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BIOQUÍMICA CLÍNICA
LABORATÓRIO CLÍNICO: DA TEORIA À PRÁTICA
Heloísa Ciol
Você está na unidade Laboratório clínico: da teoria à prática. Conheça aqui a dinâmica de um laboratório
de análises clínicas desde a coleta até o processamento das amostras; como esse laboratório se estrutura,
que inclui o ambiente físico da coleta, os equipamentos necessários para realização dos exames e quais
as principais técnicas utilizadas para exames de diagnóstico clínico.
Aprenda sobre a importância do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base no diagnóstico clínico, além dos
conceitos fisiopatológicos de uma doença de grande importância de saúde pública: a diabetes mellitus.
Estude as características dessa patologia, suas classificações, quais exames são indicados para o seu
diagnóstico e como interpretá-los com base nos conhecimentos de fisiologia que a unidade proporciona.
Bons estudos!
Quadro 1 - Itens essenciais de equipamento de proteção individual (EPI)Fonte: Elaborado pela autora, baseado em
BRASIL, 2002b.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro trazendo os principais itens de segurança que devem
ser utilizados por um profissional de coleta, bem como suas respectivas funções.
1.4 Amostras
Se as amostras forem coletadas com seringa, devem ser despejadas gentilmente no tubo, de
forma a escorrer pelas laterais do tubo, para evitar hemólise. Amostras coletadas diretamente
em tubos a vácuo devem ser misturadas por inversão de cinco a dez vezes antes de levadas
para transporte.
As amostras devem ser protegidas da exposição direta à luz, principalmente em exames cujos
compostos analisados podem degradar facilmente se expostos a ela (exemplo: bilirrubina)
(BRASIL, 2002b).
1.6 Processamento
O tempo de armazenagem interfere diretamente na contagem de plaquetas em análises
hematológicas. Amostras de soro devem ser centrifugadas imediatamente após a coagulação
para análise. Amostras de plasma precisam ser centrifugadas imediatamente após a coleta. Após
tais processos, as amostras devem ser mantidas refrigeradas e, preferencialmente, sem troca de
tubos.
As veias do dorso da mão podem ser usadas caso o acesso às veias da fossa antecubital não
esteja disponível. Veias nos membros inferiores só devem ser puncionadas com autorização
médica, por aumentarem o risco de flebites, tromboses ou mesmo necrose tissular (SUMITA,
2010).
Uma vez identificada a veia para punção, o profissional deve solicitar ao paciente que abaixe o
braço e abra e feche as mãos, para relaxar a musculatura e reduzir a pressão no interior dos vasos
antes de proceder com o uso do garrote ou torniquete.
Quadro 2 - Fatores de interferência em exames e sua relação com o resultadoFonte: Elaborado pela autora, baseado em
SUMITA, 2010.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro contendo os fatores que influenciam nos resultados dos
exames no ato da coleta e quais são as implicações desses fatores nos resultados esperados.
3.2 Amostras e variações: a influência da conduta do profissional e do cuidado das
amostras
A estabilidade das amostras coletadas é crucial para uma boa análise e um bom resultado clínico
dos exames. O tempo de espera, temperatura e condições de transporte têm grande papel na
manutenção da qualidade das amostras, uma vez que variações bruscas de temperatura, choques
mecânicos ou permanência prolongada das amostras antes do processamento podem contribuir
para agregação de moléculas, hemólise e reações enzimáticas que muitas vezes comprometem
a análise.
Idealmente, a amostra não deve exceder o tempo de espera de uma hora antes do início do
processamento. Análises que utilizarão soro ou plasma devem ser centrifugadas após a
coagulação do sangue, quando necessário, e mantidas sob refrigeração até o início das análises.
A temperatura tem um papel fundamental na qualidade das amostras, pois muitos compostos,
como enzimas e fatores de coagulação, são termoinstáveis.
Caso o material precise ser enviado para um outro laboratório para análise, o laboratório precisa
seguir as diretrizes da terceirização, destacadas na Lei nº 6.019, de 1974, na Lei nº 7.102, de
1983, e nas diretrizes da Resolução GMC 50/08, de 2009, documentos que contêm toda a
regulamentação técnica para transporte de substâncias infecciosas e amostras biológicas
(SUMITA, 2010).
Figura 2 - Agulha para procedimentos e suas partesFonte: Alexander Baumann, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra uma seringa preenchida com líquido vermelho e uma agulha
acoplada a ela, com o intuito de identificar o canhão, a haste e o biesel da agulha.
Nos sistemas de punção a vácuo, as agulhas não possuem canhão, mas sim uma outra ponta,
geralmente protegida por um adaptador de sistema a vácuo para que o tubo possa ser inserido,
aspirando o sangue da veia devido à presença do vácuo no interior dos tubos. O calibre e o
tamanho da agulha podem variar conforme a idade do paciente.
#PraCegoVer: a imagem mostra um esquema de uma agulha inserida corretamente na pele até
atingir uma veia e três exemplos de inserções incorretas em relação à posição do biesel (virado
para baixo), inserção parcial ou além da veia.
A coagulação é um processo fisiológico para controlar sangramentos e reparar lesão tecidual. É uma
sequência de reações – chamada de cascata de coagulação – que envolve plaquetas e fatores de
coagulação (proteínas), até a formação de uma rede de fibrina – o coágulo. Além dos fatores de
coagulação, há ainda cofatores, como o cálcio e a vitamina K, que auxiliam na sequência de reações até a
formação final do coágulo de fibrina.
Citrato de sódio
Assim como o EDTA, o citrato de sódio também é um sal que se liga ao cálcio para impedir a
coagulação sanguínea. O uso desse sal como anticoagulante é recomendado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) preferencialmente na concentração de 3,2% na forma de sal di-hidratado
(Na3C6H5O7.2H2O) (SILVA et al., 2015).
Heparina
A heparina é um outro anticoagulante bastante utilizado na clínica, mas cuja ação é inibir a
molécula de antitrombina e parar a coagulação. A concentração de uso dessa molécula é de 10 a
30 U/mL de sangue (SILVA et al., 2015).
A heparina é amplamente utilizada para exames que dependem das características morfológicas
das células, mas não é indicada para avaliar hemograma completo do paciente, por induzir
aglutinação de leucócitos e plaquetas. Ainda, a heparina inibe atividades enzimáticas, e por isso
não deve ser usada em exames que dependerão de enzimas para serem realizados, como é o
caso das reações em cadeia da polimerase (PCR) (SILVA et al., 2015).
Fluoreto de sódio
O fluoreto de sódio é um adjuvante utilizado primordialmente para inibir a via glicolítica e impedir
a degradação da glicose nas amostras de sangue. A ação anticoagulante do fluoreto de sódio é
fraca, e por isso ele normalmente é utilizado em conjunto com EDTA ou oxalato (outro quelante
de cálcio). Recomenda-se para uso a concentração de 2 a 3 mg de sal por mL de sangue.
Basicamente, o fluoreto de sódio atua como inibidor da enzima enolase, uma enzima da cadeia
glicolítica. A inibição dessa enzima previne que a glicose do sangue seja metabolizada pelas
células após a coleta. É o adjuvante usado nos exames para a dosagem da glicemia (SILVA et
al., 2015).
Quadro 4 - Ordem dos tubos e razões para talFonte: Elaborado pela autora, baseado em SILVA et al., 2015.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro apresentando a ordem dos tubos de coleta em quatro
colunas, sendo que a primeira coluna mostra a ordem da coleta; a segunda, o aditivo contido no
tubo de coleta; a terceira, a cor da tampa do tubo; e a quarta, que mostra o motivo da escolha
dessa ordem.
Quadro 5 - Equipamentos essenciais em um laboratório clínicoFonte: Elaborado pela autora, baseado em BRASIL, 2002b.
Esses equipamentos podem estar presentes nas quantidades necessárias para cada demanda,
mas são itens essenciais para a montagem de um laboratório clínico.
A seguir, vamos destacar algumas técnicas e instrumentação em laboratório para que você possa
compreender um pouco mais como os ensaios são realizados.
7.3 Espectrofotometria
A espectrofotometria é uma técnica física baseada em dois princípios básicos:
• A absorção da luz por substâncias em comprimentos de onda específicos.
• A quantidade de luz absorvida é proporcional à quantidade de substância em um
determinado caminho óptico com tamanho definido (ARNESON; BRICKELL, 2007).
Cada substância tem características próprias que resultam em uma absorbância maior ou menor
de luz. Nem sempre toda a luz é absorvida quando passa por um meio, e a quantidade de luz
transmitida quando um feixe passa por uma determinada substância (chamada de transmitância)
também pode fornecer resultados importantes.
Espectrofotômetros são equipamentos que medem a quantidade de luz absorvida por uma
substância através de uma comparação inicial e final da quantidade de luz emitida pelo feixe.
Esses equipamentos podem varrer uma grande faixa de comprimentos de onda, indo do UV até a
o infravermelho.
De forma simplificada, um espectrofotômetro é composto por:
•Uma ou duas fontes de luz – Vão do espectro visível ao ultravioleta (geralmente,
lâmpadas de tungstênio para o espectro visível – 380 a 750 nm – e lâmpada de deutério
para a faixa do ultravioleta – 100 a 380 nm).
• Monocromador – Um filtro de luz que permite filtrar um único comprimento ou faixa de
comprimento de onda para a análise.
• Fenda de passagem – Auxilia a selecionar o comprimento de onda específico desejado.
• Cubeta – Para colocar a solução.
• Fotodetector – Para detectar a luz transmitida (a que não foi absorvida) pela amostra e
converter o sinal de energia luminosa em energia elétrica.
• Medidor – Para registrar o dado coletado.
A figura a seguir ilustra de forma simplificada como todas essas peças se organizam para o
funcionamento de um espectrofotômetro.
A figura abaixo exemplifica de forma mais clara como essas duas técnicas se correlacionam.
