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Claudio Cezar Henriques

Língua Portuguesa:
Morfossintaxe

2009
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

H449L

Henriques, Claudio Cezar, 1951-


Língua portuguesa: morfossintaxe / Claudio Cezar Henriques. – Curitiba, PR:
IESDE Brasil, 2009.
276 p.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0668-7

1. Língua portuguesa – Morfologia. 2. Língua portuguesa – Sintaxe. 3. Lín-


gua portuguesa – Gramática. 4. Linguagem e línguas. 5. Análise do discurso. I.
Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Título.

09-1949. CDD: 469.5


CDU: 811.134.3’36

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Jupiter Images / DPI Images

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


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Claudio Cezar Henriques

Pós-doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP); doutor em Letras


pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); mestre em Letras pela Uni-
versidade Federal Fluminense (UFF); licenciado e bacharel em Letras pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Sumário
Introdução à morfossintaxe.................................................. 11
Nomenclatura gramatical e ensino de português......................................................... 11
Morfologia: morfemas, palavras e classificação.............................................................. 14
Sintaxe: termos e períodos..................................................................................................... 17
Morfossintaxe: palavras e sintagmas a serviço do texto . ........................................... 19

Mecanismos sintáticos............................................................ 27
Sintaxe de concordância: verbos e nomes em sintonia............................................... 27
Sintaxe de regência: verbos e nomes em hierarquia.................................................... 30
Sintaxe de colocação: palavras em sintonia e hierarquia............................................ 33
Adequação sintática e adequação semântica................................................................. 36

Termos essenciais da oração................................................. 47


O sujeito e o predicado............................................................................................................ 47
Predicação verbal....................................................................................................................... 49
Tipologia do sujeito................................................................................................................... 54
Tipologia do predicado............................................................................................................ 64

Termos subordinados ao verbo........................................... 69


Tipologia dos complementos verbais................................................................................. 69
Regência verbal: casos selecionados.................................................................................. 75
Tipologia dos adjuntos adverbiais....................................................................................... 82
Palavras denotativas: uma questão à parte...................................................................... 84

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Termos subordinados ao nome........................................... 93
Tipologia dos predicativos...................................................................................................... 93
Tipologia dos complementos nominais............................................................................ 96
Tipologia dos adjuntos adnominais.................................................................................... 99

Agente da passiva, aposto e vocativo ............................111


Tipologia do agente da passiva..........................................................................................111
Tipologia do aposto................................................................................................................115
Vocativo: uma questão à parte............................................................................................117
Particularidades morfossintáticas......................................................................................119

Estrutura do período: a coordenação..............................129


Período simples.........................................................................................................................129
Parataxe e hipotaxe (coordenação e subordinação)...................................................131
Tipologia das orações coordenadas..................................................................................133

Estrutura do período: a subordinação I...........................151


Tipologia das orações subordinadas.................................................................................151
Orações substantivas: particularidades...........................................................................154
Orações desenvolvidas X orações reduzidas..................................................................162

Estrutura do período: a subordinação II..........................171


Orações adjetivas: particularidades...................................................................................171
Função sintática dos pronomes relativos........................................................................180
Orações desenvolvidas X orações reduzidas..................................................................182

Estrutura do período: a subordinação III .......................191


Orações adverbiais: particularidades................................................................................191
Orações desenvolvidas X orações reduzidas..................................................................202

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Combinação de estruturas oracionais.............................215
Coocorrência de parataxe e hipotaxe no âmbito do período..................................215
Relações entre morfossintaxe e estilo..............................................................................226

Da frase ao texto......................................................................233
Situações contrastivas e progressivas...............................................................................233
Relações de causa, efeito e finalidade..............................................................................235
Referências temporais............................................................................................................241
Morfossintaxe, léxico e semântica.....................................................................................245

Gabarito......................................................................................257

Referências.................................................................................269

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Apresentação

Este é um livro destinado a estudantes e estudiosos da Língua Portuguesa.


A sensibilidade de quem investiga as relações entre a morfologia e a sintaxe ul-
trapassa os conteúdos desses dois componentes do campo gramatical e alcança
repercussões nas esferas da semântica, da estilística, da pragmática, da análise do
discurso – enfim, do texto.

O tratamento que damos aqui à morfossintaxe tem a preocupação prioritária


com a descrição do português, inserindo as ocorrências selecionadas em situa-
ções concretas de uso não apenas na língua literária, mas também na linguagem
jornalística, publicitária, nas letras de música, buscando apresentar o assunto
como uma parte integrante de nosso cotidiano. Consideramos muito importante
investir no saber expressivo, ou seja, na competência discursiva ou textual que
permite ao usuário da língua a concretização da capacidade de construir textos
em situações determinadas.

As explicações sobre palavras, termos, orações e frases têm como intuito al-
cançar o texto, numa expansão que se faz mediante o reconhecimento de cada
componente dessa imensa rede que começa num pequeno morfema e, prefe-
rimos dizer, não termina, pois a língua é um espaço em estado de construção
morfossintática.

A Morfologia e a Sintaxe – o leitor confirmará – são disciplinas da vida acadê-


mica e da vida real, que nos ajudam a alcançar um estágio superior na compreen-
são do mundo em que vivemos, pela leitura e pela escrita, pela expressão oral e
pela necessidade de ouvir.

Optamos, neste livro, por trabalhar progressivamente os conteúdos da morfo-


logia e da sintaxe em sintonia, partindo dos componentes menores das microrre-
lações das classes de palavras até os capítulos finais, que privilegiam as estruturas
mais complexas na esfera do período, do parágrafo e do texto.

O estudo da gramática é um instrumento valioso para todo profissional que


emprega a língua portuguesa com a responsabilidade que isso representa. Para o
futuro professor, em especial, conta-se com sua especial dedicação a esses assun-
tos, que o ajudarão na missão de preparar a juventude para o exercício pleno de
sua cidadania – essa é a principal lição que se pretende transmitir.

Claudio Cezar Henriques

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Introdução à morfossintaxe

O objetivo desta aula é conceituar os termos morfologia e sintaxe e de-


monstrar como ambos se vinculam a ponto de se agruparem no termo
morfossintaxe.

Nomenclatura gramatical
e ensino de português
Toda ciência tem a sua linguagem própria e uma terminologia especí-
fica. Não é diferente com os estudos linguísticos, que se valem de palavras
de significação especial nesse campo do conhecimento. Saber o significa-
do técnico que as palavras têm na área linguístico-gramatical é um com-
promisso de todo profissional que atua no ensino e na pesquisa de língua
portuguesa.

Terminologia gramatical = nomenclatura gramatical

Certamente é costume, no âmbito acadêmico, encontrar a expressão


nomenclatura gramatical acompanhada do adjetivo brasileira, populari-
zada numa sigla que é parte obrigatória da maioria das gramáticas que
nossos estudantes já tiveram em suas mãos: a NGB.

No entanto, se o profissional de Letras não se informar e não refletir cri-


ticamente a respeito das questões nomenclaturais voltadas para o ensino
e para a descrição do português, talvez sua prática docente ou científica
tenha danos significativos.

Em primeiro lugar, será preciso reparar que a palavra nomenclatura é


apenas o coletivo de nomes (e não uma camisa de força ou a própria gra-
mática). Apesar disso, nos níveis fundamental e médio de ensino, é peda-
gogicamente aconselhável que os professores não usem nomenclaturas
divergentes e múltiplas em suas aulas (o que se aplica obviamente a toda

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

e qualquer disciplina), o que acaba confundindo os alunos e pode até prejudicá-


los eventualmente em algum tipo de concurso público.

Isso não significa, no entanto, que as preocupações em torno da nomencla-


tura a ser utilizada nas escolas sejam mais importantes do que o próprio ensino
de Língua Portuguesa. Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem que,
até hoje, a perspectiva dos estudos gramaticais centra-se, em grande parte, “no
entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal”, frisando uma
das maiores críticas que se fazem ao ensino conservador, pelo qual “descrição
e norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do uso, da função e
do texto”.
O estudo gramatical aparece nos planos curriculares de Português, desde as séries iniciais, sem
que os alunos, até as séries finais do Ensino Médio, dominem a nomenclatura. Estaria a falha
nos alunos? Será que a gramática que se ensina faz sentido para aqueles que sabem gramática
porque são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticalidade é o grande problema da
gramática ensinada pela escola. O que deveria ser um exercício para o falar/escrever/ler melhor
se transforma em uma camisa de força incompreensível. Essa concepção destaca a natureza
social e interativa da linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do
uso social. O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização
da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o domínio de
outras utilizadas em diferentes esferas sociais. Os conteúdos tradicionais de ensino de língua,
ou seja, nomenclatura gramatical e história da literatura, são deslocados para um segundo
plano. O estudo da gramática passa a ser uma estratégia para compreensão / interpretação /
produção de textos e a literatura integra-se à área de leitura. (BRASIL, 1999, p. 137)

Alguns pontos, então, podem ser apresentados ao futuro profissional de


Letras em relação ao tema nomenclatura gramatical, entre os quais destacamos:

 É altamente recomendável a leitura crítica do texto da Portaria n.º 36, pu-


blicada no Diário Oficial de 11 de maio de 1959 (reproduzida nas páginas
preliminares de alguns dicionários e do Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa, da ABL, e disponível em páginas da internet como o Portal de
Língua Portuguesa (www.portaldalinguaportuguesa.org), inclusive pelo
fato de ela, até hoje, não ter sido abolida pelo Ministério da Educação.

 É necessário lembrar que uma nomenclatura gramatical voltada para o


ensino só é aplicável aos níveis fundamental e médio (não se conceben-
do que ela se aplique monocordicamente a estudos superiores praticados
por especialistas e universitários), o que justifica plenamente a elaboração
de uma proposta para sua atualização e modernização.

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Introdução à morfossintaxe

 É discutível a atitude de substituir (nas escolas) termos consagrados nos


estudos linguísticos por novidades nomenclaturais (por exemplo: falar em
orações relativas em lugar de orações adjetivas ou em transpositores em
vez de conectivos), que devem ser reservadas para o ambiente universitá-
rio, onde poderão ser avaliadas do ponto de vista técnico.

 É fundamental ter em mente que o principal objetivo do ensino de Língua


Portuguesa não é a cobrança gratuita da nomenclatura pela nomenclatu-
ra e que esta tem de ser vista não como uma finalidade em si, mas como
um instrumento, um meio para se alcançar o aprendizado consciente da
língua.

Essas preocupações quanto ao ensino não são privilégio desses nossos


tempos, e as críticas à gramática são tão antigas quanto ela. O linguista dina-
marquês Otto Jespersen (1992) expressou, na conclusão de sua obra clássica The
Philosophy of Grammar, a esperança de que “o ensino de gramática no futuro
pudesse ser algo mais vivo do que tinha sido até então, com menos preceitos
mal-entendidos ou ininteligíveis, menos nãos, menos definições, e infinitamen-
te mais observações dos fatos da vida real” (p. 346). Para ele, este seria o único
modo pelo qual o ensino de gramática poderia tornar-se um componente útil e
interessante no currículo escolar.

É óbvio que há necessidade de se resolverem oficialmente muitas questões


acerca do ensino de Língua Portuguesa, inclusive o tema da nomenclatura uni-
ficada, de preferência comum a brasileiros e portugueses. Porém, enquanto
isso não acontece, espera-se que a conduta dos educadores, em sala de aula, não
acabe agravando ainda mais a situação, fazendo com que os poucos profissionais
bem preparados voltem a conviver com uma torre de Babel terminológica ou
passem a coexistir com a progressiva abolição do ensino da gramática como
instrumento para a aprendizagem crítica e reflexiva da língua. “Língua e gramá-
tica não rimam”, como diz Irandé Antunes (2007, p. 160), “quando se confunde
o estudo da nomenclatura com o estudo da gramática”, pois é preciso que se vá
além da nomenclatura “para encontrar os sentidos que transparecem nos usos
reais, concretizados, efetivados.” Mas
[...] a crítica à gramatiquice e ao normativismo não significa, como pensam alguns desavisados,
o abandono da reflexão gramatical e do ensino da norma-padrão. Refletir sobre a estrutura
da língua e sobre seu funcionamento social é atividade auxiliar indispensável para o domínio
da fala e da escrita. E conhecer a norma-padrão é parte integrante do amadurecimento das
nossas competências linguístico-culturais. (FARACO, 2006, p. 26)

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

Morfologia: morfemas, palavras e classificação


O substantivo morfologia tem origem grega e significa estudo das formas. As
primeiras referências ao seu emprego, com esse sentido, nos estudos linguísti-
cos remontam ao século XIX. Se tivéssemos de resumir em breves palavras de
que cuida a morfologia, diríamos que é o ramo da gramática que trata da estru-
tura interna das palavras. Seu estudo propicia a análise dos princípios formais
que fazem dos morfemas a unidade básica da primeira articulação da lingua-
gem, isto é, a unidade que é dotada de um valor semântico indivisível, tanto no
âmbito da estrutura como no da formação.

Se definimos morfologia como o estudo das unidades e dos princípios que


regem os morfemas e sua ordenação no vocábulo, seja pela formação de novas
bases lexicais, seja pela sua flexão, também podemos afirmar que o componente
morfológico de uma língua como o português está suficientemente vinculado
a outras partes da gramática. Com isso, queremos frisar que nem tudo o que se
refere à unidade palavra é competência da morfologia, que nesse sentido serve
como importante componente de três campos de estudos: o lexical (por ajudar
a organizar as unidades memorizáveis das designações), o sintático (por ajudar a
explicitar as relações de articulação entre as unidades lexicais) e o discursivo (por
expressar relações como tempo, pessoa, lugar).

Como os subsistemas integrantes de um sistema complexo, como o de uma


língua, se entrecruzam ou se superpõem de modo também complexo (BOSQUE;
DEMONTE, 2000, p. 4.309), cabe à gramática a tarefa de descrever como se inter-
relacionam esses subsistemas. No que diz respeito à morfologia, é preciso re-
conhecer, por exemplo, que as unidades léxicas têm propriedades fonológicas,
semânticas, morfológicas, sintáticas e discursivas que são pertinentes para o
funcionamento de seus estatutos.

Esses elos, como se vê, mostram que existe uma dinâmica nas manifestações
dos componentes morfológicos e, por isso, é necessário destacar que os mais
importantes são as noções de morfema, de palavra e de classe.

Chamamos de morfema todo e qualquer constituinte de um vocábulo, en-


globando os lexemas (morfemas dotados de significação externa, chamados
morfemas lexicais) e os gramemas (morfemas dotados de significação interna,
chamados morfemas gramaticais):

 significação externa – é a que se refere ao mundo real ou imaginado


(ações, sentimentos, coisas);

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Introdução à morfossintaxe

 significação interna – é a que fica restrita ao campo gramatical (gênero,


número, conjugação, classe).

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Morfema – menor unidade gramatical que se pode identificar
e que é dotada de valor semântico indivisível.

Outra distinção técnica na terminologia morfológica é a que envolve a pró-


pria conceituação de palavra, usada na linguagem comum como sinônimo de
vocábulo, mas que nos estudos linguísticos tem uma acepção mais restrita e
pode ser compreendida a partir da leitura de uma pequena frase como “José
é fluminense, e eu sou carioca”. Não há dúvida de que essa frase contém sete
palavras, como também não há dúvida de que a segunda é e a sexta sou são
duas formas da mesma palavra, o verbo ser. Por isso, a contabilidade poderia nos
informar que a frase não tem sete, mas seis palavras, pois uma delas ocorre duas
vezes. Sete seria, então, o número de vocábulos da frase (e não de palavras).

