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A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: FUNDAMENTOS, PESQUISAS,

PONTOS CRÍTICOS

Ângela Cláudia Rezende do Nascimento Rebouças

Ivandilson Costa

RESUMO: Este artigo trata da reconstrução do histórico da Sociolinguística Variacionista que teve
como texto fundador o trabalho de Weinreich, Herzog e Labov. Partirá de uma explanação histórica, ao
que se seguirá uma exposição dos principais conceitos operacionais básicos, desenvolvidos por esta
Disciplina. Apresentará ainda uma síntese das pesquisas basilares quanto à construção de seu
arcabouço teórico-metodológico. Culminará com a discussão de alguns de seus pontos nevrálgicos,
segundo já apontados pela literatura.

PALAVRAS-CHAVE: pesquisa sociolinguística, mudança linguística, variação

ABSTRAC: This article treats about the historical reconstruction of Variationist Sociolinguistics which
had worked as a founding text of Weireich, Labov and Herzog. This paper will start from a historical
explanation, to be followed by a statement of the main basic operational concepts developed in this
subject. Also submit a summary of the basic research on the construction of its theoretical-
methodological framework. It is going to culminate with a discussion of some of its neuralgic, according
to the literature already mentioned.

KEYWORDS: sociolinguistics research, language change, variation.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os estudos linguísticos, a partir da segunda metade do século XX, tiveram grandes


mudanças em relação principalmente ao ponto de vista das pesquisas. O olhar sócio-
histórico para a realidade da língua foi a grande novidade no campo, já que o realismo

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linguístico cobrado por autores como Labov, Weireich e Herzog, não seria considerado
pelos estudiosos de correntes antecedentes à sociolinguística.

Com essa nova perspectiva teórica dá-se o que comumente se costuma a chamar de
virada paradigmática na linguística, promovendo o estudo do uso e a
interdisciplinaridade com áreas como sociologia, história, antropologia, neurociência, a
semiótica e etc., o que faz da área uma das que mais crescem os estudos acoplados a
outras áreas. Os grandes questionamentos da ciência estariam voltados a questões como
“quem diz o quê? Onde? Quando? Como? Por quê?” e o principio geral é o de que todas
as línguas possuem variação a depender de fatores como idade, sexo, profissão,
contexto entre outros.

Outro principio da Sociolinguística é que somos seres plurilíngues, ou seja, nos


comportamos linguisticamente de várias formas, uma em casa, outra no trabalho, outra
forma com os colegas e amigos, outra forma numa reunião mais formal e que qualquer
falante possui essa característica.

Há, no entanto, nos estudos sociolinguísticos, vertentes com diferentes focos, são três os
grandes grupos: A sociologia da linguagem; A etnografia da fala ou da comunicação, a
qual trata de fatores externos à língua mas principalmente o que acontece na
comunicação; A teoria da Variação ou mudança (Variacionista), que se inicia com o
texto de Herzog, Labov e Weinreich de 1968 e introduz o postulado da heterogeneidade
ordenada ou sistemática, na qual a mudança é vista como passível de ser descrita e a
comunidade seria o foco de estudo, em que se identificam pelo que pensam da língua e
como a usam.

Embora haja diversas vertentes de estudos na sociolinguística, o que nos interessa neste
trabalho é a sociolinguística variacionista, sobre a qual traçaremos um breve histórico
da ciência, os principais postulados e suas contribuições para o estudo da língua, além
de expormos os principais pontos críticos desse ciência que tem sido cada vez mais
estudada em diversos países.

1. A TEORIA DA MUDANÇA LINGUÍSTICA

Como afirma Calvet (2002), a linguística moderna surgiu com a necessidade de


sistematizar o estudo das línguas de forma que houvesse um modelo capaz de não
apenas descrever historicamente o que ocorria na língua, mas, que fosse capaz de
relacionar as ocorrências a fatos reais que pudessem explicar esses acontecimentos. Isso
se deu com Saussure e seu modelo dicotômico de língua e fala, social e individual,
sintagma e paradigma, sincronia e diacronia. No entanto, esse modelo e a concepção de
que a “língua deveria ser estudada em si e por si mesma” (SAUSSURE, 1916), deu um
sentido mais fechado à ciência, que não consideraria fatores externos à própria língua e
não tentaria explicar dados que fugissem desse centro.

