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DA BIOFILIA A ECOTERAPIA A IMPORTANCIA DOS PARQUES URBANOS PARA A SAUDE MENTAL! por Marina Prieto Afonso Lencastre? Paulo Farinha-Marques* Resumo: Ha evidéncia cientifica crescente de que os espagos naturais apresentam um conjunto de caracteristicas fisicas, quimicas © sensoriais que methoram a saide psicofisiolgica ¢ tém efeitos positivos sobre tragos psicolégicos como o humor ¢ a ansiedade, a convivialidade e a cooperagio. A biofilia estuda os efeitos positivos da natureza sobre a salide e o bem-estar, ¢ a ecoterapia integra a ccologia psicoterapia através do alargamento do setting a sessbes ¢ atividades nos espagos naturais, € através da promogdo de comportamentos pré-ambienlais, O presente artigo abordara estas questdes, partindo do conceito de biofilia e contextualizando a ecoterapia no conjunto geral das psicoterapias, © da psicodinamica em particular, defendendo a importancia dos parques urbanos para uma correta promogio da saide mental ¢ da biodiversidade nas cidades, Palavras-chave: Biofilia; Ecoterapia; Psicoterapia psicodindmica; Parques naturais Abstract: There is growing scientific evidence that natural spaces have a set of physical, chemical and sensory characteristics that improve general psychophysiological health and have positive effects in psychological traits such as mood and anxiety, conviviality and cooperation. Biophilia studies the positive effects of nature on health and well-being, and ecotherapy integrates ecology within psychotherapy by extending the setting to sessions and activities in natural spaces and by promoting pro-environmental behaviors, This article will address these issues, starting from the concept of biophilia and contex- tualizing ecotherapy in the general set of psychotherapies, and psychodynamics in particular, defending the importance of urban parks for the correct promotion of mental health and biodiversity in the cities Keywords: Biophilia; Ecotherapy; Psychodynamic psychotherapy; Urban parks. " Este artigo foi escrito no contexto do projeto “Compor mundos: humanidades, bem-estar ¢ saiide” (FFP-UFP-HE), * Professora Catedritica da Universidade Femando Pessoa, Psicoterapeuta Lspecialista e Supervisora Cientitica da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clinica, > Professor Associado da Faculdade de Cigncias da Universidade do Porto. Investigador do Centro de Investigagio em Biodiversidade ¢ Recursos Genéticas (CIBIO). Trabelhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 131 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinka-Marques 1, INTRODUGAO A relagdo dos espagos verdes com a saiide eo bem-estar dos humanos ¢ dos nao humanos é cada vez mais evidente, tanto a nivel local como a nivel global. As transformagdes antropogénicas dos habitats naturais‘, com perda da biodiversidade € impacto sobre o clima, ameagam as dindmicas das espécies ¢ 0 equilibrio dos humanos, tornando urgente melhorar as relagdes entre as pessoas e a natureza. A pandemia por Sars-Cov-2 mostra amplamente como a invasio, pelos humanos, dos ecossistemas dos outros animais, arrastando 0 convivio com espécies dantes afastadas pelas barreiras naturais, desafia a capacidade de adaptagdo imunolégica aos virus ¢ micro-organismos desconhecidos até agora, Torna-se cada vez, mais aceite que as priticas ligadas 4 satide ¢ ao bem-estar néo dependem exclusiva- mente das disciplinas médicas ou psicolégicas, mas de um conjunto de outros aspetos ecolégicos que previnem, ¢ até curam, patologias diversas do foro fisico € mental, A propria divisio entre 0 corpo e a mente foi ultrapassada pela ii tigagdo multidisciplinar sobre o cérebro (DAMASIO, 2020) ¢ pela articulagio de disciplinas como a psico-neuro-imunologia. Recentemente, a atengdo prestada aos efeitos do ambiente natural sobre 0 bem-estar ¢ a satide, mostrou a importancia de considerar que os espagos naturais como os parques urbanos, as zonas a beira -mar, as florestas, so fatores de satide que acrescentam a dimensio ecolégica as abordagens mais tradicionais, Ha evidéncia cientifica crescente de que os espacos naturais apresentam um conjunto de caracteristicas fisico-quimicas e sensoriais que melhoram 0 estado psicofisiolégico geral, e também aspetos psicolégicos e sociais como 0 humor, a convivialidade e a cooperagio (ARVAY, 2018). A biofilia estuda 0s efeitos positivos da natureza na saiide e no bem-estar, ¢ a ecoterapia utiliza esses conhecimentos, integrando a ecologia aos programas tradicionais da psicoterapia através do alargamento do setting a sessdes ¢ atividades nos espagos naturais, com © objetivo de promover a satide mental ¢ a natureza. O presente artigo abordara estas questdes, partindo do conceito de biofilia e contextualizando a ecoterapia no conjunto geral das psicoterapias, da psicodinamica em particular, defendendo a importéncia dos parques urbanos para uma correta promogao da saiide mental ¢ da biodiversidade nas cidades. wes- * Natural aqui corresponde a todas as entidades cuja existéncia é independente da criago humana: luz, ar, agua, relevo, rochas, solo, matéria organica, microrganismos, vegetagao, animais, ete. 132 | Trabathos de Antropologia e Fmologia, 2021, volume 61 oterapia, A Importancia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental 2. BIOFILIA, BEM-ESTAR E SAUDE a. O que é a biofilia? A biofilia é um conceito que data da década de 1970 ¢ foi enunciada pelo psicanalista Erich Fromm numa das suas obras mais importantes sobre a violén- cia humana, Para esta autor, a biofilia consiste no gosto pela natureza, na atitude amorosa por tudo quanto esta vivo, e pela capacidade de ver 0 todo, e nao somente as partes, do mundo natural, Nessa mesma obra, E. Fromm (1973) distingue a biofilia da necrofilia, Esta iltima seria o gosto pelo que est morto, pelo mecdnico € pelas partes decomponiveis de um sistema inerte, Para Erich Fromm, a nossa cultura urbana est cada vez mais afastada da natureza ¢ apresenta caracteristicas necrofilicas crescentes que, com o tempo, mergulhardio os humanos num mundo de maquinas. A profecia parece ter-se realizado: estamos cada vez mais dependentes dos sistemas digitais e uma das discussdes atuais sobre a inteligéncia artificial retoma justamente o tema do dominio das maquinas sobre diversos aspetos da vida humana, Um deles é a relago humano-computador em diversas tarefas motoras, de concentragao textual ou numérica, e 0 esgotamento mental que deriva de uma exposigo demasiado intensa aos produtos eletromagnéticos ¢ digitais, desde a infancia (KORUNOVSKA & SPIEKERMANN, 2019). Um dos resultados mais importantes dos estudos sobre biofilia é a descoberta de que a natureza tem uma capacidade restauradora da atengdo e da vida mental (SCHERTZ et al., 2019; PARSONS et al., 1998; KAPLAN, 1995; ULRICH, 1983), permitindo a evasio psicolégica e a recuperagio da fadiga digital (LEE et al., 2015) e da fadiga em geral. Os seres humanos apresentam uma necessidade evidente de conviver com a natureza, seja por imersdo num espago natural como um parque ou uma floresta, seja pela contemplagdo de um jardim ou pela audigdo do canto de passaros, seja até pela utilizagao da natureza virtual, como nos documentirios de televisio ou nos videos recreativos (ARVAY, 2018). A biofilia, como hipétese cientifica, foi retomada em 1984 numa obra do entomologista E, O. Wilson, fundador da Sociobiologia, Um dos seus argumentos prineipais consiste em dizer que 0 ambiente natural foi central para a evolugdo e a histéria humanas, mantendo-se inscrito na nossa meméria filogenética, e que 0 afastamento desse ambiente traz, consequéncias negativas para a saiide ¢ o bem-estar. Para Wilson, a biofilia