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A TRADUÇÃO DE CONTOS DE MARÍA ELENA WALSH E

DE GLORIA CECILIA DÍAZ: UMA EXPERIÊNCIA NA


FORMAÇÃO DE TRADUTORES
Profa. Dra. Lucie Josephe de Lannoy

INTRODUÇÃO

Esta comunicação tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre a


experiência de ensino de tradução de literatura infantojuvenil do espanhol ao
português, realizada na disciplina Tradução de Textos Literáriose e em Trabalhos de
Conclusão de Curso, do Curso de Letras Tradução Espanhol, da Universidade de
Brasília. As obras que foram traduzidas parcialmente e comentadas foram:
Cuentopos de Gulubú (1967), da escritora argentina, María Elena Walsh e Cuentos
y leyendas de América Latina (2018), da escritora colombiana, Gloria Cecilia Díaz.
Os passos metodológicos que seguimos com os estudantes, partiram de um
debate sobre estética, sobre texto literário, com leituras de Otavio Paz (1971),
Literatura e literariedade; de Hermenegildo Bastos (2011), A obra literária como
leitura e, também realizamos comentários sobre teoria da literatura infantil e
infantojuvenil, com referências ao A psicanálise dos contos de fada, de Bruno
Bettelheim (1976), a Cecilia Meireles (1951), a Ligia Cademartori (2017), para citar
algumas das leituras realizadas. E, foi necessário, pensar, por exemplo, qual o
conceito que temos de infância, segundo a nossa experiência e segundo teorias da
tradução de literatura infantil. Citamos Z. Shavit (2006), R. Oittinen (2005), Azenha
Jr. (2005), L. Lourenzo (2014), C. García de Toro (2014), o que nos auxiliou para
termos um pouco mais de consciência sobre os nossos critérios estéticos, nossas
posturas tradutórias e atitudes manipuladoras em relação à escrita para crianças.

DESENVOLVIMENTO

Este trabalho descreve em parte, então, a trajetória das interações feitas


pelos tradutores em formação com aspectos implicados na prática da tradução de
obras infantojuvenis, como o questionamento de valores em circulação na
sociedade. Nesse sentido, os textos de ambas as escritoras escolhidas para a
prática da tradução, ajudaram a perceber a importância de sairmos de modelos do
didatismo, do moralismo, do paternalismo com os quais muitas vezes é abordada a
produção de livros para essa faixa etária, desvendando assim, processos de
dominação da infância por parte dos adultos. Afinal, são eles os que escrevem,
editam, traduzem, desenham e compram.
Constatamos a necessidade de abordar a tradução criativa (Campos, 2005),
devido ao empenho dos tradutores em formação em adotarem uma linguagem que
desperte o prazer da leitura na infância, traduzindo o humor, jogos de palavras,
rimas, entre outros aspectos que tornam o texto palatável, saboroso, vivo, num
esforço de nos adequarmos ao público-alvo. Esta experiência deu destaque ao
ambiente acadêmico que oferece a possibilidade de traduzirmos em grupo e
refletirmos de modo colaborativo.
A seguir, para ilustrar a experiência, transcrevemos um trecho de um dos
contos do livro, Cuentopos de Gulubú (1967[2010]), de María Elena Walsh: La
princesa Sukimuki, su papá y el príncipe Kinoto Fukasuka:

Sukimuki era una princesa japonesa.

En esa época las princesas, todo lo que tenían que hacer era
quedarse quietitas. Nada de ayudarle a la mamá a secar los
platos. Nada de hacer mandados. Nada de bailar con abanico.
Nada de tomar naranjada con pajita. Ni siquiera ir a la escuela.
Ni siquiera sonarse la nariz. Ni siquiera pelar una ciruela. Ni
siquiera cazar una lombriz. Nada, nada, nada.

