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ÍNDICE
TEMA PÁGINA
Aulas iniciais de debate 3
Problemática de DF 6
Sentido dos DF 11
Princípio da dignidade da pessoa humana 16
Direitos fundamentais 24
Categorias dos DF 26
Conceitos afins de DF 28
Aula aberta com Filipe Venade 34
Regime dos DF 36
Regime comum dos DF 36
Mecanismos de proteção dos DF 43
Regime específico dos DLG 53
Outras situações de afetação de direitos 59
Regime específico dos DESC 61
Dogmática unitária dos DF 63
Direitos Fundamentais em especial 65
Direito à identidade genética 65
Liberdade religiosa 80
Direito à reserva de vida privada e direito à 92
proteção de dados pessoais
Liberdade de expressão e comunicação 107
Seminário 119
Direito à educação 124
Direito ao ambiente 131

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De que forma estas realidades surgem nos Direitos Fundamentais? Debate sobre os seguintes binómios:

Estado de Direito e contrato social


Direitos Naturais e Reconhecimento de Direitos Fundamentais
Autonomia e dignidade da pessoa humana

Notícias respeitantes a Direitos Fundamentais (DF):

Situação relativa à liberdade de imprensa quanto à colocação de escutas e vigilância ordenadas pelo MP e
acesso a localização dos jornalistas para garantir o segredo de justiça – direitos comprimidos: liberdade de
imprensa (36º CRP), liberdade de expressão e informação (37º CRP), regulação da comunicação social (38º
CRP), inviolabilidade das comunicações (34º CRP). Para além da questão das previsões em causa temos
também situação que será uma situação de conflito ou colisão? O âmbito de aplicação de dois ou mais
direitos porque conflito pode ser entre 2 ou mais direitos, de 2 ou mais titulares diferentes têm uma área
de sobreposição e temos de resolver essa área de sobreposição. Isso será feito através da restrição. Temos
caso de conflito, mas podemos também configurar situação de colisão, em que temos de um lado um ou
mais DF (já identificados) e do outro lado, temos, eventualmente, um bem do Estado ou da sociedade/
comunidade que é a preservação do segredo de justiça no processo criminal (artigo 32º) que em tese se
alegava prosseguir aqui através das escutas e acesso a dados de localização dos jornalistas.
Aqui falamos de questões de identificação de situações de conflito ou colisão e que a restrição é forma de
resolver estas situações de conflito e colisão.

Projeto de lei sobre criminalização de imagens explícitas sem consentimento do titular dessas imagens
(nudes)- direitos comprimidos: direito à imagem, reputação, bom nome, reserva de vida privada (artigo
26º). Temos situação de eventual conflito, mas mais importante do ponto de vista da dogmática dos
Direitos Fundamentais, aquilo que podemos ter em conta é que essas imagens são colocadas pelo titular
que depois vem alegar a violação destes direitos. Podemos ter aqui em causa uma questão de
autocolocação em perigo ou autolimitação de Direitos Fundamentais. A questão da proteção da imagem,
da privacidade, etc., até que ponto essa proteção é oponível ao próprio titular dos Direitos Fundamentais,
quando é o próprio titular a veicular imagens, que obviamente inevitavelmente, e independente da sua
apropriação ilícita, mas que tecnicamente é possível fazer copiar e difundir. Aqui há uma outra questão,
relativa ao suposto regime específico dos DESC, falamos da reserva do financeiramente possível.
Atualmente, há alguns direitos que não estão sujeitos a reserva do financeiramente possível, mas à reserva
do tecnologicamente possível, na medida que é impossível atualmente assegurar que não haja
disseminação, difusão deste tipo de imagens que estejam em suporte de internet, independentemente de
se poder criminalizar ou não esses comportamentos.
Despenalização da Morte assistida - direito à vida (artigo 24º CRP) e dignidade humana (artigo 1º CRP). Há
atualmente um projeto de lei relativo à despenalização da eutanásia que já foi entregue ao PR. Há questão
de autolimitação de direitos ou ainda questão na renúncia ao exercício de direitos. Uma coisa são conflitos
que não resultam da vontade do titular, outra coisa é ser o próprio titular a renunciar ao exercício de
direitos. Questão da dignidade da pessoa humana: saber em relação à dignidade humana quais critérios de
aferição e se esses critérios resultam do próprio titular ou aferição global comunitária.
Questão do direito de resistência no caso de um restaurante- questão da densificação do direito de resistência
que está previsto no artigo 21º CRP. Este direito de resistência aplica-se a qualquer direito? De acordo com a
letra da lei, só se aplica aos Direitos, Liberdades e Garantias. Mas pode-se dizer que tendo em conta a dogmática
unitária dos Direitos fundamentais, apesar de lá estar escrito apenas DLG, podemos entender que onde o
legislador constituinte escreveu DLG, podemos aplicar também esse regime a todos os Direitos Fundamentais. O
Direito de resistência faz parte do regime comum dos DF, nomeadamente tendo a conta a dogmática unitária
dos DF. A resistência pode ocorrem em relação a qualquer ordem que ofenda, ou seja, teria de ser ordem que
ofendesse os DLG ou DF segundo a conceção mais lata, mas, neste caso, a ordem

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está legitimada na regulamentação do estado de exceção. Não temos ordem que ofende DF ou DLG em
especial, na medida que está estribada naquilo que é o estado de exceção e a suspensão possível dos DF ao
abrigo do Estado de exceção. “Quando não seja possível recorrer a autoridade pública” - Qualquer
Constituição num estado de direito democrático tem sempre a previsão de direito de resistência e tem
sempre a previsão deste direito como forma de válvula escape de sistema quando tudo o resto falha. Os
tribunais são considerados autoridade publica, e temos tido recurso a tribunais, quanto a estas matérias,
nomeadamente utilizando processo urgente no âmbito do contencioso administrativo que é a intimação de
proteção de DLG. Neste caso, este restaurante se tivesse lançando mão de intimação da proteção de DLG
(processo urgente) e não lhe tivesse sido dada vencimento, quando muito nessa altura poderia utilizar mão
do direito de resistência. Mas neste caso, isso não se pode aplicar por causa da delimitação quanto direitos
em causa, quanto ao decreto de estado de exceção, e por causa da sustentabilidade de recursos à
autoridade pública.
Eleições presidenciais- pessoas impedidas de votar devido ao confinamento. Direitos comprimidos: direito
de voto (49º), 109º, princípios gerais de direito eleitoral (113º). Há uma obrigação auxiliar do sufrágio que
tem a ver com o recenseamento. Nos termos do artigo 113º, o recenseamento é oficioso (devem as
autoridades ter permanentemente em conta de aferir quem tem capacidade eleitoral ativa e conceder
hipótese para esse voto- situação de colisão) e obrigatório. O processo eleitoral devia ter sido pensado de
forma a que não ficasse excluídos determinados titulares de capacidade eleitoral ativa.

Durante muito tempo, os presos em estabelecimentos prisionais não podiam votar. Que artigo manifesta a

inconstitucionalidade desta impossibilidade de voto? 30 nº5 CRP. Tribunal Constitucional foi chamado a
verificar esta situação, e com base neste artigo, esta situação é inconcebível. Nada impede que sejam colocadas
nos estabelecimentos prisionais mesas de voto, não pondo em causa nenhum dos princípios gerais do direito
eleitoral do artigo 113º e o 10º quanto ao sufrágio. O que está em causa é a organização do processo que deve ser
de forma tal que daí não resultem restrições.

Para além da questão das limitações às restrições, vamos ver algo de que falávamos que era questão de relações
especiais de poder (hoje têm outro nome) e tem de ver ainda com o facto de DF poderem ser considerados por
parte da doutrina como direitos a prestações e tem um eixo procedimental evidente. Mais do que ter direito a um
determinado comportamento, os cidadãos têm direito a que Estado se organize de determinada forma, porque
podem depois querer ou não exercer o respetivo direito.

Surgiu, por isso, também discussão quanto ao voto eletrónico. Há do ponto de vista teórico elenco de vantagens e
desvantagens porque há quem diga que não propicia reflexão com alguma solenidade quanto ao direito de voto,
mas temos de encontrar formas numa sociedade inclusiva permitir o exercício do direito de sufrágio.

Questão do cidadão ucraniano morto à mão de agentes do SEF- mais do que os Direitos Fundamentais em
causa, o que importa é a questão de os direitos fundamentais corresponderem também a deveres proteção
do estado. O estado tem de se organizar de uma determinada forma para garantir direitos e os Direitos
Fundamentais correspondem a deveres proteção por parte do estado e das autoridades publicas.
Questão de um árbitro receber ameaças de morte- direitos de integridade moral, segurança, liberdade
postos em causa.

Vamos supor que em vez de ameaças de morte ao árbitro, que ainda era possível assistência em jogos de futebol no
estádio e que alguém da bancada chama nomes, impropérios ao árbitro. No caso de ameaças de morte, parece evidente
que o árbitro se dirija aos órgãos de polícia criminal para apresentar queixa. Fará sentido que árbitro que ouviu alguém
no meio de uma multidão chamar-lhe nomes menos próprios se dirija ao órgão de polícia criminal para apresentar
queixa? Do ponto de vista do Código penal, se usar expressão menos própria posso estar a cometer um ilícito. Neste
âmbito, no Direito penal discute-se a questão da “teoria das bagatelas” e no Direito Civil tem a ver com um juízo de
adequação social em relação à forma de ilicitude. Do ponto de vista da adequação social, não entendemos que aqui haja
ilícito bastante para efeitos de procedimento criminal. Do ponto de vista dos Direitos Fundamentais, temos de ter em
conta que algumas lesões de Direitos Fundamentais não são necessariamente violações de Direitos Fundamentais. Só há
violação de Direitos fundamentais se não houver conflito de conflito e

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colisão. Se houver situação de colisão ou conflito, temos situação restrição constitucionalmente possível e
admissível pelo Direito e desde que não haja exclusão pela teoria das bagatelas e juízo de adequação social.

Se tivermos situação de resolução de conflito e colisão, estamos perante situação que não é de violação, mas pode
ser de restrição, mas desde que essa restrição seja constitucionalmente adequada, não haverá juízo de ilicitude.

Caso de cidadão português condenado a pena perpétua no estrangeiro – questão relativa à Titularidade de
Direitos Fundamentais ( artigo 12º CRP) mas também forma como olhamos para os artigos 14º e 15º que se
referem, por um lado, à aplicação de Direitos Fundamentais a estrangeiros em Portugal e , por outro lado, à
aplicação de Direitos Fundamentais a cidadãos portugueses no estrangeiro- isso depois tem a ver com
regras de direito internacional privado quanto à escolha dos ordenamentos jurídicos em causa . Artigo 30
→ →
nº1 não podem haver penas de prisão perpétua. Aplicação de normas constitucionais no espaço Até
que ponto é possível aplicação de normas estrangeiras que contrariem a CRP portuguesa se estivesse em
causa aplicação de direitos estrangeiros.
Situação de Gestação de substituição e procriação medicamente assistida pós-morte- podemos referir o artigo
26 nº3 quanto à identidade genética e depois artigo 36º, que é o direito a constituir família que se associa a um
direito que surge na revisão de 1997 e normalmente é visto como prolongamento ou desenvolvimento do
direito à privacidade que é o direito ao desenvolvimento da personalidade que foi importado do direito alemão
tal como outras especificidades no âmbito dos DF (26 nº1). Esta importação do direito ao desenvolvimento livre
da personalidade vem da Alemanha e a expressão utilizada é direito ao livre desenvolvimento da personalidade.
Na nossa CRP, apesar desta importação, o modo como aparece este direito é só “direito à personalidade”. Não
podemos tirar conclusão pelo facto de legislador constituinte português não prever o adjetivo “livre”, porque
não faria sentido dizermos que legislador constituinte português tivesse previsto o direito ao desenvolvimento
não livre da personalidade. Independentemente desta importação e à queda do adjetivo livre isso não deve ter
consequências no modo como olhamos para o direito, pelo que ele será na mesma direito ao livre
desenvolvimento da personalidade. Aqui está em causa também a forma de saber se dignidade da pessoa
humana deve ser auto ou hétero aferida, ou seja, se cabe ao próprio entender o que é dignidade da pessoa
humana ou cabe à sociedade definir um conceito mínimo de ordem pública e determinar o que deva ser
considerado por dignidade da pessoa humana. Nós encontramos este argumento da dignidade da pessoa
humana a ser invocado de um lado e outro em termos de argumentação. Até que ponto conseguimos identificar
qual seja o mínimo de consenso social em torno de determinada ideia de dignidade da pessoa humana e ideia
de direitos fundamentais.
Questão de abates de animais- relaciona-se com os Direitos Fundamentais? Nos termos da CRP, não há
previsão de direitos enquanto tal de animais, isto é, Direitos Fundamentais como previstos na CRP são
direitos das pessoas enquanto tais. Em termos de restantes ordenamentos jurídicos, o que tínhamos
tradicionalmente era que independentemente de haver previsões de direitos de animais, se prevê os
reflexos que lesão de direitos de animais podem ter nas pessoas, nomeadamente em termos de danos
morais, sofrimento psicológico que podem causar às pessoas. Hoje, no âmbito de direito ordinário, temos a
previsão que animais deixaram de ser considerados coisas no âmbito da teoria geral do Direito civil e
conseguimos ter previsão autónoma de incriminação relativa a animais. Animais passaram a ter
possibilidade de serem considerados bens jurídicos autónomos. Em termos de proteção de direitito penal.
Já houve várias discussões de inserir nos termos constitucionais esta hipótese. Até ao momento, isso não
se incluiu. Não obstante haver referências na constituição o bem-estar animal, mas este bem-estar animal,
atualmente, não corresponde ainda àquilo que sejam Direitos Fundamentais.

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Problemática dos direitos Fundamentais
De que forma podemos resumir esta problemática dos Direitos Fundamentais?

Primeiramente, poderá haver paradoxo na seguinte afirmação em que podemos dizer que, por um lado, os Direitos
fundamentais são criação recente e frágil, mas também podemos dizer que correspondem a um processo lento e
aturado de efetivação jurídica.

Como podemos conciliar ambas as afirmações? Convém ter a noção que do ponto de vista jurídico os
Direitos fundamentais são esta criação recente (se olharmos para uma perspetiva de evolução histórica
prolongada, porque há um lento processo) e frágil (convém ter consciência desta fragilidade) porque a qualquer
momento podemos ser surpreendidos com banalização dos Direitos fundamentais e da respetiva efetividade.
Independentemente desta consciência de os Direitos Fundamentais serem uma criação recente do ponto de vista
jurídico e uma criação frágil, temos de perceber que Direitos fundamentais correspondem a precipitado de um
longo processo, e correspondem criação de civilização de tipo ocidental, mas com marcos claros ao logo desta
evolução histórica. Podemos dizer que os Direitos fundamentais correspondem a instituições.

O que são instituições? Em termos gerais, as instituições correspondem a necessidades permanentes. Maurice
Hauriu tem esta perspetiva de que as instituições correspondem a necessidades permanentes no meio social. Os
Direitos fundamentais enquanto posições jurídicas subjetivas face ao Estado, face a outras entidades públicas e
entidades privadas correspondem a necessidades permanentes. Ao longo de toda a história social, sempre foi
considerada esta necessidade de identificar, muitas vezes de forma diferente, estas posições jurídicas subjetivas.

Estas instituições que correspondem a necessidades permanentes que vivem e perduram no meio social podem ser
encaradas em várias perspetivas:


Do ponto de vista filosófico-cultural Se pensarmos no lento processo e nesta perspetiva filosófico-cultural,
podemos falar de ideias que ao longo dos tempos foram surgindo e tem imbricação, articulação com os Direitos
fundamentais e que encontramos que em termos mais gratos, na dogmática ou teoria como na história das
ideias políticas ou num filme da Disney que trata da Pocahontas e direitos indígenas. Estamos a falar de uma
perspetiva filosófico cultural que vê os Direitos fundamentais, as posições jurídicas subjetivas como ideias.
Desde a antiguidade, distinguíamos a liberdade dos antigos que não é o conceito atual da liberdade dos
modernos- basta pensar no que acontecia na Grécia antiga para perceber que mesmo no séc. V da democracia
ateniense visto como apogeu do sistema democrático, inevitavelmente nada tem a ver com a democracia dos
tempos de hoje quanto à previsão dos direitos fundamentais (basta pensar que era sociedade em que
escravatura era permitida). Há desde sempre este gérmen nesta ideia, ainda que na formulação de liberdade de
antigos de que do ponto de vista filosófico-cultural de que determinadas ideias ainda que muito dispares e
diferentes das que temos hoje em dia, algumas ideias que correspondem às tais posições jurídicas subjetivas
face aos Estados. Os direitos fundamentais começaram a ser pensados como posições subjetivas que são de
modo a exercer face ao Estado. A ideia de que os direitos fundamentais são exercidos face a outras entidades
públicas e privadas é algo que nos surge muito depois. A Liberdade dos antigos já com esta ideia de gérmen
filosófico- cultural nas ideias de direitos fundamentais, mas basta pensar em outros momentos em termos de
evolução histórica. Basta pensar na importância do cristianismo com ideia de separação entre Igreja e o Estado.
Sabemos que hoje em dia mais que essa separação entre Igreja e Estado, temos de falar separação entres as
igrejas e o Estado. A fórmula de cristianismo “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” apontava
para essa ideia de separação. Basta pensar no contexto do Humanismo renascentista, para olharmos para
perspetiva de que direitos fundamentais corresponderiam a posições subjetivas que muito tinham de ver, na
perspetiva da altura, com a ideia de Direito Natural, isto é, ideia de que havia direitos inerentes à pessoa
humana. Podemos distinguir entre Direito natural permanente e Direito Natural variável, e a partir do momento
que admitimos a possibilidade do último, a própria ideia de Direito natural cai por terra. Quando dizemos que há
princípios meta positivos, princípios de Direito natural,
mas depois damos um passo atrás e dizemos que não se aplicam a todas as circunstâncias, e que há vários

direitos naturais, isto é, que há direitos naturais variáveis, há direitos naturais civilizacionais esta partição

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da ideia de direito Natural acaba por fazer desaparecer a própria relevância enquanto tal do direito natural.
Sempre houve a ideia de que havia direitos que eram inerentes à pessoa humana, por outras palavras,
inerentes à tal dignidade da pessoa humana. Se bem que podemos olhar para a dignidade da pessoa
humana como valor, princípio ou como regra. Podemos olhar para dignidade da pessoa humana que funda
esses direitos inerentes à pessoa humana como tendo natureza absoluta enquanto valor, ou natureza
relativa ou compaginável com outros princípios ou tendo dimensão absoluta como regra. A própria
qualificação de inerência à pessoa humana é obviamente muito sujeita a discussão. Temos de pensar o que
pode classificar estes direitos inerentes à pessoa humana, o que pode levar a discussão grande. Pico della
Mirandola, em 1486, dizia que os direitos que dizem respeito à dignidade da pessoa humana são aqueles
em que verdadeiramente o sujeito é soberano e artífice de si próprio. Neste humanismo renascentista,
nomeadamente partir do séc. XV e XVI, nós encontramos importância muito grande na perspetiva do
homem, homem no centro do universo nesta perspetiva de direitos inerentes à pessoa humana. Este
humanismo renascentista é reafirmado e recriado no séc. XVIII com perspetiva de iluminismo e do
enciclopedismo. Isto é o que resulta do ponto de vista filosófico-cultural. Como instituição, necessidade
que perdura no meio social, sempre tivemos perspetiva que há qualquer coisa que corresponde à
titularidade do individuo e pode ser brandida face o estado. Nesta perspetiva, estamos centrados em dizer
que o Homem tem direitos por sim mesmo, que resultam da sua própria natureza
Em termos políticos, temos uma outra dimensão. Nesta perspetiva, pensamos: até que ponto estes
direitos fundamentais são critérios de legitimação e limites para a atuação do estado? A magna Carta
aparece como a assunção por parte do Estado que direitos fundamentais limitam atuação do monarca. Em
termos políticos, direitos fundamentais aparecem na perspetiva de limitação e legitimação da atuação do
estado, do poder político. Já não estamos a falar de ligação umbilical com ideia da natureza humana, mas
da circunstância dos direitos fundamentais enquanto limitação e legitimação do poder político, na medida
que um poder político legitimo necessariamente tem de ter em conta a perspetiva dos direitos
fundamentais. Se na Magna Carta isso é evidente, ainda é mais evidente na declaração de direitos do séc.
XVIII, e até no próprio ideário das revoluções do séc. VIII (revolução americana e francesa). Se pensarmos
nas declarações de direitos que circundam essas circunstâncias políticas, temos claramente a ideia de que
os Estado de Direito se legitimam se reconhecerem os direitos fundamentais. Artigo 16º Declaração dos
Direitos do Homem e Cidadão- um Estado de direito, um estado que tem um mínimo constitucional, tem
de ter separação de poderes e previsão de direitos fundamentais.
“Estado de Direito é um Estado ou uma forma de organização político-estadual cuja atividade é
determinada e limitada pelo direito.” (Gomes Canotilho)

Nesta perspetiva política, direitos fundamentais aparecem a par de separação de poderes como conteúdo
mínimo constitucional do estado de Direito.

