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Esté-se perante uma situagdo juridica internacional, isto é uma situacdo com conexdo a varios ordenamentos juridicos, no caso, em virtude da nacionalidade, residéncia habitual e local da celebracao do ato, pelo que importa determinar qual a lei competente para regular esta situacao. Em ordem a determinar a lei competente cumpre recorrer as regras de conflitos vigentes no ordenamento juridico portugués, as quais podem ter fonte interna ou supranacional (em convencdes internacionais ou no Direito da Unido Europeia), prevalecendo as segundas sobre a primeira, por forca dos n.2s 3 4 do Artigo 8.° da Constituigdo da Republica Portuguesa (CRP). Em causa esté um problema de sucessdo por morte, porquanto se questiona a validade de uma disposig0 por morte, pelo que poders ser aplicavel o Regulamento n.2 650/2012, devendo-se, por isso, apreciar o 2mbito de aplicacdo desse Regulamento: i) Ambito de aplicacio material - resulta do artigo 1.2, n.2 1 do Regulamento que este se aplica as sucessdes por morte, pelo que seré necessério interpretar este conceito-quadro: uma vez que se trata de um conceito-quadro constante de uma regra de conflitos de fonte do Direito da Unido Europeia a interpretagdo deve ser auténoma, tendo por base as definigées fornecidas pelo legislador europeu ou, na sua falta, aquilo que 6 comum aos varios ordenamentos juridicos (1.2 asso da qualificacdo - intepretac3o do conceito quadro). In casu, 0 legislador europeu define o conceito de sucesso por morte no artigo 3.2, n.° 1, al. a) do Regulamento, sendo que a situacao factica & enquadrével nesta situacdo, pelo que o ambito de aplicago material se encontra preenchido pela positiva. Também se encontra preenchido pela negativa, porquanto a situacdo nao é reconduzivel a nenhuma das matérias excluidas do ambito de aplicagao material previstas no artigo 1.2, n.2 1, Parte Final e n.2 2; ii) 4mbito de aplicagaio temporal - este encontra-se preenchido, uma vez que 0 dbito se verificou em marco de 2020, ou seja, em data posterior ao inicio de vigéncia do Regulamento, cf artigo 83.2, n.2 1 do Regulamento; iil) Ambito de aplicagdo espacial - conforme supra referido, esté-se perante uma situagao plurilocalizada, pelo que o ambito de aplica¢ao espacial se encontra preenchido, cf. Considerandos ngs 2037; iv) Ambito de aplicagio territorial - igualmente se encontra preenchido, na medida em que a questi esté 2 ser colocada em Portugal, Estado-membro vinculado pelo Regulamento, ct. Considerandos n.2s 82 e 83. Uma vez que se encontram preenchidos os Ambitos de aplicagdo do Regulamento, o mesmo é aplicdvel ao caso concreto, pelo que importa determinar qual a concreta regra de conflitos aplicavel. Resulta dos factos que A ndo escolheu a lel aplicdvel & sua sucessdo, sendo de afastar a solugo do artigo 22.2. Pelo que se deverd recorrer & regra de conflitos subsididria que, nesta matéria, determina como aplicdvel a lei da residéncia habitual do interessado a data do ébito, cf. artigo 21.2, n.2 1. Resulta dos factos que o A tinha & data do bito residéncia habitual em Londres, Reino Unido, pelo que serd aplicdvel a Lei do Reino Unido. Sucede, que 0 Reino Unido é um ordenamento juridico complexo de base territorial pelo que importa determinar qual o concreto sistema ou unidade local relevante, nos termos do artigo 36.2. Resulta dos factos que 0 Reino Unido ndo prevé regras de direito interlocal unificado, afastando-se assim a solucSo do artigo 36.°, n.2 1, devendo-se por isso recorrer aos critérios do n.2 2. No caso, como a regra de conflitos do artigo 21.2, n.2 1 utiliza como elemento de conexao a “residéncia habitual”, determina o artigo 36.2, n.2 2, al. a) que seré relevante a lei do sistema local onde A tinha a sua residéncia habitual, ou seja, como A tinha residéncia em Londres, entdo ser aplicavel a lei inglesa Dos factos no resultam elementos que permitam concluir que exista um ordenamento juridico com conexio manifestamente mais estreita com 0 interessado, no é de aplicar a cléusula de excecdo do artigo 21.2, n.2 2 do Regulamento. Nos termos do direito internacional privado