descreve a relagdo profunda que os humanos tm com a natureza, ¢ esta resulta dos milhées de anos em que evoluimos nas ecologias naturais. Os sentimentos morais que experimentamos para com 0 conjunto dos seres vivos, 0 desejo de preservagao dos espagos naturais e da biodiversidade, Trabelhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 133 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques as experiéneias espirituais de muitas religiées ligadas & natureza, falam de uma vivos e ao todo c religagdo especial dos humanos aos ser: smico. A biofilia mede-se pela evocagao de emogdes positivas pela natureza que permaneceram na nossa espécie, mas ela recebe também uma prova suplementar através do seu oposto, a biofobia. A biofobia foi enunciada pela primeira vez por Ch, Darwin em 1877 e consiste na observagdo de que as espécies humanas e no humanas experimentam medos intensos por determinados estimulos que sio peri- gosos em termos de sobrevivéncia. O exemplo mais conhecido de biofobia para os primatas & © medo intenso de cobras e de aranhas. Mas a biofobia também se manifesta em certos ambientes naturais como uma floresta demasiado densa ou um mar tempestuoso. A explicagdo para esses medos é adaptativa, foram estabili- zados pela selegdo natural para promover a s potencialmente venenosas no nosso ambiente de adaptagao evolutiva a floresta densa e o mar em tempestade podem conter perigos ligados 4 predagdo ou ao afogamento (WILSON, op. cit.) © caracter adaptativo da biofilia humana também pode ser compreendido através da selegdo natural. Humanos e ndo humanos adquiriram 0 gosto pela natu- reza ao sobreviverem durante milhdes de anos em locais com acesso a alimento a sitios de protecdo onde podem ver sem serem vistos, com vizinhanga de Agua de pequenos aglomerados de arvores onde podem abrigar-se, com disponibilidade de espagos para descansar e conviver. A savana corresponde a este tipo de local ¢ cla é uma das paisagens preferidas mais estudadas, correspondendo a um universal de beleza natural com mais efeitos ao nivel da redugio do stress fisico e psico- légico (ULRICH, 1983; ARVAY, 2018). Os parques urbanos com relva, arvores dispersas ou agrupadas ao longe, pontos de Agua ¢ abertura espacial para passeio ou descanso, so paisagens preferidas a florestas densas, desertos ou cidades, em diversas culturas (ULRICH, 1983; KAPLAN & KAPLAN, 1989). A savana & 0 arquétipo para muitos parques urbanos, porque a meméria coletiva da savana est profundamente enraizada na noss de familiaridade ¢ de bem-estar. & nos parques e florestas de tipo savana que 0 efeito relaxante se torna mais percetivel ¢ para Arvay (2018), no futuro, os médicos recomendardo um passeio pelo parque ou pela floresta para prevenir ¢ ajudar a curar as miiltiplas patologias provocadas pelo stress das cidades como, alias, ja se faz oficialmente no Jap com o shinrin-yoku, ou banho de floresta \brevivéncia: cobras e aranhas eram memiéria inconsciente e fomenta um sentimento 134 | Trabathos de Antropologia e Etmologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental b. Biofilia, saude e bem-estar Os espagos verdes tém influéncia restauradora, em termos psicolégicos ¢ fisiolégicos, e um estudo feito no Japao com 116 participantes diabéticos mostrou que um passeio pela floresta diminuiu significativamente os niveis de glucose no sangue (OHTSUKA, 2013). © mesmo autor descobriu que somente estar presente na floresta, sem passear, obtinha os mesmos resultados que passear, e a explicagao foi que passear ou estar no interior da floresta permite respirar os fitoquimicos essenciais para a reequilibragio fisiolégica. Estes fitoquimicos pertencem 4 familia dos terpenos, que sdo moléculas voliteis utilizadas pelas plantas para comunicarem entre si, para se defenderem de ameagas patogénicas ou abidticas e para atrairem os organismos benéficos, como os polinizadores. Os terpenos sao responsaveis pelos aromas das plantas, e podem ser encontrados nas essenciais, sendo utilizados na aromaterapia na perfumaria. A descoberta de que estas substincias tém um impacto importante no reforgo do sistema imunitario ¢ na diminuigdo das inflamagées esteve na origem de um conjunto de estudos que mostraram que aumentam as células anticancerigenas do corpo (LI & KAWADA, 2013), diminuem a taxa sanguinea de cortisol ¢ 0 stress, e regularizam a frequéncia cardiaca ¢ a pressio arterial (PARK, 2013). Além das moléculas gasosas como os terpenos, também a bactéria do solo Mycobacterium vaccae mostrou que contribui para a diminuigao da ansiedade © 0 aumento dos niveis de atividade nos ratos (MATTHEWS & JENKS, 2012), apresentando resultados semelhantes para os humanos. Em geral, a microbiota interna pode condicionar as nossas emogdes ¢ relagdes sociais, 0 nosso desenvolvimento e sistema imunitério, € os nossos gostos (SCIAMA, 2021). Respirar, brincar e cavar na terra pode ser bom para a saiide das criangas; foi observado que as criangas criadas ao ar livre & com contacto com a terra ¢ os animais, apresentam menos problemas de asma e de alergias (THOMPSON, 2012). A vida moderna esterilizada em casas ¢ escritérios fechados nio nos expde aos micrdbios presentes naturalmente nas ecologias tradicionais, ¢ torna o nosso sistema imunitério menos variado e mais fragil © encontro com 0 mundo natural reequilibra e alivia os fatores de stress da vida quotidiana e também reforga um sentido de pertenga ao lugar. Muitas vezes os participantes em atividades ao ar livre referem maravilhamento ao descobrirem como a reconexdo com a natureza é central nas suas vidas (CHALQUIST, 2009). Estudantes fatigados © ansiosos recuperaram em diversas dimensdes psicoldgicas ¢ fisiolégicas depois de um passeio pelos bosques, ¢ 0 convivio com regides selvagens foi mais efetivo na promogao da auto-estima, mudanga comportamental e competéncias interpessoais em jovens resinas e nos dleos entimentos de reveréncia e de Trabelhos de Antropologia e Etnologia, 2021, volume 61 | 135 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques delinquentes, do que os programas convencionais (ibidem). A investigagao com outras populagées mostrou a mitigagdo do stress ¢ a mais rapida recuperagao de intervengdes médicas, que os estudos em cendrios urbanos ndo foram caps reproduzir (ULRICH, 1984). Em geral, os trabalhos de pesquisa apontam para uma relacio consistente entre as atividades em espagos naturais ¢ a promogio da satide psicolégi a diminuigao de sentimentos negativos ¢ © aumento do otimismo, da auto-estima ¢ dos niveis de energia mental. Uma revisdo de literatura (BRATMAN et al., 2019) mostrou que os afetos positivos, os indices de felicidade e de bem-estar subjetivo assim como o significado existencial, aumentam no contacto com a natureza. Indo um pouco mais além, uma meta-andlise do mesmo ano concluiu que as pessoas que apresentam um bem-estar de tipo eudaiménico se sentem mais relacionadas com a natureza (PRITCHARD ef al., 2019). Este tipo de bem-estar vai além da felicidade subjetiva, pode ser apresentado mesmo na auséncia de bem-estar objetivo porque inclui um sentido filoséfico ¢ objetivos maiores para a vida. A exposigdo a natureza regula os ritmos circadianos, os ritmos neurologicos ¢ promove a vitalidade fisica, aumentando os comportamentos de cooperagdo e a favor do ambiente (ZELENSKI et al., 2015). Este efeito ¢ conseguido principalmente por contacto imersivo direto, mas o contacto visual préximo ou a relagdo virtual multissensorial também exercem efeitos benéficos sobre a saiide e o bem-estar, Por exemplo, foi demonstrado que as frequéncias cardiacas diminuem quando se assiste a videos com imagens naturais, mas as cenas urbanas nao obtém os mesmos resultados (LAUMANN, GARLING & STORMARK, 2003). Durante os passeios na floresta ou nos parques, ou mesmo somente contemplando uma cena natural, algumas das fungdes corticais superiores que processam os pensamentos so abrandadas ¢ dio lugar as fungdes cerebrais mais antigas, no interior do cérebro, que processam as emogGes. O estado de relaxamento convoca as emogdes positivas e, nessas alturas, as pessoas percecionam o ambiente de forma mais suave e recuperadora, A contemplagdo da natureza, com o efeito de fascinagio que tem sobre a atengdo, mesmo que seja feita durante apenas alguns minutos, tem efeitos benéficos sobre a recuperagao da fadiga mental e cerebral. Lee ¢ colaboradores mostraram, em 2015, que os estudantes que tinham desenvolvido uma tarefa numérica cansativa em computador e que, depois, tinham contemplado a natureza durante somente alguns minutos, tinham melhorado significativamente 0 estado funcional do seu cérebro. Os trabalhos com animais também mostraram ter efeitos positives sobre 0 humor, a convivialidade e a baixa da ansiedade e da depressio. A presenga de animais de companhia junto de pessoas com deméncia vascular ou Alzheimer aumentou as emogdes positivas, a frequéncia do sorriso ¢ do riso e diminuiu os 136 | Trabathos de Antropologia e Fimologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental comportamentos hostis. Um efeito semelhante foi observado em criangas autistas, que aumentaram as suas interagdes sociais, falaram mais ¢ exprimiram mais afetos positivos (BERRY et al., 2013) Estas, ¢ outras descobertas, mostram como a natureza pode ser um aliado importante para a medicina e para a psicologia clinica, através de programas em ecoterapia. A ecoterapia, que tem uma historia recente associada a psicologia ecolégica ¢ ambiental, fundamenta-se na biofilia para desenvolver programas de intervengao em satide pessoal ¢ comunitaria, mas também para promover a conser- vagiio dos espagos verdes ¢ da biodiversidade nas cidades, ¢ atuar nas questées ambientais mais gerais. A ecoterapia inclui 0 conceito de eco-bem-estar (ecowell- ness), que designa o aprego, 0 respeito e até mesmo a reveréncia pela natureza, O eco-bem-estar promove a conexdo ¢ as experigncias de bem-estar na natureza, que contribuem positivamente para os resultados dos processos terapéuticos, médicos e psicolégicos (REESE et al., 2015) e também para o reconhecimento da impor- tancia dos espagos naturais. 3. DA BIOFILIA A ECOTERAPIA a, O que é a ecoterapia? © termo ecoterapia foi cunhado pela primeira vez por Clinebell em 1996, referindo-se a uma relagao integral, a duas vias, entre os humanos e a natureza. A natureza teria efeitos curativos e de sustento para os humanos, através das atividades e do contacto com os espagos naturais, e os humanos seriam os promotores e cura- dores da natureza, numa relagdo de reciprocidade, Com esta definigao, Clinebell retirou a ecoterapia de um contexto exclusivamente antropocéntrico, como nas psicoterapias convencionais, ¢ alargou o seu ambito de atuagdo para preocupagdes como a conservagdo da natureza ou a consciéncia das questées ambientais mais amplas. Para este autor, a ecoterapia implica, na sua base, uma espiritualidade ecolégica que envolve uma relagdo de cura reciproca entre os humanos ¢ os nio humanos e, nesse sentido, aproxima-se do idedrio sistémico da ecopsicologia (ROSZAK et al., 1995). Nesta, os vinculos entre a dimensao biolégica, psiquica, espiritual ¢ natural interconectam-se, ampliando © nosso entendimento sobre quem somos no contexto mais geral da vida sobre a terra. Durante as iiltimas décadas, a ecoterapia tem vinda a diversificar a sua filo- sofia ¢ a sua pritica. Desde uma abordagem mais fundamental, que considera Trabelhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 137 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques a responsabilidade ecolégica e a ética ambiental nos programas de intervengao individual e comunitéria, no sentido de promover os comportamentos humanos pré-ambientais, até uma abordagem mais préxima da psicoterapia convencional, em ambiente natural, que oferece um conjunto de atividades ao ar livre, para realizar s6 ou acompanhado pelo ecoterapeuta (BUZZELL, 2016). No centro da ecoterapia esti o reconhecimento de que os humanos evoluiram durante milhares, sendo milhdes de anos, em ecologias naturais, e que esta evolugo deixou marcas no corpo-mente que tornam a relago com a natureza numa parceria essencial para © equilibrio psicossomatico. Neste sentido, a ecoterapia aproxima-se da psicologia evolutiva e permite compreender algumas sindromas psicopatolégicas contempo- rineas como desadequagdes entre o nosso sistema corpo-mente evoluido e o ritmo © as exigéncias de vida nas ecologias urbanas em que vivemos a maior parte das nossas existéncias. Para Gullone (2000), a crenga de que possuimos uma capacidade ilimitada de adaptagio esté na origem do desenfreado desenvolvimento urbano ¢ tecnolégico atual, e das grandes modificagdes nos estilos de vida. A nossa estrutura cerebral e mental no mudou substancialmente desde ha cerca de 200,000 anos e est natural- mente adaptada a ecologias fisicas e sociais mais conservadoras. Apontando para estas desadequagdes, 0 ecoterapeuta pode trazer para a sesso a ecologia pessoal do cliente, mas também © modo como 0 contexto social, econémico ¢ cultural mais amplo o afeta, permitindo uma abordagem critica e abrindo vias para uma mais diversificada transformagio individual ou comunitéria (HASBACH, 2016). Estas so dimensdes geralmente ausentes das psicoterapias tradicionais, centradas sobre © cliente, e apoiando-se implicitamente na ideia moderna do individuo auténomo € responsavel pela sua prdpria patologia (JORDAN, 2016). A ecoterapia oferece um modelo relacional ¢ sistémico, em que a pessoa se insere em um contexto maior, tanto no tempo quanto no espago, ¢ mesmo se os seus sintomas so traba- thados a partir de uma tradigao psicoterapéutica especifica como a psicodinamica, os processos de cura incluem os efeitos benéficos das atividades na floresta, no parque, & beira-mar, na montanha ou até na simples conyivéncia com um a de companhia, al b, Métodos da ecoterapia A utilizago de objetos naturais ¢ de metiforas, durante as sessdes, é um dos métodos desenvolvidos pela ecoterapia, Estes objetos e metéforas sio muitas vezes 138 | Trabathos de Antropologia e Etmologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental ocasides para 0 pensamento projetivo e associative, tornando mais facil explorar sentimentos dificeis de exprimir ou até de reconhecer. P. Hasbach (2016) conta 0 caso de um cliente seu, um empresério de meia-idade bem-sucedido, cuja queixa principal era um sentimento permanente de tédio com a vida e s s ligeiros de depressdo. Numa das sessdes falou acerca da sua tendéncia para tomar decises seguras e caminhar sempre pelo centro da estrada. Sabendo, de sessdes anteriores, que ele era um ciclista vido, a terapeuta perguntou-Ihe como era a sua experiéncia no ciclismo de montanha, em que gostava de percorrer trilhas ingremes e de se aventurar pelas beiras perigosas das estradas. Ele comentou que, nessas alturas, se sentia mais consciente e mais vivo ¢, através da met compreendeu, nas sessdes seguintes, como as suas escolhas eram geralmente feitas a0 centro, retirando-Ihe o prazer de arriscar as margens, A ecoterapia pode ser feita no interior do consultério, trazendo a natureza para dentro de portas, mas em geral os ecoterapeutas preferem fazer num espago natural, num jardim perto do consultério ou durante uma caminhada a dois, num parque natural. As conversas terapéuticas ao ar livre, enquanto se caminha, eram uma pritica comum nos primeiros tempos do