Figura 6 - Diferença entre turbidimetria e nefelometriaFonte: Elaborada pela autora, baseada em VON MUHLEN;
BENDER, 2009; StockBURIN, Shutterstock, 2020; Gossip, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra uma fonte de luz incidindo sobre um jogo de lentes e atingindo
uma amostra em tubo de ensaio. Desse tubo de ensaio, saem duas flechas indicando a trajetória
da luz após passar pela amostra: uma com o ângulo de 0°, indicando a luz transmitida
(turbidimetria) e outra com o ângulo maior que 0° e menor que 90º, indicando a luz espalhada
(nefelometria).
7.4 Imunoensaios
Imunoensaio é um método analítico que
usa anticorpos ou antígenos como reagentes (ARNESON; BRICKELL, 2007). São ensaios
usados amplamente em diagnóstico há mais de 40 anos, e seu princípio está presente desde o
diagnóstico de anticorpos contra vírus até em testes caseiros como o de gravidez.
Antígenos são moléculas de proteína ou oligossacarídeos que conseguem ativar uma resposta
imune (produção de anticorpos). Anticorpos, por sua vez, são um complexo de proteínas
produzidos por linfócitos B que reconhecem antígenos e se ligam a eles. No organismo, essa
marcação de antígenos pelos anticorpos funciona como uma sinalização do sistema imune
para neutralizar e eliminar corpos estranhos. Em laboratório, o conhecimento desse
mecanismo de ação foi adaptado a técnicas que, fazendo uso do mesmo princípio, conseguem
marcar substâncias de interesse para análise.
Existem diversos tipos de imunoensaios, categorizados de acordo com seu mecanismo de ação
e marcação da reação. Nesta seção, vamos analisar os principais tipos de ensaio usados na
clínica.
Ensaios de aglutinação
São ensaios em que um anticorpo reage com um antígeno presente em uma partícula insolúvel,
como uma célula, produzindo agregados (VON MUHLEN; BENDER, 2009). Esses agregados
precipitam o meio, e o teste pode ser lido por técnicas fotométricas. O quadro a seguir descreve
alguns dos tipos de ensaios de aglutinação.
Quadro 6 - Tipos de ensaios de aglutinaçãoFonte: Elaborado pela autora, baseado em VON MUHLEN; BENDER, 2009.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro trazendo uma relação dos principais tipos de teste de
aglutinação utilizados na prática laboratorial clínica. Na coluna da esquerda, temos os tipos de
teste usados; na coluna central, há uma breve explicação do funcionamento dos testes; e na
coluna da direita, existem exemplos de exames laboratoriais feitos rotineiramente por esses
testes.
Ensaios fluorescentes
São testes realizados com marcadores fluorescentes (fluoróforos) ligados ao antígeno ou
anticorpo. A fonte de luz do equipamento excita o fluoróforo, que emite fluorescência. Quando
ocorre a interação antígeno-anticorpo, o fluoróforo é liberado no meio e a fluorescência emitida
pode ser captada. Esses testes dependem de equipamentos leitores de fluorescência.
Os ensaios de citometria de fluxo são baseados no princípio da fluorescência. Células são
misturadas com fluoróforos específicos e, ao passarem pelo capilar do equipamento, são
iluminadas com um feixe de luz laser e emitem uma fluorescência. Essa fluorescência é captada
pelo equipamento e fornece informações sobre a população de células presente na amostra.
Fluoróforos produzem fluorescência quando são excitados por uma fonte de luz de comprimento de onda
específico. Esse comprimento de onda de excitação varia conforme a natureza da molécula. O fluoróforo
recebe essa energia luminosa (fóton) e fica eletricamente instável, ejetando essa energia na forma de
fluorescência para voltar ao estado energético neutro. Tal ejeção de fluorescência se chama emissão, e
sempre é de um comprimento de onda maior que o comprimento de onda de excitação.
Ensaios quimioluminescentes
Tratam-se de ensaios que detectam a emissão de luz produzidas por reações químicas. Esses
ensaios são geralmente utilizados para detectar a presença de anticorpos na amostra do paciente.
A reação de quimioluminescência ocorre com a adição de um anticorpo comercial, que além de
reconhecer o complexo antígeno-anticorpo, possui um composto luminescente, como o luminol,
conjugado a ele. Para que esse composto emita luz, é preciso adicionar reagentes que iniciarão
uma reação química ou enzimática, produzindo a luz, que pode ser detectada e quantificada por
equipamentos ultrassensíveis.
Ensaios enzimáticos
Os imunoensaios enzimáticos permitem identificar antígenos e anticorpos. Nesses ensaios, a
interação de enzimas e substratos produz uma alteração na coloração da solução, permitindo o
diagnóstico.
Um dos imunoensaios enzimáticos mais conhecidos é o ELISA (do inglês enzyme-linked
immunosorbent assay). Nesse teste, antígenos ou anticorpos comerciais para o ensaio de
interesse são imobilizados em uma fase sólida (gel, por exemplo), sobre a qual é adicionada a
amostra de soro do paciente. O soro pode ser detectado pela ação de uma enzima conjugada ao
anticorpo reagente, que catalisa um substrato adicionado na amostra e promove uma mudança
de coloração. Anticorpos podem ser detectados por ELISA direto ou indireto, e antígenos podem
ser detectados por ELISA sanduíche ou ELISA competitivo, como mostra a figura a seguir.
Figura 7 - Os tipos de imunoensaios por ELISA: direto, indireto e sanduícheFonte: Soleil Nordic, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a figura traz um esquema de três tipos de imunoensaio ELISA. No primeiro
quadrante, do lado esquerdo, há a representação do ELISA direto, em que antígenos são
representados por bolinhas laranjas imobilizadas em uma superfície, seguido da adição de
anticorpos conjugados a uma enzima, que, ao reconhecerem o antígeno, formam o complexo
antígeno-anticorpo e emitem um sinal quando há a adição do substrato da enzima na reação. No
quadrante direito superior, há a representação do ensaio ELISA indireto, mostrando o antígeno
imobilizado em uma superfície, reconhecido pelo anticorpo do paciente, e a adição de um segundo
anticorpo que está conjugado à enzima; No quadrante direito inferior, há a representação do ELISA
sanduíche, no qual um anticorpo é imobilizado em uma superfície para reconhecer antígenos
presentes na amostra do paciente. Uma vez formado o complexo antígeno-anticorpo, um segundo
anticorpo – conjugado à enzima – é adicionado para reconhecer o antígeno.
8 Equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base
Agora que você já teve uma boa introdução ao funcionamento do laboratório clínico, vamos
mergulhar um pouco mais nos principais exames que são realizados de forma rotineira.
Iniciaremos com o entendimento do conceito de equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base, partindo
para importância na manutenção dos íons e pH e quais as principais disfunções relacionadas aos
quadros de desequilíbrio. Após a leitura deste tópico, você compreenderá, também, um pouco
mais sobre o papel fundamental dos íons na manutenção do nosso organismo.
Hipermagnesemia
O excesso de magnésio geralmente está associado a quadros de insuficiência renal com
comprometimento da excreção. Dentre os sintomas estão fraqueza muscular, hipotensão,
confusão mental e alterações cardíacas. O tratamento deve focar na melhora da função renal, por
meio de diálise. Administração de cálcio pode ser usada como forma de melhora temporária por
o íon cálcio ser antagonista ao íon magnésio.
Proteínas e fosfatos têm um papel crucial na manutenção do equilíbrio ácido-base, pois atuam
como tamponantes do organismo, mantendo o pH estável (que deve ser de 7,35). No sangue, a
hemoglobina (Hb) dos eritrócitos também participa na manutenção do equilíbrio por se ligar ao
hidrogênio circulante. A Hb tem carga positiva e se liga ao H+ livre para formar o complexo HHb+,
que reage então com o oxigênio circulante e forma o complexo Hb-O2:
O conceito de pH em uma solução tampão foi descrito por Henderson e Hasselbalch na equação
de Henderson-Hasselbalch. Essa equação correlaciona o pH de uma solução com a constante
de dissociação dos ácidos (Ka), que pode ser considerada igual ao pH quando as concentrações
de ácido (A-) e base (AH) são iguais.
No organismo, o ácido responsável por manter o pH estável é o ácido carbônico (H2CO3), então
podemos reescrever a equação de Henderson-Hasselbalch como:
Esta equação permite avaliar alterações encontradas no equilíbrio ácido-base, permitindo avaliar
indiretamente, por exemplo, a concentração de CO2 no organismo.
É importante ressaltar que tanto o sistema respiratório quanto o sistema excretor participam da
regulação do equilíbrio ácido-base no organismo, uma vez que o pulmão é responsável pela
excreção de substâncias voláteis (gases), e os rins pelas moléculas físicas (tampões). Quando há
alterações no funcionamento pulmonar ou renal, o equilíbrio ácido-base pode ser comprometido,
gerando acidose (pH < 7,35) ou alcalose (pH > 7,35), distúrbios estes que podem estar
relacionados ao metabolismo ou à respiração.
Assista aí
Quadro 7 - Índices medidos na gasometria e o que indicamFonte: Elaborado pela autora, baseado em MOTTA, 2009.
#PraCegoVer: na imagem, há um quadro com alguns parâmetros que são analisados pelo exame
de gasometria e o que eles significam.
10 Ionograma: o que é e como analisar
Ionograma é o nome do exame que quantifica os principais íons responsáveis por manter
o equilíbrio hidroeletrolítico no organismo. Além dos íons sódio e potássio, já ressaltados no
tópico anterior, os ânions cloretos também são abundantes no LEC e de extrema importância
para manutenção da pressão osmótica no organismo. Os íons do organismo contribuem para os
equilíbrios hidroeletrolítico e ácido-base, e analisar a concentração sérica desses íons é de
extrema importância.