Trata-se de uma prosa poética com rima interna: escuela rima com ciruela;
nariz rima com lombriz. As repetições são muito comuns nos contos infantis
espanhóis e portugueses, também em canções e brincadeiras: no texto acima,
repete-se quatro vezes "Nada" e a seguir, repete-se quatro vezes Ni siquiera, e,
mais uma vez, de novo: “nada, nada, nada”.
O recurso da repetição cumpre uma função, a de dar ênfase a um evento
recorrente, são ações sucessivas que vão se somando na sequência, de forma
cumulativa ou de subtração, e, que permite ao público infantil encontrar um sentido
na insistência do ritmo, no caso do conto em questão, a menina tem que "estar
quieta", o que permite denotar ironia em relação ao modelo de conduta passiva
associado ao papel tradicional da mulher na cultura.
O conto acima referido, parece fazer alusão à cultura japonesa, esse fato,
porém, mais do que elaborar um estereótipo ou fomentar um preconceito em relação
aos japoneses, não seria um modo de poder criticar a própria cultura, valendo-se do
recurso da projeção a um país distante de aspectos que não querem ou não podem
ser vistos de perto?
A criança que ouve a história é capaz de se colocar nela, e, como a repetição
tem, também, uma função engraçada, o tom cômico revela uma forma sutil de
denúncia, de protesta quanto ao papel feminino na sociedade tradicional.
Na tradução, em um primeiro momento, a maioria dos tradutores em
formação não reparou nas rimas internas e, metade do grupo, respeitou o número
das repetições. Mas, a partir dessa constatação, foram encontraram alternativas
para substituir os substantivos de modo a que rimem entre si. Um exemplo ocorrido:
PT: ... Nem mesmo podia ir à escola. Nem mesmo podia assoar o nariz. Nem
mesmo descascar uma banana. Nem mesmo caçar um verme. Essa foi uma versão
sem rima!
Mas, a seguir houve esta combinação: Nem podia ir à escola, nem assoar o
nariz. Nem mesmo descascar uma graviola, nem mesmo caçar uma perdiz.
Quanto a nomes próprios, tinha-se adotado o princípio de não traduzi-los, a
menos que compusessem algum significado para a compreensão do texto. No conto
de María Elena Walsh, "Aventuras de una señora y su nene", o nome da senhora
Elefanta, recebe uma série de versões. O nome em espanhol é "La distinguida
señora doña Elefanta Trompitelli de Barriguini" e, passa a ser traduzido ora por: "A
distinta senhora Dona Elefanta Trombalina de Barrigoni", ora por “A elegante
senhora dona Elefanta Trompete de Barriguinha" (a partir de termos concretos como
trompete e barriga), ora por “A ilustre senhora Dona Elefanta Trompetini de
Barriguini”. O fato de termos variantes para "distinguida" conduziu-nos a refletir se
“distinguida” teria um uso mais frequente em espanhol do que "distinta" em
português? Porque as escolhas denotaram um certo estranhamento ou resistência
para utilizar “distinta” para traduzir distinguida? Haveria um motivo cultural?
Já, quanto à facilidade em criar nomes em português, que expressam certa
pompa, certa formalidade (própria, sobretudo, de um período autoritário, uma vez