movimento psica- nalitico (REIK, 1948) ¢ a tradigo peripatética mostrou, ao longo do tempo, as qualidades que tem para o aprofundamento do pensamento. Reforgando esta observagio, a investigagio recente mostrou que, no cérebro, as regides motoras ¢ que processam as emogées, sobretudo as negativas, so contiguas e facilmente ativadas em simultineo (PORTUGAL et al., 2020), 0 que leva o organismo a agir de imediato. Caminhando, as emogdes negativas podem ser sentidas menos intensamente e facilitar a sua expressio pela linguagem. Os beneficios de realizar as sessGes em espagos naturais prendem-se, em geral, com os beneficios associados & biofilia. Mas outros, mais especificos, acrescen- tam-se: a oportunidade de contextualizar, de forma consciente, o problema trazido pelo cliente numa viséo mais ampla ¢ profunda da vida, o testemunho, pelo lugar escolhido, da historia da pessoa, em que a natureza se torna um parceiro dispo- nivel e sempre presente, o reconhecimento do processo psicoterapéutico como um movimento criativo a trés, suportado pela neutralidade e disponibilidade do local (HASBACH, 2016). A pratica da ecoterapia também pode incluir trabalho de casa em espagos naturais. E recomendado que o cliente se desconecte dos aparelhos digitais para ficar mais disponivel para a experiéncia de estar com a natureza, A escolha de visitar, durante algumas semanas ou até meses, um lugar especial onde pode sentar-se calmamente ou passear, de onde pode contemplar as mudanga: das arvores, das flores e dos animais que as visitam, é uma ocasiao tmica para intom: fora da beira e do centro, las sessdes s sazonais Trabelhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 139 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques registar os sentimentos mais intimos e para recolher os beneficios da biofilia. Por vezes, 0 processo de remissio dos sintomas faz-se de forma esponténea. Arvay (2018) conta a histéria de John, um professor de musica adulto, cujo sonho era tornar-se miisico a tempo inteiro e que, apés um album auto-financiado que foi um insucesso e o fez perder muito dinheiro, caiu numa depressdo importante, com panico e sentimentos de irrealidade. John vivia na cidade e decidiu visitar um amigo que vivia no campo. A depressio ¢ as noites de insénia acompanharam-no durante a visita ao amigo até ao dia em que, durante um dos seus passeios, se sentou a beira-rio ¢ se deixou embalar pelas diversas sensages trazidas pela natureza. O som da agua a correr, 0 vento nas folhas das arvores, a areia onde enterrou os pés, trouxeram-lhe uma paz que jd no sentia ha muito tempo. Conseguiu evadir-se dos seus problemas ¢ a sua mente descansou. Adormeceu profundamente e quando regressou a casa do amigo apercebeu-se de que o sentimento de irrealidade tinha desaparecido, sentia-se ele proprio novamente, e a depresstio jé nfo parecia io importante. John continuou o seu processo psicoterapéutico na cidade, mas a energia vital tinha voltado © foi capaz de encarar ¢ renovar a sua vida, jé sem sintomas. O potencial terapéutico da natureza pode ser experimentado de duas maneiras: seja trazendo a natureza para dentro de nds, através da forma como nos sentimos subjetivamente nela, identificando quais as ideias ¢ metéforas que, naquele momento, entram em ressondncia com a nossa narrativa emocional pessoal; seja levando a atengdo para fora, observando como 0 nosso corpo-mente interage com os elemen- tos naturais através dos sentidos, e explorando a sua relagao vital com o ambiente (JORDAN, 2016). O eu nao existe fora de uma matriz relacional ¢ o corpo-mente vivo atualiza-se em trajetérias espacio-temporais dindmicas, linhas como diria Tim Ingold (2016), pelas quais aprende a tornar-se sensivel aos outros ¢ ao ambiente, ea registar neles a sua agdo. Um caso de metaforizagdo © de revitalizagio do corpo-mente pela natureza, relatado por Scull (2016), 6 0 de Emma, uma mulher de 70 anos com diagnéstico de cancro, severamente deprimida desde ha bastante tempo e recusando 0 tratamento médico. Emma jé tinha pritica de caminhadas pela natureza, e © ecoterapeuta sé the recomendou dois passeios semanais pela Jo psicoterapéutica. As experiénci floresta seriam posteriormente exploradas em cada sesso, Aos poucos, Emma foi partilhando revelagdes sucessivamente mais profundas sobre si mesma, suscitadas pelo contacto com as drvores ¢ com os outros elementos naturais que encontrava durante os seus passeios. Um dia explicou que se tinha sentido muitas vezes terri- velmente mal por causa da sua idade mas que, agora, na floresta, a questio da idade se colocava de forma diferente, as Arvores mais antigas eram as mais belas, as mais interessantes € complexas, as mais valorizadas pelas pessoas, Concluiu floresta, com a filha, antes de cada ses sna 140 | Trabathos de Antropotogia e Emologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental que © mesmo deveria ser verdade com as pessoas, porque os mais velhos ganham valor e experigncia com a idade, que podem ser partilhados com os mais novos. Com esta ideia, Emma reconciliou-se com a sua idade e, em vez de continuar a sentir-se velha e inttil, aceitou o valor que tinha para si propria, para a sua filha ea sua familia, © para os outros, em geral. Outra revelagdo aconteceu quando observava as folha Compreendeu que a mudanga e a transformagao correspondem a ciclos naturais da vida, que todos os seres vivos dependem da mudanga e da morte de outros seres vivos para poderem renovar-se. Como efeito desta intuigio, Emma comegou a conceber a sua propria morte como uma mudanga natural inserida num ciclo maior de renovagdo e de continuidade. Um dia em que trouxe para a sesso o sentimento de beleza evocada pelos raios de sol filtrados pela floresta, lembrou-se da pintura de Monet ¢ de como tinha deixado de pintar hd tantos anos atras ¢ de como agora a necessidade de pintar Ihe aparecia como urgente e necessiria, Emma continuou as suas caminhadas na floresta ¢, quando terminou a quimioterapia, comegou a se pela fotografia da natureza. Ela e a filha concordaram que a depressio, tal como o cancro, estavam agora em remissio (SCULL, 2009). caidas no cho, os ramos partidos ¢ a ligeira ondulagdo do rio, desenvolver um interes 4, A ECOTERAPIA NO CONTEXTO DAS OUTRAS PSICOTERAPIAS E DA PSICODINAMICA a, O que sfo as escolas de psicoterapia? A psicoterapia como pratica clinica independente surgiu cerca de 1900, com a psicanalise freudiana propondo a cura dos sintomas psicopatolégicos pela palavra, A ideia principal consistia em que os traumas infantis eram evocados nos sonhos, nos sintomas e também na presenga do analista, cuja fungdo era interpretar as narrativas dos clientes ¢ ajudar a resolver os conflitos inconscientes. A psicandlise conheceu importantes desenvolvimentos, entre os quais a ideia de J. Lacan de que © inconsciente se estrutura como uma linguagem a partir dos polos do imaginério, do real ¢ do simbélico. Com o desenvolvimento da psicologia clinica, surgiram outras escolas psicoterapéuticas fundadas em concegdes diferentes do funciona- mento mental ¢ da expresso sintomatica, © comportamentalismo, que surgiu na primeira metade do século XX, considerou que os comportamentos disfuncionais cram aprendidos através de proces desaprendidos através de técnicas de dessensibilizagio ¢ de desaprendizagem. os de associagdo © reforgo, ¢ deveriam ser Trabelhos de Antropologia e Etnologia, 2021, volume 61 | 141 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinka-Marques © cognitivismo, surgido na segunda metade do século passado, ao qual o comporta- mentalismo se associou para fundar a escola cognitivo-comportamental, considerou que os pensamentos patoldgicos s, desadequados