O exame para analisar a concentração dos íons bicarbonato também pode receber o nome
de reserva alcalina. Na bioquímica clínica, entende-se por reserva alcalina todos os íons que tem
capacidade de neutralizar ácidos no sangue, sendo o principal representante desse grupo os íons
bicarbonatos.
O quadro a seguir mostra as condições de coleta, análise e valores de referência dos três
principais íons avaliados pelo ionograma.
Quadro 8 - Principais íons avaliados no ionograma, métodos e análise e valores de referênciaFonte: Elaborado pela
autora, baseado em MOTTA, 2009.
11 Casos clínicos
Para saber como podemos usar essas informações que tivemos até agora em um caso clínico,
separamos duas situações.
Caso 1
Uma paciente de 48 anos chega ao pronto socorro com a respiração superficial, perda de
consciência, mas frequência respiratória normal. A família informa ao hospital que a paciente não
estava se sentindo bem e confundiu um medicamento para febre e dores em geral com um
tranquilizante, tomando 40 gotas do tranquilizante. Esse tranquilizante, em excesso, causa
depressão respiratória. Os exames gasométricos iniciais mostraram que o pH sanguíneo da
mulher encontra-se em 7,25, e que a pCO2 é de 80 mmHg.
Sabendo que a pressão de gás carbônico normal é de 35 a 45 mmHg, explique o que levou a
mulher a este quadro de alterações.
Resposta esperada: A paciente apresenta uma acidose por seu pH estar em 7,25, quando o
normal é de 7,35 a 7,45. A pCO2 está aumentada, indicando que o gás não está sendo retirado
totalmente do organismo.
O acúmulo de CO2 na corrente sanguínea causa uma acidose, neste caso, de componente
respiratório, pois o pulmão não está conseguindo eliminar os gases devido à depressão
respiratória causada pelo medicamento. Portanto, a paciente entrou em um quadro de
hipoventilação, o que levou ao acúmulo de CO2 no organismo (aumento da pCO2) e redução do
pH por aumento da concentração de íons hidrogênio, o que levou à perda de consciência.
Caso 2
Um paciente idoso e acamado chega ao pronto-atendimento desorientado e muito sonolento,
reclamando de boca seca. Nos últimos três dias, o paciente apresentou um desconforto
gastrointestinal e teve um quadro de diarreia aguda, que levou à perda de muito líquido. O paciente
não foi internado para reposição do líquido perdido e nem consumiu mais água ou soluções de
soro caseiras para repor o volume hídrico. O médico solicitou um ionograma completo do paciente,
e os valores de sódio apresentaram-se alterados: 158 mEq/L.
Sabendo que os valores de referência para o sódio são de 135 a 145 mmol/L e que mEq = mmol
para este caso, discuta o que pode ter acontecido com o paciente e sugira uma possível conduta
para solucionar o desequilíbrio encontrado.
Resposta esperada: O paciente perdeu uma grande quantidade de líquidos devido ao desarranjo
gastrointestinal pelo qual passou e está em um quadro de desidratação. A perda de líquidos pelas
fezes levou a um aumento da concentração de sódio no organismo – hipernatremia –, o que
explica os sinais e sintomas apresentados pelo paciente. O quadro levou a uma desidratação dos
compartimentos intracelulares para compensar o desequilíbrio no meio extracelular.
Uma possível conduta indicada para o tratamento do paciente seria a administração de soro
fisiológico via intravenosa, com monitoramento do paciente, até que o equilíbrio hidroeletrolítico
se reestabeleça.
Quadro 9 - Valores de referência para interpretação de exame laboratorial para diagnóstico da DMFonte: Elaborado pela
autora, baseado em SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017.
17 Diagnóstico laboratorial da DM
O diagnóstico laboratorial da DM é feito através de três exames padrão:
• glicemia de jejum;
• glicemia 2 horas após administração de solução de glicose (teste oral de tolerância à
glicose – TOTG);
• hemoglobina glicada (HbA1c).
Vamos conhecer como são feitos rotineiramente esses exames, quais valores de referência e
como interpretá-los.
Quadro 10 - Valores glicêmicos ideais para pacientes não diabéticos e diabéticos quando em jejum ou logo após a
alimentação (pós-prandial)Fonte: Elaborado pela autora, baseado em SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2017.
19.2 Frutosamina
Frutosamina é um nome utilizado para designar proteínas glicadas de forma geral. A albumina
corresponde a 80% das proteínas glicadas encontradas no sangue. É um exame que pode ser
usado como alternativa ao HbA1c quando os resultados são duvidosos, mas não deve ser adotado
como critério de diagnóstico para DM. O exame é realizado por ensaio colorimétrico.
19.3 Peptídeo-C
O peptídio-C é uma molécula produzida juntamente com a insulina com a clivagem do precursor
pró-insulina (WAHREN; LARSSON, 2015). É encontrado no plasma sanguíneo a níveis
equimolares da insulina e pode auxiliar no estudo da reserva pancreática em pacientes com DM1
e no diagnóstico de complicações macrovasculares em pacientes com DM2, por ter um tempo de
meia vida maior que o da insulina. O ensaio é realizado por eletroquimioluminometria.
19.4 Lactato
O lactato é um metabólito resultante da respiração anaeróbica, e sua dosagem pode auxiliar no
monitoramento e diagnóstico da acidose metabólica causada pela DM. O exame é realizado por
método enzimático.
20 Casos clínicos
Agora, vamos compreender como o diagnóstico clínico do diabetes pode ser aplicado em estudos
de casos:
Caso 1
Um menino de 10 anos foi levado ao pronto-socorro após apresentar dores abdominais, náuseas,
vômitos, perda de peso e oligúria na última semana e estar em um quadro de letargia. O médico
suspeita de diabetes mellitus juvenil (tipo 1) e precisa solicitar exames para fechar o diagnóstico.
Comente quais exames o médico deve solicitar para o diagnóstico, quais são as alterações
esperadas caso seja DM e o porquê de o menino apresentar esses sintomas.
Resposta esperada: Para o diagnóstico da DM no menino, o médico deve solicitar ao menos os
exames de glicemia de jejum e hemoglobina glicada, visto que a alteração de um desses exames
já fecha o diagnóstico de diabetes mellitus, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes
(2017). É esperado que os valores desses exames voltem alterados (para glicemia de jejum,
valores esperados são maiores que 100 mg/mL; para hemoglobina glicada, os valores esperados
para um caso positivo são maiores que 5,7%).
Como a diabetes é uma doença silenciosa, a apresentação de sinais e sintomas indica uma
doença já instalada e bastante descompensada, com valores de glicemia bastante elevados e
metabolismo de lipídios e proteínas ativo, gerando corpos cetônicos. É provável que o menino
apresente uma cetoacidose, uma vez que o corpo já começou a responder com sinais de
intoxicação. Isso ocorre porque o metabolismo da glicose é interrompido pela falta de insulina
característica da DM1, levando as células a metabolizarem lipídios e proteínas para suprir a
demanda energética do organismo.
Caso 2
Um homem de 57 anos começou a apresentar sudorese excessiva logo após a alimentação, com
atordoamento e sensação de hipotensão. Ao procurar um médico, este percebeu que o paciente
apresentava um abdômen superior bastante volumoso, além de constatar ser um senhor
sedentário e com alimentação desregrada.
O médico solicitou os exames de glicemia de jejum, TOTG e hemoglobina glicada ao paciente,
cujos resultados foram: Glicema de jejum – 124 mg/mL; TOTG (após 2h) – 168 mg/mL e HbA1c –
6,1%.
Qual o diagnóstico deste senhor? O quadro dele é reversível? Como?
Resposta esperada: O quadro clínico deste senhor de 57 anos é de pré-diabetes ou de resistência
à insulina. Esse quadro ainda não fecha o diagnóstico para diabetes mellitus do tipo 2, mas indica
que o organismo está em um processo inflamatório e de hiperglicemia que pode levar à falência
das células beta do pâncreas, instalando a diabetes e aumentando os riscos cardiovasculares no
paciente.
O quadro pode ser revertido com reeducação alimentar e exercícios físicos adequados para o
paciente. O uso de medicações pode ser necessário, a depender da avaliação do médico.
É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
compreender como deve ser a estrutura de um centro de coletas e como um flebotomista deve
proceder para realizar as coletas de um paciente;
aprender como é realizada boa parte dos exames de bioquímica clínica e quais são os princípios
físicos por trás dos equipamentos;
conhecer como os íons do nosso organismo são importantes para a manutenção do equilíbrio
hidroeletrolítico e ácido-base e quais as complicações envolvidas quando há desequilíbrio;
aprofundar seus conhecimentos sobre diabetes mellitus, diferenciando o diabetes mellitus tipo 1,
tipo 2 e gestacional;
explorar como é feito o diagnóstico clínico do diabetes e quais as complicações envolvidas no
desequilíbrio do metabolismo da glicose.
REFERÊNCIAS
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SILVA, P. H. et al. Hematologia Laboratorial: Teoria e Procedimentos. [S. l.]: Artmed, 2015.
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SUMITA, D. N. M. Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica Medicina Laboratorial para coleta de
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WAHREN, J.; LARSSON, C. C-peptide: New findings and therapeutic possibilities. Diabetes Research and Clinical
Practice, [S. I.], v. 107, n. 3, p. 309–319, mar. 2015.
UNIDADE 2
DA FISIOLOGIA À PATOLOGIA: SISTEMAS RENAL, ÓSSEO E
HORMONAL
Heloísa Ciol
Você está na unidade Da fisiologia à patologia: sistemas renal, ósseo e hormonal. Conheça aqui a fisiologia
e patologia dos sistemas renal, endócrino, compreendendo um pouco mais sobre a fisiologia da gestação.
