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T. T. Paiva, C. E. Pimentel, G. B.

Moura 215

VIOLÊNCIA CONJUGAL E SUAS RELAÇÕES COM


AUTOESTIMA, PERSONALIDADE E SATISFAÇÃO COM A VIDA
DOMESTIC VIOLENCE AND ITS RELATIONSHIP WITH SELF-ESTEEM, PERSONALITY
AND LIFE SATISFACTION

Tamyres Tomaz Paiva1, Carlos Eduardo Pimentel2, Giovanna Barroca de Moura3

RESUMO
A violência conjugal é algo histórico que significa ação executada sem cuidado ou uso de força excessiva a
fim de causar danos ao parceiro. Objetivou-se, por meio da correlação e regressão, verificar a relação das
formas de legitimações da violência conjugal com a autoestima, satisfação com a vida e personalidade.
Participaram 305 respondentes da população geral, a maioria do sexo feminino (63%), com idades entre 18
e 62 anos (M = 28,45, DP = 10,65), residentes da Paraíba (88,9%). Foram usadas a Escala de Crenças de
Violência Conjugal, a Escala de Autoestima de Rosenberg, Inventário de Personalidade de Dez Itens e a
Escala de Satisfação com a Vida, analisados no IBM SPSS Statistics 21. Os resultados indicaram a correla-
ção negativa entre os fatores legitimação da violência e autoestima, assim como também com os fatores de
personalidade. E, por fim, a regressão indicou que os fatores pessoais predizem as crenças de legitimação
da violência conjugal.
Palavras-chave: Violência Conjugal; Autoestima; Personalidade; Satisfação com a Vida.

ABSTRACT
Conjugal violence is something historic that means action taken without care or use of excessive force to
cause damage to the partner. The objective is through correlation and regression, verify the relation of
forms of legitimation of violence, with self-esteem, life satisfaction and personality. 305 respondents par-
ticipated in the general population, mostly female (63%) aged between 18 and 62 years (M = 28.45, SD =
10.65), residents of Paraíba (88.9%). We used Beliefs in Couple Violence Scale, Rosenberg Self-Esteem Scale, Ten
Item Personality Inventory and Life Satisfaction Scale, analyzed in IBM SPSS Statistics 21. The results indicated a
negative correlation between the factors legitimizing violence and self-esteem, as well as with personality
factors. And finally, the regression indicated that personal factors predict the beliefs of legitimizing conjugal
violence.
Keywords: Conjugal Violence; Self-Esteem;Personality; Life Satisfaction.

1
Universidade Federal da Paraíba; tamyres.tomaz@hotmail.com
2
Universidade Federal da Paraíba; Carlosepimentel@bol.com.br
3
Universidade Estadual do Vale do Acaraú; giovannabarroca@gmail.com

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Violência conjugal e suas relações com autoestima, personalidade e satisfação com a vida 216

Introdução todo contato físico indesejado que possa causar


No Brasil, apesar da luta dos movimentos algum dano (p.ex., empurrões, bater, puxar o ca-
feministas contra as diversas formas de violência belo, queimaduras); b) violência sexual referindo-se
contra a mulher (Grossi, 1994), apenas em 2006 a qualquer forma de coerção sexual (p.ex., tirar
uma lei de cunho protetivo em defesa das mulhe- fotografias reveladoras ou relações sexuais sem
res entrou em vigor. De caráter familiar e conjugal, consentimento); c) abuso psicológico, representando
a Lei 11.340, conhecida popularmente como Lei as ameaças e formas de prejudicar a vítima, com
Maria da Penha, tornou-se um fenômeno social intimidação, insultos e humilhações; e d) abuso so-
em diversos estados brasileiros (Cunha & Pinto, cial, também conhecido como comportamentos con-
2014). troladores, em que ocorre a restrição de acesso a
A violência entra nos lares de maneira cul- alimentação, abrigos, recursos financeiros, amigos,
tural e sutil, entrelaçando as emoções dos indiví- familiares, emprego e educação.
duos e as relações afetivas, desde uma simples pa- Nos estados brasileiros, 1.583 mulheres
lavra, que machuca o psíquico, até consequências foram mortas por seus companheiros (Waiselfisz,
mais graves, como a morte (Day et al. 2003; Félix, 2015) e a central de atendimento à mulher, ou “li-
2012; Heru, 2007). Nessa direção, a Organização gue 180”, já registrou 4.488.644 atendimentos, em
Mundial de Saúde ressaltou que a violência é um 2015. Desse total, 51,16% eram casos de violência
fenômeno social presente em qualquer sociedade, física; 4,06% de violência sexual; 30,92% de vio-
desde as mais primitivas até as mais complexas lência psicológica; 10,8% de violência moral e pa-
(Krug, Mercy, Dahlberg & Zwi, 2002). trimonial. Na maioria dos casos de reincidência de
O Modelo Geral da Agressão (General Ag- violência, foi identificada a recorrência maior com
gression Model, GAM) definiu a violência como um pessoas do sexo feminino, 49, 2%, enquanto com
subconjunto de comportamentos agressivos que o sexo masculinho chega a ser menor que 30% dos
se destinam a causar danos extremos, de forma casos de reincidência (Waiselfisz, 2015).
suficiente para exigir atenção médica, terapêutica Considerando alguns dados apresenta-
e até causar a morte (Anderson & Bushman, 2002; dos, percebe-se a importância de estudos e ações
Warburton & Anderson, 2015). A intenção de in- que visam a conhecer os preditores da violência
fligir violência surge de um motivo para atingir sta- e propor estratégias para combatê-las. Com isso,
tus ou recursos e vontade de atingir os objetivos buscou-se compreender em que medida as crenças
de forma ilegítima (Hamby, 2017). de legitimação da violência conjugal estão correla-
Sendo assim, a violência conjugal, tam- cionadas com as variáveis da autoestima, da satis-
bém chamada de violência entre parceiro íntimo fação com a vida e da personalidade.
(VPI) (Warburton & Anderson, 2015; WHO, Crenças e violência conjugal
2010), se refere ao uso da força física ou coerci- Para o GAM, a violência conjugal con-
tiva que constitua desrespeito à integridade física, sidera vários fatores pessoais (traços, gênero,
mental e moral de uma pessoa ligada ao seu agres- crenças, atitudes, valores, objetivos e scripts) e si-
sor por meio do vínculo de matrimônio ou laço tuacionais (frustração, provocação, drogas, dor e
íntimo amoroso (Cunha & Pinto, 2014, Jonhson, desconforto) que irão ativar as trajetórias internas,
2005; Heru, 2007). Nesse sentido, a violência do- ou rotas (afeto, cognição, excitação), formando ga-
méstica tem o mesmo significado, sendo que mais tilhos para o comportamento agressivo (Anderson
abrangente por considerar não apenas o parceiro & Bushman, 2002).
íntimo como agressor, mas toda constituição fa- Logo, os conjuntos de crenças são fator
miliar (irmão, pai, avó, tio, entre outros) (Cunha & importante para se entender a violência conjugal
Pinto, 2014). (Anderson & Bushman, 2002; Warburton & An-
A violência conjugal é classificada, de derson, 2015). Ou seja, é pela interação com as
acordo com o GAM (Warburton & Anderson, pessoas e com a situação que as crenças se for-
2015) e a WHO (2010), em: a) violência física como mam, constituindo uma referência para si (Roke-

