You are on page 1of 18
LISBELA E O PRISIONEIRO de Osman Lins/ Adaptacao de Alexandre Rocrigues/ Treches do filme de Gus! Arraes PERSONAGENS: LeLeu CITONHO ‘TAOZINHO LISBELA HELIODORO LAPIAU. TENENTE TESTA-SECA JUVENAL, FREDERICO EVANDRO JABORANDI DOUTOR NOEMIO PARAIBA PROLOGO LISBELA — Eu adoro essa parte. A luz vai apagando devagarzinho. O mundo la fora também vai se apagando devagarzinho. Os olhos da gente vao se abrindo. Daqui a pouco a gente nao vai nem mais lembrar que ta aqui. Comédia romantica com aventura. Tem um mocinho namorador, que nunca se apaixonou por ninguém até conhecer a mocinha. Tem uma mocinha que vai sofrer bem muito, porque o amor do mocinho é cheio de problemas. Tem um bandido que $6 quer saber de matar 0 mocinho, ou de ficar com a mocinha, ou as duas coisas. Tem uma mulher que também quer 0 mocinho, mas ele nao quer nada com ela. E tem também mais uma ruma de personagens que vo ficar fazendo graga para animar a histéria. Uns vao terminar quase to bem quanto o mocinho e a mocinha. E outros quase tio mal quanto o bandido, conforme eles ajudem ou atrapalhem o romance. E a graga nao é saber o que acontece. E saber como acontece. E quando acontece. A gente vai conhecer um monte de pessoas novas... Um monte de problemas que a gente nao pode resolver, que sd eles podem Vamos ver como. Esta comegando. 4° ATO — Cadela Publica. JABORANDI - Ai, o rapazinho fez tae, tae, tae... Cada murro! Os bandidos chega viravam. CITONHO — Eu, por mim, 36 acreditava se visse. JABORANDI - E eu nao vi? CITONHO - Viu no cinematégrato PARAIBA — E como foi que terminou? JABORANDI - Quando estava nisso, o artista pegou um revdlver no chao e meteu o dedo. Mas cadé a bala? Al, um bandido apanhou um garfo, rapaz, desse tamanho!, e partiu pro rapazinho. Ele foi recuando, recuando e tae, pulou pela janela do décimo andar. Agora sé na préxima semana. CITONHO — Esperar uma semana pra ver se esse camarada morreu. Nao morte nunca! TESTA-SECA — Cair duma altura esquisita e nao morrer! JABORANDI — Vocé nao sabe 0 que ¢ isso, nao. Aquele pulo é um episédio. Na ultima hora acontece uma coisa. Ai a gente passa uma semana sofrendo, bolando que coisa foi essa. TESTA-SECA — S6 sendo é besta. Passar uma semana inteira quebrando a cabega com isso. PARAIBA — Testa-seca, respeita a autoridade. TESTA-SECA — Soldado raso é autoridade? Ele e nada, pra mim, nao tem diferenga. Vou dizer mais uma. Jé me encheu tanto essas historias que quando eu cumprir minha sentenga vou assistir uma série todinha, s6 para torcer pela quadriiha JABORANDI - Pois vocé perde o tempo, porque na ultima série, 0s bandidos vao em cana. EU ihe garanto uma coisa: se vocé visse, terminava torcendo pelo artista CITONHO — Nao sei por que vocé se entusiasma tanto. Essas coisas, essas valentias, essas espertezas, esses saltos, nunca acontecem na vida. JABORANDI - Ora nao acontecem... Vocé bem sabe que sim... CITONHO - Que é isso, Jaborandi? Olha a indiscri¢ao. TESTA-SECA — Que mistério é esse? Que € que vocés dois estao falando? CITONHO — Nao é nada. E um negocio aqui entre nés. Mas e o meio da série? JABORANDI — No meio da série eu tive que sair, pra tocar silencio. Eu ainda dou baixa da policia s6 pra estar livre na hora da série. Onde ja se viu tocar siléncio em cadeia? Isso aqui é quartel? Maldita a hora que eu aprendi a soprar coreta TENENTE - (entrando) Senhores do conselho de sentenga! CITONHO — Como vai, tenente? TENENTE - Vou muito bem. E voce, Jaborandi, que € que tem sua corneta? JABORANDI - Estava dizendo que ja esta na hora de dar um polimento nela. (polir a corneta) TENENTE - Eu tinha entendido outra coisa. Voogs vejam o que ¢ autoridade. Aquele miseravel do Leléu, em agradecimento pelo que eu Ihe fiz, levando-o pra andar no arame, na minha propria casa, no dia do noivado da minha filha, teve 0 descaro de saltar meu muro e desaparecer. Vocés dois af, que nenhum me caia na besteira de fugir. Porque eu vou até o fim do mundo, mas trago pela orelha, vivo ou morto, o peste que fugir desta cadeia TESTA-SECA - E, mas faz mais de uma semana que 0 cara do circo fugiu, e nada. TENENTE - Pois af é que vocé se engana. Hoje ele esta aqui e no demora. Ja recebi 0 aviso. PARAIBA -— 0 tenente é parada. TENENTE - Ah, vocés nao me conhecem nao. Homem persistente igual a mim é impossivel de achar. Comecei, termino. Com 4 anos de casado, minha patroa, que Deus a tenha, ndo tinha filho. Entao me disseram: “Ah, Guedes Lima, toma elixir de Nogueira.” Tomei o 1° vidro, nada; 0 2°, nada; o 3°, nada. Ai eu disse: agora eu tomo elixir Nogueira até minha mulher emprenhar. Quando estava no 84 vidro, a patroa me disse: “Lima, o negécio deu certo."Ai, em homenagem ao Elixir coloquei o nome de minha filha de Lisbela de Nogueira Lima. E ou nao é, Citonho? CITONHO - €. TENENTE — Outra coisa que me deixa queimado é traigo. O cabra me traiu, traiu outra pessoa, comigo ndo arranja é nada. Tem um inimigo até a hora da morte. Sou capaz de Ihe apagar a vela, pra ver ele morrer no escuro. TESTA-SECA - Isso é conversa, meu. Ninguém tem coragem de apagar vela de um cristo na hora de entregar a alma ao diabo. CITONHO — Que ¢ isso, Testa-Seca? Respeite o delegado. TESTA-SECA — E é falta de respeito? Bote o homem aqui, chefe, quando ele chegar. Quero botar a vela na mao dele. Al, o senhor, que é um cabra danado, entra e apaga a vela. Topa? CITONHO — Tenente, vamos botar o rapaz na outta cela. Se ndo, é capaz desse camarada maté-lo de verdade e isso da uma complicagao doida TENENTE — Pois, vou juntar os 3 amigos novamente, Citonho. A outra cela é das mulheres. CITONHO — Tenente! Leléu é um rapaz tio bom TENENTE — E bom, mas por causa dele nés estamos sendo processados. Ah, juiz miseravel CITONHO — Por causa dele? Mas foi V S* o responsavel por toda a confusdo. TENENTE — Citonho, olha a falta de prudéncia. Parece que esté desregulado. Além de me faltar com o respeito, querendo defender aquele cafajeste. CITONHO — Nada disso, tenente. Continuo dizendo que é um rapaz muito bom. TENTENTE - Bom, nao sei. Mas com a folha de servigo que ele tem, um casamento no civil, outro com padre, outro na igreja brasileira, outro nao