inglés, a sucessao por morte é regulada por leis distintas consoante se trate de bens méveis ou bens iméveis, pelo que se deverd apreciar as questées isoladamente conforme a natureza mével ou imével do bem |. Quanto aos Bens Méveis Resulta do direito internacional privado inglés que a sucessiio mobilidria € regulada pela lei do domicilio. Assim, como A tinha domicilio em Inglaterra, o direito internacional privado inglés considera-se competente para regular a sucesso dos bens méveis, ou seja: ‘ng Por conseguinte, seré aplicdvel & sucesso mobilidria de A o direito material inglés, pelo que importa proceder & qualificagio em ordem a determinar as regras aplicveis 8 sucesso: i) interpretacao do conceito quadro - nos termos supra referidos; ii) caraterizagao das regras potencialmente aplicdveis- a liberdade de dispor livremente de bens por morte é uma regra de direito sucessério, na medida em que disciplina a possibilidade de dispor de bens pelo facto juridico morte; ill) subjungo ou qualificagéo stricto sensu - por fim, cumpre subsumir a caraterizagao efetuada das regras de direito material & interpretacdo do conceito quadro, uma vez que as regras em questéo disciplinam a validade de uma transmissio por morte, entdo essas so subsumiveis a0 conceito-quadro do artigo 1.2, n.2 1. Da aplicagao do direito inglés resulta que B no tem direito aos bens méveis de A. 41, Quanto aos Bens Imoveis sitos na Argentina Resulta do direito internacional privado inglés que a sucessao imobilidria 6 regulada pela lei da situagio dos iméveis, ou seja, pela lex rei sitae. Assim, no que concerne aos bens iméveis sitos na Argentina, o direito internacional privado inglés manda aplicar o direito argentino. Por sua vez, nos termos do direito internacional privado argentino, o direito argentino ¢ competente para regular a sucesso de bens iméveis sitos na argentina, pelo que, in casu, 0 direito argentino considera-se a si préprio competente, ou seja: 1+an, 362,222, a) Tal reenvio é admissivel ao abrigo do regulamento, nos termos do artigo 34.2, n.2 1, alinea b), uma vez que: i) as regras de conflito do regulamento mandam aplicar a lei de um Estado Terceiro -o direito inglés; il) 0 Estado Terceiro considera competente a lei de um outro Estado Terceiro - o direito inglés considera competente o direito argentino, enquanto lei do local da situacdo dos iméveis; ) este outro estado terceiro considera-se competente - 0 direito argentino considera-se competente para regular a situacao, porquanto os bens iméveis esto situados nesse, ‘Também nao se verifica nenhuma das situagdes que obstam ao reenvio, nos termos do artigo 34.2, 22 Nestes termos, serd aplicavel para regular a sucesso por morte dos bens iméveis sitos na Argentina © direito material argentino, pelo que importa proceder a qualificacdo: i) interpretacao do conceit quadro (cfr. supra); ii) caraterizagao das regras potencialmente aplicdveis - a determinago de uma quota dos bens que o interessado se encontra vedado de dispor consubstancia uma regra de direito sucess6rio; iil) subjungio ou qualificagdo stricto sensu - por fim, cumpre subsumir a caraterizagao efetuada das regras de direito material & interpretagao do conceito quadro, uma vez que as regras em questo disciplinam a validade de uma transmissao por morte, entio essas so subsumiveis ao conceito-quadro do artigo 1.2, n.2 1. Da aplicagio do direito argentino resulta que B teré direito sua legitima quanto aos bens sitos na Argentina Ml. Quanto aos Bens Iméveis sitos em Italia e em Portugal JA quanto aos bens iméveis sitos em Italia e em Portugal, o direito internacional privado inglés manda aplicar a lel italiana e a lei portuguesa, respetivamente. Sucede, no entanto, que o cordenamento juridico inglés pratica o sistema de dupla devolucao, ou seja, a referéncia as regras de conflito abrange quer o direito de conflitos do ordenamento visado, quer 0 préprio sistema de devolugo, ou, por outras palavras, 0 ordenamento juridico inglés vai aplicar a lei que o ‘ordenamento para onde remete consideraria competente. Sucede, no entanto, que em Italia e em Portugal vigora o Regulamento n.