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Titulo HISTORIA EXTERNA E INTERNA DO DIREITO ROMANO: CONCESTO DE LEIBNITZ; POMPONIUS E.GAIUS SUMARIO - TODAS AS CIENCIAS FODEM SER ESTUDADAS SOB DOS |ASPECTOS CATITAS ~ FILOSORIOO f HISTORICO, FORMAGAD ORI: GINARIA DO DIREITO ~ AS IDFIAS DE THIBAUT E DE SAVIGNY EOS (CURSOS DE DIREITO ROMANO. O PARENTESCO INTERND E A CONE. 2x40 DE FATOS COMO RESULIADOS DE UM ALO LIVRE OF DEUSE DA HUMANIDADE, SEGUNDO JHERING: DENOMINACOES PROPOSTAS AS CHINCIAS QUE ESTUDAM © DIREITO FILOSOFICA E HISTORICAMEN- ‘TE. 0 DIRELO ROMANO COMO FENOMENO EILOSOFICO E HISTO- [RIO NAS QUATEO FASES DO SEU DESENVOLNIMENTO. LEIBNITZ EA HISTORIA BO DIREITO POSLICO E DO DIREITO PRIVADO EM ROMA, LIMA, DENOMINADA #UISTORGA FXTERNA, OUTRA, HISTORIA INTER [NA. CONCEITO DE CADA UMA: EKEMPLOS, CRITIC’ A CONCEDGAD DE LEIBNITZ B A HOMOGENEIDADE A SIMUTTANEMDADIEDO MOV MENTO HISTORICO, SEGUNDO JHERING © ELEMENT CRONOLO- GICO PARA FXPLICAR © FENOMENO JURIDICO. © DIRETTO ROMANO ‘COMO PRODUTO DO TEMPO. O TEXTO DE POMPONTUS, NO DIGESTO
  • A expresso Propedéutica Juridica nfo traduz, com cxatidao, a ciéneia que se pretende denominar, porque os estudos filosdficos do Direi- to no se propdem a formulac simples prolegdmenos ou meros prine(pios de introducios vio muito além, chegam mesmo, muitas vezes, a esgotar os assuntos, fixando leis, que so sempre o resultado de demoradas pesquisas € penetracia na esséncia dos institutos jucidicos. A expresso Sociologia Juridica, que seria, alids, mais apropria- da, tem, a0 contrério da Propedéutica Juridica, um ambito mais largo -, estuda os fendmenos sociais de ordem juridica, néo s6 sob 0 ponto de vista filoséfico, como moral, econ6mico e politico, o que, bem se vé, excede em muito a0 objeto da ciéncia de que se tata, Da mesma forma, a Enciclopédia Juridica € um conjunco de conhecimentos gerais sobre assuntos juridicos, em cujo campo de pesqui- sas ¢ trabalhos entram muitos assuntos de todas as ciéncias precedentes ~ Propedéutica e Sociologia Juridica -, podendo mesmo dizer-se que estas, sio derivadas daquela. Parece-nos, portanto, que se nao deve substituir a denominacio, simples ¢ expressiva, de Filosofia do Direito para a ciéncia que estuda 0 Direito filosoficamente, tanto mais quanto ji teve cla a consagraséo da inguagem multissecular dos juristas ¢ dos filésofos, 5 O Dee. n° 16,782 A, de 13 de jancito de 1925, art, $7, TV, manteve a cadeita de Fi- (asofia do Direto,deslocando-a, porém, do 1° para 0 5® anodo curso. Nio cabe 2qui discutics¢ 0 legislador fez. bem: ou mal na deslocagio da cadsice para 0 extremo do sews, Brote asinalac o fate, para morte quc as Tasuldades de Dissivo ne Deasil ‘ estudante rio especiliza os conhecimentos filos6fices das ciénciasjuriicas senda depois de kaver percorride roda a escala do Direto historicamente considerado, ou seja da lei expressa nos cidigos e na legilaso esparsa. Curso de Direito Romano 25 ‘Mas, para os préprios fildsofos, as origens, ainda que nebulosas, tém um interesse extraordindrio, chegando alguns a dizer, como Renan® ~ que “pela sua esséncia, a embriogenta é uma ciéncia das mais, inceressan- tes, porque é por ela que se penetra nos segredos da natuseza, no seu poder pléstico, na sua fecundidade inexaurivel”. Entretanto, assinalar 0 caminho do Dircito, desde a sua prime’ ra manifestagéo até a sua definitiva organizagio, solicita, muita vezes, in- dug6es, que podem suprir as deficiéneias da Histéria, mas, nio dio a esta © cunho de cetteza imprescindivel aos espizitos que se preocupam com a verdade intcira ¢ irredutivel da evolugio dos fenémenos juridicos. Esta situacio criou, também, para os cultores do Direito em geral, uma ciéncia nova, cuja denominagio nao est ainda definitivamen- te assentada, mas, cujo contetido vai sendo objeto de estudos sérios. Uns propdem que se