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SANEAMENTO

Como acelerar o acesso


ao saneamento
Luiz Firmino Martins Pereira, Luciana de Andrade Costa e Morganna Capodeferro
Pesquisadores do FGV CERI

O mês de julho marcou 2 anos da pluviais onde não existe sistema sepa-
aprovação do novo marco do sanea- rador absoluto (SS).1 Ao contrário, sis-
mento, que almeja promover acesso temas separadores absolutos não raro/
universal garantindo “atendimento de frequentemente acabam conectados e
99% da população com água potável marcados por ineficiências operacio-
e de 90% com coleta e tratamento de nais. Admitir essa realidade é um pri-
esgotos até 31 de dezembro de 2033” meiro passo para a proposição de so-
(Lei no 14.026/2020). No caso do es- luções alinhadas com a ótica integrada
goto, soluções complementares pode- do saneamento proposta no marco le-
riam acelerar o alcance desse objetivo, gal do setor.2 Tais soluções contribui-
como é o caso dos sistemas unitários riam para a diminuição da poluição
(SU) de esgotamento sanitário – espe- dos corpos hídricos e a expansão dos
cificamente da coleta em tempo seco. serviços de coleta de esgoto.
A tomada em tempo seco consiste Negligenciar essa realidade custa
na interceptação do esgoto que escoa atrasar o alcance da universalização
pelas galerias, em períodos de baixa do esgotamento sanitário. A solução
pluviosidade e no seu extravasamento, técnica preconizada no país (SSs) ig-
de forma diluída, em épocas chuvosas. nora a realidade fática de que os siste-
Cidades nos Estados Unidos (incluin- mas se misturam por baixo da terra e
do Nova Iorque), Canadá, Portugal, aposta no sistema separador absoluto
França e Inglaterra são exemplos que para o transporte do esgoto sanitário
adotam há muitos anos sistemas uni- e das águas pluviais para transporte
tários e soluções em tempo seco. exclusivo de águas de chuva (figura
A proposição dos SUs como al- 1). Neste conceito, o esgoto sanitário
ternativa se deve ao fato de que, nas e as águas pluviais são transportados
grandes cidades, não se pode ignorar a em tubulações próprias sem mistura
existência de conexões irregulares en- entre os efluentes.
tre as redes pluvial e de esgotamento A realidade, no entanto, delineia
sanitário, ou mesmo o papel de afas- um cenário diferente do preconizado
tamento do esgoto feito pelas redes pela solução técnica preferida: apenas

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45,3% dos municípios são dotados Nesse sentido, a coleta em tempo seco
de sistemas de separação absoluta A coleta em tempo seco é é solução complementar para a con-
(SNIS, 2022). Além de não alcançar dução dos efluentes não conflitante
todos os municípios brasileiros, o sis- solução complementar para com a realidade operacional; não se
tema separador absoluto é marcado trata de simples “solução temporária”
por ineficiências. De um lado, as ga- a condução dos efluentes ou “solução menos nobre”.
lerias pluviais recebem contribuições O recurso a soluções integradas
irregulares de efluentes domésticos; não conflitante com a para os sistemas de drenagem e es-
de outro, as águas pluviais são des- gotamento sanitário justifica-se, do
carregadas em tubulações próprias realidade operacional; ponto de vista técnico: como ambos
do sistema de esgotamento sanitário. os sistemas são transportados por gra-
Compromete-se assim o princípio da não se trata de simples vidade, o manejo integrado desses sis-
condução em separado de água plu- temas gera benefícios coletivos. Entre
vial e esgoto sanitário. “solução temporária” eles, figuram a redução da carga po-
Diante dessa situação fática e das luidora afluente aos corpos hídricos
consequências que dela emergem, é e a aceleração da universalização em
inadiável avaliar com maior rigor as coleta de esgotos a menores custos,
duas soluções de esgotamento sanitá- águas pluviais atuam como um sistema fazendo uso das galerias pluviais já
rio: de um lado sistemas separadores, auxiliar para a coleta de esgoto, com existentes para a condução do efluen-
em observância às normas técnicas a possibilidade de tomada em tempo te sanitário.
de engenharia; de outro, a concepção seco. A adoção da tomada em tempo A coleta em tempo seco não é
formal de um sistema combinado de seco não requer troca da rede instalada uma solução inovadora; ao contrá-
águas pluviais e esgoto sanitário (figu- e sua implantação onde não há infra- rio, há experiências bem-sucedidas
ra 2). Nessa concepção combinada de estrutura instalada ou onde existem que formam cinturões de coleta em
transporte de efluentes, as galerias de sistemas com disfunções não sanáveis. tempo seco em cidades litorâneas.