relativamente aos contextos, ¢ que foram aprendidos ¢ auto-reforgados em circunsténcias especiais da vida da pessoa, devendo ser modificados através de téenicas de revisdo narra- tiva e de interpretagdes textuais sobre as afirmagdes dos clientes. Outras tradigbes inspiraram-se na filosofia humanista, como as terapias centradas na pessoa ¢ na sua experiéneia interna, psicoldgica ¢ somitica, e ainda outras escolas, de tipo sistémico, centraram-se na familia, na comunicagdo no verbal ¢ na ideia de que © portador do sintoma exprime mais a dindmica do grupo do que um problema individual. No entanto, e apesar desta escola considerar 0 entorno ecolégico da pessoa, fi-lo exclusivamente em termos sociais, sem inclusio da natureza, ¢ 0 mesmo se passa com as escolas bioenergéticas ¢ de relaxamento, centradas nas experigneias corporais individuais ou do grupo. Uma outra escola psicoterapéutica, inspirada nos trabalhos de J. Bowlby nos anos 1960, desenvolveu estudos sobre as relagdes precoces entre a mie e o bebé, fundamentando a ideia psicanalitica de que os padrdes de vinculagdo da primeira infaneia sfo essenciais para modelar os padrdes relacionais do futuro adulto. Associando-se 4 etologia, Bowlby propés pela primeira vez que os comporta- mentos herdados da evolugao, por selegdo natural, podem ser desregulados através de vinculagdes deficientes. A psicopatologia resulta, entio, de perturbagées nos processos precoces de ligagiio do bebé a figura de vinculagdo. Bowlby reforgou a importincia das relagdes precoces ¢ dos modelos internos de funcionamento, que so modos implicitos de se relacionar com os outros que se fixam na pequena infancia, mantendo-se operantes na idade adulta, Nesta tradigao, 0 psicanalista P. Fonagy e os seus colaboradores tém desenvolvido um importante trabalho de investigagio clinica sobre a transferéncia’ ¢ a identificagdo projetiva’, usando metodologias experimentais derivadas do paradigma relacional precoce © do conceito de mentalizagio’. sio irracionai A transferéncia é 0 deslocamento para o terapeuta dos padres relacionais infantis, geralmente desen- volvides no contacto com as figuras parentais eos seus substitutos. Os sentimentos, desejos ¢ impressdes dos primeiros vinculos afetivos sio vividos © sentidos na atualidade, ¢ a elaborago da transferéneia ¢ a parte mais importante da técnica psicanalitica e psicodinamica, A identificagdo projetiva é um mecanismo primitivo de defesa inconsciente através do qual partes, do self do sujeito so negadas ¢ atribuidas a outro, que se identifica com elas, O analista processa psico- ogicamente o material projetado e modifica-o, para depois o devolver repensado ao paciente. ‘A mentalizago é a capacidade de compreender que 0s outros possuem erengas, desejos e intengées distintas das suas préprias, ¢ de atribuir e representar, em si proprio, os estados mentais independentes, seus ¢ dos outros, 142 | Trabathos de Antropologia e Emologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental Mais recentemente, a neuropsicologia investiga a hipétese de que a psico- patologia tem origem em disfungdes neuroquimicas, lesdes ou desequilibrios das estruturas e fungdes do cérebro e as terapias que propde so cirargicas, farmaco- légicas, eletromagnéticas e cognitiva-comportamentais. Os itltimos anos tém assis tido a um renascimento da psicopatologia evolutiva que pretende estudar as bases evolutivas da psicopatologia através de investigagdo comparada com outros animais, outros povos e culturas humanas, com os vestigios arqueolégicos e a histéria, com a neurofisiologia, a ecologia e a genética (Leneastre, 2011; 2016). Os processos terapéuticos desta escola so diversos, podendo associar-se tanto a ecoterapia ¢ 4 psicodinamica, como ao comportamentalismo e¢ até 4 meditagdo compassiva (GILBERT, 2014), dependendo do nivel de intervengao que se pretenda desenvolver b. Ecoterapia e psicodinamica A escola psicodinamica tem origem no movimento psicanalitico, mas desen- volveu os seus préprios métodos terapéuticos, encurtando o mimero total de sesses © modificando 0 setting para o face a face semanal. Na tradigdo freudiana, pressu- pde-se que os conflitos traumdticos acontecem no interior do cliente, que transfere os seus contetidos para o terapeuta, tornando-os assim acessiveis a interpretagao. O desenvolvimento desta intuigao inicial incluiu, com M Klein (1986), 0 reforgo da ideia de fantasias internas projetadas sobre o terapeuta, mas também a consideragao dos processos que ocorrem no interior do proprio terapeuta, a contra-transferéncia A contra-transferéneia ¢ entendida como a reagio emocional do terapeuta aos contetidos conscientes e inconscientes do cliente, ¢ a sua compreensio é essencial para tornar acessivel 4 palavra o que se passa na sessdo, O setting, ou 0 local da sessio, oferece ao cliente a seguranga necesséria para que possa re-experienciar memérias ¢ contetidos dificeis da sua historia de vida, através da associagao livre, dos sonhos, da imaginagdo e do pensamento simbélico. Winnicott (1975) tornou a importancia do setting mais clara quando acres- centou 0 espago transicional 4 diade terapeuta-cliente, Nos seus trabalhos sobre as dindmicas entre as maes ¢ os bebés ¢ sobre o jogo infantil, mostrou a existéncia de um espago emocional, a que chamou espago transicional, em que o bebé nego- ceia as fronteiras do que é 0 eu ¢ do que é 0 nao-eu, aprendendo a distinguir 0 seu mundo interno do mundo externo e do mundo interno das outras pessoas. As psicopatologias mais graves acontecem quando estas distingdes nao sio claras. O espago transicional repete-se no setting terapéutico, em que o subjetivo € 0 objetivo Trabelhos de Antropologia e Etnologia, 2021, volume 61 | 143 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques sio trabalhados pela diade terapeuta-cliente, permitindo que este dltimo procure ativamente, através dos objetos, dos simbolos, das memérias, os afetos dificeis muitas vezes inconscientes, que se tornam agora acessiveis ¢ pensaveis. espago terapéutico do gabinete, com uma configuragio constante ¢ tempo- ralmente delimitada, passou a representar 0 espago de contengao das projegdes do cliente, assim como 0 espago associativo para as interpretagdes do terapeuta. Este espaco terceiro constitui-se como um parceiro na relagdo terapéutica. Mas para Jordan (2016), 0 espago terapéutico pode ser ampliado para incluir a natureza. Os lugares como parques, jardins, rios, montanhas, tém efeitos psicossomaticos e significados emocionais muito fortes que podem aliar-se a0 processo terapéutico através dos complexos processos relacionais entre 0 corpo-mente ¢ o ambiente. Para ilustrar este aspeto, Jordan (2016) conta o caso de Micky, um jovem psicélogo que tinha experienciado o seu antigo terapeuta ou como demasiado frio e distante ou como demasiado invasor e sufocante. Estes mesmos sentimentos caracterizavam relagdes intimas, que oscilavam entre sentir-se demasiado carente ou rejeitar as parceiras, quando sentia que estas estavam demasiado préximas. A sua familia era instével e argumentativa, e 0 pai abandonava muitas vezes o lar, deixando Micky com a sua mae depressiva. Ele sentia-se, nessas alturas, ultrapassado pelo desespero © caréneia da mae. As sessdes terapéuticas eram dificeis, Micky faltava muitas ver psicoterapia. O terapeuta ndo conseguia sintonizar com ele, mas em vez de reagir 4 sua agressividade, propés-lhe encontrarem-se num bosque perto do consultério, onde poderiam andar e conversar. Pelo caminho foram notando detalhes da natu- reza, ¢ Micky falou com mais abertura sobre os sentimentos evocados no passeio. Disse que sentia que 0 bosque era contentor ¢ securizante, que a presenga das arvores