Aprenda como o rim controle todo o processo de absorção e excreção para manter o equilíbrio
hidroeletrolítico e quais são as principais patologias renais e suas implicações. Descubra como o
metabolismo ósseo é ativo e relacionado aos sistemas renal e hormonal e como a deposição e a absorção
da matriz óssea contribui para o equilíbrio de cálcio no organismo e participa de diversas patologias. Ainda,
explore o que são, como são produzidos e como agem os principais hormônios do corpo, entendendo como
o corpo da mulher se comporta ao longo de uma gestação.
Bons estudos!
Toda a comunicação do rim com o organismo ocorre pelo hilo renal, local onde passam
a artéria e veia renais, vasos linfáticos, fibras nervosas e ureter. O sangue chega aos rins
pela artéria renal, que se ramifica e da origem às arteríolas aferentes no córtex renal,
formando os capilares glomerulares, local onde ocorre filtração do sangue. A porção final
de cada arteríola forma a arteríola eferente, que origina os capilares peritubulares, que
envolvem a alça de Henle.
Cada néfron é composto por uma estrutura capsular chamada de glomérulo. O sangue chega
aos néfrons pela arteríola aferente, que se ramifica em capilares glomerulares e permitem
a filtração sanguínea. Esses capilares possuem um endotélio fenestrado e
predominantemente de carga negativa, o que auxilia na filtração de água e solutos, mas
impede tanto física quanto eletronicamente a filtração de proteínas.
O filtrado glomerular é rico em solvente (água) e solutos (íons). Ele segue pelo túbulo
contorcido proximal, onde se inicia a reabsorção. Praticamente toda a glicose e todos
aminoácidos filtrados são recuperados nessa porção do néfron, enquanto cerca de 65% dos
íons sódio, cloreto, bicarbonato e potássio são reabsorvidos por transporte ativo no túbulo
contorcido proximal por bombas de contratransporte, que recuperam os íons do filtrado e
secretam íons hidrogênio, ácidos orgânicos e bases no lúmen do túbulo.
Na alça de Henle ocorre a reabsorção de cerca de 20% da água do filtrado no ramo
descendente, principalmente por difusão simples. No ramo ascendente, não há reabsorção
de água, mas sim de solutos (Na+, K+, Cl-, Ca2+, HCO3- e Mg2+), também ocorrendo secreção
de íons hidrogênio. É no ramo ascendente da alça que se encontram as bombas de N+-2Cl-
K+. Essas bombas trabalham na reabsorção simultânea de um sódio, um potássio e dois
cloretos, e é nela que atua a maioria dos diuréticos mais comumente utilizados na clínica
médica.
Quando a urina chega ao túbulo contorcido distal, na porção inicial, a reabsorção de solutos
continua de forma semelhante à da porção do ramo ascendente da alça de Henle, mas não
há reabsorção de água e de ureia. Já na porção mais distal do túbulo ocorre reabsorção de
sódio e água e secreção de potássio e hidrogênio. Por fim, a urina chega aos ductos coletores
medulares, onde cerca de 10% da água e sódio filtrados são reabsorvidos, em conjunto com
cloretos, bicarbonato e ureia, enquanto íons hidrogênio são secretados no lúmen do ducto
coletor.
Uma vez no cálice, a urina está pronta para ser enviada à bexiga, seguindo caminho para
fora dos rins pelos ureteres. Ao chegar na bexiga, é armazenada até começar a fazer pressão
contra a parede da bexiga, que, por meio de um reflexo nervoso, é esvaziada na micção.
2 Patologias renais
As doenças renais estão entre as principais causas de morte e debilidade no mundo. Elas
podem ser agrupadas em duas categorias:
As principais consequências da insuficiência renal são retenção de água, metabólitos e
eletrólitos no sangue e nos fluidos extracorporais, podendo levar a um desequilíbrio
hidroeletrolítico, resultando em edema e hipertensão. Os riscos associados à falência renal
são hiperpotassemia e acidose metabólica, devido ao fato de o paciente não conseguir
excretar potássio e hidrogênio na urina. Em casos graves, o paciente precisa ser submetido à
diálise, caso contrário, corre riscos de morte se a excreção não for restaurada.
A seguir, estudaremos cada uma delas de forma mais detalhada.
2.8 Pielonefrite e lesão no interstício renal como causa da insuficiência renal crônica
Lesões do interstício renal podem resultar de danos à vasculatura, glomérulo ou túbulos
renais, levando à destruição dos néfrons. Quando esse dano é causado por infecções
bacterianas, recebe o nome de pielonefrite.
Geralmente, as infecções renais ocorrem por bactérias que conseguem chegar ao rim a partir
de uma infecção de bexiga (cistite). A infecção normalmente ocorre na medula renal, local
onde passam as alças de Henle que é responsável por concentrar a urina. Como
consequência, pacientes com pielonefrite não conseguem concentrar a urina. Quando a
infecção não é tratada, os danos podem evoluir para as outras estruturas do néfron, levando
à insuficiência renal crônica.
4 Biomarcadores
A função renal pode ser avaliada por meio de biomarcadores no sangue que refletem
a taxa de filtração glomerular (TFG). Dentre os biomarcadores mais utilizados na prática
clínica para acessar a capacidade de filtração dos rins estão a creatinina sérica, ureia sérica,
ácido úrico e cistatina-C. A origem desses marcadores e o motivo de serem utilizados na
prática clínica estão detalhados no quadro a seguir.
Quadro 1 - Biomarcadores da avaliação da função renal na prática clínicaFonte: Elaborado pela
autora, 2020.
#PraCegoVer: na figura, há um quadro que apresenta os biomarcadores mais utilizados na
prática clínica para avaliar a função renal. O quadro possui três colunas: na primeira,
encontram-se descritos os marcadores; na segunda, constam informações sobre a origem
destes marcadores no organismo; na terceira, temos informações do porquê de eles serem
usados na avaliação da função renal.
Há ainda marcadores não produzidos pelo organismo, mas que são absorvidos na dieta e/ou
podem ser administrados via intravenosa para determinar mais precisamente a taxa de
filtração glomerular (TFG), uma vez que são totalmente eliminados na urina na filtração
glomerular e não sofrem absorção ou secreção em nenhuma porção do néfron durante o
processo de formação da urina. Dentre estes compostos, estão a inulina e o iotalamato.
A inulina é um polissacarídeo não produzido pelo organismo, mas presente em raízes de
algumas plantas, que pode ser pode ser administrado via intravenosa para detectar o tempo
e o volume de urina necessários para excretar toda a massa de inulina administrada ao
paciente, e assim determinar a TGF. O iotalamato, por sua vez, não é um polissacarídeo, mas
sim um sal iodado utilizado como contraste radiológico com o mesmo propósito da inulina:
avaliar a TFG de uma substância que não sofre absorção e nem secreção ao longo do processo
de filtração urinária.
O método cinético-colorimétrico para detectar a creatinina é também conhecido como reação de Jaffe, o químico
responsável por descrever a reação. Nesta reação, a creatinina reage com ácido pícrico em meio alcalino, gerando
um produto de cor avermelhada que absorve a luz em 520 nm. O ácido pícrico, no entanto, pode reagir com diversos
compostos do soro, como proteínas e glicose, fornecendo resultados falso-positivos. Devido a esta interferência,
foram feitas modificações e correções nas análises feitas pelo método de Jaffe para permitir maior especificidade na
reação.
6.10 Paratormônio
É o marcador de remodelamento ósseo mais utilizado na pesquisa laboratorial de
doenças metabólicas dos ossos. Do ponto de vista científico, não é considerado um marcador
ideal, pois sua concentração pode ser influenciada por outras patologias, como a doença
renal crônica.
Os níveis séricos normais de PTH vão de 100-450 pg/mL. Níveis de PTH baixos (menores que
100 pg/mL) têm relação com patologias de baixa remodelação. Níveis acima de 450 pg/mL,
por sua vez, estão relacionados a patologias de alta remodelação óssea.
No diagnóstico laboratorial, é importante que os testes utilizados sejam conhecidos e bem
padronizados, pois muitos ensaios detectam moléculas inativas de PTH e fornecem valores
superestimados do hormônio. Ainda, o PTH sérico tem um tempo de vida muito curto, e sua
coleta demanda bastante cuidado, como refrigeração, centrifugação do soro e congelamento
rápido.
Atualmente, os testes mais utilizados para detecção do PTH são ensaios imunométricos (um
outro nome para o ELISA sanduíche). Esses ensaios foram otimizados para detectar somente
a porção ativa do PTH, com alta afinidade pelo fragmento N-terminal do hormônio.
Proteínas são formadas por sequências de aminoácidos interligados entre si por uma ligação peptídica.
Essa ligação é do tipo covalente e se forma entre grupo carboxila (-COOH) de um aminoácido e
o nitrogênio grupo amina (-NH2) de outro. Isso ocorre porque todos os aminoácidos possuem um
grupamento amina e outro carboxila ligados em extremidades opostas da cadeia principal. A extremidade
que possui o grupamento amina recebe o nome de N-terminal, enquanto a que possui o grupamento
carboxila recebe o nome de C-terminal.
6.12 Osteocalcina
É uma proteína secretada por osteoblastos que indica a formação óssea. Ela é depositada
na matriz óssea junto com o colágeno, compondo a porção orgânica da matriz. Sua exata
função na matriz ainda não é conhecida, mas a pequena parcela dessa proteína que entra na
corrente sanguínea permite diagnosticar se o organismo está em processo de formação
óssea.
O tempo de vida da osteocalcina no sangue é baixo e sua expressão tem correlação com o
ciclo circadiano. Devido a isso, ela pode ser encontrada no sangue na forma de fragmentos
ou na forma intacta, e a coleta de sangue precisa seguir protocolos diferenciados,
semelhantes ao do PTH, para evitar a degradação da osteocalcina.
Os valores de referência da osteocalcina sérica variam muito conforme a idade, mas em
adultos, tanto para homens quanto para mulheres, devem estar entre 11- 48 ng/mL. Os tipos
de ensaio para detecção da osteocalcina podem ser do tipo imunométrico ou por
eletroquimioluminescência.
