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A ARTE DA

PERFORMANCE
DO FUTURISMO AO PRESENTE
PREFÁCIO

A perfo rm ance passou a ser aceita como meio de expressão artística independente na
década de 19i0. Naquda época, a arte conceituai - que ins1st1a numa arte em que as ideias
tossem mais importantes que o produto e numa arte que não pudesse ser comprada ou
vendida - estava cm seu apogeu, e a performa nce era frequentemente uma demonstração
ou uma execução dessas ideias. Desse modo, a performance transformou-se na forma de
arte mais tangível do período. Os espaços dedicados à arte da performance su rgi ram nos
maiores centros artísticos internacionais, os museus patrocinavam festi\·ais, as escolas de
arte introduziram a performance em seus cursos e as re\istas especiaLizadas começaram a
aparecer.
Foi durante esse periodo que esta primeira história da performance foi publicada (1979),
demonstrando que havia uma longa tradição de artistas voltando-se para a performance ao
vivo como um meio, entre muitos outros, de expressar suas ideias, e que esses e\·entos de-
sempenharam um importante papel na história da arte. É interessante notar que a perfor-
mance, até aquela época, fora insistentemente deixada de lado no processo de a\·aliação do
desenvolvimento artístico, principalmente no periodo moderno, o que se dewu mai, à difi -
culdade de situá -la na história da arte do que a qualquer omissão deliberada.
A amplitude e a riqueza dessa história tomou ainda ma is e\idente esse problema da
omissão. Afinal, os artistas não usavam a performance simplesmente como um meio de
atrair publicidade sobre si próprios. A performance tem sido vista como uma maneira de
dar ,~da a muitas ideias formais e conceituais nas quais se baseia a criação artística. As de-
monstrações ao \ivo sempre fo ram usadas como uma arma contra os convenciona!ism 15
da arte estabelecida.
Essa postura radical fez da perfom1ance um catalisador na história da arte do século
XX; sempre que determinada escola - quer se tratasse do cubismo, do minimalismo ou da
arte conceituai - parecia ter chegado a um impasse, os artistas se rnlta1·am para a perior-
mance como um meio de demolir categorias e apontar para no\·as direções ..-\.lém do mais.
no âmbito da história da vanguarda - refiro-me aqui aos artistas que, succss11·amente lide-
raram o processo de ruptura com as tradições-, a periom1ance este1·e durante o ,éculo \,"\
no primeiro plano de tal ati11dade: uma 1·anguarda da Yanguarda. ~luik1 emb,,ra ,1 111.11,1r
parte do que atual mente se escre1·c sobre a obr,1 dos futurist as. construti11stas. da,iaistas e
surrealistas continue a se concentrar nos objetos de arte produziLfos em e.ida um ,ksses
períodos, esses mmimentos amiúde enconh·,ffam suas ra1zes e tl'nt,l\ ,1m ,oluc1,1 n,ir quó-
tões difíceis por meio da pcrfonnancc. Qu,rndo L'S membros desse; grupos ,11n,i.1 csta1·am
na faixa dos 1inte ou hinta anos, foi na perfonnance que cl,'s testaram su,1s ideias, s,, mais
tarde expressando-as cm fom1a dL' objetos ..-\ mai,1na ,los primeir,1, d,1da1st,1s de Zunque
por e,emplo, eram poetas artistas de cabaré e pcrfi11111cr, que antes de cn.ir L•S prL,pnos
objetos dJdaístí.1S, c,puscr,1111 übrJs de mo,,rncntús cnt,1L' rc(cntcs. úll11l' L) ('\}11"CSS1l,rns
mo . OJ mesma rn .1nc1rJ,
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VIII li -"q,E DA. PERFORMANC E