se mais em qué, fora os defloramentos TESTA-SECA - Oito donzelas ferradas, por esse Brasil velho de guerra. Eu sozinho e ele anda por ai, fazendo essa miséria toda, e nunca teve um pai de moga que capasse ele. TENENTE - Vocé jd pensou? Um sujeito assim feito capo? (risos e tapas, Paraiba imita galo) JABORANDI - Tenente! © homem vem ai com Juvenal e cabo Heliodoro. (toca cometa alegre) TENENTE - Pare com isso! (ele continua) Siléncio! (ele para) LELEU - (sujo, camisa rasgada com os soldados) Epa, minha gente, como vao as coisas por aqui? Que é que ha, Jaborandi? Citonho velho! Sempre firme, hein? (para presos) Ai, meninos! Nunca se metam a fugir, que esse homem é de morte. Me agarrou. TENENTE - Preso... ajoelhe-se LELEU — Por qué? E aqui agora é igreja, 6? TENENTE - (batendo-Ihe) Ajoeihe-se, pega perdao por ter traido a minha confianga, fugindo de minha casa, procurando desmoralizar. LELEU - Nao. Eu tinha o direito de fugir. Mas 0 senhor nao tem o direito de bater em mim, nem podia me tirar daqui para trabalhar de graca no noivado de sua filha, que é uma joia de moga, com aquele advogadozinho e vocé vem com essa histéria de favor. Favor fiz eu, e nao foi ao senhor. $6 fui por causa das mogas. Apareceu a hora de escapar, fugi. Eu néo era homem, se deixasse passar a ocasiao TENENTE - S6 é homem; pra enganar mulher e fugir LELEU — E vocé? Tem coragem de ficar na frente de boi brabo, esperando por ele e agarré-lo pelos chifres e derruba-lo no chao? Tem? TENENTE — Nem eu nem voce. LELEU — E por que é que estou aqui de camisa rasgada e todo sujo de terra? JUVENAL - E mesmo, tenente. Quando a gente vinha all pelo Comércio, subindo pra rua do Barateiro... Defronte do Mercado, vinham uns camaradas com um boi brabo preto e branco LELEU — 0 boi largou-se e partiu pra cima dum homem. TENENTE -— Meta esse cara nas grades! LELEU - Um homem que nunca vi. Ele puxou 0 revolver. Ficou la sem saber onde atirava certeza que nunca atirou num boi. Entao eu agarrei o bicho, delegado, fui com ele no chao TENENTE — Citonho, cumpra minhas ordens. CITONHO — Qual cela, tenente? TENENTE - A cela dos homens. LISBELA — (entra) Onde esta meu pai? (vé Leléu) Ah, o senhor! Entao Ihe prenderam de novo. LELEU — Me prenderam, dona, mas acho que valeu a pena. Sé poder ver a senhora outra vez! TENENTE - Vocé nao tem o que fazer aqui, Lisbela. Pode voltar, e nao fale com esse homem. LISBELA — Quero que ele saiba de uma coisa: eu fui contra aquela historia de leva-lo. LELEU — A senhora no circo, naquele dia. Tinha me batido tantas palmas! LISBELA — Como € que vocé pode se lembrar de mim? Todo mundo bateu palmas. LELEU — Eu sé via a senhora, moga. Estava na 2° fila, blusa branca fita verde no cabelo. Eu vi. TENENTE - Citonho, pela ultima vez, meta esse deménio na cela. (a filha) E voeé, casa, Nao me aparega mais aqui. (ela vai saindo) De que era que vocé vinha queixar-se? LISBELA - Esfregaram nas pedras um boi que meu padrinho me deu. Presente de noivado. TENENTE - Espere; o boi era seu? JUVENAL - Um boi preto e branco? LISBELA — Como € que vooés sabem? JABORANDI - Coitado do bichinho. LELEU — Coitado que nada! Eu é que sei a forca que ele tem. Quase acaba comigo. LISBELA — Foi vocé, entao. LELEU — Fui eu, moga. Mas se soubesse que era seu, juro como tinha pegado um pouquinho mais devagar. JUVENAL ~ 0 boizdo é brabo como 0 diabo, dona Lisbela. la matando um homem. DOUTOR - (entra) Lisbela! Isto aqui ¢ lugar para voc8? Alids, precisamos conversar seriamente. Sera que nao ha jeito de vooé obedecer-me? (displicente) Como vai, tenente? TENENTE - Mais ou menos, doutor. O que ha com a menina? LISBELA — E sobre minhas refeig6es, pai. Ele acha que me alimento mal. DOUTOR - Ja que vocé falou, é isto. Tenciono pér filhos sos no mundo, tenente TENENTE — Doutor, 0 senhor compreenda. Nés no somos ricos. De modo que ndo podemos luxar. Mas lé em casa, gragas a Deus, ninguém nunca passou fome. DOUTOR - Nao se trata de quantidade, tenente Guedes. E sim de qualidade CITONHO — Doutor Noémio, me disseram que o senhor é de ume raga que sé come folha. DOUTOR - Sou vegetariano e tenho muito orguiho disto. Lisbela, vamos embora. TENENTE — Doutor, eu vou cuidar desse negocio da comida. Tenha um pouco de paciéncia com Lisbela. A menina é ainda muito nova, no conhece bem a vida. TAOZINHO — (entrando com gaiolas cheias de passarinhos) Da licenga! CITONHO ~ Va entrando, rapaz. A casa é sua. VA arriando a carga. (ele obedece) TENENTE — Que ¢ que o senhor quer? TAOZINHO — Seu delegado, eu vim fazer uma queixa muito séria. TENENTE — Entdo va falando, que eu no tenho tempo a perder. Heliodoro e Juvenal, podem ir para casa descansar. (os dois fazem continéncia e saem) TAOZINHO ~ Voincé conhece uma mulher chamada-se Francisquinha do Antéo? Conhece um homem chamado-se Raimundinho, um que tem sitio no Caja? Lugar danado de bom pra passarinho. Pois nesse vai e vem, conheci Francisquinha e Francisquinha me conheceu. TENENTE - Francisquinha e Raimundinho sao criangas? Pra que esses diminutivos, esses inhos? TAOZINHO - & um denguinho, chefe. Eu também me chamo, sabe como é que eu me chamo? Sebastiéo. Nome horroroso. Mas, felizmente, tem um apelidozinho: Taozinho. (riem) LISBELA — Meu pai, 0 senhor se lembra de quando eu fiz 13 anos e meu padrinho me deu um galo-de-campina? Queria que o senhor me desse outro. (@ TAozinho) Vocé tem? TAOZINHO — Tenho no. Agora curié, eu tenho bom. Tenho um que canta vové-viviu... LELEU — Vocé nao tem um que diz viviu-tetéu? LISBELA — (a doutor) Compre um curio pra mim. DOUTOR — Nao, Lisbela, eu ndo gosto de ver animais presos. Porque isso ¢ malvadez. Os animais foram feitos para viver em liberdade. PARAIBA — E como é que 0 doutor esta me vendo aqui preso e nem se importa? LELEU — E como é que ajudou a me botar na cadeia? DOUTOR — Vocés so criminosos. J4 os animais nao merecem, de maneira alguma, ser mortos nem presos. Vooés so uns barbaros. Vamos, Lisbela. (ela hesita e sai com ele) TENENTE - Sera que o senhor vai me dizer agora pra que € que veio? TAOZINHO - € o seguinte: Francisquinha era a mulher de Raimundinho. Com esse negécio de passar por la, copinho d’agua, tomar