Ensaios de eletroquimioluminescência (ECL) são reações químicas que usam a eletricidade para excitar
reagentes em solução. Esta excitação constante dá origem a moléculas intermediários excitadas que
precisam perder energia para voltar ao estado fundamental. Essas moléculas perdem energia emitindo luz
(luminescência), e essa luz emitida, então, pode ser captada por detector e utilizada para quantificar e
qualificar uma amostra. A ECL é uma técnica amplamente utilizada em aplicações analíticas por ser um
método bastante sensível e seletivo.
Mulheres Homens
Figura 3 - Esquema das ligações entre fibras de colágenoFonte: Designua, Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem ilustra a ordenação das fibras de colágeno, que se orientam de
forma entrelaçada e ordenada nos tecidos. A figura mostra três tranças de fibras, com as duas
fibras inferiores conectadas uma à outra em suas extremidades terminais, por meio de um
anel de piridina. Esse anel está conectado ao meio da fibra superior.
O que dita se o tecido terá mais interligadores de colágeno do tipo PID ou DPD são os tipos
de fibras de colágeno ali presentes. Tanto a PID quanto a DPD são moléculas que existem
no tecido ósseo e em cartilagens, mas a PID está em maior concentração no tecido
cartilaginoso, fazendo com que a quantificação da DPD seja mais específica para o tecido
ósseo.
O uso das moléculas interligadoras de colágeno no diagnóstico é complementar, e quando
solicitado pode ser feito por meio da quantificação dos compostos na urina. É importante
ressaltar que exames que utilizam a excreção metabólica como análise podem sofrer
influência de possíveis problemas renais em pacientes com insuficiência renal.
6.15 Telopeptídeos
Os interligadores PID e DPD conectam fibras de colágeno por meio dos peptídeos das
extremidades carboxiterminal (CTX) e aminoterminal (NTX), chamados de telopeptídeos, que
são liberados na corrente sanguínea durante o processo de reabsorção óssea juntamente
com os interligadores (SARAIVA; LAZARETTI-CASTRO, 2002). Os peptídeos CTX e NTX podem
ser dosados no sangue e na urina.
Os marcadores CTX têm sido utilizados como complemento ao diagnóstico, sendo
identificados pelo método de eletroquimioluminescência. Seus valores de referência para a
quantificação sérica são:
Mulher Homem
Peptídeos são moléculas formadas por dois ou mais aminoácidos ligados entre si por meio de uma ligação
peptídica, podendo chegar até 50 aminoácidos. Quando o tamanho do peptídeo ultrapassa os 50
aminoácidos, ele passa a ser chamado de proteína. Logo, proteínas são cadeias peptídicas com 50
aminoácidos ou mais.
Hormônios esteroides
São hormônios derivados do colesterol que não são armazenados como os hormônios
proteicos. Esses hormônios têm uma estrutura química semelhante à do colesterol e
são lipossolúveis, o que permite que eles se difundam facilmente pela membrana celular
após serem sintetizados. As estruturas do colesterol e de alguns hormônios esteroides
podem ser vistas e comparadas na figura a seguir, sendo possível observar os quatro anéis
do grupo esteroide.
A liberação de cortisol no organismo segue um ritmo circadiano bem definido, regulado pelo núcleo
supraquiasmático do hipotálamo. Em situações normais, os níveis de cortisol caem ao final da noite (entre
22h e 24h) e começam a subir novamente durante o sono, atingindo o seu pico entre 8h e 9h da manhã,
quando começa a cair novamente com o passar do dia. Esse ritmo pode ser afetado por situações de
estresse, interferindo na ação fisiológica desse hormônio.
Hipoparatireoidismo
O hipoparatireoidismo é uma condição em que a glândula tireoide está com sua função
reduzida. Isso pode ocorrer por doenças autoimune ou por retirada parcial ou total da
glândula, reduzindo a liberação de hormônios no sangue. Nesses casos, o nível de TSH é
maior que os valores de referência, mas os níveis de T3 e T4 estão diminuídos.
A doença autoimune mais conhecida por causa hipotireoidismo é a tireoidite de Hashimoto,
que tem início assintomático, mas com o tempo pode levar ao aparecimento de bócio devido
ao processo inflamatório estabelecido no local. Os sintomas relacionados à doença são
fadiga, depressão, dores no corpo e edema.
Figura 8 - Teste de urina para gravidezFonte: Elaborada pela autora, adaptada de Pogorelova Olga,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem acima mostra uma fita de teste de gravidez, com as marcações das
regiões onde se encontram o anticorpo (uma faixa colorida próxima ao local de contato com
a urina) e onde se encontram as faixas de leitura do controle e do teste de hCG (inicialmente
invisíveis na fita). Ao lado, a fita está mergulhada em um pote com um líquido amarelo (urina),
e há a representação do caminho do líquido pela fita. Uma terceira fita indica os resultados
positivos para o controle e o teste de hCG após realizado o teste.
É ISSO AÍ!
aprender sobre o sistema renal e compreender como ele coordena o equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base no
organismo;
conhecer as principais patologias que acometem os rins e como identificá-las.
conhecer sobre a formação dos ossos e seu metabolismo, suas células e composição;
descobrir o sistema endócrino, suas principais glândulas e hormônios, e entender como o organismo permanece
em equilíbrio por meio dos estímulos hormonais;
descobrir como os hormônios regem a fisiologia masculina e feminina e como essas alterações se mantêm na
gestação.
REFERÊNCIAS
ARNESON, W.; BRICKELL, J. (EDS.). Clinical chemistry: a laboratory perspective. Philadelphia: F. A. Davis Co, 2007.
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SARAIVA, G. L.; LAZARETTI-CASTRO, M. Marcadores Bioquímicos da Remodelação Óssea na Prática Clínica. Arquivos
Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, [S. I.], v. 46, n. 1, p. 72–78, fev. 2002.
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metabolismo ósseo. Revista da Associação Médica Brasileira, [S. I.], v. 43, n. 4, p. 367-370, dez. 1997.
Heloísa Ciol
Você está na unidade Proteínas plasmáticas e alterações metabólicas. Conheça aqui quais são as
proteínas plasmáticas que encontramos no nosso organismo e como elas podem auxiliar no diagnóstico
de patologias. Conheça, também, um grupo de doenças genéticas chamado erros inatos do metabolismo,
entendendo por que o teste do pezinho é tão importante para a vida do bebê. Aprenda mais a fundo sobre
dislipidemias, compreendendo o que é e quais os riscos associados aos lipídios do sangue. Além disso,
perceba o aminoácido homocisteína e descubra como ele e os lipídios contribuem para a formação da
aterosclerose.
Bons estudos!
1 Proteínas plasmáticas
As proteínas são um grupo de 50 ou mais aminoácidos que participam de diversas funções
no organismo. Quando nos referimos a proteínas plasmáticas – ou proteínas séricas – no
entanto, estamos nos referindo a dois grandes grupos de proteínas em especial: albumina e
globulinas. Vamos explorar neste tópico quais as funções dessas proteínas, como identificar
suas alterações e o que elas indicam.
É importante frisar que quanto maior for a quantidade de uma determinada proteína na
amostra adicionada ao gel de corrida de eletroforese, mais larga será sua banda após a
corrida. Isso se deve ao acúmulo de proteínas com os mesmos pesos moleculares em uma
determinada altura do gel.
1.4 Albumina
A albumina é a proteína mais abundante no sangue e corresponde a 60% das proteínas
totais no plasma. São proteínas não glicosiladas, solúveis em água que geralmente participam
do transporte de moléculas, pois se ligam a várias substâncias, como cátions (Na+, K+ e Ca2+),
ácidos graxos, hormônios, bilirrubina e fármacos. Sua principal função é regular a pressão
oncótica do sangue. A albumina é uma proteína de baixo peso molecular e, justamente por
ser pequena, é a primeira classe de proteínas encontrada na urina em casos de danos
glomerulares.
Pressão oncótica é a pressão exercida por proteínas no plasma do sangue por não conseguirem atravessar
as paredes dos capilares. Como elas ficam retidas no líquido extracelular, acabam exercendo uma forte
pressão osmótica sobre os íons e a água, mantendo o líquido no interior capilar.
1.7 Betaglobulinas
As betaglobulinas formam um grupo de proteínas cujos principais representantes são as
proteínas transferrina e componente C3 do sistema complemento.
O sistema complemento é uma resposta do sistema imune a infecções, como tentativa recrutar anticorpos
e inativar micro-organismos. Esse sistema é formado por diversas pequenas proteínas que circulam pelo
sangue que, quando estimuladas, iniciam uma cascata de ativação de proteínas do sistema complemento
que resultam no recrutamento de fagócitos para eliminar o corpo estranho, em inflamação para atrair mais
células fagocitárias e ativação do complexo de ataque à membrana, que auxilia na lise de diversos
patógenos.
1.8 Gamaglobulinas
As gamaglobulinas ou imunoglobulinas (Ig) são o grupo constituído por anticorpos
circulantes no organismo. Os anticorpos diferem entre si pela composição de suas cadeias
pesadas e podem ser subdivididos em diferentes classes: IgG, IgA, IgM, IgD e IgE.
Assista aí
O interior das células pode ser dividido em dois espaços principais: o citoplasma, onde se
encontram as organelas, e o núcleo, onde se encontra o material genético.
No citoplasma ocorre a síntese de proteínas e toda a função metabólica da célula, com
auxílio de organelas específicas e de grande importância clínica para as síndromes
metabólicas geradas pelos EIM.
