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6 A.CIILIZAGRO GREGA ERA BASEADA NO TRABALHO ESCRAVO?* I Duas genecalizacées podem ser feltas de Primeia: em todas 2s paces e em: todos os lugares o mundo grego apoiou-se em al- gama forma (a formas) de trabalho servi! para satistazer suas necessidades, tanto publicas come privadas. Com isso quero di- zezque o trabalho servil eza essencial, numa medida significativa, ‘pata preencher as exigéncias da agricultura, do comércio, da ma- nafatura, dos 10s pUblicos e da inchistria bSlica. B, com|ta> am miimero substancial de ho- mens livres envolvidos na trabalho fucrativo. Entendo por isso, basicamente, néo o trabalho contratado livremente mas homens livres trabalhando em suas préprias terras (ou arrendadas) ou em suzs lojas ou casas como artesdos @ proprictatios. £ centro dessa esituture criada peles duas genereiizactes que as perguntas que procuram situar: vidao ra sociedede devem ser feiss Ecom das as partes, a propriedade, os bens pessoai Para quem conheos sta literature, sao abundantes as pro- vvas de quio completamente 08 grezos sempre tomeram par certo que a escravidio era um dos falos da vide. Nos poemas de Ho- mero presame-se (corretamente) que as mulheres ceptutedas sexo Jevadas para casa como escraves, ¢ que os escraves acasi nais~ a5 vitimas dos mertadores-pitatas fencios ~ também esta T20 a cisposico. Nocomeco ca século VU aC, quando Hesiodo, © poeta “camponés” bedcio, dé conselhos préticos em sua obra 0s trabalhos eos dias, diz a seu iamao como usar adequadamente 08 esciavos: ¢ € siinplesmente presumido que eles estario dispo- * Publica oxginaimecse ors Histria 8 (1559), 145-6, Dedaeiconsidereveimente 2 ue O mesmo é verdade 4 adeiro incentivo de todes. Mais ume vez somos frustrados pela auséneia de ntimeros, mas é indiscativel que a alforia era fendmeno co- mum ra maior paste do mundo grego. Essa 6 una importante diferenga entreo escravo grego, deum lado, e o hiletaou cescravo americano, do outro. Também 6 ama prova importante de gra da.alegada “aceitacao” de sua posigéo pelo escravo®. Vv “Agora € hora de fentermos junta: tudo e formar algum juizo so- bre a instituiczo. Isso jé seria bastante ditfcil em ciccunsténcias nommais e tornot-se quase impossivel devido a dois fatores es- tranhos impostos pele sociedade moderna. © priteiro a cons so do estado histérico com juizos morais sobre escravideo. Nés condenamos a escravidgo e ficamos embaragados com os gregos, 2 quem admicamos tanto; por isso ou tendemos a subestimar 0 papel da escravidao em sua vida ou a ignozaines totalmente, es- perando que de aigam modo ela desaparega por si mesma, O se- gundo fator € mais palitico e remonta pelo menos a 1845, quan. do 0 Manifesto coaunista declarou que "A hisiéria de todas as sociedades existentes até koje é a histéria da luta de classes, Ho- mens lives ¢ escravos, paiticiose pledeus, senkores e servos, mes. tees de corporasao ¢ artfices, resumindo, 0 opressar e ooprimido, esto em constente oposicéo anitua...” Desde entao, a escrevi- doa 1 sido um campo de batalha entre marxistas e 1&0 mandstes, mais um tema politica que urn fenSmeno histérico. “Agore observemes que uma paste considerével da popule- <0 do mundo grego exa coi vos ot OvttOs tipos de mio de coca cervil, muites deles hérbaros: que de modo gerel a clite em cada cidade era composta de homens de écio, comple iamente Ivres de qualguer preocupaczo com asstattos econ: cos, gregas @ uma forga de fabalho que compravam e ve} sobre a qual tinham exteasos di mente impoctente, 0 que podemos chamar de diseitos fsicos; que a condigdo de servidzo nenkum homen, muther ou crianca, # era 0: imprevisivel e de escager em caso 26 a Gris antign controlével, Pezece-me que, vendo isso tudo, s¢ pudéssemos emancipar-nos de despotismo de pressées morals, intelectuais € ‘poitticas alheias, concluiriamos sem hasitagao que a escravidBo foium elemento bésico ne cvilizagéo grega ; . Tal conclusdo, todavia, deve ser 0 canto de partida da ané- lise, no o fim da argumentagao, como é tao Fequente atualman- te, Talvez fosse melhor eviter a palavea “basica”, porque ela foi aproptiada previamente come um tenmo técnico pela teoria da térie mandate. Qualquer outa que 2 usasse em um assunio come o do titule deste capitulo estaria compelido, pela situagdo intelectual fe poiitica} em que trabalkames, 2 qu Jogo de irico, pare esting entre sa institigso basics e@ ins rig bisica. De fato, o