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Violência de Gênero

Fundamentos e metodologia para o


atendimento psicossocial

SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL


GOVERNO DE GOIÁS
2020

Secretária de Desenvolvimento Social

Lúcia Vânia

Superintendente da Mulher e da Igualdade Racial

Rosilene Guimarães

Gerente de Enfrentamento à Violência Doméstica

Juliana Caiado

Organizadores

Larissa Lopes

Heloísa de Castro

Ludmila Guimarães

Sergei Cruvinel

ISBN: 978650006401-8

Secretaria de Desenvolvimento Social

Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, n. 332. Blocos A,

B, C e D - Centro, Goiânia / GO. CEP: 74003-010


ÍNDICE

APRESENTAÇÃO 2

ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DO GÊNERO 4


História social do gênero 4
Teorias sobre gênero 9
Interseccionalidades 13

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER 17


Marcos legais internacionais, nacionais e estaduais 17
Lei Maria da Penha: conceitos fundamentais 23
Atuação da Rede de Enfrentamento e da Rede de Atendimento 33
Identificação de fatores de risco e do ciclo de violência 39

ATENDIMENTO INDIVIDUAL E EM GRUPO REFLEXIVO 44


Acolhimento e Grupo Reflexivo com vítimas 44
Acolhimento e Grupo Reflexivo com supostos autores 48
Procedimentos e documentos necessários 52
Impactos da pandemia na forma de atendimento 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 61

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APRESENTAÇÃO

Você sabia que ​uma em cada três mulheres já sofreu agressão física ou
sexual ao redor do mundo? É isso que nos conta a Organização Mundial da
Saúde (OMS), em uma estimativa realizada em 2019. Ainda, dados do Ministério
da Mulher agrupados no último ano apontam uma tendência: a maior parte dos
episódios de violência acontecem ​dentro de casa​.

O fenômeno da violência de gênero é complexo, cotidiano e se constitui
como uma das principais formas de violação dos Direitos Humanos, atingindo o
direito à vida, à saúde e à integridade. Ele se expressa em agressões,
negligências, humilhações ou outras ações violentas que foram geradas em um
sistema patriarcal, incluindo a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Nesse sentido, é de suma importância que a atuação socioassistencial possua
como princípio norteador a redução dessa desigualdade.

E, diante desse cenário, faz-se necessário elaborar e efetivar estratégias de
enfrentamento e atendimento. Aqui serão apresentados conceitos importantes
para essa construção, dialogando-se sobre métodos eficazes para o combate à
violência de gênero. O texto se organizará do seguinte modo:

1) Aspectos sócio-históricos do gênero, onde abordaremos a constituição social
da desigualdade de gênero ao longo do tempo;

2) Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, no qual contém fundamentos
para a compreensão da Lei Maria da Penha e demais dispositivos que marcam o
tema;

2

3) Grupo Reflexivo para Mulheres e Supostos Autores, cujo objetivo é
demonstrar sobretudo esta metodologia de atendimento com mulheres vítimas e
homens supostos autores de violência doméstica, vez que tem garantido bons
resultados. Além disso, será discutido, de forma breve, as novas configurações
durante e após a pandemia "COVID-19".

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1. ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DO GÊNERO

a. História social do gênero

Discussões sobre gênero são relativamente recentes em nossa história,


contudo, entendimentos a respeito do que é feminino ou masculino tiveram
impactos significativos ao longo de diferentes momentos históricos e culturais.
Isto porque as formas como estruturamos a convivência social não foram sempre
as mesmas em nosso desenvolvimento, sendo assim produzidas diferentes
identidades e relações de gênero. E conhecer particularidades de outros tempos é
importante pois pode nos ajudar a compreender os rumos que tomamos na
atualidade, principalmente no mundo ocidental.

Vamos começar de onde nos construímos como seres humanos. Você já
pensou sobre o que nos diferenciou dos outros seres do planeta? Vigotski (2001)
afirma que a resposta está na intencionalidade com a qual modificamos a
natureza. Isso quer dizer que só nos tornamos pessoas, com pensamentos e
sentimentos, a partir do momento em que conseguimos construir ferramentas
físicas rudimentares, como lascar pedras ou produzir fogo. Porque, nesse cenário,
fomos ativos, e é com base em nossa atividade que se tornou possível construir a
história como conhecemos.

É interessante destacar, entretanto, que nossa história como espécie se
iniciou pela força. Quando buscamos a raiz desta palavra, percebemos que ela é
derivada de vis, que também dá origem à palavra violência. E essa relação não é
mera coincidência. A força que nos foi necessária para a dominação da natureza,
ao mesmo tempo deu abertura à reprodução da dominação entre nós mesmos,
como veremos logo adiante.

4
Nos primórdios da humanidade, a Vênus de Willendorf (24.000 a.C.) é
um marco relevante para se pensar as relações de gênero. Apesar do nome difícil,
a estátua ilustra aspectos de identificação simples. A mulher é apresentada sem
pés, com braços frágeis e sem rosto, localizando sua função na fertilidade. A
preocupação com a reprodução da espécie era muito presente e necessária, mas já
é possível identificar aqui o depósito de um papel a ser cumprido por pessoas do
sexo feminino, ainda que de forma mais primitiva.

Com o tempo, foram se desenvolvendo instrumentos cada vez mais


sofisticados, produzindo-se capacidades como a escrita e a agricultura, por
exemplo. As necessidades se transformaram e aos poucos os agrupamentos entre
pessoas se tornaram cada vez maiores. Chegamos então na era das civilizações.
Tendo em vista o impacto que a civilização greco-romana possuiu no mundo
ocidental, aqui nos centraremos nela. A preocupação com temas da democracia,
da matemática e da existência humana foi central nesse período. No entanto, a
concepção de homem e de mulher não escapou das reflexões de seus pensadores,
também considerados pais da filosofia. Veja como essa questão aparece no livro
VI de Platão (2001): “... as nossas mulheres são naturalmente inferiores aos
homens pela virtude…”

Também Aristóteles definia as mulheres como homens imperfeitos, sem


racionalidade, frágeis, passionais, não sendo passíveis de confiança (Duby e
Perrot, 1993a). Evidentemente, essas falas não estavam desconectadas do que era
vivido no dia-a-dia. Para tais comunidades, somente homens eram considerados
cidadãos. Ou seja, eles eram os únicos dignos para pensar e refletir sobre os
rumos que a vida coletiva poderia tomar. As mulheres, vistas como seres
incapazes, poderiam passar por uma educação para atividades práticas do
cotidiano, porém não podiam participar dos processos de formação. A formação

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era indicada aos homens, para que pudessem refletir e alcançar a liberdade do
pensamento, a elevação do espírito e da virtude.

Ademais, o período da Antiguidade Clássica é marcado por lutas para
proteger territórios, saquear matérias-primas e escravizar, condições que também
demonstravam a dinâmica de gênero. Quando as cidades eram tomadas, o estupro
de mulheres passou a valer como “prêmio de conquista”. A educação para a
guerra, geralmente iniciada desde cedo, estimulava o desenvolvimento de porte
físico, bem como o surgimento e a manutenção de comportamentos agressivos
para os meninos. Já para as meninas, quando se autorizava o cuidado com o
corpo, correspondia a manter saúde para que tivesse filhos fortes para compor
futuramente o exército.

Centenas de anos à frente, com a decadência do sistema de civilizações e
impérios, iniciou-se a transição para a Idade Média. Nesse tempo, a religião
adquiriu papel de máxima evidência, onde os clérigos eram os únicos com
permissão para acessar a escrita e refletir sobre a humanidade. Nesse sistema de
pensamento, que regulava as relações que se estabeleciam no período, retomamos
Ambrósio de Milão (como citado por Duby e Perrot, 1993b, p. 35) ao afirmar
que: “a mulher é que foi autora da falta para o homem, não o homem para a
mulher”.

O que o trecho nos indica é a culpa da mulher pelos pecados da
humanidade: tanto seus, quanto do homem. Tal concepção se embasa na
interpretação bíblica de Eva como o ser ardiloso que mediou o contato de Adão
(e consequentemente de todos) com os frutos do mal. Por carregar tamanha
culpa, não poderia também ser considerada afável: “A beleza do corpo não reside
senão na pele. Com efeito, se os homens vissem o que está debaixo da pele, a

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vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas… Então, quando nem mesmo com a ponta
dos dedos suportamos tocar um escarro ou um excremento, como podemos
desejar abraçar esse saco de excrementos?” (Odão de Cluny, 942, citado por
Duby e Perrot, 1993b).

Entretanto, do século XII em diante, os princípios da época criaram uma
imagem do feminino um pouco mais contraditória. Dando ênfase à história de
Maria, a virgindade e a maternidade se tornaram expectativas do que a mulher
deveria alcançar e manter. Inclusive, a proteção da castidade da mulher se tornou
responsabilidade de homens que a custodiassem, como pais, irmãos.

Mediante eventos que começaram a afetar o domínio pleno do clero nas
atividades cotidianas, ingressou-se a formação de cidades como as conhecemos.
É nesse momento que ocorre o desenvolvimento de atividades industriais e o
chamado Renascimento cultural, artístico e político. Esses acontecimentos
tiveram profundas consequências na vida cotidiana das pessoas. Não se buscava
mais um terreno para plantio e para desenvolver uma comunidade, mas sim
embarcar para centros urbanos, sem preocupar-se com vínculos vitalícios. Como
os espaços se transformaram desta maneira, os laços também não eram mais os
mesmos.

Sabe aquela expressão: "lar doce lar"? A origem dessa concepção de lar,
um ambiente doméstico e completamente privado surge nesse período. Por
conseguinte, depois de anos de casamento sem consentimento da mulher,
buscando-se formação de alianças políticas no medievo, o casamento passou a
ser somente “coisa de marido e mulher”. Além disso, crianças que antes eram
cuidadas em grupos de mulheres, vincularam-se à responsabilidade de uma única

7
mulher, a mãe, ou em caso de famílias mais abastadas financeiramente, também à
empregada da família (Ariès, 2015).

Falando um tanto mais sobre a relação das mulheres com o trabalho,
nota-se que quando chegavam à adolescência, dois deveres lhe eram dispostos:
arrumar um emprego para que pudesse gerar renda para sua família (vez que não
geria o próprio dinheiro arrecadado) e, ao mesmo tempo, conquistar aptidões
para seu futuro casamento, como a costura, a cozinha e o cuidado com os filhos
(Duby e Perrot, 1993c). Esta formação era iniciada já aos poucos anos de idade e
o emprego raramente possuía retorno financeiro igualado ao salário masculino
para a mesma função. Justificava-se ser desnecessário receber o mesmo valor,
porque a mulher necessariamente seria sustentada por outra figura masculina,
seja o pai ou o marido.