que de forma velada, irônica, bem-humorada, a autora escreveu o conto durante a
ditadura argentina), os tradutores em formação mostraram ter bastante familiaridade
para inventar nomes, seria isso uma questão cultural, também? Assim, eles
encontram soluções para os problemas de acordo com as convenções
estabelecidas, mas, também, segundo os seus próprios critérios que vão se
afirmando de forma mais ou menos consciente, à medida que foram praticando a
tradução reflexiva e respondendo a diversos questionamentos. Foi interessante
observar como traduzir revelou aspectos da própria língua e cultura.
A escolha de María Elena Walsh que viveu de 1930 a 2011, se deve, em
parte, ao fato do prazer que foi ouvir os seus contos, os quais foram, na maioria das
vezes, musicados. Outro valor para a escolha dessa obra, tem a ver com que
gerações inteiras foram formadas pelo seu senso de humor, pelo seu espírito crítico,
pela sua criatividade com a linguagem e a imaginação, capaz de unir a literatura
infantojuvenil tradicional ao folclore e cultura locais, desconstruindo preconceitos,
contribuindo para a formação leitora das crianças de modo prazeroso mas, nem por
isso pueril pois, ela soube propiciar um desenvolvimento da autonomia intelectual,
resistindo-se a adotar uma postura moralista, paternalista, como era comum na
época.
É verdade que para os estudantes de hoje, expressões idiomáticas dos anos
60 soaram um tanto ultrapassadas e, por vezes, uma ameaça ao entusiasmo para
traduzir humor e nonsense. As intertextualidades, por exemplo, as referências ao
Martín Fierro, de José Hernández (1872), no título do conto: Aqui me pongo a contar
un cuento polar, ou até mesmo a Horácio Quiroga, Cuentos de la Selva, na escolha
do que acontece com alguns animais, também não foram fáceis de serem
identificadas.
Contudo, María Elena Walsh transformou o modo de ver e interagir com a
infância, e, aportou à turma o contato com alguém que tinha uma visão não
condescendente, mas respeitosa e inteligente com o público. Em um contexto no
qual os contos para crianças eram carregados da rigidez típica do ensino da época,
ela desenvolveu o senso da ironia, da delicadeza, do riso em mais de 50 obras.
Esse aspecto, em relação aos tradutores em formação, os fez refletir sobre o
contexto brasileiro e sobre as linguagens utilizadas no trato com a infância.
Já a escolha de Gloria Cecilia Díaz, se deve, em parte, às ricas ilustrações de
Estelí Meza mas, sobretudo, porque a obra apresenta a possibilidade de diálogo
com culturas de todos os países da América Latina, o que nos levou a pensar em
uma espécie de subconsciente coletivo. Os três primeiros contos traduzidos foram,
porém, também argentinos: “El Pombero”, “Kanshout y el otoño” e “La flor de
Lirolay”.
Buscou-se apresentar ao público-leitor, uma obra que tratasse de temas do
folclore latino-americano e aproximá-lo à experiência de leitura de mitos populares
da cultura argentina (em um primeiro momento), como um modo de ampliar a
divulgação da riqueza cultural de povos que nos circundam. Foi realizada a tradução
ao português da introdução:

Como nasceram os primeiros relatos da literatura? Quando


começaram os homens a contar histórias? Isso ocorreu há
milhares de anos, quando se reuniam ao redor do fogo que
lhes aquecia e os protegia das feras, e, eles narravam as suas
proezas na caça e na pesca e passaram a poder dar nome ao
que lhes dava medo, dando vida a seres que não eram senão a
personificação dos fenômenos naturais.
Essa humanidade nascente devia se sentir extremamente
desprotegida e contar histórias se tornou uma forma de explicar
o mundo e compreender a natureza que, se por um lado os
nutria, por outro, não deixava de ser hostil e perigosa. Nesses
contos há vencedores e vencidos, deuses bons, protetores e
deuses cruéis e sem piedade. Existem criaturas poderosas
para defender a floresta, as montanhas, os rios, os mares e,
também encontramos reis generosos e outros, malandros e
aproveitadores. Todas essas características representam
qualidades e defeitos que habitavam e ainda habitam os
homens de hoje (DÍAZ, 2018, Prólogo, trad. nossa).

Assim como Maria Elena Walsh, no conto da Princesa, ela se ampara em um


espaço longínquo, o Japão, para poder falar do papel feminino, aqui, vemos a
Cecília Díaz se apoiando no passado para falar do presente.
Algumas das considerações para contextualizar um e outro trabalho de
tradução remetem ao fato de que as crianças não compreendem o texto literário da
mesma forma que os adultos. Pois, o real ao qual estes se referem é, geralmente, o
mundo circundante. Já para as crianças, segundo Bruno Bettelheim, “as histórias
permitem recriar internamente os próprios dramas pessoais pois elas se imaginam
no conto e aprendem a lidar com os seus conflitos interiores e com questões que se
apresentam como obstáculos ao seu desenvolvimento” (BETTELHEIM, 1976[2009]).
Como assinala Azenha (2005), a tradução de literatura infantojuvenil é um
campo teórico e disciplinar ainda em consolidação, para o qual, a formação de
tradutores ganha relevância quanto à sistematização de uma moldura conceitual
própria para a questão (AZENHA, 2005, p. 368). É assim que, neste trabalho, a base
da experiência de traduzir constitui o alicerce das reflexões desenvolvidas e as
noções de teorias foram sendo entendidas como suporte para a reflexão sobre essa
prática.
Desta forma, por exemplo, os estudantes estiveram atentos à presença de
elementos icônicos. "É icônico o termo que, em relação ao seu referente, "cria
imagem", produz uma consciência de semelhança" (BERMAN, 2013, p. 75). Berman
nos lembrou ainda que “uma palavra que designa a facécia, o jogo com as palavras,
se comporta facilmente de maneira fantasiosa, assim como, em todas as línguas do
mundo, os termos que designam borboleta mudam à maneira de caleidoscópio"
(SPIZER apud BERMAN, 2013, p. 102). O que não quer dizer que a palavra
borboleta se parece com o inseto, mas, que “na sua substância sonora e corpórea,
na sua densidade de palavra, ela nos remete a algo do ser ‘borboleteante’ da
borboleta” (Ibid.). Como vemos, esta espécie de metáfora da força expressiva em
termos que levam em si uma poética digamos, no sentido de poder ver e ouvir, é
para um público que ainda não desenvolveu o pensamento abstrato, um critério para
escolher prioritariamente servir-se de uma linguagem musical, sonora, imagética,
colorida necessária para propiciar o gosto da leitura e, quem sabe, uma experiência
estética.
Cecília Díaz (2001, p. 25) nos lembra que: "se a Literatura e a tradução de
literatura infantil e juvenil estão comprometidas com uma ideologia e com um
momento histórico, sua relação com o imaginário infantil funciona como uma via de
mão dupla". Ao mesmo tempo, em que ela usa elementos desse imaginário – num
recorte que confirma o vínculo com uma tradição (recorrência a mitos, lendas e
figuras do folclore, por exemplo) –, tal relação também interfere nesse mesmo
imaginário, reforçando ou desmistificando estereótipos. No decorrer da narrativa, a
crítica ao mundo dos adultos vai se transformando, por exemplo, de uma crítica ao
autoritarismo de cunho sociopolítico para uma crítica social e/ ou individual e
psicológica.
Muitas das lendas têm origem indígena, dos povos mapuches e guaranis.
Segundo Cascudo, folclore seria “a cultura popular, tornada normativa pela
tradição''. Onde estiver um homem, aí viverá uma fonte de criação e divulgação
folclórica” (CASCUDO, 1972, p. 400).
Há poucas lendas argentinas que apresentam semelhança com as lendas
brasileiras e personagens folclóricos comuns. Entretanto, o conto “El Pombero”
relata a história de um homem que vive nas florestas e entre os rios, seu nome em
Guarani é Cuarahú-Yara, que significa “Proprietário do Sol”, ele é o protetor da
natureza, encarregado de punir aqueles que danificam árvores ou animais. Ele
parece um velho feio, alto, magro e muito peludo, embora alguns digam que ele é
baixo e gordo.
Ao começar a leitura do conto “El Pombero”, percebe-se uma semelhança
com o conto brasileiro bastante conhecido, “O Curupira”. Ambos os contos relatam a
história de um homem magro, peludo, mãos e pés grandes que vive nas florestas do
norte de seus países, têm como função proteger as florestas e os animais dos seres
humanos.
Segundo Cascudo, o Curupira é “um dos mais espantosos e populares entes
fantásticos das matas brasileiras” (CASCUDO, 1972, p. 332). De origem Tupi Curu -
curumim - menino e pira - corpo. Protetor da floresta, o Curupira é representado por
um anão ruivo e com os seus pés ao inverso, calcanhares para frente (Opistópodo).
O Padre José de Anchieta já fizera menção a ele: “É coisa sabida e pela boca de
todos corre haver certos demônios e que os brasis chamam curupira, que acometem
aos índios, muitas vezes, no mato, dão-lhe de açoites, machucam-nos e matam-nos”
(Id., p. 332).
Essas referências facilitaram um diálogo cultural entre Brasil e Argentina,
conforme mostra o exemplo no quadro a seguir.