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ach, 1981; Mendes & Claúdio, 2010). Segundo que inocenta o agente agressor, aceitando que ele
os estudos de Warburton e Anderson (2015), na não teve a intenção de causar danos graves (Cari-
maioria dos casos, a fonte de disseminação de tais dade & Machado, 2006; Félix, 2012).
crenças é a própria família. As causas externas e fora do controle emo-
As crenças fortalecidas por uma popula- cional, como o desemprego, o consumo de álcool
ção violenta podem levar o indivíduo a comporta- e outras drogas, também podem desencadear atos
mentos violentos e agressivos (Anderson & Bush- violentos pela sua ação desinibidora (uso de subs-
man, 2002; Warburton & Anderson, 2015). Nesse tâncias) (Caridade & Machado, 2006; Day et al,
sentido, as crenças fundadas nos papéis de gêne- 2003; Félix, 2012; Hamberger & Hastings, 1986).
ro, no conservadorismo sexual e na tolerância e O uso dessas substâncias facilita a agressão (por
aceitação da violência interpessoal fazem com que exemplo, provocação, frustração, sinais agressivos)
mulheres cedam às pressões dos seus companhei- (Warburton & Anderson, 2015) de tal modo que a
ros, devido à concepção subordinada (Caridade & violência passa a ser justificável para a sociedade,
Machado, 2006; Félix, 2012; Nascimento, 2015; atribuindo a culpa nos estímulos externos (Félix,
Worden & Carlson, 2005). 2012; Hamberger & Hastings, 1986).
Essas crenças também contribuem para Além disso, vários pesquisadores (Carida-
legitimar a violência, aceitando que o comporta- de & Machado, 2006; Lynch & Graham-Bermann,
mento da vítima foi a causa da agressão, ou seja, 2000; Warburton & Anderson, 2015) destacam
culpa-se a própria vítima por descumprimento dos de- que a autoestima também contribui para uma pre-
veres (Félix, 2012; Warburton & Anderson, 2015). disposição para agredir, assim como se submeter
Como exemplo para ações embasadas nessa cren- a um relacionamento abusivo. Warburton e An-
ça, o comportamento adúltero pode ser utilizado derson (2015) destacam que parceiras de homens
como justificativa para reações violentas (Caridade agressivos têm menor autoestima. Essa submissão
& Machado, 2006; Félix, 2012). ao parceiro agressor tem contribuído para a dete-
No entanto, essas crenças podem ser se- rioração da qualidade de vida (Vianna, Bomfim &
xistas, já que várias pesquisas (Anderson & Bush- Chicone, 2006).
man, 2002; Caridade & Machado, 2006; Day, et Autoestima e violência conjugal
al. 2003; Félix, 2012; Worden & Carlson, 2005) A avaliação pessoal das vítimas de vio-
mostram que o sexo feminino possui maior pro- lência tem maior inclinação a uma autopercepção
babilidade de ser a vítima. Além disso, quanto mais desvalorizada, falta de esperança e sentimento de
idade a mulher possuir, mais vulnerável se torna impotência, fazendo com que elas se posicionem
e, consequentemente, tem níveis mais elevados como pessoas sem poder e direitos, além de apre-
de medo da violência (Pimentel, Gunther & Bla- sentar problemas no desenvolvimento da intimi-
ck, 2012). Enquanto o sexo masculino apresen- dade e sexualidade (Caridade & Machado, 2006;
ta maior concordância e predisposição ao uso da Félix, 2012; Lynch & Graham-Bermann, 2000).
violência, sendo também agente violentador, com Baumeister, Boden e Smart (1996) e Egan
consequências mais graves (Anderson & Bush- (2009) ressaltam que os estudos mais tradicionais,
man, 2002; Day et al,. 2003; Félix, 2012; Waiselfisz, nas ciências sociais e psicológicas, em relação à
2015; Warburton & Anderson , 2015; Worden & autoestima direcionam a baixa autoestima e senti-
Carlson, 2005). mentos de inadequação ou frustação como carac-
Caridade e Machado (2006) têm outra terísticas proeminentes da maioria dos agressores.
visão em seus estudos, afirmando que as trocas Ou seja, a autoestima apresenta caráter dual, que é
mútuas de violência entre homens e mulheres tor- aversivo para todos os indivíduos, pois contribui
nam a violência banalizada. Até mesmo quando significativamente na violência (Baumeister et al.,
a intimidação do parceiro, mostrada por meio do 1996).
ciúme, representa uma demonstração de cuidado e A autoestima está ligada à integralida-
amor, tal fato também contribui para a banalização de de sentimentos e pensamentos do indivíduo,