Ao desenvolvimento da modernidade, intensificou-se consideravelmente


alguns padrões do que é ser mulher ou homem, destinando-se a mulher cada vez
mais a este espaço privado das relações familiares. Não é raro, por exemplo,
ouvir que a mulher é a "Rainha do Lar" ou expressões com sentido parecido. No
entanto, particularmente o final do século XX e o início do século XXI trouxe
inúmeras contribuições à contestação destas construções histórico-sociais. Dada
sua importância, dedicaremos o próximo tópico para discuti-las.

8
b. Teorias sobre gênero

Como vimos, a divisão de papéis entre homens e mulheres foi um dos


aspectos estruturantes da história ocidental. Porém, somente a partir da segunda
metade do século XX as ciências sociais começaram a pensar sobre o que
significa gênero (Scott, 1995). Falando nisso, você já se perguntou a diferença
entre sexo e gênero?

Grosso modo, falar de "sexo" nos remete a nossa constituição biológica, o


que foi identificado por meio dos nossos órgãos genitais quando nascemos. Já
quando usamos a categoria "gênero", queremos enfatizar que há uma construção
social e histórica sobre as formas de ser e agir a partir deste mesmo aparato
genital-reprodutor. A biologia não é descartada, mas não é o único referencial
para compreender os processos relacionais humanos (Galinkin e Ismael, 2011).

A percepção da desigualdade no tratamento entre meninas e meninos


gestado nas expectativas de feminilidade e masculinidade tem avançado a passos
largos, em curto período de tempo. Até metade do século passado, mulheres não
poderiam votar e foi somente a partir do movimento sufragista que sua
participação política começou a ser reconhecida.

No entanto, a construção da identidade masculina, feminina e das relações


de gênero como um todo é bastante complexa e merece maior atenção. Silva
(2000), por exemplo, discute a hipótese de homens estarem em uma crise de
identidade em decorrência das novas exigências desse contexto, o que precisa ser
analisado com cautela. Ainda, embora se encontre atualmente uma gama mais
ampla de experiências sobre o "ser homem", elas se pautam na negação de um
padrão hegemônico existente de masculinidade e feminilidade.

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Para o masculino, há uma recusa do feminino, estabelecido como "não ser
mulherzinha". Isso porque o homem precisa, necessariamente, ser ativo, viril,
entre o agressivo e o racional, para que integre a masculinidade dominante. De
outro lado, cabe à mulher ser dócil, passiva, emocional, cuidadora, mas com
leves traços de timidez, para então ser entendida como uma "mulher de respeito".
Esses estereótipos envolvem mais do que regras já superadas, mas são diluídos
no senso comum construindo subjetividades que buscam tais referências a serem
seguidas. Sendo desta forma, tanto as mulheres quanto os homens compartilham
destas ideias de reprodução da dominação, vivenciando a repressão de seus
sentimentos para cumprir papeis sociais (Rabelo, 2010).​

No meio filosófico e sociológico, muito se questiona o que mantém esses
papeis ainda tão rígidos que implicam, em regra, a sobreposição do poder do
homem perante a mulher. As explicações sobre essa estruturação das relações de
gênero nascem de diferentes visões. Vamos falar um pouco sobre algumas delas?


​Teoria da Dominação Masculina

A principal autora desta perspectiva é Marilena Chauí. Ela argumenta que


a violência contra a mulher resulta de uma ideologia de dominação, reproduzida
por homens e mulheres. Essa ideia propagada como verdade nas nossas relações,
faria com que a mulher se tornasse "cúmplice" da violência que a atinge (Chauí,
1985). Nesse caminho, a própria mulher seria produzida socialmente como um
instrumento usado pelo homem para estender sua dominação. As "escolhas" de
cumprir com papeis naturalizados femininos, tais como a maternidade ou o
cuidado com a casa, não são escolhas reais, mas condicionadas. A mulher, assim
socializada, não encontra espaço para sua autonomia.

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Teoria da Dominação Patriarcal

Quem abre as discussões dentro desta visão é Heleieth Saffioti. Para a
autora, além da dominação, é preciso conceber a violência contra a mulher como
uma relação de exploração. Isso porque retomando a história, entende-se que nos
organizamos a partir de um sistema patriarcal. O patriarcado se refere a uma
lógica construída historicamente em que a mulher é oprimida pelos homens
enquanto estrutura de convivência social, sendo totalmente destituída de poder e
posses (Saffioti, 2001). Relembra desde os empecilhos para que mulheres
estudassem, fossem proprietárias de objetos e de si mesmas, destacando as
atualizações cotidianas desse cenário. Entretanto, a autora não estabelece a
ausência de autonomia da mulher. Pelo contrário, acredita que a mulher seja
somente vítima da violência, submetida à condições desiguais de poder, mas que
é possível alterar este cenário a partir da movimentação político-social.

Teoria Relacional

Maria Gregori é a referência fundamental para esta teoria. Em contraponto
com as noções anteriores, entre a não-autonomia e a condição de vítima, a autora
acredita que a violência é um jogo relacional. Na sua concepção, os episódios
violentos podem ser uma forma de comunicação perversa entre os parceiros e,
não necessariamente a mulher assume uma postura de passiva enquanto o homem
é ativo. Ela parte do pressuposto de que há uma igualdade social estabelecida
quando se inicia uma relação e ambas as partes podem ser responsabilizadas
pelos caminhos de violência trilhados em conjunto.

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Cada uma destas teorias carrega consigo muitas implicações e
complexidades, por isso recomendamos que aprofundem a leitura das referências.
Além delas, temos ainda muitas outras discussões que permeiam o campo de
estudos do gênero. Dentre elas, ressaltamos a interseccionalidade como um
assunto de suma importância para a temática, conforme discutiremos no tópico a
seguir.

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c. Interseccionalidades

Dialogamos um pouco sobre a importância de considerar o gênero na


formação da identidade de cada um. No entanto, não se trata de uma categoria
fixa, que possui as mesmas implicações a todos, sem distinção. Colocar isso em
perspectiva significa trabalhar com a interseccionalidade. Pensar em condições
que se interseccionam é ter em vista que demais marcadores sociais, como
raça/etnia, classe, sexualidade ou idade se entrelaçam ao gênero, produzindo
vivências bastante distintas (Crenshaw, 2002).

Um exemplo clássico é a luta pelo trabalho das mulheres no Brasil. Há


pouco tempo, muitas mulheres não possuíam alternativa de atividade
remunerada, haja vista convenções sociais de que a tarefa da mulher era ser
dona-de-casa. Entretanto, outras muitas mulheres não viviam sob essa demanda,
considerando-se as domésticas, majoritariamente negras (Tanaka, 2017).

Por isso, acumular discussões sobre outras formas de discriminação e
opressão são muito necessárias para que se aborde a pessoa em sua totalidade.
Dando continuidade ao exemplo, comecemos pelo racismo. As raízes coloniais
que compartilhamos estruturam uma forte hierarquização entre o povo branco
europeu e os demais povos.

Dialogando sobre esse tema, Fanon (2008) coloca em perspectiva que essa
relação de dominação não foi superada, produzindo-se experiências de
impotência ao longo de toda a vida do negro. Isso porque ao ser retirado à força
da sua casa, da sua identidade, o negro precisou se guiar também por um padrão
de referências completamente diferente do seu: “negro não tem mais de ser

13
negro, mas sê-lo diante do branco” (Fanon, 2008, p. 104). Nesse sentido, sua cor
da pele, seu cabelo e seus costumes se tornaram elementos a serem combatidos
no meio social e, dessa forma, também na autoimagem que os negros possuem de
si.

Ainda mais intensa é a violência contra mulheres negras. Na dinâmica
social das colônias, elas eram alvo de constantes abusos e estupros. Segundo
Belonia (2019), a violação sexual das escravas tinha caráter disciplinador, para
demonstrar um lugar de feminilidade que não poderia acontecer por outra via,
como a restrição aos trabalhos domésticos. Ainda hoje, identifica-se o processo
de sexualização do corpo feminino negro, o que impacta significativamente em
outro fenômeno conhecido como “solidão da mulher negra”. Essa solidão é
considerada no sentido do afeto aplicado às relações amorosas, ocupando
somente o lugar de fonte de satisfação sexual ao homem, sobretudo branco.

Nesta dominação, aplica-se uma imposição de silenciamento da mulher


negra, no qual não se pode falar sobre o que sente ou ocupar lugares de destaque
e potência, construindo sua própria narrativa (Ribeiro, 2016). Para pensar mais
sobre o assunto, recomendamos o filme “Preciosa: uma história de esperança” de
2010, sob direção de Lee Daniels.

O racismo contra povos indígenas é outro fenômeno que demanda nossa
atenção. Ao longo de anos de escravização e dizimação de inúmeras etnias, a
existência de sua cultura e das pessoas que a compartilham precisam ser provadas
cotidianamente. Nessa dinâmica de exclusão social, "o índio raramente aparece
das mídias e quando ocorre sua imagem é vinculada a um passado romântico,

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sendo inexistente uma imagem contemporânea dos indígenas" (Peixoto, 2017, p.
31).

Reconhecer a violência explícita e velada à população indígena é muito


importante, em especial às mulheres. A ONU Mulheres - Brasil (2018) levantou
algumas demandas desse grupo, entre as quais citamos o preconceito por homens
indígenas e pessoas não indígenas e a invisibilidade às violações que sofrem,
como episódios de violência doméstica e familiar nas aldeias.

Não por acaso, é comum que as esferas do racismo se encontrem com a
pobreza. Nessa relação, a classe a qual se pertence traz ainda mais
especificidades. Além da ausência material que a pobreza alicerça, na falta de
alimentação e outras necessidades básicas, a própria constituição da existência é
muito enfraquecida.

Nesse caminho, Sawaia (2014) identificou que há o desenvolvimento de


intenso sofrimento, com sentimentos de vergonha, culpa e tristeza, por se inserir
em uma realidade periférica. E o afastamento da periferia não se dá somente pela
distância física dos grandes centros urbanos (em bairros mais pobres ou alguns
contextos rurais). Na verdade, as pessoas em si são afastadas das possibilidades
de convívio social integral, acesso à emprego, educação e saúde de qualidade,
sendo muito invisibilizadas no cotidiano.