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A partir daí, vários estudiosos elaboraram teorias diversas para estudos da língua,
sempre considerando apenas a língua em si mesma, como é o caso Bloomfield,
Hjelmslev e Chomsky, dentre os quais, este último foi um grande motivador da
sociolinguística, pois a sua teoria gerativa da linguagem foi alvo de críticas fortes por
não considerar o uso da língua e se preocupar apenas com a capacidade, imaginando um
falante ideal mas não real, dando início às teorias mentalistas da linguagem. E como
uma tentativa de combater esse mentalismo linguístico, Labov e Weinreich junto com
Herzog escreveram um texto chamado Fundamentos empíricos para uma teoria da
mudança linguística, apresentado no Simpósio Direções para a Linguística Histórica,
ocorrido na universidade do Texas e 29 e 30 de abril de 1966. Cujo objetivo era, de
certa forma, renovar o interesse acadêmico pelos estudos históricos que já não eram
mais o centro das pesquisas nas universidades europeias e americanas.

Esse texto não trazia uma teoria propriamente dita, mas propostas concretas acerca dos
fundamentos empíricos para uma teoria da mudança, como uma espécie de
direcionamento para se estudar as variações e se referiam a critérios considerados
criativos para estudar a mudança linguística numa comunidade ou grupos urbanos
complexos. Sendo um dos estudos mais criativos para a época, o texto abria caminho
para outros estudos de cunho social e que influenciaria fortemente a ciência linguística
estruturalista centrada em comparativismo.

O que acontece em linguística e em qualquer outra ciência quando se tenta criar ou


aprofundar uma nova teoria, é uma análise cuidadosa dos estudos anteriores com a
finalidade de acrescentar algo àquela teoria e métodos tão úteis ou tão criticados pelos
demais estudiosos. De fato, somente autores e pesquisadores experientes e analíticos
conseguem identificar incongruências científicas em um determinado campo teórico.
Grandes mudanças de rumos e perspectivas só se deram em estudos linguísticos com
Sausurre, Coseriu, Bakhtin,Chomsky, Labov, entre tantos teóricos importantes na área
da linguagem. O que os une é o pensamento complexo e a capacidade de avaliar
abstratamente as teorias dominantes e propor mudanças de paradigmas, sempre bem
argumentadas e exemplificadas segundo suas observações.

No caso de Labov, Weinreich e Herzog, o que houve de crítica em relação à teoria


mentalista foi a grande questão para o fortalecimento de uma luta pelo aspecto social em
estudos linguísticos, que segundo Labov vem desde os estudos de Meillet, que é uma
espécie de predecessor dos estudos sociolinguísticos e que o próprio Labov reconheceu
como tal:

Meillet, contemporâneo de Saussurre, pensava que o século XX veria a


elaboração de um procedimento de explicação histórica fundado sobre o
exame da variação linguística enquanto inserida nas transformações sociais
(1921). Mas discípulos de Saussure, como Martinet (1961), aplicaram-se a

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rejeitar essa concepção, insistindo fortemente em que a explicação linguística
se limitasse às inter-relações dos fatores estruturais internos. (CALVET,
2002, p. 31).

Meillet não somente se opunha às concepções linguísticas de Saussure, como afirmava


que era necessário “buscar a explicação da irregularidade das variações linguísticas nas
flutuações de composição social da comunidade linguística, ideias essas que aproximam
o pensamento de Meillet aos estudos e concepções de Labov. (Apud. LABOV, 1972, p.
259).

Labov buscou, em muitos momentos de suas explicações, as teorias de Meillet acerca da


língua e a diferença crucial entre os dois, era a língua que estudavam, enquanto o
primeiro, comparatista refinado e de um trabalho cuidadoso na linguística histórica,
estudava línguas mortas, Labov estudava situações contemporâneas e línguas em uso, o
concreto, o real.