Como damos salto destas perspetivas filosófico-cultural e política para o mundo jurídico? Damos, precisamente,
com estas declarações dos séc. XVI, XVII, XVIII. A Magna carta tem o seu papel importante no séc. XIII, há até
antecipação do Estado de direito. Mas se pensarmos no caso da Inglaterra, ao longo do tempo do séc. XVIII, houve
outros instrumentos na sequência da Magna Carta: em 1628, a Petition of Rights; em 1679, habeas corpus; em
1689, a Bill of Rights.

Aquilo que tinha começado na Magna Carta, continua na experiência liberal e experiência de declarações formais
de direito a partir do séc. XVII. A partir do séc. XVIII, das revoluções francesa e americana e com o aparecimento
das Constituições formais (estado constitucional representativo de direito que surge nesta perspetiva de Estado
constitucional com generalização das constituições formais) com ligação ao artigo 16º da declaração dos direitos do
homem e do cidadão , é nesse momento que nós, por via do influxo das revoluções, conseguimos que estas ideias
das tais posições jurídicas subjetivas sejam posições jurídicas subjetivas fundamentais, na medida que dizem
respeito à titularidade do individuo e no sentido de que fazem parte do texto fundamental ( não sentido de
hierarquia/ importância) . Há necessidade de acolher nas Constituições escritas os direitos fundamentais. Passamos

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a falar de direitos fundamentais enquanto posições jurídicas subjetivas fundamentais. A que corresponde esta
realidade? De facto, à Positivação das Constituições escritas (generalização das constituições escritas a partir do
séc. XVIII) e devido ao conteúdo mínimo das Constituição, nós temos de ter previsão dos direitos fundamentais nas
constituições.

“Dizer que o Estado de direito é um Estado de direitos significa, desde logo, que eles regressam ao estatuto de
dimensão essencial da comunidade política. Não admira, por isso, a sua constitucionalização. Estarem os direitos na
constituição significa, antes de tudo, que beneficiam de uma tal dimensão de fundamentalidade para a vida
comunitária que não podem deixar de ficar consagrados, na sua globalidade, na lei das leis, ou lei suprema (a
constituição). Significa, em segundo lugar, que, valendo como direito constitucional superior, os direitos e
liberdades obrigam o legislador a respeitá-los e a observar o seu núcleo essencial, sob pena da nulidade das leis.
A constitucionalização dos direitos revela a fundamentalidade dos direitos e reafirma a sua positividade no sentido de os
direitos serem posições juridicamente garantidas e não meras proclamações filosóficas, servindo ainda para legitimar a
própria ordem constitucional como ordem de liberdade e justiça.”
(Gomes Canotilho)

Por outro lado, na senda da efetividade jurídica, ao longo dos tempos, percebemos que nas Constituições de Estado
liberal, primeiramente e depois no Estado social de Direito, vamos encontrar varias gerações de direitos fundamentais (
4 gerações), e percebemos também, que a par desta previsão de varias gerações de direitos fundamentais que
correspondem, por um lado ao estado liberal de direito e por outro lado ao estado social de direito,
temos de prever também mecanismos jurídicos de proteção. Sem essa previsão, o que acontece é que temos
previsão de direitos fundamentais que não é acompanhada do respetivo arcaboiço de proteção, e, portanto, de
pouco vale. O problema atualmente da previsão dos direitos fundamentais deixou de ser ausência de normas
que o prevejam, para passar a ser efetividade jurídica e política de mecanismos que o complementem. A previsão
dos direitos fundamentais correspondeu a um evoluir do processo. A partir do séc. XVIII, acabamos por ter
resultado daquilo tudo que vinha de trás. Mas é sempre necessário voltar a perceber que direitos fundamentais
para alem da positivação formal nas constituições formais, não podem prescindir da perspetiva da sua proteção e
efetividade política. Mais do que mecanismos de proteção e efetividade política, na medida que direitos
fundamentais são critérios de limitação e legitimação da atuação política, temos de ter em conta que esses
mecanismos de proteção são mais perfeitos se estivermos a falar em mecanismos de proteção jurisdicionais. Se
tivermos formas jurisdicionais de acesso a instâncias jurisdicionais que de que alguma forma possam ser a válvula
de escape de proteção dos indivíduos.

Sendo assim:

Temos previsão de direitos fundamentais,


é necessário que direitos fundamentais sejam pensados do ponto de vista da respetiva proteção jurídica e
efetividade política,
e melhor será que tenhamos para efeitos de defesa de direitos fundamentais mecanismo jurisdicionais de
proteção.
E hoje em dia não podemos ficar em esfera interna de direitos fundamentais. E temos de fazer corresponder a
um estado de direitos fundamentais um Estado de Direitos humanos. É por isso que muitos autores dizem que
não há Estado de direitos fundamentais que não seja Estado de Direitos Humanos.

Olhamos para os Direitos Fundamentais, e pensamos no estado de direito. A forma como olhamos para o estado de
direito- Estado de Direito corresponde a um Estado limitado pelo Direito, em que não são permitidas normas arbitrárias,
desumanas, cruéis, um Estado em que razão de ser do poder político é razão jurídica. No estado de direito, partindo do
princípio que ordens são legitimas e não ofendem DLG e direitos fundamentais, nós sabemos que temos essa válvula de
escape do Direito que é o direito de resistência. Quando olhamos para ideia de Estado de direito, pensamos que ele é
sempre igual a um estado de direitos fundamentais. Não concebemos um estado de direito, até por causa do conteúdo
mínimo da Constituição, que não seja um Estado de direitos fundamentais. O que implica esta ideia? Que temos
previsão constitucional formal, mas isso não chega. Karl Loewenstein distingue entre Constituições normativas, nominais
e semântica/simbólicas/ álibi (são Constituições semânticas na medida que são

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apenas palavras e são álibi porque isso não pode ser apontado à Constituição porque ela prevê direitos
fundamentais, mas eles podem acabar por não se aplicar).

“(…) não basta a consagração de direitos numa qualquer constituição. A história demonstra que muitas constituições
ricas na escritura de direitos eram pobres na garantia dos mesmos. As «constituições de fachada», as «as constituições
simbólicas», as «constituições álibi», as «constituições semânticas», gastam muitas palavras na afirmação de direitos,
mas pouco podem fazer quanto à sua efetiva garantia se os princípios da ordem constitucional não forem de um
verdadeiro Estado de direito.”
(Gomes Canotilho)

desejável que a Constituição do ponto de vista do estado de direito sejam normativas que regulem o que é a realidade
constitucional. Isto para dizer que não há dúvida que temos ideia de que direitos fundamentais dentro do conceito que
temos de Estado de direito integram noção de Estado de Direito, e estes correspondem a movimento resultante do
Jusracionalismo (declaração de independência dos EUA, Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, declaração dos
Estado de virgínia.) Os direitos fundamentais são precipitado fundamental do jusracionalismo mas também perspetiva
de limitação do poder, numa linha que vem da magna Carta e Constituição dos EUA e que encontramos na história das
ideias políticas em autores como John Locke ( divisão de poderes-mecanismo conceptual de conseguirmos dentro das
competências do poder político podermos dizer que isto corresponde ao poder politico, aquilo ao executivo, aquilo ao
jurisdicional), Montesquieu ( separação e interdependência de poderes ( controlo dos
poderes, ideia de checks and balances)- separação é divisão de poderes distribuída entre vários órgãos). Hoje em

dia, temos de introduzir outra equiparação Estado de direitos fundamentais é Estado de Direitos Humanos.
Temos por um lado, esta integração e correspondência entre Estado de Direito e Estado de direitos fundamentais.
E Estado de direitos fundamentais é, necessariamente, Estado de Direitos Humanos.
Estado de Direito= Estado de direitos fundamentais

Estado de direitos fundamentais = Estado de direitos humanos

Nota:

Direitos fundamentais é a expressão que devemos utilizar para nos referirmos a posições jurídicas
fundamentais, inscritas na lei fundamental no contexto do Ordenamento Jurídico nacional.
Direitos Humanos é a expressão que devemos utilizar para efeitos do Ordenamento Jurídico internacional.

Existem direitos fundamentais que, simultaneamente, são Direitos Humanos e vice-versa. Mas pode haver direitos
fundamentais que não são direitos humanos e Direitos Humanos que não são direitos fundamentais.

Esta questão da não sobreposição entre conceito de Estado de direitos fundamentais e Estado de Direitos
Humanos não é questão que se coloque com grande evidência no caso português, porque no estado português não
temos falta de previsão de direitos fundamentais. mas é importante que acrescentemos esta dimensão de
proteção através de mecanismos de efetivação política, mas também mecanismos de efetivação jurisdicional e
desta proteção internacional de direitos fundamentais que são também Direitos Humanos. Temos equivalência e
esta correspondência entre estas realidades. Hoje em dia, quase não conseguimos e não devemos conseguir
distinguir estes conceitos.

Isto significa que a nossa perspetiva de direitos fundamentais ainda tem lá na sua génese a ideia filosófica-cultural
de que os direitos fundamentais são posições jurídicas subjetiva que cabem ao homem por ser Homem. Há
perspetiva que há adesão a valores que são supra ordinários e que vinculam o legislador. Legislador está sujeito a
essa vinculação. E por isso dizemos tanto que direitos fundamentais são direito constitucional aplicado, qualificado
e que são sismógrafo do Direito Constitucional- Henzel e Roxin.

Estes direitos fundamentais que aqui temos com autonomia científica e pedagógica são muito relevantes me termos de
limitação e legitimação de atuação do poder político e têm grande relevância para aquilo que é sociedade, estado,

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regime político, forma económica de determinado sistema, mas, por outro lado, estão também numa grande
dependência face ao estado. Os direitos fundamentais condicionam o estado e poder político, mas o Estado
condiciona e vincula também os direitos fundamentais.

Três tipos de realidade que aqui tem importância:

- Modo como estão organizados os poderes públicos

-Modo como economia olha para trilogia liberal- liberdade, segurança e propriedade

-Modo como Estado de Direito qualifica a dignidade da pessoa humana

Aqui percebemos que há relação biunívoca- não só os direitos fundamentais condicionam o Estado, mas também o
Estado condiciona os direitos fundamentais.

diferente falar em liberdade de iniciativa económica (artigo 61º CRP) num Estado que tenha economia de mercado ou
Estado que tenha economia mais planificada. É diferente falar em direitos fundamentais num estado liberal de direito ou
num estado social de direito, porque sabemos que no último temos perspetiva de solidariedade, socialidade,
coletividade que tem de estar em causa para efeitos de previsão de direitos fundamentais. Toda esta relação biunívoca
ou político entre sociedade, Estado e direitos fundamentais levam àquilo que se chama pluridimensionalidade ou
multifuncionalidade dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais têm várias dimensões e cumprem várias
finalidades, precisamente neste quadro de relações com o estado e sociedade.

Dentro desta pluridimensionalidade e multifuncionalidade dos direitos fundamentais, vamos centrar-nos em duas
dimensões:

dimensão objetiva- pensamos em direitos fundamentais enquanto um catálogo que encontramos na


Constituição, objetivamente consagrado na Constituição. Olhamos para esses direitos fundamentais e
percebemos que tipo de sociedade está em causa, e o significado axiológico subjacente à constituição, e
quais valores objetivos básicos que aquela Constituição entendeu prever.

Na CRP, naturalmente, tem algumas dificuldades, porque temos catálogo vastíssimo que resultou das
condições em que Constituição foi aprovada. Resultou do facto de haver elaboração do catálogo por
acumulação de direitos e não discussão de uma única ideia de direito, e como tal a nossa Constituição é
compromissória. Não há uma única ideia de direito que clarifique este catálogo objetivo. Quando
pensamos nesta dimensão objetiva dos direitos fundamentais, olhamos para o catálogo previsto na CRP,
independentemente da concreta fruição dos direitos pelos cidadãos. Aqui falamos na situação em que
abstraímos da fruição que indivíduos tenham ou queiram ter em relação a esses mesmo direitos.

dimensão subjetiva- dimensão que olha para modo como cada cidadão individualmente considerado pode
fruir dos direitos fundamentais.

Se os direitos fundamentais tivessem só dimensão objetiva, não poderiam ser vistos como verdadeiras situações de
vantagem pelos cidadãos. Os cidadãos têm de ver os direitos fundamentais como situações de vantagem. Isto não
tem a ver apenas com organização do Estado.

O professor Vieira de Andrade diz que apesar da dimensão objetiva ser absolutamente essencial devido à ligação
entre os direitos fundamentais e Estado de direito, há sempre um radical subjetivo impostergável, isto é, sem essa
dimensão subjetiva, os direitos fundamentais não faziam sentido enquanto situações de vantagem para os
cidadãos.

Historicamente, se pensarmos na diferença entre Estado liberal e Estado Social de direito, a dimensão subjetiva
estava muito presente no estado liberal- ideia de que direitos fundamentais eram reivindicações e tinham de

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corresponder a situações de vantagem perante o estado e até face a grupos privados, isto é, trunfos. Reis Novais
qualifica direitos fundamentais como trunfos contra a maioria.

A evolução filosófico-cultural e política tem estas duas raízes.

Exemplo essencial para afirmação de direitos fundamentais: luta pela liberdade religiosa (contraponto entre
religiões). Esta luta foi essencial do ponto de vista da previsão dos direitos fundamentais. E há duas dimensões: Há
dimensão objetiva que quer correspondente à própria forma de organização do estado quando olhamos para
constituição que prevê liberdade religiosa, percebemos que esta separação entre Igreja e Estado tem dimensão
objetiva clara. Mas também tem perspetiva de radical subjetivo – “eu tenho possibilidade de acreditar ou não
acreditar em determinada entidade”. Temos necessidade de compatibilizar as duas dimensões.

Isso leva-nos a um conceito de direitos fundamentais.

Jorge Miranda vem dizer que direitos fundamentais são posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto tais
(individual ou institucionalmente consideradas), assentes na Constituição.

Podemos ter Constituições formais ou materiais. Sabemos que podemos falar em direitos fundamentais formais ou
direitos fundamentais materiais, conforme estejam previstos na Constituição formal ou constituição material. O ideal
que todos os direitos fundamentais formais correspondam a direitos fundamentais materiais e que todos direitos
fundamentais materiais tenham passado para Constituição formal. Em princípio, é isso que se sucede na nossa
Constituição.

Vieira de Andrade entende que o artigo 23º CRP está previsto como direito fundamental formal, mas não é direito
fundamental material.

Este conceito de direitos fundamentais não é isento de dúvidas. Qual é o critério para dizermos que são direitos
fundamentais? Será o critério de dignidade da pessoa humana, mas isso não nos leva longe- estudaremos isso mais
adiante. E há problema de que a nossa CRP assume no artigo 16 nº1 que há vasos comunicantes e que podemos ir
buscar a outros contextos aquilo que é esta previsão dos direitos fundamentais. Isso não é tão evidente no caso
português, porque temos previsão ampla dos direitos fundamentais, mas o artigo 16 nº1 permite que
reconheçamos posições subjetivas jurídicas fora do texto constitucional das pessoas enquanto tais,
individualmente ou institucionalmente consideradas, que não estão assentes na Constituição em termos estritos,
mas que entram nela por causa do princípio da cláusula aberta e da tipicidade.

Exemplo de direito que não estava previsto na CRP até 1997 e retirávamos do artigo 6º da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos: artigo 20º relativo ao direito de acesso à justiça em processo célere.

Podemos encontrar neste estado de Direito, simultaneamente, Estado de direitos fundamentais, e,


simultaneamente, Estado de Direitos Humanos, estas posições jurídicas fundamentais e que são um
emaranhado de uma justificação filosófico-cultural, justificação política e depois de efetividade jurídica,
formalização e generalização nas constituições escritas que encontramos a partir do séc. XVIII.

Sentido dos Direitos Fundamentais e evolução histórica:

Vamos agora tentar perceber o sentido e evolução histórica que os Direitos fundamentais tiveram ao longo do
tempo.

Esta área dos Direitos fundamentais foi, inevitavelmente, fruto de evolução, e encontramos influências daquilo que
foram as grandes transformações a que o mundo foi assistindo ao longo dos anos.