Falando de mulheres pobres, a falta desta estrutura mínima condiciona


muitas delas a dependerem financeiramente do parceiro, não encontrando fontes
de renda para se sustentarem sozinhas ou redes de apoio que percebam esta
necessidade. Diante disso, ressaltamos que a dependência econômica é um dos

15
fatores determinantes à permanência da mulher em contextos violentos (Abreu,
2015).

A autoimagem construída por estas mulheres é também muito mais
fragilizada, como afirma Pinto (2011): “a par da vulnerabilidade social a que
estão expostas, pode-se constatar que elas também apresentam alto grau de
vulnerabilidade emocional, seja pelo sentimento de abandono, seja pela violência
e exploração a que foram submetidas, seja pela fragilização a que estão expostas
cotidianamente na busca de estratégias para a sobrevivência de seu núcleo
familiar.”.

Ainda assim, é importante relembrar que não se trata de uma hierarquia do
sofrimento ou que não é uma restrição da vivência de violência a determinados
grupos. A violência, infelizmente, é um fenômeno democrático, o que se altera
são as formas como ela se manifesta a cada grupo e a cada pessoa. Por isso,
justifica-se a necessidade de leis que protejam as mulheres em sua diversidade,
assunto que trataremos mais no próximo módulo.

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2. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER

Tu tens um medo
Acabar
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo…

Trechos de Cecília Meireles, 1963.

a. Marcos legais internacionais, nacionais e estaduais

“E toda a mulher, que fizer adultério a seu marido, morra por isso. [...] que
quando o marido perdoar a mulher, ​elle não morra morte natural, mas seja
degradado para sempre para o ​Brazil​". (Ordenações Filipinas, 1870/2004, p.
1175-6). Iniciamos nossa discussão retomando as Ordenações Filipinas, que além
de dar aval para o assassinato de mulheres em casos de rumores de traição,
também previa legalmente seu ferimento com paus e pedras. Dispositivos como
este demonstram a necessidade contínua de questionarmos o modo como a
legislação pode legitimar relações desiguais, mas também como é passível de
revisão e transformação. Sobre este processo, retomaremos em um breve
histórico a construção das regulamentações sobre gênero que vigoram na
atualidade.

As regulamentações sobre a igualdade de gênero no âmbito jurídico são


recentes. Um evento bastante significativo a esse debate ocorreu em 1975 quando
a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a I Conferência Mundial sobre

17
a Mulher, na cidade do México. A ONU proclamou o ano de 1975 como o ​Ano
Internacional da Mulher e de 1975 até o ano de 1985 como a ​Década das
Nações Unidas para a Mulher​.

Nesse sentido foi construído um plano de ação para que, na década


seguinte, fossem consolidadas previsões legais da igualdade de gênero e
eliminação de formas de discriminação. Trabalhando essa questão com mais
pormenores, a ​Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres ou simplesmente Convenção da Mulher
(adotada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1978, com
entrada em vigor no dia 3 de setembro de 1981) também foi importante ao
destacar que a discriminação contra a mulher se refere à "toda distinção, exclusão
ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou
anular o reconhecimento, gozo, ou exercício pela mulher, independentemente de
seu estado civil [...]" (CEDAW, 1979, art. 1).

No ano de 1980 foi realizada na cidade de Copenhague (Dinamarca) a ​II


Conferência Mundial da Mulher ​que além de analisar o plano elaborado na I
Conferência incluiu outras preocupações como problemas relacionados à saúde,
emprego e educação das mulheres. Em 1985 foi realizada a ​III Conferência
Mundial da Mulher na cidade de Nairóbi (Quênia), cujo objetivo principal foi
avaliar os resultados obtidos da Década das Nações Unidas para a Mulher.

Ainda é considerada peça fundamental para a construção de uma agenda


voltada ao gênero nos Estados a ​Conferência Mundial de Direitos Humanos​. A
também chamada Conferência de Viena, realizada em 1993, estabeleceu os
direitos da mulher como inalienáveis, integrais e indivisíveis. Diante disso, a
referida Conferência definiu formalmente a violência de gênero contra a mulher

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como espécie de violação aos direitos humanos. Concretizou-se, mediante tais
discussões, uma declaração que detalhou múltiplas modalidades da violência,
estabelecendo a necessidade:

[...] de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres na vida


pública e privada, de eliminar todas as formas de assédio sexual,
exploração e tráfico de mulheres, de eliminar preconceitos sexuais na
administração da justiça e erradicar quaisquer conflitos que possam surgir
entre os direitos da mulher e as conseqüência nocivas de determinadas
práticas tradicionais ou costumeiras, do preconceito cultural e do
extremismo religioso (Declaração e Programa de Ação de Viena, 1993).

No ano seguinte, em sede regional, a Assembleia Geral da Organização


dos Estados Americanos adotou a ​Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher ou Convenção Belém do
Pará, considerada uma das mais relevantes discussões ao nosso contexto, tendo
sido incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 1.973/96. Foi
ratificada a compreensão da violência ocorrida de diferentes formas, mas em
destaque à violência física, sexual e psicológica:

a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer


relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou
não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro,
maus-tratos e abuso sexual;

b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo,


entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem

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como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro
local; e

c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que


ocorra. (Organização dos Estados Americanos, 1994).

Nesse sentido, além desta tipificação, a Convenção também instituiu a


possibilidade da violência em ambiente doméstico ou familiar, bem como a
pressão internacional para que fossem construídos mecanismos de seu
enfrentamento. Uma década depois, no Brasil dois dispositivos foram elaborados
nessa perspectiva: a ​Lei n. 10.886/2004​, que delimitou a violência doméstica
como um tipo especial de lesão corporal e previa o aumento em ⅓ da pena nesses
casos (Brasil, 2004a), bem como a ​Portaria GM/MS 2.406/2004​, que
determinou a compulsoriedade da notificação da violência contra a mulher nos
serviços de saúde (Brasil, 2004b). Também por intermédio da Convenção Belém
do Pará, a ​Lei n. 11.340 (ou Lei Maria da Penha) foi sancionada em 2006, a
qual abordaremos com maior profundidade no próximo tópico.

Retratando avanços mais recentes no combate à violência doméstica,


citamos a Lei n. 13.104/2015, que ficou conhecida como ​Lei do Feminicídio.
Em linhas gerais, alterou-se o código penal incluindo o assassinato ou sua
tentativa quando motivados por questão de gênero como crime hediondo (Brasil,
2015). Em 28 de novembro de 2018 entrou em vigor o Decreto nº 9.586, o qual
foi responsável pela instituição do ​Sistema Nacional de Políticas para as
Mulheres ​- Sinapom, sendo vinculado à Secretaria Nacional de Políticas para
Mulheres do Ministério de Direitos Humanos. O objetivo do referido sistema é
ampliar e fortalecer a formulação e a execução de políticas públicas voltadas aos
direitos das mulheres, ao enfrentamento a todos os tipos de violência e da

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inclusão das mulheres nos processos de desenvolvimento social, econômico,
político e cultural do País.

No período da pandemia, algumas medidas também foram elaboradas e


dispostas por meio da ​Lei n. 14.022/2020​, instituindo-se a continuidade dos
serviços de atendimento à mulher vítima de violência e a possibilidade de
registro de ocorrência por meio eletrônico (Brasil, 2020).

Acerca das políticas públicas para o enfrentamento da violência doméstica


em Goiás, o ​Pacto Goiano pelo Fim da Violência Contra a Mulher ​(instituído
pelo Decreto nº 9.252, ​de 25 de junho de 2018 e alterado pelo Decreto n° 9.490
de 08 de agosto de 2019) ​tem como finalidade articulá-las e integrá-las em
cooperação com diversas entidades governamentais e não-governamentais
(Goiás, 2019)​. ​Este decreto dispõe que o referido Pacto terá seu funcionamento
efetivado pela Rede Estadual pelo Fim da Violência Contra a Mulher.

Em cumprimento com as diretrizes do Pacto Goiano em comento


destaca-se algumas ações adotadas desde a socialização primária, como o Termo
de Cooperação e Plano de Trabalho "Educação e Justiça: Maria da Penha na
Escola", que objetiva capacitar professores em temas de gênero e violência
doméstica e familiar, para que o assunto seja abordado também com os alunos da
rede pública estadual, até a ressocialização, por meio dos “Grupos Reflexivos
sobre Gênero e Violência Doméstica”, que serão destrinchados no próximo
módulo.

Atende também o programa “Maria da Penha na sua Empresa”, com a


campanha “Você não está sozinha”, que realiza palestras sobre violência
doméstica e familiar contra a mulher e assédio para as empresas que aderirem e a

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firma para implantação de Conselhos Municipais de Políticas para as Mulheres.
Inaugura também a criação e equipagem das “salas lilás”, com equipe
multiprofissional que possa dar atendimento humanizado e em ambiente
adequado no exame de corpo de delito. Todas estas ações até então citadas
podem ser ratificadas por cada município, isto é, cada prefeitura pode assinar um
termo de adesão ao Pacto para iniciar a implementação do programa de interesse.
Este documento celebrou ainda o lançamento do “Aplicativo Goiás Seguro”, com o
botão “Alerta Maria da Penha”, onde o contato com ​a unidade da Polícia Militar é
mais rápido.

22
b. Lei Maria da Penha: conceitos fundamentais

A partir do processo de Maria da Penha, o Brasil foi considerado


negligente pela Organização dos Estados Americanos (OEA) com relação à
violência doméstica, tratando seus episódios como infrações de menor potencial
ofensivo e sem manter programas ou planos consistentes para transformar essa
realidade. Por isso, uma série de recomendações foi realizada, constando a
necessidade de criar espaços direcionados ao seu atendimento, como a delegacia
especializada no atendimento à mulher, efetivar capacitações sobre gênero para
profissionais do judiciário e elaborar planos de educação para modificar a
desigualdade de gênero como sistema cultural dominante, o que se sintetizou na
pressão internacional para que fosse construída uma legislação específica sobre a
violência contra a mulher (Organização dos Estados Americanos, 2001).

Pode-se dizer que a construção da lei foi coletiva. Contou com a


participação não só do poder legislativo, mas com contribuições do debate com o
sistema judiciário e a sociedade civil. Desse modo, em 7 de agosto de 2006
entrou em vigor a Lei n. 11.340, que foi batizada de Lei Maria da Penha.
Considerada referência, essa lei cria mecanismos para coibir e prevenir a
violência doméstica e familiar contra a mulher. Vamos analisar seus conceitos
fundamentais que norteiam nossa atuação?

