminoácido pode ser
quantificado através de método cinético-enzimático ou imunoquimioluminescência.

3.1 Casos clínicos


Uma gestante de 12 semanas deu entrada na maternidade com dores de cabeça, momento
em que se constatou que sua pressão arterial estava elevada (160x110 mmHg). Durante a
avaliação, ela comentou com o plantonista que tinha homozigose do gene MTHFR. O médico
solicitou uma quantificação de homocisteína e constatou um valor de 8,7 mol/L (desejável:
abaixo de 10 mol/L), prescrevendo início imediato do uso de anticoagulante até o termo da
gestação. Comente o motivo do médico ter tomado essa conduta terapêutica com base nos
valores de homocisteína

É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
conhecer o que são proteínas plasmáticas e como diagnosticá-las em laboratório;
aprender sobre a técnica de eletroforese de proteínas;
conhecer o que são erros inatos do metabolismo e qual a relação destas patologias com as alterações
laboratoriais;
compreender a importância do funcionamento correto do metabolismo para a homeostase do organismo;
conhecer a fundo o que são dislipidemias, quais são as lipoproteínas do corpo e como identifica-las;
explorar como as alterações nos níveis lipídicos do corpo contribuem para os riscos de doenças
cardiovasculares;
conhecer o que é aterosclerose e como se forma;
conhecer o aminoácido homocisteína e compreender sua importância clínica.
REFERÊNCIAS

AGANA, M. et al. Common metabolic disorder (inborn errors of metabolism) concerns in primary care
practice. Annals of Translational Medicine, [S. l.], v. 6, n. 24, dez. 2018.

ARNESON, W.; BRICKELL, J. (EDS.). Clinical chemistry: a laboratory perspective. Philadelphia: F.A. Davis Co, 2007.

CAMELIER, A. A. et al. Deficiência de alfa-1 antitripsina: diagnóstico e tratamento. Jornal Brasileiro de Pneumologia,
[S. l.], v. 34, n. 7, p. 514-527, jul. 2008.

GANGULY, P.; ALAM, S. F. Role of homocysteine in the development of cardiovascular disease. Nutrition Journal, [S.
l.], v. 14, 10 jan. 2015.

FLEURY. Exames laboratoriais para o diagnóstico de EIM: indicações e correlações clínicas. 2020. Disponível em:
https://www.fleury.com.br/medico/manuais-diagnosticos/erros-inatos-do-metabolismo/exames-laboratoriais.
Acesso em: 18 out. 2020.

JEANMONOD, R.; ASUKA, E.; JEANMONOD, D. Inborn Errors Of Metabolism. In: StatPearls. Treasure Island (FL):
StatPearls Publishing, 2020.

LEVITT, D. G.; LEVITT, M. D. Human serum albumin homeostasis: a new look at the roles of synthesis, catabolism,
renal and gastrointestinal excretion, and the clinical value of serum albumin measurements. International Journal
of General Medicine, [S. l.], v. 9, p. 229-255, 15 jul. 2016.

MARSHALL, W. et al. Bioquimica Clínica: aspectos clínicos e metabólicos. 3. ed. [S. l.]: Elsevier, 2016.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Triagem neonatal biológica: Manual técnico. 1. ed. Brasil: [S. a.].

SILVA, R. O. P.; LOPES, A. F.; DE FARIA, R. M. D. Eletroforese de Proteínas séricas: interpretação e correlação
clínica. Revista Médica de Minas Gerais, [S. l.], p. 116-122, 2008.

WASIM, M. et al. Aminoacidopathies: Prevalence, Etiology, Screening, and Treatment Options. Biochemical
Genetics, [S. l.], v. 56, n. 1-2, p. 7-21, abr. 2018.

XAVIER, H. T. et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira de Cardiologia, 2013. v. 101
UNIDADE 4
BIOQUÍMICA CLÍNICA
ENZIMOLOGIA CLÍNICA E CONTROLE DE QUALIDADE
LABORATORIAL

Heloísa Ciol

Você está na unidade Enzimologia clínica e controle de qualidade laboratorial. Conheça aqui as enzimas
mais utilizadas na clínica para avaliação de funções cardíaca, hepática e pancreática, compreendendo o
porquê de sua importância e relevância para tal avaliação. Compreenda como o organismo regula a
absorção e manutenção do ferro, entendendo a importância deste íon na manutenção da homeostasia. Por
fim, saiba o que é preciso para que os laboratórios mantenham a qualidade em seus exames e não
comprometam os resultados divulgados, por meio do estudo de técnicas e sistemas de controle de
qualidade adotados pelas empresas e instituições.
Bons estudos!

1 Enzimologia clínica
Enzimas são proteínas catalisadoras, responsáveis por controlar e direcionar reações
químicas no organismo, estando presentes em todos os tecidos. Essas enzimas são
específicas para coordenar suas ações celulares e, de forma geral, não estão presentes no
plasma sanguíneo, a não quer que haja algum dano no tecido que permita maior
permeabilidade ou extravasamento das enzimas para o líquido extracelular.
Devido a essa especificidade das enzimas com seus tecidos, é possível
identificar lesões ou alteração metabólica de diversos órgãos por meio da quantificação
das enzimas no sangue. Diversas patologias podem ser diagnosticadas por meio dessa
quantificação de enzimas, sendo possível avaliar as funções hepática, cardíaca, pancreáticas,
além de alterações musculares e ósseas.
Nesta unidade, vamos focar no estudo das funções do fígado, coração e pâncreas, e
compreender como a fisiologia destes órgãos se relaciona às patologias mais comuns que os
acometem e como enzimas específicas permitem traçar uma linha de diagnóstico e
tratamento para os pacientes.

1.1 Enzimas: o que são e como atuam


Para compreender como as enzimas são específicas e essenciais para alguns tecidos,
devemos compreender primeiro o que é a atividade enzimática e qual é a sua função no
organismo de forma geral.
As enzimas são moléculas facilitadoras capazes de direcionar e determinar padrões de
transformações químicas por possuírem grande especificidade e grande poder
catalítico com seus substratos, em seus sítios ativos (BERG et al., 2002). O poder catalítico
das enzimas se concentra em sua capacidade de estabilizar estados de transição de uma
molécula à outra, permitindo assim a formação de produtos corretos sem que haja o
consumo ou perda da enzima durante o processo, como ilustrado na figura a seguir.

Figura 1 - O poder catalítico das enzimasFonte: Designua, Shutterstock, 2020.


#PraCegoVer: a figura representa a ação de uma enzima sobre um substrato: A enzima é
representada por uma semilua em azul, com local para encaixe de dois substratos específicos,
representados como duas peças, vermelha e amarela. Uma segunda imagem mostra o
complexo formado entre a enzima e os substratos, com eles se encaixando no sítio ativo da
enzima. A terceira imagem mostra a enzima livre novamente após a reação e a formação de
um novo produto, representado por uma esfera laranja.

Assim como em reações químicas em geral, para que uma enzima seja capaz de catalisar uma
reação, são necessárias condições ideais de pH, concentração de enzima e substrato e
condições de tampão que favoreçam a reação química. Muitas enzimas, ainda, necessitam de
uma substância extra, chamada de cofator ou coenzima, para formarem o completarem a
reação. Esses cofatores, geralmente, são moléculas não proteicas ou íons metálicos que
auxiliam nas transformações bioquímicas de uma enzima. Os cofatores orgânicos são
normalmente chamados de coenzimas e derivam de vitaminas ou outros nutrientes.

2 Bioquímica clínica do sistema cardiovascular: função cardíaca


O sistema cardiovascular é composto pelo coração e pelos vasos sanguíneos (artérias,
arteríolas, veias, vênulas e capilares), mantendo-se em homeostase quando o sangue circula
livremente por seus espaços, permitindo a perfusão tecidual.
É graças ao sistema cardiovascular que tanto os nutrientes como proteínas plasmáticas,
hormônios e moléculas produzidas pelo corpo são transportadas de um local a outro. Esse
movimento é garantido pelo batimento cardíaco, que bombeia o sangue pelas artérias do
organismo, garantindo o suprimento sanguíneo.
2.1 Fisiologia do sistema cardiovascular
O principal órgão do sistema cardiovascular é o coração, composto por quatro cavidades: dois
átrios e dois ventrículos. O coração é um tecido muscular diferenciado, chamado de músculo
cardíaco, que contém fibras musculares excitáveis e capazes de conduzir impulsos elétricos.

Perfusão tecidual é a troca de líquidos e fluidos entre o sistema circulatório e os órgãos e


tecidos. Essa troca é feita geralmente por meio de sistemas capilares e permite tanto o
fornecimento de nutrientes e substratos para o metabolismo celular, quanto a remoção de
metabólitos e produtos de excreção. Uma perfusão pobre ou deficiente leva à isquemia, ou seja,
à falta de suprimento sanguíneo adequado a um órgão ou local.

Os eventos que acontecem a partir do início de um batimento cardíaco até o próximo


batimento são chamados de ciclo cardíaco. Esse ciclo se inicia por meio da geração
espontânea de um potencial de ação no nodo sinoatrial, que estimula o miocárdio atrial,
seguido do miocárdio ventricular, provocando a contração e relaxamento dos
compartimentos cardíacos e, assim, o bombeando o sangue pelo organismo.
O período de relaxamento do ciclo cardíaco é chamado de diástole, e é nele que o coração
se enche de sangue para, posteriormente, sofrer uma contração e bombear o sangue pelo
organismo – período chamado de sístole.