Pensemos na história das ideias políticas:

na antiguidade clássica, já tínhamos noção de Direitos fundamentais, mas muito incipiente, muito distante do
discernimento moderno e que integra aquilo que se chama liberdade dos antigos. Apesar de estar muito
distante do discernimento moderno, ainda assim não é irrelevante para aquilo que atualmente entendemos

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como Direitos fundamentais. Na antiguidade clássica, não tínhamos entendimento universal acerca da
titularidade de direitos, ou seja, entendíamos que aquilo a que chamamos hoje Direitos fundamentais eram
posições jurídicas subjetivas reservada apenas a alguns titulares. É uma diferença essencial que existe, ou seja, a
titularidade universal não fazia parte dos quadros mentais da antiguidade clássica. Ainda assim, autores como
Platão, Aristóteles, correntes do pensamento sofista e pensamento estoico acabaram por contribuir para
acentuar questão de igualdade de todos os homens. Era uma igualdade biológica, ou seja, ideia que todos os
homens tinham idêntica igualdade biológica que nem sempre passava para ideia de igualdade política. Apesar
de ser acentuada a ideia de igualdade biológica de todos os homens, muitas vezes esta elevação ao plano
político de igualdade não é considerada. Por mais que os pensamentos sofistas e estoicos entendessem que
igualdades biológicas se devessem projetar no plano político e filosófico, a verdade é que nos só assistimos a
esta elevação ao plano político de igualdade já com o autor romano Cícero.
Uma dimensão que já falamos corresponde à importância do advento do cristianismo. A par desta igualdade
que começa por ser biológica e se transmuta em igualdade política, o cristianismo ajuda a valorizar aquilo que é
ideia de liberdade interior, isto é, ideia de que há proteção das crenças independentemente da sua
exteriorização. A par da igualdade, encontramos este eixo da liberdade no sentido de liberdade interior,
independentemente do comportamento externo. Artigo 41.º da CRP protege liberdade de consciência e de
religião não tem necessariamente manifestação exterior, e por isso, é importante, ideia de proteção de
liberdade interior independentemente da exteriorização do comportamento. Tem a ver com seio da pessoa
humana, independentemente da possibilidade de concretização na liberdade de religião e culto.
Avançando na história das ideias políticas, e deixando a antiguidade clássica, seguimos para a idade
medieval. São Tomás de Aquino distinguia vários planos no que diz respeito às leis e isto tem implicação ao
nível dos Direitos fundamentais: lei eterna corresponde ao plano de Deus para o universo; lei divina
constituída pelas normas que Deus formulou para orientar lei humana; lei natural que apelava à ideia de
razão, de fazer o bem e evitar o mal; e lei humana, isto é, aquilo que o homem teria feito para
particularizar lei natural para as circunstâncias concretas da vivência. De acordo com S. Tomás de Aquino é
necessário que haja correspondência entre estes 4 tipos de leis: lei divina obedeça lei eterna, lei natural
obedeça à lei divina e lei humana obedeça à lei natural.

Caso isto não se verifique, emerge o direito de resistência, isto é, caso não exista correspondência entre
este tipo de leis, o dever de obediência à lei humana cessa e surge o direito de resistência. Este direito
é incluído na lei fundamental de praticamente todos os estados modernos de direto, e no caso português
encontra-se no artigo 21.º de CRP.
A relevância deste direito natural até final do séc. XVI vai ser substituída por teor cada vez mais racional. Não se
abandona completamente ideia divina, mas o direito natural vai racionalizando-se. Ele só surge secularizado
no séc. XVI e XVII, é nessa altura que vamos separa completamente lei divina da lei natural porque é nessa altura
que assistimos à emergência do estado Moderno de tipo europeu (no caso português e britânico há uma
antecipação deste tipo de estado) que tem como característica laicização do Estado, ideia de secularização do
direito natural. Para esta secularização, contribuíram autores e pensadores como Francisco Vitória, Vasquim de
Las Casas dizendo que direito natural já não é direito natural de fundamento divino, é um direito natural no
sentido de princípios que se impõem à lei humana, mas princípios que são resultado da razão. Estes autores
da escola ibérica têm esta ideia de separação entre referencial divino e referencial natural. Estamos a falar de
um momento de expansão de fronteiras e descobrimentos, sendo que este último movimento levanta novos
problemas com Direitos fundamentais: contacto e conquista de outros povos, povos indígenas
civilizacionalmente diferentes, a necessidade de reconhecer direitos a habitantes destes territórios que
emergem, declarações de direitos dos ocupantes destas novas colónias. Assistimos nesta altura ao abandono
da conceção do direito natural e ao surgimento de um direito natural setorial, secundário ou variável. O
direito natural nesta aceção universal seria difícil de encontrar. A partir do momento que dizemos que Direito
natural deixa de ser universal para ser setorial, perdemos a vinculatividade por parte deste direito natural. Este
séc. XVI e XVII, ao mesmo tempo que temos jus racionalização do direito natural, temos avanço na formalização
jurídica, previsão efetiva dos Direitos fundamentais, nomeadamente se pensarmos no caso dos documentos que
fazem parte da constituição

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material britânica (petition of rights, habeas corpus, bill of rights – estes documentos são britânicos). O
Reino Unido sempre mostrou antecipação que resulta logo da assinatura no séc. XIII da magna carta.
Passando para séc. XVII no seu apogeu (cingindo já ao Estado moderno de tipo europeu), temos na europa
os movimentos da reforma de Lutero e contrarreforma sempre ligados com ideia de liberdade de escolha
e tolerância que são fundamento do próprio protestantismo.
Na transição do séc. XVII para XVIII, para o Estado Constitucional Representativo de Direito, vamos encontrar
estas duas correntes:
o jusracionalismo vindo de trás que tem o seu apogeu em termos concretizados em termos de
previsão jurídica na Constituição de EUA de 1877, e no âmbito europeu na DDHC de 1789,
o ideia de que os Direitos fundamentais são condições de legitimação do Estado e limitação do poder
político.
Estas duas linhas de orientação mantêm-se até aos nossos dias e, hoje em dia, é impensável separar o
Estado de direito do Estado de Direitos fundamentais. São realidades indissociáveis. O Estado limita-se a
reconhecer os Direitos fundamentais e deste reconhecimento pelos poderes políticos não resulta uma
atribuição. É verdadeiramente um imperativo categórico o reconhecimento destes Direitos fundamentais.

Todo este desenvolvimento, esta longa história, de facto, acaba por convergir na previsão dos Direitos
fundamentais nas constituições e temos distinção entre direitos de 1ª geração (os DLG) muito associados à
burguesia emergente, revoluções liberais, à luta contra estado que se encontram plasmados nas constituições de
início do séc. XIX, como constituição espanhola de 1812, constituição portuguesa de 1822, constituição belga de
1831 e entre os direitos de 2ª geração. Na viragem para segunda metade do séc. XIX, para revolução industrial e
necessidade de acolher algumas ideias de proteção do proletariado, temos outro tipo de declarações. Basta pensar
na declaração dos direitos do povo trabalhadores e explorado de 1918. Temos então direitos de 2ª geração (DESC)
com a viragem para o estado social de direito no final da 1ª guerra mundial, em que esta nova geração de direitos é
marcada pela entrada em vigor de constituições do estado social de Direito como a constituição mexicana e no
âmbito europeu, a constituição de Weimar. síntese novos direitos que sugiram e direitos da primeira geração. Fora
da constituição mexicana e constituição de Weimar, encontramos outros exemplos como Constituição espanhola,
portuguesa, grega e Constituições de estados que surgiram após o desmembramento da URSS.

Esquema:

Direitos de 1ª geração Direitos de 2ª geração

- DLG - DESC

- Estado liberal - Estado Social de Direito

- Constituições no séc. XIX - Constituições no séc. XX

Se olharmos para toda esta evolução histórica mundial dos direitos fundamentais, podemos apontar linhas gerais
de orientação:

Estamos perante alargamento progressivo e permanente do elenco de direitos fundamentais


universalmente aceites, por muita discussão que possa haver sobre o elenco.
Por outro lado, cada vez mais é essencial dimensão objetiva dos Direitos fundamentais. Esta dimensão
objetiva é cada vez mais importante devido ao facto de se considerar que há uma obrigação fundamental
nos Estados de direito e os Estado de direito são, necessariamente, Estados de Direitos fundamentais.
Independentemente da dimensão objetiva, temos de lembrar que há sempre o radical subjetivo
impostergável. Os Direitos fundamentais, independentemente dessa dimensão objetiva, têm sempre de
dar relevo ao Homem e às suas circunstâncias específicas. Neste sentido, mesmo os direitos de 1ª geração,

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sempre exigiram do estado, verdadeiramente, muito mais que sua simples abstenção. Aquela ideia
redutora de que DLG só exigiam respeito e garantia por parte do Estado enquanto que direitos de 2ª
geração exigiam atuação e intervenção por parte do Estado precisa de uma atualização. Atualmente, é
cada vez mais necessário que máquina estadual desempenhe papel ativo na sua promoção. Neste sentido,
há conjunto de tarefas legislativas, administrativas que Estado tem, necessariamente, de levar a cabo para
proteger e assegurar os direitos fundamentais.
Um outro traço que se destaca é que os Direitos fundamentais não têm só efeito vertical, não são apenas
uma forma de defesa contra Estado, mas têm também efeito horizontal na medida que podem ser
também invocados nas relações entre particulares.
Evidentemente, hoje em dia, é absolutamente essencial que Direitos fundamentais pensados na ordem
interna possam também apoiar-se em mecanismos de proteção internacional e contextualização
internacional e que tem havido evolução contínua destes mecanismos que consagram indivíduo enquanto
sujeito de Direito Internacional. Esta ideia de que indivíduo é sujeito de direito internacional surge na
sequência da convenção de Helsínquia e direito de ingerência humanitária. É necessária
complementaridade de proteção interna com proteção internacional, isto é, que haja um outro degrau a
que cidadão possa aceder.

Liberdade dos Antigos e Liberdade dos Modernos

Podemos distinguir, então, entre a liberdade dos antigos e liberdade dos modernos. Estas são expressões utlizadas
por um autor chamado Benjamin Constant que fez um discurso no início do séc. XIX (1819), tentando distinguir
estes conceitos.

Liberdade dos antigos Liberdade dos modernos


Na Liberdade dos modernos, temos necessidade de estabelecer diferença entre Direitos estamentais e direitos
universais. A liberdade dos modernos corresponde a esta ideia dos direitos universais e estes podem ser DLG,
DESC, direitos de 3ª e 4ª geração. Esta liberdade dos modernos não pode deixar de ser considerada com esta ideia
de proteção internacional.

Esquema:

Liberdade dos Liberdade dos Modernos


Antigos
Direitos Estamentais Direitos Universais
DLG DESC 3.ª 4.ª
Geração Geração
Proteção Internacional

Vasak (importante na elaboração na DUDH) e Bobbio falaram bastante desta distinção de direitos.

Os DLG correspondem aos Direitos de 1ª geração e os DESC aos direitos de 2ª geração.

Os Direitos de 3ª e 4ª geração, apesar de surgirem cronologicamente depois dos primeiros, não são direitos que se
distingam pela sua natureza entre sim, mas distinguem-se entre o bem/ objeto que visam proteger.

Exemplos de direitos de 3ª geração: direito de proteção de dados, direito de ambiente

Exemplos de direitos de 4ª geração: direito de identidade genética

Distinguimos os Direitos de 1 ª e 2ª geração de acordo com a sua respetiva natureza, de acordo com aquilo que
exigem por parte do Estado, apesar de mesmo os DLG exigirem alguma intervenção por parte do Estado.

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- Qual o lema da revolução francesa? Liberdade, igualdade e fraternidade.

Costuma dizer-se que Direitos fundamentais de 1ª geração, isto é, os DLG correspondem à ideia de liberdade.

Os Direitos fundamentais de 2ª geração (DESC) corresponderão à ideia de igualdade.

Os Direitos fundamentais subsequentes, isto é, Direitos fundamentais de 3ª geração em diante corresponderão à


ideia de fraternidade. Estes direitos resultam de um olhar diferente para os outros membros da comunidade.

curioso que estas 3 gerações identificadas por Vasak, depois muito discutidas por Bobbio, possam ter este
fundamento nos três elementos do mote da revolução francesa. Isto, nomeadamente, porque entre DLG e DESC temos
diferença da natureza e os direitos de 3ª e 4ª geração distinguem-se não pela estrutura, mas pelo seu objeto.

Há quem entenda que podemos ter direitos de 5ª geração que corresponderiam ao direito dos povos e direito de

autodeterminação estes podem não ser considerados Direitos fundamentais por certos autores. Porque será
que isso pode acontecer tendo em conta a definição de direitos fundamentais que já tratamos? Isso poderá
acontecer porque nestes direitos não há titularidade individual. Nós pensamos aqui em Direitos fundamentais
associados à ideia de titularidade individual (“individualmente consideradas”), e por isso não teríamos forma de
incluir estes direitos.

Uma outra derivação destas conceções históricas porque estas estiveram sempre ligadas a conceções filosóficas
diferentes e, por isso, podemos encontrar várias teorias que tinham como denominador comum uma aceitação da
inerência dos direitos fundamentais do homem, isto é, a ideia que o Estado só reconhece direitos.

Vamos falar de teorias que tentam explicar Direitos fundamentais e que, em termos puros, parecem inconciliáveis,
mas depois temos de chegar a determinado ponto que permita cruzá-las e ter um conceito denso de direitos
fundamentais.

Teorias:

Teoria clássica liberal- os Direitos fundamentais têm, pura e simplesmente, uma matriz individualista.
Neste sentido, esta teoria apenas olha para dimensão subjetiva dos Direitos fundamentais. Direitos
fundamentais são direitos de defesa o quanto ao Estado, preservam área imune ao poder do estado e tem
esta matriz fortemente individualista.
Teoria dos valores- apresenta os Direitos fundamentais como princípios objetivos de organização da
sociedade. Deste ponto da vista, é quase simétrica à teoria anterior. Vai menorizar dimensão objetiva e
preponderar a dimensão subjetiva. Esta teoria antagónica da teoria clássica liberal, ao longo do tempo, foi
utilizada para justificar regimes autoritários porque permitia que os Direitos fundamentais fossem ou não
previstos de acordo com “ditadura dos valores” porque depende dos valores em que cada momento são
considerados.
Teoria institucional - os Direitos fundamentais perduram, e permanecem no tecido social e devem ser
encarados como instituições.
Teoria democrática funcional- teoria funcionalizada, sendo que Direitos fundamentais são funcionalizados
tendo em conta a ideia da democracia. Os direitos fundamentais têm a função de educação e
aperfeiçoamento da democracia. basta apensar no artigo 46.º n.º 4 da CRP- proibição de criação de
associações que perfilhem ideologias fascistas. O referente desta teoria funcionalizada é a democracia.
Teoria socialista e marxista- pressuposto desta conceção é que os Direitos fundamentais servem uma
transformação de radical entre classes. Nesta conceção, há funcionalização e o seu referente é a economia
e ideia de luta de classes.

estas duas últimas teorias são funcionalizadas, apesar de estarem em causa valores diferentes.
Teoria social- aparece no séc. XX, através de autores como Robert Alexy, Peter Häberle, Habermas é que
influenciou muito o Gomes Canotilho em Portugal. De acordo com esta teoria social, os Direitos
fundamentais têm três vertentes: individual que seria dimensão subjetiva, isto é, a matriz individualista dos

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direitos de defesa; vertente institucional que buscaria a teoria de valores e institucional e olharia os
Direitos fundamentais como princípios de organização social; e vertente processual que é novidade da
teoria social e que vem dizer que para além de ideia de liberdade, princípio objetivo de organização social,
temos a perspetiva que os cidadãos têm direito a determinadas prestações do devidas pelo Estado. Os
cidadãos podem não ter direito a resultado final vantajoso, mas têm direito a que Estado se organize de tal
forma que permite efetivação de direitos. Esta teoria não desvaloriza o resultado, mas valoriza o
procedimento como se alcança esse resultado. Se pensarmos no âmbito do procedimento administrativo, o
direito à audiência, direito à audiência prévia, é forma de dizer que participação no procedimento
administrativo já é situação de vantagem, ainda que o resultado final não seja do agrado do particular.

-Todas estas teorias, numa Constituição compromissória como a nossa, têm de acentuar que o papel do Estado é,
necessariamente, diferente, mas que importa que este Estado tenha objetivo de limitar determinados poderes de
formas a permitir efetivação dos Direitos fundamentais. Quando estamos a falar desta proteção que o Estado
deve adotar e quando estamos a falar da eficácia horizontal e vertical, estamos longe daquilo que era a perspetiva
de que os Direitos fundamentais só tinham eficácia horizontal apenas em certas circunstâncias, por exemplo no
caso, favor laboratoris. Estado, entre trabalhador e empregador, deve proteger o trabalhador porque é parte
desprotegida. Entre senhorio e inquilino, cabe ao Estado proteger o inquilino porque é parte mais fraca. Temos de
olhar para os direitos fundamentais de forma diferente, não apenas na forma em que Estado apenas protege uma
das partes nas relações com outros particulares. Os Direitos fundamentais são mais que isto. Têm eficácia vertical e
horizontal, independentemente da posição relativa subjetiva das partes.

Questão diferente é saber se da previsão dos Direitos fundamentais emergem deveres de proteção para o Estado.
Estado tem dever de proteger as partes? - questão para ser tratada mais adiante.

Todas estas teorias (e a necessidade de encontrar teoria que possa combinar o que interessa) numa constituição
compromissória são ainda mais difíceis de unificar. Temos um critério de unidade que é o facto de artigo 1ª da
CRP dizer que o fundamento do Estado de Direito e Estado de Direitos fundamentais dizer que é o princípio da
dignidade da pessoa humana. Este princípio da dignidade da pessoa humana, ajuda no facto de ter uma indicação,
mas não ajuda muito se começarmos a discutir o que é o próprio princípio.

Já sabemos que temos de fazer equivaler:

Estado = Estado de Direito= Estado de Direitos Fundamentais (expressão muito utilizada por Gomes Canotilho) =
Estado de Direitos Humanos (expressão adiantada por Paulo Otero)

Quando falamos aqui de Estado de direitos humanos, estamos a falar quer na perspetiva de proteção internacional,
isto é, nos direitos humanos que se sobrepõem aos direitos fundamentais, mas que não os esgotam ou podem não
esgotar. E Paulo Otero fala também da de outra aceção que é a ligação direta com a dignidade humana. Este
estado de direitos humanos terá muito que ver com a ideia dos direitos enquanto património da humanidade,
enquanto radicante especificamente nesta ideia de dignidade humana, ideia de humanização em conflitos
internacionais em cena internacional, e outras temáticas que colocam sujeito no centro do direito internacional.

O princípio da dignidade da pessoa humana

Partindo disto, dissemos que hoje iriamos falar da questão da dignidade da pessoa humana que encarna o
fundamento, nos termos do artigo 1.º da CRP da dignidade da pessoa humana.

Nota: Paulo Otero fala em dignidade humana e não dignidade da pessoa humana. Falta aqui a referência ao conceito da
pessoa e como sabemos, a personalidade nasce com nascimento completo e com vida e cessa com morte, ao abrigo do
CC. Paulo Otero com esta referência à dignidade humana pretende dizer que há determinadas situações que não admite,
independentemente de estarmos a falar de uma pessoa em sentido jurídico do CC. Diz ainda que situações como
interrupção voluntária da gravidez ou situações que tenham a ver com eficácia jurídicas post-mortem

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(onde já não há personalidade) ainda assim podem ser contrários ao princípio da dignidade humana entendido em
sentido mais lato porque se entende estas referências temporais.

Vamos utilizar a expressão dignidade da pessoa humana porque é a utilizada no artigo 1.º CRP.

Artigo 1.º
(República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade


popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

O que é a dignidade da pessoa humana e o que se foi entendendo ao longo dos tempos como sendo a dignidade
da pessoa humana?

Este princípio da dignidade da pessoa humana leva ao problema de saber como este foi concebido. Em quase todos
os Estados do direito moderno, encontramos este travejamento da constituição no princípio da dignidade da
pessoa humana.

De onde vem a origem desta expressão?