Em primeiro lugar, é preciso definir a que e a quem a Lei Maria da Penha


se destina. Sua vigência tem como objetivo salvaguardar a mulher, independente
de sua condição sócio-cultural, de violências geradas na questão de gênero e
assegurar seus direitos fundamentais. Vejamos o artigo que estabelece esse
princípio:

23
Art. 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (Brasil,
2006a).

Nesse sentido, a lei não foi criada para buscar a punição de homens, mas
para garantir que as mulheres não sejam violentadas por serem mulheres.
Considerando que a mulher é comumente oprimida em nossa sociedade,
especialmente pela figura masculina, a Lei Maria da Penha criou mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Por isso a referida
lei conferiu proteção diferenciada ao gênero feminino que, em um contexto de
vulnerabilidade estiver inserido em situações específicas, como no ambiente
doméstico, familiar ou em relação íntima de afeto. A proteção diferenciada terá
incidência somente quando a violência contra a mulher ocorrer em uma dessas
situações descritas.
Diante disso, vale ressaltar que o texto legal abrange também pessoas em
relações homoafetivas quando constatada violência de gênero. A partir do padrão
de ocorrência da violência de gênero, geralmente dentro de casa ou a partir
relações familiares, definiu-se como objeto também a violência doméstica e a
violência familiar contra a mulher:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e


familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que
lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;

24
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva


ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
(Brasil, 2006a).

Para caracterizar a violência doméstica e familiar contra a mulher a lei não


exige que estejam envolvidas pessoas de sexo distinto, uma vez que o agressor
pode ser um homem (relacionamento heteroafetivo) ou mesmo uma mulher
(relacionamento homoafetivo), ou seja, independe da orientação sexual. No
entanto, é preciso que a infração penal seja cometida contra mulher em situação
de hipossuficiência física ou econômica, em condição de vulnerabilidade, enfim,
que tenha como motivação a opressão à mulher.
Já em relação a pessoa que sofre a violência doméstica e familiar a lei
exige que a vítima deve ser mulher e por isso estão também incluídas na proteção
pela Lei Maria da Penha as filhas, netas, mãe, sogra, avó do agressor ou qualquer
outra familiar que com ele possua relação doméstica, familiar ou íntima de afeto.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em dois julgados recentes
(ADI 4.275/DF e RE 670.422) o direito à alteração do prenome e gênero
diretamente no registro civil aos transgêneros e transexuais, independentemente
da realização da cirurgia de transgenitalização ou até mesmo de tratamentos
hormonais ou patologizantes. Dessa forma, esse direito à igualdade sem
discriminações abarca a identidade ou expressão de gênero. Nesse contexto,
importantes doutrinadores da área jurídica têm concluído no sentido de que, ao
alterar o gênero diretamente no registro civil, o transgênero ou transexual que
passa então a ser identificado como mulher poderá ser sujeito passivo da
violência doméstica e familiar prevista na Lei Maria da Penha.

25
A Lei Maria da Penha utiliza o termo violência em um contexto amplo,
abarcando além da violência física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a
moral. A violência doméstica e familiar apresenta ainda tipos de ocorrências
comuns. Por isso, o art. 7º desta mesma lei abrange como formas de violência
contra a mulher:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua


integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause


dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua
intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de
seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que


configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure


calúnia, difamação ou injúria (Brasil, 2006a).

26
Para que seja configurada a violência doméstica e familiar contra a mulher
não é exigido que a conduta criminosa contenha a presença simultânea de todos
os requisitos do artigo 7º da Lei Maria da Penha. Dessa forma, o ato de violência
deve estar contido em um dos incisos do artigo 7º citado acima, combinado com
um dos pressupostos previstos no artigo 5º, a saber, no âmbito da unidade
doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto.
Ademais, a referida lei não trouxe como requisito a habitualidade dos atos
violentos, ou seja, basta a prática de qualquer ação ou omissão nesse contexto.
Como delimitado nesse trecho da lei, o ato violento não se configura
somente como aquele que deixa marcas no corpo, como socos, empurrões, tapas,
mordidas ou asfixia nos casos de violência física. As ameaças e tentativas de
controle sobre a atividade da mulher ou o uso de palavras e xingamentos para
aterrorizá-la, humilhá-la e culpabilizá-la também é violência, de forma
psicológica. Acusar e espalhar comentários degradantes sobre a mulher é ainda
violência moral. Proibir que a mulher tenha acesso a dinheiro, trabalhando ou
estudando, e impossibilitar livre acesso das finanças ou objetos da vítima, como
celular e documentos, é considerado violência patrimonial. Além disso, é
bastante comum que não se reconheça alguns episódios de violência sexual, vez
que o ato sexual sem vontade e consentimento ou o impedimento do uso de
métodos contraceptivos no casamento é rotineiramente naturalizado.
É importante descrever cada tipo de violência para facilitar a compreensão
e auxiliar na identificação se há ou não situação de violência doméstica e familiar
contra a mulher em um determinado contexto. Ademais, é muito comum
confundir a violência psicológica com a moral, o que se faz necessário
demonstrar as características de cada tipo de violência abrangendo também o que
pode diferenciá-las.

VIOLÊNCIA FÍSICA

27
É compreendida como qualquer conduta que seja capaz de ofender a
integridade física ou corporal, visto que há emprego de força física sobre o corpo
da vítima lesando a sua integridade ou saúde corporal. A ofensa à saúde corporal
compreende as perturbações fisiológicas (desarranjo no funcionamento de órgão
do corpo humano) ou mentais (alteração prejudicial à atividade cerebral). São
exemplos de violência física: espancamento, fraturas, fissuras, escoriações,
queimaduras. estrangulamento, sufocamento, atirar objetos, sacudir e apertar os
braços. Como exemplo de infrações penais praticados com violência física
podemos citar as formas de lesão corporal (artigo 129 do Código Penal), o
homicídio (artigo 121 do Código Penal), a contravenção penal de vias de fato
(artigo 21 do Dec.-Lei nº 3.688/41).

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Trata-se de qualquer conduta que cause na vítima dano emocional,
diminuição da autoestima, prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que
tenha o intuito de controlar suas ações, comportamentos, crenças, decisões,
mediante uso da ameaça, humilhação, ridicularização, constrangimento,
isolamento, perseguição contumaz, vigilância constante, manipulação, limitação
do direito de ir e vir, chantagem, insulto, violação da intimidade, exploração ou
qualquer outro meio que cause prejuízo à autodeterminação e à saúde psicológica
da vítima.
As infrações penais mais comuns que enquadram como violência
psicológica são: ameaça (artigo 147 do Código Penal), constrangimento ilegal
(artigo 146 do Código Penal), sequestro e cárcere privado (artigo 148 do Código
Penal). Em 2018 foi inserido na Lei Maria da Penha a violação da intimidade
como uma forma de violência psicológica, cujo exemplo é o crime de registro
não autorizado de intimidade sexual (artigo 216-B). Outros exemplos bastante
comuns são proibir de estudar, viajar, falar com amigos ou parentes, insultar,

28
deixar a mulher em dúvida sobre sua sanidade ou memória ao distorcer e omitir
fatos (​gaslighting​).

Esse tipo de violência pode chegar até mesmo a ser mais grave do que a
violência física, visto que são causados na vítima danos emocionais, ocasionando
a baixa autoestima, sendo que o objetivo precípuo do agressor é também o de
prejudicar o pleno desenvolvimento da mulher. Na sua maioria as situações
relatadas culturalmente são normalizadas e aceitas pela sociedade, tanto que não
raramente sequer a vítima percebe que está submetida a uma violência doméstica
e familiar contra a mulher que causa danos de difícil reparação.

VIOLÊNCIA SEXUAL
Caracteriza-se por qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar,
manter ou participar de relação sexual que não foi desejada nem consentida,
mediante ameaça, intimidação, coação ou até pelo uso da força. Também é
considerado violência sexual qualquer conduta que induza a mulher, de qualquer
modo, a comercializar ou a utilizar sua sexualidade, que a coíba de usar método
contraceptivo, que limite ou anule o livre exercício de seus direitos sexuais ou
reprodutivos, que a force a contrair matrimônio, à gravidez, aborto, prostituição
mediante uso de chantagem, suborno, coação ou manipulação.

Como exemplo de infrações penais que representam violência sexual


podemos citar o estupro (artigo 213 do Código Penal), o estupro de vulnerável
(artigo 217-A do Código Penal), a satisfação da lascívia mediante presença de
criança ou adolescente (artigo 218-A do Código Penal), o favorecimento de
prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218-B do
Código Penal), entre outros que estão descritos como crimes contra a dignidade
sexual.

29
VIOLÊNCIA PATRIMONIAL
Compreende-se como qualquer conduta que represente subtração,
retenção, destruição parcial ou total dos objetos da vítima, instrumentos de
trabalho, bens, documentos pessoais, valores e direitos ou recursos econômicos.
Algumas infrações penais podem caracterizar a violência patrimonial, como as
descritas no Código Penal como crimes contra o patrimônio. Não obstante ser um
tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher não se exige da conduta o
emprego de violência física ou corporal. Podem configurar esse tipo de violência
atitudes como a de controlar o dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia,
causar danos propositadamente a objetos da mulher ou dos quais ela goste.

VIOLÊNCIA MORAL
Conceituada como qualquer conduta que seja enquadrada no Código Penal
como calúnia, injúria ou difamação. Apesar de serem crimes com pena máxima
igual ou inferior a dois anos, não se submetem à Lei 9.099/95 por vedação da Lei
Maria da Penha, não sendo admitidos nenhum dos institutos despenalizadores da
Lei dos Juizados. Atitudes como acusar de traição, fazer críticas mentirosas,
expor a vida íntima, emitir juízos morais sobre a conduta da vítima, bem como
fazer xingamentos sobre sua índole, desvalorizando-a podem caracterizar
violência moral.

A calúnia está caracterizada ao imputar falsamente a alguém fato definido


como crime. A injúria ocorre ao ofender a dignidade ou o decoro de alguém. Já a
difamação acontece ao imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação.
Considerando o desenvolvimento das tecnologias da informação é comum que
esse tipo de violência aconteça mediante uso da internet por meio das redes
sociais. É importante ressaltar que além da responsabilização criminal do autor é

30
também possível que a vítima obtenha reparação por danos materiais e morais no
âmbito cível, caso ajuíze a ação de indenização.