2.2 Doenças cardiovasculares (DCV)


As doenças cardiovasculares (DCV) englobam tanto as doenças do coração quanto dos
vasos sanguíneos. Os vasos mais comumente afetados pelas DCV são as artérias, que por
sua vez refletem em doenças coronarianas, cerebrovasculares e arteriais periféricas
(MARSHALL et al., 2016).
Segundo a Organização Mundial de Saúde, as doenças cardiovasculares são a principal
causa de morte no mundo, correspondendo a cerca de 31% do total (WHO, 2020). Os
principais fatores de risco para o desenvolvimento das DCV são hábitos
alimentares, sedentarismo e uso de tabaco e álcool. Esses hábitos podem causar ou se
somar a fatores pré-existentes, como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemias,
agravando ainda mais os riscos de acidentes vasculares.
A principal causa das doenças cardiovasculares é a aterosclerose. Os termos comumente
utilizados para designar DCV, como doença cardiovascular (coração), doença arterial
coronariana (artérias) e doença cerebrovascular (cérebro) são sinônimos de doença
aterosclerótica nos vasos dos locais afetados. Independentemente do local, a aterosclerose
leva à isquemia, podendo chegar a tal ponto de oclusão e redução do suprimento sanguíneo,
que pode ser fatal.

2.3 Sinais e sintomas de doenças cardiovasculares aguda


As doenças que acometem os vasos sanguíneos são assintomáticas. O alerta de que há um
problema sempre vem acompanhado de um quadro agudo como ataque cardíaco/infarto do
miocárdio ou um acidente vascular cerebral.
Os sintomas de um infarto do miocárdio incluem dor e desconforto no centro do peito,
braços, ombro esquerdo, costas ou estômago. A pessoa pode, ainda, apresentar dificuldade
em respirar, sensação de mal-estar e de desmaio e suar frio.
Os acidentes vasculares cerebrais, por sua vez, podem incluir sintomas como fraqueza
muscular, geralmente unilateral, amortecimento da face e membros, geralmente unilateral,
confusão mental, visual e dificuldade motora, acompanhada de dor de cabeça severa e perda
de inconsciência.

2.4 Infarto agudo do miocárdio


O suprimento sanguíneo do músculo cardíaco é proveniente de três artérias coronárias,
e não do sangue circulante pelas câmaras cardíacas. Placas ateroscleróticas podem reduzir o
fluxo sanguíneo por essas artérias, reduzindo o aporte de oxigênio ao tecido, causando uma
isquemia local. A isquemia pode levar a uma dor no peito chamada angina. Se o fluxo
sanguíneo parar completamente, o quadro pode resultar em morte celular, necrose
celular ou infarto agudo do miocárdio, popularmente conhecido como ataque cardíaco.
A lesão no miocárdio provoca a liberação de proteínas na corrente sanguínea. Essas
proteínas, ou enzimas, podem ser usadas para avaliação laboratorial do infarto do miocárdio.
O primeiro exame que um paciente cardíaco deve fazer ao ser admitido em um hospital com
suspeita de infarto agudo do miocárdio é um eletrocardiograma. Nesse exame, o médico
conseguirá identificar alterações nos pulsos elétricos do coração, arritmias ou disritmias,
comuns em caso de infarto. Em paralelo, deve-se solicitar a quantificação de enzimas para
acessar a função cardíaca.
Assista aí

2.5 Biomarcadores da função cardíaca


A evolução do quadro isquêmico no miocárdio é bastante rápida: em questão de segundos
após hipóxia, o metabolismo aeróbico dos miócitos para e a produção de energia passa a ser
pela via anaeróbica. Essa mudança provoca a saída de potássio do interior das células,
seguida da evasão de outros metabólitos, levando a uma diminuição do pH intracelular e
aumento nos níveis de cálcio dentro da célula. Algumas horas após a isquemia, a queda na
produção de ATP leva à morte celular do miócito por necrose, liberando macromoléculas no
líquido extracelular. Dentre estas moléculas, destacam-se: troponinas, creatinoquinase-
MB e mioglobina.

2.6 Troponinas cardíacas (cTn)


A descoberta da troponina cardíaca (cTn) como biomarcador de lesões agudas do
miocárdio se tornou um grande ganho no diagnóstico de síndromes coronarianas aguda. As
troponinas são um complexo de três proteínas regulatórias da contração dos músculos
estriados esquelético e cardíaco. No processo de necrose muscular, as subunidades
troponina I e T do complexo são liberadas na corrente sanguínea. Logo, aumento na porção
sérica de troponinas I (cTnI) e T (cTnT) indicam dano à fibra muscular. Uma vez liberadas na
corrente sanguínea, essas proteínas podem ser detectadas por até 14 dias após a lesão, o que
contribuiu para a investigação e diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.
O principal método de diagnóstico das troponinas em laboratório é
por imunoensaio associado à quimioluminescência. Com a evolução dos kits de
diagnóstico, surgiram opções de kits de detecção ultrassensíveis, para garantir maior
especificidade e sensibilidade do anticorpo à proteína durante a análise. Esses kits são
capazes de detectar valores ínfimos de troponinas no sangue, da ordem de ng/mL.
Embora as troponinas sejam um ótimo biomarcador das funções cardíacas, elas não devem
ser usadas como exame único para diagnóstico de síndrome coronariana aguda. Ainda,
qualquer tipo de lesão ao miocárdio pode levar a uma elevação sérica de troponinas, e nem
sempre a causa da lesão é obrigatoriamente um infarto do miocárdio. Inflamações, infecções,
endocardite, pericardite, drogas e outros causas também podem levar a um dano do
miocárdio, sem correlação com um quadro isquêmico agudo (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
CARDIOLOGIA, 2015).

2.7 Creatinoquinase-MB (CK-MB)


A creatinoquinase (CK) é uma enzima presente em diversos tipos celulares responsável por
converter creatina em adenosina difosfato (ATP) e fosfocreatina. Os tecidos musculares
são os que mais utilizam a creatina como substrato para reciclar o ATP. Ela pode ser
encontrada no citoplasma como uma cadeia polipeptídica composta por duas subunidades,
B e M, que, quando combinadas, permitem a formação de três complexos: CK-MM, CK-
MB e CK-BB. A expressão desses complexos varia conforme o tecido:

• CK-MM é encontrada basicamente em músculo esquelético;


• CK-MB é encontrada mais frequentemente no músculo cardíaco;
• CK-BB é encontrado no sistema nervoso central e nervos.

O infarto agudo do miocárdio pode ser detectado pela elevação nos níveis séricos de CK-
MB, uma vez que essas enzimas são liberadas no sangue quando há lesão nas células do
miocárdio. Diferentemente das troponinas, o tempo de vida da CK no sangue é curto, não
ultrapassando as 18h após o infarto. Logo, é um biomarcador que pode ser usado para
detectar lesões miocárdicas precoces, pois suas concentrações se elevam após cerca de 3
horas da lesão.
A detecção de CK-MB no sangue pode ser feita por meio da sua atividade ou
pela quantificação total de proteína no plasma. Ambas as abordagens utilizam métodos
imunológicos.

2.8 Mioglobina
A mioglobina é uma proteína ligadora de ferro e oxigênio encontrada nos músculos
estriados. Ela é utilizada como um marcador precoce da necrose do miocárdio, podendo ser
encontrada no sangue já cerca de 2h após a lesão.
Por ser uma proteína pequena, é uma das primeiras proteínas a extravasar para o líquido
extracelular no caso de uma lesão cardíaca. Também devido ao seu tamanho, é rapidamente
filtrada pelos rins e, por isso, seu tempo de detecção após a lesão é bastante reduzido, tendo
seu pico de concentração no sangue entre 6h e 9h após a lesão.
Por ser uma proteína encontrada em todas as células musculares, a mioglobina não tem
especificidade para o músculo cardíaco, mas somada a outros biomarcadores, pode
contribuir para a avaliação e diagnóstico de lesões cardíacas. Por ter um valor de referência
alto, ela pode contribuir para exclusão de suspeitas de infarto do miocárdio.
O diagnóstico dessa proteína pode ser feito por imunoensaio, mas os métodos de análise
por turbidimetria e nefelometria também são amplamente utilizados na prática clínica.
2.9 Biomarcadores que caíram em desuso
Alguns biomarcadores antes usados para acessar a função cardíaca caíram em desuso devido
à sua baixa especificidade e ao surgimento de marcadores mais específicos para avaliar
lesões miocárdicas.
Dentre esses marcadores estão a enzima aspartato aminotransferases (AST), também
conhecida como transaminase glutâmico oxalacética (TGO) e a enzima lactato
desidrogrenase (DHL), ou desidrogenase láctica total. A enzima AST não é mais utilizada
para avaliar as funções cardíacas por ser expressa e encontrada em diversos tecidos,
incluindo o tecido hepático, o que podia apresentar falsos-positivos ou falsos-negativos na
avaliação clínica de um paciente cardíaco. A DHL, da mesma forma, apresenta baixa
especificidade ao tecido cardíaco, tendo seu uso sido descontinuado na prática.

3 Bioquímica clínica do pâncreas: função pancreática


O pâncreas é um órgão de extrema importância no organismo, participando do controle e
homeostase e auxiliando na digestão, devido às suas porções endócrina e exócrina. A função
endócrina pancreática é responsável principalmente pelo controle de glicemia no
organismo, por meio da produção dos hormônios insulina e glucagon.
A porção exócrina do pâncreas, por sua vez, está voltada para a produção da secreção
pancreática nos ácinos pancreáticos, uma solução que contém diversas enzimas digestivas
e altas concentrações de bicarbonato de sódio. Essa secreção segue pelo ducto
pancreático até atingir o duodeno, onde é liberada para auxiliar na digestão alimentar.

3.1 A secreção pancreática


A secreção pancreática contém diversas enzimas digestivas para proteínas, carboidratos e
lipídios, além de um alto teor de bicarbonato de sódio, responsável por neutralizar a acidez
do quimo (quimo é o nome que se dá ao alimento que chegou ao duodeno após ser
parcialmente digerido no estômago).
As enzimas mais importantes produzidas pelo pâncreas são tripsina,
quimotripsina e carboxipolipeptidase. Tanto a tripsina quanto a quimotripsina são
responsáveis por quebrar as proteínas parcialmente digeridas em peptídeos ainda menores.
A carboxipolipeptidase, por sua vez, quebra tanto peptídeos em porções menores como
pequenos peptídeos em aminoácidos.
A amilase pancreática é uma enzima secretada capaz de digerir carboidratos. Essa enzima
hidrolisa amidos, glicogênio e outros carboidratos (exceto celulose), formando dissacarídeos
e trissacarídeos.
A digestão de gorduras e lipídios é feita pelas enzimas:
• lipase pancreática, responsável por hidrolisar as gorduras em ácidos graxos e
monoglicerídeos
• colesterol-esterase, que hidrolisa ésteres de colesterol
• fosfolipase, que quebra ácidos graxos em lipídios.