Portanto, existe, a rigor, a necessidade de dizer que palavra é o termo que


se usa para designar a unidade mínima autônoma (lexical ou gramatical) para a
qual se espera, por exemplo, que exista uma entrada própria num dicionário ou
que, numa gramática, exista um paradigma que a inclua.

Esse paradigma contido numa gramática mostrará as classes das palavras,


definidas tradicionalmente conforme suas propriedades morfológicas, sintáticas
e semânticas. É por essa razão que se fala em palavras variáveis ou invariáveis

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(critério morfológico) ou em palavras que modificam outras (critério sintático)


ou que designam os seres (critério semântico). Essa forma de classificação apa-
rentemente mista é compreensível, pois afinal o universo lexical de uma língua
se compõe de elementos heterogêneos que se apresentam a nós sob essa forma
a que denominamos palavra.

Apresento aqui, com pequena adaptação, uma tabela que incluí no livro Sin-
taxe: estudos descritivos da frase para o texto e que mostra de maneira didática as
10 classes de palavras e suas propriedades morfológicas:

(HENRIQUES, 2008, p. 4)
Classes Gramaticais (10)
Verbo variável
Substantivo variável*
Adjetivo variável*
Pronome variável*
Advérbio invariável**
Numeral variável*
Artigo variável
Conjunção invariável
Preposição invariável
Interjeição*** ------
* Excepcionalmente, substantivos (lápis, tórax), adjetivos (piegas, simples), pronomes (eu,
quem, tudo) e numerais (dois, três) também podem ser invariáveis.
** Excepcionalmente, advérbios (todo, meio) podem se flexionar por atração1.
*** A interjeição poderia não fazer parte desse quadro, pois faz parte da função emotiva da
linguagem (vinculada à 1.a pessoa do discurso).

Há livros que tentam, sem grande sucesso, classificar as palavras de modo


menos heterogêneo, mas não nos parece que seja o caso de alterar substancial-
mente o que a descrição tradicional consagrou desde as primeiras gramáticas
das línguas ocidentais. O que cabe fazer é procurar descrever essas classes de
acordo com cada um dos três critérios mencionados, embora isso, ao final, nos
faça novamente refletir sobre aquelas conhecidas definições, pois veremos as
mesmas classes aparecendo, às vezes, simultaneamente nos três novos grupos.

Outra maneira seria distribuir as 10 classes em dois subconjuntos, o das pala-


vras lexicais (verbos, substantivos, adjetivos, advérbios) e o das palavras grama-
1
A flexão abonada do advérbio meio é registrada em muitas obras, como por exemplo no Dicionário Aurélio Eletrônico versão 5.0 (Positivo, 2004),
que apresenta a seguinte observação (grifos nossos): “Há muitos exemplos, no português antigo como no moderno, desse advérbio flexionado
(caso de concordância por atração): a cabeça do Rubião meia inclinada (M. de Assis, Quincas Borba); casou meia defunta (M. de Assis, Várias Histó-
rias); a mesma mulher, sempre nua ou meia despida (E. de Queirós, A Cidade e as Serras); Uns caem meios mortos, e outros vão / A ajuda convocando
do Alcorão. (L. de Camões, Os Lusíadas, III, 50); cinzeiros com cigarros meios fumados (José Régio, Histórias de Mulheres)”.

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ticais (artigos, conjunções, preposições). Mas aqui também poderíamos apontar


problemas, como por exemplo acontece com a multifacetada situação dos pro-
nomes (indefinidos são lexicais; relativos são gramaticais).

Sintaxe: termos e períodos


O estudo da análise sintática é um dos pontos fundamentais na formação de
quem aspira ser um usuário competente de sua língua. Duas das habilidades
principais de uma pessoa culta repousam nas atividades de ler e de escrever,
ações que podem caracterizar não só nossas carreiras profissionais, mas também
nossa vida como cidadãos.

Esse tema é um dos que mais deve interessar ao professor de Português, não
só por representar um dos assuntos com que mais trabalhará em sua carreira
docente como também porque é pelo domínio da sintaxe que se pode começar
a conquistar, com plenitude, o texto.

Ler ou escrever um texto é muito mais do que apenas compreender ou or-


ganizar palavras em frases e parágrafos. É algo que envolve um amplo mecanis-
mo a partir do qual o pensamento e as pretensões comunicativas do autor se
apresentam para reflexão e avaliação do leitor. Como se constroem esses textos?
Com palavras, sintagmas, termos, orações e períodos2 – elementos que mantêm
entre si um relacionamento interno de concordância, regência, colocação e atri-
buição (HENRIQUES, 2008).
IESDE Brasil S. A.

2
Não incluímos nessa série a palavra cláusula: unidade de significado que pode ter qualquer estruturação interna – diferente de oração, que
necessariamente deve apresentar um verbo. A cláusula ocorre no estrato funcional correspondente às funções “comentário” e “comentado”, como
em “Com toda certeza, o professor virá” (o comentário é “com toda certeza”; o comentado é “o professor virá”). Nesse trecho, há duas cláusulas, mas
apenas uma oração, pois só há um verbo. Entendemos que essa palavra interessa mais como um contraponto nomenclatural do que como um
conceito útil no âmbito do ensino e da descrição gramatical.

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A análise sintática é a análise das relações. Por exemplo: na estrutura da


oração, estudamos as relações que as palavras mantêm entre si na frase. Essas
relações são binárias: sujeito e verbo; verbo e complemento; núcleo e adjunto;
etc. Por esse motivo, quando pensamos na tradicional prática de exercícios vol-
tados para o reconhecimento da função sintática de um termo, vemos que ela
nem sempre alcança o real objetivo de sua aplicação.

Não se pode dizer qual é a função sintática de um termo se não se encontrar o


outro termo com o qual ele se relaciona, ou seja, não se pode encontrar o sujeito
de uma oração sem que se confirme sua relação de concordância com o seu par
(o verbo); não se pode reconhecer que existe um objeto direto sem apresentar
a prova (o verbo transitivo direto); não se pode afirmar que determinado termo
é o agente da passiva sem que seu parceiro sintático seja revelado (o verbo na
voz passiva). E assim sucessivamente com todos os termos da oração, pois cada
um deles só tem a classificação que tem porque possui uma relação com outro
termo – e cada uma dessas relações é única, sendo 10 os termos da oração (11,
se contarmos com o vocativo).

Um texto coeso e coerente organiza-se a partir de princípios lógicos, entre os


quais se incluem os processos relacionais, que, partindo de uma relação-micro,
como a existente entre o núcleo de um termo e seu adjunto adnominal, passam
por uma relação-midi, como a que nos mostra que uma oração é principal porque
outra é sua subordinada, e se encerram numa relação-macro, confirmando, por
exemplo, que uma notícia de jornal ou uma crônica literária teve começo, meio
e fim – e isso só acontecerá de fato se tiverem sido seguidas as regras elementa-
res de adição, oposição, reiteração, substituição e conclusão, entre tantas outras
regras que se baseiam em ampliações dos mecanismos primários expressos
pelos conectivos, conjunções, pronomes relativos e pessoais.

Nesse percurso que começa no mundo-micro (da oração), passa pelo mundo-
-midi (do período) e alcança o mundo-macro (do parágrafo e do texto), é bom
notar que cada um deles nada mais é do que a repetição dos outros, apenas em
tamanhos e graus diferentes.

Nesse sentido, a complexidade e a expressividade de um texto se medem a


partir de vários parâmetros. Um deles repousa certamente na observação da es-
trutura sintática de seus períodos e parágrafos. Por isso, o estudo da sintaxe é um
dos caminhos para desvendar os mecanismos composicionais escolhidos pelo
autor de um texto, sendo a nomenclatura e a fixação das regras básicas do rela-
cionamento sintático estratégias didáticas – e não o motivo principal do estudo.

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Introdução à morfossintaxe

Morfossintaxe: palavras
e sintagmas a serviço do texto
Dependendo dos objetivos e dos métodos adotados na explicação dos fatos
da língua, as classes gramaticais e as funções sintáticas, como vimos, podem
ser estudadas em separado (respectivamente, pela morfologia e pela sintaxe).
Na teoria e na prática, porém, essas duas partes da gramática se encontram em
muitos pontos, pois os valores associativos (morfológicos) se inserem em enun-
ciações lineares (sintáticas), o que comprova a existência de um vínculo inegável
entre elas. Isso nos lembra o que Flávia Carone (1995, p. 13) aponta como uma
das condições para que se chegue ao efetivo conhecimento de um objeto:
[...] é necessário que as partes obtidas pelo corte analítico não se dispersem, de tal maneira
que o todo mantenha sua integridade na consciência de quem o observa – pois analisar é
observar em uma ordem sucessiva as qualidades de um objeto, a fim de dar-lhes no espírito a
ordem simultânea em que elas existem.

Tanto material como idealmente, faz-se essa composição e essa decompo-


sição harmonizando-se as relações existentes entre as coisas – como explica
André Lalande (1960), também citado por Carone.

A sintaxe tem duas parceiras especiais. Uma é a semântica, a ciência do sig-


nificado. Afinal, o entendimento de uma frase depende da sua estrutura e das
sutilezas que envolvem a construção do sentido. Outra é a estilística (a ciência
da expressividade), pois compete ao autor da frase fazer as escolhas sobre como
será sua organização, a partir do repertório que a língua lhe oferece.

Entretanto, para se obter êxito no estudo da sintaxe do português, há um


pré-requisito, pois a sintaxe e morfologia são assuntos interligados. Ter um bom
conhecimento acerca das classes de palavras é fundamental para entender a es-
trutura de uma oração e de um período. Recordemos, por exemplo, nosso estudo
de verbos, substantivos, adjetivos e advérbios nos livros e aulas de morfologia
– suas flexões, significações e particularidades. Depois, a atenção sobre o verbo
como elemento central da oração, o substantivo como núcleo de um termo, o
adjetivo como um elemento periférico ou atributivo de outro, o advérbio como
um determinante, sobretudo dos verbos.

Morfologia  estudo dos valores associativos das


formas linguísticas.

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

Sintaxe  estudo da inserção das formas linguísticas


em enunciações lineares.

Morfologia  Sintaxe = Morfossintaxe

Com isso, queremos enfatizar que um sólido estudo de morfologia é funda-


mental para o que se coloca diante do estudo de sintaxe, confirmando de algum
modo a advertência de Mattoso Câmara Jr. (2004, p. 57), quanto ao fato de que
“a distinção entre morfologia e sintaxe tem sido muitas vezes criticada, tanto de
um ponto de vista didático quanto teórico”. Sua argumentação, no entanto, jus-
tifica a procedência da distinção entre ambas, pois a unidade de cada uma pre-
valece por conta de suas relações, respectivamente, associativa (paradigmática)
e sintagmática. É uma opinião que não invalida o que Louis Hjelmslev (1991, p.
162) escreveu em 1939, num artigo em que comentava que, “malgrado todos os
esforços, nunca se conseguiu separar completamente a morfologia e a sintaxe”.
Talvez por isso, T. Givón (2001) , no prefácio de seu livro Syntax, fale em estruturas
morfossintáticas concretas e suas correlações semânticas e pragmáticas.

É o que mostra uma das questões incluídas no Exame Nacional dos Cursos de
Letras, realizado em 2002, cujo enunciado propunha:
Budista e japonês são palavras que podem ser categorizadas como substantivos e como
adjetivos, o que é comprovável em sintagmas como o japonês budista e o budista japonês.
Considerando apenas três possíveis critérios de classificação morfológica – o formal (ou
flexional), o semântico e o sintático –, aponte o critério mais decisivo para determinar a classe
gramatical desse tipo de palavras, justificando por que você o escolheu e excluiu os demais.

A grade oficial admitiu, entre as respostas, posicionamentos diferentes, com-


binados a justificativas pertinentes, mas considerou que o critério “mais decisivo”
para determinar a classe gramatical desse tipo de vocábulo é morfossintático.

Para terminar, lembremos que um texto deve ter uma adequação gramati-
cal compatível com as pretensões e intuitos de seu autor, que – se assim julgar
pertinente – procurará atingir o nível de exigência da linguagem-padrão pra-
ticada por escrito pela comunidade culta em que se insere. Tudo entrelaçado,
interligado, no âmbito da palavra e da oração ou da frase (morfossintaticamen-
te) para permitir que alcancemos a competência discursiva ou textual, caracteri-
zando o que Eugenio Coseriu (1992) chama de saber expressivo, ou seja, a com-
petência discursiva ou textual, a capacidade de construir textos em situações
determinadas.

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Introdução à morfossintaxe

Texto complementar

Nomenclatura Gramatical Brasileira:


um necessário passo à frente
(BECHARA, 1999)

Hugo Schuchardt dizia, com muito acerto, que a nomenclatura estava


para o cientista assim como o farol para o marinheiro: aplaina-lhe a estrada
e o conduz a bom porto.

Em muito boa hora, na época em que o Ministério da Educação se preo-


cupava com as medidas substantivas ao aperfeiçoamento do ensino e, por
consequência, o aprimoramento da cultura, reuniu o ministro as autoridades
que mais estavam debaixo de sua jurisdição – os competentes catedráticos
do Colégio Pedro II – para, sob a presidência do decano e emérito Antenor
Nascentes, apresentar proposta de unificação da nomenclatura gramatical
reinante nos livros didáticos e científicos (mormente nos primeiros), nas es-
colas e entre professores de Língua Portuguesa.

Para tal tarefa, começaram a trabalhar os professores catedráticos em


exercício no Externato e no Internato do Colégio Pedro II: Cândido Jucá
(filho), Carlos Henrique da Rocha Lima, Celso Cunha e Clóvis Monteiro, aos
quais, depois vieram associar-se, como consultores, Antônio José Chediak,
Serafim da Silva Neto e Sílvio Elia, todos também pertencentes ao quadro de
magistério do Colégio Pedro II.

Se a iniciativa era inédita em língua portuguesa, não o era em outras


partes do mundo, pois a Inglaterra e a França já tinham dado os primeiros
passos neste sentido da unificação dos termos constantes e correntes na no-
menclatura gramatical de seus idiomas, para fins escolares.

Para orgulho dos brasileiros, saída a proposta (não era uma imposição!)
da NGB, a iniciativa estimula a que filólogos e linguistas portugueses, espe-
cialmente de Coimbra e Lisboa, com Manuel de Paiva Boléo na secretaria
da comissão, passassem a trabalhar para consecução dos mesmos objetivos,
orientando-se no esquema traçado pelos catedráticos do Pedro II, mas guar-
dando a orientação tradicional da sua terminologia que, diga-se de passa-
gem, pouco difere da praticada entre nós.

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

É fácil perceber a floresta, quase selva selvaggia, reinante nos livros di-
dáticos e entre o magistério de língua portuguesa: sem ainda Faculdades
ou Institutos de Letras (que só começaram nos últimos anos da década de
30); com as mais díspares orientações da gramaticografia nascente no século
XIX; com a influência das gramáticas filosóficas, lógicas, puristas, ao lado de
outras sem nenhuma orientação de valor científico; com o privilegiamento
de nomenclaturas próprias da gramática clássica, especialmente latina (fa-
lava-se tranquilamente em nominativo, dativo, acusativo, ablativo, genitivo,
consecutio temporum, etc.), ao lado das modernas novidades trazidas pelos
livros que divulgaram os métodos histórico-comparativos (Brachet, Egger,
Brunot, entre outros) ou da gramaticografia alemã e, principalmente, inglesa
(Becker, Bain, Holmes, Mason e Whitney).