Ihe permitia relaxar melhor. Nas sessdes seguintes, no bosque, o terapeuta também conseguiu sintonizar mais facilmente com Micky a um nivel somatico, € foi muito mais facil para ele conseguir regular as suas respostas emocionais com as de Micky. O processo terapéutico continuou no bosque; Micky aparecia a horas cancelava as sessdes. Foi mais facil para ele sintonizar com as 4 animais do bosque do que com os humanos, com quem tinha uma longa histéria de softimento. Finalmente, estabeleceu uma alianga terapéutica benéfica ¢ dura- doura com o terapeuta. A recente inflexdo da geografia fisica para uma geografia emocional (BONDI et al., 2005), nao puramente subjetiva nem puramente objetiva, concebe a nossa relagiio aos lugares como um processo relacional continuo de fluxos, correntes ¢ movimentos entre pessoas e sitios em interago, em vez de entre sujeitos e objetos fixos, Tim Ingold (2016), no seu trabalho sobre as linhas, diz que a vida é um S su: s ¢ era agressivo ou silencioso, dizendo sentir-se ambivalente em relagio 4 e vores © os 144 | Trabathos de Antropotogia e Fmologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental devir permanente, que se tece no emaranhado do mundo em que os humanos, mas também os nao humanos, contribuem com os seus movimentos para o ambiente em que se encontram inseridos. A natureza é um espago vital em que tudo se encontra em devir. A antiga nogdo do vitalismo (DRIESCH, 1914), a ideia de que existe uma forga vital animando toda a matéria, deu lugar a formas contemporaneas de compreender os movimentos entre 0 corpo ¢ a matéria, € os seus efeitos sobre os processos mentais (STERN, 2010). A investigagdo sobre 0 modo como as plantas € as paisagens comunicam com 0 nosso inconsciente, reduzem o stress ¢ aumentam a concentrago sem fatigar, mostrou que agem através das estruturas mais antigas do cérebro humano, as que controlam as emogdes, os comportamentos de defesa e de fuga, os comportamentos de agressio ¢ sexuais e as funges bisicas de regu- lagao somética como a pressio arterial, os batimentos cardiacos, a respiragao © a transpirag3o (ARVAY, 2018). Estas estruturas cerebrais encontram-se sob a camada cortical, ¢ correspondem ao sistema limbico e ao palencéfalo, a parte mais antiga do cérebro humano. f também nestas estruturas internas do cérebro que ocorrem uma boa parte dos fenémenos comportamentais ¢ mentais inconscientes descritos pela psicodinamica, ¢ este mesmo cérebro que esté ative quando pa algum tempo nos espagos naturais. A psicodinamica que inclui a natureza como espago transicional, oferece um apoio terceiro para a regulagao dos afetos e para a revitalizagdo psicossomatica ¢ do movimento. A intensidade do fi consultério é modulada pela possibilidade de passear no jardim ou no parque, ¢ as respostas a estimulos, do meio externo ¢ das memérias somatica ¢ afetiva internas, sio contextualizadas num setting mais amplo, que inclui os aspetos variados do movimento e da vida, Os espagos naturais, a0 ativarem a vitalidade intrinseca dos seres vivos, funcionam como contentores dos afetos ¢ permitem uma ressonincia fisica ¢ emocional com a movimentos sensério-motores desenvolvidos sobretudo nos primeiros anos de vida e que determinam a forma como nos movemos no espago; os modos implicitos como nos relacionamos com os outros ¢ com © mundo, retidos das relagd € os conhecimentos sub-simbélicos, que estio organizados em proto-narrativas, € que refietem as palavras que aprendemos a ouvir ¢ a dizer. Incluem também os niieleos de experiéneias passadas que esto fixadas, dissociadas e no processadas, € que sdo trazidas como problemas A terapia (MARSHALL, 2016). Nestes casos, © mundo natural pode, em alguns momentos, evocar os medos profundos e acordar ansiedades existenciais através dos seus aspetos ameagadores, das suas mudangas ¢ incertezas, Esses momentos tornam salientes as biofobias e também a mortalidade inerente a tudo 0 que vive, com o seu paradoxo: ter de morrer para permitir viver mos a face no imediato as memérias inconscientes. Estas incluem os ‘sso mais precoces; Trabelhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 145 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques (HINDS, 2016). © lado sombrio da natureza, presente desde 0 inicio com a sua carga de destruigdo © de renascimento, pode ser experimentado e ser trabalhado no contexto da ambivaléneia humana de base. Ela pode ser benéfica e mortal, facilitando, através da metéfora e da analogia, a incluso dos sentimentos nega- tivos num todo afetivo mais complexo. O trabalho com clientes muito perturbados mostra que 0 contacto com a natureza tem efeitos benéficos, permitindo uma maior aceitagao dos sentimentos perturbadores, sobretudo se a terapia for feita em grupo (ADAMS & JORDAN, 2016). Para pacientes em cuidados paliativos e para os seus cuidadores, a natureza funciona como um lugar de conteng’o em que a vida, e os aspetos negativos associados 4 doenga, ao sofrimento e 4 morte, sdo relacionados com as transformagées sazonais, a percego da ancestralidade da terra e da sua aceitagdo de todos os seres, com o renascimento, literal ¢ simbélico, tal como é contado pelos mitos ¢ folclore de todo 0 mundo (KELLY, 2016). Aceitar a destrutividade ¢ a morte, no movimento mais geral que é 0 nasci- mento ¢ a vida, em si ¢ na natureza, pode abrir caminhos para um bem-estar profundo, de tipo eudaiménico ¢ no simplesmente hedénico. A literatura clinica € filos6fica tem mostrado abundantemente que a negatividade, e as suas crises, quando ultrapassadas, so a fonte do desenvolvimento psicolégico mais profundo € duradouro (HINDS, 2016). Sentimentos surpreendentes de felicidade, de paz € de verdadeira satisfagio, tipicos da eudaimonia, podem entio aparecer. Retirar a ecoterapia de uma fungdo exclusivamente positiva é, entdo, aceitar a parte de negatividade inerente aos processos vivos, ¢ integré-la mais harmoniosamente na totalidade pessoal e natural. 5. PARQUES URBANOS E SAUDE MENTAL a, O que sao os parques urbanos? Em termos histéricos, os parques urbanos apareceram no fim do século XIX, associados a preocupagao estética ¢ sanitaria das cidades em crescimento, A revo- lugdo industrial teve como efeito piorar as condigdes gerais de vida nas cidades, ¢ surgiu assim a necessidade de criar espagos de natureza que amenizas; impactos sobre a saiide ¢ 0 bem-estar. Os parques urbanos apareceram, entdo, como os pulm@es verdes das cidades, oferecendo igualmente oportunidades de repouso, de contemplagio e de atividades no exterior, em momentos de lazer ¢ de tempo livre mM os seus 146 | Trabathos de Antropotogia e Etologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental Um parque verde urbano é um espago vivo ¢ dinamico, dominado pela presenga da vegetagao e de outros elementos naturais, organizado e desenhado com um padrio de manutengio ¢ gestio intencional e regular. O seu coberto vegetal, ao nivel da restituigdo planimétrica das copas no solo, é maior ou igual a 50% da sua area e, ¢ pode revelar uma permeabilidade a0 nivel do solo superior ou igual a 35% da sua area (FARINHA-MARQUES et al., 2018). Os parques urbanos sio criteriosamente concebidos para a facilitago do contacto das pessoas com a natureza, a percegao e a vivéncia do espago exterior, o recreio ativo e passivo, 0 lazer ¢ 0 6cio, 0 movimento ao sol ¢ ao ar livre, que promovem a produgio da vitamina D ¢ a respirago do ar menos poluido. Esta experiéncia sensorial imer- siva no mundo vivo e dindmico transversal a todos os seres humanos, sobretudo potenciada pela presenga de vegetagao, a visio de planos de agua e de animais, particularmente as espécies que nfo estabelegam connosco relagdes antagénicas ou de