Hidrólise é uma reação química na qual uma molécula de água é um dos reagentes da equação
e se rompe para formar novos produtos. Na biologia, a hidrólise ocorre frequentemente em
reações que usam a água para quebrar grandes moléculas em produtos menores.
3.2 Função pancreática alterada: pancreatite
Lesões pancreáticas causadas por inflamações, infecções ou bloqueio de ductos podem
ocluir a secreção pancreática, fazendo-a acumular nos ductos pancreáticos, iniciando uma
lesão. Esse acúmulo pode ativar as enzimas pancreáticas, principalmente a tripsina, que passa
a digerir o tecido pancreático, resultando em pancreatite. As disfunções pancreáticas podem
ser causadas por pancreatites aguda, crônica, hereditária ou por câncer pancreático.

3.3 Pancreatite aguda


A pancreatite aguda é causada por uma inflamação do pâncreas, normalmente associada
a uma dor severa no abdômen superior. Junto com essa dor surgem sintomas como
náusea, vômitos, diarreia, inchaço e febre. A causa mais comum da pancreatite aguda
são cálculos biliares que ocluem os ductos, mas o consumo excessivo de álcool, traumas,
medicações, infecções, dislipidemias, disfunções hormonais e genética hereditária também
já foram relacionados com o aparecimento do quadro.

3.4 Pancreatite crônica


A pancreatite crônica é uma condição progressiva associada à destruição das células
acinares do pâncreas. Os sintomas iniciais são similares aos da pancreatite aguda, mas com
a evolução da doença, o paciente passa a apresentar perda de peso e quadro de desnutrição.
A evolução da pancreatite pode afetar também as ilhotas pancreáticas, responsáveis pela
produção hormonal, podendo iniciar um quadro de diabetes mellitus no paciente. A causa
mais comum da pancreatite crônica é o consumo de álcool, mas a doença também pode ser
causada por fibrose cística e outras condições hereditárias.

3.5 Pancreatite hereditária


A pancreatite também pode ser resultante de herança genética. Os episódios podem ser
recorrentes e evoluir para um quadro de pancreatite crônica, com sintomas similares aos já
descritos aqui. A pancreatite hereditária também está associada a um aumento do risco em
desenvolver câncer pancreático.
Os riscos de um paciente com predisposição genética a desenvolver quadros mais graves de
pancreatite se agravam com o consumo de álcool e tabaco, assim como uma dieta rica em
gorduras e proteínas. O ideal é que o paciente faça refeições menores mais vezes ao dia, para
evitar um estresse do tecido pancreático.

3.6 Câncer pancreático


O câncer de pâncreas é a quarta causa mais comum de mortes por câncer em homens, e
quinta em mulheres (ARNESON; BRICKELL, 2007). É um câncer de difícil diagnóstico precoce,
o que impacta na baixa eficiência de tratamentos por quimioterapia e radioterapia.
Os sintomas do câncer pancreático são bastante inespecíficos nos estágios iniciais e, muitas
vezes, o diagnóstico desse tipo de carcinoma é tardio porque está associado à apresentação
de sinais e sintomas.
Os tumores malignos do pâncreas ocorrem mais frequentemente na cabeça do órgão, no
ducto epitelial, causando obstrução do ducto biliar. Devido a isso, enzimas biliares como
fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase podem se apresentar elevadas nos exames
clínicos.

3.7 Biomarcadores da função pancreática


Os testes da função pancreática podem ser divididos em testes invasivos (ou diretos)
e testes indiretos.

3.8 Amilase pancreática


A amilase é uma das enzimas pancreáticas mais comumente avaliadas para avaliar a função
do órgão. É a enzima responsável pela digestão dos carboidratos, e seu aumento no sangue
pode indicar quadros de pancreatite aguda. A amilase total quantificada no exame clínico é
uma mistura da enzima produzida tanto no pâncreas (P-amilase) quanto na saliva (S-amilase).
Existem causas não pancreáticas que podem provocar o aumento da amilase, por isso, a alta
de amilase é um indicativo de doença pancreática, mas precisa ser analisada conjuntamente
com outras enzimas para o diagnóstico. Embora a alta concentração de amilase possa ter
relação com uma pancreatite, a baixa concentração dessa enzima também tem importância
clínica e pode indicar insuficiência pancreática, quadro comum na fibrose cística.
A quantificação da amilase sérica é geralmente feita pelo método colorimétrico. Ela pode
ser analisada no soro, urina e líquidos (duodenal, pleural e ascético) e não discrimina as
porções pancreática e não pancreática. A avaliação exclusiva das porções pancreática e salivar
é feita por meio do exame de amilase – isoenzimas, que também usa o método cinético
colorimétrico para diferenciar as frações.

3.9 Lipase pancreática


As lipases são enzimas que catalisam a hidrólise de ésteres de glicerol em ácidos
graxos de cadeia longa quando emulsionados pela bile. Elas podem ser encontradas na
corrente sanguínea algumas horas após o início do quadro de pancreatite. Sua especificidade
para a doença pancreática é maior que a da amilase, uma vez que a produção de lipase por
outros órgãos, como estomago, saliva e intestinos, é bem menor comparado ao pâncreas.
A quantificação da lipase é feita pelo método enzimático, que pode ser associado ao
método colorimétrico, à turbidimetria ou fluorimetria. A turbidimetria pode ser utilizada
porque a reação enzimática empregada avalia a hidrólise dos triglicerídeo provocada pela
lipase, resultando em ácidos graxos como produto da reação. Esses ácidos graxos podem
aumentar a turbidez do meio, permitindo uma quantificação indireta da lipase no soro
analisado.

A tripsina é uma enzima produzida exclusivamente no pâncreas, o que faria dela um ótimo
marcador de função pancreática. No entanto, ela é secretada na sua forma inativa, chamada
tripsinogênio, para evitar autodigestão até que atinja o lúmen intestinal. Ainda, quando a tripsina
ativa consegue entrar na corrente sanguínea, é prontamente inibida por alfa-proteínas inibidoras
de protease, o que inviabiliza sua quantificação por métodos tradicionalmente usados em
laboratório. A tripsina pode ser quantificada por meio de do tripsinogênio, um exame bastante
usado na triagem neonatal para fibrose cística.

3.10 Exames complementares


Alguns exames de rotina clínica podem auxiliar no diagnóstico de pancreatite aguda. Dentre
eles, destacam-se o bilirrubina, para averiguar possibilidade de doenças nas vias
biliares; glicose, cálcio e magnésio, para acessar a função renal e pancreática e até mesmo
busca de quadros inflamatórios e infecciosos por meio de hemograma completo e proteína
C reativa.
Além dos exames de sangue, é possível avaliar a função pancreática por meio de exames de
fezes. Nas fezes, a busca por lipídios e pela enzima elastase pancreática podem auxiliar na
avaliação clínica da função do pâncreas.
A elastase pancreática é uma enzima produzida pelas células acinares com função
de hidrolisar proteínas. Sua produção está atrelada à função do pâncreas, e uma redução
em concentração nas fezes pode indicar lesão do órgão. A busca por gordura nas fezes
(esteatorreia) também é um indicativo de mal funcionamento dos pâncreas, uma vez que as
gorduras passam a não ser absorvidas e/ou digeridas corretamente, acumulando-se nas
fezes.

4 Bioquímica clínica do fígado: função hepática


O fígado é o maior órgão do corpo humano. É responsável por desempenhar diferentes
funções, como:
• filtração e armazenamento de sangue;
• metabolismo de carboidratos, proteínas, lipídios, hormônios e moléculas
químicas;
• formação da bile;
• armazenamento de vitaminas e ferro;
• formação dos fatores da coagulação.
A porção funcional do fígado é o lóbulo hepático, uma estrutura que se organiza de forma
similar a um hexágono e que se arranja em torno da veia central. Esse lóbulo é composto por
placas celulares, canalículos biliares, ductos biliares e por um ramo da artéria hepática e da
veia porta. A figura que segue ilustra essa disposição dos tecidos.
Figura 2 - Histologia do lóbulo hepáticoFonte: Designua, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura da estrutura do lóbulo hepático mostra o desenho de um fígado em
marrom, com uma região em destaque e aumento para destacar o lóbulo hepático. O lóbulo
é representado por uma figura em hexágono, em três dimensões, onde ao centro há um
círculo em azul representando a veia central. Desse círculo saem conexões à veia porta, que
vão até a borda do hexágono. Paralelo a essas conexões estão ramos representando em
verde, indicando os ductos biliares e em vermelho, representando as artérias hepáticas. O
parênquima desse lóbulo é preenchido por células (hepatócitos).

O fígado é um órgão expansível, e essa maleabilidade lhe confere uma característica


de armazenamento. O sangue pode ser armazenado nos vasos sanguíneos que compõem o
fígado, principalmente quando há excesso de sangue no organismo. Esse sangue volta à
circulação quando há uma queda no volume.

4.1 Funções metabólicas do fígado


O fígado participa do metabolismo de moléculas orgânicas provenientes da alimentação e
armazena nutrientes para o organismo. Suas células possuem alta taxa de metabolismo e são
capazes de processar e sintetizar múltiplas substâncias para o funcionamento do organismo.
O quadro a seguir detalha as principais funções hepática no metabolismo de carboidratos,
lipídios e proteínas.
Tabela 1 - Funções metabólicas do fígadoFonte: Elaborado pela autora, baseado em GUYTON et
al., 2006.
#PraCegoVer: a imagem traz um quadro que apresenta as funções metabólicas do fígado
envolvendo carboidratos, lipídios e proteínas. A tabela se apresenta dividida em três colunas,
uma para cada biomolécula, nas quais estão listadas as principais funções hepáticas
relacionadas a elas.