° 650/2012 que, conforme supra referido considerada competente © direito inglés, ou seja: le™ ems Pr ING in hee oo an. 208 i mica ue i= An Sern fears > Cumpre, portanto, verificar a admissibilidade do reenvio nos termos do artigo 34.2, n.2 1, al. a}: i) as regras de conflito do Regulamento mandam aplicar a lei de um Estado Terceiro - 0 direito inglés; ii) 0 Estado Terceiro “remete” para a lei de um Estado-membro: a concretizago desse requisito & controverso na doutrin a) a doutrina maioritaria portuguesa, onde se inclui os nomes de Dario Vicente, Elsa Oliveira Dias e Lima Pinheiro, a lei do Estado terceiro tem de aplicar a lei do Estado-membro, em virtude do principio da harmonia internacional de julgados e em virtude do préprio Considerando n.° 57; b) a doutrina italiana, exemplo Andrea Bonomi, e alguma doutrina portuguesa, Prof. Helena Mota, defendem que basta a mera remissdo para a lei do Estado-membro, luz de uma légica de maximizacao da lei dos Estados-membros. Nos termos da posi¢go b), dever-se-a admitir o reenvio, nesse caso, porém a luz da al. a) no se deverd admitir, uma vez que o Direito Inglés nunca vai efetivamente aplicar o direito de um Estado-membro, antes remete para este que, por sua vez, devolve a questo ao direito inglés, ad eternum. Adotando a posigdo a), ndo se deve admitir 0 reenvio, pelo que, 2 contrario do artigo 34.2, deve-se entender que fora dos casos ai previstos, as regras do regulamento operam referéncia material, pelo que se deve aplicar & sucesso por morte dos bens iméveis sitos em Italia e em Portugal o direito material inglés, pelo que importa proceder a qualificagdo em ordem a determinar as regras aplicaveis, a sucessio: i) interpretacao do conceito quadro - nos termos supra referidos; ii) caraterizagio das regras potencialmente aplicdveis- a liberdade de dispor livremente de bens por morte & uma regra de direito sucessério, na medida em que disciplina a possibilidade de dispor de bens pelo facto juridico morte; ill) subjungiio ou qualificag3o stricto sensu - por fim, cumpre subsumir a caraterizagio efetuada das regras de direito material & interpretagao do conceito quadro, uma vez que as regras em questo disciplinam a validade de uma transmissdo por morte, entio essas so subsumiveis ao conceito-quadro do artigo 1.9, n.2 1. Da aplicagdo do direito inglés resulta que B nao tem direito aos bens iméveis de A sitos em Portugal e em Italia IV. Ordem Pablica Internacional Da aplicagao do direito inglés ao caso concreto, resulta que B ndo terd direito & totalidade dos bens méveis, bem quanto aos bens iméveis sitas em Portugal e em Itdlia, pelo que importa determinar se a situago juridica resultante da aplicacao do direito estrangeiro contraria os principios fundamentals do direito do Estado do foro, ou seja, Portugal. Isto é, se deveré operar a reserva de ordem publica internacional prevista no artigo 35.2. Para tal é necessario: j) que exista uma conexio com 0 ordenamento juridico portugués - uma vez que existem bens em Portugal, A e B so portugueses e a questo estd aqui a ser colocada, entdo parece existir conexdo suficiente com 0 ordenamento juridico portugués para poder operar a reserva de ordem publica internacional; ii) 6 necessdrio que a situacéo dai resultante seja contréria aos principios fundamentais do direito do Estado do Foro: ora, considerando que o direito portugués admite a rentincia & qualidade de herdeiro legitimario, nos termos do artigo 1700.8, n.° 1, c) CC, ento o legislador portugués néo configura a legitima como um principio estruturante do direito portugués. Mais, considerando que tanto A, como B eram ricos, ento a proteg3o que o legislador quis conceder aos herdeiros do de cuius no se encontra prejudicada, pelo que nao se poderd considerar a situag3o como violadora dos principios fundamentals do Estado portugués Assim: ) C tem direitos aos bens méveis, bem como a totalidade dos bens iméveis sitos em Portugal eem Itélia; ii) B tem direito & legitima quanto aos bens iméveis sitos na argentina; iil) B no tem razo quanto a invocacao da reserva de ordem piiblica internacional

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