A origem deste princípio deve-se à religião, tal como o seu fundamento, porque foi com o cristianismo
que acabamos por ouvir esta expressão que depois trabalhada pela doutrina social religiosa e doutrina
social da igreja.
A dignidade da pessoa humana quando surgiu estava nos antípotas, era substancialmente contrária às ideias
defendidas pelo pensamento romano da tutela patrimonial da pessoa humana. Era dignidade que extravasa
esse contexto da tutela patrimonial e se pensarmos no âmbito do cristianismo podemos encontrar esta
referência à dignidade da pessoa humana em várias fontes. Desde logo, podemos encontrar estas referências
em fontes como as escrituras, doutrina de Santo Agostinho, a ideia do chamado socialismo cristão (Saint Simon
que vem atualizar o que encontramos desde as escrituras, novo testamento, Santo agostinho). Várias encíclicas
papais vão buscar este tema da dignidade da pessoa humana com origem e fundamento nas escrituras, mas
apresentando sempre a ideia de contrariedade com a tutela patrimonial da pessoa. Assumem sempre que a
pessoa não é apenas tutelável de ponto de vista patrimonial.
Fora deste contexto religião e católico, encontramos referências deste princípio em outros autores
como: ->Lutero- autor protestante
->Thomas Moore - defendia a inerência dos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana
->Thomas Hobbes – autor absolutista que tinha uma obra chamada “Leviatã”, que era o monstro do Estado
absoluto que resultava, em termos contratualistas, naquilo que correspondia a uma delegação de poderes
no Estado, sem possibilidade de voltar a atras. Ele defendia a existência de direitos inalienáveis e inerentes
ao próprio conceito de pessoa humana e radicava aí a ideia de dignidade
->Descartes- (cogito ergo sum) é um autor racionalista que associa a ideia do eu racional (eu que pensa) à
noção de que existe estrutura de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana
-> Pico della Mirandola – tem uma perceção do que seja dignidade da pessoa humana ligada à ideia de
direitos fundamentais dizendo que “homem tem de ser o árbitro artífice de si mesmo” (obra “discurso sobre

dignidade do Homem”) essa ideia de dignidade parece-nos centrada na ideia de liberdade, margem de
liberdade associada a cada pessoa - autonomia, autodeterminação. Deve ser o homem que arbitra, que
decide em relação a si mesmo e é ele que cria as próprias regras. És tu que decides sobre ti mesmo.

Autonomia= auto + nomos possibilidade de estabelecer regras de conduta para si próprio, ao passo que
na heteronomia há estabelecimento de regras por outrem. Autonomia ligada à ideia de liberdade e
autodeterminação, porque na autonomia sou eu que dito as minhas regras. Kant falou desta questão de
autonomia e heteronomia.
->Pufendorf vem ligar a ideia de dignidade à ideia de reciprocidade.

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->Ligado à ideia de reciprocidade, David Hume vem ligar ideia de dignidade a consentimento- dignidade da
pessoa humana serão as situações em relação às quais eu consinta.
->Blaise Pascal vem dizer que dignidade é o consentimento que cada um presta a si próprio.
->Há outros autores, na senda de Pascal, que dizem que não cabe a ninguém seguir caminho a que não se
reconheça, tal como não caberá ao Estado seguir um caminho que não reconheça.
->Numa perspetiva diferente, Alexander von Humboldt vem dizer que dignidade da pessoa humana
corresponde à ideia de estado mínimo. O mínimo que estado tem de fazer é proteger a dignidade da
pessoa humana.
->Se pensarmos em autores de séc. XIX e XX, vamos acentuar ideia de que a dignidade da pessoa humana deve
ser encontrada no âmbito da subjetividade. Aqui interessam as correntes existencialistas que elaboram o seu
pensamento a partir do exame histórico ao homem historicamente situado. Aqui a dignidade da pessoa humana
não deve ser abstratizada, mas tem de corresponder àquilo que cada um considera bom para si próprio.
Centram-se no contexto específico de cada homem. Não há uma dignidade da pessoa humana que possa ser
valorada em termos gerais, mas há formas especificas e individuais de considerar aquilo que é dignidade da
pessoa humana. Kierkegaard é conhecido como o pai de existencialismo e que foi seguido por muitos outros
como Sartre, Ortega y Gasset. Martin Heidegger tem uma obra muito conhecida que se chama “o ser e o
tempo”, e para além de ser professor de Hannah Arendt, foi ideólogo do Hitler, e é existencialista, entendendo
que temos de olhar para o homem concretamente situado. Outro autor que aplica esta ideia existencialismo à
herança cristã é Jacques Maritain. Outro autor existencialista é Ortega y Gasset.
->Encontramos várias possibilidades de entendermos que dignidade da pessoa humana tem fundamentos
diferentes, e que ela pode ser valorizada em termos abstratos e concretos, mas também houveram
correntes que tentaram desvalorizar o peso da dignidade da pessoa humana a favor do Estado, como
Niestzsche e Benito Mussolini (negam ideia da dignidade humana). São autores que defendem que não
devem existir limites ao poder do Estado, e por isso, hiperbolizam o poder do Estado e estas correntes
negativistas servem de sustentáculo aos regimes autoritários.

Hoje em dia, não concebemos Estado de Direito sem princípio dignidade da pessoa humana como seu principal
alicerce, mas continuamos com o problema de saber o que é a dignidade da pessoa humana.

Podemos pensar na dignidade da pessoa humana em 5 aceções diferentes, se olharmos para jurisprudência dos
tribunais norte-americanos e alemães. Podemos pensar em dignidade da pessoa humana enquanto:

Virtude coletiva- tem a ver com a ideia da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Cabe a um estado
mostrar como a sua sociedade valora determinadas questões (pena de morte, tortura, etc.), quais os meios
e fins.
Status institucional- determinado estatuto reconhecido pelo estado a cada um dos indivíduos. É algo que o
estado reconhece no âmbito de uma determinada sociedade.
Equidade- parte da ideia de igualdade, desde logo, igualdade fisiológica, biológica, mas é mais do que isso.
Aponta para a decisão justa no caso concreto e para a ideia de que não pode haver casos concretos com
discriminação e com criação de regras ad hoc para essas situações quando isso põe em causa a equidade.
Podemos discriminar positivamente quando isso seja justificado e negativamente quando isso seja
justificado nos termos da CRP (artigo 13º não proíbe discriminações positivas ou negativas). Devemos aqui
ressaltar a proteção acrescida de fragilidades e vulnerabilidades. Aqui dignidade da pessoa humana pode
ter a ver com dimensão dos grupos vulneráveis. Exemplos de Grupos vulneráveis: idosos, crianças,
mulheres, grupos étnicos, portadores de deficiência, etc. Cada vez se discute mais se devemos falar em
grupos vulneráveis ou pessoas vulneráveis devido à discriminação interseccional. Uma coisa é dizer que
alguém é discriminado negativamente por ser mulher. Outra coisa diferente é dizer que alguém está a ser
discriminado por ser mulher, lésbica, portadora de deficiência, transgénero e minoria étnica. Sendo assim,
dizendo que mulher pertence a grupos vulneráveis: faz sentido dizer isso ou dizer que mulher é vulnerável
devido a esta suscetibilidade de discriminação intersecional (5 fatores de potencial discriminação que se
juntam). Antes, os tribunais falavam em grupos vulneráveis, tal como o TEDH. Hoje em dia, falamos de
discriminação interseccional. Ex: mulher transgénero no campo de refugiados.

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Integridade- dignidade da pessoa humana no que diz respeito à proteção da pessoa no seu todo. Estamos a
falar de Integridade no sentido de integralidade dizendo que um único aspeto da pessoa pode obscurecer a
pessoa na sua integralidade. É impossível causar uma dissociação/ cisão entre os vários aspetos da pessoa.
Ao mexer numa das matérias, estamos a mexer no seu todo, porque é impossível dissociar esses
elementos, a dignidade da pessoa humana tutela-os na sua unidade e, portanto, apenas tocar num é tocar
em toda a ideia de integralidade.
Liberdade - equivalência da ideia a autonomia e autodeterminação. Somos autores das próprias regras. Aqui
também terá interesse a reserva da vida privada com ligação ao direito ao livre desenvolvimento da
personalidade (remissão para direitos fundamentais especiais). A reserva da vida privada é a vertente
estática do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

Qualquer uma destas aceções continua a levantar problemas, nomeadamente como levar a considerar que estamos
perante um princípio/direito catch all, isto é, estamos a alargar de tal forma as paredes do conceito de dignidade da
pessoa humana que a estamos a fazê-lo identificar como outros direitos e princípios (ex: liberdade, equidade).

Qual é a conceção atual da dignidade da pessoa humana? Qual é o consenso que podemos chegar em torno da
noção de dignidade da pessoa humana? Esta questão de consenso de contratualismo, e na busca de resposta desta
questão temos sempre a dúvida se:

por um lado, vincamos o princípio da dignidade da pessoa humana perfeitamente objetivizado OU

por outro lado, temos uma democracia acética, na qual é irrelevante o que alcançamos para efeito de
consenso comunitário, e como tal, não sabemos o que é princípio de dignidade da pessoa humana
previamente e este princípio da dignidade da pessoa humana será o que resulte de um jogo procedimental,
e de afluxo de opiniões que é a democracia.

Se não conseguimos conceito prévio de dignidade da pessoa humana, caímos no risco de democracia acética ou
agnosticismo antropológico, isto é, caímos no risco de que duvidemos que seja possível encontrar conceito de
dignidade da pessoa humana. Todos concordam que o princípio da dignidade da pessoa humana existe, mas
ninguém sabe no que consiste.

Se olharmos para os mecanismos sucessivos de previsão de direitos fundamentais nas sociedades democráticas,
temos ideia de noção alargada do que é dignidade da pessoa humana.

Podemos distinguir dois planos:

Ético- reconhecimento da dignidade da pessoa humana com aquele fundamento e origem histórica já
referido.
Jurídico- aqui não podemos ter conceito moral ou ético, tendo de encontrar algo que juridifique a
dignidade, que lhe empreste uma forma jurídica.

A dignidade da pessoa humana tem a ver com o reconhecimento intrínseco de que qualquer pessoa e em qualquer
circunstância (afasta distinção entre pessoas que existiam na antiguidade clássica- dignidade da pessoa humana não está
ligada a estatuto, regime de cidadania em especial). Hoje em dia o princípio tem essa limitação que é a ligação ao
princípio da igualdade, apesar de esta não poder ser estrita e ser ligada a justiça distributiva (tratar igual de forma igual e
desigual de forma desigual- igualdade geométrica). Neste sentido, também podemos ligar ao princípio democrático
devido a esta justiça distributiva e percebemos que ideia da dignidade tem a ver com ideia de autovalor e
reconhecimento de valor nos outros (ideia intersubjetiva em relação aos outros). Há uma outra dimensão que temos de
acentuar que é a ideia de que a dignidade da pessoa humana corresponde também à possibilidade de cada um fazer
escolhas significativas para a sua vida, possibilidade de cada indivíduo escolher o seu plano de vida (reserva

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da vida privada, direito ao livre desenvolvimento de personalidade). Se tivermos este raciocínio, vamos pela ideia
que concretização do princípio da dignidade da pessoa humana vai depender em muito do próprio titular dos
direitos fundamentais. Se olharmos para ideia de dignidade da pessoa humana mais centrado nos direitos sociais,
vamos chegar a outro tipo de conclusões, porventura, mais ligadas ao estado e esta invocação da dignidade da
pessoa humana como fundamento dos direitos sociais é cada vez mais patente. O Tribunal Constitucional tem
discutido esta matéria a propósito do rendimento mínimo para estabelecer o mínimo de existência condigna, isto
é, ideia de que é necessário que cada participante na sociedade tenha mínimo de existência condigna. Se olharmos
para jurisprudência do Tribunal Constitucional nos anos 80 e 90, estão a falar de dignidade da pessoa humana em
termos de DLG (interrupção voluntária de gravidez, integridade física, integridade pessoa, etc.). Aí temos
jurisprudência ligada aos DLG. Se formos a partir dos anos 90, vemos que jurisprudência do TC relativa ao princípio
da dignidade da pessoa humana tem a ver com direitos sociais e aí discutimos se há mínimo financeiro, mínimo de
rendimento e aí vemos o mínimo de existência condigna que atualmente está regulado legalmente.

Este princípio da dignidade da pessoa humana recobre todas estas linhas, abrangendo quer os DLG, quer os DESC, e
temos de ter em conta a necessidade e não cair no risco da democracia acética e agnosticismo valorativo. Se
admitirmos que tudo pode ser recoberto pela dignidade da pessoa humana, nomeadamente que toda a autonomia
pode ser recoberta por este princípio, temos o risco de criação de direitos fundamentais contrários à própria
dignidade da pessoa humana. É isto que temos de discutir.

Temos de distinguir aqui algumas conclusões para evitar que o princípio da dignidade da pessoa humana, para
além de ser princípio catch all, seja um knockout out argumment e conversation stopper. Isto significa que estamos
todos de acordo em relação à invocação do princípio dignidade da pessoa humana, mas não sabemos dizer no que
consiste, acabando ele por ser invocado a favor e contra a interrupção voluntaria da gravidez, morte medicamente
assistida, stop per. É importante perceber que não pode haver este risco de banalização.

A dignidade da pessoa humana faz parte de um núcleo comum dos direitos fundamentais, humidificado, tem de ser
autonomizado em relação à ética e moral.

José de Melo Alexandrino diz que é mais fácil definir pela negativa do que pela positiva. A definição pela negativa é
quase instintiva, porque achamos que sabemos o que viola o princípio dignidade da pessoa humana, mais do que
pela positiva. Este princípio tem uma variabilidade espácio-temporal, o entendimento que dele fazemos pode ir
mudando ao longo do tempo. É um conceito aberto, mas tem de ter conteúdo mínimo, não podendo cair na
banalização.

A razão pela qual devemos utilizar a expressão dignidade da pessoa humana é porque é esta que tem dimensão
jurídica e está consagrada no artigo 1.º CRP. A expressão dignidade humana utilizada por Paulo Otero pode referir-
se ao contexto filosófico, histórico, político, sociológico, etc., mas não tem dimensão jurídica.

Podemos olhar para dignidade da pessoa humana como (distinção por José de Melo Alexandrino):

Valor- valor simbólico, sempre absoluto, valor de referência


Princípio-é relativizável e podem ocorrer outras situações em que terá de ceder perante outros princípios
Regra- previsão específica, absoluta e não relativizável.

Encontramos o artigo 1.º com referência a princípio da dignidade da pessoa humana, mas depois temos regras
especificas em que encontramos referência à dignidade da pessoa humana enquanto regra e não enquanto princípio.

importante fazer esta distinção entre estas aceções porque os equívocos nesta matéria dizem respeito ao facto
de confundirmos se estamos a falar da dignidade da pessoa humana enquanto valor cultural, filosófico, simbólico,
enquanto princípio ou enquanto regra.

Caso Lăcătuş v. Switzerland- caso decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem com aplicação da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem. É um caso recente que nos leva a olhar para questão da dignidade da pessoa humana
numa perspetiva de confluência/articulação. Isto porque, para além da dignidade da pessoa humana,

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vemos tratada questão de vulnerabilidade, e esta última, em termos que envolvem, por um lado, ideia de
tratamento e penas degradantes e desumanas e, por outro lado, questão de eventual discriminação interseccional,
isto é, alguém que preenche várias situações de vulnerabilidade acrescida. No caso, estamos a falar de alguém da
etnia Roma (população cigana) e que tem dado origem a variadíssimas decisões do TEDH.

Se nós olharmos para as primeiras decisões e até primeiras decisões jurisprudenciais sobre matéria da dignidade da
pessoa humana, inclusive no TC, encontramos a dignidade da pessoa humana ligada a ideia de DLG, ou seja, ligada à
questão da integridade física, de liberdade corporal, etc. Mas cada vez mais a ideia da dignidade da pessoa humana,
que pode ser vista enquanto valor, princípio, regra, vai de algum modo se afastando dos DLG para se entrosar nos
DESC. Esta ideia de vulnerabilidade ligada a dignidade da pessoa humana aparece não tanto ligada às DLG, mas aos
DESC. Há, nomeadamente, perspetiva do mínimo de existência condigna que está em causa na decisão dos TEDH,
porque estamos a falar de situação relacionada com possibilidade de conseguir meios de subsistência. Está em causa a
ideia de pobreza extrema e o contexto de pobreza tem vindo a ser muito discutido, precisamente, como contexto em
que dignidade da pessoa humana e ideia da vulnerabilidade trazem necessidade especifica de atenção.

Neste caso, temos uma mulher da etnia Roma que viola uma lei que proíbe e pune o comportamento de pedir esmola.
Existem vários argumentos que fundamentavam essa proibição. Um dos argumentos dos tribunais tem a ver com a não
atratibilidade para os turistas. Quando falamos destas matérias de Direitos Fundamentais, está em causa o princípio da
dignidade da pessoa humana, que quer em termos gerais, quer na nossa CRP, será sempre fundamento
e esteio dos Direitos Fundamentais, está em causa critério que encontramos para resolução de conflitos de
direitos e colisão entre direitos e bens.

Os argumentos que aparecem envolvidos na discussão do caso são a dignidade da pessoa humana, reserva da vida
privada (argumento invocado por uma das partes, apesar de mais tarde TEDH vir a rejeitar esse argumento), proteção
dos Roma, vulnerabilidade, ordem pública, wellbeing e ideia de contrato social como densificar livre ensemble.


Lei que proíbe de pedir esmola é uma lei restritiva. Mas de que direito? É utlizado um argumento de liberdade
de expressão à contrário e parece estranho porque não parece que isso seja isso o que esteja em causa no ato de
pedir esmola. Mas parece que esteja sim em causa a integridade física por via de insuficiência dos meios de
subsistência e o tal mínimo de existência condigna - direito que não vem expresso como tal em textos
internacionais diretamente ou no texto constitucional português. Mas o TC tem ido ao princípio da dignidade da
pessoa humana e retira este direito de lá. Parece fazer mais sentido a autonomização deste direito a partir do
Princípio da dignidade da pessoa humana do que invocação da liberdade de expressão ou direito de reserva da vida
privada. Não parece que pedir esmola seja exercício do direito à reserva da vida privada ou exercício do direito à
liberdade de expressão. Parece fazer mais sentido que pensemos nesta questão em termos de articulação de
dignidade da pessoa humana e vulnerabilidade. E essa ideia de vulnerabilidade densifica aquilo que é limite
mínimo dessa existência conforme à dignidade humana.

Voltamos outra vez à perspetiva de que dignidade da pessoa humana não tem a ver apenas com questões que se
discutiam no início da invocação do princípio da dignidade da pessoa humana e transfere-se para ideia dos direitos
sociais.

A dignidade da pessoa humana está prevista no artigo 1.º da CRP e pode ser valor (absoluto), princípio
(relativizável, compaginável com outros princípios) ou regra (absoluto).