Ihe chame Paleontologia Juridica, outros Arqueologia Juridica, ainda outcos Jurisprudéncia Comparativa, chegando alguns, até ‘mesmo, a confundi-la com a Legislagio Comparada. ‘A expressio Paleoncologia Juridica no pode convir 3 linguagem de nossa ciéncia para significar 0 objeto de que se trata. A Paleontologia tem por objeto o conhecimento das racas animais ea natureza dos vegerais que outrora existiram sobre a ‘Terra ¢ de que sé se encontram restos fésseis, ¢ é bem de ver que as instituigées juridicas da Antiguidade no podem ser tida como fosseis, pois que, em grande niimero, elas vém atravessando to- das as revolugées sociais e muitas vivem entre nds pecfeitamente adaptadas 20 nosso meio ¢ sem temer os deslumbramentos da civilizagao atual. A expressio Arqueologia Juridica, tomada a palavra arqueologia por empréstimo 3 histéria das artes, nao corresponde ao conceito tradicio- nal desta, que outra coisa nao € sendo 0 conjunto de dados explicativos de monumentos artisticos da Antiguidade, estabelecendo regras dogmaéticas sobre os primeiros elementos das artes consideradas abstratamente, a0 pas- so que no estudo das velhas instituig6es juridicas nie se procura saber © que elas tém de absteato, mas, sim, 0 que tém de concreto, no conceito ¢ na aplicagdo da regra. & A Igreia Cris — DreFicio én fine 26 Abelardo Saraiva da Cunha Lobo ‘Acexpressio Jurisprudéncia Comparativa, de que se serviu o Pro- fessor de Direito Romano da Universidade de Oxford — Sumner Maine,” dado © conceito atual da palavra jurisprudéncia, restringe © dominio da cigncia, fazendo corresponder o seu objeto & parce dramética do Direito, com evidente esquecimento do seu elemento espiricual e mesoldgico, ocul- tando o seu aspecto teérico, A expressio Legislagdo Comparada conesponde, hoje, a uma ci- éncia perfeitamente organizada c com o seu campo de especulagdes precisa- mente determinade: é, por assim dizer, a boca que clama pela universalizago do Dissito e 0 érazo que maiores e mais enérgicos esforgos tem empregado para tornéclo “o tinico soberano do mundo”, na frase felix de Carrara. Destacada a Histéria Geral do Direito, para constituir-se em cigncia aurénoma, o seu método é 0 método geral das citncias: observa € ‘compara as leis escritas de todos os povos, para chegar a indugio ¢ dedu- ‘do; 0 seu fim nao € somente revelar o imenso tesouto de sabedoria que, porventura, essas leis conteaham; é, também, é principalmente, procurar a norma juridica e adapté-la ao meio que serve de termo de comparacio, buscando explicar a coagdo correspondence. E bem de vex, portanto, que ela tem um fim muito mais vasto do que a simples pesquisa de instituigées juridicas para o trabalho da com- paracio. A Histéria Geral do Direito, embora beba na mesma fonte, apenas tem por fim capitalizar fatos, descrever institutos do dominio do Direico, explicando as causas determinances e a evolugao operada no meio social gerador desses insticutos, para rornar-se, como poderemos dizer, 0 ubertoso seio onde os juristas e socidlogos vao buscar 0 precioso alimento para a nutrigao do pensamento juridico ¢ as energias imprescindiveis & “organizagao da disciplina social. Mas, seja qual for a denominagfo definiciva, © que nos parece fora de diivida & que a expressio Histéria Geral do Direito, compreenden- do, com maior propriedade ¢ exatidio, o grande ambito, o imenso cami- nho percorrido pelos institutos juridicos, nfo carcce de sucedinen para 7 Dineito Ansiga ~ Comunidades e aldeias no Oriente e no Ociderte. Curso de Direito Romano 27 caracterizar a ciéncia que tem por fim estudar esses insticutos no seu bergo ¢ através de seu desenvolvimento no seu tempo e no espago. O Diteito Romano, estudado filosoficamente, apresenta na sua evolugio idéias fundamentals presidindo e estimulando © seu aperfeigo- amento, Mas, nem por isso, perde 0 seu