Dentro das estruturas celulares, a síntese ou degradação de enzimas (proteínas), ácidos
graxos ou carboidratos podem ser comprometidas em doenças metabólicas causadas por
EIM. Vamos destacar as principais organelas envolvidas com síndromes metabólicas e EIM:
Lisossomos
Peroxissomos
Mitocôndria
2.5 Intoxicações
Quadros de intoxicações são manifestações clássicas de EIM. O acúmulo de metabólitos
tóxicos pode ocorrer até as primeiras 72h após o nascimento. A intoxicação é uma
manifestação comum aos erros no metabolismo intermediário, e dentre as principais
doenças deste grupo estão as aminoacidopatias, acidemias orgânicas, defeitos no ciclo
da ureia, intolerância a carboidratos e intoxicação a metais. Os principais EIM desse
grupo serão abordados em detalhes mais adiante.
Quadro 1 - Exames de triagem para EIMFonte: Elaborado pela autora, baseado em FLEURY, 2020.
#PraCegoVer: a imagem apresenta um quadro que lista exames de diagnóstico
complementares para erros inatos do metabolismo, identificando em colunas distintas o
nome do exame, o tipo do material utilizado para a análise (sangue ou urina), a motivação do
pedido do exame e exemplos de algumas síndromes que podem apresentar alterações
nesses exames.
Cromatografia líquida é uma técnica usada para separar moléculas de diferentes cargas ou tamanho,
permitindo avaliar a composição de uma solução. É um processo automatizado que consiste em passar
uma solução por uma coluna preenchida por uma resina que vai fracionar a filtração do analito. Esse
fracionamento pode ser dependente de tamanho ou de carga, e a identificação do composto é feita por
meio de espectroscopia, gerando um cromatograma como resultado. Essas filtrações de líquidos são de
alta eficiência (cuja sigla em inglês é HPLC – High performance liquid chromatography). Há também a
possibilidade de realizar a cromatografia de gases, chamada cromatografia gasosa.
2.10 Aminoacidopatias
Os aminoácidos são essenciais para a síntese de proteínas e auxiliam na manutenção
energética em quadros de jejum. Durante esse metabolismo energético dos aminoácidos,
intermediários tóxicos são produzidos e precisam ser neutralizados e eliminados. Distúrbios
no metabolismo de aminoácidos são raros, e o mais comum entre eles é a fenilcetonúria.
Os sintomas de intoxicação, como vômito e convulsões, podem aparecer tanto no período
neonatal como na fase adulta, estando geralmente associados a quadros de catabolismo
proteico. Além desses, a criança também pode apresentar hiperatividade, atrasos intelectuais
e no desenvolvimento. O quadro a seguir traz as três das principais aminoacidopatias
causadas por EIM.
Espectrometria de massas é uma técnica usada para a identificação de moléculas de acordo com sua
massa e carga. A molécula de interesse é ionizada por bombardeamento de elétrons, que pode levar à
fragmentação ou não de algumas amostras. Os fragmentos ionizados gerados são então submetidos a um
campo eletromagnético, separados de acordo com sua carga e detectados através de um mecanismo
eletro-multiplicador. Os espectros são disponibilizados como intensidade de sinal em função da relação
massa-carga da molécula, e os analitos podem ser identificados através de análises computacionais.
2.19 Fosfolipídios
Os principais fosfolipídios são sintetizados por quase todas as células, e os principais tipos
encontrados no organismo são as lecitinas, cefalinas e esfingomielinas. Os fosfolipídios
sempre contêm pelo menos uma molécula de ácido graxo e um radical de ácido fosfórico.
Os fosfolipídios são essenciais para a formação de lipoproteínas, sendo o principal
constituinte dessas moléculas. Também estão presentes na bainha de mielina, nas fibras
nervosas. São doadores de fosfato em reações químicas que ocorrem no interior da célula e
participam da formação estrutural da célula.
2.20 Colesterol
O colesterol é um lipídio com núcleo esteroide, sintetizado a partir de diversas moléculas de
acetil-CoA. Pode ser obtido por meio da dieta (colesterol exógeno) e também pode ser
sintetizado pelo organismo (colesterol endógeno). Sua concentração plasmática é afetada
com a ingestão de alimentos com alto teor de colesterol: o consumo de gorduras saturadas
aumenta a deposição de gordura no fígado, provoca aumento na produção de acetil-CoA e
contribui pra um aumento de 15% a 25% de sua concentração no sangue. Já o consumo
de gorduras insaturadas reduz a concentração de colesterol no sangue.
O colesterol tem inúmeras funções no organismo, desde estrutural até hormonal. Ele é
utilizado para formar os hormônios esteroides: adrenocorticais, progesterona, estrógeno e
testosterona; Ele também está presente no estrato córneo da pele, em que junto com outros
lipídios confere impermeabilidade da pele a agentes hidrossolúveis. Ele também é essencial
para a manutenção da estrutura da membrana celular.
2.24 Aterosclerose
A aterosclerose é uma doença das artérias de médio e grande calibre causada pelo depósito
de placas de gordura na parede das artérias, chamadas de placas ateromatosas ou
ateroscleróticas, que levam a uma calcificação da parede do vaso, fazendo com que ele
perca sua elasticidade. É uma patologia assintomática que compromete o fluxo sanguíneo e
aumenta o risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
O processo de formação das placas ateroscleróticas é chamado de aterogênese. A
aterosclerose está associada ao desenvolvimento de um processo inflamatório nas células
endoteliais dos vasos causado por danos e lesões ao endotélio arterial. Com a lesão, o
endotélio aumenta a expressão de moléculas de adesão e diminui a liberação de substâncias
anti-adesivas, como o óxido nítrico, ficando mais susceptível ao acúmulo de monócitos e
lipoproteínas de baixa-densidade (LDL) nos locais lesionados. Os monócitos entram nas
paredes das artérias e, na túnica íntima, se diferenciam em macrófagos, que ingerem os
lipídios ali depositados e os oxidam, se transformando em células espumosas. Essas células
se agregam na parede da artéria e formam uma camada de gordura. Com o tempo, esta
camada de gordura cresce, aumenta e reduz o calibre das artérias, formando placas
ateroscleróticas cada vez maiores.
A formação de placas ateroscleróticas recruta mais macrófagos, que liberam substâncias
pró-inflamatórias no local e estimulam a proliferação de tecido muscular e fibroso na parede
arterial. Esse processo resulta em fibrose e em precipitação de cálcio, gerando calcificação
arterial e em enrijecimento das artérias. Com a perda da elasticidade e redução do lúmen
arterial, as artérias ateroscleróticas ficam mais susceptíveis à pressão sanguínea e podem se
romper facilmente. Ainda, o endotélio enrijecido torna-se mais resistente às células
sanguíneas e favorecem a formação de trombos e êmbolos, levando a um bloqueio total da
circulação sanguínea. A figura a seguir ilustra o comprometimento do calibre dos vasos
conforme a progressão da doença e o aumento das lesões.
É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
conhecer o que são proteínas plasmáticas e como diagnosticá-las em laboratório;
aprender sobre a técnica de eletroforese de proteínas;
conhecer o que são erros inatos do metabolismo e qual a relação destas patologias com as alterações
laboratoriais;
compreender a importância do funcionamento correto do metabolismo para a homeostase do organismo;
conhecer a fundo o que são dislipidemias, quais são as lipoproteínas do corpo e como identifica-las;
explorar como as alterações nos níveis lipídicos do corpo contribuem para os riscos de doenças
cardiovasculares;
conhecer o que é aterosclerose e como se forma;
conhecer o aminoácido homocisteína e compreender sua importância clínica.
REFERÊNCIAS
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Brasileira de Cardiologia, 2013. v. 101
UNIDADE 4
BIOQUÍMICA CLÍNICA
ENZIMOLOGIA CLÍNICA E CONTROLE DE QUALIDADE
LABORATORIAL
Heloísa Ciol
Você está na unidade Enzimologia clínica e controle de qualidade laboratorial. Conheça aqui as enzimas
mais utilizadas na clínica para avaliação de funções cardíaca, hepática e pancreática, compreendendo o
porquê de sua importância e relevância para tal avaliação. Compreenda como o organismo regula a
absorção e manutenção do ferro, entendendo a importância deste íon na manutenção da homeostasia. Por
fim, saiba o que é preciso para que os laboratórios mantenham a qualidade em seus exames e não
comprometam os resultados divulgados, por meio do estudo de técnicas e sistemas de controle de
qualidade adotados pelas empresas e instituições.
Bons estudos!
1 Enzimologia clínica
Enzimas são proteínas catalisadoras, responsáveis por controlar e direcionar reações
químicas no organismo, estando presentes em todos os tecidos. Essas enzimas são
específicas para coordenar suas ações celulares e, de forma geral, não estão presentes no
plasma sanguíneo, a não quer que haja algum dano no tecido que permita maior
permeabilidade ou extravasamento das enzimas para o líquido extracelular.
Devido a essa especificidade das enzimas com seus tecidos, é possível
identificar lesões ou alteração metabólica de diversos órgãos por meio da quantificação
das enzimas no sangue. Diversas patologias podem ser diagnosticadas por meio dessa
quantificação de enzimas, sendo possível avaliar as funções hepática, cardíaca, pancreáticas,
além de alterações musculares e ósseas.
Nesta unidade, vamos focar no estudo das funções do fígado, coração e pâncreas, e
compreender como a fisiologia destes órgãos se relaciona às patologias mais comuns que os
acometem e como enzimas específicas permitem traçar uma linha de diagnóstico e
tratamento para os pacientes.
Assim como em reações químicas em geral, para que uma enzima seja capaz de catalisar uma
reação, são necessárias condições ideais de pH, concentração de enzima e substrato e
condições de tampão que favoreçam a reação química. Muitas enzimas, ainda, necessitam de
uma substância extra, chamada de cofator ou coenzima, para formarem o completarem a
reação. Esses cofatores, geralmente, são moléculas não proteicas ou íons metálicos que
auxiliam nas transformações bioquímicas de uma enzima. Os cofatores orgânicos são
normalmente chamados de coenzimas e derivam de vitaminas ou outros nutrientes.
