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SUMÁRIO

Teatro para a Infância e Juventude:


criação e formação de públic
público
o

Aspectos da criação no teatro para crianças e jovens: dramaturgia,


musicalidade e encenação
Um ponto de vista sobre o teatro para crianças
Eugênio Tadeu 17
Brincaturas e Teatrices: a arte das cenas para e com muitas
crianças e adolescentes
Lais Doria 23
O teatro, a criança e os “mundos de vida”: aspectos existenciais
da criação adulta sobre e para as culturas da infância
Marina Marcondes Machado 31
É para crianças?
Karen Acioly 39
A Formação de público para o teatro infantil e jovem
Cinco (ou mais) perguntas sobre a criança-espectadora e quatro
(incertas) respostas
Taís Ferreira 43
A Formação de público para o teatro infantil
Paulo Merisio 51
Formação de público em teatro para crianças e público jovem
Érica Lima 57
O teatro na escola e a formação de espectadores:
Relações possíveis
Ricardo Carvalho de Figueiredo 65
Galpão em Foc
Foco
o
Tio Vânia – aos que vierem depois de nós: a verdade dividida
Yara de Novaes 73
Considerações sobre o processo de Eclipse
Jurij Alschitz 83
Cine Horto em Foc
Foco
o
Conexão Galpão: Uma experiência teatral na formação de
professores e alunos do ensino fundamental
Reginaldo Santos 89
Teatro e Polític
Políticaa
Por uma gestão participativa nas políticas públicas para a cultura:
a atuação do Colegiado Setorial de Teatro no Biênio 2010/2011
Henrique Fontes, Jan Moura e Leonardo Lessa 1055
10
EXPEDIENTE
Subtexto | Revista de Teatro do Galpão Cine Horto | no. 8 | ISSN 1807-5959

COORDENAÇÃO EDITORIAL: Luciene Borges


ASSISTENTE DE PRODUÇÃO EDITORIAL:Marcos Coletta
JORNALISTA RESPONSÁVEL: Luciene Borges (MG 09820 JP)
CONSELHO EDITORIAL: Chico Pelúcio, Fernando Mencarelli, Leonardo Lessa e
Lydia Del Picchia
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Érica Lima, Eugênio Tadeu, Henrique Fontes, Jan
Moura, Jurij Alschitz, Karen Acioly, Laís Dória, Leonardo Lessa, Marina
Marcondes Machado, Paulo Merísio, Reginaldo Santos, Ricardo Carvalho,
Taís Ferreira e Yara de Novaes.

Fino Traço Editora


PRODUÇÃO EDITORIAL: Maíra Nassif
REVISÃO ORTOGRÁFICA: Elizabete Lara Condé
CAPA E PROJETO GRÁFICO: Milton Fernandes

Fotos
Acervo Grupo Galpão 86 | Andrea Nestrea 40 | Elenize Dezgeniski 74, 79 |
Erica Buzelin 58 | Fabiano Lana 96, 98, 101 | Gustavo Barbosa 27 |
Guto Muniz 74, 76, 82, 92, 102, 93 | Ilana Bessler 40 | Kiran 44, 46, 47 |
Letícia Carvalho 52 | Lisa Ria 25, 29 | Marcos Prado 54, 56 | Miguel Aun 84,
85 | Paulo Lacerda 64 | Ricardo Carvalho 66, 69, 70 | Ricardo Milani 62 |
Sérgio Coelho 61 | Taís Ferreira 50 | Thiago Jordão 23, 24, 28, 30

Fino Traço Editora


Rua dos Caetés, 530 sala 1113 – Centro / 30120-908
Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil / Tel. +55 31 3212 9444
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Centro de Pesquisa e Memória do Teatro / Galpão Cine Horto


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A Revista Subtexto é uma publicação independente. Todas as opiniões


expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores.
TIRAGEM 2.000 exemplares IMPRESSÃO Edelbra DEZEMBRO de 2011
EDITORIAL
A adolescência é um momento único e mágico: o corpo crescendo rapi-
damente, a cabeça enlouquecendo com as possibilidades que se abrem,
os sentidos à lor da pele e as antenas voltadas para o mundo! É tam-
bém quando os questionamentos aparecem com uma força arrasadora:
em que(m) estou me transformando? A vontade de conhecer o mundo
adulto e de voltar a ser criança se equilibra em uma balança viva e em
constante movimento... É exatamente assim que o Galpão Cine Horto
se aproxima dos seus 15 anos, permitindo-se um olhar cuidadoso sobre
sua trajetória e lançando-se em direção a uma questão fundamental:
Quem somos nós?
Em busca de algumas pistas para responder a essa indagação, em 2011
resgatamos de nosso passado recente uma importante constatação: por
ocasião da mudança de diretrizes dos Cursos Livres de Teatro e da cria-
ção de nossa Coordenação Pedagógica, em 2004, o professor do Curso
de Teatro da UFMG e nosso Consultor Pedagógico, Fernando Menca-
relli, chamou-nos a atenção para o fato de que, não apenas nossos cur-
sos de formação, mas todo o Galpão Cine Horto compõe um grande
projeto pedagógico. Mencarelli também nos provocou à relexão de que
só daríamos um salto qualitativo em nossa ação pedagógica quando
conseguíssemos fazer com que os projetos dialogassem entre si e in-
luenciassem, inclusive, a formação de nossos alunos. Sete anos depois,
acreditamos que alguns avanços foram dados nessa direção e por isso
comemoramos com entusiasmo o sucesso de projetos como os Núcleos
de Pesquisa, o Módulo de Criação dos Cursos Livres, o Sabadão, e a
grande oferta de oicinas realizadas em parceria com artistas e grupos
que apresentam seus espetáculos no centro cultural.
O Seminário Subtexto em Diálogo, evento que antecede a redação dos
artigos que compõem a sessão principal da Revista Subtexto, é também
fruto desse empenho em multiplicar o alcance dos projetos, aliando-os
às ações de caráter formativo. Nesse ano de 2011, naturalmente inluen-
ciados pelo debut que se aproxima, focamos nosso olhar sobre o Teatro
para a Infância e Juventude, a quem dedicamos o seção principal dessa
8ª edição da Subtexto. O II Seminário Subtexto em Diálogo, realizado
em setembro, foi concebido a partir de uma carência interna, detectada
pela equipe pedagógica do Galpão Cine Horto: a necessidade de abrir
mais espaço na programação para atividades voltadas para o público
infanto-juvenil, aprofundar o debate sobre as criações produzidas para
o espectador nessa faixa etária e dialogar com experiências e pesquisas
desenvolvidas em diferentes regiões do Brasil. Os artigos apresentados
na sessão principal da revista partem, portanto, desse nosso desejo e
versam sobre dois grandes temas abordados nas mesas-redondas que
compuseram o Seminário, divididas da seguinte forma:
MESA 1: Aspectos da criação no teatro para crianças e jovens: drama-
turgia, musicalidade e encenação, que contou com a presença de Laís
Dória (Casa de Ensaio – MS), Karen Acioly (RJ) e da pesquisadora Ma-
rina Marcondes Machado (USP), com mediação do professor e músico
Eugênio Tadeu (UFMG).
MESA 2: A Formação de público para o teatro infantil e jovem, que
contou com a presença dos artistas e pedagogos Taís Ferreira (UFPel
– RS), Paulo Merísio (UniRio e CBTIJ), Érica Lima (Grupo Real Fantasia –
MG), com a mediação do professor Ricardo Ferreira (UFMG).
O interesse do Galpão Cine Horto por esses temas extrapolou a reali-
zação do Seminário e esta edição da Revista Subtexto, contaminando
outros importantes projetos do centro cultural, como o Conexão Galpão
e a Semana da Criança no Teatro. O Centro de Pesquisa e Memória do
Teatro também realizou, no período do Seminário, a exposição fotográ-
ica: Retratos do Teatro infanto-juvenil em Belo Horizonte, de 1983 a
2011, disponível na galeria virtual do portal Primeiro Sinal.
A sessão Cine Horto em Foco desta edição compartilha com o leitor
outra experiência no campo da formação de público para o teatro: a re-
estruturação pedagógica de nosso projeto sociocultural, Conexão Gal-
pão, que atende anualmente cerca de 10 mil crianças. Em seu artigo, o
coordenador do projeto, Reginaldo Santos, relata a trajetória do mesmo
projeto, dedicado a promover a interação do teatro com alunos e edu-
cadores da rede pública de ensino e que será objeto de sua pesquisa de
mestrado na FAE – Faculdade de Educação da UFMG.
Em 2011, o Grupo Galpão escolheu a obra do dramaturgo russo Antón
Tchekhov como pretexto para uma relexão sobre sua chegada aos 30
anos de carreira. Na sessão Galpão em Foco, o leitor terá contato com
as duas experiências criativas empreendidas pelo grupo nesse universo,
sob o ponto de vista de Yara de Novaes e Jurij Alschitz, diretores das
montagens –Tio Vânia – aos que vierem depois de nós e Eclipse, res-
pectivamente.
A sessão Teatro e Política traz um artigo redigido a seis mãos, com o
intuito de registrar a atuação do Colegiado Setorial de Teatro, órgão in-
tegrante da estrutura do Conselho Nacional de Políticas Culturais do Mi-
nistério da Cultura. Henrique Fontes, de Natal (RN), Jan Moura, de Cuia-
bá (MT), e Leonardo Lessa, de Belo Horizonte (MG), discorrem sobre
o atual contexto de participação social na gestão pública das políticas
culturais e apresentam um balanço panorâmico das ações desenvolvidas
pelo Colegiado de Teatro no biênio 2010-2011, do qual izeram parte
como representantes da sociedade civil. O artigo traz como extra para o
leitor o Plano Setorial de Teatro, resultante da atuação dessa gestão.
Juntamente com a nova Revista Subtexto, o Centro de Pesquisa e Me-
mória do Teatro do Galpão Cine Horto lança o livro Teatro sem Diretor,
do diretor e pedagogo russo Jurij Alschitz, em edição dedicada ao Grupo
Galpão. No livro, Jurij discorre sobre a importância das companhias de
teatro e seu processo de formação e amadurecimento artístico.
Ainda na seara das publicações, durante 2012 pretendemos realizar o
lançamento de livros produzidos por parceiros e colegas de outras lo-
calidades. Em fevereiro, o Galpão Cine Horto trouxe a Belo Horizonte o
diretor e pesquisador Antônio Araújo, do Teatro da Vertigem (SP), para
uma edição do projeto Sabadão e o lançamento do livro A Gênese da
Vertigem – O Processo de Criação de O Paraíso Perdido. Ainda esse
ano, o CPMT prepara um livro comemorativo dos 15 anos do Galpão
Cine Horto, que será lançado em 2013.
Fazendo uma ponte com o aniversário de 30 anos do Grupo Galpão, co-
memoramos nossa aprovação no Prêmio Pontos de Memória 2011, do
Instituto Brasileiro de Museus, com o projeto Preservação da Memória
do Grupo Galpão, que prevê inventário, catalogação em base de dados
online, restauração e exposição física e virtual do acervo de igurinos
dos espetáculos Romeu e Julieta (1992), A Rua da Amargura (1994) e
Partido (1999). O projeto se conigura como uma importante ação de
preservação e democratização do bem cultural, que viabilizará a troca
de conhecimento entre proissionais e estudantes de diversas áreas ad-
jacentes ao teatro.
Com essas iniciativas e desdobramentos, o Galpão Cine Horto procura
fortalecer a amplitude de suas ações e o caráter formativo subjacente a
elas. Às vésperas de completar quinze anos, seguimos levantando ques-
tões e estabelecendo diálogos que impulsionem a consistência dos pro-
jetos e promovam nossa própria reinvenção. Seguimos propondo que
o frescor da criação contamine cada projeto, cada produto, cada ato
resultante de nossa atuação.

Boas leituras!
Equipe do Galpão Cine Horto
Teatro para a Infância
e Juventude: criação e
formação de público
Aspectos da criação no
teatro para crianças e jovens:
dramaturgia, musicalidade e encenação
17

UM PONTO DE VISTA SOBRE O


TEATRO PARA CRIANÇAS

Eugênio Tadeu*
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais,
é só a fazer outras maiores perguntas.
Riobaldo

Este texto é uma breve relexão sobre o vasto tema do teatro para crian-
ças e adolescentes. Ele é baseado nas experiências com trabalhos artís-
ticos e formativos, desenvolvidos ao longo de mais de vinte anos, e do II
Seminário Subtexto em Diálogo, do Galpão Cine-Horto, cujo tema foi:
“Teatro para a infância e juventude”.
Dentre os assuntos discutidos no referido seminário, destaco a concep-
ção de infância nas produções artísticas dirigidas a esse público: o es-
pectador para o teatro infantil e sua formação.
Esses complexos e instigantes assuntos estão na pauta de artistas de
teatro e de pesquisadores das artes cênicas nas universidades e necessi-
tam, sem dúvida, de uma relexão especíica, pois são aspectos impor-
tantes do universo teatral.
Neste texto, faremos uma breve abordagem sobre esses tópicos na in- * Mestre em
Educação pela UFMG
tenção de provocar outras perguntas e de apontar para algumas pistas (2000). Professor
assistente na EBA/
como propostas de ação. UFMG e doutorando
em Artes Cênicas
Comecemos pelas concepções de infância nas produções artísticas di- – área Pedagogia
do Teatro (ECA/
rigidas a esse público. Qual a concepção de criança está presente em USP). Sua pesquisa
enfatiza a música e a
nossas produções artísticas? Ao produzirmos algum espetáculo infantil, improvisação vocal-
estamos expondo nossas ideias de infância. Esse entendimento é forma- teatral em diálogo com
o universo infantil. É
do no decorrer de nossa vida e tem inluência da construção de infância fundador do Grupo
Roda Pião.
18 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

idealizada pela sociedade. Essa concepção sofre mudanças no tempo e


está ligada a muitos fatores, dentre eles o mercadológico, o educativo
e o sociológico. E é possível também que imaginemos uma infância,
idealizando-a em uma invenção individual.
O segundo aspecto que nos chamou a atenção foi sobre o espectador
do teatro infantil. Pergunto-me: que público é esse? De que maneira ele
é formado? O que estamos chamando de formação?
Primeiramente é preciso esclarecer o que signiica formação. Segundo o
dicionário Aurélio, a palavra formação pode ser entendida como consti-
tuição ou caráter. Então, mudamos a pergunta para: como constituir um
público para o teatro infantil?
Nesse aspecto, pensamos que há dois sentidos a serem reletidos: for-
mar um consumidor que desfrute dessa arte e constituir um sujeito que
frui a experiência artística, a partir do estudo da linguagem teatral.
Sabemos que a arte é um bem cultural a ser consumido, mas ela não é
um produto qualquer. Ela tem especiicidades que nos são caras, pois
lida com a sensibilidade, com a criação, com a história da cultura huma-
na e, especialmente, lida com o imaginário e o simbólico dos sujeitos.
O trabalho artístico, que é ofertado a esse público consumidor, poderia
ter elementos para aguçar a sensibilidade desse espectador de fantasiar
e, aos poucos, aprimorar sua capacidade crítica. Para essa constituição,
o público infantil precisa ter contato com aquilo que já existe em termos
de produções teatrais, pois é pelo intermédio de um repertório de vi-
vências que se cria senso estético e se faz escolhas. Seria formidável ter
um “público consumidor” sim, mas que seja um consumidor constituído
a partir de referências que o levem a ter senso crítico. Dessa maneira, a
criança terá uma iniciação teatral em nível de um espectador ou de um
“consumidor” de arte baseado na própria experiência.
Nessas circunstâncias, o papel do adulto é de grande importância, pois
a criança não tem condições de ir ao teatro sozinha para “consumir”
essa arte. Cabe, então, a esse adulto a responsabilidade de selecionar o
repertório que essa criança terá acesso. É importante ressaltar que essa
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 19

escolha passará pelo crivo desse adulto, pois ele é quem terá o conheci-
mento daquilo que está sendo apresentado nos teatros e nas praças.
No âmbito desse tipo de formação seria a família que proporcionaria as
primeiras experiências de ver algum espetáculo, pois a criança depende
de seu núcleo social para ter acesso aos bens culturais; no nosso caso,
aos espetáculos teatrais. Sempre queremos transmitir aquilo que nos
provocou uma boa experiência e da qual desejamos compartilhar. Pare-
ce-me, então, que o gosto nesse nível de formação é que prevalece na
experiência de ver teatro. Se o núcleo social ao qual a criança pertence
tiver acesso a esse bem cultural e dele usufruir, é grande a probabilida-
de de esse grupo compartilhar as idas aos espetáculos com a criança.
Ressalto que, os valores atribuídos por esse grupo social ao teatro, não
condicionam essa formação teatral da criança, mas criam possibilidade
de ela ser iniciada nessa constituição por intermédio do apreciar.
Nesse caminho, as perguntas não cessam: – Quais seriam os elementos
que constituiriam esse público? – Que tipo de espetáculo deveria ser apre-
sentado às crianças? – De qual experiência artística estamos falando?
Sabemos que há espetáculos de diferentes concepções. Há aqueles que
optam por uma estética dos estereótipos de uma infância “infantilizada”
e aqueles que procuram estéticas teatrais que não banalizam a criança e
que procuram ampliar a experiência de seu cotidiano. Cada uma dessas
vertentes nos propõe maneiras diferentes de concepções artísticas. A
criança que é levada ao teatro para ver um espetáculo pode ter uma
experiência que lhe agrada ou não, pois cada sujeito tem uma recepção
diferente. Nada nos garante que um espetáculo, do qual temos gosto
por ele, irá afetar a criança da maneira que queremos.
De um lado temos essa constituição de um público que é baseada na
ida ao teatro pelo convívio familiar e, de outro, temos outra abordagem
que é mais especíica e que lida diretamente com a ideia de formar um
público de teatro.
Essa formação refere-se àquela realizada em escolas e cursos de tea-
tro e visa à iniciação na linguagem teatral. É notado que, nesses luga-
20 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

res, há alguns princípios pedagógicos que estão presentes no ensino


do teatro. Dentre esses princípios, percebemos o “faz de conta” como
um elo entre a criança e o fazer teatro. Baseados em situações lúdicas,
os elementos teatrais são postos em práticas. Dessa forma, a partir de
uma referência encontrada nos modos de vida da criança, a experiência
de fazer teatro apresenta-se como um caráter formador. É importante
destacarmos que a brincadeira da criança não é o fazer teatro, pois o
brincar é uma atividade que prescinde do espectador, ou seja, do sujeito
que vê e está presente na constituição do jogo teatral. Há um trecho
no livro de Viola Spolin (SPOLIN, 1993, pp. 254-255) que ilustra muito
bem essa diferença. Fazer a conexão entre o jogo infantil e a experiência
teatral é um caminho já trilhado por muitos proissionais.
No cotidiano da criança, o jogo tem um sentido autotélico que lhe é
próprio, ou seja, ele tem um sentido em si mesmo. A sua utilização como
mediador na prática teatral caracteriza-se por uma função heterotélica,
cujos objetivos vão além do brincar. Na brincadeira, a criança apreende
e se expressa no mundo, pelo simples brincar. No fazer teatro, esse brin-
car é potencializado para a busca de uma formação estética, de acordo
com as normas dessa expressão artística.
Cabe-nos lembrar que, a experiência teatral com a criança, não neces-
sita de uma relexão dos procedimentos, pois no próprio ato, ela relete
– de um modo sensorial e à sua maneira – sobre aquilo que está vendo.
Porém, há caminhos nos quais podemos referenciar-nos nesse processo.
Dentre eles, destacamos a proposta triangular anunciada por Ana Mae
(Barbosa, 1998). Ver, fazer e contextualizar são aspectos de uma ação
que abrange três momentos distintos, mas que são inseparáveis no pro-
cesso formativo. O “ter referências” leva-nos a produzir e a relacionar
as produções com o universo social ao qual vivemos e faz com que
aprendamos com aquilo que o outro produz, e que é diferente daquilo
que fazemos.
Ao observarmos esses diferentes níveis de formação e de experiência
empírica de ver teatro, deparamo-nos com a pergunta: – Ainal, o que
é teatro para crianças?
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 21

Pensamos que talvez seja um teatro que respeite o tempo da infância,


que é de fantasia, mas não de abstração; de crueldade e de singeleza;
de afeto e de intriga; de quietude e de algazarra. Que deixe na área de
jogo um espaço vazio para a criança completar a cena teatral, recriando
a sua própria trama. O tempo da infância não é único, pois não há “uma
infância somente”, há infâncias. O trabalho que é dirigido a esse público
poderia tocar em assuntos da vida e não somente apresentar um mundo
gratuito de animais, balões e cores. O tempo da infância também é um
momento de dor e o que importa é mostrar que a dor está aí na nossa
frente e com ela devemos lidar.
O teatro para a infância não tem a obrigatoriedade de ensinar, mas
deveria insinuar e deixar brechas para que o público complemente, in-
terprete ou faça suas próprias leituras daquilo que está vendo. Na cena
teatral para a infância tudo cabe, mas nem tudo pode. O respeito à
sensibilidade da criança precisa vir como princípio de trabalho. Olhar
para a criança real é valorizá-la como pequeno sujeito de seu tempo; é
respeitá-la como ser que pensa a seu modo e percebe as coisas que vê
de forma diferenciada.
Não há respostas seguras para as questões que nos fazemos quando
pensamos no fazer teatro para a infância. O que há são pistas, vislum-
bres de algumas possibilidades que nos fazem acreditar que é factível
constituir um público de teatro que seja mais atento, que tenha conhe-
cimentos que lhe auxiliarão para a fruição ao ver um espetáculo e para
participar de alguma construção teatral.
Se nos perguntarmos qual é o papel do adulto nessa formação, tendo a
apostar que sua função é de apresentar um mundo de possibilidades es-
téticas, de invenções, de transgressões e de maneiras diferentes de dar
signiicados às coisas. O sujeito adulto tem a responsabilidade de acom-
panhar a criança nesse mundo iccional. A criança fantasia, inventa,
descobre e quer ver o avesso das coisas. O adulto, para acompanhá-la,
precisa tocar nesse universo, mas não se esquecendo de que é adulto e
que sua “meninice” é de outrora, e o que permanece em sua constitui-
ção é o espírito exploratório, inquiridor e a capacidade de fantasiar.
22 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Pensar o teatro para a infância é deixar fruir o potencial sensível que o


adulto tem de tocar no universo da fantasia e, como diz Riobaldo, “meu
coração é que entende, ajuda minha ideia a requerer e traçar”.