Figura 1 Sistema separador

REDE DE ESGOTOS

E.T.E
REDE PLUVIAL

Fonte: Adaptado de Von Sperling, 1996.

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Esse é o caso, por exemplo, de uma A implantação de coletores de


parte da cidade do Rio de Janeiro, O resultado positivo da tempo seco, em maior escala, está
da Região dos Lagos e da cidade de sendo fomentada como obrigação
Florianópolis. No Rio de Janeiro existência dos coletores que consta do contrato de concessão
seria difícil, senão impossível, ga- regionalizada do Rio de Janeiro. No
rantir a balneabilidade das praias da de tempo seco é um Anexo IV – Caderno de Encargos,
Zona Sul sem que a interceptação os contratos preveem a obrigação de
em tempo seco impedisse o despejo fato, mas ainda assim a investimento em coletores de tempo
direto dos esgotos que correm pelas seco, a serem implantados nos cinco
galerias pluviais. Na Região dos La- existência desse sistema primeiros anos da concessão e opera-
gos, a implantação de coletores em dos durante a vigência do contrato.
tempo seco permitiu resgatar a la- não é reconhecida como Além das soluções que preveem
goa de Araruama, importante ativo a implantação de coleta em tempo
para o turismo local. Em Florianó- de fato deveria seco, Porto Alegre discute uma con-
polis, mesmo com ampla cobertura cessão conjunta dos sistemas de dre-
de rede separadora absoluta não foi nagem e esgotamento sanitário para
possível conter a poluição das praias um único operador. O Departamen-
até a instalação dos cinturões. Ou planos e projetos na área de sanea- to Municipal de Água e Esgoto de
seja, o resultado positivo da exis- mento feitos para cidades consolida- Porto Alegre estima investimentos
tência dos coletores de tempo seco é das, seguem projetando os sistemas de R$ 3 bilhões para o pleno funcio-
um fato, mas ainda assim a existên- de forma independente, seja para namento do sistema de drenagem,
cia desse sistema não é reconhecida coleta de esgotos ou para drenagem, além de R$ 200 milhões anuais para
como de fato deveria, tanto que os sem buscar um mix de soluções. manutenção.3 Diante desse desa-

Figura 2 Sistema combinado

REDE COLETORA DE
ÁGUAS PLUVIAIS

ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE
ESGOTOS (ETE) DIMENSIONADA
PRINCIPALMENTE PARA ESGOTOS
SANITÁRIOS

TUBULAÇÕES DE GRANDES EXTRAVASOR PARA EFLUENTE


DIMENSÕES DIAS DE CHUVA TRATADO

CORPO
RECEPTOR

Fonte: Adaptado de Von Sperling, 1996.