Os três autores de “Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística”,


questionavam o fato de que se uma língua precisa ser estruturada e havia uma
heterogeneidade, como essa heterogeneidade se organizava numa estrutura? E se na
descrição dos estados da língua era nítida uma mudança de um estado para outro, como
a língua se comportava nesse meio termo? Seria ela menos eficiente que nos estágios
“engessados”? A própria ideia de que havia um estágio da língua em que a estaticidade
reinava era uma difusa, pois se concluía consequentemente, que haveria menor
sistematicidade nesse período. O que de fato foi negado pelos sociolinguistas, pois a
língua sempre possui um grau de eficiência, mesmo mudando sempre. Essa teoria da
mudança, não seria propriamente uma teoria, mas, propostas concretas acerca de
fundamentos empíricos para essa teoria, conforme Weinreich (2006), e se referem:

(1) às descobertas empíricas que têm importância para a teoria, das quais
a teoria tem de dar conta, e que indicam direções para a pesquisa frutífera;
(2) A certas conclusões tiradas dessas descobertas quanto à complexidade
mínina da estrutura linguística e a domínios para definir tal estrutura;
(3) A métodos para relacionar os conceitos e postulados de uma teoria à
uma evidência empírica, ou seja, à uma evidência baseada em regras para o
acordo intersubjetivo entre os investigadores.

Esses fundamentos são parte de uma investigação teórica mais ampla sobre a evolução
histórica da língua, já que neste período, a grande preocupação da linguística além de
descrever o estado da língua era tentar prever as mudanças que ocorreriam na língua, o
que não se tornou possível, até então.

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Na primeira parte do texto de Weinreich, a principal preocupação é argumentar contra
as teorias de Hermann Paul que trata do isolamento do idioleto, pois Paul trata a língua
como puramente psicológica e individual, o que cria um objeto inerentemente
psicológico e instaura uma dicotomia entre o individual e social. Dessa forma, a
mudança seria dada no interior do idioleto e instaura-se o pensamento de comodidade
aos órgãos fonadores como determinantes dessas mudanças, (WEINREICH, 2002). No
entanto, há mudanças que só ocorreram agora e Labov, Herzog e Weinreich se
questionam por que essas mudanças não ocorreram antes? Esse é um dos problemas da
teoria de Paul.

Outra questão importante é a falta de condições de explicar a mudança de forma


estrutural, pois se a mudança ocorreu em algum período de tempo esse período é
determinado por que fatores? Numa abordagem estruturalista em que se pense que há
forças que determinam ou influenciam a mudança o ideal seria descobrir como isso
acontece. Como os estudos na época eram mais voltados para questões fonológicas, a
fonologia se constituiu à medida que se sedimentou a concepção do sistema como uma
“rede de relações opositivas” e havia uma falta na explicação da transição de um estágio
para outro. A proposta final de métodos para a explicação da mudança vem com alguns
princípios abaixo designados:

1. A mudança linguística não deve ser identificada como deriva aleatória


procedente da variação inerente na fala. A mudança linguística começa
quando a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo da
comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter de uma
diferenciação ordenada.
2. A associação entre estrutura inclui a diferenciação ordenada dos falantes e
dos estilos através de regras que governam a variação da comunidade de fala;
o domínio do falante nativo sobre a língua inclui o controle destas estruturas
homogêneas.
3. Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica
mudança; mas toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade.
4. A generalização da mudança linguística através da estrutura linguística
não é uniforme nem instantânea; ela envolve a covariação de mudanças
associadas durante substanciais períodos de tempo, e está refletida na difusão
de isoglossias por áreas do espaço geográfico.
5. As gramáticas em que ocorre a mudança linguística são gramáticas de
comunidades de fala. Como as estruturas variáveis contidas na língua sçao
determinadas por funções sociais, os idioletos não oferecem a base para
gramáticas autônomas ou internamente consistentes.
6. A mudança linguística é transmitida dentro da comunidade como um
todo; não está confinada a etapas discretas dentro da família. Quaisquer
descontinuidades encontradas na mudança linguística são os produtos das
descontinuidades específicas da comunidade, mais do que os produtos
inevitáveis do lapso geracional entre pais e filhos.
7. Fatores linguísticos e sociais estão intimamente interrelacionados no
desenvolvimento da mudança linguística. Explicações confinadas a um ou
outro aspecto, não importa quão bem construídas, falharão em explicar o rico

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volume de regularidades que pode ser observado nos estudos empíricos do
comportamento linguístico. (LABOV, HERZOG, WEINREICH, p. 125-126)