Temos duas linhas de evolução:

Por um lado, temos a perspetiva de passarmos da invocação da dignidade da pessoa humana ligada a DLG
para passar a uma invocação da dignidade da pessoa humana ligada aos DESC. Trata-se de uma perspetiva em
que podemos falar da dignidade da pessoa humana ligada às duas categorias dos Direitos Fundamentais, e que
no que diz respeito aos DESC nos aparece novo direito que resulta do princípio da dignidade da pessoa humana.
Quando dizemos novo direito (direito ao mínimo de existência condigna), este novo direito que aparece,
essencialmente, como trabalho da jurisprudência constitucional, e previsto através de regra

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(encontramos através da interpretação do TC). E enquanto regra, tem outra vez caráter absoluto e, nos
termos de jurisprudência do TC, sabemos a quanto corresponde em termos quantitativos no Ordenamento
Jurídico português este mínimo de existência condigna, este mínimo de sobrevivência em termos
económicos. Deixamos de ligar o princípio da dignidade da pessoa humana a interrupção voluntária de
gravidez, transplante de órgãos, tudo isso respeitante a DLG e passamos cada vez mais a ouvir invocação
do princípio da dignidade da pessoa humana quanto aos DESC, crise económico-financeira, mínimo de
existência condigna.
Por outro lado, temos uma segunda linha de evolução muito trabalhada pelo TC. Há sempre tensão em
saber se dignidade da pessoa humana deve ser valorada em abstrato, ex ante pelo Estado, isto é, se é o
Estado que diz o que é ou não conforme à dignidade da pessoa humana ou se deve haver aferição mais
próxima àquilo que corresponda ao que os cidadãos entendem, nomeadamente se dignidade da pessoa
humana podem envolver situações de autolimitação ou autorrestrição de direitos.

Se pensarmos em algumas decisões do TC, convém perceber a orientação em termos do método que
Tribunal tem seguido quanto à invocação do princípio da dignidade da pessoa humana. O TC em Portugal,
seguindo linhas do TEDH, tem indicado que o princípio da dignidade da pessoa humana tem
multifuncionalidade, isto é, o TC tem tentando navegar entre as várias interpretações da ideia da
dignidade da pessoa humana e tem interpretado este conceito de uma forma adequada, porque o TC não
tem retirado toda a margem de apreciação ao legislador. Uma das questões que se levantava neste caso
do TEDH era se legislador tinha ultrapassado margem de apreciação possível. O TC tem dito que há
margem que cabe ao legislador definir quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana e há uma
margem que cabe a cada pessoa definir. O TC diz que temos na nossa CRP um princípio estrutural da
República portuguesa que é a dignidade da pessoa humana, mas isto não significa que legislador ordinário
não tenha competência para tratar matérias que dizem respeito a esta definição, esta densidade. O TC tem
vindo dizer em alguns acórdãos que este princípio estruturante da dignidade da pessoa humana tem de
ganhar densidade através de suas concretizações, em princípios especais, regras, etc. Aquilo que TC tem
feito na multifuncionalidade deste princípio é dizer que a este princípio cabem as funções diferenciadas,
ou é fundamento de regras tendo função normogenética (princípio que gera outras normas porque serve
como critério de interpretação, critério de integração, porque explicita normas que legislador constituinte
não expressou de forma tao correta, e neste sentido TC tem chamado atenção para isto).

Exemplo: no acórdão 151/92, o TC, sobre direito à habitação, vem dizer que este direito se funda na dignidade da pessoa
humana, naquilo que a pessoa realmente é, um ser livre com direito a viver dignamente e existe mínimo que Estado
deve sempre satisfazer. O direito à habitação (DESC), no acórdão 420/00, vem dizer este direito, embora sendo direito
cuja realização gradual é colocada sobre reserva do possível, constitui tarefa do estado porque se funda na dignidade da
pessoa humana. Isto significa que estamos longe da invocação de outros casos como, por exemplo, o acórdão 6/84
(interrupção voluntária de gravidez). E vem dizer-se que o princípio da dignidade da pessoa humana se espraia em tudo
o que é Direitos Fundamentais. TC tem vindo assumir que este princípio constitucional de respeito pela dignidade da
pessoa humana, mais do que fundamento, é princípio inspirador dos Direitos Fundamentais. Temos depois, mais em
especial em relação aos DESC, os acórdãos 232/91 e 349/91, nos quais o TC vem dizer que respeito incondicional pela
dignidade da pessoa humana não tem a ver apenas com liberdade, mas exigem antes do mais um mínimo de
sobrevivência - esta ideia do mínimo de sobrevivência TC tem ido buscar ao artigo 1.º e artigo 63.º (direito à segurança
social). Outro acórdão que TC fala de respeito do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da
pessoa humana é o acórdão 583/00.


Anos 80 acórdãos em que dignidade da pessoa humana aparece ligada aos DLG

Anos 90 em diante acórdãos em que dignidade da pessoa humana aparece ligada aos DESC.
Evolução da jurisprudência do TC- deixamos os DLG, integridade física, e parte muito grande que TC falou de reação
entre dignidade da pessoa humana e Direito Penal e vamos encontrar novas formas de olhar para os Direitos
Fundamentais. Isto relaciona-se com a primeira linha de orientação.

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Retomando à segunda linha de orientação, temos a perceção de que dignidade da pessoa humana não é algo de
apriorístico, mas tem de ter em conta aquilo que cada um sente como sendo a sua Dignidade. Como acórdão
importante nesta linha, temos o acórdão 105/90 em que TC vem dizer que ideia de dignidade não é algo de
apriorístico, mas é algo se vai fazendo, algo que vai assumindo dimensão cultural, referindo-se a ideia de civilização
ocidental, mas também esclarecendo que apesar de haver esta interpretação de influência histórica, cultural, o TC
tem vindo dizer que há uma ligação incindível entre dignidade e autonomia pessoal. E como tal, nesta ligação o que
está em causa é que conceito da dignidade não é descritivo e existem muitas controvérsias quanto à sua aplicação
(de valoração ética), e esta discussão quanto ao que se considera “vida humana boa” tanto para indivíduos como
para as sociedades, corresponde ao facto de que o princípio da dignidade não é mais nem menos que o veículo de
decisão ética sobre admissibilidade ou inadmissibilidade de eventuais limitações quanto a esta
autodeterminação individual. Dependerá muito o conteúdo que encontremos para este princípio da dignidade
que, obviamente, será muito diferente consoante tenhamos visão liberal individualista ou visão paternalista do
conceito de dignidade da pessoa humana. Este conflito entre estas visões, temos de perceber que em geral, mas

também no caso da CRP, temos atualmente um direito que é o previsto no artigo 26.º direito ao livre
desenvolvimento da personalidade. Este conflito entre noção mais liberal e individualista e noção paternalista há
de ter em conta ideia de que se legislador constituinte em 1997 consagrou este direito e isso não pode deixar de
ser visto como decisão valorativa fundamental, que em caso de dúvida, leve a favor da liberdade de atuação e é
isso que TC disse no acórdão 105/90 que vem dizer que princípio da dignidade da pessoa humana é aberto,
sublinhando necessidade de reconhecer pluralismo mundividencial de conceções. Portanto, ao invés de alguns que
falam na imagem de homem único na lei fundamental, outros vêm considerar que temos de entender que princípio
da dignidade da pessoa humana deve, apesar de tudo, ser compatível com diversidade de mundividências e, deste
ponto seria o contrário daquilo se chamam os ficais-mos políticos, religiosos e filosóficos.

Sintetizando, o princípio da dignidade da pessoa humana é princípio fundamental e estruturante no ordenamento


jurídico português e na CRP, e isso tem vindo a ser referido pelo TC. É um princípio com uma aplicação de
multifuncionalidade, podendo ser gerador de outras normas, exercer função de interpretação ou ser invocado de
forma direta. Quando invocado de forma direta, em virtude da evolução no nosso ordenamento jurídico,
encontramos duas linhas de evolução do TC:

*por um lado, a invocação está cada vez mais ligada aos DESC;

*por outro lado, a ideia de que dignidade da pessoa humana não pode ser fórmula vazia e temos de discutir se ela
deve ser utilizada como forma de potenciar ou limitar liberdade individual ou utilizada de forma paternalista
invocadas por parte do Estado. O TC tem andado entre estas várias linhas, apesar de acórdão 105/90 ter sido claro
a rejeitar o paternalismo, mas há acórdãos posteriores em que TC faz alguma inflexão. A questão é saber se o TC
tem legitimidade para escolher um modelo predeterminado de homem a seguir, mas essa é a discussão que estará
sempre em causa quando falamos daquilo que é o modo como os princípios constitucionais são atuados, aplicados,
aplicáveis e vistos pelo nosso TC.

Veremos depois quando falarmos de algumas situações de afetação de direitos fundamentais, nomeadamente
quanto à questão de autolimitação e renúncia, e isto tem a ver com modo como configuramos o princípio da
dignidade da pessoa humana.

Dúvida:
Teoria da fórmula objeto (Durig)- o TC, muitas vezes, vem falar desta matéria da teoria de Durig. Durig vem dizer que
dignidade da pessoa humana é uma fórmula objeto, e aqui temos de densificar o que está nessa fórmula, e o que é
aplicado por essa fórmula objeto. Encontramos grandes discussões na doutrina em torno dessa fórmula objeto e votos
de vencido no TC em relação a esta fórmula. E por isso, professora, diz que não pode ser fórmula vazia. Esta teoria vai
inspirar-se em Kant. Kant dizia que os homens não podem ser utlizados enquanto meios, mas considerados como fins em
si mesmos. Durig vem dizer que podemos ter núcleo material mínimo de dignidade pessoal que há de ter garantia num
estado de Direito e não depende da conceção que própria pessoa tenha da sua dignidade. Este

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núcleo de situações que num Estado de Direito deve ser reconhecido tem de ser determinado à priori e não depende da
conceção que cada pessoa tenha da sua dignidade. Esse núcleo corresponde a situações em que Homem concreto
ᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀ鐀ħᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀ reduzido à condição de objeto e simples meio. Quando o Homem é
reduzido a simples meio, Kant entende que essa situação determina a violação do respeito pela dignidade da pessoa
humana. Enquanto Kant fala na ideia de utilização do Homem enquanto meio, Durig vem falar na redução do Homem à
condição de objeto, ideia de fórmula objeto. O problema é que a fórmula objeto é demasiado abstrata e pode ser
fórmula vazia onde pode caber tudo. Temos é de determinar e saber quais situações em que a pessoa é tratada como
pessoa e objeto, mas provavelmente a valoração de cada pessoa também há de ter algum contributo para a
determinação do que seja deste conteúdo da forma. Muitas vezes quando o TC em alguns acórdãos em que utiliza esta
fórmula objeto (acórdãos 426/91 e 89/00), e diz que há fórmula objeto e homem não pode ser considerado objeto. Mas
quem define essas situações intoleráveis que Estado de Direito tem de garantir que homem não é utilizado como
objeto? Há ou não relevância daquilo que cada um pensa para esta aferição? Temos vários exemplos de acórdãos de TC
em que recusa ideia paternalista de dignidade e há outros em que TC vai buscar a fórmula de objeto e esta acaba por ser
fórmula vazia em que nós não conseguimos perceber o que pode ser incluído/ envolvido nesta fórmula de objeto.

Direitos Fundamentais

Partimos da noção de Jorge Miranda que define os direitos fundamentais enquanto posições jurídicas subjetivas
das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição.
Decompondo o conceito:

Posições jurídicas subjetivas corresponde à ideia de que os direitos fundamentais são situações ativas do
indivíduo e serão sempre situações de vantagem para os particulares;
Posições jurídicas
→ subjetivas são posições das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente,
consideradas aqui permite-nos fazer distinção entre titularidade e exercício dos direitos fundamentais.
Exemplo: caso de direito de reunião ou associação há titularidade individual, mas ambos os direitos têm de
ser exercidos coletivamente. Liberdade de associação é liberdade de associar a outrem. A titularidade
deste direito/ liberdade é individual, mas o seu exercício é coletivo;

Assentes na Constituição significa que os direitos fundamentais, para ser qualificados como tal, têm de
ser encontrados na Constituição, lei fundamental. O conceito de constituição que podemos utilizar aqui
não é unívoco. Podemos distinguir entre Constituição material e Formal e, por isso, podemos distinguir,
igualmente, entre direitos fundamentais materiais e direitos fundamentais formais. Situação ideal seria de
sobreposição de direitos fundamentais materiais e direitos fundamentais formais. Seria ideal que todos os
direitos fundamentais materiais sejam transpostos para a Constituição formal e que todos os direitos
fundamentais que estejam previstos na Constituição formal correspondam a direitos fundamentais
materiais. A verdade é que podemos encontrar opiniões diversas. Para Jorge Miranda, todos os direitos
fundamentais formais são também materiais, isto é, todos os direitos fundamentais inseridos na lei
fundamental formal são também direitos materiais, mas proposição inversa já não ocorre. Mas Vieira de
Andrade defende a existência de um exemplo em que a Constituição prevê um direito fundamental formal
que não é direito fundamental material – artigo 23.º CRP.
Este conceito não é simples, mas é conceito correto.

José de Melo Alexandrino tentou elaborar definição mais simples de direitos fundamentais ainda que partindo da
definição de Jorge Miranda, mas deixando de lado alguns elementos. Ele define os direitos fundamentais como
situação jurídicas das pessoas perante os poderes públicos consagradas na Constituição. A Parte inicial e final da
definição não levanta nenhum problema. Crítica: há aplicabilidade e vinculação a entidades privadas também, tal
como está previsto no artigo 18.º n. º1 CRP. Temos em causa na leitura do artigo 18.º quanto a vinculação de
entidades públicas e privadas que não há nenhum passo em que diga que vincula as entidades públicas e mais ou
menos as entidades privadas- onde o legislador não distinguir, não cabe ao intérprete distinguir. Os direitos
fundamentais não têm apenas eficácia vertical, mas também têm eficácia horizontal. Esta definição atrai pela

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simplicidade, mas parece ter perspetiva redutora e muito tradicional dos direitos fundamentais. Os direitos
fundamentais começaram por ser trunfos contra o estado, trunfos contra maioria, forma de proteção de minorias,
mas isso já não é assim. Esta ideia de vinculação das entidades privadas e de eficácia horizontal que se soma à
eficácia vertical veio da expressão alemã drittswirkung. Esta eficácia horizontal define-se pela suscetibilidade de se
poder também vincular entidades privadas.
Apesar de esta definição ser mais apelativa simples, pode pecar por ser redutora.

Nota de apreciação: Há duas situações que podem justificar a restrição dos direitos fundamentais: colisão (situação
em que temos direito de um titular e bem do Estado ou comunidade) e conflito (embate entre direitos de 2 ou mais
titulares). A definição de José melo alexandrino por descartar a parte da vinculação de entidades privadas, no
fundo centrava-se apenas na situação de colisão, de contraposição entre direito e bem do estado e da sociedade.
Se acolhêssemos esta perspetiva, isso significaria que não teríamos critério relevante para efeito da resolução de
conflitos que como sabemos é o critério de concordância pratica e ponderação casuística.

Vamos continuar com definição de Jorge Miranda embora possamos introduzir elementos de simplificação para
percebermos o que está em causa.

Características que normal ou tradicionalmente, ao longo dos tempos a doutrina tradicional foi apontando
/associando aos direitos fundamentais:


São fundamentais primeira característica resulta do próprio conceito e não devia ser autonomizada
nestes termos porque faz parte do próprio conceito e própria definição de direitos fundamentais, e por
isso, não devia ser tratada nesta sede. A doutrina tradicional aponta como primeira característica dos
direitos fundamentais é o facto de eles serem fundamentais, ou seja, de estarem previstos materialmente
ou formalmente na Constituição, na lei fundamental. Ou integramos ideia de fundamentalidade no lado da
definição, conceito ou identificamo-lo como caraterística. Se integramos num lado, não fará sentido
autonomizarmos como característica.

direitos fundamentais são universais encontramos a ideia de que os direitos fundamentais têm
titularidade universal no artigo 12.º da nossa CRP que vem consagra constitucionalmente este princípio da
universalidade.
Artigo 12.º
(Princípio da universalidade)

Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.

Convém não confundir titularidade universal de direitos com suscetibilidade de direitos particulares que,
naturalmente, só são passíveis de ser reconhecidos a determinadas pessoas. Exemplo: Direitos previstos
para crianças e jovens na CRP já não são aplicáveis a pessoas com 50 anos. Há que perceber diferença entre
universalidade de direitos (artigo 12.º) e delimitação da particularidade de definição dos direitos.


direitos fundamentais são pessoais significa que não se admite delegação do seu exercício. Ninguém
pode dizer a outrem que é titular de direito a vida, mas que ele vive por ele e que vai delegar o seu
exercício na outra pessoa.
Questão relacionada: É admissível, desde 2012, as diretivas antecipadas de vontade visam que possa
antecipadamente em relação a um momento que esteja incapaz determinar o que quero que possa
acontecer em relação a cuidados da minha saúde. Estas podem ter 2 modalidades:
*testamento vital - ideia será dizer neste momento o que quero que me aconteça em situação de
incapacidade;

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*nomeação de procurador de cuidados de saúde – possibilidade de dizer que se estiver incapaz, quero que
X decida por mim.
Esta questão tem sido discutida neste âmbito da ideia da pessoalidade dos direitos fundamentais, isto é,
tentar perceber se estas funções do procurador dos cuidados de saúde podem implicar ou não delegação
de exercício por parte do titular nestes direitos. Há fórmula alternativa de que direito está a ser exercido no
momento que se nomeia procurador de cuidados de saúde.
direitos fundamentais são permanentes- nós não temos direitos fundamentais temporários. Os cidadãos
são titulares de direitos fundamentais enquanto posições jurídicas permanentes desde que haja o tal
vínculo, nomeadamente de cidadania, por exemplo.

direitos fundamentais não têm carater patrimonial são em si mesmos insuscetíveis de avaliação
pecuniária. O que é insuscetível de avaliação pecuniária é o direito em si (não sei dizer quanto vale em si o
direito à vida). Coisa diferente é avaliação pecuniária dos danos causados a direitos. Uma coisa é dizer que
o direito em si não consigo avaliá-lo em termos pecuniários porque não tem carater patrimonial. Outra
coisa é dizer que se houver violação deste direito consigo avaliar patrimonialmente em termos pecuniários
a lesão e por isso posso conceder indemnização no caso de lesão do direito à vida provocado por acidente
rodoviário, por exemplo. Mas essa é avaliação do dano, lesão causada e não avaliação do direito e si
mesmo. Eu não sou capaz de quantificar quanto vale o direito à integridade física, mas há tabela que diz,
em termos de uniformidade de decisões jurisprudenciais, em quanto deve ser valorado se a pessoa perder
olho, perna, braço, mas tabela serve para avaliação de danos, e não para avaliação de direitos.

Indisponibilidade dos direitos fundamentais tradicionalmente entende-se que os direitos fundamentais são
indisponíveis. Neste caso, estamos a falar, essencialmente, em dois pontos:
-Ideia de que não podemos renunciar a direitos fundamentais
- E não podemos autolimitar os nossos direitos fundamentais.
Tradicionalmente, doutrina sempre entendeu que os direitos fundamentais são indisponíveis e que admitir
disponibilidade dos direitos fundamentais seria contrário à ordem pública. A verdade é que os direitos
fundamentais são sempre situações de vantagem, situações ativas. O titular quando entende que não
existe essa situação de vantagem, não pode renunciar, autolimitar o seu direito? Se falarmos numa
renúncia ou autolimitação, estaria em causa o mesmo fio condutor, porque renúncia é total, autolimitação
é parcial. Estas situações têm de ser analisadas minuciosamente. No Suicídio, estou a dispor ou renunciar o
meu direito à vida? Deve ser essa forma como devemos configurar essa questão? Se eu doar em vida um
órgão a alguém, isto corresponde de autolimitação de integridade física, direito à proteção da saúde.
Quando falamos em situação de renúncia (tentativa de suicídio) ou autolimitação (doações de órgãos para
efeitos de transplante em vida), temos de perceber que existe diferença essencial: uma coisa é renúncia ou
autolimitação quanto à titularidade, ouras coisa é renúncia ou autolimitação quanto ao exercício.