O infarto agudo do miocárdio pode ser detectado pela elevação nos níveis séricos de CK-
MB, uma vez que essas enzimas são liberadas no sangue quando há lesão nas células do
miocárdio. Diferentemente das troponinas, o tempo de vida da CK no sangue é curto, não
ultrapassando as 18h após o infarto. Logo, é um biomarcador que pode ser usado para
detectar lesões miocárdicas precoces, pois suas concentrações se elevam após cerca de 3
horas da lesão.
A detecção de CK-MB no sangue pode ser feita por meio da sua atividade ou
pela quantificação total de proteína no plasma. Ambas as abordagens utilizam métodos
imunológicos.
2.8 Mioglobina
A mioglobina é uma proteína ligadora de ferro e oxigênio encontrada nos músculos
estriados. Ela é utilizada como um marcador precoce da necrose do miocárdio, podendo ser
encontrada no sangue já cerca de 2h após a lesão.
Por ser uma proteína pequena, é uma das primeiras proteínas a extravasar para o líquido
extracelular no caso de uma lesão cardíaca. Também devido ao seu tamanho, é rapidamente
filtrada pelos rins e, por isso, seu tempo de detecção após a lesão é bastante reduzido, tendo
seu pico de concentração no sangue entre 6h e 9h após a lesão.
Por ser uma proteína encontrada em todas as células musculares, a mioglobina não tem
especificidade para o músculo cardíaco, mas somada a outros biomarcadores, pode
contribuir para a avaliação e diagnóstico de lesões cardíacas. Por ter um valor de referência
alto, ela pode contribuir para exclusão de suspeitas de infarto do miocárdio.
O diagnóstico dessa proteína pode ser feito por imunoensaio, mas os métodos de análise
por turbidimetria e nefelometria também são amplamente utilizados na prática clínica.
2.9 Biomarcadores que caíram em desuso
Alguns biomarcadores antes usados para acessar a função cardíaca caíram em desuso devido
à sua baixa especificidade e ao surgimento de marcadores mais específicos para avaliar
lesões miocárdicas.
Dentre esses marcadores estão a enzima aspartato aminotransferases (AST), também
conhecida como transaminase glutâmico oxalacética (TGO) e a enzima lactato
desidrogrenase (DHL), ou desidrogenase láctica total. A enzima AST não é mais utilizada
para avaliar as funções cardíacas por ser expressa e encontrada em diversos tecidos,
incluindo o tecido hepático, o que podia apresentar falsos-positivos ou falsos-negativos na
avaliação clínica de um paciente cardíaco. A DHL, da mesma forma, apresenta baixa
especificidade ao tecido cardíaco, tendo seu uso sido descontinuado na prática.
Hidrólise é uma reação química na qual uma molécula de água é um dos reagentes da equação
e se rompe para formar novos produtos. Na biologia, a hidrólise ocorre frequentemente em
reações que usam a água para quebrar grandes moléculas em produtos menores.
3.2 Função pancreática alterada: pancreatite
Lesões pancreáticas causadas por inflamações, infecções ou bloqueio de ductos podem
ocluir a secreção pancreática, fazendo-a acumular nos ductos pancreáticos, iniciando uma
lesão. Esse acúmulo pode ativar as enzimas pancreáticas, principalmente a tripsina, que passa
a digerir o tecido pancreático, resultando em pancreatite. As disfunções pancreáticas podem
ser causadas por pancreatites aguda, crônica, hereditária ou por câncer pancreático.
A tripsina é uma enzima produzida exclusivamente no pâncreas, o que faria dela um ótimo
marcador de função pancreática. No entanto, ela é secretada na sua forma inativa, chamada
tripsinogênio, para evitar autodigestão até que atinja o lúmen intestinal. Ainda, quando a tripsina
ativa consegue entrar na corrente sanguínea, é prontamente inibida por alfa-proteínas inibidoras
de protease, o que inviabiliza sua quantificação por métodos tradicionalmente usados em
laboratório. A tripsina pode ser quantificada por meio de do tripsinogênio, um exame bastante
usado na triagem neonatal para fibrose cística.
Além da participação no metabolismo das moléculas listadas na tabela, o fígado também tem
grande importância no armazenamento de vitaminas A, D e B12. Também armazena ferro
na forma de ferritina, pois os hepatócitos contêm grandes quantidades de apoferritina, e
participa da formação de fatores de coagulação, como o fibrinogênio, protrombina e fator
VII da cascata de coagulação. O poder metabólico do fígado é de suma importância, também,
para remover ou excretar drogas, hormônios e outros compostos químicos.
4.6 Aminotransferases
As aminotransferases, também conhecidas como transaminases, catalisam a transferência
de um grupo amino de um -aminoácido para um -oxoácido. A quantificação dessas enzimas
indica rompimento dos hepatócitos, causado por lesão hepática aguda, mas não tem um
diagnóstico direcionado.
As aminotransferases são encontradas em diversos tecidos, e as mais analisadas para
avaliação do perfil clínico são a aspartato aminotransferases (AST) e alanina
aminotransferases (ALT). A AST é encontrada no fígado, coração, músculo esquelético, rins,
cérebro, eritrócitos e pulmão. A ALT também é encontrada nesses tecidos, mas sua atividade
é maior no tecido hepático. Logo, elevações nos níveis de ALT são indicativos de lesões no
tecido hepático. Ambas as transaminases podem ser quantificadas pelo método cinético-
enzimático.
4.10 Albumina
A albumina é sintetizada exclusivamente no fígado, e quadros de lesões hepáticas levam a
uma redução na produção dessa proteína. Quadros significativos de hipoalbuminemia
podem levantar suspeita de cirrose hepática ou doenças crônicas no fígado. No entanto, em
caso de síndrome nefrótica, a concentração sérica da albumina também pode se apresentar
diminuída devido à perda renal da proteína.
As concentrações de albumina podem indicar alguma relação com alteração da função
hepática, mas sua quantificação não é um teste padrão na prática clínica para avaliar a função
do fígado. A avaliação das enzimas hepáticas para acessar a função do fígado são muito mais
comuns.
5 Casos clínicos
Agora, analisaremos alguns casos clínicos.
5.1 Caso 1
Uma mulher de 65 anos chega ao pronto socorro com queixas de dores no peito, tonturas e
náuseas. Relata que a dor, intensa, iniciou há dois dias e vem piorando. Sente irradiações da
dor para o membro superior esquerdo e para a região dorsal. A paciente é hipertensa, obesa
e tem resistência insulínica.
Os exames clínicos mostraram que o pulso da paciente estava irregular. No
eletrocardiograma, foram encontradas alterações compatíveis com infarto do miocárdio. No
exame de sangue, os biomarcadores de função cardíaca troponina e CK-MB estavam
elevados.
• Interpretação
A paciente chegou ao pronto-socorro com um quadro compatível a um infarto do miocárdio. A dor intensa
se deve à hipóxia e falta de oxigenação no miocárdio, provocada provavelmente por uma oclusão arterial,
que deverá ser identificada e corrigida por meio de um cateterismo. A hipertensão, obesidade e a resistência
insulínica contribuem para o agravamento do quadro, uma vez que são fatores de risco para problemas
coronários. O pulso estava irregular e o eletrocardiograma estava alterado como consequência da isquemia
cardíaca. Os exames laboratoriais troponina e CK-MB indicam que houve lesão do tecido cardíaco, sugerindo
então um quadro de infarto do miocárdio
5.2 Caso 2
Uma mulher de 35 anos chega ao hospital com queixas de dores abdominais intensas que
tiveram início há 6h. Relata que desde o dia anterior apresenta um incômodo no abdômen,
que não sabia definir com exatidão, mas que hoje esse incômodo se intensificou com dores
na região do epigastro e mesogastro. A mulher relata que teve vômitos nas últimas 24h e tem
se sentido nauseada. Se automedicou, mas a dor não diminuiu. A paciente não apresenta
comorbidades, complicações ou histórico familiar semelhantes aos seus sintomas. Não
consome álcool.
No exame clínico, a paciente se apresenta pálida e com sudorese, com mucosas hipocrômicas
e sem alterações cardiovasculares. O abdômen é doloroso à palpação. Nos exames
laboratoriais, há alterações evidentes nas enzimas pancreáticas amilase e lipase.
• Interpretação
O quadro da paciente, relatando um desconforto crescente e uma dor aguda súbita na região epigástrica, é
um indicativo de pancreatite aguda. A pancreatite pode se iniciar como consequência da oclusão dos ductos
biliares por litíase (cálculos) biliar. Os exames de palpação e os sinais da paciente sugerem que a dor possa
ser de origem pancreática. Os exames laboratoriais confirmam uma pancreatite aguda, mas sozinhos não
são o suficiente para concluir a origem da inflamação. É indicado que a paciente faça alguns exames de
imagem (ultrassonografias e tomografia computadorizada de abdômen) para avaliar os ductos e a vesícula
biliar.
5.3 Caso 3
Um senhor, de 68 anos, foi admitido em um hospital apresentando quadro de confusão
mental, agitação, icterícia e ascite significativa. Também apresentava um quadro de
desconforto respiratório. Faz consumo considerável de álcool diariamente. As principais
hipóteses diagnósticas são cirrose hepática ou hepatite crônica.
Dentre todos os exames realizados nesse senhor, uma drenagem na cavidade abdominal
retirou mais de quatro litros de líquido ascético. Os exames laboratoriais indicaram aumento
de TGO e TGP, aumento de bilirrubina direta, aumento ureia e amônia. Os exames de
creatinina também se encontravam alterados.
• Interpretação
O paciente apresenta um quadro indicativo de comprometimento das funções hepáticas, muito
possivelmente causado pelo consumo de álcool diário. O quadro de icterícia é um indicativo do
comprometimento hepático, uma vez que a bilirrubina deveria ser excretada pelo fígado. A confusão mental
está relacionada ao aumento de amônia e creatinina no sangue. Essas toxinas ultrapassam a barreira
hematoencefálica e interferem com a neurotransmissão. O desconforto respiratório é decorrente da pressão
exercida pelo líquido ascítico no abdômen, que estava comprimindo o diafragma e dificultando a respiração.