Esses princípios apontam alguns caminhos para uma investigação com realismo social
na pesquisa linguística, o que depois fora mais elaborado nos textos de Labov sobre a
estratificação social do “r” em Nova Iorque e sobre o inglês falado na ilha de Martha’s
Vineyard, no estado de Massachusetts (EUA). O postulado parte do princípio de que,
correlacionando-se o complexo padrão linguístico com diferenças concomitantes na
estrutura social, será possível isolar os fatores sociais que incidem diretamente sobre o
processo linguístico. Dessa forma, concebe os seguintes fatores:

• A explicação da mudança linguística parece envolver três problemas distintos: a


origem das variações linguísticas; a difusão e propagação das mudanças linguísticas; e a
regularidade da mudança linguística.
• Algumas variações são recorrentes e podem ser imitadas mais ou menos
extensamente, podendo se difundir a ponto de formas novas entrarem em contraste com
as formas mais antigas num amplo espectro de usos.
• Não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança linguística sem levar
em conta a vida social da comunidade em que ela ocorre.
• Antes que um fenômeno possa se difundir de palavra para palavra é necessário
que uma das formas rivais adquira algum tipo de prestígio.

Para o caso da pesquisa desenvolvida sobre a centralização do ditongo no falar da ilha


de Martha’s Vineyard, levou-se em conta a busca do padrão que governava a
distribuição dos ditongos centralizados /ay/ /aw/ - right, pride, wine, wife; house, out; A
hipótese geral partia do pressuposto de que como um morador rural da ilha alta seria
muito provável que ele usasse um alto grau de centralização, em detrimento daqueles
das áreas dos vilarejos da ilha baixa.

Figura1: Localização geográfica do fenômeno. Ilha de Martha’s Vineyard

No que diz respeito ao método, a pesquisa trabalhou com questionário lexical, perguntas
acerca de juízos de valor, bem como um texto para leitura especial. Além da entrevista
formal, foram feitas observações em muitas situações espontâneas (apenas como
controles suplementares). Foi ainda elaborada uma escala de medição de seis pontos
indo da forma-padrão da Nova Inglaterra [aI] até a totalmente centralizada [ēI].

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A pesquisa tinha como questão norteadora por que o aumento da centralização. Por que
Martha’s Vineyard deu as costas para a história da língua inglesa? Buscava-se, nesse
sentido, explicações nas forças sociais que afetam mais profundamente a vida da ilha. O
que ficou evidente foi que o significado imediato desse traço fonético é “vineyardense”.
Quando um homem diz rāit e hāus, está inconscientemente expressando que ele de fato
pertence à ilha. Em suma, pode-se dizer que o significado da centralização, a julgar pelo
contexto em que ocorre, é uma atitude positiva em relação a Martha’s, pelo que se pôde
depreender pelo fato de que os nativos da ilha baixa que pretendiam sair da ilha
mostravam pouca ou nenhuma centralização; os que queriam sair, mas voltar um dia,
apresentavam nível alto de centralização:

Pessoas (ay) (aw)

40 Positiva 63 62

19 Neutra 32 42

6 Negativa 09 08

Tabela1: escala de atitude positiva em relação a Martha’s Vineyard .

Em outro estudo fundador, Labov estuda a estratificação do /r/ em falantes de lojas de


departamento na cidade de Nova Iorque. Com hipótese geral tinha-se: se dois subgrupos
quaisquer de falantes nova-iorquinos estão dispostos numa escala de estratificação
social, logo estarão dispostos na mesma ordem por seu uso diferenciado do /r/. O
método previa a aplicação de 70 entrevistas individuais e grande quantidade de
observações anônimas. Assim, a pesquisa foi dividida em espaços diversificados,
representados pelas lojas de diferentes padrões de posição social. A Sacks Fifth Avenue
se caracterizava como uma loja de status superior. Estava localizada na esquina da rua
50 com a 5.ª Avenida, perto da zona comercial mais sofisticada, junto com lojas de alto
luxo como Bonwit Teller, Henri Bendel, Lord and Taylor. Apresenta valores mais altos
de /r/.

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Figura2: Loja Sacks Fifth Avenue

Já a Macy’s, de status social médio, estava situada na Herald Square, esquina da rua 34
com a 6.ª Avenida, perto da zona das confecções, junto com Gimbels e Saks na rua 34 e
outras lojas de preço e prestígio medianos. Notou-se que, para esse caso, apresentava-se
um valor intermediário de /r/.