Referências e sugestões de leituras

ABRAMOVITCH, Fanny (org.). O mito da criança feliz. São Paulo: Sum-


mus, 1983.
ABRAMOVITCH, Fanny. O estranho mundo que se mostra às crianças.
São Paulo: Summus, 1983.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro:
LTC, 1981.
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/ Arte,
1998.
BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do espectador. São Paulo, Hucitec,
2003.
GONÇALVES, Zanilda. Nos bastidores do teatro infantil. Belo Horizon-
te: Armazém de Ideias, 2002.
KOUDELA, Ingrid. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2002.
PUPO, Maria Lúcia. No reino da desigualdade. São Paulo: Perspectiva/
FAPESP, 1991.
PUPO, Maria Lúcia. “O lúdico e a construção do sentido”. In: Sala Pre-
ta, revista do Depto. de Artes Cênicas/ ECA/USP. São Paulo: ECA/
USP, pp. 181-187, ano 1, n. 01, 2001.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar – práticas dramáticas e for-
mação. São Paulo: Cosacnaify, 2009.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. 4ª Ed. São Paulo: Perspec-
tiva, 2003.
TABLADO, O. Cadernos de teatro. N. 16. Rio de Janeiro: O Tablado,
1961.
23

BRINCATURAS E TEATRICES
A arte das cenas para e
com muitas crianças e adolescentes

Espetáculo Mestre Tereré no Pantanal, o causo do vanerão da


bicharada. Casa de Ensaio, 2011. Fotógrafo: Thiago Jordão
Lais Doria*

Descrever os caminhos que me levaram a desenvolver a metodologia


pedagógica da Casa de Ensaio representa um esforço de documentação * Atriz, artista
de um processo que envolve o resgate não somente de uma memória pesquisadora, pintora,
diretora de teatro e
pessoal, mas também de uma memória coletiva, de um patrimônio de encenadora da Casa
de Ensaio e da Trupe
iniciativas que visam à construção do tecido social através do artístico. da Casa. Fundadora da
Casa de Ensaio, hoje
Ao mesmo tempo em que busco aqui reletir sobre a complexa articula- atua como supervisora
ção entre o artístico, o social, o pedagógico, o antropológico, o político artística e pedagógica
da organização. É
etc., esse artigo deve ser visto como um processo de autoquestiona- Mestre em Artes
Cênicas pela ECA/USP.
mento, de autorrelexão, e não como a descrição de um projeto acaba- Desenvolve trabalhos
de direção artística em
do, idealizado. TV, Cinema e Ópera.
24 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

A metodologia teatral, desenvolvida na Casa de Ensaio com crianças e


adolescentes moradores de bairros populares, passou, portanto, por um
crivo crítico durante um processo acadêmico de mestrado. Aqui, pro-
cessos humanos são vistos como uma abertura para o ‘não-saber’. Nes-
se sentido, a construção de formas espetaculares a partir do exercício
teatral com crianças e adolescentes é o resultado de um processo que
parte, a cada vez, do desconhecido e do experimental. De fato, minhas
práticas cênicas transformaram-se nesse processo, culminando em um
curso livre de cinco ou mais anos consecutivos de duração: Brincaturas
& Teatrices (nome criado com palavras inventadas pelos alunos. Prêmio
em 2010, pelo MINC, como Pontinho de Cultura).
Brincaturas & Teatrices nasceu dentro de um dos programas-âncora da
Casa de Ensaio: o Palco de Experiências, no qual as regras na arte de
encenar foram tomando seu rumo em função da construção em parceria
com as crianças. É um processo de ação cultural que vem sendo desen-
volvido desde 1996 – quinze anos de trabalhos consecutivos com crian-
ças e adolescentes, estudantes de escola publica. Nessa ação cultural da

Espetáculo Casa e com o curso Brincaturas & Teatrices, por exemplo, procurei antes
Mestre Tereré no
Pantanal, o causo organizar e levantar quais seriam as questões necessárias ao processo
do vanerão da
bicharada. Casa de criação denominado “arte-transformação,” sabendo que ninguém
de Ensaio, 2011.
Fotógrafo:
transforma ninguém. Sendo assim, busco uma ação transformadora na
Thiago Jordão qual as crianças e os adolescentes tenham condições de percorrer seus
caminhos com mais consciência e sensibilidade, para que possam ser
os sujeitos de suas ações. Foi este o percurso que escolhi para formatar
esse curso: desenvolver uma metodologia teatral com crianças e ado-
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 25

lescentes, através da relexão sobre si mesmos, buscando a construção


da consciência individual e coletiva com afeto, magia, alegria e muitas
brincadeiras. Mas, a escolha não foi casual. Como sabemos, o teatro é
um campo fértil e aglutinador de sonhos. Entre pesquisas e vivências
práticas, percebi o quanto o jogo cênico pode ajudar a promover a cons-
ciência do eu e do coletivo. Essa metodologia vai desenvolvendo seu re-
pertório de ações e valores em torno dessas práticas. Como proporcio-
nar ao aluno/atuante uma transformação individual através da criação
teatral de uma forma estética coletiva? Essa é uma das perguntas que
possui implicações pedagógicas. Tratamos de potencializar ou despertar
em cada aluno/atuante o seu talento individual e seu sonho, muitas
vezes adormecido. Incentivamos o aluno a expressar-se sem medo, sem
preconceito, ampliando seu horizonte de opções culturais com novas in-
formações e conceitos, fazendo a ligação com o mundo contemporâneo
e desenvolvendo neles uma atitude mais crítica e relexiva com relação
ao seu universo, possibilitando as descobertas artísticas de cada um.
Temos ainda como objetivos especíicos promover, na Casa de Ensaio,
um espaço democrático de trocas de informações e experiências entre
alunos/atuantes e proissionais brincantes de áreas ains, envolvendo
questões culturais, sociais, políticas e ambientais de sua tribo, região e
do mundo. Além disso, apresentamos à comunidade local, a cada ano,
novos trabalhos artísticos experimentais em teatros ou espaços alterna- Alunos atuantes da
Casa de Ensaio com
tivos, ou até mesmo na sala de teatro da Casa de Ensaio. Procuramos estátua do poeta
também fomentar e desenvolver, na diversidade cultural, uma rede de Manoel de Barros, em
Campo Grande, MS.
conhecimentos através de encontros com pesquisadores, artistas, brin- Fotógrafo: Lisa Ria

cantes brasileiros e estrangeiros que


possam trocar pensamentos, expe-
riências individuais de arte-transfor-
mação, de questões culturais, sociais
e ambientais, tendo em mente um
mundo melhor hoje, agora, já.
Nos primeiros anos dessa experi-
ência na arte das cenas com muitos
(1996/1999), os passos eram lentos e
26 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

o público-alvo da Casa era constituído apenas de crianças e adolescen-


tes com experiência nas ruas1. Trabalhar, conhecer e conviver com esses
meninos, através da arte, era um caminho novo e instigante. A questão
de como fazer arte com quem não tem comida sempre me inquietou.
Se esses meninos não eram atendidos nem nas necessidades básicas,
como eu poderia oferecer um alimento como a arte (também básico
e vital, mas para a alma) e mostrar que esta não era supérlua? Como
trabalhar a existência humana desses jovens que, além de não serem
atendidos nas suas necessidades primordiais, estavam vulneráveis a si-
tuações como a não-efetivação de seus direitos de cidadania? Começo
assim, deinindo as bases para a construção de um processo de criação
dialético através de uma prática pedagógica com objetivo mais especíi-
co: a organização do e para o coletivo.
De acordo com o pedagogo russo Makarenko, a educação da perso-
nalidade está também em uma prática pedagógica que vem de uma
organização pelo fazer coletivo. Ele é convicto de que a inalidade da
educação reside não somente em educar um homem de espírito criador,
mas que devemos educar, também, uma pessoa que seja obrigatoria-
mente “feliz”. Apesar de Makarenko ter, na sua época, uma posição
socialista dentro de um regime político comunista, gostaria de ressaltar
esse mesmo princípio da Casa, qual seja: “educar para que uma pessoa
possa ser feliz”. Ao fazer uma comparação entre os jovens atendidos
por ele com os jovens que estavam sendo atendidos por mim na época,
muitos caminhos se abriram para essa minha busca.
Assim, iniciei o diálogo também com esse pedagogo, compreendendo
melhor um novo percurso que seguia através de identiicação com suas
ações e que culminaria nesse curso Brincaturas & Teatrices. Buscava,
com essa experiência, encontrar uma metodologia capaz de resgatar as
histórias de vida de cada aluno e do ser coletivo. Privilegio o teatro sem
deixar de lado as outras manifestações artísticas culturais, como a dança,
a música, as artes visuais, a literatura, o cinema, a percussão, a multimí-

1 Hoje, o nosso público alvo é de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos, estudantes


de escola pública, moradores de bairros periféricos da cidade de Campo Grande, MS.
Espetáculo
Coragem, porque
um é um nenhum.
Casa de Ensaio,
2003. Fotógrafo:
Gustavo Barbosa

dia, entre outras, que são oferecidas nas oicinas durante esse curso. Até
hoje, mesmo conhecendo os sacrifícios que ainda vislumbro no dia-a-dia,
em se tratando de trabalhar a arte das cenas com e para crianças, ado-
lescentes e jovens, com poucos recursos inanceiros e muitos preconcei-
tos, percebo que o processo de transformação é individual e gradativo.
Sabendo que “ser feliz” é cada vez mais complexo e relativo, pode-se per-
ceber que a apropriação da arte na Casa atua como um dos fortes meios
de integração do aluno enquanto um ser cidadão, para que, assim, ele pos-
sa agir com mais autonomia, alegria e mais dignidade em suas escolhas de
vida – já que nossos alunos não tiveram o privilégio de um convívio mais
pleno com a arte. E, a grande via pela qual esta apropriação da arte nos
possibilita não é outra senão a via da educação, tomada aqui em sentido
especiico: por meio de uma metodologia teatral experimental voltada à
cultura da infância e da adolescência, em busca de uma “pedagogia da
alegria e da delicadeza”, no sentido mais amplo da palavra.
Tal pedagogia é dividida em dois semestres: No primeiro, as oicinas de
artes transcorrem de acordo com as turmas e as idades dos alunos, nos
seus diversos segmentos, sempre tomando como base as brincadeiras,
através dos jogos tradicionais (resgate da cultura da infância), jogos tea-
trais, o corpo, a voz falada e cantada; sem deixar de lado a estética, a ale-
gria e o afeto, desde o primeiro até o último ano do curso (5 a 8 anos).
No inal de cada semestre, apresentamos à comunidade um Brincato
(nome inventado pelos alunos, que signiica “brincar de teatro”). O
Brincato é uma aula aberta, sem pretensão de se montar uma peça, no
qual é apresentado, aos pais e à comunidade, um pouco do que apren-
demos nas oicinas no primeiro semestre. As oicinas que são oferecidas
durante o curso de Brincaturas & Teatrices, modiicam-se a cada ano,
de acordo com as necessidades e desejos dos alunos que passam nesse
28 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

percurso pela Casa, baseados nas experiências anteriores. O planeja-


mento do curso, como o nome diz, é um plano que sempre se atualiza
e se constrói a cada novo ano. Aprendemos fazendo, experimentando,
analisando; uma construção diária e orgânica.
No entanto, no segundo semestre, o que fundamenta teoricamente a
metodologia da Casa é, mais uma vez, a história do teatro, por meio
de mestres como Dario Fo. Assim, dividimos todos os alunos em grupos
como, por exemplo: os cantantes, os dançantes, os brincantes, os tocan-
tes. Tomamos como base a Commedia Del’arte, com os cantares, balares
e sonares. As idades se misturam e eles se agrupam de acordo com seus
desejos, escolhas pessoais, ainidades, necessidades e (ou) dons artísticos.
Vigotsky parte do principio de que misturar as idades faz com que o
maior aprenda com o menor e vice-versa. E, como fazer teatro é também
a arte do coletivo, juntos todos crescem e o exercício do coletivo, do coro
e da generosidade passa a ser o nosso norte de trabalho. O foco é único:
montar um carpet show de até trinta minutos, com sabor de espetáculo
teatral, mas sem preocupação com grandes cenários, luz, igurinos etc.
Fazemos com o que temos e podemos, sem recursos inanceiros, toman-
do sempre o cuidado também com a estética teatral, pois eles a aprendem
melhor durante a montagem do espetáculo apresentado anualmente no
teatro, que faz parte do Programa Palco de Experiências.
Cabe aqui uma explicação desse programa Palco de Experiências, um
Ponto de Cultura (2009). Ele existe desde 1996, mas, atualmente, só
Espetáculo
Mestre Tereré no
Pantanal, o causo
do vanerão da
bicharada. Casa
de Ensaio, 2011.
Fotógrafo:
Thiago Jordão
1° leitura do texto
de um espetáculo
com os alunos
atuantes na
Casa de Ensaio.
Fotógrafo: Lisa Ria.

acontece quando se consegue patrocínios inanceiros e econômicos mí-


nimos para um bom andamento do espetáculo. Monta-se uma grande
produção teatral com proissionais de renome na icha técnica; escolhe-
se um grande teatro na cidade e todos os cem alunos entram em cena
durante uma semana inteira. As portas são abertas a toda a comunidade
e geralmente apresentam-se oito sessões consecutivas, com um público
de mais de seis mil pessoas na cidade de Campo Grande, MS, Brasil.
Nas nossas encenações, não incentivamos um único protagonista – to-
dos protagonizam e recebem seus personagens, de acordo com suas
disponibilidades pessoais e potencial artístico. O texto, criado pelos pro-
fessores brincantes junto aos alunos, já é escrito também para muitos
personagens, com diálogos curtos, sabendo que estamos trabalhando
com crianças e adolescentes. Alguns personagens são criados com mais
falas, outros com menos ou até nenhuma, mas todos são importantes
para o bom desenvolvimento do espetáculo teatral do carpet show.
Como o processo é brincante e orgânico, muitas cenas acontecem e
nascem durante os ensaios. Por isso mesmo a cada ano, novas regras
passam a existir e se tornam bem rígidas, como a do comprometimento
com o outro de não faltar aos ensaios. Assim, a presença é fundamental.
Os alunos atuantes recebem seus personagens e, se por acaso, come-
çam a faltar e não justiicam, dependendo da importância dos ensaios e
da proximidade da estreia, vão sendo substituídos.
Dentro dessa metodologia, todas as unidades de estudos icam voltadas
à dramaturgia da peça a ser encenada. Iniciam juntos, alunos e brin-
cantes, o processo de montagem do carpet show, que possui o mesmo
formato de uma peça: desde as pesquisas sobre o tema escolhido, as
primeiras leituras, a criação do igurino com a customização das peças, a
30 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

programação visual, os adereços, a trilha, o texto, as coreograias e, aos


poucos, vai-se percebendo qual é o tom do novo ato artístico a ser en-
cenado. O tom nasce durante os ensaios e nas conversas de roda. Como
esse trabalho não vai para um grande teatro, sendo apresentado no es-
paço da Casa (150 lugares), a projeção de voz é menor, oportunizando
mais alunos a quebrar uma de suas grandes barreiras: falar em público.
Cabe, nesse contexto, falar um pouquinho sobre nossa realidade e iden-
tidade cultural, para um melhor entendimento do peril desses alunos: A
Casa de Ensaio está situada no Mato Grosso do Sul, fronteira com Pa-
raguai e Bolívia. É nessa procura das “inutilidades da arte” – como diz
o nosso poeta da terra, Manoel de Barros, – que a diversidade cultural
desse Estado lutua na modernidade com o hibridismo, que vai da música
à dança, passando pela arte culinária, poesia e costumes em geral. Dentro
desse processo de ganhos ou perdas, de apropriações de identidades, é
que essas experiências servem também para entendermos melhor quem
são os alunos/atuantes da Casa de Ensaio, foco de nossos estudos e tra-
balho contínuo. Portanto, procurei manter um experimento que me levas-
se a um caminho ativo que reivindicasse a dura realidade cultural desse
Estado, no plano político, no contexto social do século XXI. Procurei pes-
quisar e interferir na organização social desse trabalho, tendo como foco
uma ação coletiva que estimulasse e gerasse ações que transformassem
e pudessem discutir essa realidade, provocando, indignando, apontando
e agindo contra algumas ações devastadoras do homem. Procurei ainda
desenvolver uma experiência que possibilitasse a arte-transformação e a
diversidade cultural, através da arte das cenas e das outras artes, para um
desenvolvimento humano mais equânime com e para crianças e adoles-
centes. E assim segue a Casa, ‘crescendo para passarinho’...
Espetáculo
Mestre Tereré no
Pantanal, o causo
do vanerão da
bicharada. Casa
de Ensaio, 2011.
Fotógrafo:
Thiago Jordão
31

O TEATRO, A CRIANÇA E OS
“MUNDOS DE VIDA”:
aspectos existenciais da criação adulta sobre
e para as culturas da infância

Marina Marcondes Machado*

Introdução

Vou partir intencionalmente do convite ao leitor à imagem de um muro,


cuja signiicação plena se dará no inal da relexão: haveria, em nossa
cultura, um muro entre a criança e o adulto, bem como entre o teatro
infantil e o teatro para adultos. Esse muro, como tantos outros, é histó-
rico, e diz respeito ao surgimento da noção de infância.
Hoje a “infância” está fortemente arraigada em nós; em muitos adul-
tos existe a crença em um “Mundo da criança”, bem como em uma
“mentalidade infantil”. Essas noções arraigadas nos levam a outras, e
a mais outras ainda, e, numa rede de nexos e interconexões, constro-
em concepções de teatro, de criação e de produção cultural. Adultos * Escritora e
não estudiosos da pedagogia e da sociologia da infância nem ao menos pesquisadora das
relações entre infância
formulam a questão de que a infância, tal como a concebemos, é um e cena contemporânea.
Formadora de
construto. professores de teatro
e docente na Escola
Também a demarcação de faixas etárias em objetos da cultura nos é Superior de Artes Célia
Helena. Psicóloga
dada historicamente, concomitante ao surgimento das especializações graduada pela PUC/SP,
mestre em Artes pela
do conhecimento: os campos da psicologia e da pedagogia, da medicina ECA/USP, doutora em
e da puericultura, da literatura e das artes, bem como das legislações Psicologia da Educação
pela PUC/SP, e pós-
voltadas para a infância e a juventude. Especialistas na primeira infância doutora em Pedagogia
do Teatro pela ECA/
passam a deter um poder, ao serem consultados acerca da produção de USP.
32 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

brinquedos, comidas, roupas, e tantos outros objetos. Assim surgem


demarcações de territórios: indicações e proibições; isso também gera
uma indústria paralela: aqueles que foram consultados tornam-se con-
sultores proissionais – especialistas que sabem o que é bom para José
ou Antonia… Saberiam o que é “próprio” e “impróprio”, e, certamente,
se questionados, pensam ser “censores do bem”.
É meu ponto de vista que esse saber não deveria estar monopolizado
por consultores e especialistas, mas antes, deveria circular pela coletivi-
dade de adultos envolvidos na indústria cultural voltada para a infância
– mais ainda, haveria de ser inventado e recriado a partir das relações
entre os adultos e as próprias crianças. Como fazê-lo? A partir de uma
relexão aprofundada sobre o “papel” dessa indústria, com viés prois-
sional e ético, ampliando o foco para além da necessidade de fazer cir-
cular capital inanceiro. Trata-se de saber pensar e produzir pensamento
sobre o capital simbólico da indústria cultural voltada às crianças. Novos
pensamentos trazem novas ações, antes não imaginadas, porque não
pensadas.

E se o “Mundo da criança” não existisse?

Por “relexão aprofundada” dos adultos entendo: clariicar as noções de


infância, de arte e de produção cultural veiculadas em cada processo,
em cada trabalho (teatro, cinema, roupa, brinquedo, gibi…). Ao estudar
a fenomenologia da criança, tal como a proposta pelo ilósofo Maurice
Merleau-Ponty, que por quatro anos lecionou Psicologia e Pedagogia
da criança na Sorbonne (os Resumos de Cursos foram publicados no
Brasil pela Editora Papirus, em 1990, em dois volumes), encontramos
dois grandes eixos na propositiva do ilósofo: primeiro, o “mundo da
criança” é uma invenção adulta, e, segundo, inexiste a “mentalidade
infantil”. O que existem são modos de ser e de estar no mundo – no
mesmo mundo, sem muros instransponíveis – mas marcados por mo-
dos diversos, diferentes apreensões entre o adulto e a criança. Também
Merleau-Ponty nos mostra que o adulto tem seus resquícios de pensa-
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 33

mento pré-lógico tanto quanto a criança nos surpreende com insights


ou lashes de maturidade.

Em seus Cursos na Sorbonne, Merleau-Ponty pensa na chave antro-


pológica, questionando a psicologia desenvolvimentista, bem como a
psicanálise tradicional. Ele comenta que estaria por ser inaugurada uma
“psicanálise cultural” e nos faz pensar sobre todos os “genéricos” sobre
a criança e a infância. Para Merleau-Ponty, somos “seres-em-situação”,
e os contextos vividos são tão importantes em nossa constituição quan-
to os aspectos biológicos, da espécie, e estruturais, em termos psíquicos
humanos. O ilósofo airma que a criança é onírica, polimorfa e não
representacional. Ela apresenta uma maneira de apreender o mundo
muito diversa da do adulto; a criança é plástica, e seu modo de ser é
pré-relexivo: ela encontra-se mergulhada na experiência, na qual não
há possibilidade de distanciar-se nos primeiros anos de vida.

Adultos representando crianças

Quando adultos fazem papel de crianças, especialmente no teatro in-


fantil ou infanto-juvenil, suas noções de infância encontram-se forte-
mente evidenciadas, encarnadas em seus corpos e nos igurinos, adere-
ços, vozes, cabelo e maquiagem: tudo revela o que o adulto vê, pensa,
sente e pressente na criança “em geral”. A cultura da infância mostrada
cenicamente pelo adulto, assim, pode ser algo muito próximo das ex-
periências infantis bem como pode revelar o que o adulto acredita que
“deveria ser” a vida infantil…

De todo modo, adultos não são crianças e jamais saberemos novamente


o que é ser criança exatamente tal qual no momento de nossas infân-
cias. Penso que o trabalho de proximidade com as culturas da infância
hoje, acontece por meio do desenvolvimento, no ator, de um percurso
traçado entre a arte e a educação: ensinar teatro, conduzir propostas
teatrais com jovens e crianças aproximaria o adulto da criança mesma,
tal como ela vive de fato: em nosso tempo, em nosso espaço. Esse cami-
34 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

nho de pesquisa para o ator, esta forma-conteúdo antropológica pode


ser riquíssima, e as crianças, ao fazerem teatro, talvez nem sintam ne-
cessidade de “serem representadas” pelos adultos em peças de teatro!
Por que não escolher retratar a cultura adulta diante das crianças, suas
diiculdades, contradições e projetos de futuro?

Um adulto que fala de si e de sua geração adulta, parece-me muito


mais próprio, hoje, do que adultos que se infantilizam para contar uma
história que se pretende ser “o ponto de vista da criança”, tantas e
repetidas vezes vista, ouvida e mostrada de maneira caricaturizada e
miniaturizada.

Adultos presentificando o estado de infância

Outro caminho – doado a nós pela cena contemporânea e bastante pró-


ximo da noção merleau-pontiana da criança pequena e seu modo não-
representacional – está na “presentiicação” da infância como estado
corporal, afetivo, psíquico, social, histórico e político. Trabalhar em cena
a infância como um princípio, ou seja, como o início da vida de todos
nós, é fazer um tipo de teatro que podemos nomear existencial. É pen-
sar em um tipo de inteligência e sensibilidade que a criança tem e que
nós deixamos para trás; é captar no corpo do ator aquela inteligência
e sensibilidade, captar o momento pré-relexivo, um tempo misterioso
e interessante onde o “ser” coincide com o “eu”. Não representar mas
antes corporiicar esse estado é uma pesquisa longa e profunda do ator
e do encenador, uma pesquisa de algo novo e na contra-corrente de
tudo que é comum e usual no teatro que retrata crianças por meio de
atores adultos. A busca do incomum, do inusitado, do diferente é algo
que poderá renovar a cena do teatro infanto-juvenil e quiçá levá-lo a ser
teatro, bom teatro para todas as idades.