Diante desta multiplicidade de fontes e correntes doutrinárias, é claro


que não haveria unanimidade terminológica e conceitual entre os autores
que, a partir da reforma do ensino de línguas promovida por Fausto Barreto,
em 1887, maxime do português, começaram a escrever seus compêndios de
gramáticas escolares.

É bem verdade que tivemos autores que, desde cedo, se preocuparam em


apresentar, para os diversos domínios da gramática, uma racionalização da
nomenclatura. Entre esses, cabe menção especial aos esforços de Júlio Ribei-
ro, Maximino Maciel e, posteriormente, de José Oiticica, Martinz de Aguiar e
Antenor Nascentes.

A pluralidade terminológica chegou a tal exagero, que Antônio José Che-


diak arrolou dezenas de denominações para o que hoje chamamos adjunto
adnominal. Daí, em boa hora, veio a ideia da organização de proposta para
escolha de um rótulo oficial para cada fato de língua que ostentava uma ri-
queza perturbadora – e inútil – de classificações.

Saída a NGB em 1959, nenhum dos seus signatários concordaria total-


mente com ela (Cândido Jucá, no mesmo ano, lançou um livro intitulado 132
restrições à NGB). Ainda assim, os compêndios gramaticais vindos à luz na
década de 60 tiveram de, bem ou mal, agasalhar os nomes propostos e, pas-
sados 40 anos, pode-se dizer que a proposta ministerial, com essa ou aquela
exceção, trouxe remédio para o carnaval terminológico a que se assistia nos

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Introdução à morfossintaxe

livros, em aula, entre professores e, especialmente, nos exames de admissão,


apesar dos defeitos e omissões que se podem imputar à NGB, e de algumas
incursões a medo no campo conceitual, decorrentes de certas opções termi-
nológicas facilmente detectáveis na leitura do seu texto.

Sendo hoje totalmente diferente o panorama dos estudos linguísticos,


filológicos e gramaticais, cremos que uma reedição pura e simples dos pri-
mitivos propósitos da NGB dos anos 50, ainda que acrescidas de nomes es-
quecidos à época (núcleo, por exemplo) e de outros trazidos pelo progresso
das disciplinas, terá resultados insignificantes, se não inócuos, dada a relativa
uniformização da nomenclatura promovida pela NGB.

Passados tantos anos desde que a Linguística foi introduzida entre nós,
alcançamos maturidade para dar um passo à frente, que é a elaboração de
um Glossário ou Dicionário da Terminologia Gramatical, em que não só se le-
vanta uma nomenclatura específica, mas também se propõe uma conceitu-
ação de cada termo, acompanhada de exemplificação adequada. Está claro
que será uma proposta (não uma imposição), no domínio da escola de nível
fundamental e médio.

Para tanto, a comissão que venha a ser designada ou escolhida para tal
empreendimento já conta com excelentes subsídios que vai haurir dos di-
versos dicionários e léxicos gramaticais elaborados por Antenor Nascentes,
Sílvio Elia, J. Mattoso Câmara Jr., Zélio dos Santos Jota, Pedro Luft, sem contar
as obras estrangeiras de David Crystal, André Martinet, Mário Pei, Theodor
Lewandowiski, Werner Abraham, Hadumod Bussmann, last but not least,
Lázaro Carreter.

Um bom modelo, aperfeiçoado, é o Glosario de la terminología gramati-


cal, sob a direção de Antonio Alonso Marcos (pela Editora Magistério, Madrid,
1986), com base no documento elaborado por uma Comissão de cinco mem-
bros, entre os quais figuram Rafael Lapesa Melgar e Fernando Lázaro Carreter.

Aperfeiçoemos o plano primitivo da NGB, sem nos esquecermos de que se


trata de um nomenclator para o nível de 10 e 20 graus, com leve projeção para
os cursos universitários. Só assim, em nosso parecer, estaremos contribuindo
para o progresso dos estudos gramaticais e o aperfeiçoamento de seu ensino
entre nós.

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

Dicas de estudo
AZEREDO, José Carlos de. “Para que serve o ensino da análise gramatical?”, apên-
dice do livro Fundamentos de Gramática do Português.

O autor expõe opiniões importantes a respeito das possibilidades de se ensi-


nar a análise gramatical de um modo isento dos vícios e defeitos que a tornaram
desinteressante.

HENRIQUES, Claudio Cezar. “Conceitos básicos”, capítulo do livro Morfologia: es-


tudos lexicais em perspectiva sincrônica.

O capítulo trata das definições de termos como sincronia e diacronia; sintag-


ma e paradigma; palavra e vocábulo; morfema lexical e morfema gramatical –
todos fundamentais para o desenvolvimento dos estudos de morfossintaxe.

Estudos linguísticos
1. Comente a seguinte afirmação de Irandé Antunes (2007, p. 160):
Língua e gramática podem ser uma solução: se damos à gramática a função que de fato ela
tem; nem mais nem menos; se reconhecemos seus limites; se a enquadramos na sua justa
valoração, nas suas justas medidas e aceitamos sua insuficiência frente à necessidade de
outros saberes e de outras competências.

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Introdução à morfossintaxe

2. A existência de uma nomenclatura gramatical unificada no ensino de Língua


Portuguesa dos níveis Fundamental e Médio é uma questão relevante para
os professores e para os alunos?

3. Explique de que modo os estudos de morfologia e de sintaxe estão interli-


gados.

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Mecanismos sintáticos

Toda frase manifesta um pensamento que se constrói por meio de pa-


lavras – organizadas e combinadas segundo princípios que a caracterizam
como uma estrutura.

FRASE (palavras organizadas de modo a comunicar algo) = ESTRUTURA

Essa pequena explicação nos serve para introduzir o objetivo desta


aula: apresentar os conceitos de concordância, regência e colocação – os
mecanismos sintáticos – como conteúdos fundamentais para o estudo da
morfossintaxe, pois são eles que atuam na organização da frase – nosso
foco de atenção neste momento.

Sintaxe de concordância:
verbos e nomes em sintonia
A concordância é um dos mecanismos sintáticos fundamentais do por-
tuguês, pois é o processo que registra um tipo de harmonia gramatical
existente entre dois componentes da frase.

1. Ela compramos aquele vestidos branca.

Esta frase não está construída segundo os princípios normais de con-


cordância de nossa língua e, portanto, parece inusitada. Porém, se fizer-
mos os ajustes de pessoa, número e gênero, teremos uma frase estrutura-
da adequadamente:

2. Ela comprou (ou nós compramos) aqueles vestidos brancos.

Nas duas relações sintáticas existentes na frase, faltava sintonia, ou seja:

 o sujeito e o verbo precisavam estar na mesma pessoa e número (3.a


pessoa do singular ou 1.ª pessoa do plural, conforme quem tenha
feito a compra) – esse princípio caracteriza a concordância verbal.

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

 o demonstrativo e o adjetivo precisavam estar no mesmo gênero e núme-


ro do substantivo (masculino plural) – esse princípio caracteriza a concor-
dância nominal.

A relação que há entre verbo e sujeito é única, pois acontece na fronteira


existente entre os dois termos essenciais da oração prototípica do português,
o sujeito e o predicado. Diferentemente, a relação que há entre substantivos e
adjetivos pode ser de duas naturezas: a intrassintagmática e a intersintagmática.

3.
Seu comentário amargo pode ter sido sincero.

Nessa frase há três palavras que concordam com o substantivo comentário: o


possessivo seu e o adjetivo amargo concordam com o núcleo do termo ao qual
pertencem (no caso, o sujeito “seu comentário amargo”) e são seus adjuntos ad-
nominais; já o adjetivo “sincero” concorda com o núcleo de um outro termo e é
seu predicativo. Os adjuntos adnominais são exemplos de concordância intras-
sintagmática; o predicativo é exemplo de concordância intersintagmática.

Sintetizando:

CONCORDÂNCIA VERBAL

O verbo concorda com o sujeito em número e pessoa.

CONCORDÂNCIA NOMINAL

O adjetivo concorda com o subjetivo em gênero e número.

Cabe aqui um lembrete importante quanto à pontuação: numa frase escrita em


ordem direta, nunca separamos sujeito e verbo ou verbo e predicativo por vírgula.

4.
SUJEITO VERBO

Os maiores jogadores do futebol brasileiro são grandes astros do esporte mundial.

PREDICATIVO

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Mecanismos sintáticos

5. SUJEITO VERBO

Exagerado, eu sou sempre exagerado.

PREDICATIVO PREDICATIVO
repetido para confirmar
COM VÍRGULA o exagero?

Como se viu pelos exemplos, a concordância é um mecanismo sintático que


se concretiza a partir de elementos tipicamente morfológicos: as flexões de
pessoa, de gênero e de número. Devemos reparar que, em nenhum momento se
falou em modo e tempo (para os verbos) e em grau (para os nomes).

O motivo é simples: modo e tempo são componentes exclusivos dos verbos


(e não há como estabelecer esse tipo de identidade entre o verbo e seu sujei-
to, que é um termo representado por substantivos ou seus equivalentes – logo,
sem marca de modo e de tempo); grau é um componente comum a substantivos
e a adjetivos, mas com atribuições distintas (nos substantivos, o grau expressa
aumentativo ou diminutivo; nos adjetivos, expressa comparativo ou superlativo
– logo, não é possível fazer a sintonia de grau entre eles).

O gênero e o número estão entre os processos flexionais (e obrigatórios) de


nossa língua, o que inegavelmente não é o caso do grau, que se faz de manei-
ra opcional, por um acréscimo derivacional (livr + inho = livrinho, moderno +
íssimo = moderníssimo) ou lexical (livro pequeno, muito moderno), excludentes
mutuamente, se assim preferir o usuário da língua, como vemos nas possibilida-
des abaixo transcritas:

6. Comprei um livrinho (ou um pequeno livro) moderno  grau só no subs-


tantivo.

7. Comprei um livro moderníssimo (ou muito moderno)  grau só no adjetivo.

A conhecida expressão Concordo com você em gênero, número e grau é, por-


tanto, inaplicável no mundo da gramática, onde só é possível concordar em
gênero e número ou em número e pessoa.

Acrescente-se a lembrança de que o grau é um processo que também ocorre


com os advérbios, também manifestando relação intensificadora (comparativo
ou superlativo):

8. Ela canta melhor (= mais bem) e mais alto (do) que nosso vizinho.

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

9. Ela canta altíssimo (ou muito alto), mas emociona muito pouco (ou pou-
quíssimo).

Por fim, resta ainda dizer sobre o grau que os sufixos que se juntam a radi-
cais para expressar ideias de aumento, diminuição e intensificação têm um uso
bastante expandido no português, sendo possível encontrá-los de modo muito
expressivo em formações que subvertem seus valores iniciais, seja na linguagem
jornalística, publicitária e coloquial, com grande produtividade.

10. Quem gosta de música tem todíssimos os motivos para não arredar pé do
Rio este fim de semana. (Danuza. Jornal do Brasil: 16 out. 1998)

11. Aplicar corretamente o condicionador: passá-lo somente nas pontas,


massagear levemente, desembaraçar com um pente de dentes largos e
enxaguar bastantão, até sair tudo. (Revista Atrevida: fev. 1996)

O recurso (que serve como exemplo de gramaticalização) também é comum


em nossa literatura, como atestam os casos de “cunhados e cunhadíssimos” (Ma-
chado de Assis em Esaú e Jacó), “eles passarão, eu passarinho” (Mário Quintana,
no “Poeminha do Contra”), “o velho era antigão” (Stanislaw Ponte Preta, em “A
Vontade do Falecido”) ou “ele está dormindinho” (José de Alencar, no Posfácio
de Iracema).

Sintaxe de regência:
verbos e nomes em hierarquia
A regência é outro dos mecanismos sintáticos fundamentais do português,
pois é o processo que marca uma relação de hierarquia existente entre dois com-
ponentes da frase, isto é, se um termo tem ou não algum tipo de complemento
ou circunstância que o acompanha em sua significação.

As palavras regentes de termos são os verbos e os nomes. Os termos que são


regidos são chamados de complementos verbais e nominais.

Na nomenclatura gramatical, regência, em sentido amplo, equivale a subor-


dinação em geral. Em sentido restrito, e mais habitual, designa a subordinação
peculiar de certas estruturas a palavras que as requerem ou preveem na sua
significação ou em seus traços semânticos. Essas estruturas compõem, com as
palavras que as requerem (isto é, regem), um complexo significativo – estruturas
regidas completam com os núcleos regentes um todo semântico, motivo pelo

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Mecanismos sintáticos

qual que se denominam complementos. Regência é, então, exigência ou previ-


são de complementação (LUFT, 1987).

REGÊNCIA VERBAL

O verbo prevê uma complementação mediante o uso ou não de preposição.

REGÊNCIA NOMINAL

O nome (substantivo ou adjetivo) prevê uma completação


mediante o uso de preposição.

Cabe aqui outro lembrete importante quanto à pontuação: numa frase es-
crita em ordem direta, nunca separamos o verbo e o seu complemento ou cir-
cunstância (até a 2.ª delas) por vírgula, e também não se separa o nome de seu
complemento por vírgula.

12. Encontraremos as explicações no dicionário.

VERBO COMPLEMENTO CIRCUNSTÂNCIA


(regente) (o quê?) (em que lugar?)

13. Os comerciantes entregaram os documentos aos fiscais.

VERBO COMPLEMENTO COMPLEMENTO


(regente) (o quê?) (a quem?)

COMPLEMENTO
(por quem?)

14. O caso foi comunicado à imprensa pelos detetives com discrição.

VERBO COMPLEMENTO CIRCUNSTÂNCIA


(na voz passiva) (a quem?) (de que modo?)
(regente)

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ADJETIVO
(regente)

15. Seu envolvimento com os estudos mostrou-se benéfico a todos.

SUBSTANTIVO COMPLEMENTO COMPLEMENTO


ABSTRATO
(com o quê?) (a quem?)
(regente)

CIRCUNSTÂNCIA
(em que lugar?)

,
16. Os professores almoçam aos sábados neste restaurante desde 1995.

CIRCUNSTÂNCIA COM VÍRGULA


(em que dia?) CIRCUNSTÂNCIA
(desde que ano?)

Assim como a concordância, a regência é um mecanismo sintático que se con-


cretiza a partir de elementos tipicamente morfológicos, destacando-se nesse
caso as relações com ou sem preposições.

Também foi possível deduzir pelos exemplos que os complementos e as cir-


cunstâncias são elementos previstos por verbos ou por nomes. Isso significa que
nem todo verbo e nem todo nome tem, compulsoriamente, de estar acompa-
nhado de termos regidos, os quais devem ser entendidos como potenciais no
âmbito do discurso, pois atuam em função das pretensões do falante.

17. Na semana passada eu almocei.

18. Na semana passada eu almocei com minha prima.

19. Na semana passada eu almocei feijoada.

As frases acima empregaram o mesmo verbo, mas observa-se que suas pre-
tensões comunicativas são distintas, o que justifica a existência de um comple-
mento (feijoada: almocei o quê?), de uma circunstância (com minha prima: na
companhia de quem?) ou de nada (Ø: pratiquei a ação de almoçar).

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Mecanismos sintáticos

Sintaxe de colocação:
palavras em sintonia e hierarquia
A colocação é mais um dos mecanismos sintáticos fundamentais do portu-
guês, pois é o processo que marca as possibilidades permitidas de combinação
ao se construir uma frase. Todas as línguas faladas pelo homem têm uma carac-
terística em comum: são feitas de palavras que se organizam segundo determi-
nadas características e relações.