Figura: Loja Macy’s.

A loja S. Klein, por sua vez, possuía um status socioeconômico inferior. Estava
localizada na Union Square, rua 14 com Broadway, não muito longe do Lower East
Side, ambientes mais ligados à classe operária. Para esse caso, os dados revelaram que
os valores de /r/ foram os mais baixos.

Figura: Loja S. Klein.

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Os estudos, por conseguinte, mostraram como resultados uma nítida e coerente
estratificação de (r) nas três lojas. r-1 totais: exibem somente r-1; r-1 parciais: exibem
ao menos um r-1; r-1 ausente: exibem somente r-0. Além desses, vários outros estudos
continuaram a linha de pensamento em que a influência de fatores sociais são realmente
consideráveis a ponto de não poderem ser ignorados como era feito até então.

2 A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA REVISITADA: O MODELO


LABOVIANO EM XEQUE
Para Schiffrin (1995) muitos conceitos variacionistas só fazem sentido se assumirmos
que falante e receptor, respectivamente, codifica e decodifica. A noção de variável é um
exemplo, já que a razão pela qual identificamos diferentes formas de falar como
variantes é porque atribuímos a elas a mesma relação convencional entre som e sentido.

A análise da variação na língua e no discurso, na sociolinguística quantitativa, é feita


pelo enquadramento de controle em categorias sociais gerais conhecidas como idade,
gênero, profissão, classe social, dentre outras. A teoria relaciona a essas categorias à
forma de usar a linguagem e as possíveis pressões exercidas sobre a língua. Os
argumentos em favor dessa categorização giram em torno das evidências encontradas
por estudiosos como Labov, Hergzog e Weireich em estudos como a estratificação
social do “r” em Nova Iorque, no qual Labov concluiu que as classes mais altas falavam
mais o “r” e que as mais baixas falavam, interpretando essa variação ligada ao prestigio
ou desprestígio social.

No entanto, sobre a forma de se estudar as variáveis, Labov não levou em conta


aspectos de que sua categorização para análise é abstrata, o pertencer ou não a certos
grupos sociais é uma questão muito mais profunda que um simples enquadramento
prático e que algumas categorias podem exercer influências muito mais fortes que
outras. Por exemplo, a idade, a classe social, e a profissão que são categorias que podem
exercer influencias muito mais marcantes que por exemplo, o gênero social, ou mesmo
a variabilidade dentro das categorias; essa variabilidade faz por exemplo, um advogado
falar com o juiz de uma forma e falar com seus amigos de outra, o que a análise
quantitativa não leva em conta, já que não se preocupa com a identidade que o falante
“decide” assumir numa interação face a face e no porquê dessa escolha, a projeção do
“eu” de um participante em relação ao outro, e assim por diante.

A noção de variante engessa então as relações sociais em categorias fixas, não avaliando
que essas categorias sociais podem ser complexas redes de relacionamentos que

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precisam ser consideradas segundo essa mesma complexidade que as define e que
define suas influências.
A par dos estudos de uma sociolinguística nos padrões labovanianos, passa-se a abordar
o fenômeno da linguagem com um olhar mais voltado para seu contexto sociocultural.
Lavandera (1992), pontuando por estudos que focalizem o uso em termos do código no
desenvolvimento social, já acentua que o que importa já não seria o estudo de um
enunciado ou conjunto de enunciados conectados entre si, como no modelo
variacionista, o qual trata de dados estatísticos acumulados que se recompilam
quantificando diversas variáveis externas em todos os enunciados do corpus, o qual, por
sua vez, se obtém a partir de uma mostra de falantes socioeconomicamente
representativa. E remonta a Hymes ao exprimir acerca de que uma linguística
socialmente comprometida se preocupa com o significado social e não só com o
referencial, bem como mira na linguagem enquanto parte da conduta comunicativa e da
vida social.

Ainda é Lavandera (1992, p. 19) quem levanta, nesse contexto, o problema da


formalização. Para a autora, Labov chega mesmo a compartilhar muitos dos
pressupostos sobre formalização das correntes principais da gramática gerativa. Mais: o
variacionismo não só consideraria sua teoria compatível com o gerativismo como
também seria subsidiário a este, pelo fato mesmo de que, por meio da regra variável,
adiciona variáveis sociais aos mecanismos gerativistas já existentes.