Pesquiso a presentiicação do estado de infância desde 1999, ano do


início do meu mestrado em Artes, sob orientação da Profa. Maria Lucia
Pupo. Inicialmente inspirada em Bachelard e Merleau-Ponty, meu tra-
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 35

balho de pesquisa de criação dramatúrgica e direção intitulou-se “Ca-


cos de infância”; na dissertação, discorri sobre o desaio de montar um
trabalho sem demarcação etária, que falasse sobre nascimento, vida e
morte – e não uma dramaturgia sobre ser criança.

Dez anos depois, ao descobrir as ricas possibilidades de troca entre an-


tropologia e teatro, cheguei a uma maneira de criar que, de certo modo,
prescinde da encenação tradicional como “resultado”. A criança é, ela
mesma, performer de sua existência, e o adulto continente, isto é, o
adulto que permite a ela ser o que ela é, seria o “produtor cultural” ideal
– e o teatro, nessa chave, é a vida mesma.

Para concluir, ou “O Muro: Atmosferas”

Volto à imagem do muro. Pesquisei alguns dos modos de vida urbana


das crianças em situações de espera, no ano de 2009, em minha pes-
quisa de pós-doutoramento. Um dos meus sítios de observação foi o
muro de uma EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil, sigla em São
Paulo). A etnograia contínua da saída das peruas escolares, bem como
outras observações feitas de forma sistemática no Terminal Rodoviário
Tietê, izeram-me retomar a noção relacional entre adultos e crianças,
evidenciando as relações de poder. Gosto do modo de deinir do pes-
quisador Nadorowski:

A infância é fenômeno histórico e não meramente natural e as


características da mesma no ocidente moderno podem ser es-
quematicamente delineadas a partir da heteronomia, da depen-
dência e da obediência em troca de proteção. (Nadorowski apud
Quinteiro, 2009, p. 22).

Deinir o tempo da infância por relações de poder é algo que neces-


sariamente nos leva a pensar sobre os muros: todos os tipos de muro.
Observei, por inúmeras tardes, crianças saindo da escola e os perueiros
36 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

tinham lá seus modos de organização. O modus operandi mais cru era o


das moças que vinham, do portão principal ao pedaço do muro onde a
perua estava estacionada, dizendo, com aspereza: “Paredão! Paredão!
Paredão!”: seria o código verbalizado pelos adultos para obediência,
palavras de ordem adulta para que as crianças não saíssem do prumo,
não corressem na rua, não se dispersassem do ato de sair da escola e
entrar na perua escolar.
Voltar à imagem do muro é procurar fechar o pequeno círculo hermenêu-
tico traçado nesta relexão. Penso ter atingido um ponto de intersecção
entre dados etnográicos e cena teatral ao criar um muro pensante; não
um personagem nem um cenário, nada de “animismos” – mas antes,
uma situação viva, uma experiência rica em teatralidade. O muro criado
pensa e sente, assemelha-se à criança que nele encosta; tem medo de
chuva de verão e se sente só nos dias em que a escola não tem aula:

O acontecimento cênico nomeado aqui “O Muro: Atmosferas”


será recorrente, ou seja, pode acontecer por diversas vezes, em
diferentes ângulos/momentos.
Madrugada / Manhã de Inverno / Meio-dia de Domingo / Final
de tarde com Chuva de Verão, são quatro climas e atmosferas,
ambientações de um mesmo lugar.
As situações são semelhantes, mas trarão “sutis diferenças” re-
veladas no gesto do ator e na plasticidade/ capacidade de trans-
formação do Muro, desveladas nos climas conseguidos por meio
da luz e da musicalidade, sempre em conexão com e na absorção
daquilo que aqueles que assistem estiverem comunicando.

PRIMEIRA SITUAÇÃO
Na Madrugada:
O Muro Chora e Ri
(sem que ninguém o ouça)
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 37

SEGUNDA SITUAÇÃO
Na Manhã de Inverno:
O Muro Lamenta a Necessidade das Crianças de Saírem de suas
Camas para Irem para a Escola (mas gosta de ser usado e pre-
enchido)

TERCEIRA SITUAÇÃO
Ao Meio-dia de Domingo:
O Muro Chora sua Solidão e Ri da sua Liberdade
(domingo é seu dia de folga)

QUARTA SITUAÇÃO
No Final de Tarde com Chuva de Verão:
O Muro Morre de Medo (de enchente, de enxurrada, de criança
perdida)

Essas quatro situações podem ser intercaladas, interpostas às


outras cenas e momentos cênicos, bem como podem conviver
(quatro climas concomitantes).
Para deixar, propositalmente, o leitor com gostinho de “quero
saber mais”, paro por aqui, anunciando, como projeto de futuro,
a criação de inúmeros outros roteiros de improviso: expressão
propositalmente paradoxal, na qual um dramaturgista cria parti-
turas cênicas e poéticas próprias e impróprias, a serem transfor-
madas em ação, presentiicadas em gesto e palavra pelos inte-
ressados na obra. Que assim seja.

Referências

MACHADO, M. M. “A criança é performer”. Educação & Realidade


– FACED/UFRGS. Porto Alegre v.35 n.2. maio/ago. 2010a. pp. 115-
137.
MACHADO, M. M. Merleau-Ponty & a Educação. BH: Autêntica,
2010b.
38 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

QUINTEIRO, Jucirema. “Infância e Educação no Brasil: um campo de


estudos em construção”. In: GOULART, Ana Lúcia, DEMARTINI, Zé-
lia de Brito Fabri; PRADO, Patrícia Dias. (Org.) Por uma Cultura da
Infância: metodologias de pesquisa com crianças. Campinas: Auto-
res Associados, 2009. pp. 19-47.
SARMENTO, M. “As Culturas da Infância nas Encruzilhadas da 2å Mo-
dernidade”. Disponível em: http://cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_
Trabalho/textos/encruzilhadas.pdf. Acesso em 26/04/2011
TURNER, V. O processo ritual / Estrutura e Anti-estrutura. Petrópolis:
Editora Vozes, 1974.
WINNICOTT, D. W. Playing and Reality. New York: Routledge, 1994.
39

É PARA CRIANÇAS?

Karen Acioly*

Toda vez que realizamos o FIL (Festival Internacional Intercâmbio de


Linguagens –RJ), ou mesmo um de nossos espetáculos, muitos pais nos
perguntam: “Mas, isso é para crianças ou é pra mim?”
Acho curiosa essa questão, indicando que, na cabeça de muitos adultos,
o que é interessante para um, não deve e não pode, necessariamente,
interessar nem ser proveitoso para o outro.
Por que separar, se podemos unir? O teatro – que estimula a abertura
no campo das curiosidades, apura o senso crítico, estético, e vai além,
atingindo o campo das emoções íntimas – é para todos.
O FIL, já em sua décima edição, a cada dia, a cada ano, propõe a inte-
gração, a convergência de gente, de ideias, de proposições e de lingua-
gens cênicas inovadoras, num leque de diferentes combinações... E é
para todo mundo, todas as idades, sem distinção, levando em conside-
ração o tempo, o espaço e o mundo em que vivemos hoje.
O ponto principal para a ideia de convergência, no FIL (e em todos os
espetáculos que realizo e pretendo realizar) é a capacidade de contato
que uma linguagem artística pode fazer com outra; que o público pode
fazer com a arte; que uma cultura pode fazer com outra cultura – em * Diretora e autora
de espetáculos
suas diversas maneiras e apropriações –, buscando os possíveis des- infanto-juvenis.
Sua obra já recebeu
dobramentos que se pode propor com esse contato e com o encontro diversas premiações
especializadas na
entre o humano e a arte, entre a criança e o adulto, entre assistir, expe- área. Fundou e dirigiu
rimentar, vivenciar... o primeiro Centro
de Referência do
Teatro Infantil do Rio
O encontro artístico, o contato e suas interações e interfaces tocam a de Janeiro. Criou o
Festival Intercâmbio de
infância e, como a infância é transversal a todas as culturas, ela está em Linguagens, voltado
todo o lugar. para crianças, do qual
é diretora artística e
curadora.
40 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Caberá aos adultos a responsabilidade de criar um leque de possibi-


lidades e excelências artísticas para que a criança reine seu paladar
artístico, crie seu senso crítico, cresça saudável e descubra seu lugar
participativo e harmonioso no mundo em que vive.

ESQUERDA Espetáculo Fedegunda. Direção de Karen Acioly. Fotógrafo: Ilana Bessler


ACIMA Espetáculo Cabelos Arrepiados. Direção de Karen Acioly. Fotógrafo: Andrea Nestrea
ABAIXO Espetáculo 20 minutos sobre o Mar. Direção de Karen Acioly. Fotógrafo: Ilana Bessler
A Formação de público
para o teatro infantil e jovem
43

CINCO (OU MAIS) PERGUNTAS


SOBRE A CRIANÇA-ESPECTADORA E
QUATRO (INCERTAS) RESPOSTAS

Taís Ferreira*

Cinco perguntas nortearão estas linhas sobre crianças e teatro, teatro


com crianças, crianças no teatro: tudo isso hoje, neste mundo em que
vivemos, que é tão diferente e repleto de coisas diversas do mundo
de ontem. As respostas, portanto, são contingentes: valem para nossos
dias, para algumas crianças (e não todas), para certos teatros e para
escolas de determinados lugares. Não tenho certeza de quais são as
crianças, os teatros e as escolas que serão contemplados neste curto
texto, no entanto, sei que muitos não vão se enxergar nestas respostas.
Para estes, icam as perguntas, que sempre nos dão a pensar e por isso
se mostram produtivas e bem-vindas!

1. Ser espectador: isso se aprende?

Esta me parece uma boa pergunta para começar a falar da questão do


espectador. Ou melhor: das questões dos espectadores, já que quando
falo em espectadores trago à tona a individualidade dos processos de * Professora de teatro,
pesquisadora e atriz.
espectar, diferente de quando falo em público ou em plateia, pois aí me Foi professora de
crianças, jovens e
reiro à coletividade anônima que compreende o grupo de espectadores adultos em projetos
que se relaciona com determinado espetáculo ou acontecimento artísti- sociais e também nas
universidades UCS,
co em um espaço e um tempo especíicos. UFRGS e UFSM.
Hoje é professora das
licenciaturas em teatro
Cada espectador, cada sujeito que forma uma plateia, seja adulto, idoso, e dança da UFPel.
criança ou bebê, carrega consigo um baú de experiências, experiências É coordenadora do
Programa de Bolsas de
de vida e vivências como espectador de diversos artefatos culturais. Essa Iniciação à Docência
(PIBID/CAPES/UFPel).
Espetáculo Deus e bagagem (que pode receber o nome acadêmico de “capital simbólico1”)
o Diabo na Terra
de Miséria. Oigalê é aquilo que nos pertence e nos constitui, que nos ensina não só a nos
Cooperativa de
Artistas Teatrais. relacionarmos com as linguagens artísticas e comunicativas, como tam-
Porto Alegre, RS.
Fotógrafo: Kiran
bém nos ensina modos de ser e estar no mundo, o que é certo e errado,
bonito ou feio, como devemos nos portar e do que gostamos ou não.
Claro que não é tão simples e não aprendemos a ser quem somos ou a
“estar” quem somos somente com livros, revistas, ilmes, roupas, pro-
gramas televisivos...
Existem muitas outras instâncias que nos constituem: a família, a escola,
a igreja, o bairro, o time de futebol, a comunidade, a etnia, a nacionali-
dade, o gênero, entre tantos outros. Há muitos discursos que atravessam
esses espaços e nos atravessam, discursos esses que, por exemplo, vão
dizer que bom e importante é ser negro, ou ser amarelo, ou ser bran-
co, ou ser azul. Nós, atravessados por eles e estimulados pelo contexto
e pelos sujeitos que nos cercam, escolhemos ser ou estar de alguma
cor e nos apegamos a isso, defendemos esta cor e suas peculiaridades.
E assim vamos, aos poucos, construindo nossas identidades, que são
acrescidas cotidianamente de novas pertenças e destituídas de outras
que descartamos e/ou substituímos.

1 Para conhecer melhor o conceito, ver livros do sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 45

Assim também aprendemos a ser espectadores: no contato com as


diferentes culturas, com os diversos sujeitos e com a variedade quase
inindável de artefatos culturais que nos oferta o mundo contempo-
râneo. Ninguém precisa freqüentar uma “escola do espectador” para
ser espectador. É nos processos de relação com os artefatos e com os
signiicados conferidos a esses por nós e pelos outros, e pelos discursos
que veiculam esses artefatos, que aprendemos a ser espectadores, que
construímos nosso gosto por x ou por y. E este gosto pode estar em
permanente estado de câmbio: o que gosto hoje não necessariamente
é do que gostarei amanhã, pois a recepção e estar/ser espectador é um
processo em permanente luxo de construir e desconstruir para cons-
truir um outro. Mas mesmo que o gosto se modiique, num processo
salutar de constituição da identidade de espectador, as relações e as
experiências anteriores passam a fazer parte, todas elas, de nosso “baú
de pertences não palpáveis”, do capital simbólico que cada um de nós
possui. E é este capital que acessamos ao nos relacionarmos com os
diferentes espetáculos, artefatos e linguagens.

2. Como as crianças se relacionam com o teatro hoje?

Há alguns anos, a relação das crianças com a linguagem teatral na con-


temporaneidade tem me interessado e instigado. Pesquisei sobre isso e
escrevi um livro, capítulos de livros e alguns artigos. O leitor que quiser
se aprofundar sobre esta questão poderá ler A escola no teatro e o tea-
tro na escola2, que trata de um estudo de recepção teatral com crianças
espectadoras, destrinchando seus desejos, expectativas, conhecimen-
tos, percepções e as mediações que atravessam esses processos. A es-
cola apresenta-se, nesse panorama, como a principal mediação entre
as crianças e o teatro, já que é através das instituições de ensino que a
maior parte dos infantes tem seus primeiros e/ou únicos contatos com o
fazer teatral e com a apreciação de espetáculos.

2 FERREIRA, Taís. A escola no teatro e o teatro na escola. 2ª. ed. Porto Alegre: Media-
ção: 2010.
46 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Se compreendo a recepção como um processo (nossa relação com um


espetáculo ou manifestação artística começa muito antes do momento
do contato, passa pelo durante e estende-se para muito além, atraves-
sando diferentes cenários e comunidades de recepção), entendo o es-
pectador como um co-autor da obra, como parte necessária e ativa de
um artefato cultural ou de uma obra de arte, já que é ele quem constrói
sentidos, signiicados e sensações a partir de seu repertório e da relação
travada com o objeto.
As crianças hoje, ao relacionarem-se com o teatro, já possuem uma vasta
bagagem como espectadoras de muitas outras linguagens, o que as torna
espectadoras experientes, se não do teatro, de outros meios audiovisuais e
espetaculares. Mas a relação com o teatro, o conhecimento e a apreensão
dos muitos elementos componentes da linguagem e do acontecimento te-
atral em si são adquiridos paulatinamente, em processos de construção de
conhecimentos especíicos que poderiam envolver a prática teatral, a con-
textualização histórico-cultural dos artefatos e a relação como espectador
de teatro. Aprende-se teatro fazendo, assistindo, reletindo e debatendo
sobre teatro também, além de todos outros lugares, artefatos e espaços
que nos ensinam a ser espectadores. Assim, sistematizar processos de
aquisição de conhecimento da linguagem teatral beneiciaria a recepção
de espetáculos ou ações cênicas (teatro, dança, circo, performance) pelos
sujeitos que vivenciassem estas relações de ensino-aprendizagem.

Espetáculo
Negrinho do
Pastoreio. Oigalê
Cooperativa de
Artistas Teatrais.
Porto Alegre, RS.
Fotógrafo: Kiran
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 47

O que quero dizer com o airmado nos parágrafos acima? Que especta-
dores somos todos, independente de freqüentarmos uma escola ou de
termos contato com o ensino formal das linguagens artísticas, espetacu-
lares, literárias e audiovisuais. No entanto, ser atravessado por experiên-
cias com as linguagens (fazer, ver, contextualizar) também é abrir novas
possibilidades de leituras e de construção de sentidos e signiicados a par-
tir das artes cênicas. É potencializar a relação dos sujeitos com as artes.

3. A produção cultural para a infância dialoga com as


diferentes infâncias e crianças da contemporaneidade?

Começo airmando que no mundo, hoje, existem diversas formas de se


vivenciar as infâncias. A infância não é mais uma: aquela frágil, inocen-
te, vazia, dependente dos adultos, inventada pela modernidade. Temos
crianças trabalhadoras, crianças sabe-tudo, crianças informatizadas, ex-
ploradas, abandonadas, crianças repletas de tarefas e obrigações. En-
im, são tantas as infâncias quantas as possibilidades de se estar vivo
no mundo contemporâneo. E isso excede, e muito, a visão da infância
enquanto um período mágico, lúdico, apartado da realidade, um tempo
de aprendizado e diversão.

Espetáculo Deus e
o Diabo na Terra
de Miséria. Oigalê
Cooperativa de
Artistas Teatrais.
Porto Alegre, RS.
Fotógrafo: Kiran
48 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Destarte, a pergunta inicial será respondida com uma série de questões.


Se cada leitor reletir sobre estas perguntas, a partir das suas experiências
e dos artefatos que conhece, assiste e/ou produz, certamente chegará a
respostas mais interessantes que a minha. Não preciso dá-la ao leitor de
forma tão óbvia, já que esse pode construir seus sentidos a partir de sua
bagagem. Creio eu que a pessoa (adulta) que se interessou em ler esse
artigo, construído por estas perguntas, deve ter plenas condições de fazer
um exercício de autoanálise (do que ouviu, viu, sentiu ou produziu no
teatro para crianças).
Portanto, seguem as perguntas: quem é o espectador presumido do tea-
tro para crianças? Levam-se em conta as diversas formas de se vivenciar
a infância no teatro para crianças? Considera-se a infância enquanto uma
fase da vida culturalmente construída (não natural) e múltipla? O teatro
para crianças pensa as crianças e as infâncias no plural? Quais são os di-
versos atravessamentos que constituem as crianças como espectadores,
na contemporaneidade? Que experiências com linguagens audiovisuais,
cênicas e espetaculares estão presentes na vida das crianças hoje? Conte-
údos, temáticas e estéticas propostas na produção cultural para crianças
e jovens respondem ao horizonte de expectativas deste público? As crian-
ças se veem e se reconhecem na cena teatral infantil?
A essa altura, se o leitor exercitou responder a essas questões, podemos
seguir para a escola.

4. Qual o papel da escola na relação das crianças com o teatro?

As imagens televisivas, o cinema, o videogame, a internet, os outdoors,


as festas comunitárias, a música, as manifestações populares (religiosas
ou laicas), que permeiam todas as sociedades, entrelaçando mídias in-
ternacionalizadas e culturas locais, povoam o imaginário e o cotidiano
das crianças, ensinando-lhes modos de ser e estar no mundo e a serem
espectadoras de acontecimentos artísticos, além de ensinar-lhes e a agi-
rem como espectadoras da realidade.
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 49

Negar essas experiências dentro dos muros da escola seria uma postura,
no mínimo, inocente por parte de professores, pais e funcionários, pois
crianças pequenas já possuem suas vivências e têm amplo poder de nego-
ciação com diversas linguagens midiáticas, audiovisuais e espetaculares.
Para que o teatro aconteça, deve haver um pacto entre artistas e espec-
tadores, pacto este muitas vezes não verbal, não escrito, não emitido
e que se aprende no ato mesmo de ser espectador, de ir ao teatro, ao
cinema, ao circo, a recitais, a concertos e a shows de música. Mas como
trabalhar este pacto com crianças que não costumam freqüentar casas
de espetáculos? Impondo regras e limites arbitrariamente? Proibindo
a criança de mover-se, falar ou expressar qualquer reação durante o
momento da assistência? Não me parece que esta seja uma introdução
produtiva às vivências com o teatro. Mas como abordar a compreensão
das regras, ou seja, dos pactos a serem estabelecidos no acontecimento
teatral e que potencializam a fruição desse pelos espectadores mirins?
Uma das formas mais produtivas de apreensão dos códigos e dos pro-
cedimentos que estão envolvidos na linguagem teatral é experimentá-
los na prática. Não há manuais escritos que ensinem a ser espectador
e muito menos a fazer teatro. Vivenciando com seus corpos e ações o
fazer teatral, potencializa-se e torna-se outra a relação como espectador
das diversas linguagens cênicas, espetaculares e (por que não?) midiáti-
cas; além de desenvolver aspectos fundamentais de criatividade, imagi-
nação, oralidade e expressão corporal, trabalho em grupo e cooperação,
noções estéticas e éticas, entre tantas outras.
Propiciar às crianças idas ao teatro e fazer destes momentos (festivos)
espaços de conhecer, viver e pensar o teatro é muito importante. Mas
fazer do antes e do depois uma série de atividades obrigatórias como
escrita de textos, desenhos, questionários e tarefas inindáveis pode ter
um efeito contrário e fazer com que os pequenos espectadores asso-
ciem o teatro a mais uma de suas muitas obrigações cotidianas como
crianças contemporâneas. Há que se ter cuidado (e delicadeza), portan-
to, na condução de atividades antes e depois da ida ao teatro.
50 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

5. É preciso ensinar as crianças a serem espectadoras das artes


cênicas?

Volto a essa que é a pergunta sem resposta, já que cada artista, pai ou
professor, poderá encontrar a sua resposta ao relacionar-se com as diver-
sas infâncias. A mediação direta da escola e dos familiares é necessária
para a relação das crianças espectadoras com os espetáculos? Ou elas já
possuem bagagem suiciente para isso nos dias de hoje? Não estaríamos
limitando as leituras e usos das artes pelas crianças ao direcionarmos
seus olhares e sentires? Um mediador não é um fornecedor de cami-
nhos já trilhados? Por que não permitir a construção de novos trajetos
perceptivos? Será que, no mundo de hoje, necessitamos de facilitadores
que nos deem respostas ou de complicadores que nos interpelem com
perguntas? Como podemos atuar como mediadores que estimulem a
proliferação de percepções e não que tolham as possibilidades de ser
espectador e de construir sensações e sentidos pelas crianças?
Deixo o leitor com essas questões, como fruto da outra questão, em
aberto, para que nos deem a pensar...