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tendo como referencial a imagem de si próprio conscienciosidade e agradabilidade.


como objeto de análise positiva ou negativa (Hutz A personalidade antissocial ou psicótica
& Zanon, 2011; Sbicigo, Bandeira & Dell Áglio, apresenta elevado grau de agressividade interpesso-
2010). Pode ser definida, também, como uma ati- al e também maiores níveis de neuroticismo, irrita-
tude reflexiva de como se sente e como se é visto, bilidade e propensão à raiva, além de ser instável e
em comparação com a avaliação pessoal (Lynch & sem controle dos impulsos (Anderson & Bushman,
Graham-Bermann, 2000). 2002; Hamberger & Hastings, 1986; Madalena et al.,
A autoestima tem conotações positivas, 2015). Essas condutas antissociais estão mais pre-
mas, quando se é muito elevada, também pode sentes no sexo masculino (Anderson & Bushman,
contribuir para a violência, já que assume cono- 2002; Félix, 2012). O fator da estabilidade emocio-
tações de orgulho, egoísmo, arrogância, honra, nal, presente nesses aspectos, é caracterizado pelo
presunção, senso de superioridade e narcisismo equilíbrio das emoções oscilando entre dois polos:
(Baumeister et al., 1996). Essas características são indivíduos calmos ou ansiosos, chateando-se facil-
mais acentuadas em agressores, principalmente mente (Pimentel et al., 2014).
nos indivíduos com a autoestima inflada ou instá- Por outro lado, o transtorno de persona-
vel, pois esses usam especificamente da violência lidade dependente possui baixos níveis de propen-
para manutenção de um relacionamento abusivo são à raiva, isso porque existe o comportamento
(Anderson & Bushman, 2002). submisso do parceiro na relação conjugal. O indi-
Pode-se notar que algumas dessas caracte- víduo dependente possui a necessidade de outras
rísticas estão diretamente ligadas à personalidade, pessoas para tomar as decisões, no caso, precisa
pois em alguns casos ela pode ser mais acentuada de alguém para lhe orientar, já que tem a crença
na vítima, em outros, ela é mais evidente no agres- de que não consegue aprender e nem desenvolver
sor (Pinto, Varela & Vinhal, 2012). Nesse sentido, a determinadas habilidades sem depender de outra
personalidade também é fator preditor para com- pessoa (Anderson & Bushman, 2002; Hamberger
portamentos agressivos e, consequentemente, para & Hastings, 1986; Madalena et al., 2015).
a violência (Barllet & Anderson, 2012; Egan, 2009). Esse tipo de personalidade dependente
acomete mais as vítimas de violência, na qual há
Personalidade e violência conjugal também maior predominância de conscienciosi-
Os traços de personalidade podem in- dade (Pinto, Varela & Vinhal, 2012). Isso implica
fluenciar por meio de seus impactos nas emoções que os indivíduos com maior conscienciosidade
e cognição (Barllet & Anderson, 2012). Associa- apresentam características de autodisciplinamento,
da a outros estímulos (por exemplo, situacionais, com mais concentração para atingir os objetivos,
crenças, atitudes, sexo, gênero, predisposições ou podem expressar, no polo oposto, desorganiza-
genéticas), a personalidade colabora para as con- ção em seus objetivos (Pimentel et al., 2014).
dutas agressivas (Gleason, Jensen-Campbell & Ri- A agradabilidade, por sua vez, é fator ini-
chardson,2004; Warburton & Anderson, 2015). bidor para agressão, pois os indivíduos mais agra-
Estudos realizados por Hamberger e Has- dáveis ​​são menos propensos a agredir seus pares
tings (1986) e, recentemente, outros pesquisadores (Gleason, Jensen-Campbell & Richardson, 2004).
(Madalena, Falcke & Carvalho, 2015; Warburton Esse fator tanto se refere ao acolhimento do ou-
& Anderson, 2015) indicaram que a violência con- tro quanto (no polo oposto) à repulsa do parceiro,
jugal está mais presente em alguns transtornos de apresentando-se mais briguento e crítico (Pimen-
personalidade. Egan (2009) retrata que, dependen- tel et al., 2014).
do do transtorno, a personalidade pode ter um No entanto, a agradabilidade não é o
traço mais acentuado do que outro, por exemplo, único fator presente nas relações de violência. A
indivíduos do grupo B (de acordo com o DSM-V) extroversão, caracterizada pela sociabilidade com
têm características mais elevadas no fator de neu- os outros e podendo variar e ter aspectos extro-
roticismo ou extroversão e níveis mais baixos em vertidos ou (no polo oposto) reservados (Pimen-