Para enfrentar esses tipos de violência a Lei Maria da Penha estabelece


que os Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher teriam competência cível e criminal. Nesse sentido, algumas
necessidades de matéria civil, como o afastamento do lar, ou de dispositivos
penais, como a proibição de contato, coexistem no mesmo juízo. Entretanto, não
se aplicam algumas particularidades dos Juizados Especiais Cíveis (Brasil, 1995).
Isso porque em casos de violência contra a mulher não é permitido buscar
conciliação entre as partes ou estabelecer condições para suspensão do processo.
O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher tem competência
criminal e cível, visto que a ofendida tem o direito de propor ação de divórcio ou
de dissolução de união estável, excluindo-se, porém a realização de partilha de
bens.

Com vistas à criação da Delegacia Especializada no Atendimento à


Mulher e dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, vislumbrou-se uma reestruturação do Poder Judiciário para
atendimento à mulher vítima de violência. É possível identificá-la também na
previsão de capacitação permanente para policiais e peritos, na concessão de
Medidas Protetivas de Urgência ao ofensor, com prazo máximo de 48 horas após
a formalização da denúncia, na possibilidade de o juiz determinar a prisão
preventiva ao agressor em qualquer fase do processo, no afastamento da mulher e
de testemunhas depoentes do autor ou na obrigatoriedade de acompanhamento
jurídico para a mulher ao longo do inquérito e da ação (Brasil, 2006a).

31
As Medidas Protetivas de Urgência aplicadas ao ofensor tratam além da
proibição de contato e aproximação com a mulher vítima e seus familiares ou
demais condições restritivas. Sendo de nosso interesse particular, é importante
destacar que cabe também a determinação para que o agressor seja acompanhado
por equipe de atendimento psicossocial para que busque sua reeducação:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra


a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao
agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas
protetivas de urgência, entre outras:

VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e


reeducação; e

VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de


atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Brasil, 2006a).

Além das medidas protetivas ao agressor, também a vítima poderá ser


encaminhada para programas psicossociais para proteção e atendimento. Esta
assistência implica a necessidade de construção e articulação de uma rede de
atendimento que possibilite o pleno funcionamento desta assistência, conforme
veremos a seguir.

32
c. Atuação da Rede de Enfrentamento e da Rede de
Atendimento

A fim de compreender o funcionamento de cada órgão e serviço de


atendimento à mulher vítima de violência é preciso retornar ao conceito de rede.
De modo geral, trabalhar em rede é considerar um conjunto de sujeitos que
compartilham de um mesmo objetivo de ação, cooperando entre si, sem
hierarquias (Siqueira, 2015). Em tom de metáfora, é como se trabalhássemos
como uma teia, em que cada um atua a partir de um ponto, mas estão todos
conectados. Sobre a construção de uma rede perante o fenômeno da violência
contra a mulher, trazemos a definição elaborada pela então Secretaria de Políticas
para Mulheres (SPM), onde:

O conceito de ​rede de enfrentamento à violência contra as mulheres que a


SPM define, diz respeito à atuação articulada entre as in​stituições/serviços
governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao
desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que
garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos, a
responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em
situação de violência. Já a ​rede de atendimento ​faz referência ao conjunto
de ações e serviços de diferentes setores (em especial, da assistência social,
da justiça, da segurança pública e da saúde), que visam à ampliação e à
melhoria da qualidade do atendimento; à identificação e ao encaminhamento
adequado das mulheres em situação de violência e à integralidade e
humanização do atendimento. (Brasil, 2011a, p. 7-8, grifo nosso).

Assim sendo, enfrentar a violência contra a mulher é considerado um


objetivo mais amplo, consolidado a partir da soma de esforços dos órgãos de
políticas para mulheres, em diálogos com a comunidade, e dos serviços de

33
atendimento. O atendimento, por sua vez, envolve sobretudo setores da justiça,
segurança, saúde e assistência social para que conjuntamente ofereçam
assistência capacitada, de forma integral e humana. Além de serviços não
especializados em violência contra a mulher, como delegacias comuns, programa
de saúde da família ou Centros de Referência de Assistência Social (CRAS),
enfatiza-se a construção de alguns órgãos especializados no atendimento como as
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, os Núcleos da Mulher das
Defensorias Públicas, os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Casas
de Acolhimento Provisório (Casa de Passagem) ou Casas Abrigo (Brasil, 2011a).
Vamos conhecer o que está previsto para a atuação de cada um deles?

A Lei Maria da Penha estabelece, em seu artigo 8º a instituição de


Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher ​(Brasil, 2006). A
finalidade de construir tais unidades é dar suporte especializado à vítimas de
violência contra a mulher. Isto porque contempla tanto o registro do boletim de
ocorrência, a apuração dos fatos e o enquadramento legal, dando bases à ações
penais a serem aplicadas ao agressor, quanto apontar os direitos da vítima,
indicar possibilidades de assistência e estimular a denúncia dos episódios
violentos. Nesse sentido, constam como atribuições das DEAMs:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao


Ministério Público e ao Poder Judiciário.

II - encaminhar a mulher aos estabelecimentos de saúde e ao Instituto Médico


Legal.

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local
seguro, quando houver risco de vida.

IV - acompanhá-la para a retirada de seus pertences quando necessário.

34
V - informá-la de seus direitos e sobre os serviços disponíveis. (Brasil, 2010).

O grande diferencial com relação às delegacias comuns é o manejo


especializado. Contando com profissionais capacitados e ambiente adequado para
escuta, atua sob princípios de acolhimento, humanização e não-julgamento.
Entretanto, também é possível realizar a denúncia em delegacias comuns, que
posteriormente poderão transferir o caso para as unidades especializadas se
houver. Em Goiás, além de Delegacias Especializadas, alguns municípios contam
também com a chamada Patrulha Maria da Penha. Configura-se como uma
atribuição da Polícia Militar do Estado para que garanta equipes capacitadas no
atendimento à situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, além
de sustentar sua prevenção a partir de visitas às vítimas (Goiás, 2016).

Os ​Núcleos da Mulher em Defensorias Públicas também podem ser


acionados para auxiliar que os direitos da mulher em situação de violência sejam
garantidos. Para tanto, eles podem propor medidas judiciais e extrajudiciais para
garantia de interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos, isto é, que
defende tanto o direito da mulher em sentido amplo e universal, quanto grupos de
mulheres que possuem suas particularidades a serem aprofundadas, e pessoas
que, em casos singulares, compartilham dos mesmos direitos (Brasil, 2014).
Como parte desta atuação citamos a assistência jurídica à mulher vítima de
violência, e ações com caráter mais geral, como por exemplo a movimentação
desta defensoria para o reconhecimento de direitos das mulheres grávidas e com
filhos pequenos a cumprirem pena em casa que se deu em 2018 (Brasil, 2018).

Também no âmbito jurídico é importante citar os ​Juizados


Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher​,
referentes à competência para julgamento destes casos, como foi aprofundado no
tópico anterior, e a atuação do ​Ministério Público​, que pode conter núcleos de

35
gênero e ser promovente de campanhas de conscientização e de fiscalização de
outras instituições de atendimento à mulher (Brasil, 2006).Os ​Conselhos da
Mulher​, sejam estaduais ou municipais, também são órgãos fundamentais para
controle social na implementação das políticas para mulheres.

No escopo da assistência, os Centros de Referência de Atendimento às


Mulheres têm papel fundamental. Sua construção pauta o atendimento de forma
multidisciplinar, articulando serviços governamentais e não governamentais para
garantir a integralidade da atuação. Nesse caminho, devem sobretudo exercer o
papel de:

A experiência da violência se constitui em um


momento de crise para a vítima, a qual pode
temer por sua vida, entrar em choque, negação,
descrença, amortecimento e medo. Uma
Aconselhamento em momentos de
resposta efetiva em um momento de crise pode
crise
evitar ou minimizar o efeito traumático.

O atendimento psicossocial tem o objetivo de


promover o resgate da auto-estima da mulher
em situação de violência e sua autonomia,
auxiliar a mulher a buscar e implantar
Atendimento psicossocial
mecanismos de proteção e/ou auxiliar a mulher
superar o impacto da violência sofrida.

A maioria das mulheres em situação de


violência tem seu primeiro contato com o
sistema de justiça e de segurança pública em
decorrência dessa experiência de violência.
Dessa forma, com o objetivo de evitar a que a

36
mulher volte a ser vítima, o Centro de
Referência oferece aconselhamento jurídico e
Aconselhamento e acompanhamento acompanhamento nos atos administrativos de
jurídico natureza policial e nos procedimentos judiciais,
informando e preparando a mulher em situação
de violência para participação nessas
atividades.

(​Brasil, 2006b, p. 11-12).

Ao longo do atendimento, constrói-se um plano de atendimento em


conjunto com a beneficiária do serviço, avalia-se a situação para compreender se
há necessidade de encaminhamento, informar à mulher sobre seus direitos,
planos de segurança, entre outras atividades possíveis (Brasil, 2006b). Os
CEAMs e os NEAMs, do mesmo modo, prestam atendimento psicossocial e
jurídico, por meio de acolhimento, orientação e encaminhamentos. Em casos de
agravamento da violência que ofereça risco à integridade física da mulher,
também são acionadas ​Casas-Abrigo/Casas de Passagem​. As Casas-Abrigo se
consolidaram espaço de abrigamento especializado para mulheres em situação de
violência doméstica e familiar com grave ameaça ou risco de morte, com caráter
estritamente sigiloso. Já as chamadas Casas de Passagem ou Casas de
Acolhimento Provisório também oferecem abrigamento, porém em caráter
temporário (de até 15 dias), não sigiloso, para mulheres de que tenham sofrido
violência de suas variadas manifestações. Aos dois formatos as mulheres podem
ou não estar acompanhadas de seus filhos e a atuação deve garantir a integridade
física e psíquica das mesmas (Brasil, 2011b).

Além desses serviços, vale também destacar a importância de outras áreas


não específicas, como instituições de saúde ou da assistência social em geral, que
também são porta de entrada para que os envolvidos em situações de violência

37
sejam assistidos. Esta condição se torna ainda mais evidente em municípios que
não ainda possuem uma rede estruturada, fazendo com que as referências para o
atendimento se organizem em outros espaços. Dito isso, mesmo nessas condições
é fundamental trabalhar para que exista uma articulação institucionalizada,
possibilitando coerência, rapidez na atuação, qualidade do atendimento e a
consolidação de uma agenda comum de objetivos a serem seguidos, mesmo que
cada instituição conte com uma intervenção distinta para a problemática
(Redondo, 2012). Consideramos o diagnóstico da situação uma finalidade
importante desta agenda e, assim sendo, discutiremos sobre a identificação de
fatores de risco e do ciclo de violência no próximo tópico.