Espetáculo Miséria,
servidor de dois
estancieiros.
Oigalê Cooperativa
de Artistas Teatrais.
Porto Alegre, RS.
Fotógrafo:
Taís Ferreira
51

A FORMAÇÃO DE PÚBLICO
PARA O TEATRO INFANTIL

Paulo Merisio*

Este breve texto abordará, dentre tantos, dois aspectos que parecem
fundamentais para a discussão em torno da formação de público para o
teatro infantil. O primeiro aspecto está associado justamente à ideia da
experiência, numa abordagem que toca em conceitos que vêm subsi-
diando as discussões em torno da pedagogia do espectador. O segundo
está ligado a elementos presentes na própria cena que podem estimular
um exercício crítico e participativo no momento mesmo da fruição do
espetáculo. E, como a prática artística está intrinsecamente vinculada à
minha produção relexiva, me cercarei de exemplos de experiências da
trajetória de meu grupo de teatro, a Trupe de Truões, de Uberlândia.
Há uma parábola de Walter Benjamim, intitulada Omelete de Amoras, na
qual um rei pede que o cozinheiro consiga repetir o paladar daquela ome-
lete, ameaçando-o de morte, caso fracasse. O rei, ainda criança, estava
fugindo com seu pai de um ataque inimigo e eles encontraram abrigo na
casa de uma senhora que lhes prepara a omelete. O cozinheiro, então, se
* Doutor em Teatro
oferece ao carrasco respondendo conhecer todos os truques da receita, pela UNIRIO. Professor
do Curso de Teatro
mas apontando sua incapacidade de agradar ao rei, pois jamais consegui- e Coordenador do
Programa de Pós-
ria resgatar os temperos que lhe deixaram aquela impressão: Graduação em Artes
Cênicas da UNIRIO.
Dirige, desde 2002, o
Faltará o perigo da batalha e o seu picante sabor, a proximidade grupo uberlandense
Trupe de Truões, no
do pai na loresta desorientadora, a emoção e a vigilância do qual é coordenador
fugitivo perdido. Não será omelete comida com o sentido alerta pedagógico do Ponto
de Cultura (MG)
do perseguido. Não terá o descanso no abrigo estranho e o calor Trupe de Truões.
do fogo amigo, a doçura da inesperada hospitalidade de uma ve- Membro do Conselho
Administrativo do
lha. Não terá o sabor do presente incomum e do futuro incerto. Centro Brasileiro de
Teatro para a Infância
(Benjamim, 1995, p. 220) e Juventude - CBTIJ /
Biênio 2010-2012.
Jogos de
experimentação
de sombras.
Instituto
Tereza Valsé –
Uberlândia/ MG,
2008. Fotógrafo:
Letícia Carvalho

Como transformar as experiências teatrais na infância em uma “omelete


de amoras” para os espectadores? Qual caminho para tornar marcante
esse encontro?
Pode-se recorrer, em primeiro lugar, a conceitos que vêm sendo objeto
de discussão na área da pedagogia do teatro e que se referem à for-
mação do espectador. Desgranges (2008) aciona um pensamento de
Bertolt Brecht, em que o autor diz que as crianças deveriam ter a mesma
iniciação que têm no esporte, na arte. A experimentação das regras do
jogo, os entusiasmos reletidos na paixão dos pais e dos amigos tornam,
desde cedo, pequenos espectadores de eventos esportivos em grandes
críticos. Experimentar um jogo é, certamente, apropriar-se de suas re-
gras. E assim também pode ser na arte.
Faço aqui a primeira referência a uma experiência vivida por nosso grupo
de teatro – que tem como um de seus focos principais o teatro sem res-
trição de faixa etária. A Trupe de Truões, dirigida por mim, é composta
por atores formados em Licenciatura em Teatro, na Universidade Federal
de Uberlândia. Há, portanto, uma forte relação entre a prática artística
e a pesquisa docente. No processo de montagem do espetáculo Simbá,
o marujo (2008) – que faz parte de nossa trilogia de As mil e uma noites
–, pudemos contar com uma oicina de teatro de sombras, com o Grupo
Giramundo, de Belo Horizonte. Essa experiência contaminou a prática
em sala de aula do grupo e um de nossos atores, Ricardo de Oliveira,
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 53

passou a fazer experiências com seus alunos, que tinham, em média,


3 anos de idade. Nas aulas de teatro, eles descobriram a existência da
sombra e izeram várias pesquisas e jogos experimentando projeções
em um tecido branco (Figura 01). Esses mesmos alunos foram assistir
à Simbá no Teatro Rondon Pacheco – em projeto que previa a partici-
pação de alunos e seus familiares. O pai de uma das alunas comentou
depois da peça que, durante a cena de sombras (Figura 02), ele se dirigiu
à ilha e disse que aquilo era mágica. A menina respondeu: – Não, pai.
Há uma fonte de luz e uma igura recortada que faz a sombra.
O contato anterior desta menina com um dispositivo usado no espetá-
culo teatral permitiu que ela tivesse uma relação de maior proximidade
com a peça – chegando a expor o “truque” a seu pai –, mas não a
impediu de se envolver com a experiência. Fazer teatro, experimentar
os elementos que compõem a cena teatral, discutir sobre eles, são fa-
ses fundamentais na formação de um espectador com uma perspectiva
crítica mais apurada. Teixeira Coelho (2004) diferencia o “consumo” do
“uso” de uma obra artística (ver de forma mais aprofundada em Meri-
sio, 2011). O autor airma que o uso pressupõe elementos de iniciação
que permitam que o receptor possa dialogar com a obra e não mera-
mente consumi-la. Acionando novamente Desgranges (2006):

O fato artístico não está contido completamente no objeto, nem


no psiquismo do criador, nem do receptor, mas na relação desses
três elementos. E aí podemos ressaltar um primeiro aspecto pe-
dagógico presente na experiência com a arte: a atitude proposta
ao contemplador. Ou seja, o fato artístico solicita que o indi-
víduo formule interpretações próprias acerca das provocações
estéticas feitas pelo autor, elaborando um ato que é também au-
toral. Assim, o contemplador, para desempenhar o papel que lhe
cabe no evento, precisa colocar-se enquanto sujeito, que age,
pois a contemplação é algo ativo, e que cria, pois a atuação é
necessariamente artística. (Desgranges, 2006, pp. 28-29)

Passamos, então, a abordar o segundo aspecto – que, certamente, não


está descolado do primeiro. A obra teatral é, por deinição, polissêmica.
54 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Cada indivíduo, ao se rela-


cionar com um espetáculo,
aciona suas experiências para
empreender uma leitura úni-
ca, a partir dos estímulos que
lhe são propostos e dos ele-
mentos que compõem o seu
imaginário. Essa perspectiva,
que se coloca como dada no
teatro “para adultos”, pare-
ce ainda nublada quando se
pensa na formação do espec-
tador infantil. Tomo como
exemplo experiência razoa-
velmente recente que tive em
debate realizado em um festi-
val com foco no teatro infan-
til. Alguns questionamentos
sobre determinadas monta-
gens, que não possuíam uma
narrativa mais clássica, pa-
reciam soar completamente
anacrônicos nos tempos do
teatro “pós-dramático”.
Se, na atualidade, vem-se in-
vestigando uma cena em que
o espectador pode ter um
papel mais efetivo em ter-
mos de complementaridade
da obra teatral, por que não
encarar a leitura que as crian-
ças possam vir a fazer de um
espetáculo sob este mesmo
prisma? Novamente acio-

Espetáculo Simbá, o marujo. Detalhes de utilização do dispositivo cenográico.


Trupe de Truões, Uberlândia/ MG, 2008. Fotógrafo: Marcos Prado
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 55

nando a experiência da Trupe, resgato uma premissa proposta por Peter


Brook que norteia nossa linguagem: o encenador diz que no “espaço va-
zio” podemos aceitar que uma garrafa seja o foguete que nos levará ao
encontro de uma pessoa real em Vênus. Depois, numa fração de segun-
do, tudo pode mudar no tempo e no espaço. Basta que o ator pergunte:

– Há quantos séculos estamos aqui? E daremos um gigantesco


passo adiante. O ator pode estar em Vênus, em seguida num
supermercado, avançar e retroceder no tempo, voltar a ser nar-
rador, partir de novo num foguete e assim por diante, em pou-
cos segundos, apenas com a ajuda de um mínimo de palavras.
(Brook, 1999, pp. 23-24)

Assim, Simbá, por exemplo, possui um cenário que não identiica uma
ambientação, mas que se permite ser diferentes espaços, em função da
narrativa (Figuras 03 a 05). Nesta perspectiva, também se coloca a atu-
ação, pois os atores navegam entre a função de narradores e diversos
personagens – membros da família do Simbá, marujos, seres marinhos,
etc. A completude da cena se dá pelos espectadores, de todas as idades.
E esta experiência, ao estimular um processo de abertura para a imagi-
nação, colabora, por meio da cena, na formação do espectador. Finalizo
esse texto com uma história que vivenciamos com um espectador de Sim-
bá, de 4 anos, que exempliica esta relação: ao saber que teríamos nova
apresentação do espetáculo, ele insistiu muito para a mãe que o levasse
novamente. No inal da apresentação, ele estava chorando. A mãe então,
preocupada, lhe perguntou se ele não havia gostado daquela apresenta-
ção; e ele respondeu: – Não, mãe, é que eu estou emocionado.

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter. “Rua de mão única”. Obras Escolhidas II. 5. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1995. pp. 219-220
BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1999
56 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. 3. Ed. São


Paulo: Iluminuras, 2004
DESGRANGES, Flavio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucitec,
2008
DESGRANGES, Flavio. A Pedagogia do Teatro: provocação e dialogis-
mo. São Paulo: Hucitec, 2006
MERISIO, Paulo. “Pedagogia do Espectador Infantil”. In: MERISIO, Pau-
lo e CAMPOS, Vilma (org.). Teatro: ensino, teoria e prática. Uberlân-
dia, EDUFU, 2011

Espetáculo Simbá, o marujo. Trupe de Truões, Uberlândia/ MG, 2008.


Cenas de teatro de sombras. Fotógrafo: Marcos Prado
57

FORMAÇÃO DE PÚBLICO EM TEATRO


PARA CRIANÇAS E PÚBLICO JOVEM

Érica Lima*
Fazer experiência

Ao se falar em formação de público em teatro para crianças e público jo-


vem, geralmente somos levados a pensar a experiência artística enquanto
atividade educacional, o que requer que alarguemos o sentido da palavra
educação. Penso que não se trata apenas de usar o teatro como ferramenta
para transmitir um conteúdo disciplinar ou valores morais, mas de acreditar
no valor da experiência autônoma do sujeito com a arte. A arte seria, assim,
o campo em que o sujeito teria condições de fazer experiência, num mun-
do em que cada vez menos essa experiência é possível.
Nesse esforço de pensar a atividade artística, um evento como este semi-
nário sobre o tema: formação de público no teatro para crianças e jovens
(público que, entendo, não compreende só as crianças e jovens, mas tam-
bém os adultos, que são aqueles que levam as crianças ao teatro e que
são responsáveis, dessa forma, pelo desenvolvimento ou não do gosto
pelo teatro) nos oferece a oportunidade de não apenas fazer teatro, mas
também pensar o teatro e suas possibilidades no mundo de hoje.
Walter Benjamin identiicara, na modernidade, uma pobreza de expe-
riência. Em “Sobre alguns temas em Baudelaire” 1, ele estabelece uma
diferença entre vivência e experiência, de que me valho aqui. O fulcro * Formada em Teatro/
Atuação pela Fundação
desse ensaio de Benjamin e de seu interesse aqui é a oposição entre a Clóvis Salgado, com
Erlebnis, a vivência urbana e moderna, na qual estariam ausentes tanto Mestrado em Literatura
Inglesa e Doutorado
o longo tempo de assimilação dos incidentes e impressões, quanto a em Literatura Brasileira,
na FALE/UFMG.
vida em comunidade, essenciais para a experiência e o que ele chama Desde 1998 integra o
Grupo Real Fantasia,
como atriz, produtora,
1 In: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. diretora e dramaturga.
58 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

de experiência em sentido pleno, a Erfahrung: “o conhecimento obtido


através de uma experiência que se acumula, que se prolonga, que se
desdobra, como numa viagem”.2 O sujeito integrado numa comunidade
disporia de critérios que lhe permitiriam ir sedimentando as coisas com
o tempo. Porém, o sujeito moderno estaria, segundo Benjamin, cada
vez mais pobre de expe-
riência e menos integra-
do à comunidade.
E o que dizer de nós na
contemporaneidade? Vi-
vemos um momento de
profusão – de imagens,
de tecnologias, de in-
formações, etc – no qual
parece estar em descré-
dito a experiência advin-
da do tempo lento, de-
morado. Nada do festina
lente, mas ao contrário,
só a pressa, intensiicada
pelas enormes quantida-
des de quase tudo, pelo
Espetáculo A excesso. Expropriados de experiência, em tempos hipermodernos, para
História de Tony
e Clóvis. Grupo
usar a expressão de Gilles Lipovetsky3, talvez tenhamos na arte ainda o
Real Fantasia. tempo e o lugar para fazer experiência. E qual experiência mais central e
Fotógrafo:
Erica Buzelin mais humana senão a infância? Não a infância período cronológico, mas a
infância experimentum linguae, que nos deine como humanos, infantes
que somos antes mesmo de podermos falar.
Podemos “deleuzianamente” dizer que atuar é um caso de devir: de-
vir-criança. Devir-criança não é imitar uma criança, identiicar-se com

2 Cf. Nota de Leandro Konder in: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no
auge do capitalismo. p. 146 (grifo meu).
3 Cf. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos.
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 59

uma criança, mas encontrar uma zona de vizinhança com ela. É explorar
como faz uma criança, numa “concepção cartográica” e não “arque-
ológica”: é dedicar-se aos meios, aos percursos, aos deslocamentos. Na
“concepção cartográica”, ao contrário da “concepção arqueológica”,
trata-se de um inconsciente cujos objetos não estão “afundados na ter-
ra”, mas “levantam voo”. Interessam os meios, os trajetos, os devires.4
E isso é poesia. Isso remonta também à atividade infantil do recortar e
colar, experiências fundamentais da infância, como nos lembra Com-
pagnon: “Imagino que, quando bem velho – se eu icar bem velho – re-
encontrarei o puro prazer do recorte: voltarei à infância”.5
Se Benjamin localizava as causas da “pobreza de experiência” da época
moderna na catástrofe da guerra mundial, Agamben nos lembra que hoje
não é necessária uma catástrofe para a destruição da experiência: “a pa-
cíica existência cotidiana em uma grande cidade é, para esse im, perfei-
tamente suiciente”.6 Segundo o ilósofo italiano, estaríamos condenados
hoje a uma “vida nua”, em que tudo é necessário e, portanto, nada é
possível; em que o estado de exceção estaria se consolidando como a
nova normalidade, seja no campo da política internacional, principalmen-
te a partir do 11 de setembro, seja no dia-a-dia do cidadão, extenuado
por uma mixórdia de eventos e notícias “extraordinários”, mas que não
se convertem em experiência, ou asixiado pelo consumismo desenfrea-
do. Encontramo-nos expropriados de experiência, não porque não exis-
tam mais experiências, mas porque estas “se efetuam fora do homem”,
que “olha para elas com alívio”. Liberados, mas também expropriados do
páthei máthos, experimentamos a opressão de um cotidiano repleto de
eventos signiicativos, que não se traduzem em experiência.
Mas, ao mesmo tempo em que Agamben reconhece, na contemporaneida-
de, aquela pobreza de experiência identiicada por Benjamin na modernida-
de, ele acredita numa experiência futura, já em germe. Ele “aposta” na in-

4 Cf. DELEUZE, Gilles. Critica e clínica. 2006, p. 75


5 Cf. COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. 2007, p. 11
6 Cf. AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da
história. 2005, p. 21
60 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

fância como experiência possível hoje. Uma infância da humanidade e não


apenas de parte dela, as crianças. “A vida humana enquanto vida ética” é,
para o ilósofo, a “tarefa infantil da humanidade que vem”.7 Mas aqui para
nós, o lugar da experiência é o teatro e o teatro para crianças e jovens, e por
isso, talvez, duplamente o lugar da experiência, se acreditarmos, junto com
Agamben, nesta infância como experiência por excelência.

O papel de um grupo na formação de público:


atuação em continuidade, querer-dizer, experimentalismo
Faço parte de um Grupo, Real Fantasia, que, há 28 anos, trabalha ex-
clusivamente com teatro para crianças e jovens. Acredito que o papel
que pode ter um grupo de teatro na formação de público reside prin-
cipalmente na atuação em continuidade. Essa forma de atuação requer
idas e vindas, revisões, pontos de mudança, mas principalmente conti-
nuidade.
Mas reconheço outros elementos neste percurso essenciais a esta con-
tribuição, que é, no fundo, uma tentativa constante de aprimoramento
de quem não desiste nunca. Há nesta trajetória marcas de um querer-
dizer da infância e para a infância, um experimentalismo que veio a
culminar mais recentemente na construção de dramaturgias próprias.
O início do Grupo é marcado por este querer-dizer da infância – fazer
experiência da infância: quando cinco jovens estudantes de teatro se
unem para dar início ao que viria a se tornar o Real Fantasia. Em meio
a cenas, geralmente de temáticas adultas, realizadas em exercícios em
sala de aula do curso de formação de atores do CEFAR, surge uma cena
para crianças, que se desenvolve posteriormente em uma peça teatral.
O que chama atenção nesta pequena narrativa é o surgimento de um
querer-dizer: uma cena feita para crianças em meio aos exercícios de
improvisação, geralmente de temática adulta. É perceptível que o sur-
gimento do grupo se dá por uma necessidade de um dizer da infância

7 Cf. AGAMBEN, G. op.cit. 2005


Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 61

e para a infância (e não por um cálculo, por se tratar de um nicho ou


de um ilão que valesse a pena; mesmo porque, àquela época, o teatro
para crianças era marginalizado, inclusive no próprio meio teatral).
Há aí, me parece, um aspecto que não pode ser menosprezado quando
se pretende falar em formação de público em teatro para crianças e
jovens: o suposto público alvo. De que infância falamos? A qual infância
falamos? Por que falamos à infância? Tomamos a infância como uma
experiência humana fundamental? Penso que sim.

Dramaturgias próprias

Mas se há, por um lado, um querer-dizer da infância, há, por outro lado,
um público que nos assiste. Se é problemático imaginar que se sabe
da infância, também o é ignorá-la por inteiro. Ao longo do percurso,
fomos nos encaminhando para a construção de dramaturgias próprias,
na busca de falar mais diretamente a este público, ao invés de partimos
de textos pré-existentes. Os processos foram se tornando cada vez mais
coletivos e os talentos individuais dos integrantes passaram a ser colo-
cados a serviço das montagens Assim, integrantes passaram a escrever,
dirigir e fazer cenograia e igurino.
Em Fantasmas, Monstros e Assombrações, foi o tema do medo que deu
ensejo ao surgimento de um musical que brinca com os medos infantis. Em
E se o mundo fosse uma grande brincadeira de criança?, foi o olhar infantil

Espetáculo
Fantasmas,
monstros e
assombrações.
Grupo Real
Fantasia.
Fotógrafo:
Sérgio Coelho
62 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

sobre o mundo, o mote para a construção de um espetáculo que propõe


revelar o lado ridículo de adultos estressados pelo mundo contemporâneo.
Através do jogo do clown branco e do clown Augusto, esses adultos redes-
cobrem o prazer do jogo. Em Mas que história é essa?, o enfrentamento
do tema da morte dá lugar ao surgimento de um espetáculo extremamen-
te poético, em que novamente se faz presente o jogo do clown.

Espetáculo Uma
Professora Muito
Maluquinha.
Grupo Real
Fantasia.
Fotógrafo:
Ricardo Milani
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 63

Atualmente, o tema do tempo está sendo trabalhado para dar surgi-


mento ao mais novo espetáculo do Grupo.
Como se pode perceber, a busca é fugir do teatro infantilóide e redutor
do que se pensa ser “adequado” à infância.

Concluindo

Há uma via de mão dupla na atuação em formação de público: nela está


presente o desejo daquele que se propõe a falar à infância e à juven-
tude – a partir do que me parece uma necessidade (o tal querer-dizer),
que faz com que busquemos uma renovação constante das linguagens
e dos temas, fugindo do teatro infantilóide e redutor, que toma o pú-
blico alvo com já sabido. Há, por outro lado, o próprio espectador, que
não é meramente passivo. Ao contrário, ele atua, forma-se conforme
aprende e apreende; faz experiência da experiência estética e artística
(desculpem a redundância), e assim interfere ativamente nesta arte que
é viva e mutante.
A continuidade da trajetória é que constrói este caminho de idas e vin-
das, avanços e retornos, acertos ou não, mas todos importantes, nesta
busca de construir uma atuação que mantenha viva uma arte que é
milenar e contra a corrente.
Talvez no teatro se possa sentir ainda a importância do narrador “ben-
jaminiano”, aquele que, ou vindo de terras distantes, ou inserido em sua
comunidade é responsável pelo cabedal de histórias essenciais à cons-
trução da memória coletiva, da experiência compartilhada e vertida em
saber coletivo, em experiência autêntica, enim.
E, em vinte e oito anos de história, já é possível falar em tempo de desdo-
bramento, tempo essencial ao apressar-se lentamente, ao acúmulo e sedi-
mentação, à viagem, enim. Neste período, crianças que nos assistiram tor-
naram-se adolescentes e depois jovens adultos, que hoje levam seus ilhos
para nos assistirem. Outros izeram escola e oicina conosco e alguns até
se tornaram atores. Possível falar, então, na inluência sobre uma geração?
64 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Acho que sim. Não se trata de um efeito que se meça estatisticamente,


mas a arte não é mesmo ciência exata, não é verdade? Nossa mensagem é
aquela na garrafa lançada ao mar, que não se sabe quando vai chegar, se
vai chegar e a quem vai chegar. Sabemos apenas que é preciso lançá-la ao
mar e convidar, a cada vez, mais crianças e jovens a navegarem conosco.