cariter essencial de fendmeno hisc6rico. ‘Como fendmeno histérico é um imenso tesouro de sabedoria ¢ foi devido principalmente 8 energia de sua atividade na regulamentagio da vida do grande povo, energia que se fundava na unidade progressiva, que sempre manteve, € na simplicidade ldgica, nunca abandonada, que conse= guiu tornar-se um modelo universal Com efeito, nas quatro fases que costumam assinalar 0 seu de- senvolvimento cientifico, nota-se nitidamente a constante reagio do pre- sente contea © passado, Na primeira fase, que pode chamar-se a dos mores veteruom, era rigorosamente consuetudinério, no tinha um carster proprio e especifico para poder distinguis-sc da rcligido. Nascia, por asim dizer, do altar da familia, propagava-se de lac em lar, dominava 0s espiritos por uma prética constante, supersticiosa, ¢ cristalizavacse, afinal, como regra, para resolver casos particulates, A fungio sacerdoxal era, ao mesmo tampo, uma fun- ao legislativa: © Pater Familias era 0 Ministro da Religiso ¢ Legislador da Casa Di-se nesta primeira fase e na ordem das idéias que a caracteri= 2am a conjungio dos 128s prineipios de que fala Jhering ~ : prinetpio da vontade subjetiva, o principio criador do Estado ¢ 0 principio religioso.® Formulada a regra e depurada dos elementos nocivos que por- ventura contivesse, a0 sacerdore competia aplicécla e essa aplicaggo cons- ‘ituia um sacramentim, obedecendo a um ritual sui generis, a uma cigncia oculta, impenetrivel aos olhos profanos. Divito proprio do cidadfo, jus jonunt, do qual nfo participava a plebe, recebeu a denominagio caracteristica de Jus Civile? 8 Cit Bp, del Derecho Romano—vol. 1, pig. 129. 9 Nam quod quisqsc pops ips sii jus cottut id psins propritem vivtats ex, vocaeurgue is civil, gus jes propria ips cvitatis— Tas. de Jest Te 18,7. 28, § 1° 28. Abelardo Saraiva da Cunha Lobo Nao obstante oriunda de uma revolugio plebéia e, portanto, conseqiiéncia de uma reago contra 2 ordem das coisas até ento dominan- ce, a Lei das XII Tébuas recolheu esse Dircito ¢ fxou 0 seu cardter tradi« ional e consuetudindrio: o instituto de Caio Teréncio Arsa, 0 Tribuno da Plebe, foi, assim, subvertido pela asticia do patriciado."® Na segunda fase, devido & dilaragio dos seus dominios ¢ ao de- senvolvimento prodigioso da Cidade, as conquistas ¢ as belezas de Roma atrafam para o seu centio de maior importincia ~ a Cidade das Sete Co- linas ~ povos diversos, que tcaziam costumes jurtdicos crengas religiosas, as veres racionais ¢ cqiiitativas. As relagdes estabelecidas por esses estran- geitos, entre si, ou com cidadaos romanos, determinaram no espitito do Pretor, que tinha de resolver quest6es 2 que elas davam lugar, a necessidade de comparar o Jus Civile com esses costumes ¢ como extrait da comparagio principios juridicos aplicaveis &s varias hipéteses. Ferem-se, por tal forma, uma luta constante e reagdes perma- nentes entee 0 jus strictum € a aequitas, sugerindo a criagio do Precor Pere- gtino,"' €o génio romano conseguiu conciliar o dualismo e criar a0 lado do Jus Quiritium, 0 velho diteico tradicional, um novo conjunco de principios, a que foi dada a denominagio de Jus Gentium, fonte do Direito Comercial Romano, na ligio de Guido Padalferti e outsos.? Estas reag6es levaram aos espititos a convicgo de que o Direito tem principios gerais que nfo conhecem fronteiras, nem ragas ¢, dai, co- mecou uma larga ¢ Fecunda elaboragio cientifica, que chegou a provocar a definigéo de Celsus ~ a7s boni et oegui ~, sepetida por Ulpianus como um conceito verdadeizo ¢ indiscutivel 10 Mommsem — Hissiria Reman — vol. 14, pig. 349 (ed. fancese de Guerle); Oliveira Martins ~ Histria da Repablice Romana — vol. 2, pigs. 77 ¢ seguintes: Vannuci ~ Storia dell alia Antica ~ pigs. 48 e seguimes, 11 Powe aliguoe deinde annos, non sufciene co proceore, quod males urba etiam