uma fresquinha, seu Taozinho pra la, dona Francisquinha pra cd, a gente se simpatizou. Um dia, a gente estava numa baixa de capim e Raimundinho pegou. Foi chato. Ela estava me dando cafuné. Quando eu vi, foi aquela cara larga em cima de mim. Ai, ele cruzou os bracos e disse: “Mas me diga, tem jeito uma coisa dessa?” Eu digo Nao.” E tinha? Nao tinha. O jeito que teve foi ela deixar o marido e ir morar comigo TENENTE - Muito bem. Quer dizer que 0 senhor enfeita o homem, leva a mulher dele e depois vem fazer queixa na delegacia. Muito boa essa! TAOZINHO — A queixa 6 que ela foi pra minha casa com a roupa do couro. Ficou tudo na casa do seu Raimundinho. Quando é ontem, eu fui la buscar a roupa e ele me jogou um capitéo cheio. Sai de la ensopado e com o cheiro mais horroroso do mundo. E ainda disse que, se eu voltar Id, vai ser muito pior. TENENTE — O senhor quer que eu Ihe diga? Ele ainda fez pouco. Se fosse eu, que Deus me defenda, eu dava, mas era um tiro desse tamanho na sua cara. TAOZINHO — Mas seu delegado, veja se isso est direito. Eu tenho a mulher e ele tem a roupa. Pra que é que serve a roupa sem a mulher? LELEU — Mas ja a mulher so serve mesmo é sem roupa. (risos) TENENTE - Silencio. (calam-se) Pegue sua passarinhada e me desapareca daqui. Nao tomo conhecimento de sua queixa. E se aparecer de novo com essa historia, meto-o no xadrez, com gaiola e tudo. (Taozinho sai) Pare de lustrar essa cometa, (Jaborandi guarda a corneta) LELEU — Tenente! Vou ficar 86? Nem um praga aqui? TENENTE — Vocé esta seguro. Adeus. (sai com Jaborandi. Presos ladeiam Leléu) TESTA-SECA — Como foi de viagem? Desta vez, ela era gorda ou magra? PARAIBA — Nao alisa no, Testa-Seca, O tempo é pouco. LELEU - Tem pouco tempo de qué? Pouco pra qué? PARAIBA — Vocé gosta mesmo de mulher, Leléu? Muito? Nunca teve vontade de ser uma? TESTA-SECA - Vamos agarrar esse cabra de uma vez LELEU - Que é que vocés tem contra mim? (lutam. Entra Frederico Evandro com Citonho) CITONHO — Nao pode entrar assim na delegacia FREDERICO - E é delegacia isso aqui? Pensei que era um albergue. Quero falar com um rapaz que chegou hoje CITONHO - 0 que é que o senhor quer falar com ele? FREDERICO - Deixa de ser abelhudo, velho. Oxe, que enjoo esse? LELEU - Foi ele, ele, Citonho. Foi ele, o do boi brabo. FREDERICO — Ah, la esta vocé no meio dessa cachorrada. Frederico Evandro. Ouviu falar? Como Vela-de-Libra ¢ que sou conhecido. E vocé, esse menino, qual é a sua graca? LELEU - Por ora, Leléu Antonio da Anuncia¢do, acho FREDERICO - E um santo nome, Leléu Ant6nio da Anunciagao, acho que vocé salvou minha vida. Porque eu moria, mas nao corria. Por Nossa Senhora da Conceigo, eu nao corria. CITONHO - E por que é que vocé tem um nome t&o bonito, de Frederico Evandro, e é mais conhecido como Vela? Vela-de-Libra! Que nome esquisito. FREDERICO - Vou Ihe dizer, velhinho. Meu nome é Vela-de-Libra por causa da minha religiosidade. Toda vez que sou forcado a sacar a moela de um cristo, vou na primeira igreja que encontrar, acendo uma vela de libra e rezo um padre nosso pela alma dele. Pode haver servigo mais maneiro que matar gente? Se trabalha pouco e ganha muito. CITONHO — Nossa Senhora! E vocé tem mesmo coragem de matar um filho de Deus sem motivo nenhum, rapaz? FREDERICO — Coragem, no tenho nao. Eu tenho ¢ costume. (Citonho se benze) Escute aqui menino. Vocé me parece corajoso e sabido. E bom dever favor a um homem corajoso, porque quem tem coragem nao gosta de viver pedindo ajuda, Mas dever favor a um sabido é o mesmo que dormir de porta aberta. O que € que vocé quer em pagamento? Voce tem inimigos? LELEU -Tenho. FREDERICO — E qual é 0 maior? Pinte e diga o nome, estabelega o lugar e deixe comigo. LELEU — O senhor pode seguir o seu caminho. Nao me deve favor coisa nenhuma. FREDERICO — Diga um nome, rapaz. Voce no tem inimigos? LELEU — Tenho, mas quero todos vivos. Um homem deve ter inimigos. FREDERICO — Vou tomar sua soberba em consideragao. Hoje mesmo, eu tenho de ir na Boa Vista. Quero resolver um caso de familia. Até qualquer dia. Leléu Antonio da Anunciagao: se mal pergunto, voc8, um rapaz to fagueiro, por que é que esta cumprindo pena aqui? LELEU — E uma pena de amor. TESTA-SECA — Defloramento. Esse cabra tem no sei quantos nas costas. FREDERICO — Quem diria. Isso, menino, é um vicio muito feio. Qual a sua ocupagao? CITONHO — Anda no arame e é bom que é danado no servigo. FREDERICO — Vocé nunca esteve num lugar chamado Boa Vista? LELEU — Que eu saiba, nao. FREDERICO — Lugar de macho; nem todo mundo se agrada. La sO se vende gravata preta. CITONHO - Oi? Por qué? FREDERICO — Porque todo mundo sempre esta de luto de algum parente que morreu na faca Bom, jd vou chegando TESTA-SECA — Chefe! Reze um padre-nosso pra nés 3. FREDERICO - Eu so rezo pra defunto. Interessa? Ja imaginava. Anunciagao, até breve. TESTA-SECA - Oxente! Que sujeito mais bruto. Chegou me dar um frio na espinha quando ele falou nessa historia de rezar. LELEU - E agora? Vocés nao querem me quebrar? Uma fera dessa por mim, eu s6 vou ter aqui do bom e do melhor. (ri) 2° ATO — Calcada da cadeia. Leléu esta limpando. HELIODORO - Eu tenho um pensamento comigo. E que Deus pode ter inventado a mulher, mas no tirou patente. Porque tem umas que so podem ter sido feitas pelo diabo. E ¢ sempre com essas que a gente se casa, isso é que é de morte. A minha mulher parece um papagaio. LELEU - E é verde? HELIODORO — Quisera eu. Fala sem parar, € pior do que um radio. E, de uns tempos pra ca, pegou uma mania. Diz uma coisa sé pela metade, e fica atrds atazanando pra gente perguntar por qué. Diz assim: “vou deixar de comer came de charque, Dorinho. Pergunte por qué.” LELEU - Quem é Dorinho? HELIODORO — Nao sou eu? Eu tenho que perguntar: “Por qué?” Ai, ela diz. Hd quem aguente, seu Leléu? Da vontade de arranjar outra mulher. LELEU — Dorinho, fale com sinceridade vocé esta de olho em alguma mulher fora de casa Esta ou nao esta? Conte esse negcio direito HELIODORO - 6 homem danado! Pois nao é que estou mesmo? Mas nao tem jeito, nao. A mae dela é 0 diabo. Diz que s6 me entrega a moga se 0 casamento for feito por padre. Porque eu disse