COLOCAÇÃO

As palavras e as orações são organizadas na frase segundo regras próprias.

Ao falarmos em ordenar (pôr em ordem), precisamos explicar o que se chama


ordem direta (ou lógica): a sequência em que o sujeito vem à esquerda do verbo,
este precede os complementos e os circunstanciadores (o direto tem preferên-
cia sobre o indireto, e os objetos têm preferência sobre os adjuntos adverbiais),
os determinantes vêm depois dos determinados, os termos acessórios se posi-
cionam à direita dos seus pares, os conectores e transpositores encabeçam os
sintagmas ou orações por eles interligados.

Veja o exemplo:

20. “O arrulhar destes dois corações virgens durava até oito horas da noite,
quando uma senhora de certa idade chegava a uma das janelas da casa,
já então iluminada” (ALENCAR, 1975, p. 2).

O trecho de Alencar exemplifica bem a ordem direta do português:

 a frase se inicia pelo sujeito (o arrulhar destes dois corações virgens) de


durava;

 o núcleo do sujeito (o arrulhar) precede seu determinante (destes dois co-


rações virgens);

 o determinante de durava (até oito horas da noite) está à direita do verbo;

 a conjunção quando encabeça a oração subordinada adverbial, que está


posicionada depois da oração principal;

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 o sujeito da segunda oração (uma senhora de certa idade) precede o verbo


que com ele concorda (chegava);

 o determinante de chegava (a uma das janelas da casa) está à direita do


verbo;

 o determinado casa precede seu determinante (já então iluminada).

Esses são apenas alguns comprovantes de que o trecho de Alencar está cons-
truído rigorosamente em ordem direta, o que não significa que se trata de uma
ordem obrigatória no português. O mesmo trecho poderia ter sido escrito de
outra maneira, sem nenhum prejuízo para sua estrutura, como vemos nos exem-
plos abaixo, exatamente com as mesmas palavras:

21. Até oito horas da noite durava o arrulhar destes dois corações virgens,
quando a uma das janelas da casa, já então iluminada, chegava uma se-
nhora de certa idade.

22. Durava até oito horas da noite o arrulhar destes dois virgens corações,
quando chegava uma senhora de certa idade a uma das janelas da casa,
já então iluminada.

Não há diferença sintática entre as frases, mas elas não são iguais. Qual das três
representa de modo mais adequado a expressividade pretendida pelo autor? Já
se vê por essas três maneiras de se construir a mesma frase que, diferentemente
dos mecanismos de concordância e de regência, há muito mais maleabilidade no
estudo da colocação.

Em (20) a frase começa com o sujeito; em (21) inicia com a circunstância de


tempo; em (22) a primeira palavra é o verbo durar. Os deslocamentos feitos em
(21) e (22) (sua topicalização) são justificáveis? Em cada opção, teríamos um ele-
mento destacado: o próprio acalanto dos jovens, em (20), a marcação do tempo;
em (21), a noção de prolongamento que o verbo transmite – plenamente justifi-
cáveis, conforme o desejasse o escritor.

TOPICALIZAÇÃO

Termo usado para indicar o deslocamento de um sintagma de sua posição


normal na frase para o início dela – o que geralmente se dá por razões de
natureza discursivo-textual.

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Mecanismos sintáticos

Façamos agora uma exemplificação ao contrário, tomando outro trecho do


próprio Alencar, extraído do mesmo romance A Viuvinha.

23. “Pouco depois desapareceram os adornos da cerimônia, e na sala ficaram


apenas algumas pessoas que festejavam em uma reunião de amigos e de
família a felicidade dos dois corações” (ALENCAR, 1975, p. 38).

Aqui, não há a rigorosa obediência à ordem lógica do português. Alencar pri-


vilegiou a ordem inversa, como destacamos nas seguintes passagens:

 o sujeito dos verbos desaparecer (os adornos da cerimônia) e de ficaram


(algumas pessoas) está posposto;

 os determinantes de desapareceram (pouco depois) e de ficaram (na sala)


estão antes dos verbos;

 o complemento do verbo festejar (a felicidade dos dois corações) está dis-


tanciado dele pela antecipação do adjunto adverbial em uma reunião de
amigos e de família.

Porém, como ficaria essa opção sintática de Alencar se fosse reescrita na


ordem direta?

24. Os adornos da cerimônia desapareceram pouco depois, e apenas algu-


mas pessoas que festejavam, em uma reunião de amigos e de família, a
felicidade dos dois corações ficaram na sala.

Observa-se que o sujeito “apenas algumas pessoas”, ao ser posicionado à es-


querda de seu verbo (ficaram) teve de trazer consigo toda a oração subordinada
que o secundava, pois, afinal, essa oração do verbo festejar é adjetiva, isto é, de-
terminante de pessoas e se posiciona depois desse substantivo.

Novamente cabe perguntar qual das maneiras se presta de modo mais ade-
quado à expressividade pretendida pelo autor. De todo modo, uma conclusão se
pode alcançar desde logo: a ordem direta ou lógica nem sempre é a mais reco-
mendável ou a melhor. Cada situação discursiva, textual, é que dirá se a escolha
mais apropriada é uma, outra ou mesmo um misto de ambas.

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Adequação sintática e adequação semântica


Chamamos de adequação sintática a construção coerente de períodos e orações,
observadas as relações existentes entre seus termos e a sua organização. A inadequa-
ção sintática pode gerar desde dificuldades localizadas de compreensão até a com-
pleta ausência de sentido. A esse vício de linguagem dá-se o nome de obscuridade.

A adequação semântica ocorre quando um texto demonstra competência na


argumentação (na descrição, na narração ou na interpretação), evidenciada por
seu autor a partir de uma seleção de opiniões, dados e fatos fundamentados no
seu conhecimento de mundo. Mas é sempre oportuno lembrar que, embora re-
comendáveis para as situações referenciais da vida comum, os paralelismos se-
mântico e sintático podem ser quebrados com arte e criatividade. É o que Thaís
Nicoleti de Camargo (2002) comenta no artigo “Falta de paralelismo semântico
cria efeito de estilo”.

Preservar o paralelismo semântico é tão importante quanto preservar o pa-


ralelismo sintático. Mas, na pena de um bom escritor, a quebra da simetria se-
mântica pode resultar em curiosos efeitos de estilo. Não foi outra coisa o que
fez Machado de Assis no conhecido trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas,
em que, irônica e amargamente, o narrador diz: “Marcela amou-me durante 15
meses e 11 contos de réis”. No mesmo livro: “antes cair das nuvens que de um
terceiro andar”.

O uso desse artifício parece ser uma das marcas estilísticas do autor. Na aber-
tura de Dom Casmurro, o narrador diz: “encontrei um rapaz, que eu conheço de
vista e de chapéu”.

No conto “O enfermeiro”, ao anunciar que vai relatar um episódio, o narrador ad-


verte que poderia contar sua vida inteira, “mas para isso era preciso tempo, ânimo
e papel”. O elemento papel, disposto nessa sequência, surpreende o leitor e instala
o discurso irônico. Ter ou não papel para escrever é algo prosaico. A falta de ânimo,
um problema pessoal, está em outro patamar semântico (CAMARGO, 2002).

Não foi o que aconteceu com a manchete de jornal ou com a placa do salão
de beleza que estão reproduzidas a seguir. Ambas esbarram na falta de parale-
lismo, pois a escolha sintática não representa a intenção comunicativa, que só é
compreendida porque o leitor reinterpreta o que vê para constituir a adequação
inexistente no enunciado.

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Mecanismos sintáticos

Divulgação Folha de São Paulo.


Marcelo Moraes.
Missa pela febre? ou Papa tem febre e cancela
Pintos cortados? ou Corto e pinto missa?
cabelos?
No livro Sintaxe: estudos descritivos da frase para o texto (HENRIQUES, 2008, p.
17-19) exemplifico os problemas de inadequação a partir do trecho de um anún-
cio publicado na Folha de S. Paulo em 17 de junho de 1998:

JOSÉ DA PENHA

IESDE Brasil S. A.
SANTOS, depois de ter
ultrapassado o pórtico
de um século de idade,
no próximo dia 18 de
junho, 98, a partir das
18h30, na LIVRARIA
CULTURA, Av. Paulista,
2.073, Conjunto Nacion- a desencantados co-
al, a quem o honrar com rações o encanto de
a sua presença, dará au- viver, conforme afirma
tógrafos da 4.ª edição de o eminente economis-
CONHECIMENTO E VEN- ta HENRY MAKSOUD:
TURA, muito ampliada, “O livro Conhecimen-
pois se a 3.ª edição tinha to e Ventura está entre
526 páginas, tem esta aqueles que se deve ter
860 e 4.278 pensamen- à mão como recurso nos
tos dos maiores homens momentos em que falta
de todos os tempos. a esperança e os proble-
Propagar esta obra, mas parecem intrans-
não é por vaidade do poníveis. José da Penha
autor, mas cumpre o Santos nos oferece a
sagrado dever de levar ponte sólida e amiga”.

Inadequação sintática e semântica.


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É claro que o objetivo principal do anúncio é o aviso sobre o lançamento de


um livro. No entanto, suas múltiplas inadequações sintáticas, ainda que não im-
peçam a compreensão dos dados objetivos sobre local, data, horário, poderão
comprometer o comparecimento do público ao evento e até mesmo a venda-
gem do livro anunciado. Afinal, se o anúncio tem tantos problemas textuais, não
será de estranhar que o livro citado (substituíram-se os nomes do livro e do autor)
esteja no mesmo nível.

Vejamos alguns dos problemas sintáticos do texto:

 Há quase 40 palavras entre o sujeito “José da P. Santos” e o predicado “dará


autógrafos”. Esse distanciamento tira a objetividade do trecho e prejudica
a compreensão da mensagem.

 A sequência antecipada de expressões entre vírgulas nesse mesmo trecho


é inadequada, pois mistura elementos de função diferente, a saber:

 “depois de ter ultrapassado o pórtico de um século de idade” refere-se


ao sujeito, mas a data que vem a seguir não é a do seu aniversário;

 a cadeia “no próximo dia 18 de junho, 98”, “a partir das 18h30” e “na
LIVRARIA CULTURA” refere-se circunstancialmente ao sintagma “dará
autógrafos”, e o número 98 entre vírgulas é supérfluo pois o texto já
usara “próximo dia 18 de junho”;

 “Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional” identifica uma circunstância de


“Livraria Cultura”, por meio da ideia implícita de localização;

 “a quem o honrar com a sua presença” complementa o verbo “dar”.

 A expressão causal “pois se a edição [...] de todos os tempos”, que encerra


o primeiro parágrafo, é mal construída porque:

 o sujeito (com a palavra edição subentendida) está depois do verbo e


há dois numerais seguidos (o primeiro com a palavra páginas suben-
tendida);

 entre a palavra pois e o restante da expressão causal foi inserida uma ora-
ção condicional com apenas a vírgula da direita (toda inversão de oração
circunstancial deve ser marcada por duas vírgulas).

 O segundo parágrafo começa com três erros graves, a saber:

 a vírgula entre o sujeito “propagar esta obra” e o seu predicado “não é”;

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Mecanismos sintáticos

 o emprego desnecessário da preposição “por” (o correto seria: “propa-


gar esta obra não é vaidade do autor”);

 a oração adversativa “mas cumpre o sagrado dever...” não dá sequência


ao trecho anterior (ou seja: propagar esta obra não é vaidade – verbo
de ligação + substantivo –, mas cumpre – verbo transitivo?) = a coesão
se daria se estivesse assim: “propagar esta obra não é vaidade do autor,
mas é o cumprimento do sagrado dever de”.

Ora, se o redator do anúncio tivesse observado a ordem das palavras nas


frases e considerado a hierarquização das informações, teria produzido um texto
mais objetivo e claro. Um dos resultados, procurando, ao máximo, respeitar as
escolhas lexicais do original, poderia ser:

IESDE Brasil S. A.
Depois de ter ultra-
passado o pórtico de um
século de idade, JOSÉ DA
PENHA SANTOS dará au-
tógrafos da 4.ª edição de
CONHECIMENTO E VEN-
TURA a partir das 18h30
do próximo dia 18 de
junho, na LIVRARIA CUL- sagrado dever de levar a
TURA (Av. Paulista, 2.073, desencantados corações
Conjunto Nacional), a o encanto de viver, con-
quem o honrar com a forme afirma o eminen-
sua presença. Muito am- te economista HENRY
pliada, tem esta edição MAKSOUD: “O livro Co-
860 páginas e 4.278 nhecimento e Ventura
pensamentos dos maio- está entre aqueles que
res homens de todos os se deve ter à mão como
tempos, enquanto a 3.ª recurso nos momentos
tinha 526 páginas. em que falta a esperança
e os problemas parecem
Propagar esta obra intransponíveis. José da
não é vaidade do autor, Penha Santos nos oferece
mas o cumprimento do a ponte sólida e amiga”.

Versão adequada sintática e semanticamente.


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Assim, falar em adequação sintática significa falar em “bom-senso e critério


nas escolhas sintáticas”, tanto no âmbito da frase como no âmbito do parágrafo
e do texto.

Fica evidente que a chamada adequação sintática é um instrumento em favor


da adequação semântica, que outra coisa não é senão a realização coerente do
que se pretende dizer. Por isso, concordamos com Carlos Franchi (2006, p. 102)
quando afirma que “a teoria gramatical visa estabelecer a relação entre a forma
das expressões e sua significação”, ou seja, que é necessário “mostrar as correla-
ções entre a estrutura sintática e a estrutura semântica”.

Texto complementar

Organização da frase
(CARONE, 1995)

É esse o nome que Tesnière dá àquela energia que imanta as palavras e


as faz organizarem-se em sintagmas, e estes em orações. Usamos as palavras
energia e imantar, pouco usuais num contexto gramatical, para salientar o
caráter abstrato das relações sintáticas, que é algo que se instala indepen-
dentemente de concretizações de qualquer natureza. Em “João sai” não há
apenas dois elementos sintáticos, mas três: “João”, “sai” e a conexão sintática,
que articula os dois e inaugura uma unidade de nível superior: a oração.

A conexão é uma relação de dependência que se estabelece entre dois ele-


mentos; desses, um é o central, o outro é o marginal. O marginal pressupõe o
central, mas o inverso não é verdadeiro. Na sílaba a consoante pressupõe a vogal;
no vocábulo, afixos pressupõem um radical; no sintagma nominal, artigo e adje-
tivo pressupõem um substantivo. Na oração, o pressuposto é o verbo, elemento
central com que se articulam os demais, imediata ou mediatamente.

Muitas de nossas gramáticas, certamente orientadas pela NGB, que é


um roteiro oficial, não aproximam as noções de regência e subordinação, só
mencionando esta última palavra quando vão tratar do período composto.
Ora, quando as palavras se organizam em sintagmas, e estes em orações,
fazem-no graças à conexão entre um termo central (regente, subordinante)

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Mecanismos sintáticos

e um termo marginal (regido, subordinado). O dirrema (frase nominal bi-


membre) e a frase verbal (oração) organizam-se por subordinação. Nenhuma
frase se formaliza unicamente pela coordenação de seus termos; na verdade,
coordenam-se termos em uma frase já estruturada por subordinação. Se-
quências de nomes coordenados não constituem uma estrutura frasal: cada
um deles é, por si, uma frase nominal unimembre.