poreri- ora in eivitatrnwenires rts ste alls proctor, qui peregrinus appellcus et ab 0, quod plerumgue inter peregrinus jus dieebat. ~ Pomponius ~ Dig, ~ de orig. jut L. 19,26, fe 25,928, 12. Vid. Guide Padelleti~ Storia del Dirtto Romano, ~ pigs, 257 e seguinses; Wlassak = Leys Procesales Romanas, — vol. 2, pags. 93 & seguintes; Rudolf Sohn ~ Derecho Romano Privado— pig, 98, Curso de Direiso Romana 29 Encretanto, enquanto Roma trabalhava em aformosear 0 Diei- to, a Grécia, com o génio dos seus Zénon, Sécrates, Plato, Xenofontes ¢ Ariscéceles, embelezava a filosofia ¢ comava-a a cigacia por exceléncia, & chave de toda a sabedoria. Em Roma, a filosofia helénica achou logo um adepto fervoroso tno divino Cicero, vulgarizador de geande talento, espitito fecundo, servin- do por palavra encantadora e empolgante. Aplicar as idéias filoséficas da Grécia ao servigo do Dircito, foi, em Roma, obra de um momento. O conceito do fus Gertium jd era aca- nhado, reve de alargar-se, perder 0 carster poltico internacional, para assumir 0 de regra aplicdvel a todos os animais que nascem no as, na cerra eno mare daqui a ctiacio do jus Narurate, determinando a terccira fase lac idding juefdicas A partir deste novo conceito filosético do Dircito, assombrosa foi a cooperagio de homens notiveis no trabalho hercileo da formagio definitivamente cientifica do belo monument. De Labeo até Modetinus, num perfodo de 264 anos, 0 pensa- mento juridico de Roma comou proporgées gigantescas e pode dizer-se ue nio hi em toda histéria da humanidade maior grandeza inceleceual de tum povo do que a que chegaram os romanos durante esse periodo. As divergéncias religiosas entre pagios ¢ estdicos acentuavam-se cada vez mais ¢ o Cristianismo, que vinha numa agéo lena, porém, pet- sistente, conquistando coracées e disciplinando idéias, comegou a exercer eficaz influéncia na formacao do Dircito. Iniciou-se, assim, a quarta fase da evolugio do Dizeito Romano, coincidindo com a decadéncia de Roma, que deixou de ser o inesgotivel celeito de grandes generais ¢ de grandes jurisconsultos, como fora durante muito tempo.!® TR ua jee mes gente wtantur= Fst = lc. cit. 14 gud natara omnia animatia docut. Nam jus iud non bremani generis propria (sed arama analogue me cote, quue sera, quoe im mars mascots ~ nit. = 1.18, 2, pr 15 Vida cic. Reva da Faculdade de Diveita do Rio de anciro (vo. XIII, ano de 1916, pigs. a 17) 30 Abelardo Saraiva da Cunha Lobo Fis af fases filosdficas que, rigorosamente, niio coincidem com as fases histéricas da formagao do grande monumento. A resisténcia do Jus Civile as tentagbes da Jus Honarariumte 3 acto penetrante e dominadora da Filosofia helénica, &, pois, um fendmena préprio do cariter histérico do Direito, em geral, ¢ do Direito Romano, em particular. Concern De Lemsrrz = Leibnirz, estudando no seu precioso livro — Nova Meshodus ~ 0 desenvolvimento do Direito, verificou que os dois mais vigorosos ramos que parvem do seu troco ~ 0 Dircito Pablico eo Dircito Privado ~ devem ter duas historias diferentes © propés as denomi- rages de histéria excerna para a do Dircito Pablico ¢ histéria incerna para a do Diseito Privado.'* ‘A bistéria externa ocupa-se das fontes do dircivo ja organizado ¢ explica a sia farmagi, descreverdla o organisma em plena funcio, desde a sua causa eficiente, até chegar ao que poder-se-4 chamar cristalizaga0 incegral da norma e da coagio. A histéria interna procura conhecer a origem ¢ acompanhar 0 desenvolvimento de cada uma das insticuigées juridicas, desde 0 seu nas- cimento até a sua completa ¢ definitiva oxganizacio. Ali, a historia toma para objeto de suas pesquisas o conjunto de atos legislativos: & uma visiea geral do monumento; aqui, o objeto particulariza-se, restringe-se ao ponto de visea de cada uma das instituigées. A histéria externa, tendo por objeto as