que s6 era casado no cartério. Mas sou amarrado dos dois lados. LELEU - Vocé pode perder, Dorinho, uns 3 contos de réis nesse negécio? Pergunte por qué. HELIODORO — Por qué? LELEU — Porque se pode, talvez a gente arranje um padre e amanse a velha. Diga se pode. HELIODORO - Eu empenhava até a alma LELEU — Pra mim, Heliodoro, eu nao queria nada. S6 uma corda para eu andar em cima. Tenho pensado nisso. Eu amarrava nos armadores e todo dia eu dava o meu treininho. Quando salsse daqui, no estava fora de forma, Podia arranjar um lugar em qualquer circo. HELIODORO — Ah, isso nao! Uma corda? Nao tem outro servigo que eu pudesse fazer? LELEU — Tem um... Conseguir que Lisbela de Nogueira venha aqui, neste mesmo lugar, tarde da noite, quando todo mundo ja estivesse dormindo. Um dia que vocé esteja de plantao. HELIODORO — Bom, u'a mao lava a outra. Mas vai ser arriscado como diabo. CITONHO - (entra com Jaborandi) Oi! ©, cabra leso danado! Sé pensa em fita de série. Esse dai, se 0 cinematégrafo deixasse de existir, ele morria. (trancando Leléu) Cabo Heliodoro, sabe © que é que o Praca Jaborandi estava me propondo? Me ensinar corneta, pra eu tocar silencio e ele poder ver a série, sossegado. $6 quem esta doido! Um velho como eu, com os beigos moles, que nao acerto nem mais a tomar canja, bancar o corneteiro. JABORANDI - Eu estava brincando, seu Cabo. LELEU — Jaborandi parece uma leseira. Tem um jeito, rapaz, pra vocé assistir a série sossegado, Pois vocé leva a cometa pro cinema e na hora toca siléncio na calgada. Nao precisa correr até aqui. Esta vendo, Cabo? Resolvo logo a parada JABORANDI ~ Mas é mesmo! Pode ser assim, cabo? HELIODORO - Eu nao tenho nada com isso. Vocé faga o que entender. Mas se lembre que o Tenente é parada indigesta. Vou fazer a ronda por ai. (olha num espelho de bolso e sai) JABORANDI -Esse Leléu € os pés da besta.Tocar siléncio no cinema. Mas acho que da certo. LAPIAU ~ (entra com violao) Cadé Leléu Antonio? LELEU - (exultante) Lapiau! LAPIAU — Rapaz! Penei que nunca mais te via. Tudo azul? LELEU - Tudo azul. CITONHO — Um momento, um momento. Preciso primeiro conhecer sua identidade. LELEU - E meu amigo velho de circo, Citonho. O nome José, mas quase ninguém no mundo inda se lembra disso. E conhecido como Lapiau. CITONHO ~ Eu nao sabia que tinha circo na cidade. LAPIAU — Estamos chegando, a estreia é amanha. Botei pé na Vitéria pra vir te ver. Vim te dar um abrago ¢ trazer teu violdo, rapaz. CITONHO — Mas espere ai. Deixe-me ver se esse violao tem algum trogo escondido. (olha) E, no tem nao. (da a Leléu) LAPIAU - Mas, Leléu, nunca pensei que vocé ficasse em cana. Vocé tinha escapado de tantas. Qual foi 0 erro aqui? LELEU — Ela nao tinha nem dezesseis anos. Quinze somente. E 0 pior é que eu sabia. LAPIAU ~ E voce queria bem ela? LELEU — Nao. Nem isso. Eu vi um dia que ela passou. Tao nova! Aqueles peitos rombudos. Ai uma voz me disse: “vocé s6 tem poder para as mulheres de vinte e tanto. Pra uma assim voce no existe.” Ent&o eu quis provar que isso era mentira. Um sinal de fraqueza, Lapiau. E agora estou aqui Vendo o sol nascer quadrado, mas ja fugi uma vez e vou fugir de novo. Fujo e levo esses dois, mato 0 delegado de raiva, acabo com a carreira dele. Aquele peste me bateu CITONHO - Leléu, acabe com essa conversa. Vocé esta esquecido que eu sou 0 carcereiro? LELEU — Nao acabo nao, Citonho. Sabe de uma coisa, Lapiau? Com vocé aqui eu criei alma nova. Tudo azul. Coisa boa é te ver outra vez. Lembra quando a gente trabalhava nos dramas? CITONHO - Mas espere, vocé também ja trabalhou na ribalta, Leléu? LELEU - Uma vez, Citonho, eu fui o Cristo e o jumento empacou na entrada de Jerusalém Tive que entrar a pé. E com uma raiva danada do jumento. (risos, ouve-se um bate-boca) LAPIAU — Que diacho é aquilo? JABORANDI - (alhando) E 0 sujeito dos passarinhos, Citonho, num bate-boca da gota com outro cara. Capaz de ser o tal de Raimundinho. CITONHO - Esse negécio ainda vai dar em confusdo. Licenga, menino. (sai com Jaborandi) LELEU - (para Lapiau) Quero te falar num segredo. O circo Alegria tem teatro? Tem peca com padre? Tem alguma batina que sirva pra vocé? Lapiau quero fugir com esses dois. (aos dois) Mas vocés aguentem a mao, se querem bater asas. (4 Lapiau) Nossa fugida talvez dependa disso: de vocé bancar o frade. Pega 3 contos de réis pelo servigo ao Cabo Heliodoro. Volte aqui amanha. Vou esorever tudo num papel. Vem amanha? LAPIAU — No duro. Ou talvez mande alguém, pra nao dar na vista. Até la, Leléu TESTA-SECA — Que plano é esse? LELEU - Mais tarde eu conto a vocés. CITONHO - (entra com Taozinho) Nao adianta, rapaz. Tenente Guedes Lima nao esta aqui, de modo que de maneiras tais, vocé esta perdendo seu latim. LELEU — Qual é 0 caso, Taozinho? Raimundinho quer a mulher de volta, €? TAOZINHO - E muito pior. Francisquinha de Antéo tem um pé de meia. 4 contos de réis € 0 pezinho de meia dela. Mas 0 descarado do marido quer que ela dé a ele metade do dinheiro. Ele diz que é de leis LELEU — Leis coisa nenhuma! Vocé ja viu lei pra corno? TAOZINHO - E nao tem nao, seu? LELEU — Nunca teve. TAOZINHO - Gracas a Deus, meu Deus. Pois voincé agora me tirou um peso de cima. O homem dum juizo escanzinado. Por que € que voincé nao assume essa delegacia? LELEU - Ja insistiram. Eu é que nao quis. (riem) TAOZINHO - Pois bem que devia querer. Pronto, eu agora n&o conhego tempo ruim. Olhe aqui, iquei to aliviado que quero Ihe fazer um presentinho. Nao repare nao. LELEU - Um curio? TAOZINHO — Um salta-caminho. Desses que cantam: ai meu Deus! LELEU - E desses que eu preciso, Taozinho, pra chamar a deus por mim. TAOZINHO - (entregando) Estd ai, fique com ele. (sai alegre) JABORANDI - A sorte de Taozinho, dessa vez, foi Tenente Guedes nao estar aqui. Porque senao ele ficava em cana. (Lisbela entra) LELEU - (emocionado) Citonho! CITONHO — Dona Lisbela! O que € que 0 tenente vai dizer, se aparecer agora por aqui? LISBELA — Nao importa. Quero falar com ele. (Leléu) Vooé conhece alguém por nome Inaura? LELEU — Inaura? Sim, € um nome velho. Que foi que aconteceu com ela? HELIODORO ~ Jaborandi, vooé nao pode ouvir essa conversa, é soldado