Quando o falante de uma língua depara com um conjunto de duas pala-


vras, intuitivamente é levado a sentir entre elas uma relação sintática, mesmo
que estejam fora de um contexto mais esclarecedor. Se for o conjunto fala
viva, por exemplo, ele poderá interpretá-la como:

 uma fala (expressão) viva (vivaz, fluente);

 alguém fala (diz) a palavra viva;

 fala (imperativo: tu) a palavra viva;

 ela fala estando viva;

 que a fala (substantivo) viva (subjuntivo, optativo).

Assim, além de captar o sentido básico das duas palavras, o receptor


atribui-lhes uma gramática – formas e conexões. Isso acontece porque ele
traz registrada em sua mente toda a sintaxe, todos os padrões conexionais
possíveis em sua língua, o que o torna capaz de reconhecê-los e identificá-
-los. As duas palavras não estão, para ele, apenas dispostas em ordem linear:
estão organizadas em uma ordem estrutural.

A diferença entre ordem estrutural e ordem linear torna-se clara se elas


não coincidem, como nesta frase que um aluno criou em aula de redação,
quando todos deviam compor um texto para outdoor, sobre uma fotografia
da célebre cabra de Picasso: “Beba leite de cabra em pó!” Como todos rissem,
o autor da frase emendou: “Beba leite em pó de cabra!”

Pior a emenda que o soneto. Mas a frase foi ótima para perceberem o
constrangimento (às vezes insolúvel) que a ordem linear impõe, visto que
nem sempre é possível seguir, palavra por palavra, os caminhos da ordem
estrutural. Todos, porém, com a intuição de falantes nativos, haviam captado
a ordem estrutural, a sintaxe da frase:

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

beba

(você) leite

de cabra em pó

Num processo de comunicação verbal, quando o emissor produz uma


frase, faz uma dupla escolha: a dos conceitos que quer transmitir, e a do
arranjo gramatical que dará forma a seu pensamento. Ao formular concre-
tamente sua frase, porém, tem de submeter-se à dimensão do tempo, que
transcorre numa linha única; por esse motivo, a ordem estrutural, que é toda
uma armação abstrata, mas pluridimensional, deverá conformar-se à lineari-
dade da frase realizada.

Inversamente, ao ouvir uma frase – que lhe chega linearmente, palavra


após palavra, som após som –, o receptor capta e reconhece as conexões
sintáticas que a estruturam, e reconstitui em sua mente a rede de relações
que seu interlocutor escolheu para compor a mensagem.

Para que essa miraculosa transferência de mente a mente se opere, é ne-


cessário que ambos os interlocutores possuam os registros das combinações
sintáticas possíveis na língua em questão. Quando se trata da língua materna,
a sintaxe é haurida à medida que a criança ouve o que lhe dizem, ou o que
se diz a sua volta; e, num espaço de tempo espantosamente pequeno para
a grandeza do mistério, estará apta a criar frases diferentes das que ouviu,
realizando combinações novas com os padrões sintáticos que já fixou.

Dicas de estudo
BECHARA, Evanildo. “Sintaxe: noções gerais”, lição I do livro Lições de Português
pela Análise Sintática.

O autor define oração e focaliza temas como a entoação oracional, a impor-


tância da situação e do contexto, como se constituem as orações e quais os seus
tipos, entre outros assuntos relevantes para o estudo da sintaxe.

42 Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A,


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Mecanismos sintáticos

KURY, Adriano da Gama. “Noções básicas preliminares”, primeiro capítulo do livro


Novas Lições de Análise Sintática.

O capítulo explica o que é análise sintática e qual sua finalidade, além de


apresentar as noções de termos como frase, oração e período.

Estudos linguísticos

IESDE Brasil S. A.
Concordo com GRAU?
você em gênero,
número e grau

1. Comente, do ponto de vista gramatical, a possível incoerência existente na


frase usada na charge, que repete o conhecido chavão “Concordo com você
em gênero, número e grau”.

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Língua Portuguesa: Morfossintaxe

2. Construa duas frases com o verbo implicar, de modo a explicar seus traços de
regência quando significa aborrecer e quando significa incluir, determinar.

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Mecanismos sintáticos

3. Escreva a seguinte frase na ordem direta: “Finalmente, chegaram ontem de


Londres os dois passageiros do ônibus espacial brasileiro.”

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Termos essenciais da oração

O objetivo desta aula é descrever a estrutura oracional do português,


a partir da dicotomia sujeito-predicado. Além de discutir a questão da
essencialidade desses termos, trataremos também de sua classificação e
tipologia.

O sujeito e o predicado
Em português uma oração apresenta normalmente uma estrutura dual,
obrigatoriamente centrada em um verbo (SV = sintagma verbal), que fun­
ciona como eixo relacionado a um sujeito (SN = sintagma nominal).
Os autores normalmente afirmam que a estrutura básica da oração
tem esse caráter bimembre. É o que dizem, por exemplo, Celso Cunha e
L. Cintra (2007, p. 136): "São termos essenciais da oração o sujeito e o pre­
dicado. o sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração; o predica­
do é tudo aquilo que se diz do sujeito'.' Explicação semelhante se vê em
Rocha Lima (1992, p. 234): "Em sua estrutura básica, a oração consta de
dois termos, o sujeito (o ser de quem se diz algo); e o predicado (aquilo
que se diz do sujeito):'
Um dos comentários a fazer sobre essas definições tradicionais reco­
menda que relativizemos o entendimento das palavras ser e essencial. Nem
sempre o sujeito é um ser no sentido dicionarizado; nem sempre o sujeito
está concretamente presente na frase. Agindo assim, não deverão nos pre­
ocupar algumas indagações de ordem lógica (e não sintática) do tipo:
■ Se o sujeito é um termo essencial, como existe oração sem sujeito?
(Choveu muito ontem)
■ Se o sujeito é um ser, como existe sujeito que não é um ser? (A com­
pra foi um sucesso)
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

Resolve-se a primeira pergunta com um silogismo: se o sujeito não fosse um


termo essencial, por que teríamos de reconhecer que, em determinadas frases,
ele não existe? Fala-se em oração sem sujeito, mas não se fala em oração sem
objeto direto, oração sem predicativo. Isso deixa implícito que o sujeito é de fato
um termo essencial - sendo, inclusive, possível enumerar os casos de inexistên-
cia do sujeito, a rigor, ldiomatismos do português.
Quanto à segunda pergunta, é melhor não considerar os limites da palavra
ser como uma pessoa ou uma coisa, pois isso nos levará a apenas substantivos
concretos. A definição pode ser retocada substituindo-se a palavra ser pela ex­
pressão "substantivo (ou equivalente)" e assim retiramos o perigoso componen­
te semântico de uma definição que deve privilegiar os aspectos sintáticos.

SUJEITO (SN)
Termo de natureza substantiva, de quem se diz algo, com um verbo que
com ele concorda em número e pessoa.

PREDICADO (SV)
Termo de natureza verbal, que contém o que se diz do sujeito.

As orações do tipo declarativo (Eu vou ao baile.) são as mais comuns no nosso
cotidiano, coexistindo com orações Interrogativas (Você vai ao baile?), imperati­
vas (Vá ao baile.), exclamativas (Foi um baile tão lindo!). Predominam também as
orações afirmativas sobre as negativas.
Se nos lembrarmos das coisas que lemos, escrevemos, falamos ou ouvimos
ao longo do dia de hoje, por exemplo, é multo provável que a maior parte das
frases encontradas tenha revelado um fato, indicado uma opinião, registrado
uma notícia - e quase sempre com uma estrutura gramaticalmente afirmativa
(sem o uso do advérbio não, prototípico).
Vejamos a primeira estrofe do"Epigrama n.0 9'; de Cecília Meireles (2001 ), que
nos mostra a estrutura oracional declarativa:

O vento voa,
A noite toda se atordoa,
A folha cai.

48
Termos essenciais da oraçao

Esses três versos descritivos introduzem o questionamento que a autora


fará na segunda estrofe, a respeito da existência ou não de "algum pensamento
sobre essa noite''. Interessa-nos observar que as três orações mostram o modelo
declarativo, afirmativo e com a disposição do SN (tema) e do SV (declaração) na
ordem direta. Assim, ao cenário da natureza (vento, noite e folha - posicionados
à esquerda do verbo) se soma a interferência da subjetividade do eu lírico (a
noite se atordoa), como mostra o quadro:

Sujeito (SN) [tema] Predicado (SV) [declaração]


O vento voa
A noite toda se atordoa
Afolha cai

Predicação verbal
Não há oração sem verbo, elemento principal que atua no predicado.
Pelo ato de predicar, o homem exercita e expressa seu raciocínio; não apenas
isola uma parcela de sua experiência no mundo e lhe dá um nome (pela função
da designação), mas também "pronuncia-se" sobre essa parcela, formulando um
pensamento sobre ela: O céu é azul, A borboleta voa, O vento está frio, A justiça
consola as pessoas, A estrela brilha, Caminhar faz bem à saúde, Esquecer alivia o
coração.
O ato de predicar constitui ordinariamente uma declaração sobre um conceito,
e só é possível graças ao verbo. O verbo tem outras funções na língua, mas "predi­
car" é sua função mais típica, além de lhe ser exclusiva (AZEREDO, 2000, p. 75).
A classificação dos verbos quanto à predicação é, então, o primeiro passo que
devemos dar para reconhecer a estrutura de uma oração. E Isso se consegue
a partir de uma visão semântico-estrutural - ou seja, uma análise que leva em
conta a significação do verbo e sua função na oração.
Um verbo como confessar se constrói potencialmente com três SN:

O padre (A) confessou seu delito (B) ao bispo (C)

Numa estrutura como essa, o elemento à esquerda do verbo confessar e que


determina sua concordância em número e pessoa é o SNsuj. À direita do verbo

49
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

estêlo dois termos regidos por ele: o SNod (sem preposiçêlo) e o SNoi (com pre­
posição). Nas relações entre confessar e seus três parceiros, há, por fim, os valo­
res semânticos em jogo, ou seja, enquanto o SNsuj é necessariamente um ser
humano, um dos objetos (o direto) é algo inanimado e o outro (o indireto) é de
novo um ser humano.
Adotaremos aqui uma maneira bem objetiva de descrever a predicação dos
verbos, tomando como foco apenas os elementos que atuam no âmbito do
predicado.
Numa análise de base semântico-estrutural, dividiremos os verbos em dois
grupos: os verbos de estado (ser, estar, ficar e sinônimos) e os verbos de ação
(os demais). Essa distinção semântica, ainda que passível de restrições lógicas
quanto ao que se pode entender sob o rótulo de "ação': é didaticamente pro­
veitosa e se baseia no entendimento do significado de três verbos muito
usuais na língua (ser, estar e ficar). Não nos parece tarefa das mais difíceis
responder a uma pergunta como:"Overbo que temos para analisar é ou não
sinônimo de ser, estar ou ficar"?
Esse procedimento é o mesmo adotado no livro Sintaxe: estudos descritivos da
frase para o texto (2008) e que transcrevemos a seguir, com adaptações.

Verbos de estado
Podem ser: de ligação1 (se houver predicativo do sujeito) ou intransitivos (se
não houver predicativo do sujeito).
3. Minha vida era um palco iluminado. de ligação
!
SUJEITO
!
PREDICATIVO
(termo A) (termo B)

4. Muitas personalidades estavam no lançamento. --• intransitivo


+
SUJEITO
!
ADJ.AOV.OE
LUGAR

1
Alguns .'lutores prek,e-m chamà•IO\ d� verbos pr�icativo$ ou copulativo:r. terminologia adotada. por exemplo, no DKjonarioAurel,o, J)Ofeffl nlio
contemp&aCla pela Nomenclatura Gramauca 6rasu�ua (NG6).

50
Termos essenciais da orac;áo

Verbos de a�ao
Podem ser: transitivos (se houver complemento nao circunstancial) ou intran­
sitivos (se nao houver complemento).

S. A ponte política ligará os dois estados. ---,► transitivo direto

OBJETO
DIRETO

6. O rapaz se priva de nossa amizade.-__,.. transitivo índireto

OBJETO
INDIRETO

7. O inverno trará mais preiuízo aos agricultores. --► transitivo direto e


OBJETO
!
OBJETO
indireto

DIRETO INDIRETO

8. Os comerciantes vendem em condlc;óes especiais. -- intransitivo

ADJ. ADV. DE MODO

9. o prejuízo dos clubes brasileiros aumentou. --► intransitivo

Como dissemos, essa classifica<;ao nao chega a satisfazer a todos os gostos, e


nao é raro encontrar em livros de sintaxe ou em dicionários termos como verbo
transitivo relativo, verbo transitivo circunstancial, verbo bitransitivo, verbo birre­
lativo, verbo pronominal e verbo transobjetivo. Quando aparecerem, valem as
seguintes equivalencias:

Transitivo relativo
1O. Ontem assisti a um ioqo na teve (= assisti a ele, mas nao assisti-lhe).

11. Meus colegas gostavam de seu pai (= gostavam dele, mas nao gosta­
vam-lhe).
51
Língua Portuguesa: Morfossintaxe

Equivalencia: verbo transitivo indireto (sem complemento de pessoa ou sem


preposi�ao A).

Transitivo circunstancial (ou transitivo adverbiado)


12. Vou a urna festa.
13. Vo/tarei para minha cidade.
14. A ínterdi�ao demorará cinco dias.
Equivalencia: verbo intransitivo (com estrutura que remete a constru�óes la-
tinas com acusativo.)

Bitransitivo
1s. Denunciaremos essa falcatrua aimprensa.
Equivalencia: verbo transitivo di reto e indireto.

Birrelativo
16. A prosperidade resultou-lhe da sociedade comos banqueiros.
17. Muitos se queixaram do baru!ho ao síndico.
Equivalencia: verbo transitivo indireto (com um objeto indireto "de pessoa" e
outro "de coisa'').

Pronominal
18. Depois da notícia, suicidou-se.
19. Orgulhamo-nos de seu sucesso.
Equivalencia: verbo intransitivo ou transitivo (o pronome é parte integrante
do verbo).

Transobjetivo
20. Achei os novos funcíonários multo competentes.
21. A torcida chamava-Q.simplesmente"Galinho''.
52
Termos essenciais da ora�ao

22. A felicídade faz os homens mais tolos.

Equivalencia: verbo transitivo direto (seguido de predicativo do objeto


direto).

Por serem classifica�óes que envolvem os planos sintático, morfológico e se­


mantico, essas subdivisóes terminológicas, embora pertinentes para a discus­
sao, quase sempre sao lmprodutivas no ambito da escola de nível médio. Apre­
sentá-las equiparadas (no estudo da predica�ao, por exemplo) é impropriedade
metodológica.

Outra coisa recomendável é a cautela que se deve ter na análise do verbo. Ela
está vinculada ao seu significado ou emprego na frase, onde sua predica�ao se
torna evidente. Nao podemos nos esquecer de que a frase faz parte do sistema
da língua e que só o conhecimento idiomático de cada falante o tornará capaz
de reconhecer essa predica�ao.

Se observarmos os conjuntos de exemplos (23-43) veremos que, conforme o


significado do verbo, sua predica�ao muda.

23. Comemos apenas frango ................................. VTD (ingerir um determinado


alimento).

24. Naquele dia ninguém comeu ......................... VI (alimentar-se).

25. Estávamos nervosos .......................................... VL (estado momentaneo +


predicativo).

26. Estou em Fortaleza ............................................. VI (estado momentaneo - pre-


dicativo).