fontes do diveto, explica o aparclho que dé movimento as regras juridicas ¢ as teveste de poder coee- citivo, Toda legislagio positiva recebe os scus preceitos em razio de uma necessidade, mais ou menos imperiosa, para cquilibrio da vida social e é cexatamente essa razo que impie o carter obrigatorio aos mesmos prevei 16 Leibniz ~ Noo Mevhodus divcendoe docendocque jursprudencioe § 29 ~ assign sc ex- prime: jursprdeneiahistorica ese vel interna vel extern ila ipsam jurispeudentiae subscantiam ingredicur, haec adminiculum cantar est et requisicum. Historia juris, Snterma ost, quoe variacur rerum publicarum juta recenset: desidero tamen specia ‘orem eecensionene, qui a quoliber tribuno pec pebliscita, aur quoliber consul per senacusconsulta, praetore per edicta et imperatore per constitutiones ordine inno- vant sit, donee in hane formam jus romanum crevit.~ Vid. ~ Mayon Cio ded Derecho Romana—ed. Pow ¥ Ordinas — de 1913, vol. I, pig, 28, Curso de Direito Romano 31 tos. As causas que os solicicam comecam a atuar no espitito dos membros da sociedade antes que 0 poder legislativo as perceba. F. exatamente por isso que, em regra, um principio jurfdico comega por ser costume, para, depois, assumie a forma de disposicéo legal A historia externa do Diteito vem a ser, portanto, a exposigéo das causas que simultaneamente, ou sucessivamente, produziram, em um povo, regras obrigatérias de Direito, providas de uma sancio positiva, ou seja a explicagao do organismo destas causas, dos modos de funcionar, dos efeitos mais notaveis que produriram e daqueles fatos culminantes a que deveram sua origem, seu desenvolvimento e seu desaparecimento.” A bistéria interme, porém, penetra, mais e mais, o fotimo das re- gras jur{dicas, examinado-as em seu contetido ¢ acampanhando o seu desen- volvimento das instituigdes sob a influéncia dessas segras. Se estudarmos, por exemplo, histoticamente, a evolugio do direito de propriedade era Roma, encontraremos o comunismo antigo estabelecendo uma espécie de compro- priedade; veremos, depois, a muncipatio revelando a existencia da proprieda- de privaca, familial, a principio, em seguida individual: era 0 dominiam ex jure Quivitium, ou a propriedade quirinéria. Mais tarde, porém, o Pretor fot admitindo excegées ao exclusivismo reinante ¢, por meio de ficgbes, admi- tindo uma propriedade repulada pelo /us Gentium: era.o dominium bonita- rium. A constituicio do imperador Caracala, concedendo, em 212 da era ctista, 0 direico de cidade a todos os habitantes do Império Romano, fez com que a distingao entre propriedadle quiritéria e propriedade bonitiria perdesse grande parte de sua importincia eas eélebres constituigdes de Justiniano ~ de deditivia liberate tllenda— ¢~ de latina libertate rollenda ~ (Cd. L. VU, T. T. VEVD deram o golpe de morte na velha distinggo. Bis af um trecho de histaria interna do Direito Romano, Si, porém, estudarmas, por exemplo, historicamente, a evolugio dos Senatusconsulta, veremos que esta fonte do direito esrito atravessou tres fases discintas: a da realeza, a da reptiblica, ¢ a do império. Na primeita, o Senado, composto exclusivamente de patricios, exetcia cumulativamente Eungées conaultivas ¢ legislacivass cra o Gonselho do Rei para ajudar a ad- 17 Vide D. Anconio José Pou ¥ Ordinas~ Historia Exterma del Derecho Rossno — pig 8 32 Abelardo Saraiva da Cunha Lobo. ministragio do Estado ¢ orientar 0 seu chefe nos casos de maior relevancia ¢, a0 mesmo tempo, a autoridade encarregada de examinar as deliberagoes dos Comicios ¢ evicar que estes transgredissem os preceitas constitucio- nais e religiosos, sobre os quais assentava a organizacao social. Nenhuma deliberacio dos Comicios revestia forca de lei enquanto nao recebesse 2 autoritas patrum: era como que a sangdo das Constituigdes Politicas dos nossos tempos. A distinggo entre