raso. (Jaborandi sai) LELEU - Ela morreu? LISBELA — Esteve 4 em casa, hoje. Disse que nao queria ver vocé aqui, feito um ladrao. Ela veio avisar que vocé vai morrer. LELEU - Eu? LISBELA — Se fosse por ela, acho que nada ruim Ihe aconteceria. E por causa dum irmao. Ela disse que, hd quase uma semana, anda pelo mundo atras de Ihe encontrar. E que isso foi dificil, pois voce vive mudando de nome e profissdo. Como era seu nome naquele tempo? LELEU — Mendel. Era um nome bonito, mas nao me deu sorte. Patrik Mendel. Nao é bonito? Clementino Natalicio da Rocha, Otaviano Estacio da Mata, Anténio da Paz, Floréncio Nunes... LISBELA — E agora, todos esses nomes vao morrer. Ela disse que o imo Ihe encontra, a nao ser que voce fuja. Se pelo menos vocé nao estivesse aqui, numa cadeia tao sem protegao. HELIODORO ~ Aqui é mesmo que estar na rua. TESTA-SECA - E a gente também corre perigo. LISBELA - Leléu, vou pedir a meu pai pra falar com 0 juiz. O juiz pode mandar vocé para o Recife, para a Detengao. La vocé fica seguro LELEU — Nao quero. CITONHO — Nao seja cabegudo, rapaz. Isso aqui néo tem nenhuma seguranga LELEU - Quero ficar aqui, dé no que der. LISBELA — Por que isso? LELEU — Nao quero ficar longe da senhora. A senhora é minha paz, dona Lisbela. Tudo isso que a senhora me diz nao vale nada. O que vale é que a senhora esta aqui. LISBELA — Vocé sabe que eu estou para casar. Nao deve falar desse modo. LELEU — A senhora nao é noiva no seu coracao. Sé é noiva na mao e na palavra. LISBELA — Pois é, eu dei minha palavra e minha mao. LELEU — Dona Lisbela, a senhora pra mim é a bandeira brasileira. Uma bandeira grande. Sabe que a bandeira grande s6 recebe o vento se estiver presa num mastro muito forte? Leléu Ant6nio da Anunciagao € 0 mastro pra senhora. LISBELA — Pare! Vocé ainda nao sabe 0 que foi que disse o irmao dela... Ele jurou arrancar... TESTA-SECA — Vocé agora acerta, rapaz. Citonho, Cabo, vocés tém que botar esse cara noutra cela. Longe da gente. LELEU - Ele jurou arrancar. LISBELA - Sua cabega LELEU - (alegre, rindo) Eu pensei que ele quisesse arrancer minha macheza. (ri) Dona Lisbela, olhe pra mim e escute. O que faz 0 homem é 0 coracdio e a macheza. Nao me importo que me enterrem sem cabeca. LISBELA - Leléu, por que vocé é assim? Por que tem sempre que mudar de ocupagéio? De nome? Vagando pelo mundo e trocando de mulher, sem ficar com nenhuma? LELEU - E minha sina. LISBELA — Nao existe um nome que Ihe sirva? Nao existe mulher que Ihe merega? LELEU — Quando eu era pequeno. Nasci num lugar chamado Sao José da Coroa Grande. Um dia a gente ouviu dizer que o Zepelim ia passar por Id. Foi um alvorogo! Eu tinha uns 8 anos. Quando vi, foi aquela beleza atravessando o céu. Me esqueci de tudo e sai andando atras daquela claridade. Fui andando, fui andando e me perdi. E assim tem sido a minha vida, sempre me perdendo atras do que é bonito. (Lisbela sai precipitadamente) Heliodoro, vai falar com ela? Nao deixe ela ir sozinha. (Heliodoro sai) TESTA-SECA — Vocé cai fora daqui, dé no que der. Nao estou pra morrer por sua causa PARAIBA — (2 Testa) Vocé pode pedir pra se mudar. Eu nao me importo de ficar com ele TESTA-SECA — Que é que vocé esta pensando? Vocés dois numa sela arribam e eu fico aqui. E isso que vocé esta pensando. Mas talvez seja eu quem va primeiro. PARAIBA — Essa foi muito fraca, Testa-Seca. De que é que serve vocé sair sem mim? Tu nao sabe onde foi que escondi o ouro. LELEU — Parem com essa briga. Vocés nao planejaram tudo um com o outro? Nao mataram e limparam a velha juntos? E Frederico Evandro também nao prometeu voltar? Quando ele aparecer, eu conto tudo e digo a ele pra acertar a tampa do desgragado desse irmao da Inaura. TESTA-SECA - E se Vela-de-Libra nao voltar? LELEU — E vocés pensam que eu fico aqui sentado? O negécio é arranjar uma corda bem comprida. Ai, eu fujo pelo telhado e levo vooés dois. PARAIBA —E a corda? LELEU — Talvez que Lapiau consiga me arranjar: dentro do violao. Fujo e levo voces. Eu nao morro de amor por vocés. Meu caso € a gaita. O que eu quero é uma parte do ouro. E voces no vao dizer que sou ambicioso TESTE-SECA — Quanto é que vocé pede? LELEU - Um quinto. Um dedo da mao. Duas partes de um, duas partes de outro e uma parte minha. Vale ou nao vale? PARAIBA — Por mim, eu topo. 10 TESTA-SECA - Eu também no quero dever favor. (os 3 comegam a rir e cantar) TENENTE - Sim, senhor. Que falta de anarquia. (4 Leléu) Ent&o, 0 cavalheiro também gosta de musica? LELEU - Quem canta seus males espanta. TENENTE - Vocés tém se comportados bem. Acho que vou diminuir a guarda. Heliodoro, vooé esta autorizado a dar mais folga aos pragas. Isso aqui nao precisa de estar sempre guardado. HELIODORO ~ Esta bem, tenente. LELEU- O senhor esta esquecido, delegado, duma coisa: 0 alagoano prometeu voltar. TENENTE — Que alagoano? LELEU — Frederico Evandro. O tal que o touro da moga ia pegando. Ele esta doido pra me pagar favor. E, se chegar e nao encontrar o trogo guarnecido, vai soltar nés trés. TENENTE — Seu Anunciagao, eu nao tenho, nem tive nunca, medo de pistoleiro. Minha forga moral é mais do que bastante para manté-los todos afastados. LELEU — E porque nao viu Frederico Evandro. (delegado sai, Heliodoro entra) E entao? HELIODORO - Tudo certo. Mas vocé vai morrer, néo tem santo que Ihe salve. Ful conversando com a moca, ela me deu os tragos do sujeito que quer Ihe degolar. Leléu, o homem é 0 mesmo que queria Ihe fazer favor, o tal da vela. LELEU — Nao. Ah, ele falou num caso de familia. Mas 0 caso dele nao era em Coripés. Era num lugar chamado Boa Vista. Nao foi, Citonho? CITONHO - E a mesma coisa, Leléu. Boa Vista, agora, € Coripés. LELEU - E por isso! Esse tenente € um safado, esta abrindo caminho, quer que eu morra. TESTA-SECA - (agarrando-o) E agora? E agora, como €? LELEU — Estou num mato sem cachorro. Inaura, pra que fui me meter contigo? E por que ful me meter na frente daquele boi? Pra que ndo deixei ele enterrar o chifre naquele desgragado? Cavei 0 meu buraco sem saber. Tanta mulher bonita neste mundo. E eu morro! 