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tel et al., 2014), também é um fator presente nas 2005). Entretanto, quando as vítimas conseguem
relações de violência, em que se relaciona tanto abandonar a relação conjugal, entram em um pro-
de forma positiva quanto negativa (Barlett & An- cesso de quebra familiar, culpa, racionalização da
derson, 2012), o que torna difícil diferenciar em situação e, nesste período, é comum muitas vezes
qual dos polos a agressão poderá ser engatilhada. o abandono e o retorno ao relacionamento, até
Ademais, a abertura a experiências guarda relação um dia quebrar esse vínculo emocional (Day et al.,
direta com a agressão física (Barllet & Anderson, 2003; Worden & Carlson, 2005; Felix, 2012). É
2012), já que diz respeito tanto a flexibilidades de nesse período que os indivíduos pautam seus inte-
pensamentos abertos a novas experiências quanto resses na busca pela autonomia (Ham-Rowbottom
(no polo oposto) à tradição, algo já definido (Pi- et al., 2005).
mentel et al., 2014). Essas características aparecem As vítimas, quando afastadas do parceiro
como último traço em vítimas de violência, tendo agressor, conseguem estar satisfeitas com trabalho,
em vista que quanto mais o indivíduo estiver ten- saúde ou família, potencializando o bem-estar psi-
dendo ao polo tradicional, mais difícil será ele sair cológico e a autonomia (Ham-Rowbottom et al.,
de uma relação abusiva (Pinto, Varela & Vinhal, 2005). Esse bem-estar subjetivo é constituído de
2012). Isso se torna um ciclo vicioso, no qual não afetos positivos (prazer), negativos (desprazer) e
se quebra a aliança conjugal para sair da relação também emocionais, representados pelos julga-
abusiva e, também, não se está satisfeito com a mentos cognitivos (são os aspectos racionais ou
continuação dessa relação (Day et al., 2003). Se- intelectuais da satisfação com a vida) (Gouveia et
gundo Félix (2012), as vítimas apresentam baixa al., 2005).
qualidade de vida e redução do bem-estar, além de
apresentarem desmotivação para a mudança. Ou Método
seja, a personalidade também é um fator relaciona- Participantes
do com o bem-estar do indivíduo, em que quanto A amostra foi composta por 305 parti-
mais se avalia os eventos de forma positiva, maior cipantes da população geral, sendo a maioria do
a satisfação com a vida (Woyciekoski, Natividade sexo feminino (63%), com idades entre 18 a 62
& Hutz, 2014). anos (M =28,45, DP =10,65), residentes na Paraíba
(88,9%), concentrando-se na cidade de João Pessoa
Satisfação com a vida e a violência conjugal (64,6%), que se autodeclararam brancos (44,9%),
Esse julgamento da satisfação com a vida solteiros (72,8%), heterossexuais (86,6%), com
dependerá dos diferentes domínios específicos da ensino superior incompleto (58,4%) e renda entre
vida do indivíduo, levando em consideração in- 1 e 3 salários mínimos (38%). A maioria afirma
teresses e valores (Gouveia, Barbosa, Andrade & estar em um relacionamento amoroso (68,89%),
Carneiro, 2005). O processo de avaliação dos com- não sendo vítimas de violência (88,8%), sem his-
ponentes cognitivos baseia-se em um conjunto de tórico familiar de violência conjugal (50,5%) e sem
critérios próprios que busca entender a satisfação quaisquer denúncias de violência conjugal dos
a partir da situação experienciada (Diener, Em- companheiros(as) (97%).
mons, Larsen & Griffin, 1985).
É durante essa fase de avaliação que uma Instrumento
resposta imediata é produzida, ativando um gatilho A Escala de Crenças de Violência Conju-
situacional baseado na influência das cognições e gal (ECVC), validada por Félix (2012), composta
sentimentos (Warbuton & Anderson, 2015). Após por 15 itens e 3 fatores, descritos: Legitimação e
toda essa avaliação cognitiva da situação, as víti- Banalização da Pequena Violência (α = 0,86) (por
mas de violência conjugal que tentam sair do meio exemplo: “Dar uma bofetada a/ao parceiro quan-
enfrentam muitos desafios diante dos recursos do se está aborrecido ou irritado é normal, é uma
limitados e das condições estruturais e psicológi- coisa sem gravidade”); Legitimação da Violência
cas (Ham-Rowbottom, Gordon, Jarvis & Novaco, por Descumprimento dos Deveres/Expectativas

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do(a) Parceiro(a) (α = 0,79) (por exemplo: “O Procedimento