Exemplo: Não sou mãe. Com o facto de não ser mãe estou a renunciar à titularidade dos direitos de
maternidade previstos na CRP? Não, só não estou na situação que corresponda ao seu exercício. Podemos
distinguir estas situações de renuncia e autolimitação e se elas fazem sentido, tendo em conta o princípio
da dignidade humana e como deve ser aferida, mas temos de distinguir também titularidade e exercício.

Categorias de direitos fundamentais:

Muitos autores falam dos direitos fundamentais como trunfos da maioria, nomeadamente contra os poderes
públicos, mas também há vinculação as entidades privadas ou como cláusulas de salvaguarda.

Como podemos dividir/classificar estes direitos fundamentais?

Vários autores forma entendendo que podemos introduzir categorias de direitos fundamentais. Há várias, mas
vamos centrar-nos em algumas.

1. Quanto à fonte/local onde aparecem previstos, os direitos fundamentais podem ser:


consoante estejam previstos na Constituição material ou
formal, embora o ideal seria coincidência entre as duas 26
categorias.
Formais
Materiais

Quanto à titularidade:

Temos de distinguir titularidade do exercício.

2.1 Para Jorge Miranda, a titularidade é sempre individual, mas o exercício já não necessariamente. Exemplo:

direito de reunião ou manifestação ou liberdade de associação exercidos coletivamente.
Nem todos os autores concordam com JM quanto a esta distinção.

2.2 Há autores que defendem que podem existir direitos fundamentais:


Individuais
Coletivos/institucionais.
exemplos: artigo 40.º - serão direitos institucionais, mas não necessariamente coletivos. O que leva à base da

formação de partidos políticos/organização sindical? liberdade de associação;
Artigo 41.º n. º4- as igrejas e comunidades religiosas relacionadas com perspetiva coletiva ou
institucional; Artigo 43.º n. º4;
Artigo 46.º;
Artigo 56.º refere-se aos direitos de associações sindicais- previsão de que há dimensão coletiva
institucional. Ideia de direitos individuais que podem ser exercidos num contexto institucional- artigo 51.º
n. º5- saber se no âmbito de um partido político, podem ser exercidos determinados direitos individuais. TC
tem acórdão sobre estatuto de determinado partido se podiam votar de braço no ar. Estaria em causa
entender se previsão neste estatuto violaria o sufrágio secreto e seria aqui inconstitucional. Dimensão de
direitos a serem exercidos no contexto de uma associação.

Quanto à titularidade (relacionada com universalidade) podemos distinguir entre:

direitos comuns/ gerais/ universais


direitos particulares - conjunto de direitos que apenas certa categoria de pessoas/ titulares pode
beneficiar. Independentemente de categorizarmos determinado universo de pessoas, esta divisão não
deixa de ser feita tendo em conta e obedecendo os imperativos de generalidade e abstração. Exemplos:
artigos 68.º a 72.º. Independentemente da característica da universalidade do artigo 12.º, há direitos
particulares que se aplicam apenas a um determinado conjunto de pessoa que é definido em termos de
generalidade e abstração.

->Porque será melhor não chamar direitos universais? É provável que seja melhor não utilizar a expressão direitos
universais e utilizar as restantes, porque uma das características de qualquer direito é a ideia da universalidade.
Não podemos ter direitos universais em termos das suas caraterísticas e depois não são universais do ponto de
vista da categoria da sua titularidade. Universais para característica de quaisquer direitos fundamentais. E gerais/
comuns relativamente à titularidade dos direitos fundamentais que se opõem aos direitos particulares.

->Estes direitos particulares que encontramos nos artigos 68.º a 72.º estão definidos em termos de previsão clara.
Os gerais são todos os outros.

4. Quanto à força e regime:

Já falamos de gerações de direitos, mas sabemos que a classificação não é meramente doutrinal e distingue entre o
regime jurídico dos DLG
regime jurídico do DESC.

Esta distinção resulta diretamente do texto constitucional em dois sentidos:

27
a própria CRP distingue na parte 1ª os DLG e os DESC, isto é, prevê por um lado, os DLG e, por outro lado,
os DESC (quanto à previsão dos direitos);
temos na CRP previsão de regime específico para os DLG e não temos previsão de direito específico para
DESC.

Apesar de estar a ser posta em causa esta divisão pela teoria dogmática unitária dos direitos fundamentais. Esta
teoria não nega diferença de previsão na CRP entre FDLG e DESC, mas nega regime diferente. Isto é, não nega
existência das duas categorias, mas nega a existência de regimes específicos. Apesar de termos duas categorias
diferentes, são categorias que podem eventualmente ter o mesmo regime.

->Pontos de distinção entre ambos:

*A diferença entre DLG e DESC tem assento/previsão expressa na CRP e esta distinção resulta em termos de
previsão do Estado liberal, por um lado e Estado social, por outro.

*Há quem diga que DLG são exercidos contra o Estado e DESC são exercidos através do Estado (necessário que
estado efetue determinadas prestações);

*Há quem diga que DLG impõem-se fundamentalmente ao legislador, enquanto os DESC dirigem-se essencialmente ao
juiz (evidente no sistema brasileiro que juiz tem função muito grande de concretização dos DESC).

*Vimos que há quem diga que DLG e DESC se podem distinguir se formos pegar no mote da Revolução francesa,
nos quais os DLG correspondem à liberdade, os DESC à igualdade, e os direitos de 3ª geração correspondentes à
ideia da fraternidade, solidariedade e nova forma de vivência em comunidade.

Quanto à titularidade, temos na CRP, este acolhimento por parte do Legislador Constituinte estas duas categorias,
DLG e DESC. Depois os direitos de 3ª e 4ª geração distinguem-se em termos cronológicos pelo modo como surgem
e não pela sua estrutura, natureza.

Conceitos afins

Vamos falar nas possibilidades de distinguirmos direitos fundamentais de figuras afim. Os direitos fundamentais
têm natureza abrangente e é natural utilizar que se confunda com outras figuras ou se utilize mesma designação
erradamente. Todas estas são situações em que podemos ter grau de sobreposição, mas verdadeiramente não
correspondem enquanto tal a direitos fundamentais.

Direitos fundamentais Vs. Direitos naturais Vs. Direitos Civis

Muitas vezes ouvimos falar dos direitos fundamentais como direitos naturais. Historicamente, tendencialmente,
aqui os direitos fundamentais correspondem a conjunto de direitos ditos inerentes ao homem por terem essa
condição existencial e há contraposição dos direitos naturais aos direitos civis que resultam de o homem viver em
comunidade/ sociedade (Exemplos: participação pública, direito ao sufrágio). Os direitos naturais não podem ser
utilizados para nos referirmos a direitos como o direito do artigo 35.º da CRP respeitante à proteção de dados
pessoais face à informática. Este direito do artigo 35.º nem é um direito natural, quando muito seria direito civil
que corresponde a esta inserção na sociedade por outro lado, e por outro lado, não tem a ver com simples
condição existencial do homem.

Nos direitos civis, temos direitos que resultam da vida em sociedade e que podem ser remontados à ideia de
contrato social. Há muitos direitos fundamentais que não se esgotam nos direitos civis, embora os direitos civis
sejam figuras afins. Os direitos fundamentais têm sempre de ter assento constitucional, o que pode não
acontecer com os direitos civis e direitos naturais. Podemos ter direitos fundamentais que são civis ou naturais e
podemos ter direitos civis ou naturais que não são direitos fundamentais.

28
Direitos Fundamentais Vs. Direitos subjetivos públicos

Os direitos subjetivos públicos correspondem a expressão utilizada por Jellinek na sequência de forma de
participação ativa processual de cidadãos na comunidade como forma de fazer transparecer ideia de que direitos
limitam poder do Estado e obrigam a seguir determinado modelo organizativo, e deste ponto de vista, dão
expressão à eficácia vertical. Quando Jellinek, falava nesta expressão usava definição dos direitos fundamentais
semelhante à de José Melo Alexandrino (a situação da pessoa perante os poderes públicos). A noção atual de
direitos fundamentais já incorpora estes direitos subjetivos públicos pelo que não faz sentido referimo-nos a este
conjunto de direitos a nível individual, porque a nossa conceção já absorve esta ideia de contraposição aos poderes
de Estado através da eficácia vertical.

Direitos fundamentais Vs. Direitos de Personalidade

Os direitos de personalidade estão previstos no CC. Não estão previstos na CRP e não se destinam à defesa do
indivíduo contra o estado, mas destinam-se à regulação das relações entre particulares (eficácia horizontal).
Muitas vezes, acabam por ser associados aos direitos naturais. Pode acontecer que direitos deste género se
sobreponham aos direitos fundamentais, mas não há verdadeira correspondência entre estes dois tipos. Exemplo
de direitos fundamentais civis, mas que não são direitos de personalidade: direito de participação da vida pública,
sufrágio, liberdade de associação, reunião, direito de acesso à justiça (artigo 20.º), direito à cidadania (artigo 4.º e
26.º). Os direitos de personalidade têm mais que ver com eficácia horizontal. Ao encontrarmos sobreposição seria
mais com direitos naturais. Mas temos duas áreas distintas de aplicação. Direitos de personalidade dizem respeito
à eficácia horizontal e não têm previsão na CRP por si. Podemos ter direitos de personalidade que também são
direitos fundamentais. Mas nem todos os direitos de personalidade são todos direitos fundamentais e nem todos
direitos fundamentais são todos direitos de personalidade.

“Não obstante largas zonas de coincidência, não são, contudo, assimiláveis direitos fundamentais e direitos de
personalidade. Basta pensar nos demais direitos inseridos no texto constitucional que extravasam dali: o direito de
acesso aos tribunais (arte. 20.º, n. º1), o direito à cidadania (art.26.º, n. º1), as garantias de liberdade e da
segurança (arts. 28.º e segs.), a liberdade de imprensa (arte. 38.º), (…).

Mas, sobretudo, são distintos o sentido, a projeção, a perspetiva de uns e outros direitos. Os direitos fundamentais
pressupõem relações de poder, os direitos de personalidade relações de igualdade. Os direitos fundamentais têm uma
incidência publicística imediata, ainda quando ocorrem efeitos nas relações entre os particulares (como prevê o art. 18.º,
n. º1, a ser estudado a seu tempo); os direitos de personalidade uma incidência privatística, ainda quando sobreposta ou
subposta à dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais pertencem ao domínio do Direito constitucional, os
direitos de personalidade ao do Direito civil.”
(Jorge Miranda)

Direitos Fundamentais Vs. Direitos Humanos

Os Direitos humanos são os direitos reconhecido pela ordem internacional em vigor, não têm assento constitucional ao
nível do ordenamento Jurídico de cada Estado. Os direitos humanos correspondem a situações jurídicas que o
Ordenamento internacional adere e podem ter ou não assento em qualquer outro instrumento de assento
positivo. Ao invés, os direitos fundamentais para serem direitos fundamentais tem de se encontrar,
necessariamente, positivados. Podemos falar de direitos humanos sem que encontremos instrumento positivo.
Mas não podemos falar de direitos fundamentais, pelo menos formais, sem a sua previsão na CRP. Os direitos
humanos têm vinculatividade parauniversal. Os direitos fundamentais estão dependentes do reconhecimento de
uma determinada ordem constitucional. No que diz respeito à CRP, quase todos os direitos humanos estão
previstos enquanto direitos fundamentais.

->Porquê a utilização da expressão direitos humanos e não direitos do Homem? Tem a ver com adoção de
resolução pela Presidência da República que passou a recomendar a utilização da expressão direitos humanos em
vez de direitos do Homem devido a preocupações de género. Em termos oficiais é suposto utilizar expressão de
direitos humanos.

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Direitos dos povos

A expressão dos direitos dos povos encontramos, nomeadamente, na CRP no artigo 7.º n. º3.

Artigo 7.º
Relações internacionais

Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito
dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos
conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação
com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de
agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral,
simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um
sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de
assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento,
bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.
Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.
Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da Acão dos Estados
europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os
povos.
6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado
de direito democrático e pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da
coesão económica, social e territorial, de um espaço de liberdade, segurança e justiça e a
definição e execução de uma política externa, de segurança e de defesa comuns, convencionar o
exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à
construção e aprofundamento da união europeia.
Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito
pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional,
nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma.

Quem são os titulares aqui? São os povos e não o sujeito individualmente considerados. Isto levantava logo o
problema para quem não admita titularidade que não seja individual, pelo que estes nunca poderiam ser direitos
fundamentais. Mas independentemente disso, o que está em causa é que os titulares são os povos e estes direitos
dos povos têm vindo a ser reconhecidos a nível internacional, sobretudo através da organização das nações Unidas.
O mais exemplificativo é o que vem no artigo 7.º n. º3, o direito à autodeterminação dos povos que vem previsto
também na CNU de 1945 (carta de são francisco) que vem desenvolvido noutros instrumentos positivos da ONU e
até no pacto internacional sobre os direitos civis e políticos e pacto internacional sobre os direitos económicos e
sociais de 1966.

Interesses difusos

Os interesses difusos correspondem a necessidades coletivas sentidas pelos vários indivíduos que compõem a
comunidade e que podem ser satisfeitas coletivamente. Exemplo: proteção do ambiente, cultura, proteção do
património cultural. Temos em causa necessidades coletivas que podem encontrar expressão em direitos
individuais porque cada um de nos tem direito a proteção do ambiente, por exemplo, mas correspondem a
necessidades coletivas sentidas pelos vários indivíduos e podem mesmo consubstanciar direito individual, mas
podem ser satisfeitas coletivamente.

Exemplo: Está em causa problema relacionado à proteção do ambiente. Podemos aqui admitir duas vias:

Alguém individualmente vá ter determinada atuação no procedimento administrativo em relação a essa matéria,
isto é, dirige-se a tribunal para efetivar a proteção do seu direito a proteção do ambiente

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ħᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀༀЀĀĀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀĀᜀ Comunidade afetada pelos fumos de determinada fabrica e
admite-se que todas as pessoas dessas comunidades se juntam para ir a tribunal impugnar esses fumos.

Temos via individual e via coletiva.

A via média é dizer que existem associações representativas de interesses difusos que vão participar no
procedimento administrativo e depois vão participar no processo administrativo/ contencioso. Estas associações

representativas surgem como via média nem é cidadão individualmente considerado nem temos de reunir
todos os cidadãos afetados por aqueles poluentes. É interesse que não é subjetivizado. Podemos ter direito
individual a que acresce este interesse difuso, necessidade coletiva passiva de ser satisfeita coletivamente. Temos
vantagem procedimental e processual nos interesses difusos. Não temos titularidade clara ao contrário do que
acontece nos direitos fundamentais.

“Trata-se de necessidades comuns a conjuntos mais ou menos largos e indeterminados de indivíduos e que somente
podem ser satisfeitas numa perspetiva comunitária. Nem são interesses públicos, nem puros interesses individuais,
ainda que possam projetar-se, de modo específico, direta ou indiretamente, nas esferas jurídicas daquelas pessoas.”
(Jorge Miranda)

Garantias

Muitas vezes falamos em DLG e achamos que é tudo a mesma coisa, mas não é.

“ Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos
são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime
constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e indiretamente, por isso,
nas respetivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na aceção
jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.” (Jorge Miranda)

Exemplos ilustrativos:

Artigo 24.º
Direito à vida

A vida humana é inviolável. direito

Em caso algum haverá pena de morte. garantia
Artigo 25.º
Direito à integridade pessoal

A integridade moral e física das pessoas é inviolável. direito

Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos. garantia

Artigo 37.º
Liberdade de expressão e informação

1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela
imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser
informados, sem impedimentos nem discriminações.
O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

garantia
As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito
criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência
dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.

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A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia,
o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Garantias institucionais

Quando falamos em garantias institucionais, falamos em modos como Constituição tem para proteger instituições
como propriedade privada (artigo 62.º), casamento, separação entre igrejas e Estado, família (artigo 67.º). O Estado deve
garantir a permanência destas instituições. Isso resulta muito claro do artigo 67.º, quanto às matérias relativas
família. Estado tem de garantir estas instituições e tendo de garanti-las, vai rodear de um determinado tipo de
proteção. Estamos a falar de princípios organizatórios do Estado para essa função de garantia que ultrapassa a
mera titularidade individual.

“Para saber então se determinada norma se reporta um direito ou a uma garantia institucional, haverá que indagar
se ela estabelece uma faculdade de agir ou de exigir em favor de pessoas ou de grupos, se coloca na respetiva
esfera jurídica uma situação ativa que uma pessoa ou um grupo possa exercer por si e invocar diretamente perante
outras entidades – hipótese em que haverá um direito fundamental; ou se, pelo contrário, se confina a um sentido
organizatório objetivo, independentemente de uma atribuição ou de uma atividade pessoal – caso em que haverá
apenas uma garantia institucional.”

Situações funcionais

Situações funcionais estão relacionadas com o estatuto de determinados titulares, agentes do Estado. Podem, por
vezes, dar origem a direitos específicos ou imunidades, mas também podem dar origem a determinados deveres ou
situações especificas de responsabilidade.

“Sob a denominação genérica de situações funcionais, englobamos as situações jurídicas, ativas e passivas, dos
titulares dos órgãos e, porventura, de certos agentes do Estado e de quaisquer entidades públicas como tais.
Englobamos situações jurídicas em que se subjetivam os estatutos inerentes aos cargos desempenhados por essas
pessoas no Estado e noutras entidades públicas.”(Jorge Miranda)

Exemplo:

Pensemos no artigo 130.º relativo ao PR:

Artigo 130.º
Responsabilidade criminal

Por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante
o Supremo Tribunal de Justiça.
A iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e
deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções.
A condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.
Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois de findo
o mandato perante os tribunais comuns.

Isto não é direito fundamental de cidadãos que exercem o mandato de PR, esta é uma vantagem de situação
funcional relacionada com estatuto de determinado particular. Não está em causa um direito fundamental do
cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, mas situação funcional da pessoa que exerce o cargo/ função de PR.

Questão dos deputados (Artigo 154º a 158º) - não são direitos dos deputados que estão em causa, mas situações
que resultam da sua situação funcional.

Artigo 158.º
Direitos e regalias

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Os Deputados gozam dos seguintes direitos e regalias:
Adiamento do serviço militar, do serviço cívico ou da mobilização civil;
Livre trânsito e direito a passaporte especial nas suas deslocações oficiais ao estrangeiro;
Cartão especial de identificação;
Subsídios que a lei prescrever.

Artigo 158.º- estes não são direitos fundamentais, são direitos que integram situação funcional no estatuto
funcional dos deputados.