27. Só andava a pé ou de carro ............................ VI (caminhar / transportar-se).

28. Ando cansado de tanta roubalheira ............ VL {estado costumeiro + pre-


dicativo).

29. A água virou o carro da reportagem ........... VTD (fazer girar).

30. A água virou .lfilng ............................................... VL (mudan�a de estado+ pre-


dicativo).

31. Já entendi............................................................... VI (ter entendimento).

32. Já entendí tudo .................................................... VTD (compreender algo).

53
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

33. Viviam bem os noivos VI ............................... (conviver) - o SNsuj é "os noi-


vos''.
34. Vivemos urna vida dura ................................... VTD (passar, levar a vida).
35. Ela saiu da loja com urna sacola .................... VI (ir embora).

36. O projeto saiu urna porcaria ....................... VL (estado resultante+ pre-


dicativo).
37. Ela bancou minha inscri�ao ............................ VTD (assumir a despesa).

38. Ela bancou a boazinha ..................................... VL (estado simulado+ predi-


cativo).
39. Seu olhar nao precisa de tradu�ao ............... VTI (necessitar).

40. Seu gesto nao precisa seu caráter ................. VTD (indicar com precisao).
41. Agora, nao precisa dinheiro ............................ VI (ser necessário) - o SNsuj é
"dinheiro''.
42. A mídia ligou-Q ao caso das kombis ............ VTDI (vincular).
43. A mídia ligava-lhe atrás de urna opiniao .... VTI (telefonar).

Tipologia do sujeito
Podemos trabalhar com a no�ao de contrastes para identificar os tipos de
sujeito2 • Comecemos pelo que estudamos ainda há pouco: o sujeito, embora
termo essencial, pode nao existir. Assim, fecharemos o círculo que nos mostrará
os quatro tipos de sujeito.
■ O sujeito existe?
■ Náo! ➔ entao ternos um caso de ora�áo sem sujeito (sujeito inexistente
ou 0).
■ Ok, o sujeito existe... mas pode ser determinado?
■ Náo! ➔ entáo ternos um caso de sujeito indeterminado.
■ Ok, o sujeito existe e pode ser determinado... mas tem apenas um núcleo?
2
Neste n: em. transcrevQ com adapta,cóes. aloum exemplos do capnulo "-Sujeho. pre<hcado e prechcaüvo" do Uvro Smtaxe: esrudos descntlvos da
t,a.u-pa,ooturo{2008, p. 28�37)

54
Termos essenciais da oração

■ Não! ➔ então temos um caso de sujeito composto.


■ Ok, o sujeito existe e pode ser determinado ... mas seu único núcleo está
explícito?
■ Não! ➔ então temos um caso de sujeito simples oculto.
■ Ok, o sujeito existe e pode ser determinado... mas seu único núcleo pode
estar explícito?
■ Sim! ➔ então temos um caso de sujeito simples claro.

Tipo 1: sujeito simples (claro e oculto)


Incluímos nos exemplos situações em que a concordância se dá de modo es­
pecial {por razões semânticas - concordância chamada ideológica) ou opcional
(pela proximidade de algum vocábulo com o verbo - concordância chamada
atrativa):
44. Nós estudamos com determinação.

SIMPLES CLARO

45. (nós) Estudamos com determinação.

SIMPLES OCULTO

Não há diferença sintática entre as frases (43) e (44). A omissão é por econo­
mia ou por escolha estilística. Consideramos irrelevante estabelecer distinção
com os casos em que a desinência número-pessoal é zero, restrito apenas à P1
e à P3 de alguns tempos verbais. Não se entenda, pois, que sinonimizamos as
expressões sujeito simples (oculto) e sujeito desinencial - optamos pela simpli­
ficação terminológica.
46. Tudo é/são tristezas.
47. Isso é/são bobagens.
Em (46) e (47) o sujeito é indefinido ou demonstrativo e o verbo é ser: a con­
cordância pode ser com o sujeito ou com o predicativo.

55
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

48. Muitos de nós virão/viremos amanhã?

49. Quais de vós virão/vireis amanhã?


Em (48) e (49) o sujeito é um pronome indefinido ou interrogativo seguido
da expressão "de/dentre nós ou vós": a concordância pode ser com o núcleo ou
com o pronome pessoal.
50. Cem reais é pouco.
51. Vinte alunos é suficiente.
Em (50) e (51) o verbo ser integra uma expressão invariável.
52. Os Estados Unidos perderam o jogo.
53. As Pombas representam um marco na literatura romântica.
Em (52) e (53) o SNsuj é um nome de lugar ou de obra precedido de marcador
no plural: o verbo repete a flexão do marcador.
54. Mais de um aluno voltou.
55. Menos de dois quilos sobraram.
Em (54) e (55) o SNsuj contém expressão indicativa de quantidade aproxima-
da: o verbo concorda com o núcleo.
56. A legião de baderneiros destruiu todas as lojas.
57. A maior parte dos apostadores ganha/ganham prêmios pequenos.
58. Grande número de apostadores ganha/ganham prêmios pequenos.
Em (56) o SN é um coletivo geral: o verbo concorda com o núcleo. Em (57) e
(58) o SNsuj é um coletivo partitivo seguido de plural: o verbo pode concordar
com a locução.
59. O relógio deu duas horas.
60. Já deram dez horas (no relógio da igreja).
Em (59) o verbo concorda com a indicação de quem marca as horas (o SNsuj
"o relógio" é quem marca/dá as horas); em (60) o verbo concorda com a expres­
são numérica "dez horas" (SNsuJ).

56
Termos essenciais da oração

61. Na minha turma, dez por cento vinham de ônibus.


62. Dez por cento dos alunos vinham de ônibus.
63. Dez por cento da turma vinham/vinha de ônibus.
O verbo concorda com o numeral da expressão de percentagem ou com a
locução mais próxima.
64. Os cariocas temos uma alegria contagiante.
65. Parece simpático aquele casal; nunca tiveram filhos.
Por silepse, o verbo concorda com um elemento que está implícito no SN:
em (64) porque o SN "os cariocas" incluiu o falante (os cariocas, inclusive eu); em
(65) porque está subentendida no SN "eles" a ideia plural do antecedente"aquele
casal".
66. Como fomos na prova? - pergunta o professor ao aluno.
Por afetividade, o falante leva o verbo à 1 .• pessoa do plural, inclui-se afetiva­
mente como participante de uma situação que, na verdade, se refere apenas à
pessoa a quem ele se dirige.
Essa construção é exclusiva do discurso direto.

Tipo li: sujeito composto


As próximas frases ilustram a ocorrência do sujeito composto e incluem
também casos em que a concordância se dá de modo especial.
67. Os políticos e o povo têm interesses diferentes.
68. Daqui a pouco aparecerão os barcos. os remadores e os juízes.
69. Ainda não chegaram/chegou o síndico e o porteiro.
O sujeito composto sempre possui mais de um núcleo. Se estiver posposto ao
verbo (69), a concordância pode se dar apenas com o núcleo mais próximo.
70. Eu e Marll iremos ao cinema; tu e teu amigo ficareis/ficarão estudando.
71. Os seus olhos, o seu rosto, a sua presença fortalecia minha esperança.
72. Cada folha, cada livro e cada documento virou alimento para as traças.

57
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

Em (70) o SNsuj contém pessoas gramaticais diferentes; em (71) o SNsuj


contém palavras tomadas como sinônimas em gradação - sem e; em (72) os três
núcleos do SNsuj são iniciados com cada.

73. Não só o PFL. mas também o PT ganham ajuda de empreiteiras.

74. Vota/Votam não só o mestre. mas também o aluno.

A concordância com a série aditiva anteposta (73) é justificável do ponto de


vista lógico e sintático, pois o sujeito é nitidamente composto. Apesar disso, ela
coexiste com outra (verbo no singular e segundo núcleo exercendo influência
sobre a flexão verbal - como em Não só o PFL. mas também o PT ganha ajuda
de empreiteiras). Em (74) a concordância pode ser atrativa porque a série aditiva
está posposta.

75. Percival ou Leopoldo ganhará o concurso de poesia.

76. Percival ou Leopoldo arrecadaram muitos votos para o concurso.

Em (75) a conjunção ou indica exclusão; em (76) indica totalidade.

77. Um ou outro (inseto) íncomodava a plateia.

78. Um e outro (rapaz) galanteavam/galanteava a nova moradora.

79. Um e outro rapazes galanteavam a nova moradora.

Em (77), com a expressão um ou outro sozinha ou acompanhada de substanti­


vo no singular, o verbo fica no singular; em (78), com a expressão um e outro sozi­
nha ou acompanhada de substantivo no singular, o verbo fica preferencialmente
no plural (embora haja registro abonado no singular). Em (79), com o substanti­
vo no plural (uso menos praticado), o verbo fica no plural.

80. Nem uma nem outra (candidata) falou a verdade.

81. Nem o pai nem o filho saíram à festa.

Em (80), com a expressão nem um nem outro, sozinha ou acompanhada de


substantivo, o verbo fica no singular. Essa concordância representa aparente in­
coerência, pois a expressão é a forma negativa que corresponde a um e outro
(não corresponde a um ou outro). Se a concordância do falante da língua seguis­
se um princípio sempre igual, o verbo iria obviamente para o plural.

Em (81), a expressão é aditiva negativa, e o verbo fica no plural. Embora alguns


autores, em nome de uma tradição gramatical, insistam em considerar esse caso

58
Termos essenciais da oração

como idêntico ao da concordância com sujeito ligado por ou, é indiscutível que,
por não haver aqui nenhuma construção alternativa(o 1 .0 nem é expletivo, e o
2.0 é uma conjunção aditiva), o verbo só poderia ser empregado no plural. Como,
aliás, ocorre na forma afirmativa equivalente, com e. Apesar disso, há exemplos
abonados com verbo no singular.

Tipo Ili: sujeito indeterminado


Os quatro exemplos seguintes ilustram os dois processos em que ocorre a
indeterminação do sujeito em português. No primeiro deles (82-83), o verbo
está na 3.ª pessoa do plural; no segundo(84-85), o verbo fica na 3.ª pessoa do
singular e está acompanhado do pronome SE, classificado como pronome inde­
terminador do sujeito (PIS).

82. [?] Inventaram muitas mentiras sobre nós.(verbo na P6)

83. [?] Ainda falam multo mal de sua família naquela cidade.(verbo na P6)

84. [?] Sonha-se com um país vitorioso e feliz.(verbo na P3 + SE)

85. [?] Nessa hora só se pensa em comida.(verbo na P3 + SE)

O PIS não se confunde com o pronome apassivador(PA) porque somente este


pode acompanhar um verbo transitivo direto e equivaler à voz passiva verbal.

86. Alugam-se boas casas.(VTD + PA = voz passiva sintética)

87. Boas casas são alugadas. (verbo ser+ particípio = voz passiva verbal)

O SE(nessa função de apassivador ou de indeterminador) é muitas vezes cha­


mado não de pronome, mas de partícula, símbolo, índice, etc. Isso revela o zelo
conceituai de quem não se aventura a chamar de pronome um vocábulo que,
aparentemente, nada teria de pronome, a não ser a homonímia. Em termos te­
óricos, porém, pode-se dizer que a inquietação é excessiva - especialmente nas
considerações acerca do chamado pronome apassivador, pois o mesmo ocorre
com os pronomes que acompanham verbos como batizar (no sentido de "ser
batizado"), chamar(em sua acepção de "ser chamado") e outros: Eu me batizei na
Candelária(= Eu fui batizado na Candelária); Tu te chamas Uriel (Tu és chamado
Uriel).

Vittorio Bergo(1986, p. 27) assim define o verbete apassivador: "Pronome re­


flexivo, que tem a função de apassivar a voz do verbo''.

59
Ungua Portuguesa: Moríosslntaxe

Exemplo: Batizei-me na infância (fui batizado); privaste-te da liberdade (ficas­


te privado); alugam-se casas (casas são alugadas); enganamo-nos com as pro­
messas (fomos enganados).
[. ..] Segundo Mattoso Câmara (1981, p. 56),o que ocorre nessas construções é"uma voz m2diat
dinâmica, onde o sujeito é linguísticamente visto como o pomo de partida da ação que o tem
como centro''. A prevalecer tal opinião, tais construções seriam exemplos de voz reflexiva, um
dos aspecto, da chamada voz medial. denominac;íío oiio ;imparada pel,i NGR. (Hl'NRl()UES,
2008, p. 34)

<t
vi

PRBCISA-St oe FAZ6M-St
ADV06AD05 tMPKéSTIMOS

De acordo com a maioria das gramáticas normativas, na língua-padrão o


verbo concorda com o termo que a gramática aponta como sujeito. No entanto,
quando o apassivador acompanha verbo no infinitivo, embora a regra de con­
cordância permaneça "aqui e ali bons escritores deixam escapar exemplos com
o infinitivo sem flexão" (BECHARA, 1999, p. 563), ao que acrescentamos: e não
apenas com o infinitivo.

Vejamos como isso se dá nos trechos a seguir: o primeiro, de Machado de


Assis, escrito a propósito das críticas recebidas por José de Alencar no lançamen­
to de lracema; outro, de Visconde de Taunay, extraído de suas Reminiscências,
quando comenta a leitura pública que se fazia em São Paulo do jornal Diário do
Rio de Janeiro com os folhetins do romance O Guarani; o último, de Mário Perini,
numa nota explicativa da Gramática Descritiva do Português.

60
Termos essencíaís da oração

88. Que o autor de /rocemo não esmoreça, mesmo a despeito da indiferença


pública; o seu nome literário escreve-se hoje com letras cintilantes ( ...).
Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem
curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar­
·lhe-á obra-prima.

OU Esperam-se dele outros poemas em prosa. ➔ Caberia a correção?

89. E o jornal era depois disputado com impaciência e pelas ruas se via agru­
pamentos em torno dos fumegantes lampiões da iluminação pública de
outrora - ainda ouvintes a cercarem ávidos qualquer improvisado leitor.

OU ... e pelas ruas se viam agrupamentos em torno dos. ➔ Caberia a correção?

90. Como se vê, a novidade consiste em se definir vários tipos de objeto direto:
topicalizado ou não, clítico ou não.

OU ... consiste em se definirem vários tipos de. ➔ Caberia a correção?


Não percamos de vista, porém, a permanência da indeterminação do termo
que só poderá ser sujeito na voz ativa. Afinal, a condição para que uma oração
seja transposta para a voz passiva pronominal é que, na voz ativa, seu sujeito seja
indeterminado. Lembremo-nos, por fim, que também é possível indeterminar o
sujeito de verbos de estado, que não se enquadram nos casos de voz ativa ou
passiva.

91. [?] Dorme-se mais depois de um longo dia de trabalho exaustivo.


PIS = o verbo é intransitivo.

92. [?] Precísava-se de uma bela carta de recomendação.


PIS = o verbo é transitivo indireto.

93. [?] Nunca se é feliz sozinho.


PIS = o verbo é de ligação.

94. [?] Ama-se a Deus em primeiro lugar.


PIS = o verbo é transitivo direto, com preposição.

95. [?] Vamos ter calma; trata-se de uma situação complexa.


PIS = o verbo é transitivo indireto.

96. [?] Consertava-se muita coisa dada como imprestável.


PA = o verbo é transitivo direto.

61
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

97. [?] Já não se faz mais um elogio como esse.


PA = o verbo é transitivo direto.

98. [?] Roubou-se uma britadeira que ninguém quer de volta.


PA = o verbo é transitivo direto.