38
d. Identificação de fatores de risco e do ciclo de violência

A violência é um fenômeno complexo e contempla multideterminações


tanto para sua ocorrência quanto em sua significação social. De modo geral,
apreende-se a violência como "exercício da força física e da coação psíquica para
obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e
desejos, contrárias ao seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos
profundos e irreparáveis" (Chauí, 2000, p. 432). Em um conceito ainda mais
abrangente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como uso
da força física e/ou poder, em ameaça ou em fatos concretos, contra si, outra
pessoa ou um coletivo que possa gerar sofrimento, morte, dano psicológico ou
prejuízos ao pleno desenvolvimento da pessoa (Dahlberg e Krug, 2006).
Entretanto, não se presume a linearidade dos processos de violência, como se
identifica em ciclos de violência doméstica e familiar.

Mesmo que a violência doméstica comporte a singularidade de cada caso,


alguns elementos tendem a aparecer na maioria deles. Em vista disso, Walker
(1979) realizou um estudo que apontou o funcionamento do que chamou por
“ciclo da violência”. Ele se refere a uma forma de manutenção de
relacionamentos abusivos, repetindo-se padrões viciosamente. Por sua análise,
esta forma de relação é consolidada sob ambiguidades que torna comum um giro
cíclico da violência, dado a partir do momento de aumento da tensão, do episódio
agudo de violência e da “Lua de mel”. Explorando tais conceitos, Lucena ​et al
(2016) contribuiu para evidenciar a incidência e processos chaves para sua
compreensão. Em geral, esse movimento acontece da seguinte forma:

Começa-se a ter pequenos conflitos com maior frequência. Geralmente


eles estão relacionados à confrontos com papeis estereotipados na relação ou
irritabilidade sem motivo aparente. Vai se construindo um ambiente de maior

39
tensão, com insultos, humilhações, intimidações, culpabilização e provocações
mútuas. É um período bem marcado pelo controle da mulher, em todas suas
ações ou vontades. Temos alguns exemplos infelizmente bastante corriqueiros
disso: xingamentos desferidos contra a mulher diminuindo sua autoestima;
exigências para que a mulher mude sua vestimenta e diminua contato com
amigos e familiares; para que o homem possua acesso ilimitado ao celular ou
outras formas de contato que a mulher possua; ameaças ou destruição de seus
bens, entre outros. Intensificando-se estes episódios de violência psicológica,
sobretudo, são geradas sensações de tristeza, medo, angústia, insegurança e
ansiedade, mas que não costumam ser expressadas, sob ideias de que o parceiro
não é assim, foi somente um momento inexplicável onde “se tornou outra
pessoa”, ou de que ela precisa mudar seu comportamento para que não ocorram
novas violências, mas que no fundo a violência é também uma demonstração de
que o parceiro quer permanecer com ela.

Depois, costuma-se alcançar o pico desta tensão quando se manifesta o


episódio agudo de violência. Nesse momento são realizadas agressões físicas, na
forma de tapas, puxões de cabelo, socos, chutes ou estrangulamentos, por
exemplo. Caracteriza-se por uma ausência de autocontrole do homem, como se
toda agressividade “explodisse” nesse momento. Diante dela, a relação sofre
impactos significativos. Ou há a intervenção de terceiros, como o poder policial
acionado por alguma testemunha, ou há separação e/ou denúncia por parte da
própria vítima, ou ainda há a permanência da mulher, substancialmente ferida
corporal e emocionalmente. Em condição de sofrimento psíquico severo, não
sendo incomum o desenvolvimento de depressão, ansiedade ou transtornos
correlatos, muitas vezes ocorre o fenômeno da anestesia relacional ou “duplo
cego”. Ravazzola (1998) o identifica como uma consciência cindida, onde se
estrutura o afastamento de experiências traumáticas vivenciadas na relação.

40
Nesse sentido, a mulher fica confusa sem acessar a situação por completo e se
mantém paralisada, apassivada e em negação.

Ingressa-se então em outro momento, com pedidos de perdão ou


promessas de que vai melhorar e “será tudo diferente”. Chama-se esse período de
“Lua de Mel”, por se desenhar como uma reaproximação dos parceiros, de
maneira gentil e amorosa. Costuma-se ouvir que a relação está tão bem que
lembra o início do relacionamento e a agressão “deve ter sido só uma fase ruim”.
É comum que a motivação do homem seja o medo de que a mulher rompa a
relação e seja independente. Essa dinâmica tende a gerar uma nova idealização
do parceiro e do relacionamento, com esperança de mudança, ainda que possa
existir uma certa ambivalência dos sentimentos. Constatada algumas alterações
no comportamento, a mulher se questiona se então foi ela a pessoa responsável
pela desregulagem que gerou a violência, o que também é compartilhado pelo
agressor, que se sente vítima das ações da mulher. Esse movimento fortalece
ainda mais os padrões de gênero e a necessidade de dominação masculina. Com a
relação desigual, iniciam-se novos conflitos e o ciclo se repete.

Não há obrigatoriedade para que se siga esses momentos para a ocorrência


de um episódio de agressão, tampouco existe um tempo determinado para cada
um deles. Entretanto, serve para auxiliar nossa análise, vez que a repetição
contínua sem alguma intervenção, naturaliza e aumenta as expressões de
violência - podendo findar no feminicídio. Além de compreender esses aspectos,
é fundamental que sejam avaliados os fatores potencializadores da violência
doméstica contra a mulher. No campo do gênero, o reconhecimento dos fatores
de risco significa estimar dimensões do perigo que a mulher corre em casos
específicos, sendo de importante valia para a intervenção.

41
Alguns destes fatores podem ser identificados já nos documentos legais e
processuais que envolvem o agressor. Ocorrências reincidentes com as mesmas
partes, descumprimento de medidas protetivas de urgência e o porte/posse de
arma de fogo são condições preocupantes, demonstrando escalonamento e acesso
a instrumentos letais para possíveis novos episódios de violência. Além disso, a
constância ou aumento de outras formas de violência são um sinal vermelho
quando se avalia o risco de feminicídio.

Não menos importante, destacamos a manifestação de eventos estressantes


no contexto do agressor, tanto no momento presente, quanto passado. Aqui
cabem 1) o desemprego ou dificuldade financeira, associados ao descumprimento
do papel social de provedor; 2) a presença em contextos de violência ao longo da
infância/adolescência, ligada a sua naturalização, 3) o desenvolvimento de
psicopatologias, enfrentando paranóias que podem se vincular à necessidade de
controle da parceira; 4) o uso excessivo de álcool e outras drogas, que apesar de
não gerarem a violência podem potencializar eventos agressivos; e 5) problemas
gerados pela relação, como a frustração por divórcio/separação recente ou
processos judiciais pela guarda dos filhos (AMCV, 2013; Medeiros, Tavares e
Diniz, 2015).

Segundo Medeiros, Tavares e Diniz (2015) reconhecer estes riscos


viabiliza a conscientização das pessoas que estão na situação de violência,
possibilitando também uma atuação direcionada, a partir de recursos
institucionais e da movimentação de recursos pessoais da vítima e do agressor.
Em face desta atuação, apresentaremos no próximo módulo os Grupos
Reflexivos para Mulheres Vítimas e Supostos Autores de Violência Doméstica.

42
43
3. ATENDIMENTO INDIVIDUAL E EM GRUPO
REFLEXIVO
Sou humano, nada do que é humano é alheio a mim
Terêncio, 163 d. C.

a. Acolhimento e Grupo Reflexivo com vítimas

O atendimento às mulheres que sofrem de violência doméstica e familiar


necessita em primeiro lugar, que seja receptivo e acolhedor. O bom atendimento
produz efeitos assertivos tanto no campo da saúde quanto no campo das garantias
dos seus direitos e no respeito pelos valores subjetivos da pessoa. (Narvaz &
Koller, 2006).

Neste contexto, os atendimentos devem abranger as necessidades


psicológicas, sociais e jurídicas, e em muitas vezes a mulher não entende,
naquele instante, sua necessidade, porém quando os profissionais a aborda é
interessante que a mulher vítima se sinta confortável e que está naquele momento
sendo inteiramente acolhida e que os profissionais da assistência social,
advogados ou psicólogos estão ao seu inteiro dispor para promover a ruptura ou
redução da sua situação de violência.

É interessante sempre lembrar que a violência contra as mulheres se funda


nas desigualdades sociais, em especial a de gênero que estruturam a sociedade. E
para garantir a equidade de gênero, os preconceitos, atitudes e padrões
comportamentais na sociedade que perpetuam a violência contra as mulheres
devem ser eliminados. Assim os profissionais devem agir: sem preconceitos,
deixando suas vivências anteriores retidas e abertas a um novo olhar como uma
nova história.

44
Para o profissional da psicologia, o acolhimento é momento de extrair-se a
visão do indivíduo como um todo, possibilitando a compreensão da vivência do
sujeito. É visto como um diálogo confidencial entre a acolhida e o acolhedor,
dando a oportunidade de superar o seu estado de estresse e possibilitando que a
mulher tome decisões saudáveis no que se refere à demanda explicitada (Narvaz
& Koller, 2006).

A escuta qualificada é um instrumento importante neste momento a ser


usada pelo psicólogo, é um meio facilitador que pode modificar e desenvolver a
autonomia da mulher e incluí-la no atendimento. É o início de uma relação
baseada no diálogo que melhor estabelece o vínculo entre a mulher vítima e o
profissional. Possibilita compreender o sofrimento psíquico a partir da pessoa,
por intermédio de sua fala, ao mesmo tempo em que valoriza as experiências por
ela relatada e atenta para suas necessidades e diferentes aspectos que compõem
seu cotidiano.

O aconselhamento é considerado também como uma ação educativa, de


modo a prevenir e promover o desenvolvimento da vítima/acolhida por meio de
suas escolhas, o que poderá viabilizar a mediação de conflitos ou, ainda, a
resolução de problemas.

Importante ressaltar que o processo de acolhimento inclui a avaliação do


risco de fatores ligados ao problema, bem como de prevenir e consolidar
relacionamentos mais saudáveis.

No decorrer dos atendimentos, é comum as vítimas expressarem surpresa


com as possibilidades que vão surgindo, como a orientação jurídica e a
assistência social, que demonstram e reconhecem os seus direitos, que na maioria
das vezes eram desconhecidos ou intangíveis.

45
Após a acolhida, a vítima sente-se confortável em elaborar e elencar
psiquicamente as possibilidades de encaminhamentos de sua história, sendo
possível que encontre os elementos que ficaram perdidos e que, recombinados, se
mostrem estratégicos no desenvolvimento das capacidades pessoais de resiliência
e simbolização, possibilitando uma nova combinação e na elaboração criativa de
um novo futuro.