As alterações em ureia, amônia e creatinina indicam um comprometimento renal. Isso pode ocorrer devido
à diminuição do volume de plasma circulante, uma vez que o paciente perdeu bastante líquido para o
extravasamento para a cavidade abdominal.
Cada cadeia de hemoglobina possui um grupamento heme, que contém uma molécula de
ferro, e como há quatro cadeias de hemoglobina em cada molécula de hemoglobina, há
quatro átomos de ferro por molécula de hemoglobina, que podem se ligar fracamente a uma
molécula de oxigênio.
Assista aí
6.3 Anemias
Quando há deficiência de hemoglobina no sangue, o quadro recebe o nome de anemia. A
anemia pode ser causada tanto pela queda no número de hemácias no organismo ou pela
falta de hemoglobina nessas células.
A anemia por perda de sangue pode surgir após um quadro de hemorragia. O organismo
consegue repor a porção líquida do plasma em cerca de um a três dias, mas o suprimento de
células vermelha volta ao normal somente após cerca de três a seis semanas. Se a perda for
muito acentuada (crônica), a pessoa pode apresentar dificuldades na absorção do ferro
proveniente da dieta e passar a ter hemácias pequenas e com pouca hemoglobina circulando
no sangue, quadro conhecido como anemia microcítica hipocrômica.
A produção de hemácias também pode ser prejudicada por mal funcionamento da medula
óssea. Esses casos podem acontecer por exposição a radiações ou intoxicações químicas,
levando a não produção ou produção deficiente de eritrócitos. Essa anemia é chamada
de anemia aplástica e pode ser fatal.
As vitaminas B12 e ácido fólico, em conjunto com o fator intrínseco produzido na mucosa
estomacal, são essenciais para a formação de novos eritrócitos. Quedas nos níveis dessas
moléculas podem retardar a reprodução de eritroblastos, fazendo com que as células
vermelhas cresçam além do tamanho ideal e deem origem à anemia megaloblástica. Caso
a pessoa perca a mucosa estomacal responsável por produzir o fator intrínseco, a anemia
recebe o nome de anemia perniciosa.
Outro tipo de anemia bastante conhecido é a anemia hemolítica. Nesse tipo de anemia, as
células vermelhas do sangue se apresentam deficientes, geralmente por heranças genéticas,
e se tornam muito frágeis, podendo romper facilmente ao passar por capilares,
principalmente no baço. Esse tipo de anemia não afeta a produção de hemácias, mas reduz
consideravelmente seu tempo de vida. Os três principais tipos de anemia hemolítica na
prática clínica estão listados no quadro a seguir.
Quadro 2 – Tipos de anemia hemolíticaFonte: Elaborado pela autora, baseado em GUYTON et al.,
2006.
#PraCegoVer: a imagem traz um quadro detalhando os três principais tipos de anemia
hemolítica que podem ser encontrados na prática clínica. Está dividido em três colunas: uma
para esferocitose hereditária e as outras para anemia falciforme e eristroblastose fetal.
Mas atenção, vale ressaltar que os valores avaliados nesse gráfico de qualidade são referentes
à amostra controle! O laboratório deve realizar um ensaio controle diariamente e adicionar
esses valores no gráfico. As flutuações dos resultados são normais e esperadas, e, desde que
elas permaneçam nos limites estabelecidos pelo desvio padrão, não há comprometimento
das análises dos pacientes. No entanto, quando elas ultrapassam os limites
estabelecidos pelo gráfico, é um indicativo que a precisão daquele exame foi
comprometida. Os principais fatores que podem levar a uma variação brusca nos valores
são amostra inadequada, preparo inadequado e perda de calibração dos instrumentos, e a
equipe de CIQ deve agir para identificar a fonte de erro e corrigi-lo antes que isso comprometa
as análises oferecida pelo laboratório.
A adoção de um sistema de qualidade interno não significa criar controles de qualidade
novos, mas sim adotar sistemas já existentes que melhor se enquadram às análises do
laboratório. Independente do sistema adotado, algumas características são primordiais
para que o controle de qualidade seja eficiente:
• o sistema deve oferecer informações sobre a exatidão e precisão dos métodos;
• deve ser sensível o suficiente para identificar flutuações críticas;
• deve ser de fácil implementação, manutenção e interpretação;
• deve fornecer indícios das fontes de erro envolvidas em cada processo;
• avaliar regularmente os métodos usados, equipamentos e profissionais.
Os dois sistemas de controle de qualidade interno mais utilizados pelos laboratórios são os
sistemas de Levey-Jennings e o de Regras de Westgard.
Mapa de Levey-Jennings
É um gráfico semelhante ao gráfico de Shewhart, tendo sido adaptado para o uso em
laboratório clínico. Esse sistema foi criado pelos patologistas Stanley Levey e E. R. Jennings em
1950, utilizando a estatística para estabelecer limites aceitáveis de variação.
Nesse mapa, os valores observados nas análises se encontram no eixo Y, enquanto
a frequência das corridas, dia ou hora se encontra no eixo X. Por meio dessa disposição, o
gráfico permite avaliar a discrepância entre as flutuações analíticas das amostras controle.
Outra diferença desse mapa com o de Shewhart é que as linhas horizontais acima e abaixo
da média são estabelecidas por valores de desvio padrão. Isso ocorre porque Levey-
Jennings levaram em consideração a distribuição normal de variações de leituras da amostra
controle, ou seja, a média e o desvio padrão são calculados com base em dados
experimentais. Um exemplo do mapa de Levey-Jennings está representado na figura a seguir.
Figura 6 - Mapa de Levey-Jennings e comparação com curva de GaussFonte: Elaborada pela
autora, baseada em Peter Hermes Furian, Shutterstock, 2020; BASQUES, 2009.
#PraCegoVer: a imagem representa o mapa de Levey-Jennings, comparado à uma
distribuição normal ilustrada por uma gaussiana, que se encontra rotacionada à esquerda e
ao lado esquerdo do mapa. As variações de desvio padrão da gaussiana coincidem com as
linhas do mapa. Há um gráfico em vermelho no mapa, indicando a variação dos resultados
obtidos para as amostras controle do laboratório.
Figura 7 - Regras de WestgardFonte: Elaborada pela autora, baseada em Peter Hermes Furian,
Shutterstock, 2020.
#PraCegoVer: a imagem mostra um mapa semelhante ao apresentado na figura “Mapa de
Levey-Jennings”, na qual há uma gaussiana rotacionada para a esquerda do lado esquerdo da
imagem, com as linhas que identificam a média e o desvio padrão na horizontal, conectando
a gaussiana ao gráfico. Nessa imagem, há apenas a representação de dois pontos, que se
estendem da média até a zona acima de três desvios padrões. Este ponto está designado
como 13s.
O laboratório pode definir sinais de atenção para pontos que excederem dois desvios
padrões, ou seja, quando o valor da análise da amostra controle for igual à média 2s.
Variações dentro desta escala podem sugerir inspeções na linha de produção para avaliar se
os resultados precisam ser repetidos ou rejeitados. Essa regra é chamada de regra 12s.
As análises das amostras padrão que excederem os limites média 3s caem na regra chamada
de regra 13s, e, de forma semelhante ao mapa de Levey-Jennings, indicam um erro cuja fonte
precisa ser investigada. Esse erro pode ser aleatório ou sistemático, e o teste de Westagard
ajuda a visualizar essa tendência para sugerir uma correção das não-conformidades.
Quando um erro aparece de forma sequencial em duas corridas consecutivas, ele pode
indicar uma tendência e cai na regra chamada de regra 22s. Isso significa que duas corridas
analíticas tiveram resultados com valores iguais à média mais dois desvios padrões, como
ilustrado na imagem a seguir, apontando então um erro sistemático no processo analítico.
Figura 8 - Regra 22sFonte: Elaborada pela autora, baseada em Peter Hermes Furian, Shutterstock,
2020.
#PraCegoVer: a imagem ilustra um mapa de Westgard para violações da regra 22s. Nessa
imagem, são apresentadas três medidas analíticas, sendo a primeira com valor na média e a
segunda e terceira medidas dentro da faixa de erro de dois desvios padrões, indicando uma
tendência a não conformidade.
Caso os valores dos ensaios se repitam mais que quatro vezes dentro da faixa de um desvio
padrão, a regra de Westgard indica que há violação da regra 41s. A reprodutibilidade dos
resultados nessa faixa indica que os exames realizados naqueles dias devem ser
desconsiderados pois há um erro sistemático no processo, mesmo que não some dois ou
mais desvios padrões.
Há também mais duas regras, chamadas de regra 7xm e regra 7T que avaliam o
comportamento dos resultados em sete dias seguidos. Na regra 7xm, os resultados
encontram-se desviados um desvio padrão para mais ou para menos por sete dias, indicando
um erro sistemático. Na regra 7T, os valores das amostras padrão mostram uma tendência
crescente ou decrescente, também indicando um erro sistemático.
De forma geral, violação de qualquer uma das regras apresentadas acima indica que o
processo analítico perdeu a precisão, reprodutibilidade e estabilidade. Como consequência,
todos os ensaios de pacientes realizados durante o período de violação das regras devem ser
rejeitados e realizados novamente, após a solução do problema.
É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
aprender sobre a função e funcionamento das enzimas;
compreender como as enzimas podem ser utilizadas no diagnóstico de patologias;
conhecer os principais biomarcadores cardíacos, hepáticos e pancreáticos e suas funções;
aprender sobre o metabolismo do ferro no organismo e sua importância para a manutenção da
homeostase;
conhecer o que é controle de qualidade e como ele feito nos laboratórios;
explorar sobre sistemas de qualidade adotados por laboratórios para manter a qualidade de seus ensaios.
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