problema dos maus-tratos dentro do casamento Inicialmente, apresentou-se o projeto ao
afeta uma pequena porcentagem da população”) Comitê de Ética da Universidade Federal da Para-
e Legitimação da Violência pela sua Atribuição íba (UFPB). Com a emissão do parecer favorável
a Causas Externas (α = 0,68) (por exemplo: “Os (n° CAAE 46749115.4.0000.5188), prosseguiu-se
maus-tratos ocorrem apenas em famílias de baixo com a aplicação do instrumento de pesquisa na
nível educacional e econômico”). Variando numa população geral, de forma presencial, em ambien-
escala de 1 = Discordo Totalmente a 5 = Concor- tes coletivos e on-line, por meio das redes sociais.
do Totalmente. A participação foi iniciada após a concordância
A Escala de Autoestima de Rosenberg com TCLE (Termo de Consentimento Livre e
(1965), validada no Brasil por Hutz e Zanon Esclarecido). A coleta foi realizada por pesquisa-
(2011), constituída por 10 itens, unifatorial (α = dores devidamente treinados. Os respondentes fo-
0,64) (por exemplo: “Sinto que sou uma pessoa ram informados de que a pesquisa era de caráter
de valor como as outras pessoas” ou “Sou ca- voluntário, que não receberiam nenhum retorno
paz de fazer tudo tão bem como as outras pes- financeiro pela sua participação e que foram to-
soas”). Esta varia numa escala de 1 = Discordo mados todos os cuidados para garantir o sigilo e
Totalmente a 7 = Concordo Totalmente. a confidencialidade das informações individuais,
Inventário de Personalidade de Dez Itens preservando a identidade dos respondentes, se-
(TIPI), desenvolvido por Gosling, Rentfrow e guindo as recomendações da Resolução 510/16
Swann (2003), utilizou-se a versão em português do Conselho Nacional de Saúde. Ficou esclarecido
do Brasil de Pimentel et al. (2014), apresentando aos participantes que a pesquisa não envolveria ne-
uma precisão teste-reteste variando de 0,62 a 0,77 nhum risco à sua saúde e integridade biopsíquica,
(Gosling et al, 2003). É composta por 10 itens equi- moral e espiritual.
tativamente distribuídos em 5 fatores de personali-
dade: Extroversão (extrovertido, entusiasta); Agra- Análise dos dados
dabilidade (crítico, briguento); Consciensiosidade Para a tabulação e a análise dos dados foi
(confiável, autodisciplinado); Estabilidade emocio- utilizado o IBM SPSS Statistics 21. Verificou-se a
nal (ansioso, que se chateia facilmente); Abertura a frequência das questões demográficas para definir
experiências (aberto a novas experiências, comple- os grupos que participaram da pesquisa, junta-
xo). Esta medida varia numa escala de 1 = Discordo mente com a média e o desvio padrão das respos-
Fortemente a 7 = Concordo Fortemente. tas. Computou-se a consistência interna estimada a
A Escala de Satisfação com a Vida (ESV), partir do coeficiente alfa separadamente para cada
elaborada por Diener, Emmons, Larsen e Gri- fator das escalas referidas. Além disso, realizou-se
ffin (1985) e validada no Brasil por Gouveia et também a análise de correlação de Pearson, além
al. (2005), composta por 5 itens, unifatorial (α = da análise de regressão entre os fatores da violên-
0,89) (por exemplo: “As condições da minha vida cia conjugal com a autoestima, satisfação com a
são excelentes” ou “Estou satisfeito com minha vida e os fatores da personalidade.
vida”). Esta varia numa escala de 1 = Discordo
Fortemente a 7 = Concordo Fortemente. Resultados
Por meio do Questionário sociodemográ- Inicialmente, fez-se a frequência das mé-
fico, buscou-se caracterizar a amostra do estudo, dias dos fatores verificação do nível da concordân-
incluindo perguntas como: idade, estado civil, cor, cia e discordância dos fatores estudados. Observar
orientação sexual, escolaridade e renda. Ademais, Tabela 1.
buscou-se conhecer a atual situação no relaciona- As médias dos fatores das crenças de le-
mento amoroso ou conjugal, por meio de pergun- gitimação da violência de banalizações, descum-
tas como: Já foi vítima de violência no relaciona- primento com os deveres e causas externas de-
mento amoroso que você está vivendo? monstraram discordância quanto à aceitabilidade.

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Tabela 1. Médias e desvio padrão por fator da população geral


M DP
Banalização 1,60 0,83
Descumprimento 1,78 0,81
Causas externas 1,99 0,89
Satisfação com a vida 4,39 1,42
Autoestima 4,07 0,34
Extroversão 4,22 1,47
Agradabilidade 4,93 1,20
Conscienciosidade 4,95 1,28
Estabilidade emocional 4,21 1,45
Abertura a experiências 5,16 1,15

O fator de legitimação e banalização da pequena fação com a vida e autoestima) mostraram uma
violência apresentou o maior grau de discordân- concordância de acordo com as médias expostas
cia, com média =1,60 e desvio padrão = 0,83. A na Tabela 3.
legitimação da violência por descumprimento dos Em seguida, foi verificada a correlação
deveres/expectativas do(a) parceiro(a) apresentou (unicaudal) entre os fatores de crenças de legitima-
média =1,78 e desvio padrão = 0,81. No caso da ção da violência conjugal com a autoestima, satisfa-
legitimação da violência por causas externas, foi ção com a vida e com os fatores de personalidade,
obtida a média de 1,98 e desvio padrão de 0,89. com toda a amostra, visando a conhecer as relações
Ademais, os outros fatores (personalidade, satis- entre esses construtos, descritos na Tabela 2.

Tabela 2. Correlações entre os fatores de legitimação da violência (banalização, descumprimento com os deveres e causas
externas), satisfação com a vida, autoestima e os fatores de personalidade (extroversão, agradabilidade, conscienciosidade, esta-
bilidade emocional e abertura a experiências).
Força e direção da correlação
1.Banalização
2.Descumprimento 0,78**
3.Causas externas 0,58** 0,64**
4.Satisfação com a vida -0,07 0,00 -0,04
5. Autoestima -0,12 *
-0,15**
-0,18** -0,24**
6. Extroversão 0,05 0,02 0,02 0,17** -0,05
7. Agradabilidade -0,09 *
0,07 0,06 0,18 **
-0,02 0,17**
8.Conscienciosidade -0,08 0,06 0,01 0,32** -0,09* 0,05 0,21**
9.Estabilidade emocional -0,14** -0,01 0,01 0,17** -0,05 -0,04 0,40** 0,29**
10. Abertura a experiências -0,16** -0,06 -0,10* 0,27** 0,03 0,23** 0,27** 0,30** 0,21**
1 2 3 4 5 6 7 8 9
** p < 0,01; * p < 0,05