Por isso é tão importante ressaltar que a equipe multiprofissional que


atende às mulheres vítimas de violência doméstica estejam sempre em sintonia,
capacitadas e abertas para reconhecer e compreender a melhor forma de intervir
mediante delicadas situações que se apresentam. (Menezes ​et al​., 2003).

Está comum e é assertivo, o encaminhamento das mulheres vítimas de


violência doméstica para participação em grupos reflexivos por parte dos
juizados especializados, visto que as autoridades competentes percebem a
necessidade que as mulheres têm em acompanhar o desenvolvimento dos autores
de violência, quando de sua participação nos grupos reflexivos sobre gênero.
Entendem também que elas são copartícipes importantes na diminuição das
ocorrências de violência de gênero.

Importante ressaltar que as mulheres vítimas de violência de gênero


devem entender que fazem parte de um processo cultural a qual estão inseridas e
que necessitam sair desta dominação por processos de empoderamento pessoal e
individual.

Há a necessidade também de entender que sua participação em grupos


reflexivos sobre gênero e vítimas de violência doméstica são para que elas
adquiram subsídios emocionais, intelectuais e materiais para o seu
enfrentamento.

46
Também, para que promovam discussões que propiciem a reflexão sobre
novas formas de visão de mundo a partir de suas vivências e as encaminhem para
a cultura de paz. Que elaborem a violência sofrida, que se informem sobre seus
direitos, que propiciem troca de experiências visando a superação da sua situação
de violência e busquem seu bem estar psicossocial.

Durante os encontros nos grupos reflexivos para vítimas de violência


doméstica ocorre a identificação das histórias compartilhadas e isto possibilita
que as mulheres sintam-se à vontade de também compartilhar sua história e de
perceber que não está sozinha.

Que propiciem o fortalecimento de seus vínculos familiares, que sejam


inseridas em programas de geração de emprego e renda, capacitação e educação
formal, quando possível, e que proporcionem o resgate de sua condição de
mulher. Os encontros devem propiciar que elevem sua autoestima e que
desenvolvam seus desejos e vontades.

São metas dos grupos reflexivos para vítimas de violência doméstica, o


oferecimento de ações educativas, pedagógicas e diálogos reflexivos, a partir de
uma perspectiva de gênero, no propósito também em contribuir para mudança de
paradigma, propiciando o seu empoderamento e criando uma atmosfera que
possibilite o diálogo, que valorize as suas qualidades e de seus parceiros, que
tome iniciativas de respeito e gentileza para com o outro e que possibilite o
entendimento que não pode ou deve se calar diante de injustiças e bem como, a
não responder violência com violência.

É um veículo também de disseminação de informações sobre a rede de


atendimento e ajuda, possibilitando que se espalhe em rede com os contatos
sociais das mulheres participantes.

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b. Acolhimento e Grupo Reflexivo com supostos autores

A palavra é: acolher!

O profissional, psicólogo, advogado ou assistente social que fizer o


primeiro atendimento ao suposto autor de violência doméstica encaminhado
pelos juizados especializados para participação em grupos reflexivos sobre
gênero, deverá sob qualquer circunstância, acolher o suposto autor ou autora da
violência e proceder o atendimento sem gerar qualquer rotulação ou preconceito.
Ter ele a ciência de que aquele sujeito é desprovido, em muitos casos, de
conhecimentos teóricos ou culturais que o levaram a praticar atos de conduta
infracional. Mas entendendo claro, que ele tem responsabilidade de seus atos.

Procede-se após o acolhimento do autor ou autora de violência, a


entrevista inicial. Nela é possível obter dados sobre a saúde, moradia,
empregabilidade, rendimentos, sobre a denúncia geradora do processo a qual
responde, níveis de entendimento sobre a cultura machista, sugestões de temas a
serem abordados durante os encontros do grupo reflexivo e qual juizado o
encaminhou.

Também são informados pelo profissional os objetivos e a metodologia a


serem empregados durante os encontros dos grupos. data de início, duração e
certificação.

Este momento inicial tem a finalidade também de acolher e integrar os


participantes, que, em sua maioria, não estão de comum acordo em participar de
um grupo reflexivo. É momento também de informar que esta atividade dos
grupos reflexivos não é punitiva e sim educativa e pedagógica, conforme a
escrita da Lei Maria da Penha.

48
Os encontros do grupo reflexivo sobre gênero tem o objetivo principal de
despertar nos supostos autores homens ou mulheres em processo judicial que
estejam envolvidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a
mulher a reflexão sobre suas atitudes denunciadas, bem como as latentes.

Importante também propiciar a reflexão sobre o papel masculino e


feminino na sociedade contemporânea, ponderar sobre a igualdade de gênero,
considerando as realidades vivenciadas, abordar temas atuais e sugestivos, como
os tipos e ciclo da violência, saúde do homem, cultura patriarcal, parentalidade,
álcool e outras drogas.

Necessita viabilizar um espaço de escuta compartilhada, por meio de


identificação e trocas de experiências. Também de discutir a Lei Maria da Penha
no contexto de violência doméstica e familiar e oportunizar alternativas para um
comportamento assertivo diante de situações de estresse.

Importante trabalhar durante os encontros temas ligados aos problemas


vivenciados pelos supostos autores ou autoras de modo a desnaturalizar sua
conduta violenta, trabalhando os diversos contextos em que ela ocorre, seja em
âmbito familiar, cultural ou histórico, promovendo desta forma a transformação
dos padrões da masculinidade hegemônica.

Precisa promover a responsabilização dos atos cometidos pelos homens


e/ou mulheres autores de violência de gênero favorecendo a execução de medidas
e/ou penas alternativas. Promover a prevenção das violências por meio da
construção de recursos e habilidades não violentas no âmbito das relações
interpessoais, especialmente, as conjugais e familiares.

O êxito dos grupos têm se fundamentado no pensamento sistêmico, por


intermédio da proposta reflexiva, no intuito de reconstruir significados a partir
das ações do cotidiano. Também por intermédio de perguntas geradoras de

49
diálogo, a qual cria reflexões coletivas de eixos temáticos vividos pelos autores
em seus cotidianos, reconstruindo saberes, conhecimentos e conceitos durante
sua interação com outros participantes.

É usual que no decorrer dos encontros a responsabilização dos autores


pelos atos cometidos avance, que de início seja imputado somente às
companheiras, e/ou mulheres vítimas, a culpabilidade da violência por elas
sofrida, ativa ou reativa, porém observa-se que pela interação entre os
participantes e as discussões afloradas, haja a tomada de consciência e o desnude
do ato de agressão por eles cometido.

Possível visualizar nitidamente também pela equipe condutora que o


sentimento de revolta e ansiedade que os participantes levam para os encontros,
vai diminuindo significativamente e o clima grupal de respeito e
compartilhamento de emoções e sentimentos vão estabelecendo. Momentos de
descontração também são vivenciados, tornando os conceitos e temas densos
mais leves e os participantes se tornam mais receptivos ao trabalho realizado e às
reflexões propostas e o caráter punitivo inicialmente muito evocado por eles, vai
sendo aos poucos minimizado e os objetivos inicialmente propostos vão se
cumprindo.

Uma boa estratégia com o objetivo claro de quebrar o gelo e possibilitar o


fortalecimento do senso de pertença ao grupo e propiciar momentos de fala dos
integrantes é servir um lanche durante os encontros, que pode ser servido com
muita simplicidade e propiciar alguma descontração.

Vários recursos metodológicos podem ser utilizados, desde apresentação


de slides, vídeos, músicas, técnicas de dinâmica de grupo entre outros, sempre de
forma a dinamizar as falas e reflexões.

50
Tão importante quanto planejar com cuidado os encontros incluindo o eixo
temático e seus componentes é também monitorar e avaliar os encontros. O
monitoramento periódico, sugere-se ao final de cada encontro, pode levar a
equipe condutora a reorganizar os temas de acordo com as falas e sugestões que
vão se apresentando. Na conclusão do cronograma é importante avaliar os
encontros de forma verbal e também escrita, de preferência sem a identificação
do avaliador, para que se oportunize a fala genuína, gerando um feedback para
futuros ajustes necessários ao bom planejamento, execução e condução dos
trabalhos por parte da equipe.

No encerramento das atividades de cada grupo procede-se a entrega dos


certificados aos participantes supostos autores, informando-os que façam uma
cópia e que seus advogados procedam a entrega junto ao juizado que o
sentenciou a participar de grupo reflexivo, demonstrando à justiça o seu
cumprimento.

Posterior à conclusão de um grupo reflexivo é importante que a equipe


construa um relatório das atividades desenvolvidas e o remeta, juntada a
frequência com os nomes dos participantes, ao juizado responsável pela área da
violência doméstica e familiar.

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c. Procedimentos e documentos necessários

Para a construção de um grupo reflexivo sobre gênero e violência


doméstica, seja ele voltado para vítimas ou para supostos autores, é necessário
atender a alguns critérios.

Primeiro a formação de equipe mínima necessária, que deve ser composta


por advogado, assistente social e psicólogo e que estes estejam em sintonia com o
que preconiza a Lei Maria da Penha. É oportuno também que estes profissionais
tenham habilidades de trabalho em coletividade.

Para a realização dos encontros é indispensável que seja num local


apropriado, arejado, que acomode todos sentados, a formação circular de cadeiras
é sugerida para uma melhor visualização e interação de todos os presentes, que o
ambiente seja desprovido de ruídos e de grande movimentação de pessoas e que
os participantes tenham sua privacidade resguardada.

É importante pontuar que o modelo dos grupos reflexivos levam em


consideração a identidade própria de cada grupo a ser trabalhada, bem com a
diversidade da formação teórica e prática dos profissionais que integram as
equipes multidisciplinares. Dessa forma, enfatiza-se a autonomia técnica desses
profissionais em relação à escolha da fundamentação teórica, das dinâmicas de
grupo utilizadas, da ordenação e seleção de temas abordados, entre outros.

Para cada um das metas estabelecidas planeja-se um processo de


execução específico, no qual se definirá as atividades necessárias a sua
concretização. A opção por esta modalidade de execução se deve a uma maior
flexibilidade e agilidade quanto à sua implementação.