predagio. A existéncia de parques tem um elevado efeito beneficiador da vida a todos os niveis, pelo motive da vegetago constituir um dos fundamentais instaladores da vida e da sua auto-perpetuaga bem-estar e de servigos de ecossistemas. Em termos ecolégicos, a estrutura verde propiciada pelos parques participa decisivamente como sumidouro de carbono e fornecedor de oxigénio ¢ de vapor de agua atmosférica, diminuindo a temperatura do ar. Além disso, é produtora de matéria organica, beneficiando e fixando 0 solo, funciona como dissipadora do escorrimento superficial da 4gua, promovendo a sua infiltrago e mitigando a erosio, é retentora de particulas em suspensio no ar, diminuindo o seu efeito pernicioso para a respiragdo, é filtradora da velocidade do vento e fornece a sombra que permite o aumento do conforto climatico no exterior Os parques contribuem ainda para a nossa satisfagio sensorial, prazer de simples fruigdo, e pela geral qualidade visual, olfativa e tictil, que os tornam essenci para a satide e 0 bem-estar nas cidades. Os parques, como espago e conceito, participam distintamente no combate ¢ adaptagio as alteragdes climética e contribuem para a criagio de novos habitats para a vida silvestre, promovendo a biodiversidade na proximidade humana. Nestes, temos oportunidades de movimento, de luz ¢ de vento, de exposigao ao clima, aos elementos, conectando-nos com a existéncia de modo direto ¢ literal, evidenciando 0 essencial e os mais significativos aspetos da sobrevivéncia de que a vida urbana, tantas vezes, nos distrai, Sdo, em suma, espagos de elevado valor no contexto urbano ¢ periurbano, combinando valéncias ambientais, sociais ¢ sensoriais, que servem de antidoto a artificialidade provocada pela elevada concentragio humana, € de todos os artefactos por esta gerados. fide e jo, estando na base dos conceitos de Trabelhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 147 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques Acctiagdo de um parque urbano ¢ um processo de antecipagio, fortemente assente em conhecimento e criatividade, cuja concegdo é feita com base no cruzamento e articulagdo dos dados do local com o programa pré-definido pelos promotores, projetistas ou determinados grupos da populagdo. Essa antecipagio é necessaria para instruir com conhecimentos ¢ coeréneia um espago complexo, com muitas valéncias, intervenientes, condicionamentos pré-existéncias a considerar. Neste sentido, o proceso é constantemente acompanhado de iteragao e reflexdo expedita, de modo a propor hipéteses plausiveis, muitas vezes alicergadas em experiéncia acumulada e herdada. A inspiragio, a criatividade, a revelagdo e as hipdteses de solugo so similares a qualquer proceso de pensamento, que balanga entre a sistematizagao, a invengdo © a poctica, constantemente convocando orientagdes ¢ posturas entre a arte a ciéncia. Vao-s , sintetizando solugdes de organizagao € desenho do espago que respondem ao programa, progressivamente adequadas as condigdes ecolégicas, sociais e estéticas, assim como as imponderabilidades, sticas deste tipo de processos O desenho pode ser geométrico, naturalista ou misto, consoante as motivagdes filoséficas, ideolégicas ¢ estéticas do momento, produzindo uma diversidade de composigdes espaciais (NEWTON, 1971; JELLICOE & JELLICOE, 1995) e tirando partido da manipulagdo de valores pré-existentes do relevo, da retengio e circulagdo da agua, da vegetagdo © das estruturas construidas. Apesar da sua enorme variedade, pode afirmar-se com seguranga que a maioria dos parques verdes urbanos, sobretudo os de acesso piblico criados nos iiltimos dois séculos, geraram espacos adequados para: i) atividades de movimento, através de uma rede formalizada de percursos, sobre espagos pavimentados ou sobre espagos revestidos com formagdes vegetais resistentes ao pisoteio (com ou sem equipamentos explicitos; ii) atividades de imobilidade, estadia, descanso, contem- plagdo, exposigao ao sol e 4 sombra (associados ou nao a estruturas construidas); iii) atividades de observagio ¢ de conservagio da natureza (sobretudo flora, fauna e geologia); iv) atividades de estimulagdo da biodiversidade, criagdio de habitats nichos ecolégicos; ¢ v) atividades de cultivo e de produgao horticola. Todas estas atividades estimulam os efeitos benéficos da biofilia e poderdo oferecer espagos ¢ oportunidades para a ecoterapia, na diversidade d sos terapéuticos. Neste sentido, 0 conhecimento do funcionamento dos ecossistemas, e a percesio das paisagens que os representam, é fundamental para a criagdo dos parques multi- facetados contempordncos. Nestes ¢ cada vez mais posta em evidéncia a adogio de solugdes inspiradas na interpretagdo do metabolismo dos sistemas vivos e dinamicos, as ditas “solugdes baseadas na natureza”. De uma infinidade de possibilidades, orientadas para um maior contacto ¢ integragdo sociais, salienta-se a criagio de 2, a ‘im, seus proc: 148 | Trabathos de Antropologia e Emologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental condigdes de acesso € de circulago universal aos utilizadores humanos, em todo © parque ou partes deste, com a existéncia de locais de descanso e de retiro. A facilitagio dos fluxos naturais, e sua autoperpetuacdio, como 0 fluxo e a infiltragio da Agua. A representagiio de espagos naturais, ou naturalizados em paisagens de mosaico, que estimulam a percegao da diversidade cultural e biolégica, com recurso a espécies autdctones e a composigdes vegetais das. Em conjunto com outros aspetos paisagisticos, estas possibilidades promovem a celebragdo da estética da natureza e tornam a frequentagao dos parques urbanos numa experiéneia essencial da vida das cidades. multiestratifi b. Parques urbanos ¢ satide mental De forma holista, natural ¢ gratuita, os parques urbanos oferecem recursos terapéuticos complementares 4 medicina e psicologia clinica, que ajudam na promogio integral da satide e do bem-estar, Este aspeto é importante, sobretudo numa altura em que a maioria da populagio mundial se aglomera nas cidades em que o combate as alteragdes climaticas impde medidas de arrefecimento urbano que passam, em parte, pela presenga de drvores. Também o aumento das pertur- bagdes mentais ¢ psicossomiticas, sobretudo nas populagées urbanas mais pobres, a perda acelerada da biodiversidade animal e vegetal, a densificagdo urbana, sio ameagas que obrigam a um olhar global sobre as condigdes de satide ¢ bem-estar. A espécie humana nao esta pré-adaptada para viver em metrépoles gigantescas, no meio do anonimato ¢ contactando centenas, sendo milhares de pessoas, todos os dias. Os parques urbanos so pulmées verdes para as cidades e oportunidades de evasio para os seus habitantes, com a possibilidade de passear, de se exercitar, de conviver ¢ de contemplar, S40 também locais para a ecoterapia individual ou em grupo, garantindo que as condigdes de privacidade, de seguranga, de competéncia profissional ¢ ética so asseguradas (HASBACH, 2016). A importancia dos parques urbanos de proximidade & justificada, em grande parte, pelos estudos em biofilia, mas os parques apresentam caracteristicas proprias para a promogao da s sioldgicos. Maas ¢ colaboradores descobriram, em 2009, que as pessoas vivendo em condigdes desfavorecidas, mas com parques na vizinhanga, apresentavam menos probabilidades de contrair patologias diversas como ansiedade e depresstio. O mesmo é verdadeiro para as pessoas habitando, em geral, perto de um espago com arvores ¢ outros elementos naturais, Sturm ¢ Cohen (2014) mostraram que a saiide mental esta significativamente ide e do bem- far psico! Trabelhos de Antropologia e Etnologia, 2021, volume 61 | 149 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques relacionada com a distancia residencial dos parques. As distincias curtas (até cerca de 400m), em que as pessoas podem deslocar-se a pé até ao parque, aumentam © niimero de visitas ¢ a atividade fisica, com impacto po: aspetos relacionados com a satide mental, tais como depressao, ansiedade, controle comportamental, lagos emocionais ¢ afetos. Os entrevistados que apresentavam uma alta probabilidade de visitarem um parque urbano de proximidade relataram niveis menores de stress do que os entrevistados que nao tinham essa possibilidade Ha evidéncia cientifica de que a atividade em espagos verdes contribui para a saiide mental e fisica, com diminuigo das queixas de saiide, regulagdo da pressio arterial ¢ dos niveis de colesterol ¢ uma melhor percegdo geral de bem-estar (ARVAY, 2018). Um dos aspetos mais atuais dos estudos em biofilia é o reconhe- cimento, através da observagio, do carter indiviso do corpo-mente, e da sua rela sdria com 0 ambiente. Arvay (op. cit.) propde uma nova disciplina, a eco-psico-neuro-imunologia, em que os beneficios dos espagos naturais se medem, nfo de forma independente para o corpo ou a mente, mas pelo impacto geral sobre a saiide individual. A essa disciplina podemos acrescentar ainda a endocrinologia © a cronobiologia, que estuda a regulagao dos ciclos fisiologicos dos organismos a partir dos ciclos da luz, da temperatura, da humidade e da pressio atmosférica Esta regulagdo permite uma sincronizagdo das mudangas fisiolégicas, metabélicas € comportamentais dos organismos, com as mudangas geofisicas periddicas, tais como a rotagdo didria da terra (ritmos circadianos) ou 0 movimento anual da terra 4 volta do Sol (variagdes sazonais). Os ritmos internos antecipam os ciclos externos ¢ permitem ao organismo adaptar-se ao seu ambiente, Uma ciéncia multidisciplinar integrada permite, entdo, uma mais completa abordagem dos sistemas orgénicos © ambientais, em interagio. Uma revisio sobre a relagtio entre espagos verdes urbanos ¢ satide, publicada pela Organizagao Mundial da Saiide (OMS, 2016), apontou para varias evidéncias cientificas, partindo de diferentes angulos de avaliagao. Por exemplo, um estudo no Reino Unido usou dispositives méveis de eletroencefalografia (EEG) para demonstrar os efeitos de uma curta caminhada num espago verde sobre a atividade cerebral, que pode estar associada a um maior relaxamento e restaurag3o (ASPINALL et al., 2015). Foi demonstrado também que a exposigao a espagos verdes reduz a atividade neural numa area do cértex pré-frontal ¢ alivia os sintomas de depressio (BRATMAN et al., 2015). Caminhar em parques produz mais resisténcia cognitiva do que caminhar em ambientes urbanos, e a exposi¢ao a luz, especialmente & luz azul, é reconhecida como uma forma natural de estimular o estado de alerta e de promover um sono saudavel (OMS, 2016). A exposigao 4 natureza, num parque de cidade, pode aumentar a capacidade para enfrentar os problemas do quotidiano, tivo sobre diversos neces 150 | Trabathos de Antropologia e Etologia, 2021, volume 61 Da Biofilia a Ecoterapia. A Importincia dos Parques Urbanos para a Saiide Mental diminuir 0 stress urbano, melhorar a produtividade e reduzir a frustragio relacio- nada com o trabalho, aumentar a autoestima, a atengdo e a satisfagio geral com a vida (GRAHN & STIGSDOTTER, 2003) Um outro estudo, de grande alcance, sobre a relagdo entre espagos verdes ¢ saiide mental, nas eriangas e adolescentes, foi realizado na Dinamarca (ENGEMANN et al., 2019). Usando dados de satélite de alta resolugdo para calcular © indice de vegetagdo em tomo dos locais de residéncia de cerca de 1 milhdo de pessoas, desde 0 nascimento até a idade de 10 anos, 0 estudo mostrou que a exposigio a altos niveis de vegetagdo, durante a infancia, esté associada a um menor risco de um amplo espectro de perturbagdes psicopatolégicas, de patologia mental para quem vivia com a quantidade mais baixa de vegetagao durante a infancia foi até 55% maior, em varias psicopatologias. A relagao entre espago verde e saiide mental permaneceu significativa, mesmo apés o ajuste de fatores como o grau de urbanizagao, fatores socioeconémicos, histéria parental de doenga mental, ¢ idade dos pais. mais tarde na vida. O risco 6. CONCLUSAO A Organizagao das Nagdes Unidas estabeleceu como objetivo, até 2030, © desenvolvimento de um programa para a sustentabilidade que inclui 0 acesso universal a espagos verdes seguros ¢ inclusivos. Os paisagistas, juntamente com os psicdlogos, podem oferecer conhecimentos essenciais para a concesao desses espagos. A possibilidade de dispor de parques urbanos diversificados ¢ unidos por uma teia de caminhos verdes, ajuda 4 promogdo da biodiversidade nas cidades, € permite que as diferentes populagdes urbanas possam usufruir, na proximidade das suas habitagdes, dos beneficios da biofilia sobre a satide fisica e mental. A existéncia de relvados com pequenas florestas, lagos, canteiros ¢ caminhos por onde as pessoas possam passear, praticar exercicio, desenvolver horticultura comunitaria ou simplesmente contemplar, so recursos essenciais para 0 equilibrio dos grupos ¢ das pessoas individuais. £ sabido que quanto maior é a diversidade das espécies presentes num parque natural, maior & a satisfa (WOLF et al., 2017). A contemplasio de uma natureza vital, com os seus odores, sons, texturas ¢ imagens, revitaliza quem passa e, em certos lugares e condigdes de privacidade, pode servir de recurso para o trabalho em profundidade da ecoterapia. 0 © © bem-estar dos utentes Trabelhos de Antropologia e Etnologia, 2021, volume 61 | 151 Marina Prieto Afonso Lencastre & Paulo Farinha-Marques REFERENCES ARVAY, C. G. (2018), The biofilia Effect. Colorado: Sounds True. ADAMS, M. & JORDAN, M. (2016), “Growing together: nature connectedness, belonging and social identity in a mental health ecotherapy program”. 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A propésito do livro de Xosé Manuel Gonzalez Reboredo, Festas com Representaciéns de Mouros e Cristidns en Galicia e Terras do Noroeste Vecinas, Pontevedra, Fervenza (2019) por Anténio Medeiros' Resumo: A propésito de um livro recentemente editado na Galiza, toco virios topicos neste ensaio curto. Falo de singularidades de priticas antropol6gicas jé seculares na Galiza, e de como elas se refletem na ‘obra em causa ¢ no percurso biogrifico do seu autor. Refiro ainda de relagdes intelectuais transfron- teirigas antigas, acolhidas em muitas ocasides na Sociedade Portuguesa de Antropologia ¢ Etnologia. Palavras-chave: Galiza; Portugal; Festas; “Mouros”; “Cristios"; Historie da Antropologia, Abstract: Taking a book recently edited in Galicia as my main reference, I touch upon a variety of topics in this short essay. First, I discuss the secular particularities of anthropological practice in Galicia, and how these are reflected in this specific work as well as in the author’s biography. I also reason about past and present intellectual cross-border relations, which were welcomed on many past occasions at the Portuguese Society of Anthropology and Ethnology (SPAE). Keywords: Galicia; Portugal; Festivals; “Moors”; “Christians”; History of Anthropology. As faces da antropologia so muitas, uma diversidade hoje muito celebrada nas revistas mais influentes ¢ que tem suscitado adjectivagées curiosas. Desde logo, lembrariamos imparidades — e algumas tangéncias — entre Portugal ¢ a Galiza, um levantamento que aqui nao cabe fazer. Porém, importa sublinhar que Xosé Manuel Gonzalez Reboredo (n. em Lugo, 1946) e esta obra sio herdeiros MISCTE-IUL, CELIUL. Trabalhos de Antropologia e Etsologia, 2021, volume 61 | 157

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