Além da participação no metabolismo das moléculas listadas na tabela, o fígado também tem
grande importância no armazenamento de vitaminas A, D e B12. Também armazena ferro
na forma de ferritina, pois os hepatócitos contêm grandes quantidades de apoferritina, e
participa da formação de fatores de coagulação, como o fibrinogênio, protrombina e fator
VII da cascata de coagulação. O poder metabólico do fígado é de suma importância, também,
para remover ou excretar drogas, hormônios e outros compostos químicos.

4.2 Fígado e a bile


O desgaste dos eritrócitos, após cerca de 120 dias em circulação, resulta no rompimento
da célula e liberação da hemoglobina no sistema circulatório. Essa hemoglobina é
fagocitada por macrófagos presentes nos tecidos e separada em grupos globina e heme. O
grupo heme é um anel ordenado por um átomo de ferro, e durante seu metabolismo esse
anel é aberto e o ferro é liberado. O ferro livre é captado pelas transferrinas, enquanto o anel
aberto do grupo heme da origem à bilirrubina. A bilirrubina livre se liga à albumina sérica, e
esse complexo é removido da corrente sanguínea ao passar pelo fígado.
Os hepatócitos internalizam o complexo albumina-bilirrubina, separam as moléculas em seu
interior e excretam a bilirrubina por transporte ativo nos canalículos biliares. O excesso de
bilirrubina nos líquidos extracelulares leva ao acúmulo do pigmento, de cor amarelo-
esverdeada, nos tecidos, causando quadros de icterícia. Esse aumento pode ocorrer por
aumento na destruição de hemácias (icterícia hemolítica) ou obstrução dos ductos biliares
(icterícia obstrutiva).
4.3 Avaliação da função hepática
A avaliação da função hepática em um indivíduo não tem somente a finalidade de avaliar
se ele tem algum tipo de doença ou patologia no fígado, mas também permite observar se o
fígado foi afetado em caso de outras patologias ou intervenções terapêuticas.
As investigações podem partir de sinais, como o aparecimento de quadros de icterícia, ou
averiguação de enzimas hepáticas para avaliar o comprometimento metabólico e possível
intoxicação do fígado em um determinado quadro patológico.

4.4 Bilirrubina total


Um dos sinais do comprometimento hepático em qualquer situação ou patologia é o
aparecimento do quadro de icterícia. A icterícia é resultado do aumento de bilirrubina no
sangue, sendo também conhecida como hiperbilirrubinemia. Ela pode ser resultante de
quadros pré-hepáticos, hepáticos ou pós-hepáticos.
A hiperbilirrubinemia pré-hepática é causada pelo aumento de hemólise e degradação do
grupo heme. É um quadro encontrado em pacientes com anemia falciforme e outras doenças
hemolíticas. O aumento de bilirrubina hepático é geralmente consequência do
comprometimento hepático no transporte da bilirrubina para o interior dos hepatócitos, e
pode ocorrer em síndromes hereditárias, como a síndrome de Gilbert, em neonatos que
ainda não têm uma quantidade suficiente de enzima UDPG-transferase para internalizar a
bilirrubina, ou mesmo devido ao dano hepático causado por hepatite, cirrose e toxinas.
A hiperbilirrubinemia pós-hepática, por sua vez, é resultante de um defeito no transporte
da bilirrubina conjugada e da bile. Pode ser resultado de obstrução dos ductos biliares por
cálculos biliares ou nódulos.
A bilirrubina pode ser quantificada conjugada à albumina ou na sua forma livre, e a
distinção das duas formas é útil para a identificação e diferenciação dos quadros de
hiperbilirrubinemia. O método mais comumente utilizado para avaliar a bilirrubina no sangue
é o método enzimático colorimétrico. Esse método consegue separar as frações conjugada
e não conjugada por meio de reações químicas e permite avaliar suas concentrações com
precisão de até 25 mg/dL.

4.5 Fosfatase alcalina (ALP)


A fosfatase alcalina (ALP) hepática ainda não tem uma função completamente conhecida,
embora faça parte do grupo de enzimas que hidrolisam ésteres de fosfato quando em pH
alcalino (MARSHALL et al., 2016). É possível que a ALP esteja envolvida com o transporte de
ácidos biliares dentro da bile, pois sua atividade é maior quando há obstrução no trato biliar.
A fosfatase alcalina também pode ser encontrada aumentada em caso de doenças ósseas e
intestinal, e as isoenzimas podem ser diferenciadas por eletroforese. Identificar a isoenzima
pode auxiliar no diagnóstico da origem de sua produção. No entanto, na prática, os resultados
da ALP são comparados às quantificações de outras enzimas hepáticas para averiguar se o
seu aumento está relacionado ao fígado ou não.
Algumas características biofísicas e bioquímicas das isoenzimas de fosfatase alcalina, podem,
no entanto, auxiliar no diagnóstico diferencial entre elas. O quadro a seguirdetalha as
diferenças entre as isoenzimas hepática, óssea e intestinal.
Quadro 1 - Característica das isoenzimas de fosfatase alcalinaFonte: Elaborado pela autora,
baseado em ARNESON; BRICKELL, 2007.
#PraCegoVer: a imagem traz um quadro que detalha as características das isoenzimas de
fosatase alcalina hepática, óssea e intestinal, para variações na estabilidade térmica, ordem
eletroforética e inibição química.

4.6 Aminotransferases
As aminotransferases, também conhecidas como transaminases, catalisam a transferência
de um grupo amino de um -aminoácido para um -oxoácido. A quantificação dessas enzimas
indica rompimento dos hepatócitos, causado por lesão hepática aguda, mas não tem um
diagnóstico direcionado.
As aminotransferases são encontradas em diversos tecidos, e as mais analisadas para
avaliação do perfil clínico são a aspartato aminotransferases (AST) e alanina
aminotransferases (ALT). A AST é encontrada no fígado, coração, músculo esquelético, rins,
cérebro, eritrócitos e pulmão. A ALT também é encontrada nesses tecidos, mas sua atividade
é maior no tecido hepático. Logo, elevações nos níveis de ALT são indicativos de lesões no
tecido hepático. Ambas as transaminases podem ser quantificadas pelo método cinético-
enzimático.

As enzimas aspartato aminotransferases e alanina aminotransferases também são conhecidas


por transaminase glutâmico oxalacética (TGP) e transaminase glutâmico pirúvica
(TGO), respectivamente. Esses termos são sinônimos e também podem ser encontrados na
literatura.

4.7 Gama-glutamil transferase (GGT)


A gama glutamil transferase (GGT) é uma enzima responsável por transferir grupos
glutamil dos peptídeos gama-glutamil para outros peptídios ou aminoácidos. A GGT pode ser
encontrada em outros tecidos e, portanto, não tem total especificidade com o tecido hepático.
No entanto, está presente nos ductos biliares, e elevações em seus níveis em conjunto com
elevações na ALT podem sugerir disfunção hepática. O consumo de álcool de forma crônica
pode alterar as concentrações de GGT.
A GGT pode ser quantificada por fotometria em modo cinético, utilizando-se reagentes
específicos para a transferência de um grupo glutamil, gerando um produto cuja absorbância
pode ser lida a 405 nm.

4.8 Glutationa S-transferase


As isoenzimas de glutationa S-transferase participam do processo de detoxificação de
compostos com glutationa. A isoenzima GST- encontrada no plasma é de origem
praticamente hepática, podendo ser utilizada como um teste sensível e de alta especificidade
para o dano hepatocelular agudo. É um marcador de resposta rápida à lesão hepática, mas
pouco utilizado na prática clínica.

4.9 Desidrogenase lática (LDH)


A desidrogenase lática, ou lactato desidrogenase, é uma enzima presente em diversos
tecidos, dentre eles o fígado, que participa da conversão de lactato em piruvato. Sua elevação
sérica é inespecífica e precisa ser comparada a outros exames para identificar a fonte da lesão
tecidual.
Usualmente, a LDH também é determinada pelo método cinético, avaliando a capacidade de
conversão de piruvato em lactato. A reação gera uma molécula de NAD+, que pode ser
quantificada por absorbância na região UV.

4.10 Albumina
A albumina é sintetizada exclusivamente no fígado, e quadros de lesões hepáticas levam a
uma redução na produção dessa proteína. Quadros significativos de hipoalbuminemia
podem levantar suspeita de cirrose hepática ou doenças crônicas no fígado. No entanto, em
caso de síndrome nefrótica, a concentração sérica da albumina também pode se apresentar
diminuída devido à perda renal da proteína.
As concentrações de albumina podem indicar alguma relação com alteração da função
hepática, mas sua quantificação não é um teste padrão na prática clínica para avaliar a função
do fígado. A avaliação das enzimas hepáticas para acessar a função do fígado são muito mais
comuns.