Recomenda-se que os encontros sejam realizados semanal ou


quinzenalmente e em horário compatível aos participantes beneficiários, com

52
duração de duas horas cada, já computado o momento de socialização,
totalizando de 10 a 12 encontros, ou o que melhor convier, e com o máximo de
quinze integrantes, podendo eles ser de diferentes faixa etária, etnias, religiões,
sem distinção ou discriminação. Com ressalvas de contraindicação aos acusados
e/ou sentenciados de abuso sexual, autores de crimes dolosos contra a vida, ao
dependente químico com comportamento comprometido, aos portadores de
transtornos mentais severos e aos que apresentem comportamento prejudicial ao
funcionamento do grupo.

Em casos adversos, a equipe multidisciplinar informará ao Juízo as


ocorrências de contra indicação à inserção ou permanência nos grupos reflexivos,
sugerindo o encaminhamento para serviços especializados da rede social ou de
saúde.

Os supostos autores devem ser encaminhados pelo judiciário por


intermédio de suas varas especializadas, quando houver. Para as vítimas, sua
participação em grupos poderá ser via encaminhamento do judiciário ou por
demanda espontânea, ou ainda recomendada pela equipe psicossocial.

Quando encaminhados pelos juizados, os supostos autores e as vítimas


recebem notificação judicial para o comparecimento nos locais disponíveis à
participação no grupo reflexivo. Procede-se então, o acolhimento das partes.

Após atendimento inicial, prossegue com a entrevista, colhendo os


dados, conforme já foi explanado nas seções acima, e junta anexa, cópia do
encaminhamento do judiciário e de documentos pessoais. Recomendado explicar
o processo de trabalho e o funcionamento do grupo, deixando claro se tratar de
ação educativa e dialogal, como uma iniciativa para minimizar o estresse e a
ansiedade natural deste momento, bem com comunicar a data de início e término
dos encontros.

53
Vencida a fase inicial administrativa, a execução das atividades com o
grupo reflexivo se materializa. Momento de colocar em ação o planejamento
feito. A metodologia a ser trabalhada vai de encontro com a formação,
experiência e formas de trabalho da equipe multiprofissional, respeitando a
autonomia das equipes, mas fazemos aqui algumas pontuações necessárias.

O eixo temático dos encontros deve girar em torno das relações de


gênero, violência, masculinidades, feminilidades, cultura patriarcal,
parentalidade, direitos, cidadania, sexualidade, saúde, álcool e outras drogas,
entre outros que sugeridos pelos participantes ou se apresentarem relevantes
durante o processo de aplicação.

Para cada tema trabalhado, deve-se planejar as estratégias e


procedimentos a serem utilizados. Os recursos audiovisuais, como filmes,
documentários, slides e as técnicas de dinâmica de grupo, são boas ferramentas
para assimilação dos conteúdos. Além da técnica da narrativa e falas
direcionadas, que são imprescindíveis.

Sugere-se o oferecimento de um lanche durante os encontros com o


objetivo de socialização e fortalecer os laços entre participantes e equipe técnica.
Também para os profissionais já iniciarem as observações dos comportamentos e
falas, bem como para propiciar momentos de descontração.

Durante os encontros requer que os profissionais registrem o desenrolar


dos acontecimentos, qual seja, a participação ativa ou enrijecida, iniciativas, falas
de cada um, suas impressões, expressões corporais, narrativas das histórias de
vida, que vão dando corpo ao grupo, estabelecendo uma relação própria e
norteando os técnicos ao planejamento e monitoramento dos futuros encontros,
deste e de grupos posteriores.

54
Importante que a equipe tenha ciência de que o trabalho com os grupos
reflexivos têm interesse nas ações responsabilizantes dos sujeitos, que eles
reconheçam e se responsabilizem pelos atos violentos cometidos e não a
pretensão de policiar ou julgar esses homens. Todavia, ter a convicção de que a
violência de gênero não se justifica sob quaisquer circunstâncias ou pretextos e
deve ser ser interrompida por intermédio de trabalhos como esse, aliados a outros
recursos existentes e disponíveis pela rede de atendimento e pelas políticas
públicas efetivas.

Para a finalização dos encontros procede a entrega dos certificados aos


participantes que tiveram regularidade de participação: pontualidade e
assiduidade, constando as informações necessárias de local de ocorrência, nome
do beneficiado, início e término dos encontros, data da entrega, logomarca da
instituição formadora e assinaturas dos responsáveis. Deve-se comunicar aos
supostos autores ou às vítimas que é necessário fazer uma cópia do certificado e
anexar aos autos do processo judicial em trâmite, como comprovação do feito.

Momento oportuno de realizar a avaliação tanto verbal, conduzida pela


equipe a cada participantes, quanto a avaliação escrita, recomenda-se a não
identificação do avaliador para que sejam feitas com autenticidade e explicar isso
a todos.

Após a avaliação e encerramento dos encontros concluídos, é


indispensável se reportar ao judiciário com a informação do cumprimento da
decisão judicial de participação em grupo reflexivo pelos supostos autores ou
vítimas, informando sua frequência e enviando relatório das atividades
desenvolvidas.

55
Compartilhamos neste site alguns modelos de documentos, textos para
leitura complementar, que recomendamos para melhor sedimentar os conteúdos
até aqui discutidos e facilitar o planejamento dos grupos a serem realizados.

56
d. Impactos da pandemia na forma de atendimento

Neste momento, em virtude da pandemia do coronavírus, declarada pela


Organização Mundial da Saúde – OMS, medidas extremas e urgentes estão sendo
tomadas para controlar a transmissão do Covid-19 em razão de seu alto índice de
letalidade.

O Governador do Estado de Goiás no uso de suas atribuições legais e


constitucionais e de ações humanitárias estabeleceu procedimentos preventivos e
combativos ao vírus, ao mesmo tempo em que suspendeu eventos e atividades de
natureza públicos e privados, medidas de isolamento social e instituiu o
teletrabalho sob a égide do Decreto Estadual n° 9.634 de 13 de março de 2020.

Esta nova forma de reorganização do trabalho público, não prejudicou na


totalidade as ações efetivas de enfrentamento ao fim da violência contra as
mulheres, como parte integrante do Pacto Goiano pelo Fim da Violência contra
as Mulheres estabelecido no final do exercício passado e desenvolvido pela
Superintendência da Mulher e da Igualdade Racial da SEDS. Atentos às
consequências que o isolamento social provoca, sobretudo nas mulheres vítimas
de violência doméstica e em atenção à recomendação da senhora Dubravka
Simonovic relatora do Conselho de Direitos Humanos da ONU, para que os
países adotem medidas urgentes e criativas para atender às mulheres e meninas
na possibilidade de inten​sificação da violência doméstica num contexto de
distanciamento social obrigatório.

Ora, as medidas de urgência de restrição social que são eficazes para a


contenção da pandemia, denotam na diminuição de atendimentos presenciais da
rede de proteção a mulheres e meninas em situação de violência doméstica e

57
familiar, expondo um problema de saúde global que assume proporções de uma
epidemia silenciosa e requer ações urgentes.

Estudo realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás sobre os


impactos das alterações ocorridas, comparativas ao período de isolamento social
com períodos de não isolamento, tendo em vista os dados sobre medidas
protetivas de urgência e prisão em flagrante que tenham sido autuados nos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, da capital e
interior do estado, demonstra que diminuíram as solicitações de medidas
protetivas, mas aumentaram as prisões em flagrante, ratificando que a mulher
continua sofrendo violência neste período sem possibilidade de pedir ajuda aos
veículos da rede.

Embasados em diversos indicadores, dispõem-se de variáveis


caracterizadoras de riscos associados aos impactos da pandemia do coronavírus
na relação entre vítima e agressor que aumentam a probabilidade do
agravamento, reincidência e ocorrência da tensão entre o casal.

As questões desfavorecem as mulheres, uma vez que são mais expostas ao


vírus, com a função de cuidadora de pessoas infectadas, são mais cobradas e
exigidas posturas de cuidados extremos; aumento na tensão relacional emergindo
conflitos passados e não resolvidos anteriormente; divergência na educação dos
filhos; na guarda compartilhada unilateral, que é a recomendação da OMS; maior
exposição à violência sexual pelo parceiro; ocorrências de maior incidência de
ciúme, possessividade, tentativas de controle da parceira e tentativas de
separação aumentando o risco do feminicídio; as questões financeiras muito
evocadas, tendo a mulher maior ocorrência de sua remuneração como informal,
necessita paralisar suas atividades para cuidar dos filhos que estão fora da escola,
também impedida de sair de casa para trabalhar devido ao isolamento social, que

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deixa a mulher mais vulnerável, sendo o isolamento, parte da dinâmica de
relacionamentos abusivos.

Mediante todo este cenário, os veículos de proteção às mulheres precisam


se reinventar e encontrar novas formas de trabalho que se adaptem ao novo
cotidiano.

Assim está fazendo a Superintendência Estadual da Mulher e da


Igualdade/Centro de Referência Estadual da Igualdade, reformulando sua atuação
para alcançar a população vulnerável. Entre as estratégias, que estão
demonstradas no Informe Estadual 1/2020, a realização de atendimentos
psicológicos e orientação jurídica online para as mulheres vítimas e autores de
violência doméstica, ligações telefônicas de acompanhamento para os supostos
autores assistidos pelo setor, criação e manutenção de conta em uma mídia social,
formação de grupos de aplicativo de mensagem como forma de comunicação e
divulgação de folders, vídeos, documentários e materiais ligados ao tema da
violência, bem como o desenvolvimento de grupos reflexivos para supostos
autores e vítimas de violência doméstica usando plataformas de vídeo chamadas.

Com a realização dos grupos online foi possível perceber a resposta


positiva deste novo formato de trabalho, houve a participação maciça e efetiva de
todos os integrantes convidados, também foram trabalhados os mesmos temas da
forma presencial e constatada a assimilação dos conteúdos por todos, certificando
a equipe do cumprimento dos objetivos propostos.

Esta demonstração comprova que é possível recriar e remodelar processos,


fluxos, procedimentos, métodos de trabalho a todo tempo, usando da criatividade,
da intenção saudável e da incansável busca pela igualdade de gênero, pela
eliminação de todo tipo de discriminação e violência e da erradicação de práticas
nocivas contra as mulheres.

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60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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mulheres que sofrem violência doméstica e familiar. Monografia. Universidade de
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61
criando o tipo especial denominado "Violência Doméstica". Disponível em:
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______. (2006a) ​Lei Nº 11.340​, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para


coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em:
h​ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm​.

______. (2015). ​Lei nº 13.104​, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do


Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o
feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º
da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos
crimes hediondos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm​.

______. (2018). ​Lei Nº 13.769​, de 19 de dezembro de 2018. Altera o Decreto-Lei


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doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra
crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
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