Texto-fonte Texto-alvo
El Pombero O Curupira

Ah, ¡el Pombero! suena a título de Ah, o Curupira! soa como um título de
canción, pero no, este es el guardián de canção, mas não, este é o guardião das
los montes y de los animales. Los que lo montanhas e dos animais. As pessoas que
han visto no se ponen de acuerdo en o viram não concordam com a sua
cuanto a su apariencia. Unos dicen que es aparência. Dizem que ele é alto, magro e
alto, flaco y peludo, otros que es bajito y peludo, outras dizem que ele é baixo e
gordo. Pero en los dos casos tiene los pies gordo. Mas todos falam que os seus pés
al revés, es decir, los dedos hacia atrás y estão ao contrário, os dedos dos pés para
los talones adelante. ¡Genial para engañar trás e os calcanhares para a frente, o que
a quienes lo persiguen! Siempre lleva un é ótimo para enganar aqueles que o
enorme sombrero de paja. Y eso sí, todos perseguem! Usa sempre um enorme
coinciden en que es feísimo. chapéu de palha. E sim, todos dizem que
ele é muito feio.

A discussão centrou-se na dúvida de traduzir ou não "feísimo". E, acabou-se


optando por "muito feio". Ou seja, apesar desta obra motivar a pesquisa, optou-se
por uma tradução domesticadora e por uma tomada de consciência do papel do
tradutor junto à responsabilidade de passar adiante ou não pré-conceitos para a
criança como o que é ser "feio" ou não.
Já o conto “Kanshout y el otoño” remete a um jovem da tribo selk'nam que,
após um genocídio, no início do século XX e de um processo de transculturação que
durou mais de um século, os selk'nam continuam habitando na parte argentina da
ilha Grande de Tierra del Fuego e, hoje, encontram-se completamente aculturados.
O problema da tradução para os estudantes de tradução foi em relação ao
uso de uma linguagem standard, pois expressões "chicos", que significa ao mesmo
tempo: pequenos e jovens em espanhol, foi traduzido por "rapazes" e papagaios, foi
a tradução para "loros" formas próprias da Argentina que se perderam na tradução.
Isto foi visto como "empobrecimento qualitativo", para citar o termo utilizado por
Berman (2013, p. 75). Segundo Berman, nas tendências deformadoras, este seria
um caso de empobrecimento qualitativo, pois este “remete à substituição dos
termos, expressões, modos de dizer, etc. do original por termos, expressões, modos
de dizer, que não têm nem sua riqueza sonora, nem sua riqueza significante ou –
melhor – icônica” (BERMAN, 2013, p. 75).
A seguir, apresentamos um exemplo do trabalho de tradução:
Kanshout era un chico de la tribu Selk’nam que vivía en un lugar lejano que
tenía un lindo nombre, Tierra del Fuego. Este sitio es la puntita allá abajo en América
del Sur. En la época de Kanshout los árboles no perdían nunca sus hojas, siempre,
siempre eran verdes.
Kanshout era rapaz da tribo Selk’nam que morava em um lugar distante que
tinha um lindo nome, se chamava Terra de Fogo. Esse lugar é a pontinha que fica lá
embaixo na América do Sul. Na época de Kanshout as árvores não perdiam nunca
suas folhas, eram sempre, sempre verdes.
Já, A flor de Lirolay é uma lenda de origem guarani que conta que essa é a
única flor capaz de devolver a vida. Essa lenda é conhecida no norte da Argentina,
na região andina e na região central. Em Salta, a chamam “la flor lirolay”; em Jujuy,
“la flor del ilolay”; en Tucumán, “la flor de lirolá ou lilolá”; em Córdoba, La Rioja e San
Luis, “la flor de la Deidad”.
A lenda apresenta uma intertextualidade com a tradição europeia, da qual
fazem parte os Contos dos irmãos Grimm (1822), sendo que um deles começa com:
“Era uma vez um rei que tinha três filhos, dois eram sensatos e um bobalhão” (“Às
três penas”), pois, a flor do Lirolay conta a história de um rei com os seus três filhos.
Assim, observa-se um processo de transculturação, no sentido de que o relato trás
nas suas origens várias fontes culturais que foram sofrendo um processo de
assimilação até gestarem algo novo.