3° ATO - Calgada. Sentados no chao, bebem e comem. CITONHO - Entdo, Lapiau, pegaram no sono? LAPIAU - Comeram e espernearam como o diabo! Deu na fraqueza. CITONHO — Bebe mais um bocadinho de vinho. LAPIAU — Quero nao, Citonho. O pessoal do circo ja esté me esperando. Vamos viajar hoje CITONHO - Seja feliz, meu filho. Deus e Nossa Senhora te acompanhem LAPIAU — Amém. Lembrangas a Leléu CITONHO - Farei presente. Lembrangas aos seus cavalos. (Lapiau sai) Rapaz bom. HELIODORO ~ Ele se da uns tragos com um frade que eu conhego. CITONHO — Que frade é esse, rapaz? HELIODORO ~ Que adianta dizer, se vocé nado conhece? Nao fosse a barba, era ele escritinho. CITONHO — Coitados dos presos. Beberam e comeram tanto que baixaram a crista. HELIODORO - Eles ficaram foi cansados de sapatear. Dangar homem com homem da sono. CITONHO ~ € logo Leléu, que nem gosta de mulher, a HELIODORO - Se tivesse estudo, era 0 co em figura de gente. Ali é muito cranio. 0 homem & um cuera, rapaz, Nunca pensei que ele arranjasse uma corda. E quando é hoje, vem tenente Guedes e entrega uma corda. Como é que pode ser? Um homem como tenente Guedes! (ri) CITONHO - Isso, com certeza, foi a moga Lisbela que pediu, Heliodoro. Nao tem uma vez que ela me encontre que no pergunte por ele. Agora, tem uma coisa, viu? O tenente deu essa corda hoje pra fazer os gostos da filha. Por causa do casamento. Mas amanha ou depois ele toma. Conhego aquilo. No sei como ele ainda ndo tomou o violéo. (Heliodoro ri) Vai ver que também foi a moga que pediu. Mas que risada sem fim. Vocé esta bom é de parar de beber. HELIODORO - Sabe 0 que € que estou rindo, Citonho? Um cara pode ser enfeitado “antes de casar? CITONHO — Bem, isso sempre é depois, nao €? HELIODORO - Citonho, nao fale a ninguém, se nao vocé me desgraga. Lisbela veio falar com ele, aqui, de madrugada. Fugiu de casa, quando todo mundo estava dormindo. CITONHO — Quantas vezes? HELIODORO - 3. CITONHO - E vocé tirava ele da cela? HELIODORO — Nao tinha perigo. Eu ficava perto, com o rifle em cima dele. CITONHO - E 0 que é que vocé ganhou com isso? HELIODORO - Foi um trato. Ali trancado, ele arranjou um frade pra me casar de mentira CITONHO - E 0 frade Ihe casou de graga? Que frade safado foi esse? HELIODORO - E eu conhego? Tinha uma barba que era isso e cobrou 3 mil cruzeiros. E depois desse trabalho todo, ela nao era mais nada. CITONHO — Nao era mais nada, como? HELIODORO — Nao era mais nada. Ja tinha perdido os quatro-vinténs. CITONHO - Bem feito TENENTE - (entra vestido de terno) Senhores que venderam Cristo! HELIODORO - 0 tenente por aqui! TENENTE - Sao deveres do oficio. A autoridade ¢ um fardo. E ou nao é, Heliodoro? HELIODORO - Senhor? TENENTE - A autoridade é ou nao é um fardo? HELIODORO ~ Um fardo? TENENTE — Vocé parece que passou da conta na bebida, sabe? Se fosse Citonho que estivesse bébado, estava muito bem. Alids, Citonho, Lisbela hoje me perguntou mais de uma vez por vocé. Va calgar os seus botoques, mudar essa roupa e dar um abraco nela. CITONHO - Mas tenente, eu, aparecer na festa! TENENTE - Nao converse, Citonho. Ja Ihe disse o que havia de dizer. CITONHO — Nao preciso mais voltar aqui? TENENTE - Nao. Mas aonde € que vocé vai? CITONHO — Vou buscar as chaves |é dentro. TENENTE — Que besteira é essa? Estas chaves toda vida nao dormiram aqui? CITONHO — E mesmo... Bom, até logo. (sai) 12 TENENTE ~ Que velho horroroso pra falar. Qualquer conversa com ele é uma hora. Fala pelos cotovelos. Heliodoro, quero que vocé me diga por onde anda o soldado Jaborandi? HELIODORO - Esta no cinema, chefe. Hoje nao é dia de série? TENENTE - E a que horas termina esse negécio? HELIODORO ~ La para as dez e meia. TENENTE — Os presos hoje foram dormir cedo. HELIODORO — Os pirdes que 0 senhor mandou para eles... TENENTE — Néo fui que mandei, Heliodoro. Foi minha filha. E foi também por causa dela que eu trouxe a corda pra esse sujeito do arame. A propésito: foi vocé que serviu de portador de um passarinho, um salta-caminho que esse tal de Leléu mandou pra ela? HELIODORO ~ Eu, tenente? Um cabo da policia! N4o, senhor. Foi Juvenal que levou. TENENTE - Bem, nao importa. De qualquer maneira, ele nao vai ter muito tempo para fazer mungangas em cima da corda bamba nem para mandar passarinhos de presente. As horas dele esto contadas, cabo HELIODORO -~ Contadas, chefe? TENENTE — E Citonho parece que estava adivinhando. Mas nés vamos abrir a cela dele acorda-lo e tocd-lo para a outra. Quero ele sozinho numa cela. HELIODORO - Tenente! E 0 homem que vem? O irmao da moga de Corip6s? TENENTE -E ele. Chegou hoje.Na certa, soube do casamento e que a cadeia esta as moscas. HELIODORO - E se ele chegasse agora, sé encontrava nés dois. Vou chamar os pragas. TENENTE — Nao quero praca nenhum. Quero a cadeia sozinha, entendeu? HELIODORO - Tenente, o senhor quer que o preso morra? TENENTE ~ N&o quero nada, cabo. Pega Leléu, bota sozinho na outra cela e acende a luz. Eu volto pra casa dou folga aos soldados. Vocé deixa a cadeia s6: se esconde ai na frente de rifle. HELIODORO — Pra que o rifle, tenente? TENENTE — Pra atirar em quem sair da cadeia. Nao é em quem entra, em quem sair! Cabo Heliodoro, se néo quer se arrepender, siga-me! (entra na cadeia) Os desgragados fugiram! Como € que esses homens fogem, debaixo das suas ventas, e vocé nao vé coisa nenhuma? HELIODORO - Olha o buraco Id em cima. Eles fugiram com a corda que o senhor trouxe. TENENTE — Cale-se! Atrevido! Leve as armas e chame o pessoal, mas chegue la como se nada houvesse acontecido. Compreende? Sorrindo! Sorria. No, assim, nao: mais. Menos. Isso! Chame os pragas, diz que é para fazer a ronda. (Heliodoro pega as armas e sai, Doutor entra) Como € que se entra assim na delegacia? Quase que eu Ihe passava a bala na titela. DOUTOR - Ave Maria. Eu hoje estou de azar. TENENTE - Azar? DOUTOR - 0 azar que digo € 0 noivo, na hora de ir para casa, procurar sua noiva e nao encontré-la de jeito nenhum. O que encontrei foi uma gaiola aberta, em cima da cama de casal, com um bilhetinho assim: “o passarinho fugiu’. Estou de azar ou ndo estou? TENENTE - Meu Deus! Sera que eles fugiram juntos? DOUTOR - Lisbela e 0 passarinho fugindo juntos? © senhor parece que bebeu demais. TENENTE — Nao estou falando em passarinho nenhum, doutor! Falo nos presos. Nao esta vendo a cela ai vazia? 