patricia plebeus deu lugar a uma verdadeira re vyolugio, sendo incorporatas is ctrias patricias algumas familias plebéias (mi- rnores gente) ¢ deu-serthes entrada 00 Sendo (patrum minorum gentivon). Proclamada a repiblica, 9 elemento plebeu foi conquistando vvantagens ¢ preerogativastais, que os Comicios centuriados s6 por mera for- malidade pediam a autoritas patrum, de forma que, respeitando a tradicio, mas, invertendo a ordem do processo legislativo, a Lex Publilia, provavel- mente do ano 282 da fundagio do Roma, ordenou que a autoritas parrum deveria ser outorgada antes do projeto ser submetido ao voro dos Comi- cios. Com altemativas, de grande e pequeno poder, 0 Senado foi, pouco a pouco, excluindo o povo das funcdes legislativas,utilizando-se para isso da interpretatio, até chegar a dectetat, por si mesmo, regras novas de Dircito, que tinham aplicagio imediata. Com o advento do império continuou ele as suas fungies legis- lacivas, mas, os imperadores, por sua ver, colaboravam na confecso dos Se- rnatusconstia por meio de orationes in senaru habita, que, mais tarde, se rans- formaram em mera formalidade, porque o proprio Senado reconhecia no Principe aucoridade legitima para legislar, independente de sua intervengao. De absorgio em absoriio das fingGes legislaivas do Senado, o imperador lestocando 0 centro da organizagao do Direito, de forma que, a partir do governo de Adriano, apresenram-se a0 lado dos Senatusconsulea, como fontes de alto valor, as Consrituriones Principum, cuja autoridade provinha da consideragéo de que, sendo os imperadores magistrados do povo roma- no, gozavam do jut edicendi. Esta faculdade alargou-se por tal forma, que, no governo de Alexandre Severo, os Senatusconulia, cessaram por completo, sendy substituidos inteiramemte pelas Constitutiones Principsm. Eis ai um exemplo de histéria externa do Direito Romano. Cumpre, porém, abservar que 0 conceito de Leibnitz tem sido Curso de Direito Romano 33 criticado eo preclatissimo Jhering, considerando a homogeneidade ¢ a sie mulancidade do movimento histérico come caracteristicas fundamentals da histéria do Diteico, conclui por descobrir um conflito entre o elemento do tempo ¢ 0 da conexii real da evoluciia hiseérica (elemento cronolégico ¢ elemento sistematico), levando suas observagées 20 ponto de julgar aque- le secundaria e acessério, ao passo que este essencial e determinance."* Pomrontus Garus — Nao obstante a critica vigorosa do emi- nentissimo Professor de Goetting, parece-nos que a hamogencidade e a si- mubaneidade do movimento da histéria do Diteito Romano nfo revestem uum cardter tio absoluco que force o historiador a prescindir do elemento cronolégico para a explicagio do fendmeno juridico, O Direito Romano foi também um produto do tempo e muicas vezes uma simples data nos con- dur & observagio de modificagses de grande importincia e explica a causa ficiente de alteragées profundas em diversas instituigées juridicas. Foi devido, talvex, a esta consideragio, que 0 grande juriscon- sulto Sexto Pomponius, um dos mais fecundos juristas do 2° século da era crista, escreveu, no tempo do imperador Adriano, o célebre Liber Singularis Enchividi, em que os organizadores do Digesto de Justiniano foram buscar ‘0 mais precioso erecho da historia externa do Diseito Romano, escrita an- tes da monumental codificagio do imperador bizantino."* Embora se néo trate de um erabalho perfeito e completo, tan- to que o proprio autor determinou-o, ~ Enchiridion — palavea grega, que significa — livro pequeno, manual ~,"estéo de acordo todos os historia- 18 Vide Cit, Bip. del Der Rom. — vol. 1°, pags. 82 usque 100. 