5 Casos clínicos
Agora, analisaremos alguns casos clínicos.

5.1 Caso 1
Uma mulher de 65 anos chega ao pronto socorro com queixas de dores no peito, tonturas e
náuseas. Relata que a dor, intensa, iniciou há dois dias e vem piorando. Sente irradiações da
dor para o membro superior esquerdo e para a região dorsal. A paciente é hipertensa, obesa
e tem resistência insulínica.
Os exames clínicos mostraram que o pulso da paciente estava irregular. No
eletrocardiograma, foram encontradas alterações compatíveis com infarto do miocárdio. No
exame de sangue, os biomarcadores de função cardíaca troponina e CK-MB estavam
elevados.
• Interpretação
A paciente chegou ao pronto-socorro com um quadro compatível a um infarto do miocárdio. A dor intensa
se deve à hipóxia e falta de oxigenação no miocárdio, provocada provavelmente por uma oclusão arterial,
que deverá ser identificada e corrigida por meio de um cateterismo. A hipertensão, obesidade e a resistência
insulínica contribuem para o agravamento do quadro, uma vez que são fatores de risco para problemas
coronários. O pulso estava irregular e o eletrocardiograma estava alterado como consequência da isquemia
cardíaca. Os exames laboratoriais troponina e CK-MB indicam que houve lesão do tecido cardíaco, sugerindo
então um quadro de infarto do miocárdio

5.2 Caso 2
Uma mulher de 35 anos chega ao hospital com queixas de dores abdominais intensas que
tiveram início há 6h. Relata que desde o dia anterior apresenta um incômodo no abdômen,
que não sabia definir com exatidão, mas que hoje esse incômodo se intensificou com dores
na região do epigastro e mesogastro. A mulher relata que teve vômitos nas últimas 24h e tem
se sentido nauseada. Se automedicou, mas a dor não diminuiu. A paciente não apresenta
comorbidades, complicações ou histórico familiar semelhantes aos seus sintomas. Não
consome álcool.
No exame clínico, a paciente se apresenta pálida e com sudorese, com mucosas hipocrômicas
e sem alterações cardiovasculares. O abdômen é doloroso à palpação. Nos exames
laboratoriais, há alterações evidentes nas enzimas pancreáticas amilase e lipase.
• Interpretação
O quadro da paciente, relatando um desconforto crescente e uma dor aguda súbita na região epigástrica, é
um indicativo de pancreatite aguda. A pancreatite pode se iniciar como consequência da oclusão dos ductos
biliares por litíase (cálculos) biliar. Os exames de palpação e os sinais da paciente sugerem que a dor possa
ser de origem pancreática. Os exames laboratoriais confirmam uma pancreatite aguda, mas sozinhos não
são o suficiente para concluir a origem da inflamação. É indicado que a paciente faça alguns exames de
imagem (ultrassonografias e tomografia computadorizada de abdômen) para avaliar os ductos e a vesícula
biliar.

5.3 Caso 3
Um senhor, de 68 anos, foi admitido em um hospital apresentando quadro de confusão
mental, agitação, icterícia e ascite significativa. Também apresentava um quadro de
desconforto respiratório. Faz consumo considerável de álcool diariamente. As principais
hipóteses diagnósticas são cirrose hepática ou hepatite crônica.
Dentre todos os exames realizados nesse senhor, uma drenagem na cavidade abdominal
retirou mais de quatro litros de líquido ascético. Os exames laboratoriais indicaram aumento
de TGO e TGP, aumento de bilirrubina direta, aumento ureia e amônia. Os exames de
creatinina também se encontravam alterados.
• Interpretação
O paciente apresenta um quadro indicativo de comprometimento das funções hepáticas, muito
possivelmente causado pelo consumo de álcool diário. O quadro de icterícia é um indicativo do
comprometimento hepático, uma vez que a bilirrubina deveria ser excretada pelo fígado. A confusão mental
está relacionada ao aumento de amônia e creatinina no sangue. Essas toxinas ultrapassam a barreira
hematoencefálica e interferem com a neurotransmissão. O desconforto respiratório é decorrente da pressão
exercida pelo líquido ascítico no abdômen, que estava comprimindo o diafragma e dificultando a respiração.
As alterações em ureia, amônia e creatinina indicam um comprometimento renal. Isso pode ocorrer devido
à diminuição do volume de plasma circulante, uma vez que o paciente perdeu bastante líquido para o
extravasamento para a cavidade abdominal.

6 Metabolismo do ferro e porfirinas


O ferro é um mineral de grande importância no organismo. Ele é essencial para a formação
de hemoglobina e o transporte de gases pelo corpo, mas também faz parte da constituição
de proteínas, como mioglobina, citocromos, peroxidases e catalases.
De todo o ferro no organismo, cerca de 65% encontra-se na forma de hemoglobina, 4% na
forma de mioglobina, 1% na forma de vários compostos derivados do grupo heme. Cerca
de 15% a 30% se encontram armazenado no sistema reticuloendotelial e no parênquima
hepático, principalmente na forma de ferritina.

6.1 Transporte e armazenamento de ferro


O metabolismo do ferro começa no intestino delgado, quando a mucosa intestinal o absorve
da dieta e o internaliza. O ferro proveniente da dieta pode entrar no organismo como ferro
férrico (Fe3+) e ferro ferroso (Fe2+), no entanto, somente o ferro ferroso consegue ser
utilizado pelo organismo para formação de proteínas. Uma enzima secretada pelas células do
duodeno, chamada citocromo b redutase, converte o ferro Fe3+ em Fe2+ para que ele possa
ser absorvido pela proteína transportadora de metal divalente (DMT-1), como mostra a figura
a seguir.

Figura 3 - Absorção de ferro no duodenoFonte: Elaborada pela autora, baseada em VikiVector,


Shutterstock, 2020; GROTTO, 2010b.
#PraCegoVer: a figura ilustra a conversão de ferro férrico (Fe3+) em ferro ferroso (Fe2+) no
lúmen duodenal, para que o Fe2+ possa ser absorvido pela proteína transportadora de metal
divalente (DMT-1). Dentro da célula, o ferro se junta à apoferritina e forma a ferritina. Em
paralelo, o ferro proveniente do grupo heme, também representado na imagem, entra na
célula através da enzima HCP-1, tem o ferro separado de sua estrutura e também da origem
à ferritina.
No plasma, o ferro combina com a betaglobulina apotransferrina, gerando a transferrina. A
ligação do ferro à transferrina é fraca, permitindo que ele seja liberado em qualquer tecido
do corpo.
O ferro em excesso é armazenado no organismo principalmente dentro dos hepatócitos, e
em menor quantidade, nos reticulócitos. No citoplasma, o ferro combina com a proteína
apoferritina, formando a ferritina. A ferritina pode combinar com vários radicais de ferro ao
mesmo tempo, e é ligado a esta proteína que o ferro fica armazenado no organismo,
principalmente no tecido hepático. O ferro armazenado também pode ser encontrado em
sua forma insolúvel, chamada de hemossiderina, que se torna uma via de armazenamento
quando a via da apoferritina já se encontra saturada.
Se a concentração de ferro no plasma baixar, o organismo pode usar o estoque de ferritina
do corpo e disponibilizar o ferro para o organismo. Esse ferro se liga à transferrina e cai na
corrente sanguínea para ser utilizado onde for necessário.
Quando as hemácias se tornam velhas e cumprem cerca de 120 dias na corrente sanguínea,
elas são destruídas e a hemoglobina é liberada na corrente sanguínea. Essa hemoglobina é
fagocitada pelos macrófagos e o ferro é liberado, para então ser armazenado na forma de
ferritina até ser requisitado para a formação de novas moléculas de hemoglobina.

6.2 Síntese de hemoglobina


A síntese da hemoglobina tem início na medula óssea, nos proeritroblastos, e continua
até que os reticulócitos caiam na corrente sanguínea e continuem sua maturação até se
diferenciarem em eritrócitos.
A hemoglobina é sintetizada em duas partes: o grupo heme, nas mitocôndrias, que irá se
conjugar ao ferro, e a porção proteica – a globina – sintetizada pelos ribossomos no citosol.
A produção da porção proteica ocorre por meio da transcrição gênica e tradução em
proteínas, enquanto o grupo heme depende da síntese de um grupamento pirrólico, que se
conjuga ao ferro internalizado pelas células para formar o grupo heme nas mitocôndrias.
O ferro chega aos eritroblastos por uma ligação específica da transferrina a receptores de
membrana. Uma vez ligada ao receptor, a transferrina libera o ferro no citosol e este vai
diretamente para as mitocôndrias, participar da síntese do grupo heme.
A síntese do grupo heme da hemoglobina ocorre nas mitocôndrias e tem início com a
formação de um grupo pirrólico, que dá origem à protoporfirina IX. Essa molécula se liga ao
ferro e da origem ao grupo heme, que, uma vez conjugado às globinas, forma a cadeia alfa
ou beta de hemoglobina. A combinação de duas cadeias alfa e duas betas da origem à
hemoglobina. A próxima figura ilustra a síntese do grupo heme e a formação da hemoglobina.
Figura 4 - Síntese da hemoglobinaFonte: Elaborada pela autora, adaptado de Anastasiya
Litvinenka, Shutterstock, 2020; Designua, Shuttestock, 2020; GUYTON et al., 2006.
#PraCegoVer: a imagem mostra a formação da proteína hemoglobina e a formação do grupo
heme. Do lado direito da imagem, há blocos indicando os precursores da formação do grupo
pirrol. Abaixo, um esquema indica que quatro grupos pirrol são necessários para formar uma
molécula de protoporfirina IX. Abaixo, a ilustração mostra que a conjugação da protoporfirina
IX a um ferro dá origem à molécula heme. Essa molécula está conjugada às globinas que
compõem a hemoglobina, no interior da estrutura.