99. [?] Naquela partida marcaram-se dois gols antológicos.


PA = o verbo é transitivo direto.

Tipo IV: oração sem sujeito


As frases seguintes enumeram os casos de verbos impessoais (sujeito 0). Como
dissemos, trata-se de expressões idiomáticas do português - e cabe ao usuário
observar esses empregos prestigiados pela língua-padrão.

100. [0] Choveu ontem em nossa horta.

101. [0] Venta muito lá fora?

102. *Os excursionistas anoiteceram no meio da floresta.

103. *O major chovia a cântaros.

104. [0] Faz/Está frio hoje.

Em (100-101) os verbos impessoais indicam fenômenos da natureza. Se em­


pregados em sentido figurado, há sujeito (102-103). Em (104) o fenômeno da
natureza está expresso pelos verbos fazer ou estar seguidos de ideia de tempo
meteorológico.

105. [0] Havia dúvidas sobre você.

106. [0] Há/Faz três dias (que) ele partiu daqui.

Em (105) o verbo haver tem o sentido de existir ou acontecer; em (106) os


verbos haver e fazer indicam tempo decorrido (neste caso, é opcional o uso da
palavra que.

107. [0] Tinha horas em que eu ficava com raiva de tudo.

108. [0] Se tiver quinze minutos que ele saiu daqui, é muito.

Na forma prestigiada da língua oral, o verbo ter (empregado com a acepção


de existir, acontecer ou indicando tempo decorrido) também é impessoal. Entre­
tanto, seu uso na língua escrita formal ainda é visto com alguma reserva.
62
Termos essenciais da oração

109. [0] Vai para três dias que ela partiu.


11O. [0] Já passava das três quando ele sumiu.
Em (109) o verbo ir seguido da preposição para indica tempo decorrido; em
(11 O) a indicação de tempo cronológico ocorre com a expressão "passar+ de''.
111. [0] São duas horas.
112. [0] Seriam talvez léguas.
Em (111-112) o verbo ser indica tempo cronológico ou distância e, embora
impessoal, concorda com o termo à direita. Não é unânime entre os tratadistas
essa classificação. Há quem prefira considerar que o verbo ser, neste caso, por
concordar com a expressão duas horas ou léguas, tem sujeito. Walmírio Macedo
(1991, p. 267) identifica tais termos como sujeito de um verbo intransitivo, acres­
centando que "não teria sentido dizer-se que duas horas é um predicativo, como
apontam certos compêndios, predicativo de um sujeito que não existe''. E lembra
que essa "interpretação, embora sincrônica, tem respaldo na construção latina
Sunt duae horae, em que o sujeito de sunt é duae horae e o verbo sunt está em­
pregado, não como ligação, mas como intransitivo'.'
113. [0] Basta/Chega de injúrias.
Em (113), os verbos bastar ou chegar seguidos da preposição de expressam a
ideia de "ser suficiente''.

Atenção!
Nas locuções verbais, o verbo auxiliar representará a impessoalidade do
verbo principal, isto é, ficará na P3 por ele (ou na P6, eventualmente, com o
verbo ser).

114. [0] Em consequência disso, começou a haver alguns problemas.


115. [0] Pode estar fazendo quinze graus agora, no máximo.
116. [0] Tinha havido dúvidas justificadas entre os clientes.
117. [0] Há de haver pessoas capacitadas para o trabalho.

63
Língua Ponuguesa: Morfossimaxe

118. [0] Vão ser quilômetros de estrada esburacada.

119. [0] Devem ser umas três da manhã em Tóquio.

Tipologia do predicado
Está consagrada no ensino do português a classificação do predicado con­
forme tenha um núcleo verbal (predicado verbal), um núcleo predicativo (pre­
dicado nominal) ou dois núcleos (predicado verbo-nominal). Há, no entanto,
quem apresente a noção de predicado de modo diferente. Para Evanildo Becha­
ra (1999, p. 426), por exemplo, o predicado é subdividido apenas em simples
(com verbo intransitivo) ou complexo (com verbo transitivo ou de ligação), pois
o autor considera que classificar o predicado como nominal "implicaria retirar de
seus verbos o status de verbo''. Aqui, nossa opção é manter a descrição tradicio­
nal, representada na tabela a seguir:

Tem verbo de ligação? Tem predicativo?


sim sim

PV não não
PVN não sim

120. Nossos artistas sempre fazem sucesso em Portugal. (PV)

121. Necessitamos de atitudes firmes. (PV)

122. Pessoas sensíveis ficam emocionadas em batizados. (PN)

123. Os últimos serão os primeiros. (PN)

Em (120-123) os núcleos do predicado estão em itálico.


O PVN é um tipo complexo de articulação do predicado, que condensa num
único enunciado o que poderia ser expresso por dois predicados, um verbal e
outro nominal. Juntando-se o núcleo de cada um forma-se o modelo do PVN,
como mostram os exemplos seguintes.
124. Sua mãe acordou aliviada ontem. (PVN)

Desdobramento: Sua mãe estava aliviada (PN) quando acordou ontem (PV)
125. A relatora considerou o pedido improcedente. (PVN)

Desdobramento: A relatora considerou (PV) que o pedido era improcedente (PN).


64
Termos essenciais da oraç:lo

Na entonação de (125) há uma pausa potencial entre o substantivo e o


adjetivo.
126. Encontrei a casa abandonada. (PV)
OU Encontrei a casa abandonada. (PVN)
Em (126) só o contexto poderá esclarecer se há ou não uma pausa potencial, o
que distinguirá a função de abandonada como adjunto adnominal ou como pre­
dicativo do objeto direto. A pausa revelará a mudança de significado do verbo
encontrar, como sinônimo de achar (Encontrei a casa abandonada - e não a casa
mal-assombrada) ou como sinônimo de deparar-se, isto é, "Quando encontrei a
casa, ela estava abandonada''.

Texto complementar

O objeto da sintaxe
(AZEREDO, 1993)

As pessoas falam geralmente sua língua nativa, nas situações cotidianas,


com a mesma naturalidade com que respiram, veem, andam; e assim como
não estão interessadas em saber como seu corpo funciona naquelas tarefas,
também não costumam se deter no exame dos movimentos que executam
para produzir os sons das palavras, nem tampouco na observação do que
acontece com as palavras quando elas se combinam nos enunciados. A lin­
guagem, porém, é muito mais do que articular sons e combinar palavras;
além de ter uma estrutura extraordinariamente complexa que envolve sons,
palavras e frases, seu uso nas múltiplas situações refilete condicionamentos
psicológicos, sociais e culturais. Por outro lado, o ato de dizer/escrever se
dá em um contexto que rinclul ouvinte/leitor, assunto, tempo, espaço. Quem
diz/escreve normalmente o faz buscando a comunicação e só excepcional
ou maldosamente evitando-a. O ouvinte/leitor é, por conseguinte, tão de­
cisivo para o caráter do discurso quanto quem o produz. Nem tudo o que o
enunciado deixa ou faz entender se acha explícito nele; parte de seu sentido
já está no conhecimento do interlocutor (informação implícita/implicada) ou
constitui um dado prévio qualquer no conhecimento do Interlocutor (infor­
mação pressuposta). Parafraseando Reyes (1984), pode-se dizer que o locu-

65
Termos subordinados ao verbo

O objetivo desta aula é descrever a estrutura oracional do português, a


partir dos termos subordinados que se relacionam com o verbo.

Tipologia dos complementos verbais


A regência verbal é um dos mecanismos sintáticos do português.
Quando o verbo prevê uma complementação mediante o uso ou não de
preposição, chama-se o termo complementar de objeto (direto ou indireto,
conforme haja ou não a preposição).
Embora essa bipartição esteja consagrada no ensino, é possível encon­
trar quem prefira acrescentar a esses dois tipos o complemento relativo.
Bechara (1999, p. 419) e Rocha Lima (1992, p. 251), por exemplo, só consi­
deram objetos indiretos os comutáveis pelos pronomes oblíquos lhe/lhes;
aos demais chamam complementos relativos. A Nomenclatura Gramati­
cal Brasileira (NGB) reuniu os dois tipos sob o mesmo rótulo. Aqui, nossa
opção é manter a descrição tradicional.
A exemplificação seguinte1 abrange os casos habituais em que o
objeto direto e o objeto indireto {sintagmas de núcleo nominal) se colo­
cam à direita do verbo transitivo direto ou indireto e tem como núcleo
um substantivo ou um equivalente. Também estão exemplificados casos
particulares desses complementos, a fim de mostrar que fatores morfoló­
gicos, semânticos e estilísticos podem interferir na maneira como o 0D e
o OI aparecem nas frases.
1. Diversos políticos prometem ofim da miséria.
■ o fim da miséria= objeto direto.
2. Essas promessas agradam aos eleitores ingênuos.
■ aos eleitores = objeto indireto (é comutável por LHE: ... agradam­
-lhes).
1 N.a c,c�mpU:fiu(ao da tq)ologui do-s complemrntosv�,bals e da rc:gb\C.ib v�bal, t1an.screvo,com bdllpt.OÇõcs,par �do capftulõ·Objf!to
direto e obJeto Indireto" do livro SJnta;a-e:esruoo1 descritivos da l,ose P(lra o rmo (2008. p, 43�56).
Ungua Portuguesa: Morfossintaxe

3. Os eleitores ingênuos gostam de políticos demagogos.


■ de políticos demagogos = objeto indireto (não é comutável por LHE:
... gostam-lhes) / este é o caso que alguns autores chamam de comple­
mento relativo - e não de objeto indireto);
4. As urnas mostrarão a verdade aos políticos.
■ a verdade= objeto direto.
■ aos políticos - objeto indireto.

5. Nas horas de dificuldade, só consultavam a mim.


■ a mim = objeto direto preposicionado.
■ [obrigatório - por impedimento sintático: não há pronome oblíquo tô­
nico sem preposição).
6. Estamos hospedando aguem agora?
■ a quem= objeto direto preposicionado.
■ [obrigatório - por impedimento sintático: o pronome interrogativo
quem, mesmo na função de objeto direto, é sempre antecedido de pre­
posição].

7. Ao Guarani venceu recentemente a Ponte Preta.


■ ao Guarani= objeto direto preposicionado.
■ [obrigatório - por necessidade de clareza: pela inversão entre sujeito
e objeto].
8. Enalteço a Deus por gratidão.
■ a Deus= objeto direto preposicionado
■ [obrigatório - por tradição da língua).
9. Ao povo ninguém engana - pouco...
■ ao povo= objeto direto preposicionado
■ [facultativo - por posição: houve antecipação, mas o sujeito continua
antes do verbo).

70
Termos subordinados ao verbo

■ Essa frase exemplifica um procedimento sintático que pode ser cha­


mado de topica/ização: ocorre sempre que se desloca um dos consti­
tuintes da oração para o início da sentença. As frases (5) e (7) também
topicalizam termos que, na ordem direta, estariam depois do verbo.

1 O. Essas medidas beneficiarão a todos.

■ a todos= objeto direto preposicionado.


■ [facultativo - por estilo: pronomes indefinidos admitem a presença
de preposição].

11. Os filhotes iam comendo do prato da própria mãe.

■ do prato da mãe= objeto direto preposicionado.


■ [facultativo - po,r intenção partitiva].
12. Os bravos soldados cumpriram com o seu dever.

■ com o seu dever= objeto direto preposicionado.


■ [facultativo - por estilo].
13. Sonhei que estava sonhando um sonho sonhadlo.

■ um sonho sonhado= objeto direto interno.


■ [cognato: objeto e verbo, além da identificação semântica, têm o
mesmo radical].

14. Meus filhos dormiam um sono tranquilo.

■ um sono tranquilo= objeto direto interno.


■ [não cognato: objeto e verbo têm apenas identificação semântica].
15. O infeliz vivia se desculpando de sua fraqueza aos amigos.

■ de sua fraqueza= objeto indireto.


■ aos amigos= objeto indireto.
■ A concorrência de complementos - há nessa frase dois objetos indire­
tos - é facilmente explicada pela natureza distinta de ambos: o segun­
do (aos amigos) é um objeto indireto de pessoa; o primeiro (de sua fra­
queza) é um objeto indireto de coisa à qual não se destina a ação do

71
Língua Portuguesa Moríossíntaxe

verbo - ou complemento relativo, termo não agasalhado pela NGB.


Não resta dúvida de que esses complementos verbais, aqui chamados
indistintamente de objetos indiretos, representam tipos diferentes de
complemento.
16. Nunca mais me apareça aqui sem avisar.
■ me= objeto indireto de interesse.
■ O pronome me não tem função inferida pelo verbo (intransitivo), ten­
do sido empregado como recurso expressivo de interesse do falante
na mensagem verbal. O emprego do pronome oblíquo com essa in­
tenção só se dá com a Pl e a P4. Na verdade, ele não funciona como
objeto (e sim como adjunto adverbial) e só recebe essa denominação
porque remete ao dativo ético ou de proveito do latim [critério dia­
crônico de descrição].
17. Deixa-te de histórias. Some-te daqui!
■ te= palavra de realce [expletiva).
■ Aqui o pronome e o verbo coincidem sem que haja função inferida
pelo verbo. Seria o caso de dizer que o pronome te, nessa frase, indica
desinteresse?

18. Os meus votos, os derrotados pretendem anulá-los.

■ os meus votos= objeto direto.


■ los= objeto direto pleonástico.
19. Aos eleitos. desejamos sucesso e honestidade a todos.

■ aos eleitos = objeto indireto.


■ sucesso e honestidade = objeto direto.
■ a todos= objeto indireto pleonástico.
20. A mim, ninguém me engana.
■ a mim = objeto direto preposicionado.
■ me= objeto direto pleonástico.
■ A repetição, nesse caso e ordem, é enfática, e não deve ser conside­
rada viciosa.
72
Termos subordinados ao verbo

As frases (18-20) mostram casos de pleonasmo sintático expressivo. Esse re­


curso, porém, pode ocorrer com qualquer termo da oração, como vemos em
(21-22).
21. Sincero, sempre Q serei.
■ sincero= predicativo do sujeito.
■ o= predicativo pleonástico (é um pronome demonstrativo= isto).
22. Ao fim do mundo, sou capaz de ir com você até lá.
■ ao fim do mundo= adjunto adverbial de lugar.
■ até lá = adjunto adverbial pleonástico.
O pleonasmo parece-se, no entanto, com o anacoluto, do qual se diferencia
facilmente pela ausência, neste, de qualquer relacionamento sintático.
23. Estátuas barrocas. eu fil fotografei de todos os ângulos. [pleonasmo]
■ estátuas barrocas = objeto direto (relaciona-se com o verbo fotogra­
far).

■ as= objeto direto pleonástico.