19. Vide ~ Apenso I, em que damos 0 texte do excerto aludido, com a cradufo em portugués. Discutem alguns historiadores do Direito Romsno a quesiio de saber Se este fagmeneo pertence integralments 2 Pomponius ou se s¢ formou por uma cexcolha de trecho de varios autores, attibuindovse a0 nosso autor para darlhe maior rename. F certo que os $§ 22 ¢ 23 do fragmento parecem cer sido exraidos da ‘obra de Gaius sobre as XII Tabuas (quando este trata dos quaestores qui pecunioe proesent et appellabantar questores parriidi).. Mas, ao &crivel que estes fates, cuja Iimportancia histone €tndiscuesvel,fossem co conhecimenta de Gals, que ef2 tr scrtor mo hiswrice, c ignoradas por Pomponius, grande hitoriader, sendo zmbos contemperiineos, embora Gaius mais mogo do que Pomponius, 20 Vide Dice. L. de Quicherat Santos Saraiva = vetb, Exchiridon. 34 Abelardo Saraiva da Cunha Lobo dores do Direito Romano em que relevantissimo foi o servigo prestado pelo noravel jurisconsulto & histéria externa do grande monumento, pois, nenhum outro cratou sistematicamente da histéria do Direito. Os livos de Cicero, Sueténio, Tite Livio, Granius Flaccus, Dionisio de Halicarnas- 50, Plutarco e tantos outros que escreveram sobre a histéria de Roma, so auiliares dignos de atengio para 0 conhecimento de muitas instituigées juridicas, mas, os seus autores, salvo Granius Flaccus,”) nfo tiveram suas vistas solicitadas especialmente para o Direito. A obra de Pomponius constitui, portanto um subsidio de valor inestimével para a explicagio de muitos poncos abscusos da histévia exter- na do Direito Romano, principalmente do tempo que vem de Romulo a Lei das XI Tabuas, ou mesmo até o aparecimento da Lei Horténcia de Plebiscitis ano de 468, da fundacio de Roma), cujos acontecimentos mais notiveis fazem objeto dos §§ 19a 8°, no obstante os trate em estilo quase selegréfico. Para bem conhecer o objeto da histéria interna, basta atender aos dois primeiros depastamentos da triparcico de Gaius, 9 operaso juris consulto do tempo de Antonino Pio a Cémoda (ano de 138 a 180 da era i), autor das Quotitidianae, Regulae e Institutiones Esta triparticao € concebida nos seguintes terms: — “omne au- tem jus quo utinus, vel ad personas pettinet, vel ad res, vel ad actiones" Af temos nos dois primeiros departamentos, destinados, ao Di reito das Pessoas ¢ a9 Direito das Coisas, todos os institutos regulados pelo Diceito Privado, o que importa dizer 0 objeto da histdria interna do Dircito Romano. O estudo que vamos desenvolver, nos 20 Titulos dos 3 primeiros 21 Conta-se que Granius Flzcou, jursconsulto do tempo de Cicero, escreven. um com mematio sobre o Jus Ppirianiom, Entreranco, nada de postivo e certo hia respeico Segundo se vé em Bach ~ Elise Juriipr Rom. , L, § 88) ¢ Wale = Geschichte des Rom. Rechts = (§ 402, not. 8), citados por Mayna.~ (op. cit. —vol. 1°, pig. 82, n° 31, not 9} nem mesmo é sabido o nome do trabalho de Flaccus. “E possive,- diz Maynz— que os comentitiox de Granius Flaccu seam a ebra que Censorinus ~ De die natch, ©. 3, ~cita sob o nome de Fdigitamenra, isto &, “Quadto das Divindades’, 22 Sobre as Fnsiunes de Gaia veja-se 0 ti LIl dese Liv I na referencia 8 dpoce ease 23 Irat. Comm. 1,8 8 Curso de Direito Romano 35 Livras do nosso uabalho, restrito & histéria externa do Direito Romano, tomando para objeto, nao somente a vida do monumento em Roma, como também @ sua projegio luminosa ou icradiagio sobre © mundo civilizado ea influéncia por ele exercida na formacio do Direito de varios povos, até © que, catre nés, se fixou no Cédigo Civil promulgado em 1° de janciro de 1926 como Lei n° 3.071, para entrar em vigor em igual data de 1917. Obedecende a este critério, estudaremos no Primeiro Livro, di- vidido em 10 Titulos, a Organizagéo do Direito Romano; no Segundo Livro, dividido em 5 Tirulos, a Expansia do Direita Romano, Causat do seu de- senvolvimento ~ ¢, finalmente, no Térceiro Livre, dividido em 5 Titulos, a Influéncia Universal do Direito Romano.
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