Algumas situações funcionais podem ser vistas como situação de vantagem, mas não são situações de vantagem
para os cidadãos que exercem estes cargos. Elas não podem ser confundidas com situações de vantagem
enquanto tal porque são garantias de bom funcionamento dos órgãos. Ou seja, não são destinadas aos titulares
individualmente considerados, mas são garantias de bom funcionamento dos órgãos que integram.

“Distinguem-se dos direitos fundamentais – e é isso o que interessa aqui – por os direitos fundamentais implicarem
diferenciação, separação ou exterioridade diante do Estado. As situações funcionais são situações jurídicas de membros
do Estado-poder ou do Estado-aparelho (conforme se quiser), os direitos fundamentais são situações jurídicas de
membros do Estado-comunidade, das pessoas que o constituem (ainda que não especifica ou necessariamente na veste
de cidadãos). Ao passo que as situações funcionais são consequência da prossecução do interesse público e este
prevalece sempre sobre o interesse dos titulares, os direitos fundamentais só existem aí onde haja um interesse das
pessoas que valha por si, autónomo, diferenciado. Daí, em princípio, o caráter obrigatório do exercício ou da invocação
de algumas das situações funcionais e o caráter livre do exercício dos direitos
(Jorge Miranda) fundamentais.”

Deveres fundamentais

A parte 1 ª da CRP corresponde a direitos e deveres fundamentais. Mas a verdade é que temos nesta parte 1ª
previsão muitos poucos de deveres fundamentais. Não temos propiamente profusão de deveres fundamentais no
nosso sistema constitucional. Dever é necessidade jurídica de praticar ou não determinado facto.

Exemplos: dever de pagar impostos, dever e direito de defesa de pátria, dever de colaboração com Administração e
com a justiça, dever de voto (dever cívico e não jurídico- artigo 49.º n. º2), dever de defender e promover a saúde
(artigo 64.º), dever de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66º).

Exemplo de poderes deveres: educação dos filhos (artigo 36.º n. º5).

Estas posições (deveres fundamentais) distinguem-se dos direitos fundamentais na medida que criam posições
passivas e não ativas, mas o seu fundamento resulta também das teorias contratualistas que vimos quanto aos
direitos fundamentais. Aos indivíduos em sociedade não são apenas reconhecidos direitos, mas também são
impostos deveres resultantes desta vida em sociedade e esta conceção contratualista é de vários autores como
Rosseau, Locke, Kant Rawls, etc.

Alguns autores, como Walzer, dizem que para além destes deveres que expressamente estão previstos na
Constituição, podemos dizer que deveres fundamentais resultam de dever geral de obediência ao direito que
quebra e surge o direito de resistência. São Tomás de Aquino diz que o direito de resistência é aquele que surge
quando há contradição entre os comandos da lei positiva, lei natural e depois da lei divina. O direito de resistência
hoje está previsto no artigo 21º da CRP e não terá a ver com contraposição à lei divina.

Estes deveres tanto podem ser deveres de função como deveres de prestação, isto é, tanto podem ser deveres
que resultam de situações funcionais como deveres que resultam de prestações como pagamento de impostos,
serviço militar obrigatório quando exista, etc. Claro que estes deveres de prestação quando são específicos a
determinada categoria de pessoas podem ter zonas sobreposição com algumas situações funcionais.

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De alguns deveres podem surgir direitos. Melhor dizendo, no contexto de exercício de alguns deveres podemos
fazer eclodir direitos.

Exemplo: prestação de serviço militar nos termos do artigo 276.º (dever quando seja obrigatório) dá espaço para que
surge o direito de objeção de consciência (artigos 276.º n. º4 e 41.º n. º6). Destes deveres advêm direitos, situações de
vantagem para o titular. Estamos perante situação passiva em que alguém está obrigado, por exemplo, a prestação de
serviço militar obrigatório, mas nesse contexto de dever, podemos encontrar situação de direitos.

Outro exemplo é o dever de pagar impostos previsto na CRP, mas temos previsão de exceção a esse dever no artigo
103.º n. º3.

Artigo 103.º
Sistema fiscal

O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas
e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias
dos contribuintes.
Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da
Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos
da lei.

Este artigo é normalmente referido como sendo direito de resistência específico, aplicado à situação fiscal. Cessa
aqui o dever geral de obediência.

Aula aberta com Filipe Venade

Alguém tem aqui alguma deficiência ou problema ou conhece alguém que tenha?

O coração é igual para todos. Se não tivermos coração, não sobrevivemos.

Nos direitos fundamentais, é importante perceber que área das pessoas com deficiência é fruto de muitos debates.

Quem tem titularidade dos direitos fundamentais?

A CRP tem muitas vezes a palavras “todos”. Se tirarmos a palavra “todos” o que sobrava?

Quem são as pessoas com deficiência? quem tem deficiências? Que tem titularidades destes direitos? É uma pessoa
qualquer? Somos nós que temos adquirido isto ou há uma pessoa especifica que tem necessidades especiais?

Exemplos:

Artigo 71.º n. º1 CRP “Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão
sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais

se encontrem incapacitados.” quem são estes cidadãos? a pessoa surda inclui-se nesta área de cidadãos portadores
de deficiência física ou mental?

Artigo 59.º n. º1 “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções

políticas ou ideológicas, têm direito: (…)” em “todos os trabalhadores” também estão incluídas as pessoas com deficiência ou
não? Elas também são titulares deste direito ou não?


Artigo 74.º n. º1 “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito

escolar.” Pessoas com deficiência estão incluídas aqui em “todos” ou não?

Artigo 74.º n. º2 Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

34
Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando
necessário;

Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à

educação e da igualdade de oportunidades; língua gestual quem são os titulares? Só pessoas surdas ou todas as
pessoas podem ser titulares e saber a língua gestual?

Este tema da titularidade dos direitos fundamentais e dos direitos de pessoas com deficiência está em que artigo
da CRP?

Artigo 12.º

Princípio da universalidade

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.

O artigo 12.º CRP fala no princípio da universalidade. Se percebermos este princípio, percebemos toda a lógica
ligada aos outros artigos.

Artigo 12.º- “todos os cidadãos” – é uma pessoa qualquer que pode estar incluída nesta expressão. Há sempre
exceções e os artigos 14.º e 15.º falam disso pra o caso de portugueses que vivem no estrangeiro e estrangeiros
que vivem em Portugal (áreas especificas com direitos diferentes).

As pessoas com deficiência residentes em Portugal têm vários direitos certo? Se pessoa com deficiência da índia
vem para Portugal têm direitos iguais aos nossos? É titular dos mesmos direitos?

O artigo 12.º está sempre relacionado com o artigo 13.º. É impossível separar estes artigos.

O artigo 12.º é um artigo formular e diz que todos têm todos os direitos e o artigo 13.º diz que todos têm os
mesmos direitos. Porquê que o artigo 12.º diz que pessoas com deficiência podem ser titulares e o artigo 13.º fala
no conteúdo dos direitos fundamentais? Porquê? O direito pode ser diferente ou o mesmo, dependendo do
conteúdo dos direitos fundamentais. Uma pessoa qualquer é titular de todos os direitos? Porquê? porque isso está
relacionado com o facto de ser cidadão.

Comparação entre artigos 12.º e 13.º com o artigo 71.º? Há alguma ligação, relação entre eles? O artigo 71.º não é
capaz de estar dentro do artigo geral 12.º? O artigo 71.º está relacionado com a base dos direitos de igualdade
especificamente a pessoas com deficiência. Quem são as pessoas com deficiência? Qual é este conceito? Eu posso
ser titular deste direito, por exemplo da língua gestual? Outras pessoas podem ser titulares do direito de trabalho
ou outros direitos por exemplo? Como relacionamos isto com estes direitos? O artigo 12º tem algum conceito
relacionado com o gozo de direitos, certo? este conceito é igual em direitos fundamentais e direito civil? Quer dizer
o mesmo, estão os dois relacionados? (Estarão relacionados. Titularidade mantem-se igual apesar de haver
distinção entre os direitos que gozamos. - Hipótese avançada por aluno)

Artigo 71.º n. º1 in fine “(…) com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem

incapacitados.” há barreiras ou não aos direitos de pessoas portadoras de deficiência? (O problema não se
coloca quanto à titularidade, mas quanto ao exercício desses direitos em termos práticos. – Hipótese avançada por
aluna). A capacidade de exercício está limitada ou condicionada? Os direitos fundamentais estão condicionados por
causa da deficiência ou devido ao ambiente que rodeia a pessoa e por isso a pessoa não consegue ir mais longe?

A frase do artigo 71.º diz que ressalva exercício do cumprimento daqueles para os quais se encontrem
incapacitados. Como se pode avaliar as barreiras destas incapacidades? A capacidade de exercício pode estar
condicionada, pode haver barreiras à capacidade de exercício. Como se avalia especificamente isso? Como
avaliamos se situação é constitucional ou não? A base está na CRP. Onde vamos buscar fundamento para isto?

35
Exemplo: O legislador diz que pessoas com deficiência estão proibidas de votar, isto é, devido a serem pessoas com
deficiência é-lhes retirado o direito ao voto. Isto é constitucional ou não? Só pode haver restrições em casos de conflito
ou colisão tal como prevê artigo 18.º. O artigo 71.º in fine está relacionado com o artigo 18.º. Não podemos retirar o
direito a qualquer pessoa ou proibir. Tem de estar relacionado. Não pode ser por causa de uma deficiência.

Outro exemplo: O legislador diz que língua gestual é proibida na vida pública. Como avaliamos esta situação?
(violação do princípio da igualdade, devido a pessoas surdas não conseguirem fruir dos seus diretos fundamentais
da forma que a CRP os prevê- hipótese avançada por aluno) Nesta mesma situação, legislador proíbe as pessoas
surdas de acesso à língua gestual, dentro da sociedade ou escola. Isto também prejudica a pessoa?

O artigo 71.º em relação com o artigo 18.º, há mais algum artigo que possa ser relacionado aqui? Artigo 26.º n. º1
diz que todos têm direito à capacidade e desenvolvimento da personalidade. A palavra a destacar é “capacidade”
para percebermos que todas as pessoas têm direito à capacidade, mesmo as pessoas com deficiência. Isto tem de
estar relacionado com parte final do artigo 71.º n. º1. Todos estes artigos têm de estar relacionados. A restrição só
pode existir se lá estiver descrita na lei. A CRP diz que temos direitos e isto tem de estar relacionado com o que se
diz internacionalmente com os direitos das pessoas. Há muitas influências porque vivemos em sociedade e não
vivemos isolados. É importante termos em atenção ao que a CRP diz, mas também o que dizem as leis
internacionais sobre a titularidade de uma pessoa qualquer.

Nas pessoas com deficiência em geral são titulares destes direitos? Uma mulher com algum tipo de deficiência é
titular de direitos ou por ser deficiente e mulher já não tem alguns direitos e fica abaixo? Quem é o titular? é igual?
O conteúdo dos direitos fundamentais está lá. As crianças com deficiência são titulares? tem diretos iguais? o
conteúdo dos direitos é o mesmo? o acesso à aprendizagem é igual? Existem inúmeros exemplos na área. Pense-se
no princípio da universalidade para responder a estas perguntas.

O princípio da universalidade é muito geral e abstrato, mas é importante. Ver o conteúdo dos direitos também é
importante e para percebermos a quem pertence a titularidade.

A palavra chave desta conversa é a Titularidade, e isto para pensarmos na realidade da prática e da vida diária no
conteúdo dos direitos fundamentais. Pensemos no artigo 12.º e 13.º, influenciado pelo artigo 71.º que influenciar o
artigo 74º. É a maior logica e é as normas criadas e relacionadas devido ao princípio da universalidade.

Regime dos direitos fundamentais

Em termos gerais, podemos distinguir um regime comum dos direitos fundamentais. Convém recordar que doutrina
tradicional distingue um regime específico dos DLG com assento na CRP e um regime específico dos DESC, este sem
previsão constitucional. Temos autores que defendem a dogmática unitária do DF em termos que voltaremos a falar.

Regime comum dos direitos fundamentais

Este regime encontra-se previsto entre os artigos 12.º e 16.º CRP essencialmente e correspondem a princípios já
conhecidos.


Artigo 12.º nº1 corresponde ao princípio da universalidade. Já ontem falamos dele em termos das suas
eventuais contradições ou limitações em relação a categorias específicas de pessoas como pessoas
portadoras de deficiência.

Artigo 12.º
Princípio da universalidade

Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.

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Olhando para este artigo percebemos que o que está em causa é que a cidadania, isto é, o vínculo jurídico que liga
uma pessoa a cada estado, é a base pessoal da República portuguesa. Podemos fazer distinções entre os cidadãos, sendo
que na maior parte das vezes sobre a formas de direitos particulares. Estes direitos particulares não deixam de ser
compatíveis com princípio da universalidade. Não é necessário pensar no artigo 71.º e direitos de cidadãos portadores
de deficiência. Basta pensar no sufrágio universal (artigo 49.º- “Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de
dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral.”) que consagra uma limitação que é o facto de todos os
cidadãos terem de ter mais de 18 anos. Temos uma limitação ao princípio da universalidade. Afinal nem todos os
cidadãos portugueses gozam deste direito de sufrágio. O que está aqui em causa é que esta categorização dos direitos
de particulares não é incompatível generalização que está em causa no princípio da
universalidade. Serão todos aqueles que se enquadrem dentro desta categoria sendo que esta tem de estar prevista de
acordo com uma generalidade e abstração. Não é preciso ir ao artigo dos cidadãos portadores de deficiência (artigo
71.º), maternidade ( artigo 68º), paternidade ( artigo 68.º), idosos ( artigo 72.º) para pensarmos em direitos que
independentemente dessa circunstância têm aqui por exemplo limitação etária. Apesar das distinções que podem ser
feitas em relação ao cidadãos, na maior das vezes sobre forma de direitos particulares, estas não deixam de ser
compatíveis com o princípio da universalidade, sendo que hão de obedecer a esta generalidade enquanto imperativo
democrático constitucional que encontramos necessariamente num estado de Direito.


Este princípio está previsto na CRP desde a versão originária de 1976, mas já tinha raízes anteriores, estando
previsto desde constituição de 1911. Desde 1911 que na história constitucional portuguesa encontramos princípio
com intenção e amplitude. O que está na origem desta previsão tem muito de ver com os ideais originários da
revolução francesa, isto é , com ideia de ligar universalidade e igualdade e de ligar universalidade à impossibilidade
de distinção entre os cidadãos- ponto de vista histórico. De ponto de vista axiológico, se formos buscar valor
jurídico que temos por referência, é obvio que o princípio da universalidade radica, tem seu fundamento
valorativo na ideia da dignidade da pessoa humana. Lembremo-nos do que vimos do ponto de vista da igualdade
biológica, axiológica para percebemos que é porque se entende que todas as pessoas têm igual dignidade e
pessoas com dignidade biológica tem igual dignidade da pessoa humana que necessariamente resulta como
evidente o princípio da universalidade. O fundamento valorativo do princípio da universalidade acaba por
reconduzir-se à ideia de dignidade da pessoa humana e ideia de igualdade.


Se quisermos apontar questão em termos de estrutura mais técnica, são necessários dois cuidados especiais.
Por um lado, o artigo 12.º deve ser articulado com o artigo 13.º, principio da igualdade e ,por outro lado, deve ser
articulado com os artigos 14.º e 15.º. O artigo 14.º tem como epigrafe “portugueses no estrangeiro” e artigo 15.º
tem como epígrafe “estrangeiros, apátridas e cidadãos europeus”. É importante fazermos esta ligação com o artigo
13.º e com o artigo 14.º e 15.º.


Artigo 14.º estabelece que vinculo jurídico da cidadania não desaparece quando cidadão deixa o território
nacional.

Artigo 14.º
Portugueses no estrangeiro

Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do


Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência do país.

Artigo 15.º

Artigo 15.º
Estrangeiros e apátridas, cidadãos europeus

Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão
sujeitos aos deveres do cidadão português.
Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas

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que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados
pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
3. Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal
são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos
a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da
Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço
nas Forças Armadas e na carreira diplomática.
A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade,
capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.
A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados membros
da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao
Parlamento Europeu.


O artigo 15.º n.º1 consagra princípio da equiparação ou princípio do tratamento nacional- ideia de que os
estrangeiros , apátridas vão ser tratados como se fossem cidadãos nacionais com introdução de ligeiras
diferenciações.


No artigo 15.º n.º2, encontramos exceções, nomeadamente quanto aos direitos políticos e o exercício das
funções públicas que não tenham caráter predominantemente técnico e direitos e deveres reservados pela CRP e
lei aos cidadãos portuguese. Houve muita discussão se pessoal de enfermagem estaria incluído no nº2 ou não,
relativamente a ser função com caráter técnico ou não. O que seja funções públicas com carater técnico pu não o
TC tem tentado densificar esta questão.


O nº3 aplica-se a cidadãos de Estado de língua portuguesa com residência permanente em Portugal (e não a
qualquer cidadão de Estado de língua portuguesa) e em condições de reciprocidade. Isto significa que nós
reconheceremos aos cidadãos de países de língua oficial portuguesa com residência permanente Portugal se isso
também for reconhecido aos nossos cidadãos nesses Estados.

O nº4 aplica-se a cidadãos estrangeiros residentes em território nacional em condições de reciprocidade. Aqui reconhece-se
a capacidade eleitoral ativa e passiva para os órgãos de autarquias locais.

Qual a diferença entre o nº3 e nº4? Para além da diferença notória quanto aos cidadãos são aplicáveis, o nº3 é
bastante mais lato porque tem a ver direitos em geral não conferidos aos estrangeiros. Estamos aqui perante uma
situações em que o nº3 é muito mais amplo e por isso é-se mais generoso com os cidadãos de Estados de língua
portuguesa residentes em Portugal do que com outros estrangeiros residentes em Portugal ( nº4) em que apenas
está em causa a capacidade eleitoral ativa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.

O nº5 aplica-se aos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia residentes em Portugal.
O que diferencia, por um lado, o nº3 e o nº4 e 5º, por outro lado? O nº3 tem reconhecimento que resulta
diretamente da CRP ( “Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são
reconhecidos, nos termos da lei(…)”). É verdade que se diz nos termos da lei, mas a lei aparece quase como forma
procedimental e não como condição ou possibilidade de atribuição. Nos termos do nº4 e 5, diz-se que “lei pode
atribuir”. No nº3, temos continuação da equiparação que resulta da CRP apesar de se fazer referência a lei
ordinária enquanto que no nº4 e 5 há possibilidade da lei.

Imaginando que não existe lei referida pelo nº4 e 5, há alguma inconstitucionalidade por omissão? Não. Há uma
área de discricionariedade, margem de apreciação para o legislador, por isso não haveria inconstitucionalidade.

Supondo que não existe lei ordinária a que refere o nº3, que situação poderíamos ter aqui? Para efeitos do artigo 15.º
n.º3, nós podemos entender que a partir do momento em que isto resulta da CRP, a falta de medida legislativa
necessária para tornar exequível a norma constitucional 15.º n.º3 pode gerar uma inconstitucionalidade por omissão.
Mesmo que não exista a lei que se refere o nº3, isto não significa que os cidadãos a que se refere esta norma não
tenham desde logo reconhecido este direito. As normas previstas na CRP têm aplicabilidade direta. Não é pelo facto de
não haver lei sobre tal que nós eliminamos esse direito daquilo que é a paleta de direitos previstos pelos cidadãos

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portugueses. O que temos mais dificuldade, na ausência da lei, é saber como esse direito procedimentalmente é
exercitado. Cidadão de país de língua oficial portuguesa residente em Portugal sabe que tem reconhecimento, mas
pode não saber como operar se não tiver a lei. É um poder que pode atuar face às entidades públicas, se não
houver lei, tem de haver forma de obstar a essa falta.