Cada cadeia de hemoglobina possui um grupamento heme, que contém uma molécula de
ferro, e como há quatro cadeias de hemoglobina em cada molécula de hemoglobina, há
quatro átomos de ferro por molécula de hemoglobina, que podem se ligar fracamente a uma
molécula de oxigênio.
Assista aí
6.3 Anemias
Quando há deficiência de hemoglobina no sangue, o quadro recebe o nome de anemia. A
anemia pode ser causada tanto pela queda no número de hemácias no organismo ou pela
falta de hemoglobina nessas células.
A anemia por perda de sangue pode surgir após um quadro de hemorragia. O organismo
consegue repor a porção líquida do plasma em cerca de um a três dias, mas o suprimento de
células vermelha volta ao normal somente após cerca de três a seis semanas. Se a perda for
muito acentuada (crônica), a pessoa pode apresentar dificuldades na absorção do ferro
proveniente da dieta e passar a ter hemácias pequenas e com pouca hemoglobina circulando
no sangue, quadro conhecido como anemia microcítica hipocrômica.
A produção de hemácias também pode ser prejudicada por mal funcionamento da medula
óssea. Esses casos podem acontecer por exposição a radiações ou intoxicações químicas,
levando a não produção ou produção deficiente de eritrócitos. Essa anemia é chamada
de anemia aplástica e pode ser fatal.
As vitaminas B12 e ácido fólico, em conjunto com o fator intrínseco produzido na mucosa
estomacal, são essenciais para a formação de novos eritrócitos. Quedas nos níveis dessas
moléculas podem retardar a reprodução de eritroblastos, fazendo com que as células
vermelhas cresçam além do tamanho ideal e deem origem à anemia megaloblástica. Caso
a pessoa perca a mucosa estomacal responsável por produzir o fator intrínseco, a anemia
recebe o nome de anemia perniciosa.
Outro tipo de anemia bastante conhecido é a anemia hemolítica. Nesse tipo de anemia, as
células vermelhas do sangue se apresentam deficientes, geralmente por heranças genéticas,
e se tornam muito frágeis, podendo romper facilmente ao passar por capilares,
principalmente no baço. Esse tipo de anemia não afeta a produção de hemácias, mas reduz
consideravelmente seu tempo de vida. Os três principais tipos de anemia hemolítica na
prática clínica estão listados no quadro a seguir.

Quadro 2 – Tipos de anemia hemolíticaFonte: Elaborado pela autora, baseado em GUYTON et al.,
2006.
#PraCegoVer: a imagem traz um quadro detalhando os três principais tipos de anemia
hemolítica que podem ser encontrados na prática clínica. Está dividido em três colunas: uma
para esferocitose hereditária e as outras para anemia falciforme e eristroblastose fetal.

6.4 Manifestações clínicas das anemias


A queda nas concentrações de hemácias e hemoglobina no sangue geram efeitos
sistêmicos, uma vez que a viscosidade do sangue depende da concentração das células no
plasma. Em quadros de anemia severa, a viscosidade do sangue pode cair
consideravelmente, reduzindo também a resistência dos vasos periféricas ao fluxo
sanguíneo, o que afeta diretamente o fluxo cardíaco. Ainda, a redução de hemoglobina
disponível gera quadros de hipóxia, que ativam mecanismos compensatórios sistêmicos.
As principais manifestações da anemia ocorrem no sistema respiratório e cardíaco como
tentativa de compensar a hipóxia nos tecidos. Há aumento do débito cardíaco (volume de
sangue bombeado por minuto), redução na resistência vascular, redistribuição do fluxo
sanguíneo nos tecidos e diminuição da afinidade da hemoglobina por oxigênio (ZAGO, 2001).
O resultado das alterações provocadas pela anemia são sinais como palidez, taquicardia,
sopros no coração, dispneia de esforço e alterações na pressão arterial.

6.5 Desequilíbrios do ferro


Os desequilíbrios de ferro no organismo também podem levar a quadros de interesse
clínico. Tanto a deficiência quanto o excesso de ferro podem resultar em sintomas e quadros
de importância clínica para a manutenção da saúde da pessoa. Os quadros mais comuns de
desequilíbrios são os de deficiência, mas o excesso de ferro no organismo também possui
relevância clínica.

6.6 Deficiência de ferro


A deficiência de ferro no organismo gera um quadro de anemia ferropriva, que pode ser
resultado da perda abundante de sangue, dieta insuficiente ou problemas na absorção de
ferro no trato intestinal, sendo a dieta a fonte mais comum desta deficiência.
O ferro mais facilmente absorvido na dieta é o chamado ferro-heme, ligado a um
grupamento heme, encontrado não somente na hemoglobina, mas também em outras
proteínas como a mioglobina e os citocromos. Os alimentos ricos em ferro que podem ser
adicionados à dieta são ovos, carnes e vegetais de folhas escuras.
A deficiência de ferro por perda de sangue pode ocorrer não somente nos quadros de
hemorragia intensa, mas também estar relacionada a quadros de menorragia ou fluxo
menstrual intenso e sangramentos gastrointestinais, causados por medicamentos e algumas
síndromes.
A má absorção de ferro é a causa menos comum da anemia ferropriva. Quando detectada,
pode indicar algumas doenças do trato gastrointestinal, como doença celíaca. Também tem
sido muito associada à pacientes que passam por cirurgia bariátrica, uma vez que a acidez
produzida pelo estômago é essencial para favorecer a absorção do ferro no duodeno.

6.7 Excesso de ferro


O excesso de ferro também possui uma importância clínica, e é um quadro chamado
de hemocromatose. A causa do excesso pode ser primária, quando decorrente de herança
genética, ou secundária, quando adquirida ao longo da vida.
As causas secundárias podem ser decorrentes de hemólise, múltiplas e frequentes
transfusões de sangue, excesso na suplementação ou consumo de ferro ou como
consequências de quadros patológicos, como cirrose hepática, por exemplo.
Os sintomas iniciais da hemocromatose incluem fadiga e cansaço extremo, perda de peso,
dores pelo corpo e nas articulações, períodos menstruais irregulares ou ausentes. Com a
cronicidade da doença, os sintomas passam a incluir perda de libido, escurecimento da pele,
dor e inchaço abdominal, icterícia e arritmia.

6.8 Diagnóstico e avaliação laboratorial do metabolismo do ferro


As avaliações dos índices de ferro e capacidade de seu metabolismo no paciente são feitas
por meio de exames laboratoriais. Os exames podem avaliar o compartimento funcional
(produção de hemácias e eritropoese), o compartimento de transporte (proteínas de
transporte) e o compartimento de estoque (medula óssea e ferritina) (GROTTO, 2010ª).

6.9 Avaliação do compartimento funcional


O compartimento funcional pode ser avaliado através do hemograma, avaliando-se as
dosagens de hemoglobina e índices hematimétricos. A microcitose e hipocromia são os
principais sinais de anemia. A distribuição da largura dos eritrócitos (RDW, red cell
distribution width) pode auxiliar no diagnóstico, pois no caso de anemia ferropriva, as células
vermelhas apresentam aumento na variação de tamanho (anisocitose elevada).
Outras alterações que podem ser encontradas no hemograma e indicar um quadro
de anemia ferropriva são alterações na contagem de leucócitos, que pode se apresentar
levemente reduzida.
O esfregaço sanguíneo pode fornecer informações importantes na deficiência de formação
de hemoglobina, por meio da análise microscópica das hemácias do paciente. Por meio
dessa técnica, é possível também excluir outras causas de anemia.
A zincoprotoporfirina (ZPP) eritrocitária é uma forma de quantificar a deficiência de
ferro, pois na sua ausência, a protoporfirina livre se liga a íons zinco, formando o ZPP em vez
da protoporfirina IX. Apesar de ser um exame simples e bastante específico, a técnica para a
quantificação de ZPP nas amostras ainda não foi totalmente automatizada.
A determinação de ferro sérico também auxilia no diagnóstico de anemias e distúrbios no
metabolismo do ferro, que é transportado pela transferrina no sangue. Para o exame, o ferro
precisa ser separado da proteína de transporte pela adição de um ácido.
Um bom indicador do estado do ferro funcional que tem sido adotado na prática clínica é
o receptor solúvel de transferrina (sTfR). A expressão desse receptor é dependente das
concentrações de ferro teciduais, e quando há uma queda nas concentrações de ferro, a
quantidade de sTfR se eleva. Esse exame também permite identificar casos de anemia
aplástica, onde os índices de sTfR se encontram bastante reduzidos.

6.10 Avaliação do compartimento de transporte


O transporte do ferro é feito pela transferrina sérica, que pode ser quantificada para
quantificação indireta de ferro no organismo. A transferrina circulante, no entanto, é
avaliada pela capacidade total de ligação do ferro à transferrina (TIBC), que quantifica a
transferrina de forma indireta por meio de um ensaio com adição de ferro ao plasma do
paciente. A TIBC pode se apresentar elevada na anemia ferropriva, mas pode se encontrar
reduzida em casos de processos inflamatórios e hemocromatose.

6.11 Avaliação do compartimento de estoque


A avaliação do ferro no sangue mais comum é a quantificação por ferritina sérica.
A ferritina é a forma de armazenamento do ferro e pode ser encontrada no sangue
somente em pequenas quantidades, uma vez que o ferro fica armazenado no fígado,
principalmente, e no baço. A ferritina circulante não está ligada ao ferro, mas há uma relação
intrínseca entre a quantidade de ferritina circulante e a quantidade de ferro armazenada no
compartimento de estoque: para cada 1 g/Ml de ferritina encontrada no sangue, há cerca de
8 a 10 mg de ferro em estoque em um indivíduo adulto (GROTTO, 2010). A ferritina se
encontra- diminuída em casos de deficiência de ferro.
Assista aí

7 Controle de qualidade em bioquímica


O controle de qualidade de uma empresa é a soma de ações que garantem que os serviços
e produtos oferecidos atendam aos padrões de qualidade, melhorando a precisão e
a exatidão dos laudos laboratoriais.
A garantia de qualidade fornecida pela empresa se estende desde os processos pré-
analíticos, passando pela fase analítica e englobando os processos pós-analíticos. Esse
controle visa fornecer um produto que agrade o cliente e atenda às suas necessidades.
De fato, a qualidade deve ser definida de acordo com as expectativas do cliente a respeito do
produto oferecido pela empresa. Em um laboratório clínico, o foco deve ser sobre seus
usuários, que englobam não somente os pacientes que o frequentam, mas também os
médicos que solicitam exames e empresas parceiras e prestadoras de serviços, oferecendo
estrutura e serviços que atendam suas necessidades e conveniência.
Um laboratório deve contar com um sistema de controle de qualidade interno e externo.