No me toques, pastorcito,
ni me dejes de tocar.
Mis hermanos me mataron
por la flor del lirolay

Neste conto encontramos referências à Pachamamma, a deusa da terra,


segundo as comunidades andinas. Ela é a mãe protetora que protege, nutre,
sustenta os seres humanos e, é honrada por tantos atributos com rito celebrado há
séculos. Pacha significa, em quéchua, universo, mundo, tempo, lugar, e mama, Mãe,
mãe terra. Mas, a autora escreve mamma com duas letras “m”, como em italiano,
termo muito comum na Argentina. Se, por um lado, o conto remete aos povos
originários da América Latina, por outro, ele tem uma intertextualidade com os
contos dos irmãos Grimm, “O flautista de Hamelin” e “As três penas”.

CONCLUSÃO

O trabalho consistiu aprofundarmos a compreensão leitora, aprimorar a


língua, observar a cultura, os diferentes elementos que compõem o texto, como a
sonoridade, as rimas internas, o ritmo, a percepção da ironia, do humor, da crítica
social. Pesquisamos o contexto cultural, observamos os pontos que nos aproximam
e os que nos distanciam, entre argentinos e brasileiros, por exemplo. A comparação
das traduções feitas pelos estudantes e comentadas levou à necessidade de
pesquisas complementares. Pois, afinal, o texto pode ser abordado de longe, de
perto ou por dentro e, segundo os mais variados pontos de vista e experiências de
leituras, também teóricas. A tradução de contos infantis propicia a ampliação do
imaginário coletivo e a interação entre culturas diferentes.
Dessa forma, a percepção dos estudantes sobre o papel do tradutor literário
junto ao público infantil pôde ser mais valorizado, assim como a relevância da
função estética para uma literatura considerada secundária, e, ainda, a
responsabilidade de se escrever para um público leitor que se inicia ao gosto da
leitura.

Referências

AZENHA JUNIOR, João. A tradução para a criança e para o jovem: a prática como
base da reflexão e da relação profissional. Pandaemonium Germanicum, São Paulo,
n. 9, p. 367-392, dez. 2005. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/pg/article/view/
73944. Acesso em: 3 mar. 2022.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Trad. de Arlene Caetano.


37. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

BERMAN, Antoine. A Tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo. 2. ed. Trad.


de Marie-Hélène C. Torres, Mauri Furlan, Andreia Guerini. Florianópolis: Copiart,
PGET/UFSC, 2013.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro:


Edições de Ouro, 1972.

DÍAZ, Gloria Cecilia. Cuentos y leyendas de América Latina. Bogotá: Anaya, 2018.

WALSH, María Elena. Cuentopos de Gulubú. Buenos Aires: Alfaguara, 2010.

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