24. Estátuas barrocas, gosto tanto delas! [anacoluto]
■ estátuas barrocas= xxxxx (não se relaciona sintaticamente com nenhu­
ma palavra da oração; a relação é semântica - falta a preposição de).
■ delas= objeto indireto.
25. Com os mosquitos da dengue, é preciso acabar com eles. [pleonasmo]
■ com os mosquitos da dengue = objeto indireto (relaciona-se com o
verbo acabar).
■ com eles= objeto indireto pleonástico.
26. Os mosquitos da dengue, é preciso acabar com eles. [anacoluto]
■ os mosquitos da dengue = xxxxx (não se relaciona sintaticamente
com nenhuma palavra da oração; a relação é semântica - falta a pre­
posição com).
■ com eles = objeto indireto.
73
Língua Portuguesa: Morfossmtaxe

O bom-senso didático (ou o do usuário competente) determinará até que


ponto as regências-padrão indicadas nos livros e dicionários devem ou não ser
adotadas à risca. Muitos autores contemporâneos, às vezes até em tratados de
gramática, têm colocado em prática regências "menos clássicas''. Por isso, são
atuais as palavras de Antenor Nascentes, escritas em 1967:
Cada época tem sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual varia, conforme as
condições novas da vida. Não podemos seguir hoje exatamente a mesma regência que seguiam
os clássicos; em muitos casos teremos mudado. Por este motivo falharam completamente
rodos aqueles que, sem senso linguístico, estudaram o problema somente à luz dos hábitos
clássicos de regência. (p. 16)

Tipologia dos adjuntos adverbiais


Como diz Mário Perini (1995, p.187), a tradicional categoria dos advérbios "en­
cobre uma série de classes, às vezes de comportamento sintático radicalmente
diferente". Assim,
[...] do mesmo modo como vimos que o objeto indireto pode ter denominações diferentes
fora da NGB, os adjuntos adverbiais também podem merecer tratamento variado conforme
o tratadista. Evanlldo Bechara (1999, p. 436) chama de complemento relativo ao termo
obrigatório, argumental, que pertence à regência do verbo. Ex.: A criança caiu da cama. Rocha
Lima (1992, p. 252) prefere classificar esse tipo de termo como complemento circunstancial.
Ex.: Irei a Roma. Maria Helena de Moura Neves (2000, p. 233-236) e José Carlos Azeredo (2000,
p. 205-209) optam por expor a estrutura e o funcionamento dos sintagmas adverbiais, na
verdade bastante diferentes entre si. (HENRIQUES, 2008, p. 77)

A despeito de tantas questões a formular, optamos aqui por uma definição


bastante simples, dizendo que esse termo da oração introduz uma circunstân­
cia, geralmente referida ao verbo, mas seu relacionamento também pode se dar
com adjetivos e advérbios (sobretudo no caso do adjunto adverbial de inten­
sidade) e até com a totalidade de uma oração ou um período (sobretudo nos
adjuntos adverbiais de afirmação, negação e modo). Também não podemos nos
esquecer de que alguns advérbios têm caráter mais subjetivo do que outros (em
especial os de dúvida e os de modo).
Apresento aqui, com pequena adaptação, uma tabela que incluí no livro Sin­
taxe: estudos descritivos da frase para o texto, que mostra como o reconhecimen­
to da função adjunto adverbial tem natureza sintática, mas a identificação do
tipo a que pertence tem caráter semântico (isto é, depende do entendimento de
seu significado em relação ao outro vocábulo).

82
Língua Portuguesa: Morfossmtaxe

O bom-senso didático (ou o do usuário competente) determinará até que


ponto as regências-padrão indicadas nos livros e dicionários devem ou não ser
adotadas à risca. Muitos autores contemporâneos, às vezes até em tratados de
gramática, têm colocado em prática regências "menos clássicas''. Por isso, são
atuais as palavras de Antenor Nascentes, escritas em 1967:
Cada época tem sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual varia, conforme as
condições novas da vida. Não podemos seguir hoje exatamente a mesma regência que seguiam
os clássicos; em muitos casos teremos mudado. Por este motivo falharam completamente
rodos aqueles que, sem senso linguístico, estudaram o problema somente à luz dos hábitos
clássicos de regência. (p. 16)

Tipologia dos adjuntos adverbiais


Como diz Mário Perini (1995, p.187), a tradicional categoria dos advérbios "en­
cobre uma série de classes, às vezes de comportamento sintático radicalmente
diferente". Assim,
[...] do mesmo modo como vimos que o objeto indireto pode ter denominações diferentes
fora da NGB, os adjuntos adverbiais também podem merecer tratamento variado conforme
o tratadista. Evanlldo Bechara (1999, p. 436) chama de complemento relativo ao termo
obrigatório, argumental, que pertence à regência do verbo. Ex.: A criança caiu da cama. Rocha
Lima (1992, p. 252) prefere classificar esse tipo de termo como complemento circunstancial.
Ex.: Irei a Roma. Maria Helena de Moura Neves (2000, p. 233-236) e José Carlos Azeredo (2000,
p. 205-209) optam por expor a estrutura e o funcionamento dos sintagmas adverbiais, na
verdade bastante diferentes entre si. (HENRIQUES, 2008, p. 77)

A despeito de tantas questões a formular, optamos aqui por uma definição


bastante simples, dizendo que esse termo da oração introduz uma circunstân­
cia, geralmente referida ao verbo, mas seu relacionamento também pode se dar
com adjetivos e advérbios (sobretudo no caso do adjunto adverbial de inten­
sidade) e até com a totalidade de uma oração ou um período (sobretudo nos
adjuntos adverbiais de afirmação, negação e modo). Também não podemos nos
esquecer de que alguns advérbios têm caráter mais subjetivo do que outros (em
especial os de dúvida e os de modo).
Apresento aqui, com pequena adaptação, uma tabela que incluí no livro Sin­
taxe: estudos descritivos da frase para o texto, que mostra como o reconhecimen­
to da função adjunto adverbial tem natureza sintática, mas a identificação do
tipo a que pertence tem caráter semântico (isto é, depende do entendimento de
seu significado em relação ao outro vocábulo).

82
Termos subordinados ao nome

O objetivo desta aula é descrever a estrutura oracional do português, a


partir dos termos subordinados que se relacionam com os nomes.

Tipologia dos predicativos


Os sintagmas atuam dentro de uma oração ou período, estabelecendo
entre si relações de dependência e de ordem. Quando falamos em de­
pendência sintática estamos nos referindo ao fato de que nem todos os
componentes de uma frase estão num mesmo plano hierárquico e uns
são constituintes de outros. Por exemplo, o objeto direto é um termo su­
bordinado ao verbo transitivo direto e o adjunto adverbial é subordinado
quase sempre a um verbo.
O predicativo é um sintagma nominal (SN) que mantém um vínculo de
subordinação na frase. Seu parceiro sintático é outro SN e entre ambos
há uma função atributiva, exercida pelo predicativo em relação ao outro
sintagma.
Sintetizando, podemos dizer que:

O predicativo é o termo B que qualifica o termo A.

Observemos as frases:
A---B
1. Seus lábios estão roxos.

■ predicativo do sujeito (o predicado é nominal).

A-----8
2. As autoridades andam desleixadas.

■ predicativo do sujeito (o predicado é nominal).


Ungua Portuguesa: Morfosslntaxe

A------B
3. A correspondência já chegou aberta.

■ predicativo do sujeito (o predicado é verbo-nominal).


A---B
4. Todo torcedor considera seu clube um patrimônio.

■ predicativo do objeto direto (o predicado é verbo-nominal).


A----B
5. Os advogados viam aquele processo como uma causa perdida.

■ predicativo do objeto direto (como é um conector eufônico, facultativo


- o predicado é verbo-nominal).
A--B
6. Ninguém gosta de você sem bigode.
■ predicativo do objeto indireto (o predicado é verbo-nominal).
Encontra-se em muitos livros a informação (originária dos tipos menciona­
dos pela NGB) de que o único caso de predicativo do objeto indireto ocorre com
o verbo chamar em frases do tipo "Chamei-lhe (de) tolo''. É o que dizem Celso
Cunha (2007, p. 160),Adriano da Gama Kury (1985, p. 27) e Rocha Lima (1992,
p. 240), para citar apenas três autores. Para evitar essa redução, talvez fosse
mais prático dizer que o predicativo é um termo que tem a função específica
de qualificar outro.
Ao citarem apenas o sujeito e o objeto direto como termos qualificáveis pelo predicativo, a NGB
e as gramáticas tratam parcialmente de sua potencialidade. No caso dos predicados verbo­
-nominais (ou mistos) o que ocorre é a fusao. numa só oraçao, de duas estruturas subjacentes.
(HENRIQUES, 2008, p. 38)

Mas a língua emprega outros tipos de predicativo, como vemos nas frases
seguintes:
B--A
7. Assustadas. as duas vizinhas escutavam a discussão do casal.

Desdobramento:As duas vizinhas ficaram assustadas enquanto escutavam a


discussão.
■ assustadas (termo B) é predicativo do núcleo do sujeito, vizinhas (termo
A): a inversão estilística antecipou o termo B.
■ o predicado é verbo-nominal.

94
Termos subordinados ao nome

A---------- B
8. Eu sonho com uma deusa romana. Diana, fantasiada de mulher.

Desdobramento: Eu sonho com uma deusa grega, Ártemis, que está fantasia­
da de mulher.
■ fantasiada de mulher (termo B) é predicativo do núcleo do objeto indi­
reto, deusa (termo A).
■ o predicado é verbo-nominal.
A-----B
9. o marido não sairia com ela desarrumada daquele jeito.
Desdobramento: O marido não sairia com ela se ela estivesse desarrumada
daquele jeito.
■ desarrumada (termo B) é predicativo do núcleo do adjunto adverbial de
companhia, você (termo A).
■ o predicado é verbo-nominal.

A�B
1 O.A jogadora da seleção declarou:"Não deixarei que tirem retrato de mim nua''.

Desdobramento: Não deixarei que tirem um retrato de mim quando/se eu


estiver nua.
■ nua (termo B) é predicativo do núcleo do adjunto adnominal, mim (ter­
mo A).
■ o predicado é verbo-nominal.

95
Língua Portuguesa Morfossimaxe

A--B
11. Naquela minissérie, Wagner Moura parecia Tarcísio Meira ainda novo.
Desdobramento: Naquela minissérie, Wagner Moura parecia Tarcísio Meira
quando ele ainda era novo.
■ ainda novo (termo B) é predicativo do núcleo do predicativo do sujeito,
Tarcísio Melra (termo A).
■ o predicado é nominal, duplamente.
Sempre que o predicativo participar de uma relação em que não haja, explícito,
um verbo de ligação, será possível reconhecer a correta interpretação de seu sen­
tido pela inserção, entre ele e o termo A, do verbo copulativo implícito. As frases
(7-11) mostram esses verbos recuperados em itálico nos desdobramentos.
A explicação é de ordem semântica. Sintaticamente, a melhor análise é a que
interpreta a frase como o falante a enunciou. Já afirmava M. Said Ali (1971, p. 174)
que "não se deve desmembrar em muitos termos aquilo que o espírito, em sua
concepção sintética, expressou em dois elementos apenas''.

Tipologia dos complementos nominais


A regência nominal é um dos mecanismos sintáticos do português. Quando
um substantivo ou um adjetivo prevê uma continuidade mediante o uso de um
sintagma preposicional (SPrep), uma das funções que o termo à direita pode
desempenhar é a de complemento nominal. O vínculo subordinativo que o CN
estabelece com o núcleo nominal à sua esquerda é semanticamente coeso, por
ser um termo argumental (BECHARA, 1999, p. 453).
A despeito disso, é preciso cautela na identificação dos complementos nomi­
nais, pois "o cerne da questão mergulha raízes no conceito, por excelência com­
plexo, de transitividade e de intransitividade': ao que se precisa também acres­
centar"o problema, não menos complexo, de emprego concreto ou abstrato de
substantivos·; como ensina Rocha Lima (1992, p. 242).
Digamos então que a finalidade discursiva do complemento nominal é "in­
tegrar, limitar ou particularizar" o sentido de seu regente e que essa relação
semântico-sintática provoca, em tese, a impossibilidade de apagamento do
complemento.

}( A página do livro está com rasuras.


96
Termos subordinados ao nome

■ o substantivo página não tem transitividade, e a informação subse­


quente é acessória: não há complemento nominal.
13. A paixão pelo livro era sem limites.
■ o substantivo paixão é transitivo, e a informação subsequente é inte­
gradora: há complemento nominal.
O complemento nominal é, portanto, um termo integrante da oração, que
pode ser descrito objetivamente: da mesma maneira como se faz na identifi­
cação dos complementos verbais (verifica-se a predicação dos verbos), é preci­
so analisar em primeiro lugar o que chamamos de predicação dos nomes (sua
transitividade).
Há três tipos de nomes transitivos capazes de reger complementos nominais:
adjetivos e advérbios em -mente de um lado, e os substantivos abstratos de
outro. É o que mostram os exemplos a seguir:
14. Sua opinião é igual à do novo administrador.
■ adjetivo + CN.
15. Aquele homem, responsável por tantas vidas, não mora com ninguém.
■ adjetivo+ CN.
16. Esse livro fica guardado. Ainda pode ser-me útil.
■ CN + adjetivo (o pronome oblíquo é regido pelo adjetivo útil: útil a
quem? útil a mim/ inverte-se a ordem em virtude da posição obriga­
tória dos pronomes átonos, periférica ao verbo).
17. Diferentemente de você, seu vizinho respeita a lei do silêncio.
■ advérbio de base adjetiva + CN (note que todo advérbio terminado
em -mente é derivado de um adjetivo).
18. Faremos uma caça aos parasitas.
■ substantivo abstrato de ação+ CN.
19. Tenho certeza no sucesso.
■ substantivo abstrato de qualidade+ CN.
20. Fiz a entrega dos troféus aos premiados.

97
Termos subordinados ao nome

43. Julguei-te sem piedade. Julguei-te sem piedade.

i i
termo A Prdctv 0D
i
VTD
i
AAmodo
(=julguei que tu n�o tens piedade.) (=julguei a ti Impiedosamente.)

Não confunda predicntivo ...com adjunto adverbial de modo

44. O povo de Macaé é hospitaleiro. A cidade deMacaé é hospitaleira.

i
subst. concreto
\AADN
i "'
subst. concreto Aposto (=nome de)

Não confunda adjunto adnomlnal ...com aposta denominativo

"Utilizando muitas vezes o conceito de dependência estrutural, ou sintática,


contraposta a independência semântica, a gramática tradicíonal dá indicações
da percepção da especificidade dessas relações, mas não questiona a diferença
de estatuto" - diz Maria Helena de Moura Neves (2000, p. 601 ). Na prática, as re­
lações entre sintagmas numa frase devem ser vistas como partes que proliferam
no texto e constroem o sentido.
45. Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a
gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevo­
ento. Súbito uma coisa entre mil nos desperta a atenção e nos acompa­
nha. Não sei se com os outros se dá o mesmo. Comigo é assim. Caminho
como um cego, não poderia dizer por que me desvio para aqui e para ali.
Frequentemente não me desvio - e são choques que me deixam ator­
doado: o pau do andaime derruba-me o chapéu, faz-me um calombo na
testa; a calçada foge-me dos pés como se tivesse encolhido de chofre; o
automóvel para bruscamente a alguns centímetros de mim, com um ba­
rulho de ferragem, um raspar violento de borracha na pedra e um berro
do chofer. Entro na realidade, cheio de vergonha, prometo corrigir-me.
Nesse trecho de Angústia, Graciliano Ramos (1975, p. 123) faz uma descrição
que combina os dados da realidade externa com alguns traços da personalida­
de do narrador. De nada adiantaria dissecar o texto fazendo levantamento de
adjuntos adnominaís, predicativos, complementos nominais. No entanto, vejamos
como se pode questionar "a diferença de estatuto" de que fala Moura Neves.
A maioria das frases do exemplo (45) é curta, e os sintagmas também não têm
maior dimensão. O sujeito da primeira frase tem três palavras, os dois objetos
diretos são curtíssimos. Na segunda frase, temos cinco palavras (três verbos, uma
preposição e um indefinido). Na terceira, um verbo de ligação e dois predicativos.
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