A implementação de um sistema de qualidade depende de alguns requisitos ao laboratório:


• infraestrutura adequada;
• profissionais treinados e capacitados por meio de programas de treinamento;
• calibração e manutenção constantes de instrumentos;
• uso de reagentes químicos de boa qualidade para os serviços oferecidos;
• métodos de análise atualizados e padronizados;
• higienização correta do material laboratorial;
• coleta padronizada;
• documentação do sistema de qualidade implementado.
Junto com o sistema de qualidade, deve caminhar uma gestão de qualidade para determinar
as regras da equipe e disponibilizar os recursos necessários para tal. A coordenação das ações
é essencial para manter a organização, elaborar indicadores e metas, definindo de forma clara
quais são as responsabilidades do grupo. Dessa forma, a gestão de qualidade deve
implementar:
• um planejamento de qualidade;
• medidas de controle de qualidade;
• garantia de qualidade;
• manutenção da qualidade proposta;
• melhorias constantes no setor.

7.1 Padronização de exames e processos


As fases de análise de um exame podem somar erros que, ao final, comprometem a
qualidade do resultado oferecido pela instituição. Para evitar que esses erros se acumulem
ao longo do processo, é necessário adotar padrões de qualidade desde a etapa pré-
analítica. Essa padronização tem como objetivo não só prevenir erros, mas também detectá-
los na linha de produção e corrigir o mais rapidamente possível, por meio de vias de ações
determinada pela gestão de qualidade da empresa (LOPES, 2003).
Todas as normas e condutas adotadas no laboratório devem ser documentadas e estarem
disponíveis para todos os profissionais. Essas condutas devem instruir o trabalhador em
como executar suas funções, por de dois documentos de suma importância:
• Instrução de trabalho (IT): um documento que contém de forma clara e detalhada
como uma função deve ser executada;
• Procedimento operacional padrão (POP): um documento descrevendo passo a
passo as instruções da instituição, para garantir eficiência, qualidade e uniformidade
nos resultados.

7.2 Padronização dos processos pré-analíticos


Muitos fatores que pertencem aos processos pré-analíticos fogem ao controle do laboratório,
pois podem ocorrer fora das dependências da instituição. Quando pensamos em exames
clínicos, um exemplo muito comum é a preparação incorreta para a coleta de
sangue (jejum por tempo incorreto, consumo de alimentos ou medicamentos que podem
interferir na análise etc).
Dentro da dependência do laboratório, no entanto, a padronização de conduta e trabalho
deve ser implementada justamente para evitar erros que possam comprometer os resultados
dos exames. Os principais fatores que podem contribuir para erros na fase pré-
analítica são:
• requisição médica ilegível;
• identificação do paciente;
• recomendações e preparação do paciente;
• coleta da amostra:
» contaminação;
» seleção de tubos inadequadas;
» descuido com as amostras (volume incorreto, coleta inadequada);
» troca de material;
» identificação incorreta.

Todas as informações de conduta da instituição para padronizar e minimizar os erros na fase


pré-analítica devem estar descritas na instrução de trabalho da empresa.
7.3 Padronização dos processos analíticos
Os processos analíticos englobam a fase de análise dos exames, estando sujeitos a
diversos erros de qualidade caso não haja uma gestão rigorosa com instruções claras sobre
a conduta dos profissionais.
A escolha do método analítico a ser usado em um laboratório deve levar em conta
a confiabilidade do equipamento e métodos adotados e a praticidade que eles trarão à
rotina de trabalho. É importante que esses métodos e equipamentos passem
por manutenções e calibrações constantes, evitando, assim, erros de análise.
Para manter a qualidade do serviço oferecido, faz parte dessa etapa de padronização:
• atenção à qualidade e validade dos reagentes;
• qualidade da água usada no laboratório;
• limpeza correta de vidrarias;
• calibração de micropipetas e equipamentos;
• resultados confiáveis:
» alta sensibilidade dos testes e equipamentos;
» alta especificidade ao material analisado.
• descrição do ensaio:
» tipo e volume da amostra;
» tempo de duração da análise;
» metodologia empregada em cada ensaio;
» segurança pessoal necessária.

Os processos analíticos geralmente são descritos e detalhados nos procedimentos


operacionais padrão (POP) do laboratório.

7.4 Padronização da fase pós-analítica


A fase pós-analítica engloba todas as etapas após a realização do exame. Nessa etapa, é
importante que os resultados sejam calculados corretamente e estejam consistentes com o
esperado. Também é a fase da elaboração e liberação dos laudos e armazenamento dos
materiais do paciente.
Os laudos devem seguir prazos pré-estabelecidos no momento na admissão do paciente, e
o laboratório deve manter uma cópia dos arquivos dos laudos. Toda a conduta do profissional
para a elaboração e emissão do laudo deve estar detalhada em uma instrução de trabalho.
As principais interferências com a fase pós-analítica consistem em:
• consistência dos resultados;
• digitação dos resultados;
• transmissão dos resultados via acesso digital ou impressão para o paciente.

7.5 Sistemas de controle de qualidade


Um laboratório que busca implementar um controle de qualidade em suas dependências
precisa instituir um sistema de controle de qualidade para reconhecer os erros analíticos e
propor soluções às não conformidades encontradas.
O sistema adotado pela instituição deve garantir que os resultados oferecidos estejam todos
dentro de um padrão de qualidade e, caso não se enquadrem nesses padrões, precisa propor
maneiras e soluções para corrigir as não conformidades encontradas.
7.6 Controle de qualidade interno (CQI)
O controle interno de qualidade (CIQ) de um laboratório são as medidas adotadas pela
instituição que garantem a confiabilidade, precisão e reprodutibilidade dos resultados
dos exames. A precisão dos resultados depende de uma análise diária de amostras controle,
a fim de identificar variações nos resultados e corrigir eventuais flutuações analíticas.
O CIQ é elaborado pelo próprio laboratório, e o sistema adotado deve propor as medidas que
serão utilizadas pela equipe para averiguar a qualidade dos exames na rotina diária. Essas
medidas e as soluções para os eventuais erros que possam surgir devem ser documentadas
e disponibilizadas a toda a equipe. Ainda, é de responsabilidade da equipe do CIQ orientar,
treinar e oferecer cursos constantes para adequação da equipe às normas de qualidade
adotadas pela instituição.
Uma maneira da equipe da gestão do CIQ avaliar as não conformidades e propor maneiras
de corrigi-las é por meio da elaboração de gráfico de controle de qualidade. Esse gráfico,
também conhecido como gráfico de Shewhart, foi proposto pelo físico Walter A. Shewhart
para avaliar o comportamento das amostras de um ensaio. O gráfico contém pontos
representando uma média estatística de uma amostra, uma linha central indicando o valor
médio das amostras, o desvio padrão e controles mínimos e máximos indicando o limite
aceitável de erro (LAE) dos resultados. Os valores de LAE correspondem ao valor da média,
mais ou menos dois desvios padrões. A figura que segue ilustra como é esse gráfico.

Figura 5 - Gráfico de controle de qualidadeFonte: Dusit, Shuttesrtock, 2020.


#PraCegoVer: a imagem representa um gráfico de controle de qualidade. Nela, em um plano
cartesiano, estão representadas três retas horizontais e paralelas, espaçadas igualmente
entre si, sendo a reta superior o limite superior de controle, e a inferior o limite inferior. A reta
central é a média dos valores para um determinado exame. O gráfico com os resultados das
flutuações da amostra está representado em vermelho, com variações dentro do limite
estabelecido pelos controles superior e inferior.

Mas atenção, vale ressaltar que os valores avaliados nesse gráfico de qualidade são referentes
à amostra controle! O laboratório deve realizar um ensaio controle diariamente e adicionar
esses valores no gráfico. As flutuações dos resultados são normais e esperadas, e, desde que
elas permaneçam nos limites estabelecidos pelo desvio padrão, não há comprometimento
das análises dos pacientes. No entanto, quando elas ultrapassam os limites
estabelecidos pelo gráfico, é um indicativo que a precisão daquele exame foi
comprometida. Os principais fatores que podem levar a uma variação brusca nos valores
são amostra inadequada, preparo inadequado e perda de calibração dos instrumentos, e a
equipe de CIQ deve agir para identificar a fonte de erro e corrigi-lo antes que isso comprometa
as análises oferecida pelo laboratório.
A adoção de um sistema de qualidade interno não significa criar controles de qualidade
novos, mas sim adotar sistemas já existentes que melhor se enquadram às análises do
laboratório. Independente do sistema adotado, algumas características são primordiais
para que o controle de qualidade seja eficiente:
• o sistema deve oferecer informações sobre a exatidão e precisão dos métodos;
• deve ser sensível o suficiente para identificar flutuações críticas;
• deve ser de fácil implementação, manutenção e interpretação;
• deve fornecer indícios das fontes de erro envolvidas em cada processo;
• avaliar regularmente os métodos usados, equipamentos e profissionais.

Os dois sistemas de controle de qualidade interno mais utilizados pelos laboratórios são os
sistemas de Levey-Jennings e o de Regras de Westgard.
Mapa de Levey-Jennings
É um gráfico semelhante ao gráfico de Shewhart, tendo sido adaptado para o uso em
laboratório clínico. Esse sistema foi criado pelos patologistas Stanley Levey e E. R. Jennings em
1950, utilizando a estatística para estabelecer limites aceitáveis de variação.
Nesse mapa, os valores observados nas análises se encontram no eixo Y, enquanto
a frequência das corridas, dia ou hora se encontra no eixo X. Por meio dessa disposição, o
gráfico permite avaliar a discrepância entre as flutuações analíticas das amostras controle.
Outra diferença desse mapa com o de Shewhart é que as linhas horizontais acima e abaixo
da média são estabelecidas por valores de desvio padrão. Isso ocorre porque Levey-
Jennings levaram em consideração a distribuição normal de variações de leituras da amostra
controle, ou seja, a média e o desvio padrão são calculados com base em dados
experimentais. Um exemplo do mapa de Levey-Jennings está representado na figura a seguir.
Figura 6 - Mapa de Levey-Jennings e comparação com curva de GaussFonte: Elaborada pela
autora, baseada em Peter Hermes Furian, Shutterstock, 2020; BASQUES, 2009.
#PraCegoVer: a imagem representa o mapa de Levey-Jennings, comparado à uma
distribuição normal ilustrada por uma gaussiana, que se encontra rotacionada à esquerda e
ao lado esquerdo do mapa. As variações de desvio padrão da gaussiana coincidem com as
linhas do mapa. Há um gráfico em vermelho no mapa, indicando a variação dos resultados
obtidos para as amostras controle do laboratório.