que tem aconiecido € que, sob a forma excerior de uma discussio sobre a escravidao antiga, aparece uma discussio incoerente de teoria mansta neds elucidativa quer do manisme quer da escravidao®, Nem nosso entendimento do proceso histético nem nosso conhecimento da sociedade antiga tem avargado significativamente por meio dessas repetides afir~ agbes e contra-afirmacées, afirmacies ¢ negacbes da proposia Sociedade antiga baseava-se no trabalho esctevo”, Tampotico genhhames muito com o petsistente debate sobre as causes. A escravidéo foi a causa do declinio da ciéncia gega? Da perda da. morslidade sexual? Do generslizado desprezo pelo emprego In ative? Essas sio guestes essencialmente faisas, impostas por um tipo ingénue de pensamento pseudocientifico. = me skordagem mn: is produ i sugiso, 6 pensar em termos de propésito, no sentido de Immanuel Kent, 02 de fungio, como o¢ antropologisias sociais preferem. A questao 1 0 pare & invest/gegao sisemética nao 6 se a. escravidao foi ocle- ment bisico, o2 se ela provocon iss ou acuite, mas como fun- jonava. Isso elimina as tentativas eetére’s para decicir o que fo! a cscravidio ou alguma outra coisar evi- = histéxice que diz: “O carder tuigdo nunca deve ser éncia da escravidae ~ © voltar a ume fase tia ~. 2 escolna que se rposte social © psicolog que “os que podem fazé osio de a jada” porque nossas fontes 28 ria groga na qual apresentava a0 gregos era Nas Menovaeis, Xenofonte di atnesaisnene pram esctavos para poder ter companheltos de trabalho”. Essa fase ¢ cilada muitas vezes para provar que alguns gregos no possufem escravos, 0 que no precisa ser provaco. Seria muito lado para demonstear que aguales que podem compram escravos - Xenofonte coloca cleramente tele esse fendmeno exetamente no campo da aecessidade. A.questao da funcio nao permite s6 uma resposta. Hii tan tas perguntas quanto coatextos: funcdo em relac 2 Quan do? Once? Buckland comese sua obre sobre a jel romana da 2s- eraviddo observando que “rarainente ce apresenta um problema, em qualque: remo do direito, cuja solugdo nao posse ser afetaca pelo fato de que ume das partes da transacéo é am esccavo" Isso resame a situagao & sua maior simplicidade, do modo mais declarado, ¢ & uma afitmacio correta tanto para a lei groga coma para a romana, Além disso, ex argamentaria, no existe nenhumn problema ou prética em qualquer ramo da vida grege que nao t peio feto de muitas pessoas Eenha sido afetado, de algum mo: nessa scciedade, mesmo se nao na situagao especitica sob consi- ceracio, serem (terem sido ov poderem vira set) escravas. A @- nexio nem sempre era simples ou dire:a, nem o impacto ne- cessatiamente “mau” (ou “bom”), © problema do historiador 6 cxatamente descobric quais era 25 conexdes, em toda a sua rea- lideste ¢ complexidade, suas qualidades, seus defeitos ousva nea idede m ‘veremos, na maioria das-vezes, que ain si de escravidio acabou sendio ambigua em sua fungao. Ceria- lente as atitudes gregas em relagdo 2 ela estavam crivades de ambiguidade, ¢ nao raramente de tensio, Para 05 gregos, disse Micizsche, © trabalho e a escravidgo eram “um mal necessirio, do quai nas evergonbanies, como mai e como necessidade a0 Tatura que se conservou, ¢ no fo! cémoda ou inequivocetnente lateral, embora ndo tenha terminado em abolicionismo. Na “a escravidio é o Unicocase ao quel, nas fontes ainda existentes... é deciataco existir um confito entre o Tus Gen 0 Jus Naturale"®, Em certo sentid ere um conilito académico, visto que a oseraviddo prosseguin; mas nenhuma scciedade pode cerregar ura conflito desses dentro de si, em tomo de um coniun- to 80 importante de creacas e ides, sem que as tenses venham a eciodir de alguna forma, independentemente de qudo distantes, no tempo e no espaco, as linhas e conexées possam 128 Econ socatnde ne Gries ast estar do jo original, Talvez o sinal mais interessante entre 03 gregos possa set enconirado nos propésitos, e até certo ponto aa prética, no sécuio IV aC, de renunciar 8 escravidio de gre- gost’ Todos eles fracassaram no mundo helénico, e acho que ssse dnico fato revele muito sobre a civilizacio grega depois de Vale & pena chamaz @ atencdo para dois exempios repletos de ambiguidace, dos quais nenlyum recedeu a atengéo que mere- ce. O primeira vera de Lécris, coldnia grega no sul da Tilia, onde se dizia que a éescendéncia s2 dava pela nha matemna, anomalia que Aristételes explica historicamente. A razdo, diz ele, é que a