A despeito disso, Lavandera (1992), ao advogar em função da necessidade de uma


teoria social e, contrapondo-se ao fazer variacionista, apela para o fato de que, para
todos os que pretendem elaborar uma teoria da linguagem em seu contexto social em
vez de uma teoria gramatical, é crucial determinar que elementos do contexto social
afetam a produção e compreensão da linguagem em contextos reais. Chega, para tanto, a
autora a citar o próprio Sankoff, quando este diz que os condicionantes internos que
resultam de interesse dos variacionistas podem perfeitamente ser exemplificados a partir
da contribuição da fonologia de um único falante, sem que seja preciso atender a fatores
sociais e estilísticos.

Lavandera (1992) postula ainda que qualquer teoria que pretenda compreender a vida e
a organização social por meio do estudo dos princípios que regulam a comunicação
verbal deve conceder prioridade à eleição de uma teoria social. E abarca a noção de
contexto social, compreendido como aquele que reúne a organização interna da
sociedade, com suas tensões, diferenças internas, subgrupos. Por conseguinte, o estudo
da linguagem em seu contexto social consiste no estudo dos materiais linguísticos
produzidos no seio das estruturas sociais.

Assim, diferentemente do propósito laboviano, argumenta a autora, se o que se deseja é


perceber um panorama global da linguagem em seu contexto, deve-se estudar as
relações que se estabelecem entre distintos discursos, ou seja, como discursos

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diferentes em sua organização interna se referem ao mesmo tema; as relações
intertextuais ou sequenciais, vale dizer, aqueles casos em que cada discurso prepara o
caminho pelo qual haverá de discorrer o discurso que lhe segue, produzido pelo mesmo
falante ou por outros distintos, bem como a função social de um discurso se vê alterada
pela ideologia, em cujo seio se produz ou se recebe.

Paralelamente, van Dijk (2012) já pondera que, embora correntes como a


sociolinguística variacionista operem com dados do discurso natural, sua análise tem-se
prendido muito a questões sutis da expressão, tais como a pronúncia, a entonação, a
pronominalização, sendo relativamente parcos o foco em questões voltadas para os
condicionamentos contextuais. A variação e o estilo, pontua o autor, se definidos em
termos de traços contextuais, compreendem muito mais que uma tal variação da
expressão. Certas diferenças não são meramente as que encontramos nos estudos sobre
variação regional ou por classes socioeconômicas, nem são modos de falar diferentes.
Muitas destas diferenças são percebidas em função de estruturas de discurso típicas que
também podem variar segundo a estrutura das situações comunicativas, tais como
definidas pelos modelos de contexto dos participantes.

Nessa perspectiva, van Dijk (2012) enfatiza que tal tradição sociolinguística tem
basicamente consistido em enfocar fenômenos de proporções menores, gramaticais e
não estruturas do discurso “que vão além da sentença”, e aposta que até o presente
muitos poucos foram os projetos que recolheram sistematicamente os dados necessários
para tal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociolinguística variacionista surge no campo dos estudos linguísticos num contexto


em que urgia uma virada numa exata direção do estudo do uso e de relações
interdisciplinares com áreas como sociologia, história, antropologia, neurociência , a
semiótica. Seu grande postulado talvez parta da consideração de que somos seres
plurilíngues, ou seja, nos comportamos linguisticamente de várias formas. Daí termos
como proposta concreta fundamentos empíricos para uma teoria da mudança, como uma
espécie de direcionamento para se estudar as variações que se referiam a critérios
considerados criativos para estudá-la numa comunidade ou grupos urbanos complexos.

Por outro lado, a disciplina não prescindiu, ao longo de sua trajetória de pesquisas, de
ser alvo de críticas localizadas, tal como pusemos em discussão na última seção deste
artigo. A despeito disso, uma resposta às lacunas aqui apresentadas possivelmente pode
ser recolhida em uma eventual aliança entre o variacionismo e outros aportes, vale
dizer, como a própria vertente interacional, pela consideração de fatores como a
situação social engendrada na comunicação face a face, as fontes de variabilidade

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cultural, o significado social da estrutura linguística, questões relativas ao conceito de
enquadre no discurso.