Identificou-se que a autoestima foi cor- pectativas do(a) parceiro(a) e a legitimação da vio-
relacionada negativamente com todos os fatores lência pela sua atribuição a causas externas obtive-
das crenças de legitimação da violência. Tam- ram, consequentemente (r = -0,12; p < 0,05), (r =
bém foi verificado que a legitimação e banali- -0,13; p < 0,01) e (r = -0,16; p < 0,01), magnitudes
zação da pequena violência, a legitimação da fracas, porém estatisticamente significativas. Isso
violência por descumprimento dos deveres/ex- significa dizer que quanto mais se aumenta a auto-

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Violência conjugal e suas relações com autoestima, personalidade e satisfação com a vida 222

estima, menor é a concordância com os fatores de a legitimação da violência pela sua atribuição
crença de legitimação da violência. a causas externas (r = -0,10; p < 0,05). Neste
Nesse sentido, também foi encontrado fator, verificam-se pessoas com flexibilidades
que os fatores das crenças de legitimação da vio- de pensamentos com menor tendência a acei-
lência foram negativamente correlacionados com tar que a violência seja causada pelos estímulos
os fatores de personalidade. Especificamente, externos. No entanto, os fatores das crenças de
identificou-se que o fator legitimação e banalização legitimação da violência não foram correlacio-
da pequena violência relacionou-se com a estabili- nados com a satisfação com a vida, ou seja, não
dade emocional (r = -0,14; p < 0,01), a abertura a apresentaram estatisticamente critérios de signi-
experiências (r = -0,16; p < 0,01) e a agradabilidade ficância (p > 0,05).
(r = -0,09; p < 0,05). Quanto mais se aceita que a Em seguida, buscou-se averiguar a exis-
violência é algo “natural” e de trocas mútuas entre tência de correlações (unicaudais) entre os fato-
os casais, menos se tem pessoas com traços mais res das crenças de legitimação da violência com
acentuados nos polos de estáveis emocionalmente, autoestima, satisfação com a vida e com os fato-
flexíveis e agradáveis, respectivamente. res de personalidade, utilizando apenas a amos-
Além disso, foi verificado que abertura tra específica de pessoas que sofreram violência
a experiências também se correlacionou com conjugal. Ver Tabela 3.

Tabela 3. Correlações entre os fatores de legitimação da violência (banalização, descumprimento com os deveres e causas
externas), satisfação com a vida, autoestima e os fatores de personalidade (extroversão, agradabilidade, conscienciosidade, esta-
bilidade emocional e abertura a experiências, com a população específica.
Força e direção da correlação
1.Banalização
2.Descumprimento 0,78**
3.Causas externas 0,49** 0,61**
4.Satisfação com a vida -0,05 -0,17 0,05
5.Autoestima -0,37 *
-0,34 *
-0,19 -0,14
6.Extroversão 0,05 0,16 0,01 -0,08 0,13
7.Agradabilidade -0,10 -0,17 0,20 -0,13 -0,14 0,21
8.Conscienciosidade -0,09 -0,2 0,33 *
-0,24 0,23 -0,09 -0,27
9.Estabilidade emocional -0,15 -0,26 -0,14 0,05 0,22 -0,38 **
-0,28 0,39**
10.Abertura a
experiências -0,46** -0,34** -0,04 0,22 -0,28** -0,33** -0,35* 0,33** 0,20
1 2 3 4 5 6 7 8 9
** p < 0,01; * p < 0,05

Nas correlações, verificou-se que a autoes- Esse resultado demonstrou em grupos de


tima foi correlacionada negativamente com o fator vítimas que a autoestima baixa é um fator muito
de legitimação e banalização da pequena violência (r mais presente para a desculpabilização do agressor.
= - 0,37) e legitimação da violência por descumpri- Com isso, a violência se torna algo sem importância
mento dos deveres/expectativas do(a) parceiro(a) (r para a o indivíduo que é agredido e ainda culpabiliza a
= - 0,34), todos a nível de p < 0,05. Nesta correla- vítima por sofrer e ser violentada constantemente, no
ção, percebe-se a autoestima da população especí- seu relacionamento amoroso. No entanto, os fatores
fica (grupos de vítimas) como um fator de magni- das crenças de legitimação da violência continuam
tude moderada em comparação com a população sem se correlacionar significativamente com a satis-
geral, que obteve magnitude fraca. fação com a vida, como foi visto na Tabela 2.

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T. T. Paiva, C. E. Pimentel, G. B. Moura 223

Nesses achados, alguns fatores da persona- O fator conscienciosidade foi correlacio-


lidade continuaram tendo relação com as crenças de nado positivamente com o fator legitimação da
legitimação da violência. Sendo assim, foi observado violência por causas externas (r = 0,33; p < 0,05).
que o fator abertura a experiências tanto se correla- Ou seja, pessoas mais cuidadosas, com necessidades
ciona negativamente com a legitimação e banalização de manter padrões aceitáveis e com autodisciplina-
da pequena violência (r = -0,46; p < 0,01) quanto mento têm maior tendência a aceitar que a violência
com a legitimação da violência por descumprimen- cometida no relacionamento seja algo causado pelo
to dos deveres/expectativas do(a) parceiro(a) (r = - álcool, por drogas, frustração ou qualquer evento
0,34; p < 0,05). Na Tabela 2, percebe-se também que externo. É uma forma de desculpabilizar o agressor
obtiveram magnitudes mais fracas em comparação pelo seu comportamento, atribuindo essa culpa a
ao grupo de vítimas, demonstrando que a persona- estímulos advindos do meio que proporcionou essa
lidade é tão importante quanto autoestima descrita conduta violenta.
anteriormente. Observa-se que as crenças, regentes Subsequentemente, decidiu-se usar a re-
da violência banalizada e descumprida de deveres e gressão múltipla (enter) como forma de buscar rela-
expectativas do outro (agressor), é aceitável em pes- ções preditivas entre as variáveis apenas com os fa-
soas com traços inflexíveis e tradicionais. tores correlacionados anteriormente. Ver Tabela 4.