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fio, em outubro de 2021, o prefeito lização do acesso ao serviço de esgo-


de Porto Alegre solicitou ao Banco O debate aqui tamento sanitário. Para além desses
Nacional de Desenvolvimento Eco- benefícios, a integração dos sistemas
nômico e Social (BNDES) que in- proposto elucida pode contribuir para o aumento da
cluísse a prestação dos serviços de resiliência na prestação dos serviços
drenagem no modelo de concessão alguns dos desafios, de drenagem urbana, fundamen-
que está sendo estruturado pelo ban- tal para o aumento da segurança na
co.4 Com a possibilidade de alteração assim como benefícios ocupação territorial, em um contexto
no escopo do projeto, o BNDES está de mudanças climáticas. Recorrentes
refazendo os estudos para a estrutu- e justificativas técnicas episódios de enchentes implicam per-
ração da modelagem de concessão. A das de vida e em prejuízos materiais
expectativa é de que o leilão da con- acerca da proposta de e de infraestrutura. Levantamento da
cessão dos serviços de saneamento Confederação Nacional dos Municí-
de Porto Alegre, incluindo ou não a solução integrada pios7 indicou que os óbitos causados
drenagem, seja realizado em 2023.5 por excesso de chuvas ocorridos de ja-
As experiências do Rio de Janei- neiro a maio de 2022 representavam
ro e de Porto Alegre são exemplos mais 25% do total de obtidos regis-
de soluções distintas, mas que têm o dos serviços, agregam complexidade à trados nos últimos 10 anos. A inten-
objetivo comum de viabilizar a efe- operação. Por isso tal integração não sificação da frequência e da gravidade
tiva prestação dos serviços de esgo- deve ser planejada apenas sob aspec- desses eventos reforça a necessidade
tamento sanitário e pluvial. No caso tos físicos, mas também sob a ótica de se viabilizar soluções alternativas
da drenagem, os altos investimentos operacional, mediante a atuação de que concebam a drenagem das cida-
para a adequação das redes são de- único prestador ou promovendo-se a des de modo integrado. Como lição,
safios para os municípios, principais articulação entre eles. resta claro que há espaço para avanços
responsáveis pela prestação desses ser- O debate aqui proposto elucida nas soluções em drenagem, desde que
viços. Segundo o Plano Nacional de alguns dos desafios, assim como be- se volte o olhar para o conceito inte-
Saneamento Básico (Plansab), seriam nefícios e justificativas técnicas acer- grado do saneamento.
necessários investimentos de R$ 79 ca da proposta de solução integrada.
bilhões, entre 2019 e 2033, nos sis- Para avançar e fundamentar econo-
temas de drenagem pluvial, dos quais micamente a discussão, um possível
1
Separador absoluto: nesse sistema, as águas
pluviais e o esgoto sanitário são transportados
77% referem-se à expansão da rede e caminho seria a aplicação da metodo- em tubulações separadas.
23% à reposição dos ativos.6 logia de análise custo-benefício, com 2
No conceito do marco legal, mantido com a
aprovação da Lei no 14.026/2020, o saneamen-
Apesar dos potenciais benefícios vistas a se avaliar de forma mais rigo- to básico abrange quatro serviços públicos: (1)
advindos da prestação integrada de rosa quais seriam os benefícios líqui- abastecimento de água potável; (2) esgota-
mento sanitário; (3) limpeza urbana e manejo
serviços, a solução que promove a dos de um projeto de implantação do
de resíduos sólidos; e (4) drenagem e manejo
união do efluente sanitário e da água coletor em tempo seco. Tal avaliação de águas pluviais urbanas.
pluvial traz desafios significativos sob contribuiria para que a integração dos 3
Fonte: https://bit.ly/3CF3FNK.
a perspectiva operacional e de gover- sistemas de drenagem e esgoto seja 4
Fonte: https://bit.ly/3pUwhuH.
nança. O desgaste das tubulações, a considerada como alternativa impor- 5
Fonte: http://glo.bo/3wGtDga.
variação nas características do esgoto tante na busca por soluções aderentes 6
Ministério do Desenvolvimento Regional, Se-
cretaria Nacional de Saneamento. Plano Na-
e a deposição de sedimentos, soma- ao novo marco do saneamento. Con- cional de Saneamento Básico: mais saúde com
dos à necessidade de articulação en- figura instrumento para potencializar qualidade de vida e cidadania. 2019.
tre os atores envolvidos na prestação investimentos e acelerar a universa- 7
Fonte: https://bit.ly/3RE0j1V.

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