Referências
AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e ori-
gem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalis-
mo. São Paulo: Brasiliense, 1989. Obras escolhidas; v. 3.
COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2007.
DELEUZE, Gilles. Critica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 2006.
Espetáculo E se
o mundo fosse
KONDER, Leandro. Nota. In: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire:
uma grande um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. Obras
brincadeira de
criança? Grupo escolhidas; v. 3.
Real Fantasia. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos: Gilles Lipovetsky com
Fotógrafo:
Paulo Lacerda Sébastien Charles. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.
65

O TEATRO NA ESCOLA E A
FORMAÇÃO DE ESPECTADORES:
Relações possíveis

Ricardo Carvalho de Figueiredo*

Várias ações que visam sistematizar uma pedagogia do espectador têm


sido praticadas cada vez mais no âmbito da Pedagogia do Teatro. Seja
através dos Grupos Teatrais, que oferecem como contrapartida social
um desvelamento de seu processo criativo para os espectadores, ou
através de ações culturais pontuais gestadas por associações diversas,
que voltam seu olhar para o espectador. No entanto, como já constatou
Denis Guénoun (2004), por que vemos/oferecemos tantas oicinas de
teatro, mas as salas de espetáculo continuam esvaziadas? Estaria o es-
pectador interessado nos meandros do fazer teatral e alijado do proces-
so criador quando trazido para o lugar da apreciação? Os espetáculos
trazidos ao grande público realmente colocam o espectador frente à
obra, enquanto parte fundamental do processo, ou apenas deixam o
espectador em um lugar de intruso na obra?
* Professor
A partir desses questionamentos foi proposto o projeto Teatro e Infân- Assistente da UFMG
cia: experimentos teatrais na educação infantil, que desenvolve, desde e Doutorando em
Artes pela mesma
2010, a prática teatral com crianças na Unidade Municipal de Educação Universidade. Tem
experiência na área
Infantil Alaíde Lisboa. Esse é um Projeto de Extensão Universitária e de Teatro, com ênfase
em Pedagogia do
conta atualmente com quatro licenciandos/bolsistas do curso de Gra- Teatro e Teatro na
duação em Teatro1. Educação, atuando
principalmente nos
seguintes temas:
Objetivamos, assim: (a) promover o ensino de teatro na escola; (b) tra- formação de
professores de teatro,
zer o teatro (ensaio e apresentação) para o cotidiano escolar; (c) desco- processos de criação
brir potencialidades do teatro em sua interface com a criança pequena colaborativa, formação
de espectadores e
ensino de teatro na
Educação de Jovens e
1 São eles: Bruno Pontes, Charles Valadares, Gabriella Lavinas e Gabrielle Heringer. Adultos.
66 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

(em fase de escolarização); (d)


propor que o licenciando ex-
perimente propostas cênicas
quando inserido em seu campo
de trabalho – a escola; (e) bus-
car experimentações teatrais
com crianças pequenas; (f) de-
senvolver uma formação de es-
pectadores.
Para tanto, conseguimos, em
negociação com a escola, de-
senvolver aulas de teatro para
uma turma de vinte crianças
de quatro anos de idade, duas
vezes por semana, sendo cada
encontro realizado com uma
hora de duração. A professora
regente da turma acompanha-
va todo o trabalho e era consul-
tada sobre as propostas, a im
de estabelecermos uma troca
Espetáculo de saberes, dado o conhecimento da mesma sobre a especiicidade das
Espaço: Gaiolão
(exercício com crianças e da educação infantil.
alunos da UFMG).
Relação com
as crianças.
Mas o que pode ser o Teatro na escola? Fanny Abramovich (1978) lan-
Fotógrafo: çou, já na década de 1970, sete hipóteses do que NÃO seria o Teatro na
Ricardo Carvalho
Educação. Assim, uma disciplina curricular especíica de Teatro na Escola
não foi elaborada para:

(1) ser usada para realizar todas as festas escolares, ilustrando as da-
tas comemorativas; (2) criar um grupo teatral com os alunos talen-
tosos, excluindo os demais; (3) montar espetáculos, dando ênfase
exclusiva ao produto teatral; ainal, onde está a importância dada
ao processo de aprendizagem e desenvolvimento do educando?; (4)
agir como facilitador de conteúdos, ajudando as outras disciplinas;
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 67

(5) constatar as diiculdades e problemas psicológicos dos alunos;


(6) ensinar o conteúdo de História do Teatro; (7) fazer os alunos
assistirem a espetáculos proissionais. (Figueiredo, 2010, p.112)

Historicamente, compreendemos que o uso da Arte para outros ins edu-


cacionais está ligada à concepção instrumental que buscou fundamentar
a importância da arte através da contribuição que essa traz a outros cam-
pos do conhecimento. E hoje, dado o avanço da área, o ensino de Teatro
na escola modiicou esse status? Não é o que temos visto, tamanha a
quantidade de Professores que atuam no ensino do Teatro e não são for-
mados na área e, mesmo os licenciandos em Teatro, nem sempre conse-
guem implementar uma cultura teatral na escola. Romper com a tradição
não é tarefa simples e nem acontece de um dia para o outro.
Sendo assim, Teatro e Infância tem buscado modiicar o olhar da co-
munidade escolar para o Teatro, povoando o espaço educacional de
teatros. A partir de então, os licenciandos começaram a investigar po-
tencialidades do tempo-espaço escolar para a criação de uma Cena-
Espetáculo (apresentada no inal de cada semestre na escola). E todos
os ensaios semanais aconteciam dentro da escola, em espaços abertos.
Essa intervenção no cotidiano escolar foi constatada de forma peculiar,
conforme descrevo abaixo:

Ensaio da Cena-Espetáculo sob o gaiolão. 21/09/11. As crianças


de várias turmas passam para ir a outro espaço da escola e sempre
param para ver o que acontece. O adulto (professora) faz com
que deixem a área de interesse, cumprindo o objetivo proposto.
As crianças da turma Patota (única turma que faz aula de teatro
com os licenciandos) entram na cena, dada a intimidade com os
atores/personagens. Artista é alguém desconhecido? De longe?
Extra-cotidiano? Aqui não! Ele é professor, está junto. Os pais
vão chegando para buscar as crianças. Muitos param para ver o
ensaio. Ficam o tempo que podem. Talvez uns segundos a mais,
dada a estranheza da proposta: um ensaio de teatro na escola.
Algumas crianças esperam os pais com mochilas, vendo o ensaio,
quietas. Outras crianças acompanham a música, dançando. (Es-
68 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

cravos de Jó). De repente aparecem três professoras, cada uma


empurrando dois carrinhos de bebês e atravessam o espaço com a
atenção voltada para a cena. Sentam em frente à cena, enquanto
olham os bebês. (Extrato do caderno de campo do autor).

A proposta de realizar os ensaios no espaço escolar tem a ver com um


desvelamento do trabalho, possibilitando às pessoas que conheçam
minimamente como se dá a elaboração teatral – que, na maior parte
das vezes, acontece em sala de ensaio fechada e o espectador não tem
contato com o processo de criação, apenas com o produto inal. Além
de ser um laboratório rico para os atores, por terem as crianças como
partícipes das opções cênicas, a comunidade escolar é atravessada por
ações teatrais. Assim, o Teatro não precisa vir com dia e hora marcado,
enquanto evento nas festividades escolares. Ele está na escola, faz parte
e compõe o currículo da educação infantil.
Além dessa ação que se dá semanalmente na escola, o Projeto convidou
artistas da cena para apresentarem trabalhos e aulas-abertas às crianças,
fazendo com que a pluralidade de estéticas teatrais se izesse presente
na escola. Elaborar uma proposta de formação de espectadores requer
pensar numa formação de diversos olhares, ou seja, é necessário dar con-
dição e subsídio ao espectador para fruir obras de variadas linguagens. Se
o Teatro na Escola é ofertado de modo único, no sentido de apresentar-se
como sendo o único gênero teatral possível, além de restringir o olhar do
espectador, estaremos negligenciando formas outras da cena contempo-
rânea e, sem perceber, deixando para a escola apenas um Teatro, como se
esse fosse o teatro mais adequado para a escola. Se a escola é um espaço
de formação por excelência, essa formação em teatro deve vir rechea-
da de pluralidade, pois, se o educando tem a oportunidade de conhecer
teatros variados, poderá ser um apreciador das artes emancipado, com
menos pré-conceito com o que ainda não conhece.
Assim, o Teatro na escola, a partir de nossa experiência, tem trazido para
o cotidiano escolar o ensino do teatro pautado na interface com a infân-
cia, a im de desvelar aspectos dessa criança-im que se expressa através
do teatro e dele explora suas potencialidades criadoras. Após dois anos
Teatro para a Infância e Juventude: criação e formação de público | 69

de investimento do ensino de Teatro nessa Instituição, conquistamos um Espetáculo


Brincança
espaço no currículo escolar que prioriza não apenas o fazer teatral pelas (exercício com
alunos da UFMG).
crianças, mas traz para o ambiente educacional o teatro como interven- Fotógrafo:
Ricardo Carvalho
ção, sem hora e local para ser realizado; um Teatro que não pede licença
e nem é motivo de festejos escolares. Ele é da escola! Faz-se presente
nela (escola) e através dela se reinventa, descobrindo possibilidades tan-
tas quantas as possíveis junto às crianças – seres inventantes.
70 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Bibliografia

FIGUEIREDO, Ricardo Carvalho de. “Da sala de aula à sala de ensaio: a


formação do professor colaborativo”. Revista Paidéia. Universidade
FUMEC. Belo Horizonte. Ano 7, n.9, jul-dez. 2010. pp. 109 – 125.
GUÉNOUN, Denis. O Teatro é Necessário? São Paulo: Perspectiva,
2004.

Professor-Personagem contando histórias. Fotógrafo: Ricardo Carvalho


Galpão em Foco
73

TIO VÂNIA –
AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS:
A verdade dividida

Yara de Novaes*

Crear es recordar como lo hacen los humanos:


falsiicando la experiência.
Marco Antonio De La Parra

(O presente texto é uma narração lacônica e reminis-


cente sobre aspectos da montagem de Tio Vânia – aos
que vierem depois de nós, com o Grupo Galpão.)

Toda vez que começo a dirigir um espetáculo, começo-o com aquela “in-
tuição amorfa” da qual fala Peter Brook. Não sei nada além dessa intuição,
não sou capaz de dar nenhuma resposta deinitiva ou um comando cer-
teiro para atingir um alvo estético. O que me move é uma grande paixão
por aquele trabalho, pois, se não for atingida por ele, sou capaz de perder
a vontade de soltar o balão de ensaio, deixo de consultar o barômetro e
abandono o jogo. Meu único fundamento, desse modo, é a união da-
queles elementos díspares e compositivos do grupo de criadores com que
estou trabalhando e a certeza de que aquele trabalho precisa acontecer.
Chegamos ao texto de Tio Vânia depois de lermos outros tantos e,
quando decidimos montá-lo, a impressão foi de que estávamos conta-
* Atriz, professora e
minados pelo “vírus tchecoviano”. Mas nos faltava ainda o diagnósti- diretora teatral. Assina
co. Tchékhov, reletindo sobre a reconciliação entre os homens, sobre a direção do espetáculo
Tio Vânia – aos que
a vida que poderia ter sido e que não foi, sobre o trabalho, a beleza e vierem depois de nós,
do Grupo Galpão,
a natureza como as únicas saídas para o mal-estar de todos nós viven- estreado em 2011.
Espetáculo Tio Vânia, Grupo Galpão.
Bastidores . Fotógrafo: Guto Muniz

tes, tornou-se, então, nossa pedra


fundamental.
Uma peça cuja personagem título
é nomeada tio já indica alguns ca-
minhos de signiicação a serem se-
guidos. Tio. Não pai, mãe ou irmãs,
como izeram Strindberg, Gorki e o
próprio Tchékhov. Tio é um paren-
te colateral, algo paralelo ao que
é principal: secundário. Estávamos
prestes a falar de homens que não
são protagonistas em sua história.
Assim, o título foi a nossa porta de
entrada para um rol de persona-
gens que gostam de analisar a sua
Espetáculo Tio
própria situação e que sonharam
Vânia, Grupo um dia em ter uma vida importante, alçar grandes voos e que tiveram a
Galpão. Foto:
Elenize Dezgeniski sorte de Ícaro, como podemos perceber na seguinte fala de Helena:

– Eu sou apenas uma personagem insípida e secundária. Na vida do


meu marido, na música que eu estudei, eu só sou isso: secundária.

Ou de Vânia, na reunião em que vê sua fazenda e sua vida prestes a


serem vendidas:

– Eu poderia ter sido um Dostoievski, um Schopenhauer!

Ou do progressista Dr. Ástrov:

– Os que vierem daqui a cem ou duzentos anos encontrarão al-


gum modo de serem felizes e nos desprezarão por termos vivido
de maneira tão sem graça e tão estúpida!

E de Maria Vassiliévna falando para Vânia, já no primeiro ato:

– Você devia ter feito coisas, alguma coisa importante!


Galpão em Foco | 75

Essas personagens, tão falhas e tragadas pela história, exigem do ator um


mergulho sem escafandros e livre de redutoras adjetivações ou tarefas.
Tudo o que fazemos na sala de ensaio tem como intuito primeiro a pro-
cura de uma escritura cênica que deina o encontro daqueles artistas en-
volvidos naquela experiência teatral. No caso de Tio Vânia, de Anton
Tchékhov, isso acontece como uma necessidade que mescla aprendizado
intelectual e visceral. Trabalhar um texto em que o que há por trás das
palavras tem valor igual ou superior ao que é dito, obriga-nos a seguir ca-
minhos metodológicos que gerem uma conexão entre intérprete e perso-
nagem para além do convencional. É preciso que os atores interpretem a
sua personagem com uma verdade desconhecida até para eles próprios.
O ator, consciente de seus atributos expressivos e de sua matriz dra-
matúrgica, precisa também habilitar-se para deixar luir seus segredos.
Esses estados são compartilhados e motivadores de outros estados que
gerarão, na primeira etapa do processo de trabalho, uma visão parti-
cular e decisiva para continuar sua criação. Há que se convocar para a
sala de ensaio a biograia de cada um dos atores lá presentes. Mas isso
não é suiciente, pois no teatro nem sempre o que se sente é capaz de
comunicar o que se quer.
O milagre precisa acontecer, mas só acontecerá se procurado. E o pri-
meiro ato dessa procura ocorre no encontro com outra biograia, outra
história, que não a sua, que precisa ser compreendida e dissecada, co-
mida, tragada, regurgitada. Cada ator precisa sabê-la poética, ilosó-
ica, historicamente. Deve reconhecer seus acontecimentos principais,
iniciais, inais; perguntar-se o que há e o que houve, tudo aquilo que
seja alicerce para o início de sua trajetória. Desse modo, duas histórias
se encontram, e cada ator, nesse encontro particular, secreto, revela
um modo próprio de contá-la. Revela para os outros criadores à sua
volta um mistério que poderá explodir no milagre da vida. O texto, as
palavras implodem, e são compreendidas antes mesmo de nascerem e,
quando comunicadas, têm o poder não de “fazer ver o invisível, mas de
fazer ver até que ponto é invisível a invisibilidade do visível”, nas pala-
vras de Michel Foucault.
Espetáculo Tio Vânia, Grupo Galpão. Ensaios.
Fotógrafo: Guto Muniz
Galpão em Foco | 77

O Grupo Galpão é um conjunto de excelência, que vem, há muitos


anos, desenvolvendo uma prática interpretativa em que a personagem
é proclamada, por meio de ações grandiloquentes, de uma máscara for-
temente delineada, da música, da narração. Seus atores falam cara a
cara com os espectadores e pontuam as ações verbais e físicas de suas
personagens com a musicalidade herdada do teatro popular. Constroem
uma melodia entoada em coro pelos que os assistem. Uma celebração
vigorosa e exemplar. Ao escolher um drama de densidade psicológica, o
Galpão cria para si um problema, certo desconcerto naquilo que poderia
ser chamado de “linguagem própria e consolidada”. Assume-se como
aprendiz e mergulha em busca de outra tradição. Interpelando-se a si
mesmo e colocando-se à prova, é natural que a escolha de Tio Vânia
adquira para o grupo um signiicado maior do que apenas o de uma
montagem teatral. É uma maneira bastante louvável de re-signiicar seu
passado e seguir adiante em sua proissão de fé, vislumbrando um outro
peril para a sua verdade mais propagada.
À medida que nos desenvolvemos e crescemos como artistas, vamos
sendo moldados pelo ambiente em que vivemos. Aprendemos a pensar
e a reagir segundo o que percebemos à nossa volta. E à medida que
aprendemos, tornamo-nos o que pensamos. Quando temos uma forma
de pensar estabelecida, agimos e reagimos segundo esses parâmetros
de pensamento. O processo criativo só é possível quando superamos
a forma concebida como a mais adequada para cada situação ou pa-
radigma. Para mudarmos um paradigma é necessário desaprender ou
desconstruir o concebido e admitir outra forma de percepção do ele-
mento em evidência. Esse elemento pode ser qualquer situação, a do
ator, a da personagem, a do espaço externo e interno, a da dramaturgia,
ou da própria existência. Ainal, vivemos segundo as nossas tradições e
crenças. Desconstruir signiica desestabilizar a cartilha decorada e en-
contrar uma nova forma. Essa nova forma só é conseguida no ato, na
prática entre os participantes. Alguém, no nosso caso mais comumente
o diretor e seus comparsas, sugere um jogo ou um procedimento desen-
cadeador de tensões entre o que se sabe e um descaminho daquilo que
já se sabe. Nesse encontro, as oposições geradas ocasionarão uma nova
78 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

situação, uma visão por vezes livre de qualquer idéia pré-concebida.


Uma forma comum de desconstrução é a negação da concepção e a
relação intrínseca com os nossos sentidos. Dizer sonoros e numerosos
“nãos” para aquelas experiências cênicas é dissolver os limites entre o
ator e seu papel. Dizer “não” é airmar algo que ainda poderá surgir. O
“não” no processo criativo é a airmação da possibilidade do encontro
verdadeiro. A negação é o mecanismo mais eiciente de esvaziamento
da criação precipitada e pode resultar em realizações mais profundas e
inovadoras. Se não expirarmos até o im nunca haverá a inspiração. O
milagre da vida na cena, de modo análogo, também não se dará.
Em outubro de 2010, começamos o nosso processo de montagem e, nessa
mesma época, o ECUM promovia em Belo Horizonte oicinas com seis di-
retores-pedagogos russos. Entre eles estava Anatoli Vassiliev, um dos prin-
cipais encenadores contemporâneos e responsável pela criação da Escola
de Arte Dramática de Moscou. Como um presente caído dos céus, o tema
de sua oicina era justamente o método da análise ativa, desenvolvido por
Constantin Stanislávski e revisto por ele, através da peça Tio Vânia.
Numa espécie de reconciliação com o teatro psicológico, o mestre Vas-
siliev nos encaminhava para lugares muito novos e destituía clichês co-
mumente utilizados na análise da obra tchecoviana, como a melancolia
excessiva de suas personagens, por exemplo, insistindo que o homem
russo é alegre e bem-humorado. Analisava a obra como uma grande
e libidinosa ciranda amorosa e dizia-nos em tom emocionado que, ao
contrário de n’ A Gaivota, em Tio Vânia o tiro não atingia o seu alvo, o
que dava a esse drama um signiicado muito mais metafórico.
Tudo isso nos deu a certeza de que a Rússia estava muito mais perto
de nós do que imaginávamos e que havia muita esperança em todos
aqueles seres e, sobretudo, esperança para nós próprios nessa nova e
desconhecida empreitada. Junto com os colegas de oicina e através
dos études (prática pedagógica que, a partir de um texto, exige dos
atores uma leitura cênica em que as ações são respostas espontâneas
da psique), íamos fazendo nossa leitura de Tio Vânia. Não de tarefas,
meras ações físicas, mas de ações psíquicas ou provenientes dos senti-
Galpão em Foco | 79

dos, como reiterava o mestre. Tarefa é aquilo que fazemos para chegar
ao objetivo da cena. Ela responde à pergunta: o quê estou fazendo? Já
ação é aquilo que acontece espontaneamente, algo que não é preten-
dido ou programado. Frequentemente confundíamos uma coisa com

Espetáculo Tio
Vânia, Grupo
Galpão. Estréia
nacional. Festival
de Curitiba 2011.
Bastidores.
Fotógrafo:
Elenize Dezgeniski

Espetáculo Tio Vânia, Grupo Galpão. Estréia nacional. Festival de Curitiba 2011. Fotográfo: Elenize Dezgeniski
80 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

a outra e começávamos a imitar expressões físicas e emocionais que


pensávamos serem as mais adequadas para determinada circunstância
dramática. Aí éramos lagrados por ele e por nós mesmos e, incansáveis,
tentávamos por em prática aquele novo aprendizado em busca da ação
espontânea, da atuação particular e criadora, que revela nossa posição
mais essencial diante da obra. Parecíamos um bando de analfabetos te-
atrais e isso, aos poucos, desvelou-nos um novo e amplo mundo acerca
de Tchékhov e do realismo teatral.
No im da oicina, que durou poucos, mas preciosos dias, começamos
nosso processo de montagem, em que a prática dos études foi nossa
principal aliada.
Divididos em grupos os atores, cena a cena, escolhiam coletivamen-
te as circunstâncias que geravam o impulso para ação, reconheciam o
movimento inicial, o inal, as oposições, o acontecimento principal; per-
guntavam-se o que deveriam fazer como tarefa daquelas personagens
e entravam no círculo para receber e construir a situação dramática,
improvisando suas ações. Toda a peça foi lida e analisada dessa forma, e
só depois disso pudemos começar a pensar em como fazer Tio Vânia.
Com esses études, percebi que, para a minha alição e contentamento,
estávamos sob uma tensão. De um lado, Tchekhov, com suas prerro-
gativas estéticas e ilosóicas. Do outro, o Galpão, que também tem
suas prerrogativas e linguagem sedimentadas. Ficava ainda claro que
não havia incompatibilidade entre as duas partes e precisávamos apenas
que uma vida penetrasse na outra. Só desse modo conseguiríamos fazer
nascer uma obra cujos pais não tinham a mesma etnia, mas eram galhos
da mesma árvore chamada teatro.
Era preciso consentir que esse ser nascesse e propiciar-lhe uma gestação
saudável e desejada. Fomos, então, rever a dramaturgia, a im de con-
seguirmos criar, a partir dali, uma fala comum, que nos servisse e nos
traduzisse. Cotejamos duas traduções brasileiras, as de Millor Fernandes
e Gabor Aranyi, dois roteiros de ilmes, os de David Mamet e Andrei
Konchalovsky e uma tradução francesa, de Georges Perros .
Galpão em Foco | 81

Além disso, relemos com atenção O Silvano, obra em que Anton


Tchékhov começou a desenvolver a ideia da peça Tio Vânia. (Essa obra,
vale dizer, foi fundamental para que compreendêssemos o humor e a
ironia expressos pelas personagens na peça.) D’O Silvano também her-
damos excertos que deram mais organicidade à personagem Telégui-
ne, já que ela continha em si um pouco da criada Marina, personagem
cortada em nossa versão, e precisava de mais coerência dramática. Dos
contos de Tchekhov importamos algumas expressões e interjeições e
os próprios atores introduziram falas transversais ao texto e explicita-
doras de nossas intenções. Uma locução emblemática, que ilustra esse
recurso é: – Nem pense em tocar!, disparada pela personagem Maria,
no primeiro ato, quando Teléguine ameaça dedilhar seu violão. Numa
espécie de piada doméstica, essa fala sintetiza a tensão entre o Galpão
e Tchékhov, assim como a da própria encenação.
Pronta a dramaturgia, era hora de nos arguirmos a respeito dos outros
aspectos da montagem e, com os demais criadores, fazermos uma via-
gem Minas-Rússia-Minas, para que o nosso sotaque fosse capaz de co-
municar aquilo que compreendíamos desse vasto mundo tchecoviano.
Mesmo que aqui eu não me atenha à encenação, quero ressaltar que,
além dos atores Antônio Edson, Arildo de Barros, Eduardo Moreira, Fer-
nanda Vianna, Mariana Muniz, Paulo André e Teuda Bara, tive como
parceiros iéis Márcio Medina, na cenograia e igurinos, Dr. Morris, na
música, Mônica Ribeiro, na assessoria de movimento cênico, Pedro Pe-
derneiras, na iluminação, Babaya, no trabalho vocal e Gilma Oliveira, na
produção. Sem eles nada seria possível, nenhum milagre aconteceria.
Para inalizar, lembro que o subtítulo do espetáculo, Aos que vierem
depois de nós, foi capturado de um poema de Bertolt Brecht, sujeito que
radicaliza o realismo e rompe poeticamente com a ilusão de realidade
que pode ser criada na cena teatral, o que já acena para o modo impuro
com que tratamos o realismo em nossa montagem.