3 DOUTOR — Nao, isso ndo pode ser. TENENTE — Pode, e vou Ihe dizer mais: 0 senhor bem que merecia. Por que cargas-d'agua no pegou sua mulher e levou pra casa, as 7 da noite? Ficou Ia feito uma leseira, dangando valsinhas e fazendo discursos idiotas? Agora, vai ver que ela fugiu com esse mequetrefe. DOUTOR - (entra Lisbela) Lisbela, minha querida. Ja a procurei por toda parte. Mas por que & que vocé esta vestida assim? LISBELA - Ele fugiu? TENENTE - Fugiu. Fugiram. E vai ver que vocé sabia LISBELA - Eu ia com ele. DOUTOR - Lisbela! No dia do nosso casamento? E vocé ia deixar de querer bem a mim, Lisbela, pra querer a um sujeito como aquele? Um desclassificado? LISBELA - Pra querer, nao. Pra ir com ele, com nome, corpo, sangue, coragao e tudo! DOUTOR - Um bangalafumenga, um Jo&o-ninguém. Um vagabundo daquele! LISBELA — Ele nao é dessas coisas. E um homem, isto sim. DOUTOR - Tenente! O senhor sabia dessa hist6ria? LISBELA — Se soubesse, perseguitia o pobre, muito mais do que vinha perseguindo. TENENTE - Eu nao perseguia nada. Era um preso e, além do mais, muito atrevido. LISBELA - (a doutor) Eu ia tentar. la tentar ser uma boa esposa pra vooé. Mas ele havia dito que, no dia que mandasse o passarinho, eu devia esperé-lo vestida de homem. E que, se ele chegasse antes, esperava por mim. TENENTE — Ele enganou vocé. Deixou-a esperando na estrada, feito uma cachorra. Ele usou vooé para obter a corda. Para me humilhar, para me expor no ridiculo. LISBELA — Nao, ele ndo me usou pra nada. Vocés é que estavam me usando. Ele me quer, me quer bem. Pra ele eu era mulher, mulher, mulher! DOUTOR — Por que vocé foi? LISBELA — Porque eu tinha de ir. Eu fui feito um andor, na frente de uma procissao. Quando vi aquele passarinho na gaiola. Pensei que minha vida inteira, se eu ficasse, ia ser assim, vida triste, de quem desejou, de quem quis de corpo e alma e, mesmo assim, ndo fez. Al, eu fui, Fui e vou toda vez que ele me chame. Nao precisa nem que ele me fale. Nem que me olhe. Basta estalar os dedos. Vou feito co. Mas coroada, vocés me compreendem? Feito uma rainhal TENENTE - Essa criatura esta louca varrida. HELIODORO - (entra soltados, Testa e Paraiba) Pronto, tenente. Aqui esto os homens. TENENTE - Deus seja louvado. Até que enfim aconteceu alguma coisa boa. DOUTOR - E 0 outro? Morreu? JUVENAL - Fugiu. TENENTE - Seu Heliodoro! Seu imbecill Isso é uma meleca. Como é que eu mando o senhor prender os homens e o senhor prende esses dois merdas e me deixa fugir o cabeca? (ouve-se a cornet) Que diabo é aquilo? HELIODORO - Jaborandi, tenente TENENTE - E transferiram a delegacia, fol? A delegacia agora € no cinema? HELIODORO - Foi Leléu que deu esse conselho a ele. De tocar siléncio no cinema, porque Jaborandi toda semana perdia um pedaco da série 14 TENENTE - © miseravel foge e ainda deixa confusdo atras. (20s soldados) Tragam seu Jaborandi preso com corneta e tudo, tenha terminado ou nao a série. (soldados saem) E 0 senhor, seu Heliodoro? Como € que nao me trouxe o homem? TESTA-SECA — Ora, que besteira, tenente. Nao trouxe porque nao péde. TENENTE - Juvenal, dé 0 servigo, meta a coronha na boca desse cabra. PARAIBA — Nao bata nao, chefe. Do jeito que nés estamos, topamos qualquer parada. O cara tapeou nés dois, 0 caso € esse. TESTA-SECA - Ele que botou a gente pra tras. Isso sim. (Lisbela comega a rir) TENENTE - Eu nao dizia, toda vez que eu entrava aqui, que voos dois tinham cara de enrolados? Burros! Serem engalobados desse jeito! PARAIBA - E 0 senhor é sabido, chefe? Nés dois somos burros, mas o senhor também é. NZo fui eu nem Testa-seca que deu a corda pra ele. O senhor também é o-re-Ihu-do. (Lisbela ri) TENENTE - Esta vendo, minha filha? Tudo por sua causa. Heliodoro, meta esses revoltosos na chave. Bem que eu n&o queria dar aquela corda. Fol por sua causa, Lisbela, que sucedeu isso tudo. Vooé traiu seu pai. Fui traido! LISBELA - O senhor nao presta. Um assassino jurou vir aqui mata-lo, e © senhor nao disse nada a ele. E até mandou diminuir a guarda TENENTE - Isso é mentira. O desgragado, na certa, andou soprando a vooé essas mentiras. LISBELA — E verdade! E verdade! (entra Jaborandi e os soldados) JABORANDI - Tenente, perdoe essa falta. Pelo amor de sua filha. TENENTE — Nao diga uma palavra. Bote a corneta e 0 seu revolver ai e meta-se nas grades. Cinema é la lugar de se tocar siléncio, seu idiota? (entra Leléu, todos apontam suas armas) LELEU — Nada de alvorogo. Calma, calma, minha gente. Eu vim me entregar. TENENTE - Metam bala no homem antes que ele fuja! LISBELA — Nao! Leléu, vocé no péde ir? LELEU — Pude. Estou com dois cavalos af fora. Mas era grosseria eu ir com a senhora, DOUTOR - Por que vocé nao foi embora, rapaz? Por que voltou? LELEU — Por causa de dona Lisbela. Pra ficar perto do cho onde ela pisa. LISBELA — Por que n&o me levou com vocé? LELEU — Porque a senhora no merece a incerteza da minha vida. Nao tenho eira nem beira, que trono Ihe podia oferecer? TENENTE ~ Isso é conversa, Por que vocé voltou? Diga a verdade. LELEU — Voltei pra morrer, chefe. Pra morter de bala. E pra dona Lisbela saber, pelo resto da vida, que eu morri por causa dela TENENTE — Vocé voltou porque nao tinha dinheiro, nao foi mesmo? LELEU — Eu tenho dinheiro. Esta aqui. Minha comisséo por um trabalho que arranjei. Seu casamento Heliodoro, HELIODORO - Frade sem-vergonha. LELEU — E vocé pensava que aquele sujeito era frade? HELIODOR — Quer dizer que eu fui enrolado? LELEU — E vocé nao estava enrolando a mae da moga? 18 HELIODORO - Gragas a Deus! TENENTE — Que alegria ¢ essa? Fique triste! Tranque o homem com os outros LISBELA — Meu pai: se ele morrer, eu digo a todo mundo que o senhor foi o culpado. TENENTE - Leve sua mulher para casa, Doutor. Seja homem ao menos uma vez na vida (Citonho entre) Eu n&o disse ao senhor, Citonho, que no precisava voltar? Isso jd é hora de velho estar na cama. LISBELA - Citonho, meu pai quer botar Leléu ai com esses homens para ele ser morto pelos dois. LELEU — Eu cai fora, Citonho. E tapeei os dois. E agora estamos os 3 aqui de novo. LISBELA — Meu pai, vou Ihe