Tabela 4. Análises de regressão múltipla (enter) na população geral (N=305)


VI R R2 F Sig(f)  Β t p
Autoestima 0,23 0,05 4,22 0,02 -0,12 5,76 0,02
Agradabilidade -0,01 -0,26 0,79
Abertura -0,13 -2,30 0,02
Estabilidade -0,11 -1,83 0,06
Nota: VD: legitimação e banalização da pequena violência
VI R R2 F Sig(f)  Β t p
Autoestima 0,15 0,02 7,30 0,07 -0,15 -2,70 0,07
Nota: VD: legitimação da violência por descumprimento dos deveres/expectativas do (a) parceiro (a)
VI R R2 F Sig(f)  Β t p
Autoestima 0,21 0,04 4,64 0,003 -0,17 -3, 11 0,002
Conscienciosidade 0,03 0,56 0,57
Abertura -0,10 -1,82 0,07
Nota: VD: legitimação da violência por causas externas

Logo na primeira análise, usou-se a auto- lidade obtendo, nestas análises, valores significa-
estima como variável dependente (VD) e os fato- tivos, como se pode observar na Tabela 4. Com
res das crenças de legitimação da violência (bana- isso, a legitimação e a banalização da pequena vio-
lização, descumprimento com os deveres e causas lência são explicados pela autoestima (β=-0, 12),
externas e os fatores de personalidades) como va- abertura a experiências (β = - 0,13) e estabilidade
riáveis independentes (VIs), mas não foi verificada emocional (������������������������������������
����������������������������������
=- 0, 11). Todos obedeceram o cri-
nenhuma relação estatisticamente significativa. Na tério de marginalmente significativos a nível de p
segunda análise, definiu-se a personalidade e os fa- < 0,07. Esses fatores explicam conjuntamente 5%
tores de violência predizendo a autoestima, o que (R² ajustado) a variância total.
também não apresentou significância. A legitimação da violência por descum-
Na terceira análise, os fatores das crenças primento dos deveres/expectativas do(a) parceiro
de legitimação da violência foram caracterizados (a) explicou apenas 2% (R² ajustado) da variância
como variáveis dependentes e como variáveis pre- total, pela autoestima (β = - 0,15), a nível de p <
ditoras, com a autoestima e os fatores de persona- 0,07, ou seja, apenas a autoestima prediz este fator

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Violência conjugal e suas relações com autoestima, personalidade e satisfação com a vida 224

de crença da legitimação da violência. A legitimação Sabe-se que a autoestima extremada nos


da violência por causas externas explicou 4% (R² polos (alta e/ou baixa) pode trazer consequências
ajustado), pela autoestima (����������������������
��������������������
= - 0,17), como tam- para a perpetuação da violência conjugal. A alta
bém pela abertura a experiências (β = - 0,10), a nível autoestima pode levar o indivíduo a ter senso de
de p < 0,07. Esses resultados consideraram p < superioridade, egoísmo, sem pensar no parceiro
0,07, o que representa marginalmente significativo. (Baumeister et al., 1996). Entretanto, o presen-
Com isso, identifica-se que a autoestima, te estudo observou que pessoas com pontuação
a abertura a experiências e a estabilidade emocio- maior em autoestima discordam das crenças de
nal predizem as crenças que legitimam a violência legitimação da violência.
conjugal. Isso significa que grande parte dessas As pessoas que pontuam menos em au-
crenças, como a obediência do parceiro, o cum- toestima (baixa autoestima) têm maior aceitação
primento de tarefas e a infidelidade amorosa são em permanecer em uma relação abusiva (Lynch &
explicados pela autoestima baixa e por traços de Graham-Bermann, 2000; Félix, 2012), com desres-
instabilidade emocional. peito e maus-tratos. Por não se comportarem da
maneira como esperam, trocas mútuas violências
Discussão e fazem atribuição a causas externas (Félix, 2012).
O objetivo deste estudo foi verificar as rela- Porém, a baixa autoestima pode provocar atos vio-
ções das crenças de legitimação da violência conju- lentos em razão da frustração, que leva à agressão
gal com autoestima, satisfação com a vida e perso- (Baumeister, Boden & Smart, 1996), o que não foi
nalidade, tendo como base o GAM. Considerou-se
verificado neste estudo.
que essas variáveis pessoais (autoestima e personali-
Ademais, a satisfação com a vida não
dade), assim como uma rota (satisfação com a vida),
apresentou correlação significativa nem quanto à
seriam preditores da violência conjugal (Anderson
população geral, nem quanto à população especí-
& Bushman, 2002; Warburton & Anderson, 2015).
fica de vítimas em relação aos fatores de legitima-
Ademais, a análise de regressão múltipla veio a con-
ção das crenças da violência. De acordo com o
firmar o que a literatura já indicava.
GAM, a satisfação com a vida formaria uma rota
As médias e cada fator demonstraram
(Anderson & Bushman, 2002) em que a avaliação
maior discordância na legitimação das crenças da
dos componentes afetivos e cognitivos próprios
violência conjugal e pontuação maior nos fatores
do indivíduo (Diener et al., 1985; Gouveia, et al.,
de autoestima, personalidade e satisfação com a
2005) direcionariam o comportamento para um
vida. Isso significa que pessoas contrárias a esses
fatores de legitimação das crenças de violência modelo que deveria ser aprendido e reforçado
pontuam mais em autoestima e traços de perso- (Anderson & Bushman, 2002; Warburton & An-
nalidade nos polos positivos, como, por exemplo, derson, 2015).
são estáveis emocionalmente. Esse dado, apesar Por sua vez, os fatores de personalidade
de descritivo apenas, é coerente com o GAM, que foram correlacionados com os fatores da crença
denota que esses fatores formam gatilhos para a de legitimação da violência conjugal. Identificou-
violência conjugal (Anderson & Bushman, 2002; se que quanto mais estabilidade emocional, menos
Warburton & Anderson, 2015). se aceita a legitimação e a banalização da pequena
Com base nos resultados, os fatores de violência. Isso significa que, no pólo oposto des-
legitimação e banalização da pequena violência, se fator, caracterizam-se os neuróticos. Estes são
descumprimento com os deveres e a atribuição a indivíduos emocionalmente instáveis ou ansio-
causas externas correlacionaram-se negativamente sos (Pimentel et al., 2014), que apresentam com-
com a autoestima. Esse construto pode ser expli- portamentos mais tolerantes ao uso da violência,
cado através do GAM, em que a autoestima é um congruentes com o estudo de Barllet e Anderson
preditor para a violência conjugal (Anderson & (2012). Além disso, esse fator prediz a aceitação
Bushman, 2002) e esse dado foi encontrado nos dessa crença que banaliza e provoca o desrespeito
resultados do presente estudo. conjugal (Caridade & Machado, 2006).