Agradeço a leitura atenta de Mônica Ribeiro e Arildo de Barros e ao José Gil,


pelas conversas sobre Ai Ki Do
Espetáculo Tio Vânia,
Grupo Galpão.
Fotógrafo: Guto Muniz.
83

CONSIDERAÇÕES SOBRE
O PROCESSO DE ECLIPSE1
Jurij Alschitz*
Início. Quando tentamos determinar o conceito teatral de um deter-
minado dramaturgo, temos que levar em conta a maneira como perce-
bemos sua obra e as conclusões que tiramos de seus trabalhos, dentro
de um ponto de vista ilosóico. Na busca por este ponto de vista, co-
meçamos a trabalhar nesta peça de teatro e chegamos à conclusão que
o ponto de vista ilosóico de Tchékhov muda constantemente. E esta
inconstância é exatamente seu “ponto de vista” – Tchékhov é contra
dogmas, contra unilateralidade, contra autoridades ditatoriais e contra
pontos de vista convencionais. E nós gostamos disso!
Modelo de Dramaturgia. Algumas das características mais importantes
dos modelos criativos e ilosóicos da maioria dos autores contêm nor-
malmente uma clara hierarquia de ideias, objetos, eventos, qualidades e
acontecimentos, que são estabelecidos pelo autor e modelados de uma
forma especíica. Porém, o modelo de Tchékhov para o mundo não con-
tém esta hierarquia. O território de seu sistema criativo e ilosóico é
comandado pelo “Sr. Sorte”. Durante nosso trabalho sobre esta peça
teatral, tentamos transmitir a força do acaso, a relutância em catego-
rizar e classiicar tudo e todos, e a não iltragem de ideias, elementos
que deinem este sistema de Tchékhov. A dramaturgia é concebida de * Jurij Alschitz é
diretor e pedagogo
uma maneira na qual a livre existência de episódios, criados a partir de teatral. Formado pela
renomada escola
diferentes histórias do autor, não se apresentam como uma cadeia de GITIS de Moscou; é
seletos eventos. Tais episódios são pensamentos, opiniões e ideias in- fundador, juntamente
com Anatoli Vassiliev,
dependentes, que ganham vida nas mãos do acaso. A coincidência não da Escola de Arte
Dramática, também
pode ter um único signiicado, uma única entrelinha, e um único humor. em Moscou, e hoje
coordena a European
É semanticamente e emocionalmente variada. Por isso, as cenas, monó- Association for Theater
Culture. Assina a
direção do espetáculo
1 Texto escrito pelo Diretor e Pedagogo Jurij Alshitz para o programa do espetáculo “Eclipse”, do Grupo
Galpão, estreado em
Eclipse, do Grupo Galpão. 2011.
84 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

logos e diálogos obrigatórios dessa fábula alternam constantemente com


palavras, frases e episódios não obrigatórios, que combinam elementos
de todos os estilos da existência humana e reletem a viva absurdidade
da vida, em que os mais inexplicáveis, acidentais e misteriosos eventos
podem ocorrer. E nós achamos isso muito interessante!
Sobre o método. Mantivemos os princípios do acaso, não somente na
dramaturgia, mas também no trabalho do diretor com os atores. No co-
meço, os atores se distanciaram do tradicional processo de divisão de pa-
péis, tão comum no teatro. No decorrer desse percurso cada ator escolheu
um conto e decidiu a quem daria cada frase, monólogo ou cena. Desta
maneira, tendo escolhido papéis de histórias não relacionadas – em sua
maioria, ao acaso – foi possível expandir as fronteiras de determinados
conceitos como: comportamento, máscara e personagem. Mudando, as-
sim, facilmente, seus nomes, pontos de vista ilosóicos, perspectivas,
estilos de comportamento e maneiras de atuar de uma cena à outra.
Esse método de trabalho nos foi sugerido através do entendimento de
Tchékhov sobre o conceito da “pessoa moderna”. Esta “pessoa moder-
na” é alguém que é capaz de mudar facilmente suas convicções, adaptar-
se a diferentes sistemas e modelos e desenvolver suas relações com o
mundo exterior através de uma base móvel e não estacionária. Como
resultado destas escolhas livres e intuitivas, cada ator pôde decidir quais
temas o tocam pessoalmente, qual texto utilizar e como implementar
seu conceito no palco. Essencialmente, esse método fez do ator o autor

Espetáculo
Eclipse, Grupo
Galpão. Ensaios.
Fotógrafo:
Miguel Aun
Espetáculo
Eclipse, Grupo
Galpão. Ensaio.
Fotógrafo:
Miguel Aun

de seu papel, levando-o a desenvolver uma criação única, o personagem


do ator, no qual a realidade do ator é temporariamente fundida com a
irrealidade do personagem. Essa criação vive por pouco tempo, então
se desfaz, desaparece e renasce em uma nova criação. Esse é o luxo de
nossas vidas e é assim que, durante uma única vida cênica, um ator vive
vários papéis cênicos. Esse método de autodeterminação do ator, criação
livre de um papel e o movimento constante e não linear do personagem
dentro do espaço de um espetáculo são, de alguma forma, a declaração
da liberdade do ser humano e da independência do artista. Isto é, tudo
aquilo que Tchékhov sempre aspirou. E nós aspiramos ao mesmo!
Temas. Tchékhov foi um visionário. Previu a chegada de diferentes dita-
duras, das quais os homens do século XX padeceram. Tchékhov advertiu
sobre os perigos de substituir os valores do indivíduo pela exaltação da
massa sem identidade. Seu sonho era que cada pessoa pudesse erradicar
o escravo que existe dentro de si e assim, fosse capaz de descobrir a beleza
eterna. Há mais de cem anos atrás, a imaginação de Tchékhov foi abalada
por uma ideia sobre o futuro de nosso planeta. Teve visões de um planeta
Terra vazio, sem nenhum ser vivo, que continuava a circular o sol no vazio
cósmico por milhares de anos, sem propósito e sem objetivo. Hoje, vemos
quão justiicáveis eram suas preocupações. Nenhum dos temas ilosóicos
tem um pensamento completamente inalizado. Toda atribuição de um
valor ou conceito absoluto a qualquer sabedoria é sempre excluída, pois,
cada sabedoria sempre esconde o perigo da conclusão. Apenas a vida
presente é absoluta, mesmo se, por vezes, irracional e caótica, seus sig-
niicados e objetivos são desconhecidos e nunca submetidos a uma ideia
evidente. O mundo de Tchékhov é cheio de segredos, essa é sua especia-
lidade. E nós gostamos deste mundo exatamente dessa maneira.
86 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Final. Se imaginarem nossa peça teatral como uma estrada, essa seria
uma estrada que termina abruptamente após uma placa. Depois disso,
não há nada para guiar o espectador, que deve contar apenas consigo.
Cada espectador caminha nessa estrada, dependendo de seus próprios
recursos humanos, para frente ou para trás, longe ou perto, ou ica no
mesmo lugar reletindo, sem dar nenhum passo. Boa sorte a todos!
Todas as obras de Tchékhov são caracterizadas por grandes variações de
estilos e sistemas criativos. Assim que um estilo criativo começa a se cris-
talizar, Tchékhov nos oferece um inteiramente novo. Por isso, decidimos
nos distanciar dos clichês teatrais das obras de Tchékhov e atuar em cena
utilizando um estilo que se tornou o cartão de visita da arte Russa e que,
de muitas maneiras, determinou o desenvolvimento da arte avant-gar-
de2 mundial. O estilo avant-garde Russo é conhecido através das obras
dos seguintes artistas: dos pintores Malievich e Kandinsky, do composi-
tor Schostakovich, do poeta Maiakovisky, do diretor de cena Meyerhold,
dentre outros artistas. A primeira vista, esse estilo é muito distante da po-
ética de Tchékhov, porém, o risco artístico que tomamos é justiicado pelo
fato de que Tchékhov estava certamente de pé sobre a nascente da arte
avant-garde do século XX, tendo determinado o rumo da dramaturgia
avant-garde. Não é por acaso que Samuel Beckett disse, por várias vezes,
que aprendeu muito com Tchékhov. E mais uma coisa... Quando traba-
lhamos sobre obras de Tchékhov não devemos esquecer que seu persona-
gem favorito, Constantin Trepliov, de sua peça A Gaivota, foi quem disse:
Jurij Alschitz com
os atores do Grupo
“Precisamos de formas novas. Formas novas são indispensáveis...!”
Galpão em seu
estúdio na Alemanha.
Acervo Grupo Galpão 2 No dicionário Le Robert, “avant garde” escreve-se assim, com “e”.
Cine Horto em Foco
89

CONEXÃO GALPÃO
Uma experiência teatral na formação de
professores e alunos do ensino fundamental

Reginaldo Santos*
O ensino de teatro na prática educacional

A produção acadêmica que trata sobre o ensino do teatro no espaço escolar


ou fora dele vem crescendo gradativamente nos últimos anos. Contudo,
o ensino de teatro nas escolas não segue o mesmo caminho. Existe ainda
uma grande carência de professores com formação especíica em teatro
nas escolas de educação básica, como argumenta o Grupo de Trabalho
Transversal sobre Formação e Pesquisa das Câmaras Setoriais de Cultura1.
Geralmente é o professor das séries iniciais do ensino fundamental o res-
ponsável por ensinar diversas linguagens, incluindo o teatro. Tendo em vista
essa realidade, o presente artigo pretende relatar a experiência do projeto
Conexão Galpão na formação continuada desses professores, reletindo so-
bre o teatro na prática educacional e os imaginários que o permeiam. * Coordenador do
Projeto Sociocultural
A partir da análise do documento elaborado no Encontro de Especia- Conexão Galpão.
Mestrando em
listas de Educação Artística da América Latina e Caribe, realizado pela Educação pela
Faculdade de Educação
UNESCO em 2001, Arão Paranaguá de Santana 2 (2002) traz algumas da Universidade
Federal de Minas
relexões sobre o ensino de teatro e também, a formação continuada Gerais. Professor
em teatro para professores do ensino básico. Segundo ele, no documen- colaborador do Núcleo
de Pesquisa em Teatro
to elaborado pelo GT-Teatro foi previsto dois modelos de formação de para Educadores
do Galpão Cine
professores: o primeiro, com características voltadas para a educação Horto. Integrante do
Serelepe (Programa
de rádio veiculado
1 O grupo, criado em 2006, reuniu proissionais de várias áreas artísticas para discutir pela Rádio UFMG
Educativa, 104.5 e
a situação das artes no ensino público. Neste mesmo ano, produziram um documento
grupo de intervenção
que foi encaminhado à 1ª Câmara Interministerial de Educação e Cultura, em Brasília. musical). Ator, diretor
e professor de teatro
2 Arão Paranaguá de Santana é Doutor em artes e professor da Universidade Federal para crianças, jovens e
do Maranhão. adultos.
90 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

infantil e primeiras séries do ensino fundamental, e o outro, destinado


às últimas séries do ensino fundamental e ensino médio.

1) para a formação inicial de generalistas, a área de teatro “deve


compor o currículo em conjunto com as outras linguagens ar-
tísticas, reservando-se um mínimo de sessenta horas para cada
uma delas”; 2) para os professores leigos que atuam na educa-
ção infantil e primeiras séries do ensino fundamental é prevista a
fundamentação em cada uma das linguagens artísticas, através
de cursos equivalentes; 3) a formação em serviço deveria incluir
oicinas, conferências e seminários “ministrados por professores
especialistas e artistas de teatro”, bem como a inclusão de pro-
gramas culturais. (UNESCO apud SANTANA, 2002, p. 251).

A realidade do sistema escolar brasileiro não oferece condições para que


o professor possa continuar sua formação. As escolas geralmente dis-
põem de um quadro de funcionários pequeno, não permitindo aos pro-
fessores deixarem suas turmas para qualquer outra atividade. E, quando
o quadro de funcionários permite a ausência do professor da sala de
aula, ele pode passar pelo olhar desconiado dos colegas e da própria
instituição. Mesmo quando o professor tem formação em teatro, ele
também enfrenta uma série de diiculdades. Para Santana (2002), al-
guns obstáculos são comuns a todo sistema educacional, como

turmas abarrotadas de alunos, espaço físico inadequado, tempo


insuiciente para preparação e desenvolvimento das aulas, má qua-
lidade do material didático, diálogo truncado e falta de parcerias e
ainda a inexistência ou descontinuidade no aperfeiçoamento pro-
issional, mentalidade servil e avessa à ousadia, baixa remuneração
dos trabalhadores da educação. SANTANA, 2002, p. 251

Além disso, existem poucos cursos de formação em teatro voltados para


a educação das séries iniciais e que trabalham diretamente com prois-
sionais em serviço (os professores responsáveis por ensinar diversas lin-
guagens). A partir da vivência com esses professores, dentro do Projeto
Conexão Galpão, surgiram questões que vão ao encontro das possibili-
Cine Horto em Foco | 91

dades de criação e desenvolvimento cognitivo nos alunos, que o teatro


pode oferecer. Qual é o imaginário teatral do professor que não tem
esta prática freqüente no seu cotidiano? E de que maneira ele trabalha
a linguagem teatral com seus alunos?
O ensino de teatro foi implementado de forma obrigatória, nos ensinos
de 1º e 2º graus, através de lei federal, na década de setenta. Na época,
essa novidade despertou interesse, dúvidas e inquietação na comuni-
dade escolar. De que se tratava? Em que consistia o teatro dentro da
educação? A pedagoga Fanny Abramovich 3 (1976) levantou algumas
hipóteses que, até hoje, mais de 30 anos depois, ainda alimentam os
imaginários em torno da experiência teatral dentro da escola. Ainal (ela
questiona) pra que serve o teatro? Serve para realizar as festas come-
morativas? Para constituir um grupo dramático na escola? Para montar
espetáculos? Para clarear conceitos de outras disciplinas e áreas? Para
saber as diiculdades, os problemas e as inquietações dos alunos? Para
ensinar história do teatro? Para formar público?
Para Abramovich (1976), na maioria das vezes, os professores utilizam o
teatro como pretexto para um falso exibicionismo, atendendo apenas as
suas expectativas (como as datas comemorativas), ignorando os desejos
do aluno. Quando formam um grupo, acabam escolhendo alguns alu-
nos, excluindo outros. Quando montam peças, terminam por selecionar
textos, levando em conta apenas seus critérios, fazendo o aluno repetir
esse texto mecanicamente, sem oportunidade de criar, de se expres-
sar ou brincar. O teatro como ferramenta de apoio a outras disciplinas
também é muito utilizado hoje em dia na escola, mas, na maioria das
vezes, esse método ignora a interdisciplinaridade. Nesse caso, apenas os
conceitos das outras disciplinas são clareados, não sendo permitido que
o aluno invente, divirta-se, vivencie e jogue (categorias ligadas ao co-
nhecimento em arte e coincidente com as do prazer) com a linguagem
teatral. Da mesma forma, é utilizado em processos terapêuticos, dinâ-
micas de grupos, etc., e esquecendo (ou não clariicando) seu caráter
artístico, expressivo e lúdico.

3 Escritora de literatura infantil e juvenil, pedagoga e atriz.


92 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Espetáculo Manga, E o espetáculo? Qual assistir? Qualquer um? Alguns professores não
Mangueira, Meu
Pé de Brincadeira. se preocupam nem com a faixa etária destinada para um determinado
Projeto Conexão
Galpão Cine Horto. espetáculo. Após a ida, cobram questionários ou resenhas sobre a peça
Fotógrafo:
Guto Muniz
assistida, sem instigar o senso critico do aluno, deixando-o na passivi-
dade. (ABRAMOVICH, 1976).

A experiência do teatro

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos


toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca.
A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,
quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está
organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um
texto célebre, já observava a pobreza de experiências que carac-
teriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a
experiência é cada vez mais rara. (Bondía, 1998, p. 21)

A vivência do Projeto Conexão Galpão com os professores traz am-


plas possibilidades de trocas de experiências. Aprendemos muito sobre
as especiicidades de cada ambiente, seja o escolar, ou o teatral. Ao
levar o aluno ao teatro para assistir um espetáculo, o professor encon-
tra um universo cheio de possibilidades e signiicados, que dialogam
Cine Horto em Foco | 93

diretamente com os imaginários estabelecidos socialmente, ao longo Espetáculo Manga,


Mangueira, Meu
dos anos. Muitas vezes, ao tentar reproduzir esse universo na escola, Pé de Brincadeira.
Projeto Conexão
o professor limita as possibilidades de criação e de vivência dos alu- Galpão Cine Horto.
Foto: Guto Muniz.
nos, tentando transformar o espaço escolar numa imitação do palco à
italiana. O espaço teatral é um conceito muito trabalhado durante as
oicinas do Projeto Conexão Galpão. Para José Simões de Almeida Jr.
(2007), “qualquer espaço poderá vir a ser um espaço teatral” desde que
se tenha a intenção de determiná-lo à ação teatral (Almeida Jr., 2007,
p. 182). Sendo assim, o professor pode oferecer ao aluno, possibilidades
de investigação e transformação do espaço escolar trazendo novos sig-
niicados para a sala de aula, a quadra esportiva ou o pátio. Como dito
anteriormente, as instituições escolares – na maioria das vezes – não
oferecem condições para o professor. É preciso que haja uma reformu-
lação no sistema educacional para que esse tipo de experiência tenha
espaço e tempo para ser desenvolvida.
Contrapondo os modelos já estabelecidos ciência/ técnica e teoria/ prá-
tica, Jorge Larrosa Bondía 4 (2001), propõe um novo pensamento para
a educação, baseado no par experiência/ sentido. Ele questiona esses

4 Jorge Larrosa Bondía é Doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona, Espa-


nha, onde atualmente é professor titular de ilosoia da educação. Publicou diversos
artigos em periódicos brasileiros e tem dois livros traduzidos para o português: Ima-
gens do outro (Vozes, 1998) e Pedagogia profana (Autêntica, 1999).
94 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

modelos, partindo da ideia de que, no primeiro exemplo, os trabalha-


dores da educação apenas aplicam, como sujeitos técnicos, as diversas
tecnologias pedagógicas que foram produzidas por especialistas. E, no
segundo, esses trabalhadores transformam-se em sujeitos críticos com
estratégias relexivas, sob uma perspectiva política e emancipadora.
A cada dia, a experiência ica mais distante da realidade das escolas.
Bondía coloca-se convencido de que a educação segue uma lógica de
destruição generalizada da experiência, no sentido de tornar impossível
que alguma coisa aconteça, pois, a cada dia, incentiva a busca desenfre-
ada pela informação, organizando seus currículos em pacotes cada vez
mais numerosos e cada vez mais curtos.
Para Bondía, a destruição da experiência tem muita relação com o excesso
de informação, de opinião, de falta de tempo, de trabalho e também com
a velocidade na qual as coisas acontecem. O tempo passa a ser utilizado
como uma mercadoria ou como um valor. Os modelos ciência/ técnica e
teoria/ prática nos revelam sujeitos do experimento e não da experiência.
Bondía coloca o sujeito da experiência como um território de passagem,
como uma superfície sensível, que pode ser afetado, marcado e cheio de
vestígios. Para ele, a experiência deve servir como uma abertura para o
desconhecido e não um caminho até uma meta já conhecida.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos


toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar,
parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir
mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,
suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automa-
tismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e
os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço. (Bondía, 1998, p. 24)

O teatro, por natureza, pode buscar esse caminho, não se baseando nos
ins precedentes dos meios, pelo contrário, utilizando os meios como
Cine Horto em Foco | 95

ação, sendo que esta ação pode sugerir os ins. Eisner 5 (2008) sustenta
que a arte, em geral, dá mais ênfase para a exploração e a descoberta do
que para a previsão e o controle. Temos a tendência de fazer coisas que
sabemos como prever e controlar, principalmente em sala de aula, dian-
te do aluno. Eisner, em um discurso encomendado pela Dewey Society,
argumenta: O que pode a educação aprender das artes sobre a prática
da educação? Nesse discurso, ele sugere novas visões sobre a educação,
outros valores para sua concretização, outras suposições sobre as quais se
possa construir uma concepção de prática escolar mais generosa, na qual
a incerteza precisa ter o seu próprio lugar nos tipos de escola que nós cria-
mos. O ambiente educacional precisa se abrir à incerteza, promovendo a
surpresa, a exploração e a descoberta em sala aula.

O Projeto Conexão Galpão

Visando proporcionar aos estudantes das séries iniciais da escola pública um


contato direto com o teatro, através da ida a espetáculos, o Galpão Cine
Horto criou, em 2002, o Projeto Sociocultural Conexão Galpão. Atualmen-
te, o projeto disponibiliza três espetáculos que são apresentados semanal-
mente, durante o ano letivo e no horário de aula: Uma e tantas histórias, 6
Manga Mangueira meu pé de brincadeira 7 e Caixa Mágica.8

5 Elliot W. Eisner é Professor Emérito de Arte e Educação na Universidade de Stanford,


Califórnia, Estados Unidos.
6 Um bisavô que tem a idade de Belo Horizonte - Seu Nonô e sua bisnetinha Lilica -
contam histórias revelando curiosidades sobre o surgimento do cinema através da
exibição de ilmes de curta-metragem. Paralelamente, aspectos da construção de Belo
Horizonte são apresentados de forma lúdica e interativa. Direção: Lucia Ferreira.
7 Uma menina e um macaco, moradores de uma árvore, revelam para um jovem da
cidade como usufruir da natureza sem precisar destruí-la. Este espetáculo aborda a
preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, utilizando recursos
poéticos e metafóricos. Direção: Chico Pelúcio e Kenia Dias.
8 Esse espetáculo apresenta vários personagens clássicos da história do teatro que aju-
dam uma menina a recuperar sua imaginação. Eles percorrem diferentes estilos e gê-
neros teatrais, numa divertida viagem pelo tempo. Direção: Laura Bastos.
96 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

O Conexão conta com uma equipe de dois proissionais graduados em tea-


tro (licenciatura): Camila Morena e Fabiano Lana, e uma graduanda, Daya-
ne Lacerda (além da minha coordenação). Eles se dividem entre a atuação
nos espetáculos e a monitoria nas oicinas de formação para professores,
contribuindo de forma circunstancial para a realização do projeto.
Entre 2002 e 2009, o programa foi coordenado por Lúcia Ferreira, que
nos mostrou um caminho cheio de possibilidades e utilizou toda sua ex-
periência e sensibilidade na construção de conceitos, bem como inluen-
ciou diretamente na nossa forma de pensar e agir em relação à criança.
Após sete anos, sentimos a necessidade de tornar o projeto uma ferra-
menta mais direta e eicaz na formação de espectadores e começamos
uma reformulação inspirados por dois encontros: o primeiro, com a
pesquisadora teatral e professora da Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo (ECA- USP) Maria Lúcia Pupo e, o se-
Ações formativas
com professores gundo, com o diretor, ator e criador do Teatro de Tábuas, Jorge Luis
da rede pública.
Fotógrafo:
Braz, de Campinas. Nesses encontros, discutimos novas possibilidades
Fabiano Lana de difusão da linguagem teatral dentro da escola, a formação de es-
Cine Horto em Foco | 97

pectadores e também sobre a concepção de novos espetáculos. Con-


vidamos, então, o professor do Curso de Graduação em Teatro (EBA –
UFMG) Ricardo Carvalho, como consultor pedagógico, que nos ajudou
a pensar numa proposta de formação de espectadores, com um projeto
que pudesse propiciar o conhecimento especíico da linguagem teatral,
estimulando a autonomia dos alunos participantes, a partir de uma
experiência prática.
Dessa forma criamos, integrado aos espetáculos, o Programa de Ações
Formativas para os professores das instituições participantes (já que,
naquele momento, não tínhamos uma equipe suiciente para traba-
lharmos diretamente com todos os alunos que visitam o projeto). Esse
programa propõe, por intermédio de uma oicina com carga horária de
12h/aula realizada no Galpão Cine Horto, algumas vivências em teatro
visando estimular um melhor aproveitamento da experiência dos alunos
das séries iniciais – antes, durante e depois do espetáculo – construindo
junto ao professor, propostas de mediação em teatro.
A oicina é estruturada em três encontros: os dois primeiros são cen-
trados em práticas de Jogos Teatrais, de Viola Spolin 9 e debates sobre
a importância do papel do espectador no evento teatral (a linguagem
teatral; a promoção de atividades culturais – ida a exposições, shows,
museus, etc., dentro ou fora do espaço escolar; o espaço teatral e a
interpretação dos signos nele presentes). No terceiro encontro, os pro-
fessores retornam ao Galpão Cine Horto para relatarem como desen-
volveram (com seus alunos) as propostas trabalhadas nos dois primei-
ros encontros. Nesse último, eles costumam levar desenhos, diários de
bordo, vídeos, fotos e todo tipo de relatos e registros dos processos
de criação vivenciados por eles junto a seus alunos. Nesse encontro,
também fazemos entrevistas e distribuímos um questionário de avalia-
ção para cada professor, com o intuito de aperfeiçoarmos o programa.
Acreditamos que dessa forma, podemos trabalhar com o educador as