fazer um ultimo pedido. Estao la fora os cavalos. Deixe eu ir embora com Leléu, DOUTOR - Vocé nao esta no seu juizo, Lisbela. CITONHO — 0 juizo dela é assim mesmo. TENENTE ~ Lisbela, se vocé me pedir isso outra vez, eu dou-lhe de chibata aqui, na frente de todo mundo, CITONHO — S6 depois de passar por cima do meu cadaver. TENENTE - E 0 que vocé é: um cadaver ambulante LISBELA — Pela derradeira vez, meu pai, deixe eu ir com ele. TENENTE — Galinha! (Lisbela pega a arma sobre a mesa e sai correndo. Doutor e Tenente tentam ir atrés, mas surge Vela) FREDERICO — Vamos pra tras, minha gente. Reunio familiar? (a tenente) Fique pra la, que tenho mais raiva de delegado do que de cachorro doido. TENENTE — Pode levar esse homem, mas me deixe sair. Minha filha esta correndo perigo. FREDERICO — E eu com isso? TESTA-SECA — Cadé sua forga moral, Tenente? LELEU — (a Frederico) Eu nao vou com voce. FREDERICO — Acabe com besteira, menino. Nao gosto de dever favor. Vou tirar vooé desse chiqueiro. Velhinho, meta esses homens na chave. Quero tudo na cela, com esses dois sem- vergonhas. Pra desmoralizar. LELEU — Nao tem outra saida, Citonho. (Citonho prende e joga as chaves para Frederico) \Vocé vai me matar e arrancar minha cabega aqui. EU sei que voce é irmao de Inaura! FREDERICO — Nao é que noticia ruim corre depressa mesmo? LELEU — Vocé prometeu matar um inimigo meu. & por que néo se mata? Vooé nao tem palavra? FREDERICO — Palavra, eu tenho. Mas juramento vale mais do que promessa. Jurei lavar minha honra e vou lavar. (Frederico vai atirar em Leléu, ouve-se um tio e Frederico cai morto, entra Lisbela com uma arma) LELEU — Lisbela! Vooé! Minha bandeira brasileira! (Citonho solta todos) DOUTOR - Mas, Lisbela, Lisbela, pra que vooé fez isso? TENENTE ~ Todos Id pra fora atirando. Finjam que est&o comemorando 0 casamento. Sé tem um jeito: € esconder o morto 16 TESTA-SECA - E vocés estdo pensando que esse negocio vai ficar por isso mesmo, 6? PARAIBA - Com dez contos de réis, a gente vai embora e cala 0 bico DOUTOR - Isso é chantagem. Depois voltam pedindo mais dinheiro. TENENTE - Mas é preciso salvar minha filha da cadeia. LELEU — Vou fazer um favor a vooés, pra nenhum dos dois dizer que nao lucrou nada comigo. Recebam o dinheiro do Tenente e fujam. Mas fiquem certos como ele vai mandar segui-los. (Paraiba faz um sinal a Testa indicando o revolver de Lisbela. Tentam pega-lo com um objeto) Dona, vamos embora comigo. Agora, sou eu que quero ir. DOUTOR - Ela nao vai com vocé. Ela é minha esposa LELEU — A senhora tem de desaparecer. Sempre tem um na familia que aparece pra vingar a morte deles. Vamos embora comigo, néo custa mudar outra vez de nome e profissdo. Entdo? A senhora vai? CITONHO - Tem outro jeito nao, tenente. Eles precisam ir. Se ela nao for com Leléu, morre. DOUTOR - Ele vai Ihe abandonar, Lisbela. Como abandonou as outras. LISBELA - Nao me importa. Quero queimar minha vida de uma vez, num fogo muito forte Quero it. Nunca serei feliz como esta noite, junto dele ouvindo nas estradas as batidas dos cascos dos cavalos TENENTE - Seja feliz... se puder. DOUTOR - Tenente! (Lisbela e Leléu se despendem de Citonho, ela pega na mao de Leléu e saem. Doutor sai em seguida, indignado) TENENTE - Acabem com os tiros. Seu Citonho, cada vez eu me convengo mais: a autoridade & mesmo um fardo. (Testa consegue pegar o revolver) TESTA-SECA - Aaah! Todos os dois com as asas pra cima! PARAIBA - Vamos depressa, velho. Solte a gente TAOZINHO - (entra) Da licenga. Que negécio é esse? Voincés esto com medo que o telhado cala? CITONHO - Vocé tanto velo aqui, Taozinho, que terminou se enrascando. Olhe o que ele fez com 0 que chegou antes de voca. TESTA-SECA — Que velho mentiroso! TAOZINHO — (vendo 0 morto) Mortinho da silva. Mas comigo nao tem esse negocio, nao Francisquinha do Antao fechou meu corpo pra tiro, facada e mordida de cobra PARAIBA — Vé se ele tem o corpo fechado, Testa-seca. (Testa atira) TAOZINHO - Eu nao disse? E besteira. (Testa atira novamente) Que homem teimoso danado. Agora quer ver uma coisa? (mostra o tenente) Atire nele pra ver. (Testa atira no tenente 2 vezes) TESTA-SECA — Paraiba, é tiro de festim. Olha! (atira em Paraiba, ele cai morto) Paraiba, Paraiba. Tu vai morrer, Paraiba. Diz logo onde esta o tesouro. TENENTE — Esta vendo? Matou esse pobre homem (aponta Vela), queria nos matar e matou o companheiro. TESTA-SECA — Miseraveis! Mentirosos! (Heliodoro e os soldados entram) TENENTE — Heliodoro, esse cabra matou esse rapaz e acabou atirando no Paraiba. Taozinho foi testemunha. 7 JABORANDI - Tenente! O senhor me desculpe, mas essas duas mortes de maneira nenhuma podem ter acontecido. S6 tinha uma bala de verdade no revdlver. O resto, era tiro de festim. Assim, como é que podem ter morrido Frederico Evandro e Paraiba? TENENTE — O que é que vocé esta dizendo? (Citonho vai examinar Frederico) Entao, Citonho? CITONHO — © brabo morreu de susto, tenente! E de susto feito por mulher! Nao tem bala nenhuma no couro dele! TENENTE - Citonho, vocé é grande. Pessoal, a patria esta salva. Deu tudo certo, CENA FINAL, LISBELA — Sabia que eu também, ja tive muitos nomes, meu filho LELEU - Ih, meu filho. LISBELA — Ava Gardner, Veronica Lake, Rita Hayworth, Lauren Bacall. Mas agora com vocé eu me sinto num filme de verdade. LELEU — E! Lisbela ¢ 0 Prisioneiro. © nosso filme nunca vai ter fim. LISBELA — Espere um pouquinho! LELEU - Oxe! Que foi?! LISBELA - E que 0 melhor do cinema € 0 jeito que termina. LELEU - E como é isso, hein? LISBELA — Adivinha. LELEU — Com todo mundo olhando? LISBELA — E s6 no comego, depois 0 filme acaba. LELEU - Entéo ta bom da gente se apressar, porque o povo jd entendeu que t4 acabando e é capaz de comegar a sair sem prestar mais atengao na gente. LISBELA — €. Mas talvez nessa sala tenha pelo menos um casal apaixonado que vai assistir até 0 finalzinho. E mesmo depois do filme acabar, eles ainda vao ficar parados um tempao, até © cinema esvaziar todinho. E ai vao se mexendo devagar, como se estivessem acordando, depois de sonhar com a historia da gente. LELEU — Tomara que eles tenham gostado. (se beijam) FIM 18

You might also like