Também não seria desarrazoado postular em favor de um olhar mais voltado à


consideração do fenômeno de variação em redes (BORTONI-RICARDO, 2008; 2011).
Nesse campo, temos que a sociometria vem ver definida como um tratamento
quantitativo das relações humanas preferenciais, tendo como escopo a mensuração de
contatos interpessoais. Comporta diversas técnicas de medidas, coleta de dados, análise
de padrões interacionais, estrutura de comunicação em um sistema social. Nesse âmbito,
advém o conceito de rede, compreendida como o padrão de uso de um canal entre os
membros individuais de um grupo, para o que se espera que os padrões de comunicação
no grupo variem de uma forma estável, que se correlaciona com a estrutura do grupo,
função etc. Assim, perguntas sociométricas são frequentemente usadas para suplementar
a técnica da observação direta. Os dados sociométricos, por conseguinte, podem ser
analisados por meio de recursos demonstrativos, como o sociograma e a matriz
sociométrica. Sua ligação com a pesquisa sociolinguística pode ser fundamental
porquanto se note que os dados sociométricos sejam bastante importantes na construção
de estudo de sistemas complexos como uma grande comunidade.

É inegável, a despeito dos posicionamentos críticos apontados, o legado do


variacionismo ao ensino-aprendizagem de língua, para o que se trouxe aportes
especialmente baseados na contribuição da noção de variação, variantes, variáveis,
comunidade de fala. Ainda aqui cumpre ressaltar a necessidade desta ponte com o
método de análise de redes. Conforme se presencia, e mais detidamente como acentuou
Bortoni-Ricardo (2005), vários fatores contribuíram para o aumento e a diversificação
da clientela estudantil: o aumento populacional, a concentração demográfica nas
grandes cidades, a expansão da rede escolar, a mudança na legislação e consequente
obrigatoriedade do ensino fundamental. Diante disso, não se cuidou ainda de repensar
uma política educacional mais condizente com essa situação, determinada por um
clientela que não mais exclusivamente advém das classes alta e média.

Uma caracterização socioantropológica, portanto, com o apoio dos estudos baseados nos
métodos de análise de redes viriam a contribuir com a elaboração de um perfil
sociolinguístico dos alunos mais consistente, com uma consequente preparação de
material didático e estratégias pedagógicas mais adequadas.

Em nosso contexto nacional, a variação linguística não se relaciona apenas com a


estratificação social, mas também como o contínuo rural-urbano, sendo fundamental a
influência da relação entre padrões de rede de interação e preservação de variedades
populares. A par disso, temos nas sociedades urbanas todo um complexo processo de
difusão de dialetos rurais, levando-se em conta a mobilidade geográfica e a mobilidade
social, associadas ao desenvolvimento de tipos diferentes de redes de interação.

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Como acentua Bortoni-Ricardo (2005, p. 87), é porque não dispomos de uma
compreensão precisas do fenômeno que o ensino da língua-padrão nas escolas para essa
clientela apresenta-se tão precário. Uma tal compreensão, a partir da potencial
contribuição da análise de redes viria, nesse sentido, dar mais enfrentamento ao
complexo problema da aquisição da língua de prestígio em sociedades com a nossa,
sinalizando para uma reestruturação das próprias políticas de ensino da língua materna.

REFERÊNCIAS

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Análises de redes: um modelo dinâmico para


abordar a mudança na língua. Do campo para a cidade: estudo sociolinguístico de
migração e redes sociais. São Paulo: Parábola, 2011.

______. O paradigma de redes sociais para a análise qualitativa. O professor


pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008.

______. A contribuição da análise de redes ao ensino da língua materna. Nós cheguemu


na escola, e agora? Sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola, 2005.

CALVET, Louis-jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola,


2002.

DIJK, Teun van. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. São Paulo:
Contexto, 2012.

LABOV, William. Padrões Sociolinguísticos. [Trad. Marcos Bagno e Maria Marta


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Doutoranda em Letras/Linguística pela UFPE. Bolsista da CAPES.
Doutorando em Letras/Linguística pela UFPE. Professor do Departamento de Letras da UERN.

Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p


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