colfmia fo! fundada originaimeate por escravos ¢ seus ‘ilhos com andes livres, Timew e o protesto contra asce re- ic, por sua vez, defendeu Aristételes em tema longa digressao (12.62), de qual, infelizmente, s6 nos chega- zam fragmentos. Uma de sues cbservagSes merece ser citad: “Supor, como Timeu, ser improvavel cue homens outtora escra- ‘wos dos aliados cos espattanos pudessem permanecer aféveis ¢ acciter a alcicao de seus antigos amos é talice. Pois quando tive Fam a sorte de recuperar sua fiberdade (e um certo tempo jé se passou) esses homens, que tinham sido escrevos, ndo 36 se em- perharam em aceitar 2 afeicéo de seus antigos anos como tam bém em manter seus vinculos de hospitalidade ¢ de sangue; ne verdade, seu objetivo conservd-los muito mais que os vinculos naturals, com o expresso propisito de apagar por esse meio @ lembranga de sua antige degradacio ¢ pasigéo aumilde, porque querom perece: meis descendentes de seus amos qtte homens bertados por cles. No cursa de sus ca Time tinha dito que “nao era vos gregos servirem-se de escravos compra~ fo, entre escravos comprados ¢ eseravos cap- uredos (Gu prociados por estes), tinha séries auangas morais. Inevitavelmente, como era seu hibito, os giegos encontraram uma origem Rist6rica pata a prdtica de comprar esctavos —na ilha de Quios. O historiador Teopomzo, nati 2, expressou-o deste modo: “Depo's dos iessélios e dos lacedemdnios, 0 pove cde Quiios fo! o primeizo dos grogosa utilizar escravos. Mas no 03 adguiciam de mesmo modo que os primeiros; pois verificeremos que os escravos dos lacedemménios e dos tessélios eram gregos anteriormente habitavam o tereisérie agera possuico por chamaendo-os hilotas e penestee, respectivarnente. Mas evn C a ne havia escravos bétbaros pelos quais havia sido pago um prego. Essa citecio foi preservada por Ateneu, cue escrevia por volea de 200 dC. e prosseguia dizendo que 0 povo de Quios recebeu € rnalmente a punigdo divina por sua inovacgo. As historias que ele corta 2 seguir so curiosas ¢ interessantes, mes nao hé tempo para elas Essa no é uma historia muito boa, o que néo a torname> rosimportaste, Porumanotével coincidéncta, Quios oferece-nos as primelzas evidéncias contemperdineas das instituigdes demo- cxdticas no mundo grego. Em uma inscricio de Quios monte, muito provavelinente, a Inequivoce a um conselho popular e ds “leis (ou decretos) do 4é- vos", Nao desejo airibuir qualquer sentido aién do simbélico a esse coincidéncia, mas € um simbolo com enormes implicagdes. sti no fato de que quanto mais avanguca for a cidede- Esta do grege mais se constataré ter havido nela a verdadeira escravi- Gio, erm vez de tipos “nibricos” corre a hilotagem. Colocada de ‘modo mais direto, as cidades nes quais a liberdade do incividao atingiu saa expresso mais alta ~ muito obviamente Atenas - for rem cidades onde florescet: a escravidzo ne forma de bens pes- soais. Os gregos, como todos seber, descobriram tanto a ideia ds bberdade incividual como a estrutura institucionalna qual ela podia ser realizacla*. O mundo pré-grega ~ 0 munde dos sumé- babitonios, egipcios e assitios (¢ nao posso evitar ecrescen- tar 05 micénios) — era, cum sentido maito profundo, um munéo homens livres, conforme a Ocidente veio a compreender esse conceito, Era tamoém um sundo no qual a escravidao na forma de propriedade pessoal ndo desempenhava nenbam papel scquente. Isso, também, fo! ame descobera grega. Caracte- ist6ria grega, em resumo, é 0 avanco, lado a lade, da fbexdede eda esciavidio. 8 | 2304 aes inoice Primeica Parte A CIDADE ANTIGS 1. A cidade antige: de Fustel de Coufangese Men Webere aim 3 2, Espartae a sociedade e5 26 3. O Império ateriense: urs balango... smmnnnenen AB 4, Terra, débito ¢ o homem de posses na Atenas cassica..... 69 DEDALUS - Acerve - MAE soc 5. inde do cidaddo no mundo grego.. 86 INN so SERS 21600029625 ree SERVIDAG, ESCRAVIDAO E ECONOMIA, 6. A Guilizacio groga era descade no trebalho eSC%280? won 109 7. Enire a escrevidao ea liberdede...... - 130 a. secvis da Grécia an vows 150 9. A seridso por dica ec probleme da e729 wrens 1D 10. O comércio de escravos na Antiguidade: o mar Negro e as 189 ico no mondo antigo... 199 inoveedo técnica e progresso econd Terceira Parte ENAS E HOMERO M ia. 38 15, Hometo 2 Micenas: propriedade e posse 1, Casemento, vend e presente no mundo homérico.. bibliogncas ss divs at acesraes Biblografia de M.LF

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