9 Autora e diretora de teatro que elaborou uma metodologia de atuação e ensino de


teatro – Jogos Teatrais – fundamentada a partir do improviso. Viola inluenciou muitos
setores da sociedade fora do círculo teatral. Suas técnicas são utilizadas como ferra-
mentas de trabalho por atores, diretores, pedagogos e psicólogos.
98 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Ações formativas possibilidades de ampliar o seu repertório cultural, familiarizando-o com


com professores
da rede pública. a particularidade e especiicidade do exercício teatral e objetivando sua
Fotógrafo:
Fabiano Lana
formação continuada.
Durante a realização de seis oicinas do Programa de Ações Formativas,
entre agosto de 2010 e dezembro de 2011, com aproximadamente 140
(cento e quarenta) professores, pude observar – por meio das entrevis-
tas, questionários, relatos e os registros dos processos de criação – que
a grande maioria dos professores não tinha um contato direto com o
teatro. Nem como espectadores, muito menos com a experiência teatral
dentro da sala de aula. Muitos tiveram o primeiro contato com esta arte,
nessas oicinas.
As concepções desses professores a respeito do teatro e seu desenvol-
vimento prático dentro da sala de aula eram permeados por um ima-
ginário, no qual tendiam a repetir conceitos compartilhados durante
anos na sociedade (teatro como produção que ocorre num edifício de
palco à italiana, frontalidade, palco e platéia, dramaturgia convencio-
nal, etc.), coincidindo com as hipóteses levantadas por Abramovich, na
década de 70.
Cine Horto em Foco | 99

Há, portanto, um imaginário anterior à participação no Projeto Cone-


xão Galpão que dialoga com a experiência e a cultura do teatro. A falta,
não apenas de informação, mas de vivência nessa área (que muito se
transformou nas últimas décadas) contribui de forma crucial para isso.
Esse imaginário anterior, a nosso ver, também está relacionado à baixa
freqüência desse público a espetáculos teatrais, pois na recepção do
espetáculo pode se desenrolar a dialética entre percepção e imaginário,
ou seja, o que eles imaginam sobre teatro e o que descobrem a partir da
ida constante ao teatro.
Para que possam fazer a mediação em teatro com seus alunos, como
propomos nas Ações Formativas, os professores também precisam ser
formados enquanto espectadores. Precisamos tornar a experiência te-
atral uma relevante atividade educacional. O teatro enquanto cultura
precisa ser conhecido e compreendido tanto pelos alunos, quanto pelos
professores. Devemos airmar que ver ou gostar de Teatro também é
um processo de aprendizagem. É preciso inserir o teatro no cotidiano
escolar, a im de familiarizar sua linguagem – o que airma nossas in-
tenções em fortalecer o diálogo na formação do sujeito, que se dá na
educação, e, quem sabe, contribuir na constituição dos processos de
formação de identidade, de reconhecimento e de airmação da perso-
nalidade do aluno.
A nossa vivência no Programa de Ações Formativas tem gerado bons
resultados. À medida que avançamos e temos a oportunidade de tra-
balhar com novas turmas, vamos entendendo que, em geral, os profes-
sores estão carentes de projetos que os alimentem no dia a dia escolar.
Nas últimas oicinas, conseguimos um nível de interesse pela experiên-
cia teatral (por parte dos professores), muito signiicativo. Alguns nos
propuseram continuar a oicina independente do projeto, outros que-
rem estendê-la aos professores de sua escola. Convidamos, também,
os professores para participaram de seminários e espetáculos realizados
pelo FETO (Festival Estudantil de Teatro). O retorno desses professores,
em relação a todas as atividades propostas pelo Projeto Conexão Gal-
pão, provou-nos que é possível resigniicarmos o olhar e os imaginários
teatrais, propiciando uma experiência que seja signiicativa para eles.
100 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Não queremos tornar o Projeto Conexão Galpão uma estatística e sim-


plesmente contabilizar os números no inal do ano. Com esta proposta
pretendemos provocar realmente a vivência e a experiência teatral, jun-
to aos professores e alunos e, como airma Jorge Larrosa Bondía, essa
experiência precisa nos tocar, nos passar, nos acontecer, não permitindo
que se perca, como um sopro ou um sonho, tanto nos alunos e profes-
sores ao retornarem para sala de aula, quanto em nós artistas, quando
descemos do palco e voltamos ao nosso cotidiano.

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102 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

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UBERSFELD, Anne. Para Ler o Teatro. Trad. José Simões (coord.). São
Paulo: Perspectiva, 2005

Projeto Conexão Cinema. Seu Nonô conta histórias aos alunos. Foto: Guto Muniz.
Teatro e Política
105

POR UMA GESTÃO


PARTICIPATIVA NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS PARA A CULTURA:
A atuação do Colegiado Setorial
de Teatro no Biênio 2010/2011

Henrique Fontes, Jan Moura


e Leonardo Lessa*

Será possível fazer teatro e isolar-se completamente do fazer político?


Para grande parte dos criadores teatrais do Brasil, a resposta é: não. * Henrique Fontes
Ator, diretor e
Qualquer obra artística é feita para ser apreciada ou experimentada. dramaturgo de Natal,
RN. Socio-fundador
No caso do fenômeno teatral, como lembra o pensador Denis Guenóun da Casa da Ribeira, da
qual é diretor artístico
(2003), existe ainda a necessidade de uma “reunião de espectadores e educativo. Integrante
num mesmo espaço e num mesmo recorte de tempo do artista”. Para do Coletivo Atores à
Deriva e Grupo Carmin
essa reunião (artística) há uma convocação pública que, independente de Teatro. Membro do
Colegiado Setorial de
do objeto que será debatido, já confere ao ato uma forte dimensão po- Teatro desde 2010;

lítica, reairmada pela natureza da reunião (relação/interação/discussão) Jan Moura Pesquisador


em Teatro com foco
que se estabelece. Portanto, mesmo as obras concebidas para o entre- em processos de
criação coletivos/
tenimento, carregam em si o gene da política em sua realização. compartilhados.
Mestrando em
Para além do caráter político do ato criativo, existe também uma dimen- Estudos de Cultura
Contemporânea pela
são social inerente ao fazer artístico de um povo. No campo da cultura, UFMT. Membro da
Companhia de Teatro
a arte é o depoimento crítico do cidadão na esfera do simbólico e, por Confraria dos Atores;

isso, seu reconhecimento como direito deve ser incontestável em qual- Leonardo Lessa Ator,
integrante do Grupo
quer sociedade. Ainda que tardiamente, em 10 de dezembro de 1948, Teatro Invertido (BH/
MG) e do Movimento
esse reconhecimento foi publicado na Declaração Universal dos Direitos Nova Cena.
Coordenador Geral do
Humanos. A Constituição Federal de 1988 também confere aos cida- Galpão Cine Horto.
106 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

dãos brasileiros esse direito e, ao Estado, a responsabilidade de garantir


seu pleno exercício:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distri-


to Federal e dos Municípios:
(...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação
e à ciência;
(...)
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incen-
tivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Embora o tema seja abordado de forma tão direta na Carta Magna


de nossa nação, o comprometimento do Estado Brasileiro com políticas
públicas estruturantes para a área da cultura ainda carece de grandes
avanços. Loreto Bravo Fernández, em artigo publicado no livro Políticas
Culturais: Teoria e Praxis (2011), destaca que “o poder público deve
comprometer-se com o desenvolvimento e fortalecimento da igualdade
entre os indivíduos, oferecendo serviços que garantam o livre gozo de
seus direitos: à saúde, educação e à cultura”. Entretanto, nos dias de
hoje, a cultura ainda é tratada como item “acessório” por grande parte
dos gestores públicos e precisa, a todo o momento, airmar-se como
direito primário do cidadão.
É nesse contexto que a participação da sociedade civil no campo da ges-
tão das políticas públicas para a cultura se faz determinante. A inserção
dos agentes culturais em instâncias de participação democrática, criadas
pelos governos, é estratégica, no que diz respeito não somente à dispu-
ta por recursos do orçamento público, mas também para a elaboração
de políticas que considerem o segmento em toda sua diversidade de
linguagens e modos de produção.

A complexidade e a aceleração dos fenômenos transformadores


do mundo, tal como conhecemos hoje, exigem continuar tra-
balhando com ainco e senso de urgência para fundamentar e
propor estratégias políticas que nos permitam produzir modelos
Teatro e Política | 107

de desenvolvimento humano integrando plenamente os direitos


culturais, até agora insuicientemente posicionados nas agendas
do debate público e menos ainda exercidos. (Fernández, 2011,
p. 18)

Ainda que, num período mais recente, a gestão púbica da cultura no


Brasil tenha apontado para uma direção mais democrática e participa-
tiva, no que tange ao seu inanciamento, ainda vivemos sob a égide
da ideologia neoliberal. Essa condição, portanto, também inluencia o Colegiado Setorial de
pensamento e a conduta de muitos agentes culturais em relação à sua Teatro. Fonte: Site do
Ministério da Cultura
participação ativa nesse debate. Com a administração pública alicerçada (www.cultura.gov.br)

na liberação econômica e na
lei do Estado mínimo – onde
o posicionamento estatal é
de se afastar cada vez mais
do fomento direto, deixan-
do que o setor privado e o
livre comércio regulem e ad-
ministrem o país – a política
cultural, que já era assunto
secundário, passa a ser, li-
teralmente, renunciado por
ambas as partes: poder pú-
blico e sociedade civil. O fenômeno das leis de incentivos (tributários),
que tem na lei Rouanet seu principal modelo de total transferência das
obrigações constitucionais do Estado para com o inanciamento à cul-
tura, delegando ao mercado o poder de decisão do que será fomentado
com recursos públicos; também teve como conseqüência, uma crescen-
te despolitização do segmento cultural que, tal qual o poder público,
renunciou a seu direito de participar efetivamente da estruturação das
políticas para o setor.
Esse ciclo vicioso, à luz do debate iniciado no Governo Lula sobre um
novo marco regulador para o inanciamento à cultura do país, expresso
no projeto de lei Pró-Cultura, tem chances de se encerrar. Entretanto, a
108 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

construção desse novo contexto não depende somente de um reposi-


cionamento do Estado, mas também de uma sociedade civil organizada,
que ocupe efetivamente os espaços de representação criados dentro da
estrutura governamental. Essas instâncias só ganharão a legitimidade
necessária para deliberarem junto ao poder público, se houver um de-
bate político qualiicado, propositivo e constante, feito em suas bases de
atuação regional: os movimentos sociais, as redes, os sindicatos e outras
organizações associativas.
No campo das artes, a partir do ano de 2004, por iniciativa do então
Ministro da Cultura Gilberto Gil, instâncias de participação social fo-
ram criadas e iniciaram seu processo de formalização na estrutura do
MinC e de suas entidades vinculadas. Em 2005, foram instaladas as
Câmaras Setoriais que, estabelecidas, num primeiro momento, como
fóruns consultivos para a elaboração do Plano Nacional de Cultura, não
se limitaram apenas a esse tema, como descreve Sérgio Mamberti, ex-
presidente da FUNARTE, em texto de apresentação do Relatório de Ati-
vidades 2005-2010, da Câmara e do Colegiado Setorial de Teatro:

Durante a atuação da Câmara Setorial de Teatro foram realizadas


sete reuniões presenciais e videoconferências, durante as quais
foram elaboradas 48 diretrizes e 107 linhas de ação. Os gran-
des eixos que nortearam as discussões da CST foram: Formação,
Fomento, Produção, Difusão, Pesquisa, Memória, Legislação e
Tributação. (Mamberti, 2011, p. 8)

Em meados do ano de 2006, as Câmaras Setoriais de Cultura foram


suspensas e a interlocução do governo com o segmento só foi efetiva-
mente restaurada por ocasião da II Conferência Nacional de Cultura,
em março de 2010, realizada na gestão do Ministro Juca Ferreira. Essa
retomada não alterou somente a denominação do órgão, que de Câma-
ra transformou-se em Colegiado, mas também o vinculou ao Conselho
Nacional de Políticas Culturais do MinC, órgão do Sistema Nacional de
Cultura que, segundo o Capítulo I de seu regimento interno:
Teatro e Política | 109

(...) tem por inalidade propor a formulação de políticas públicas,


com vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes
níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desen-
volvimento e o fomento das atividades culturais no território na-
cional (...). Regimento Interno do Conselho Nacional de Política
Cultural – CNPC de 23 de março de 2010

Essa mudança tem também um signiicado conceitual na atuação re-


presentativa dessas instâncias, como explicam Gustavo Vidigal e Mar-
celo Veiga, secretário-geral do CNPC e coordenador-geral do CNPC do
MinC, respectivamente, na gestão Juca Ferreira:

É importante evidenciar que a instalação do CNPC, em dezem-


bro de 2007, consolidou a transição do modelo das Câmaras,
estruturas relacionadas aos aspectos econômicos das artes e
focadas no aprimoramento das cadeias produtivas das lingua-
gens, para os Colegiados, voltados para o desenvolvimento de
políticas públicas mais amplas para cada setor. (Vidigal e Veiga,
2011, p. 68)

Com a instalação dos Colegiados Setoriais, o que se efetivou, portanto,


foi uma mudança de paradigma, com o fortalecimento da participação
social nas deliberações do Estado em relação às políticas culturais. Esse
novo quadro ampliou a atuação dos Colegiados que, de acordo com
seus regimentos internos, especíicos para cada linguagem, acumulam
responsabilidades diversas no que diz respeito ao controle social. Segun-
do o Regimento Interno do Colegiado Setorial de Teatro, publicado em
abril de 2010, este órgão tem por competência:

Debater, analisar, acompanhar, solicitar informações e fornecer


subsídios ao CNPC para a deinição de políticas, diretrizes e es-
tratégias dos respectivos setores culturais (...). (Vidigal e Veiga,
2011, p. 71)

Inicialmente, foram criados os Colegiados de Artes Visuais, Circo, Dan-


ça, Livro e Leitura, Música e Teatro, tendo seus primeiros membros
110 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

eleitos pela sociedade civil, em maio de 2009, através de conferências


estaduais ou livres. Esses representantes cumpriram mandato até as Pré-
Conferências Setoriais, em março de 2010, eventos preparatórios para
a II Conferência Nacional de Cultura e que reuniram delegados eleitos
em cada unidade da federação. Nesses encontros, os delegados tinham
como atribuições principais elaborar propostas para os eixos temáti-
cos da Conferência e eleger os membros dos Colegiados Setoriais, que
seriam instalados logo após a realização da Conferência. Em abril de
2010, outras 13 linguagens artísticas tiveram seus Colegiados formados
e os novos representantes da sociedade civil foram eleitos, totalizando,
portanto, 19 Colegiados Setoriais integrantes do Conselho Nacional de
Políticas Culturais.
A instauração das Pré-Conferências Setoriais, também como fóruns de
eleição dos Colegiados, foi determinante para a atuação de seus mem-
bros ao longo dos dois anos de mandato que se sucederam. No caso
do Teatro, o intenso debate realizado durante três dias – numa plená-
ria composta por, pelo menos, três fazedores teatrais de cada estado
brasileiro, já deiniu pautas de reivindicações comuns e que foram ba-
lizadoras para as ações dos representantes eleitos. Grande parte de-
las foi contemplada no documento inal da II Conferência, e, o debate
Pré-Conferência
exaustivo sobre o projeto de lei Pró-Cultura – novo marco legal para o
Setorial de Teatro. inanciamento à cultura do país, em tramitação no Congresso – gerou
Fonte: Site do
Ministério da Cultura uma proposta de moção redigida pelos delegados da Pré-Conferência
(www.cultura.gov.br)
de Teatro e aprovada na Plenária da II Conferência Nacional. Esse docu-
Teatro e Política | 111

mento sugere alterações no texto do projeto de lei e propõe a criação


de Programas Setoriais de Fomento às Artes, tendo como referência
o Prêmio Teatro Brasileiro – essa alteração foi acatada pela Deputada
Alice Portugal (PCdoB/BA) em seu substitutivo ao projeto de lei enviado
pelo executivo, bem como a manutenção do artigo que cria o Prêmio,
uma importante bandeira para a estruturação de uma política de Estado
para o segmento teatral, defendida pelo Colegiado de Teatro, em diver-
sas ocasiões, ao longo desse mandato.
No que concerne ao processo de escolha dos membros da sociedade civil
do Colegiado de Teatro, também na Pré-Conferência de 2010 foi pactua-
da uma alteração na metodologia proposta pelo MinC. Inicialmente, além
das cinco macrorregiões do país, a composição dos 15 membros titulares
e seus respectivos suplentes, deveria contemplar as áreas de Formação e
Memória, Criação e Pesquisa e Produção e Difusão. Deliberou-se, porém,
que o principal critério seria regional, tentando agregar o maior número
de estados da federação na composição inal dos 30 membros do Cole-
giado. Os titulares e suplentes eleitos foram agrupados em duplas de re-
presentantes da mesma região do país, garantindo assim, independente
da presença de um ou de outro, a representação das cinco macrorregiões
em todas as reuniões realizadas. Tal mudança referendou o desejo de que
essa instância de debate político fosse realmente representativa, princi-
palmente, no que diz respeito à sua abrangência nacional. Após o pleito,
a representação eleita congregou representantes da sociedade civil de 22
estados brasileiros, divididos da seguinte forma:

I - Wladilene de Sousa Lima (Pará – Região Norte), titular. Su-


plente: Elcias Villar Carvalho (Rondônia – Região Norte);
II - Carlos Henrique Lisboa Fontes (Rio Grande do Norte – Região
Nordeste), titular. Suplente: Elizandra Rocha Araújo (Maranhão –
Região Nordeste);
III - Guilherme Alves Carvalho (Distrito Federal – Região Centro-
Oeste), titular. Suplente: Antônio Delgado Filho (Goiás – Região
Centro-Oeste);
112 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

IV - Thiago Reis Vasconcelos (São Paulo – Região Sudeste), titular.


Suplente: Rosa Helena Rasuck (Espírito Santo – Região Sudeste);
V - Cleber Rodrigo Braga de Oliveira (Paraná – Região Sul), titu-
lar. Suplente: Joaquim Rodrigues da Costa (Paraná – Região Sul);
VI - Virgínia Lúcia da Fonseca Menezes (Sergipe – Região Nor-
deste, titular. Suplente: Vanéssia Gomes dos Santos ( Ceará –
Região Nordeste);
VII - Jandeivid Lourenço Moura (Mato Grosso – Região Centro-
Oeste), titular. Suplente: Maria Neves Garcia (Distrito Federal –
Região Centro-Oeste);
VIII - Marcio Silveira dos Santos (Rio Grande do Sul – Região Sul,
titular. Suplente: Valéria de Oliveira (Santa Catarina – Região Sul);
IX - Lenine Barbosa de Alencar (Acre – Região Norte), titular. Su-
plente: Márcio José Sergino (Roraima – Região Norte);
X - Demetrio Nicolau (Rio de Janeiro – Região Sudeste), titular.
Suplente: Richard Riguetti (Rio de Janeiro – Região Sudeste);
XI - Leone Silva (Santa Catarina – Região Sul), titular. Suplente:
Claudia Schulz (Rio Grande do Sul – Região Sul);
XII - Raimundo Nonato Tavares Ramos (Amazonas – Região Nor-
te), titular. Suplente: Paulo Ricardo Silva do Nascimento (Pará –
Região Norte);
XIII - Pedro Henrique Lira Vilela (Pernambuco – Região Nordes-
te), titular. Suplente: Maria de Fátima Sousa Sobrinho (Bahia –
Região Nordeste);
XIV - Fernando Oliveira Cruz (Mato Grosso do Sul – Região Cen-
tro-Oeste), titular. Suplente: Vitor Hugo Samudio Delasierra Bri-
tez (Mato Grosso do Sul – Região Centro-Oeste);
XV - Cristiano Enéas Moreira Pena (Minas Gerais – Região Sudes-
te), titular. Suplente: Leonardo Lessa de Mendonça (Minas Gerais
– Região Sudeste);
Teatro e Política | 113

Uma importante conquista para o segmento teatral – e que absorveu


grande parte do primeiro ano de mandato do Colegiado, foi a reda-
ção do Plano Setorial de Teatro, uma derivação do Plano Nacional de
Cultura - PNC (Lei 12.343 de 2 de dezembro de 2010), que estabelece
diretrizes para as políticas públicas na área. Em 2011, o Colegiado de
Teatro também esteve representado na oicina de elaboração das metas
do PNC e apresentou diversas contribuições ao documento, estabele-
cendo quais são os resultados a serem alcançados ao longo dos 10 anos
de vigência do plano.
Durante esse mandato que, oicialmente, encerra-se em abril de 2012, o
Colegiado Setorial de Teatro, consolidou-se como uma importante força
política de construção de pensamento e diálogo com o governo em suas
mais diversas esferas. Através de seus representantes da sociedade civil,
ocupou a vaga destinada ao Teatro em todas as sete reuniões ordinárias
e duas extraordinárias da Plenária do Conselho Nacional de Políticas
Culturais; esteve presente em importantes Comissões, como o Comitê
Técnico do Fundo Nacional de Cultura e garantiu seu direito à fala em
diversos eventos locais e nacionais, dentre eles o Seminário sobre o Pró-
Cultura, realizado pelo Deputado Pedro Eugênio (PT/PE) no Congresso
Nacional, em que apresentou diversas contribuições ao texto desse im-
portante projeto de lei. Em diversas ocasiões, o Colegiado apresentou
propostas de alterações em vários editais públicos do MinC voltados
para o segmento teatral, como os Prêmios Myriam Muniz, Artes Cêni-
cas na Rua e Pró-Cultura, bem como garantiu a participação de seus
membros em algumas comissões de seleção desses editais. Tanto nos
debates das quatro reuniões realizadas nesse período, quanto através
de documentos redigidos e publicamente veiculados por todo o país, os
membros do Colegiado também exerceram o controle social pelo qual
são regimentalmente incumbidos. O exemplo mais contundente, e que
denota o constante acompanhamento sobre qualquer tipo de inancia-
mento à área teatral feito com o erário público, foi a carta endereçada
ao atual Presidente da FUNARTE Antonio Grassi, reconduzido ao cargo
em 2011 pela Ministra Ana de Hollanda. O documento, que obteve
repercussão nacional e foi respaldado por diversos movimentos e orga-
114 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

Reunião do Colegiado nizações artísticas, solicitou esclarecimentos quanto aos processos de