de füeton S1meali.."11w e pintum, escrito em 1928, foi uma tentativa tardia de encontrar um
possibilidade de e>--pressão pictórica para o ideário surrealista e, como tat continuou a co~
locar a questão"O que é pintura surrealista?" ai nda por alguns anos depois de sua publica-
ção. Pois não foi o mesmo Breton que, quatro anos an tes, tinha afim1ado que o acte gratrrit
surrealista por excelênà a seria sair atirando a esmo por uma rua cheia de gente?
Os manifestos da performance, desde os futuristas até nossos dias, têm sido
'=-"Fessão de dissidentes que ten taram encontrar outros meios de avaliar a experiência artís~
!:::ca no cotidiano. A performance tem sido um meio de dirigir-se diretamente a um grand
público, bem como de chocar as plateias, levando-as a reavaliar suas concepções de arte :
sua relação com a cultura. Por outro lado, o interesse do público por esse meio de expressão
artística, particularmente na década de 1980, provém de um aparente desejo desse público
de ter acesso ao mundo da arte, de tomar-se espectador de seus rituais e de sua comunida-
de distinta, de deixar-se surpreender pelas apresentações inusitadas, sempre transgressoras,
que caractenzam as criações desses artistas. A obra pode ser apresentada em forma de es-
pe_táculo solo ou em grupo, com iluminação, música ou elementos visuais criados pelo pró-
pno performer ou em colaboração com outros artistas, e apresentada em lugares corno urna
galeria de arte, um museu, um "espaço alternativo", um teatro, um bar, um café ou urna es-
quina. Ao contrário do que ocorre na tradição teatral, o perfomrer é o artista, raramente um
personagem, como acontece com os atores, e o conteúdo raramente segue um enredo ou
uma narrativa tradicional. A performance pode ser uma série de gestos íntimos ou urna ma-
nifestação teatral com elementos visuais em grande escala, e pode durar de alguns minutos
a muitas horas; pode ser apresentada urna única vez ou repetida várias vezes, com ou sem
um roteiro preparado; pode ser improvisada ou ensaiada ao longo de meses.
Quer seja um ritualismo tribal, uma representação medieval da Paixão de Cristo, um
espetáculo renascentista ou as soirées organizadas pelos artistas da década de 1920 em seus
ateliés de Paris, a performance conferiu ao artista uma presença na sociedade. Dependen-
do da natu reza da performance, essa presença pode ser esotérica, xamanística, educativa,
provocadora ou um mero entretenimento. Os exemplos renascentistas chegam até mesmo
a mostrar o artista no papel de criador e diretor de espetáculos públicos, desfiles fantásti-
cos e triunfais que freque ntemente exigiam a construção de primorosos edifícios temporá-
rios, ou de eventos alegóricos que utilizavam o talento multimídia atribuído ao homem do
Renasci mento. Uma batalha naval simulada, concebida por Polidoro da Caravaggio em
1589, foi representada no átrio do Palácio Pitti de Florença, especialmente inundado para a
ocasião; Leonardo da Vinci vestiu seus performers como planetas e os pôs a declamar versos
sobre a Idade de Ouro em um quadro vivo intitulado Paradiso (1490); e o artista barroco
Cian Lorenzo Bernini montou espetáculos para os quais escreveu roteiros, fez o cenário e
desenhou os figurinos, construiu elementos arquitetônicos e chegou a criar cenas realistas
de uma inundação, como fez em L'lnondazione [A Inundação doTibre], de 1638.
A história da perfo rmance no século XX é a história de um meio de expressão maleável
e ind<'lerminado, com infinit as va ri áveis, praticado por artistas impacientes com as limita-
çc,cs das fo rmas mais estabelecidas e decididos a pôr sua arte em conta lo direto com o pú
bl 1co J'or esse motivo, sua base tem sido sempre anárquica. Por sua própria natureza, a
performance desafia uma defini ção fácil ou precisa, indo além da simples afirmação ele que
se trata de uma arte feita ao vivo pelos artistas. Qualquer definição mais ex.ita ncg;iria de
PREFACIO IX

imediato a própria possibilidade da performance, pois seus praticantes usam livremente


quaisquer disciplinas e quaisquer meios como material - literatura, poesia, teatro, música,
dança, arquitetura e pintura, assim como vídeo, cinema, slides e narrações, empregando-os
nas mais diversas combinações. De fato, nenhuma outra forma de expressão artística tem
um programa tão ilimitado, uma vez que cada perfomzer cria sua própria definição ao lon -
go de seu processo e modo de execução.
A terceira edição deste livro atualiza um texto que, em 1978, reconstituiu os passos de
uma história até então não contada. Como uma primeira história, colocava questões sobre
a própria natureza da arte e explicava o importante papel da perfor-mancc no desenvolvi -
mento da arte do século XX. Mostrava de que modo os artistas optaram pela performance
para se libertar dos meios de expressão dominantes - a pintura e a escultura - e das limi -
tações de se trabalhar dentro dos sistemas de museus e galerias, e de que modo eles a us-
aram como uma forma provocativa de responder às mudanças que então se
operavam - quer políticas, no sentido mais amplo, quer culturais. Uma edição posterior
revelou o papel desempenhado pela performance na destruição das barreiras entre as be-
las-artes e a cultura popular. Nela também se mostrava como a presença viva do artista e o
enfoque em seu corpo se tornaram cruciais para as concepções acerca do"real", além de
constituírem uma base para o desenvolvimento das instalações, da videoarte e da fo -
tografia em fins do século XX.
Esta última edição descreve o enorme aumento do número de performers e de espaços
dedicados à realização da performance, não apenas na Europa e nos Estados Unidos, mas
no mundo todo, à medida que ela foi se tornando o meio de expressão escolhido para a ar-
ticulação da" diferença" - de suas próprias culturas e etnias - e o ingresso no discurso mais
amplo da cultura internacional em nossa época extremamente dividida entre diferentes ex-
tremos. O livro também mostra em que medida a academia se voltou para a arte da per-
formance - seja na filosofia, arquitetura ou antropologia-, e para o estudo de seu impacto
sobre a história intelectual e do modo como os museus, que no passado eram alvo dos
protestos dos artistas, agora têm um departamento de performance que inclui as manifes-
tações artísticas ao vivo como uma forma de expressão artística tão importante como as
demais.

Nova York, 1978, 1987, 2000, 2011

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