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Também foi visto que a abertura à ex- preditor ou gatilho para o comportamento agressivo.
periência foi correlacionada negativamente com Por outro lado, a estrutura da personalidade ou a au-
legitimação e banalização da pequena violência e toestima sozinhas não exercem tal função de agente
a legitimação da violência por descumprimento regulador da agressão, mas, associadas a outros es-
dos deveres/expectativas do(a) parceiro(a), nas tímulos situacionais e ambientais, exercerão papel
duas populações, sendo que com magnitude mais fundamental para uma predisposição para agredir
acentuada (moderada) em vítimas de violência. (Gleason, Jensen-Campbell, & Richardson, 2004;
Esses achados corroboram Pinto, Varela e Vinhal, Warburton & Anderson, 2015).
(2012), reafirmando que as vítimas de violência
que têm mais tendência ao polo tradicional ten- Considerações finais
dem a permanecer mais em um relacionamento É sabido que existem muitos dados a res-
com violência (Pinto, Varela & Vinhal, 2012). peito da violência doméstica na literatura global
Não obstante, esses resultados são coeren- e também são realizadas diversas campanhas em
tes com os achados de Barllet e Anderson (2012), prol da defesa da saúde e do bem-estar das vítimas
explicando que esse fator prediz a agressão, inde- de violência, que em sua maioria são mulheres.
pendentemente de ter sofrido a agressão ou não, Entretanto, há escassez de estudos na literatura
pois a abertura a experiências é relacionada, de brasileira sobre a satisfação com a vida e a vio-
forma indireta e direta, com a violência, sendo que lência conjugal, bem como colaborações de víti-
esse fator é também considerado um perpetuador mas de violência nesse processo de identificação
da violência conjugal, tanto para homens quanto de aspectos que colaboram para a prevenção da
para mulheres (Ulloa, Hammett, O’Neal, Lydston violência conjugal.
& Aramburo, 2016). A pesquisa, neste sentido, ratificou o GAM
Ademais, a agradabilidade é correlacionada (Anderson & Bushman, 2002; Warburton & Ander-
de maneira negativa com a legitimação e banalização son, 2015), demonstrando que os fatores pessoais
da pequena violência. Indivíduos mais agradáveis (autoestima e personalidade) têm relação e predi-
podem ser menos propensos a agredir seus pares ção com a legitimação das crenças sobre a violên-
(Jensen-Campbell & Richardson, 2004; Pimentel et cia. Contudo, a rota ou trajetória interna (satisfação
al., 2014), ou seja, quanto mais agradáveis, menos com a vida) não demonstrou relacionamento, o que
se propaga essa crença de que é necessário usar da precisa ser verificado em estudo posterior.
violência para se obter o objetivo esperado entre os De fato, não se mediu a violência direta-
cônjuges. No entanto, esse fator não demonstrou mente no presente estudo e, sim, as crenças de legiti-
predição nos achados do presente estudo, como a mação. Outros estudos nesse sentido são importan-
literatura explana (Barllet & Anderson, 2012; Glea- tes para suprir as limitações deste. Seria importante
son, Jensen-Campbell & Richardson, 2004). que este estudo fosse replicado em outras regiões do
Além disso, a conscienciosidade está cor- Brasil. Deste modo, poder-se-ia melhor entender as
relacionada positivamente com o fator legitimação relações verificadas e, consequentemente, melhor
da violência atribuição a causas externas, nas amos- prevenir a violência entre parceiros íntimos.
tras específicas, sendo congruente com estudo de
Pinto,Varela e Vinhal (2012), em que há maior predo- Referências
minância desse fator em vítimas de violência. Entre-
tanto, foi oposto aos resultados de Barllet e Ander- Anderson, C. A. & Bushman, B. J. (2002). Human
son (2012), que mostram uma correlação negativa aggression. Annual Review of Psychology, 53(1), 27-
relacionada com atitudes em relação à violência. 51.
Essas correlações encontradas neste estudo,
embasadas em outros pesquisadores, sinalizam o que Barlett, C. P. & Anderson, C. A. (2012). Direct and
Anderson e Bushman (2002) mostram, afirmando indirect relations between the big 5 personality
que a personalidade e a autoestima funcionam como traits and aggressive behavior. Personality and Indi-

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