Setorial de Teatro.
Fonte: Site do contratações sem licitação, em valores, a nosso ver, exorbitantes e de-
Ministério da Cultura
(www.cultura.gov.br)
masiadamente concentrados na cidade do Rio de Janeiro.
A dinâmica de trabalho do Colegiado de Teatro compreendeu, não só
a presença física nas reuniões agendadas pelo MinC em Brasília, mas
também uma constante comunicação virtual entre seus membros, atra-
vés de um grupo de e-mails criado especiicamente com essa inalidade.
As diversas mensagens, trocadas diariamente, garantiram agilidade na
tomada de importantes decisões, na maioria das vezes demandas com
um curto prazo de resposta estabelecido pelo próprio Ministério. Esse
debate virtual constantemente instaurado acelerou signiicativamente
a deinição dos assuntos a serem tratados nas poucas reuniões presen-
ciais ao longo do ano, resultando inclusive, em alterações nas pautas
previamente estabelecidas pelo MinC, já consensuadas antes de cada
encontro. Ainda que utilizada de forma precária e não sistematizada, a
internet teve grande importância para a publicização de relatos e docu-
mentos produzidos pelos representantes da sociedade civil no Colegiado
Setorial de Teatro e se mostrou como uma aliada no compartilhamento
Teatro e Política | 115

de informações e na ampliação do debate sobre temas relevantes para


a política cultural.
As governanças políticas com a presença de representações popula-
res têm sido experimentadas em quase todos os ministérios, desde o
primeiro mandato do Partido dos Trabalhadores à frente do Governo
Federal. Entretanto, converter o resultado dessa participação em políti-
cas públicas objetivas, demanda ir muito além da criação dos conselhos
que, na maioria das vezes, já possuem uma pauta de debate pré-dei-
nida pelos representantes governamentais. Em um país acostumado a
acatar decisões tomadas por pequenos grupos de gestores isolados em
seus gabinetes, em que interesses individuais têm quase sempre o mes-
mo peso que interesses públicos, efetivar um novo modelo de relação
entre Estado e sociedade civil é uma difícil tarefa. Já no caso da cultura,
tradicionalmente excluída como prioridade dos planos de governo, essa
é uma necessidade.
Iniciativas como a criação do Conselho Nacional de Políticas Culturais e
dos Colegiados Setoriais, a realização das Pré-Conferências Setoriais e
das Conferências Nacionais, são marcos fundamentais para uma nova
concepção de participação democrática nas políticas implementadas
pelo MinC. O que se espera, portanto, é que, independente do gestor
à frente da pasta, as diretrizes estabelecidas por esses fóruns sejam res-
peitadas e não se limitem apenas às suas atas, moções e inúmeros docu-
mentos produzidos. A urgente aprovação da PEC no 416/2005, que cria
o Sistema Nacional de Cultura, iluminará esse caminho com mudanças
reais, responsabilizando efetivamente o Estado brasileiro e os governos,
em todos os seus níveis, por uma gestão democrática nas políticas cul-
turais do país.
Ainda há muito que se experimentar em matéria de participação po-
pular na administração pública vigente. Entretanto, para que uma nova
metodologia seja implementada com legitimidade, o debate prévio
e transparente com a sociedade civil é fundamental. Por outro lado,
enquanto nós, cidadãos, continuarmos a conceber o Estado e as ins-
tituições públicas como um espaço do “outro”, que não nos inclui, es-
116 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

taremos reforçando a ideia comum de que a práxis política é restrita


a uma rede especíica de eleitos e não um modo de existência sócio-
histórica intrínseca a todo indivíduo. O Estado brasileiro, por sua vez,
também precisa reconhecer as instâncias de participação social como
instrumentos de gestão imprescindíveis para a administração pública,
regulamentado-as em Leis que garantam a paridade entre governo e
sociedade civil e criando condições para que esses ambientes sejam real-
mente democráticos e isentos do dirigismo que a administração pública
viciou-se em praticar.
Essas foram algumas relexões que encerram conosco um ciclo de dois
anos no Colegiado Setorial de Teatro e, ao compartilhá-las nesse artigo,
esperamos também registrar o aprendizado acumulado ao longo dessa
experiência. Integrar um fórum nacional de debates, que reuniu uma di-
versidade tão grande de artistas conscientes de sua prática proissional
e da responsabilidade cidadã inerente a ela, já foi por si só um grande
desaio. Concluir essa instigante jornada, deixando um legado concreto
para aqueles que darão seqüência a essa construção coletiva, é o melhor
sinal do dever cumprido.
Apresentamos, portanto, como anexo desse artigo, o Plano Setorial de
Teatro, principal resultado de nosso trabalho no biênio 2010/2011 e que
pretende nortear uma política pública mais eiciente para a área. Torce-
mos para que esta e outras tantas contribuições que emanaram da par-
ticipação social sirvam de guia para um futuro próximo. Que nesse novo
tempo, arte e cultura sejam efetivamente reconhecidas como direito e
o Estado consiga fomentar, com eiciência e responsabilidade, essa rede
simbólica vital para a airmação da identidade brasileira.
Teatro e Política | 117

Referências Bibliográficas

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Janeiro: Bertrand Brasil, 2002
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Fonte: Site do
Ministério da Cultura
(www.cultura.gov.br)
118 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

PLANO SETORIAL DE TEATRO

Introdução
Em 2005, as Câmaras Setoriais foram implantadas no âmbito do Con-
selho Nacional de Política Cultural para serem espaços permanentes de
diálogo entre o Estado, a Sociedade e o Setor Privado, na elaboração e
pactuação de propostas de políticas públicas e diretrizes para o Plano
Nacional de Cultura. Instaurou-se um novo modelo de relação entre Es-
tado e Sociedade Civil, que passaram a dialogar e pactuar sobre o fazer
teatral no país. Essas características continuam a ser impressas no atual
Colegiado Setorial de Teatro.
O Plano Setorial de Teatro articula-se com o Plano Nacional de Cultura
e tem como objetivo subsidiar o plano geral com as especiicidades do
setor do teatro, em todas as suas formas e necessidades, e colaborar
no planejamento e implementação de políticas públicas culturais para
a proteção e promoção da diversidade cultural brasileira, através da lin-
guagem cênica teatral.
A proposta da área de Teatro está fundamentada nos resultados obti-
dos na I Conferência Nacional de Cultura, nos trabalhos realizados pela
Câmara Setorial de Teatro e pelo Colegiado Setorial de Teatro, nas prio-
ridades setoriais da Pré-Conferência Setorial de Teatro e nas levantadas
na II Conferência Nacional de Cultura.
O documento inal foi elaborado pelo atual Colegiado Setorial de Tea-
tro, a partir da leitura do Plano Nacional de Teatro, que nos foi legado
pela composição anterior, sob os parâmetros do novo Plano Nacional de
Cultura e seus cinco eixos.
Temos, a nosso favor, a constante consulta às nossas bases nos estados
e diversas entidades às quais estamos todos ligados: movimentos de
base locais, organizações das companhias, grupos, artistas e produtores
independentes, diversas redes organizadas de teatro e, principalmente,
representações na Pré-Conferência Setorial e na Conferência Nacional,
formando uma extensa rede de consulta.
Teatro e Política | 119

Consideramos que o Plano Setorial do Teatro aponta diretrizes que re-


letem a diversidade do fazer teatral e seus multifacetados aspectos, e
sua implementação contribuirá para a consolidação de políticas públicas
culturais para o teatro.

Colegiado Setorial de Teatro – 29 de novembro de 2010

* * *

CAPÍTULO I - DO ESTADO

FORTALECER A FUNÇÃO DO ESTADO NA INSTITUCIONALIZAÇÃO


DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA O TEATRO
INTENSIFICAR O PLANEJAMENTO DE PROGRAMAS
E AÇÕES VOLTADAS AO CAMPO TEATRAL
CONSOLIDAR A EXECUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS PARA O TEATRO

1.1 Estabelecer, em articulação com Estados, Municípios e Distrito Fe-


deral, política nacional de apoio e incentivo ao teatro em todas as suas
etapas – formação, estudo, pesquisa, especialização, memória, regis-
tro, criação, produção, difusão e manutenção de coletivos de trabalho
continuado.
1.1.1 Elaborar lei especíica de fomento ao teatro que atenda às espe-
ciicidades do setor e garanta periodicidade anual de destinação de
recursos.
1.1.2 Garantir recursos orçamentários para prêmios e editais nacionais
de incentivo ao teatro.
1.1.3 Promover a sinergia entre os diversos programas e ações desen-
volvidas pelo Ministério da Cultura para o setor de teatro.
1.1.4 Estabelecer e divulgar política de ocupação dos teatros públicos e
estimular seu uso pelos grupos locais.
120 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

1.1.5 Criar e implementar políticas de apoio à manutenção, pesquisa e


produção teatral para coletivos teatrais de trabalho continuado.
1.1.6 Criar e implementar editais especíicos para a produção e circula-
ção para as modalidades de teatro de rua, teatro de formas animadas
e teatro para a infância e juventude.
1.1.7 Articular com o Ministério do Trabalho e Emprego proposta de
revisão da lei que regulamenta as atividades proissionais de artistas,
técnicos e produtores teatrais, buscando garantir condições para nego-
ciação de contratos de trabalho e o acesso a serviços sociais do Estado,
como assistência à saúde e todos os benefícios previdenciários.
1.1.8 Promover estudos e estimular a elaboração de leis que visem à
redução da carga tributária ou a isenção iscal para as atividades tea-
trais.
1.1.9 Promover o teatro brasileiro no exterior, através de mostras, semi-
nários, intercâmbios e publicações.
1.1.10 Promover a subvenção de ingressos para a popularização do te-
atro.

1.1 Incentivar a criação e manutenção de espaços cênicos de modo a


estimular o acesso, descentralizar e democratizar a produção teatral.
1.1.1 Criar e implementar políticas de fomento, inclusive com o apoio à
abertura de linhas de crédito especiais, para a construção, reforma, re-
cuperação, adaptação e manutenção de espaços públicos ou privados,
fechados e a céu aberto, destinados às atividades cênicas.
1.1.2 Promover incentivos para que os municípios tenham espaços ade-
quados para apresentação da produção teatral, assim como para a re-
cepção de grupos em circulação.
1.1.3 Desenvolver política de fomento a unidades móveis, buscando
equipá-las com infra-estrutura adequada para apresentações em áreas
remotas.
1.1.4 Desenvolver política de fomento para a ocupação e utilização de
espaços públicos a céu aberto como equipamento cultural e artístico,
incentivando o uso gratuito das praças e ruas para grupos e compa-
nhias de teatro de rua.
Teatro e Política | 121

1.1.5 Promover estudo para o estabelecimento de critérios, visando à


criação de um selo de certiicação de excelência de espaços teatrais, em
parceria com estados, Distrito Federal e municípios.

CAPÍTULO II – DA DIVERSIDADE

RECONHECER E VALORIZAR A DIVERSIDADE


DE MANIFESTAÇÕES TEATRAIS
PROTEGER E PROMOVER AS ARTES E EXPRESSÕES TEATRAIS

1.1 Difundir e preservar as atividades e a memória da produção teatral.


2.1.1 Estimular programas de registro documental e de recuperação e
preservação da memória das atividades teatrais.
2.1.2 Estimular a criação de programas especíicos para o teatro na rede
de bibliotecas e a constituição de acervos voltados para a atividade
teatral.
2.1.3 Constituir programas de orientação tanto técnica, quanto con-
ceitual para grupos, companhias e coletivos teatrais no que concerne a
produção e conservação de documentos e registros.
1.1.4 Estudar o sistema de memorial da Funarte e do Centro Cultural
São Paulo como modelo para um projeto memorial nacional.
1.1.5 Fazer levantamento das instituições no país que possuem acervos
sobre teatro, visando o seu aperfeiçoamento e melhoria das instalações
físicas, do conteúdo e do acesso.
2.2 Reconhecer e fortalecer as diversas práticas teatrais.
2.2.1 Apoiar o reconhecimento proissional de mestres de ofício da área
teatral, por meio do título de “notório saber”.
2.2.2 Criar e implementar programas de qualiicação, sustentabilidade
e circulação, especíicos para o teatro de rua, teatro de formas anima-
das e teatro para a infância e juventude.
2.2.3 Criar e implementar programas de estímulo ao teatro de pesquisa
e a exploração de linguagens.
2.2.4 Criar programa de estímulo ao teatro amador, associativo, comu-
nitário e vocacional.
122 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

CAPÍTULO III – DO ACESSO

UNIVERSALIZAR O ACESSO DOS BRASILEIROS À ARTE TEATRAL


QUALIFICAR AMBIENTES E EQUIPAMENTOS TEATRAIS
PARA A FORMAÇÃO E FRUIÇÃO DO PÚBLICO
PERMITIR AOS CRIADORES O ACESSO ÀS CONDIÇÕES
E MEIOS DE PRODUÇÃO TEATRAL

3.1 Fomentar a inclusão da educação teatral e formação de público na


rede de ensino.
3.1.1 Estimular a introdução do Teatro como disciplina optativa nas es-
colas, ministrada por proissionais habilitados, favorecendo a formação
de público.
3.1.2 Estimular o acesso de estudantes e professores, dos níveis funda-
mental, médio e superior, às atividades teatrais.
1.1.3 Estabelecer programas de incentivo a projetos de formação de
público.
1.1.4 Incentivar escolas a desenvolverem ações de apoio à criação te-
atral.
1.1.5 Estimular a utilização do espaço da escola pública como equipa-
mento cultural.
1.1.6 Apoiar a realização de congressos de escolas teatrais do país.
1.1.7 Criar editais de fomento para o teatro universitário e programas
de circulação de obras cênicas e pesquisa.
1.1 Desenvolver política de formação acadêmica, artística e técnica em
parceria com instituições públicas e privadas.
3.2.1 Incentivar a ampliação da oferta de cursos e atividades de teatro
nas Universidades, Institutos e Escolas Técnicas.
3.2.2 Articular com Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
a destinação de recursos para ações de formação na área de teatro.
1.1.1 Estimular a criação e implantação de cursos de Licenciatura, Ba-
charelado, Tecnológico e de Pós-graduação em Teatro, em todos esta-
dos e Distrito Federal.
Teatro e Política | 123

1.1.2 Desenvolver programa de formação continuada em teatro para


professores de artes.
1.1.3 Criar edital para fomento de programas não formais de ensino
continuado de teatro.
1.1.4 Estimular a inclusão de artistas e artistas-pesquisadores sem titu-
lação acadêmica, mas com experiência artística reconhecida nos pro-
gramas das universidades, por meio de parceria com o Ministério da
Educação.
1.1.5 Estimular a elaboração de programas curriculares que incentivem
o reconhecimento das práticas teatrais populares – teatro de rua, teatro
de bonecos, entre outros.
1.1.6 Criar programas e ações de estímulo ao estudo e pesquisa de gru-
pos e companhias teatrais e editais para pesquisas em estudos teatrais
de natureza teórica.
1.1.7 Incentivar o ensino da leitura dramática dentro do ensino da lín-
gua portuguesa no ensino médio.
1.1.8 Articular com o MEC a criação de plano de qualiicação docente
direcionado a artistas proissionais de teatro com experiência, para que
possam trabalhar em escolas públicas como professores de teatro em
atendimento à educação infantil e do primeiro e do segundo ciclos do
ensino fundamental.
3.3 Ampliar o acesso, difundir a produção e promover a circulação e o
intercâmbio do teatro no Brasil.
3.3.1 Apoiar a realização de festivais e mostras teatrais em todo o país,
de acordo com suas realidades regionais, reconhecendo a diversidade
cultural das práticas teatrais.
3.3.2 Buscar articulação entre os níveis municipal, estadual, distrital, re-
gional e federal para promover um Circuito Teatral Brasileiro, incluindo
mostras, encontros e festivais, buscando organizar os eventos em um
calendário nacional articulado.
3.3.3 Estimular para que mostras, encontros e festivais desenvolvam
ações com ênfase na formação (debates, seminários, palestras, oici-
nas, exposições).
124 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

3.3.4 Estimular os atuais festivais internacionais de teatro e fomentar


a criação de novos projetos internacionais a serem desenvolvidos no
Brasil.
3.3.5 Apoiar a criação de um fórum de mostras e festivais de teatro do
país, visando à articulação entre as instituições realizadoras.
3.3.6 Incentivar e apoiar a circulação dos espetáculos teatrais, no país,
através da parceria do MinC com instituições privadas e com órgãos
distritais, estaduais e municipais de cultura.
3.3.7 Criar bolsas de intercâmbio nacional entre escolas e grupos de
teatro.
CAPÍTULO IV – DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

AMPLIAR A PARTICIPAÇÃO DA ATIVIDADE TEATRAL


NO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO
PROMOVER AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA A
CONSOLIDAÇÃO DA ECONOMIA DA ATIVIDADE TEATRAL
INDUZIR ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE
NOS PROCESSOS DAS ATIVIDADES TEATRAIS
4.1 Difundir e fortalecer os mecanismos de comunicação e divulgação
da atividade teatral.
1.1.1. Mapear e fomentar as publicações teatrais do país como livros,
revistas, jornais, fanzines e sites.
1.1.2. Estimular e fortalecer a constituição de espaços de divulgação
para as atividades teatrais nas mídias.
1.1.3. Difundir a atividade teatral por meio de parcerias com a rede
pública de comunicação.
1.1.4. Criar e implementar programas de difusão da produção literária
teatral em diferentes suportes.

4.2 Promover o levantamento e avaliação de dados estatísticos do


setor teatral.
4.2.1 Levantar dados e informações sobre a cadeia produtiva do teatro,
a partir de parâmetros deinidos pelo Colegiado Setorial de Teatro, ob-
Teatro e Política | 125

jetivando fornecer diagnósticos sobre o setor e orientar a destinação


de recursos.
4.2.2 Ampliar e atualizar o sistema de acompanhamento das informa-
ções e dados relativos às ações, editais e recursos econômicos da área
cultural, de forma a garantir a transparência e o acompanhamento dos
processos em curso.
1.3 Promover a qualiicação do proissional de teatro.
1.3.1 Estimular a oferta de cursos técnicos, cursos de graduação e pro-
gramas de pós-graduação em Gestão Cultural nas instituições de en-
sino.
1.3.2 Criar parcerias entre a Fundação Nacional de Artes e outras enti-
dades públicas e privadas para a instalação de um programa nacional
de treinamento e formação continuada do corpo técnico em teatro, e
de gestão cultural.
1.3.3 Estimular o empreendedorismo.

CAPÍTULO V – DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

ESTIMULAR A ORGANIZAÇÃO DE INSTÂNCIAS CONSULTIVAS


CONSTRUIR MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO
DA SOCIEDADE CIVIL

AMPLIAR O DIÁLOGO COM OS AGENTES CULTURAIS E CRIADORES


5.1 Criar canais de consulta, crítica e sugestões para acompanhamento
e participação da sociedade nas políticas públicas de cultura.
5.1.1 Estimular a participação de representantes da sociedade civil, as-
sociações e cooperativas de teatro na formulação dos editais públicos
destinados à atividade teatral.
5.2 Fortalecer instâncias consultivas e de participação direta para o
acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor te-
atral.
5.2.1 Manter em funcionamento os colegiados e fóruns setoriais, es-
timulando a propagação nacional, para que sirvam como espaço de
relexão das políticas públicas de cultura.
126 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

5.2.2 Estimular a promoção sistemática de fóruns de debate perma-


nentes em parceria com os estados e Distrito Federal, com ênfase na
discussão de marcos legais adequados à gestão e ao inanciamento de
políticas públicas em teatro, assim como, a promoção de um fórum e/
ou congresso nacional.
5.2.3 Constituir e estimular instâncias permanentes de participação
social no monitoramento e avaliação dos resultados dos programas,
projetos e ações realizadas pelo MinC.
5.2.4 Fortalecer associações brasileiras que possuam caráter de discus-
são, pesquisa e difusão do fazer teatral.
5.2.5 Ampliar a participação da sociedade civil no Colegiado Setorial de
Teatro, garantindo a representação por estado.
127

EQUIPE GRUPO GALPÃO


Atores

Antônio Edson
Arildo de Barros
Beto Franco
Chico Pelúcio
Eduardo Moreira
Fernanda Vianna
Inês Peixoto
Júlio Maciel
Lydia Del Picchia
Paulo André
Rodolfo Vaz
Simone Ordones
Teuda Bara

Coordenação de Produção: Gilma Oliveira


Consultoria de planejamento: Romulo Avelar
Assessoria de planejamento: Ana Amélia Arantes
Assessoria de comunicação: Beatriz França
Produção executiva: Beatriz Radicchi
Assistente de Produção: Evandro Alves
Iluminação: Wladimir Medeiros
Sonorização: Vinícius Alves
Cenotécnica: Helvécio Izabel
Gerência Administrativa: Wanilda D’artagnan
Auxiliar Administrativa: Andréia Oliveira
Estagiários de comunicação: João Luis Santos e Jussara Silva
Recepção: Raphaela Henriques
Serviços Gerais: Lê Guedes
128 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto

EQUIPE GALPÃO CINE HORTO


Direção geral: Chico Pelúcio
Conselho gestor: Beto Franco, Chico Pelúcio, Leonardo Lessa, Lydia Del Picchia e Romulo
Avelar
Coordenação geral: Leonardo Lessa
Coordenação de planejamento e projetos: Fernanda Werneck
Assistente administrativo: Vanessa Fonseca
Assistente de planejamento: Cristina Ribeiro
Coordenação de produção: Gustavo Ruas
Produção executiva: Cláudia Couto e Igor Leal
Coordenação Técnica: Bruno Cerezoli
Técnicos: Orlan Torres (Sabará) e Rodrigo Marçal
Assistente técnico: Wellington Santos
Coordenação do Centro de Pesquisa e Memória do Teatro (CPMT): Luciene Borges
Bibliotecário: Tiago Carneiro
Assistente do CPMT: Marcos Coletta
Editor de conteúdo do portal Primeiro Sinal: Vinícius Souza
Estagiário técnico do portal Primeiro Sinal: Guilherme Augusto Freitas
Coordenação pedagógica: Lydia Del Picchia
Coordenação pedagógica dos cursos e oicinas: Juliana Martins
Coordenação pedagógica dos núcleos de pesquisa: Camila Morena
Coordenação pedagógica dos projetos especiais: Fábio Furtado
Secretária de cursos: Cláudia Rodrigues
Equipe pedagógica: Ana Domitila, Camila Morena, Gláucia Vandeveld, Juliana Mar-
tins, Kelly Crifer, Kenia Dias e Rita Maia
Coordenação do projeto sócio-cultural Conexão Galpão: Reginaldo Santos
Atores-monitores: Camila Morena, Dayane Lacerda e Fabiano Lana
Gerência administrativa e inanceira: Maria José dos Santos
Auxiliar administrativo: Leandro Dias
Gerência operacional: William Gomes
Recepcionista: Edvânia Santos
Porteiro: Eberton Pereira
Segurança: Odelmo Marques da Silva Júnior
Serviços gerais: Juarez Pereira, Maria Márcia e Rozeli Dias
Assessoria de comunicação: Tiago Penna
Assistente de comunicação: Caio Otta
Estagiário de comunicação: Filipe Costa
Projeto gráico: 45 jujubas
Fotograia: Guto Muniz / Casa da Foto
Cobertura audiovisual: Caturra Digital

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