Para o preparo do gráfico de Levey-Jennings, o laboratório precisa adquirir ou preparar


amostras controle para definir ou empregar os valores médios e de limites aceitáveis de erro
para a análise. As análises das amostras controle devem ser feitas diariamente, e, em caso
de valores fora da LAE, o laboratório não deve liberar os resultados antes que o problema
seja descoberto e resolvido. Semanalmente, a equipe de qualidade deve analisar o gráfico
para avaliar se os resultados se encontraram todos dentro do esperado, se há tendência em
os valores controle aumentaram ou diminuírem gradativamente e se a exatidão e a precisão
se mantem nos ensaios realizados.
Regras de Westgard
As regras e multiregras de Westgard, também chamadas de regras de controle, são
adaptações ao mapa de Levey-Jennings para identificar e interpretar alterações discretas nos
dados das amostras controle. O gráfico de Westgard é bastante semelhante ao de Levey-
Jennings, mas a interpretação dos dados por meio das regras de controle permite detectar
erros mais facilmente.
O primeiro passo para implementar as regras de Westgard é realizar medidas individuais
repetidas vezes para avaliar quão estável é o sistema. Em seguida, a equipe precisa assumir
que a distribuição dos resultados dessas medidas se distribui de forma gaussiana, onde a
média está representada pelo ponto de inflexão da curva (ponto y máximo) e o desvio padrão
pelos outros pontos da gaussiana.
Quaisquer pontos que caírem fora da área da gaussiana ou que apresentarem uma tendência
em direção aos extremos deve ser avaliado de acordo com as regras de controle. Essas regras
são identificadas por um símbolo de formato Xn, onde X indica o número da amostra
(número da repetição, data ou hora) e n representa o limite de controle que o valor excedeu,
como ilustrado no exemplo a seguir.

Figura 7 - Regras de WestgardFonte: Elaborada pela autora, baseada em Peter Hermes Furian,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra um mapa semelhante ao apresentado na figura “Mapa de
Levey-Jennings”, na qual há uma gaussiana rotacionada para a esquerda do lado esquerdo da
imagem, com as linhas que identificam a média e o desvio padrão na horizontal, conectando
a gaussiana ao gráfico. Nessa imagem, há apenas a representação de dois pontos, que se
estendem da média até a zona acima de três desvios padrões. Este ponto está designado
como 13s.

O laboratório pode definir sinais de atenção para pontos que excederem dois desvios
padrões, ou seja, quando o valor da análise da amostra controle for igual à média 2s.
Variações dentro desta escala podem sugerir inspeções na linha de produção para avaliar se
os resultados precisam ser repetidos ou rejeitados. Essa regra é chamada de regra 12s.
As análises das amostras padrão que excederem os limites média 3s caem na regra chamada
de regra 13s, e, de forma semelhante ao mapa de Levey-Jennings, indicam um erro cuja fonte
precisa ser investigada. Esse erro pode ser aleatório ou sistemático, e o teste de Westagard
ajuda a visualizar essa tendência para sugerir uma correção das não-conformidades.
Quando um erro aparece de forma sequencial em duas corridas consecutivas, ele pode
indicar uma tendência e cai na regra chamada de regra 22s. Isso significa que duas corridas
analíticas tiveram resultados com valores iguais à média mais dois desvios padrões, como
ilustrado na imagem a seguir, apontando então um erro sistemático no processo analítico.

Figura 8 - Regra 22sFonte: Elaborada pela autora, baseada em Peter Hermes Furian, Shutterstock,
2020.
#PraCegoVer: a imagem ilustra um mapa de Westgard para violações da regra 22s. Nessa
imagem, são apresentadas três medidas analíticas, sendo a primeira com valor na média e a
segunda e terceira medidas dentro da faixa de erro de dois desvios padrões, indicando uma
tendência a não conformidade.

Caso os valores dos ensaios se repitam mais que quatro vezes dentro da faixa de um desvio
padrão, a regra de Westgard indica que há violação da regra 41s. A reprodutibilidade dos
resultados nessa faixa indica que os exames realizados naqueles dias devem ser
desconsiderados pois há um erro sistemático no processo, mesmo que não some dois ou
mais desvios padrões.
Há também mais duas regras, chamadas de regra 7xm e regra 7T que avaliam o
comportamento dos resultados em sete dias seguidos. Na regra 7xm, os resultados
encontram-se desviados um desvio padrão para mais ou para menos por sete dias, indicando
um erro sistemático. Na regra 7T, os valores das amostras padrão mostram uma tendência
crescente ou decrescente, também indicando um erro sistemático.
De forma geral, violação de qualquer uma das regras apresentadas acima indica que o
processo analítico perdeu a precisão, reprodutibilidade e estabilidade. Como consequência,
todos os ensaios de pacientes realizados durante o período de violação das regras devem ser
rejeitados e realizados novamente, após a solução do problema.

7.7 Controle de qualidade externo


O controle de qualidade externo em laboratórios é um controle realizado por
uma auditoria externa à instituição, comparando seus resultados aos de outros
laboratórios também participantes do programa. Esse controle compara os resultados dos
exames com o intuito de padronizar os resultados de um mesmo material.
Nesse tipo de controle de qualidade, as instituições participantes avaliam amostras controles
e padronizadas, de concentrações desconhecidas, para avaliar se os resultados fornecidos
pela instituição se equiparam aos valores reais da amostra.
Após a análise, o laboratório recebe uma creditação baseada em conceitos da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e da Federação Internacional de Química Clínica e Medicina
Laboratorial (IFCC), que podem ser:
Bom Aceitável Inaceitável

No Brasil, há dois programas de avaliação externa de qualidade para laboratórios clínicos:


O Programa Nacional de Controle de Qualidade (PNCQ) e o Programa de Excelência para
Laboratórios (PELM). Esses programas se baseiam na análise de amostras controle enviadas
mensalmente aos laboratórios participantes, seguindo metodologias utilizadas no mundo
todo.
7.8 Ferramentas computacionais de qualidade para laboratório clínico
Com o avanço da tecnologia, as informações laboratoriais passaram a ser gerenciadas e
armazenadas por softwares e bancos de dados, que permitem acessar informações
diversas sempre que necessário. O acesso à informação e documentos é um dos 12
elementos essenciais para um sistema de qualidade, segundo a Organização Mundial de
Saúde (ORGANIZATION et al., 2011).
A OMS também diferencia documentos de arquivos como documentos sendo informações
das políticas, processos e procedimentos do laboratório, enquanto os arquivos são
informações e dados coletados nas análises laboratoriais.
Os arquivos armazenados no bando de dados do laboratório devem ser de fácil acesso e
rastreabilidade, devem permanecer no sistema pelo tempo mínimo estabelecido pela
instituição (o que requer backups e manutenção constante das máquinas) e deve ter um
sistema de segurança forte para evitar acesso de pessoas não autorizadas ou invasões
virtuais.
Atualmente, softwares para laboratórios são comercializados por diversas empresas e
auxiliam a criar um banco de dados para os exames oferecidos, pacientes cadastrados e
registro de análises realizadas por paciente. Esses programas computacionais são essenciais
para manter uma rastreabilidade dos dados. As vantagens se destacam em relação às
desvantagens, e ambas estão descritas no quadro a seguir.

Quadro 3 - Softwares para laboratório: vantagens e desvantagensFonte: Elaborado pela autora,


baseado em ORGANIZATION et al., 2011.
#PraCegoVer: a imagem apresenta um quadro que lista as vantagens e desvantagens do uso
de softwares em laboratórios clínicos.

É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
aprender sobre a função e funcionamento das enzimas;
compreender como as enzimas podem ser utilizadas no diagnóstico de patologias;
conhecer os principais biomarcadores cardíacos, hepáticos e pancreáticos e suas funções;
aprender sobre o metabolismo do ferro no organismo e sua importância para a manutenção da
homeostase;
conhecer o que é controle de qualidade e como ele feito nos laboratórios;
explorar sobre sistemas de qualidade adotados por laboratórios para manter a qualidade de seus ensaios.

REFERÊNCIAS

ARNESON, W.; BRICKELL, J. (EDS.). Clinical chemistry: a laboratory perspective. Filadélfia: F.A. Davis Co, 2007.

BASQUES, J. C. Usando controles no laboratório clínico. [S. l.]: Labtest, 2009.

BERG, J. M. et al. Biochemistry. 5. ed. Nova Iorque: W. H. Freeman, 2002.

GROTTO, H. Z. W. Diagnóstico laboratorial da deficiência de ferro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia,


[S. l.], v. 32, p. 22-28, jun. 2010.

GROTTO, H. Z. W. Fisiologia e metabolismo do ferro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, [S. l.], v. 32,
p. 8-17, jun. 2010.

GUYTON, A. C. et al. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

LOPES, H. J. J. Garantia e Controle de Qualidade no Laboratório Clínico. Belo Horizonte: Gold Analisa, 2003.

MARSHALL, W. et al. Bioquímica Clínica: aspectos clínicos e metabólicos. 3. ed. [S. l.]: Elsevier, 2016.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do


Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento St. V. 105. Rio de Janeiro: [S. a.].

ZAGO, M. A. (Ed.). Hematologia: fundamentos e pratica. São Paulo: Atheneu, 2001.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Laboratory Quality Management System. Geneva: World Health Organization,
2011.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Who: Cardiovascular diseases (CVDs). Disponível em: https://www.who.int/news-
room/fact-sheets/detail/cardiovascular-diseases-(cvds). Acesso em: 2 out. 2020.

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