Vamos voltar ao artigo 12.º-> este artigo tinha de ser articulado com os artigos 14.º e 15.º mas também com o
artigo 13.º.

Artigo 13.º

Artigo 13.º
Princípio da igualdade

Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de
qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.


O artigo 13.º refere-se ao princípio da igualdade. No nº1 temos o princípio da igualdade ainda que seja
igualdade relativa, geométrica enão aritmética, ligada à ideia da justiça distributiva e não comutativa. A CRP pode
olhar para este princípio da igualdade de modo diferentes. Temos princípio da igualdade no artigo 13.º n.º1. Em
termos dos artigos 1.º e 2.º, enquanto ínsitos ao Estado de Direito, temos igualdade enquanto aspiração da
sociedade portuguesa. Enquanto tarefa do Estado, encontramos várias referências no artigo 9.º a esta matéria e
encontramos igualdade enquanto qualidade da democracia e Estado democrático. O próprio TC tem vindo a
afirmar este princípio da igualdade como valor supremo do ordenamento e do Estado de Direito, como critério de
interpretação do ordenamento, assinalando que tem valor histórico relativo e relacional que tem de ser
reconstruído atendendo aos valores constitucionais no seu conjunto. Acórdão 231/94 - TC vem acentuar perspetiva
histórica relacional e relativa do princípio de igualdade.

O artigo 13.º n.º1 vem reiterar que todos os cidadãos são iguais perante lei e não diz que cidadãos são iguais de per si, mas
sim perante a lei, o Direito.


No nº2 temos série aberta de tipos de discriminação, meramente exemplificativa e utiliza estes tipos de
discriminação por serem os mais frequentes. O último tipo de discriminação introduzido foi o da orientação sexual na
revisão constitucional de 2004. Se pensarmos no acórdão 359/2009 que versava sobre o diploma de casamento de
pessoas do mesmo sexo só teve lugar em 2009. Estas previsões aparecem em termos de elenco exemplificativo,
ilustrativo e por serem as mais frequentes. A orientação sexual aparece só em 2004 porque tomou-se mais consciência
que este fator era fator de discriminação, e não porque antes não existisse. Para alem de serem mais frequentes, o
artigo 13.º n.º2 vem dizer que pelo facto de estarem aqui inscritas no texto constitucional, qualquer diferenciação que
as tenha por base beneficia de presunção de inconstitucionalidade, ou seja, é necessário ónus de fundamentação
acrescida. Temos situações em que algumas diferenciações a que se refere o artigo 13.º n.º2 são permitidas. Exemplos:
quotas; subsídio de desemprego para quem está em situação involuntária a necessitar de assistência material; seleção
nacional , acrescendo o facto de ser feminina ou masculina; quando abre concurso para professor auxiliar de uma
faculdade pede-se condição mínima de doutoramento- condições de instrução. Temos de perceber que há aqui uma
presunção de inconstitucionalidade sem que no entanto isso possa significar que não haja nunca possibilidade de haver
esta distinção. Mas quando esta distinção ocorre tem de haver uma fundamentação acrescida. Este princípio da
igualdade tem previsão do ponto de vista de igualdade na criação e aplicação de direitos, isto é, em termos de
destinatários. Não se diz nunca que cidadãos iguais mas que têm igual dignidade e são iguais perante a lei o que significa
que temos de tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual

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para atingir igualdade perante a lei. Precisamente porque pessoas não são iguais entre si, para atingir igualdade
perante a lei ,temos de encontrar forma de diferenciação de tratamento.

No artigo 13.º temos um princípio da igualdade. As normas podem ser princípios (relativizável com outros
princípios) ou regras ( absolutas). Para além do artigo 13.º que prevê o princípio da igualdade, temos ao longo da
CRP várias regras com previsões especiais de igualdade ou direitos especiais de igualdade.
Sendo assim:

->O 13.º n.º1 corresponde ao princípio geral

->E temos depois previsões de direitos de igualdade nos artigos 26.º n.º1; 36.º n.º1, 3,4; 38.º n.º4; 41.º n.º1 e 2;
50.º n.º1; 55.º n.º2;58.º n.º2 b).

A par do princípio de igualdade temos previsão ao longo da CRP de regras previsões especiais de igualdade ou
direitos especiais de igualdade.

Temos de voltar ao artigo 12.º devido ao seu nº2.


Artigo 12.º n.º2 “ As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua
natureza.”


Este nº2 estabelece cláusula de limitação ou equiparação? Estabelece cláusula de limitação. Entende-se que que
pessoas coletivas estão sujeitas ao princípio de especialidade. Porque as pessoas coletivas estão sujeitas ao
princípio de especialidade e têm de predeterminar o fim que vão atuar, elas nos termos do 12.º n.º2 gozam
apenas do direitos necessários à prossecução dos seus fins. Isto tem a ver com própria natureza dos direitos
fundamentais porque aqui não há fundamento axiológico. Enquanto que os direitos fundamentais nos casos das
pessoas biológicas têm fundamento axiológico até na dignidade da pessoa humana, nas pessoas coletivas não
temos fundamento axiológico. Qual o fundamento do reconhecimento ou atribuição às pessoas coletivas direitos
Fundamentais. Em relação às pessoas biológicas, falamos sempre de reconhecimento dos direitos fundamentais,
mas nas pessoas coletivas podemos falar em atribuição porque corresponde a atribuição por parte do Estado.
Temos situação em que o que encontramos no nº2 tem outro fundamento que não o da dignidade da pessoa
humana e existem muitos a tentar desvendar o fundamento , o que justifica a atribuição de direitos fundamentais
às pessoas coletivas. O importante é perceber distinção entre reconhecimento em que Estado assume que há
princípio de universalidade em relação a todos os cidadãos nos termos do nº1 e os termos do nº2 em que Estado
diz que só vai reconhecer ou mesmo atribuir estes direitos de acordo com esta cláusula de atribuição.


Vamos ao artigo 288.º identificar onde se prevê esta diferença entre pessoas biológicas e coletivas. Prevê-se
esta diferença na alínea d), porque o legislador constituinte é muito expresso dizendo que só se estabelece como
limite material da revisão constitucional os DLG dos cidadãos. Não são todos os DLG nem DLG que possam ser
reconhecidos às pessoas coletivas, são DLG apenas dos cidadãos e não das pessoas coletivas.

Artigo 16.º

Artigo 16.º
Âmbito e sentido dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das
leis e das regras aplicáveis de direito internacional.
Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados
e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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Por um lado, no 16,º n.º1 temos que os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem
quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional - princípio da cláusula aberta
ou da não tipicidade.


No artigo 16.º n.º2, temos a receção formal da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o que significa
que normas da DUDH têm força constitucional e fazem parte da CRP em sentido formal. Estas normas recebidas
formalmente vão acrescentar à constituição na aceção formal complementar. Temos a CRP formal nuclear que é o
texto aprovado em abril 1976 e depois estas normas que correspondem à Constituição formal complementar.
Portanto, temos aqui a receção formal da DUDH e valores intrínsecos o que significa que vamos juntar os Direitos
fundamentais previstos aos que se encontram constitucionalmente consagrados na CRP e vamos beneficiar desta
feita das regras e princípios do regime comum.

Artigo 20.º

Artigo 20.º
Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva

A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a
fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e
mediante processo equitativo.
Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos
judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações desses direitos.


Este artigo 20.º prevê o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva. É um cluster right ou feixe
de direitos porque no artigo 20.º não encontramos apenas direito de acesso ao Direito ou tutela jurisdicional
efetiva, mas também direito ao patrocínio judiciário, por exemplo. Ou seja, encontramos varias previsões dentro
do artigo 20.º. Hannah Arendt dizia que o direito de acesso ao direito era o direito mais essencial de todos. Temos
varias previsões dentro deste artigo 20.º.

O nº4 foi introduzido apenas em 1997, sendo que até ai aplicávamos por via do princípio da clausula aberta ou
da não tipicidade o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que previa o direito de justiça em
prazo célere.


O nº5 do artigo 20.º veio prever existência dos procedimentos cautelares com vista a preservar o efeito útil da
decisão, isto é , enquanto cidadãos estão à espera da decisão não sejam prejudicados por esse tempo de espera.
Requisitos das providências cautelares: periculum in mora (“perigo na demora”) e fumus boni iuris ( aparência de
bom direito). Providências cautelares são intentadas para que até haver decisão da causa principal, o efeito útil
dessa decisão principal não seja posto em causa. Estas providências acontecem por causa do perigo na demora
desde que haja aparência de bom direito, desde que pareça que haja qualquer coisa, ainda que dai não resulte
necessariamente a decisão da causa principal, mas desde que haja aparência de bom direitito. Esta previsão no nº5
é importante quanto aos procedimentos cautelares.

Artigo 20.º é completado pela previsão o 268.º n.º4 em relação à tutela jurisdicional efetiva, porque este vem
dizer que há tutela jurisdicional efetiva e direito de acesso aos Tribunais Administrativos para os administrados,
numa perspetiva de Direito Administrativo e contencioso administrativo.

Vamos ter em conta que estes vários direitos previstos no feixe de direitos do artigo 20.º têm de ser entendidos
como tendo unidade de sentido sendo que essa corresponde sempre à perspetiva do acesso ao direito. Há muito

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quem diga que o artigo 20.º prevê acesso aos tribunais, mas prevê mais do que isso, porque prevê acesso ao
Direito, isto é, não só acesso aos tribunais, mas também acesso ao conhecimento da lei, patrocínio judiciário,
custas judiciárias, etc. Tudo isso aparece no artigo 20.º.

Artigo 21.º

Artigo 21.º
Direito de resistência

Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e
garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à
autoridade pública.

Consagra direito de resistência - é herança do pensamento de São Tomás de Aquino. Apesar do artigo 21.º se
referir apenas aos DLG, devemos entender que faz parte do regime comum dos direitos fundamentais como a maioria
da doutrina. Este direito é algo absolutamente inalienável do ponto de vista de sistema jurídico, tem de haver sempre
a possibilidade da sua existência pelo que é sempre apontado como válvula de escape do Estado democrático. É
subsidiário, apenas pode ser entendido em ultima ratio. Apenas em termos subsidiários pode o direito de resistência
ser chamado à colação tal como podemos retirar da parte final do artigo 21.º (“ quando não seja possível recorrer à
autoridade pública.”).


O que se inclui na autoridade pública? Os tribunais. Só após ou quando os tribunais não concedem garantia suficiente aos
direitos, é que o direito de resistência pode estar em causa.

Artigo 22.º

Artigo 22.º
Responsabilidade das entidades públicas

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares
dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das
suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e
garantias ou prejuízo para outrem.

Este artigo consagra responsabilidade civil e tem de ser articulado com o artigo 271.º da CRP. A responsabilidade das
entidades públicas corresponde a princípio geral do regime comum, apesar da CRP se referir na letra do artigo 22.º
apenas em relação dos DLG mas devemos entender como regime comum. Devemos pensar em direitos fundamentais
onde diz DLG. Esta matéria só foi regulada através da lei 67/2007 que veio revogar o DL 48 051 ( vigorou durante
bastante mais tempo do que devia ter vigorado) que regulava apenas responsabilidade do estado por danos provocados
no exercício da função administrativa. Muitas autores entendiam que este diploma era inconstitucional face ao artigo
22.º na medida em que CRP não distinguia entre danos causados pela função administrativa, legislativa ou jurisdicional.
A nova lei veio acrescentar a esta responsabilidade pela função administrativa, responsabilidade pela função
legislativa e jurisdicional ainda que em termos limitados, isto é, ainda que a responsabilidade pela função jurisdicional
seja apenas acionada em termos de erro grosseiro e a responsabilidade pela função legislativa aparece em casos de não
transposição das diretivas da UE. Continuamos a ter que a tradicional Responsabilidade pela função administrativa é a
mais fácil de acionar. Mas ainda assim temos novo diploma desde 2007, que ainda que preveja Responsabilidade
limitada por danos provocados no exercício da função legislativa e jurisdicional, já existe diploma que o prevê. Isto não
significa que já não houvessem autores que entendessem que ,antes do diploma de 2007, já pudéssemos ter
Responsabilidade pela função legislativa e jurisdicional , por via da aplicação direta do artigo 22.º. Vários autores ( Freitas
de Amaral, Rui Medeiros, Lúcia Amaral) diziam que independentemente da legiferação procedimental que pudesse fazer
atuar este direito, a CRP previa essa possibilidade no artigo 22.º.

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Afirmavam que a CRP está no topo do ordenamento jurídico e se prevê responsabilidade sem distinguir entre os
atos das varias funções do estado, é isso que aqui tem de estar em causa.


Este artigo 22.º refere responsabilidade solidária- a grande vantagem é que tanto faz apresentar ação de
responsabilização contra o funcionário, titular ou agente como contra o próprio estado. O Estado pode exercer
direito de regresso contra o estado. O lesado tanto pode pedir a responsabilidade ao Estado como ao cidadão,
sendo que provavelmente E estado tem mais património para fazer face a essas responsabilidades.

Apesar de não estarem contidos verdadeiramente na parte do regime geral dos Direitos fundamentais, temos de
falar de dois princípios essenciais para efeitos daquilo que é a CRP e os fundamentos do estado Democrático:


princípio da proteção da confiança que resulta do Estado de Direito Democrático a legitimidade das
expetativas está relacionada com ideia da razoabilidade. O princípio está ligado ao princípio e imperativo
da segurança jurídica e ao princípio da legalidade. Este princípio é um subprincípio da legalidade e
subprincípio do estado de direito e tem a ver com proteção da confiança, expetativas razoáveis, legitimas.
princípio da proporcionalidade resultante do Estado de Direito democrático- é um subprincípio da legalidade e
subprincípio do Estado de Direito Democrático e por isso resulta do artigo 2.º da CRP e está ligado a 3 vertentes
: necessidade, adequação e proibição de excesso, sendo vertentes cumulativas. Basta que uma delas não se
verifique para estarmos perante violação este princípio. Para alem de dizer que o princípio da
proporcionalidade resulta do Estado de Direito Democrático e, portanto, do artigo 2.º, há artigos da CRP em
que temos referência deste princípio como é o caso dos artigos 18.º n.º2, 266.º n.º2 e 272.º n.º2. Muitas vezes
apesar da CRP se referir apenas a uma vertente do princípio, temos de tomar a parte como um todo, e por isso
pensar nas 3 vertentes simultaneamente. Muitas vezes, em termos de técnica legislativa, legislador constituinte
não se refere aos três eixos do princípio, mas enquanto intérprete temos de partir do princípio que elas são
cumulativas e temos de as considerar a todas, mesmo que o legislador só refira uma.

Uma coisa é previsão dos direitos fundamentais, outra é o respetivo regime e outra são os mecanismos de defesa
dos direitos fundamentais.

Podemos distinguir os mecanismos de defesa dos direitos fundamentais quanto:

Ao modo:

* jurisdicionais – exemplos nos artigos 20.º e 268.º n.º4

*não jurisdicionais/graciosos – provedor de justiça (“ombudsman”) - artigo 23.º (direito de petição qualificado);
direito de petição - artigo 52.º. Em termos administrativos, temos o artigo 268.º exceto os números 4 e 5. Aqui
temos possibilidades que não passam pelos Tribunais.

À origem

internos

internacionais

E podemos cruzar isto, podendo ter :

mecanismos de defesa jurisdicionais internos


mecanismos de defesa jurisdicionais internacionais (Tribunal de Justiça da União Europeia)
mecanismos graciosos internos
mecanismos graciosos internacionais (Provedor de justiça europeu, comité de direitos humanos Nações
Unidas)

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Nota quanto à designação “graciosos”: Reclamo de um ato →administrativo para autor do ato administrativo para ele
voltar a analisar este ato que considero lesivo para mim se autor do ato der razão , originariamente, isto vinha
de poder de graça, clemência por parte dos órgãos de poder politico. E por isso não é por via jurisdicional, as uma
graça concedida pela Administração.

Hoje em dia, em contexto de complementaridade entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos ( hoje Estado
de Direitos fundamentais é também Estado de direitos humanos), temos de ter complementaridade entre
mecanismos de defesa internos e internacionais, sejam eles jurisdicionais ou graciosos. Percebermos se é
complementaridade ou só sobreposição entre ordenamento jurídico nacional e ordenamento jurídico internacional
nesta matéria é que é essencial para este efeito.

Vamos tentar perceber que os mecanismos de democracia interna e de proteção de Direitos fundamentais na ordem
interna que vimos têm de ser complementados com mecanismos de proteção de Direito Internacional. Tendo em conta
esta sobreposição em grande medida de direitos fundamentais e Direitos Humanos, e já distinguidas as duas figuras do
ponto de vista concetual, entendemos que os Direitos Fundamentais, no caso português, são sobreponíveis na sua
esmagadora maioria àquilo que é a proteção internacional dos Direitos Humanos.

Temos essencialmente de distinguir entre Direitos fundamentais e Direitos Humanos/ Direitos do Homem. Hoje em dia,
considera-se preferível usar expressão Direitos Humanos do que direitos do Homem na sua classificação. Estes direitos
fundamentais quando entendidos na arena global em que vivemos hoje em dia (expressão utilizada por Suzana Tavares
da Silva) têm o mesmo esteio , fundamento de que as posições jurídicas subjetivas previstas na CRP.

Podemos olhar para isto numa perspetiva filosófica e jusnaturalista ou constitucional, universalista ou
internacionalista. Temos estas várias perspetivas que podem de algum modo ser contrapostas (que já foram
abordadas a propósito da distinção concetual entre direitos fundamentais e direitos humanos). Isto é importante
para percebermos de que modo a proteção internacional dos Direitos Humanos vem acrescer e vamos e ver se é
questão de acréscimo em relação a proteção interna.
Podemos olhar para a proteção das pessoas através do DI de forma variada. As pessoas enquanto sujeito de DI
são acolhidas , protegidas através da:
proteção diplomática
proteção humanitária, do DI humanitário
Proteção mais circunscrita no âmbito dos refugiados
Proteção internacional dos Direitos do Homem através de instrumentos de proteção dos Direitos humanos
( em termos mais amplos- a que nos interessa)

Onde é que esta proteção internacional dos Direitos humanos vai buscar a sua origem?

Fundamentalmente, podemos encontrar modelo de proteção dos Direitos humanos antes e depois da Carta das
Nações Unidas (CNU) e percebemos que há uma clara relação entre aquilo que foi institucionalização da
comunidade internacional , ou seja, o facto de a comunidade internacional ir ganhando regras de organização
nomeadamente através da CNU e aquilo que foi caminho feito pela proteção internacional dos Direitos humanos .

A grande questão foi perceber como a intervenção em matéria de Direitos humanos pôde superar o dogma
da soberania estadual. Como é que proteção internacional dos Direitos humanos nomeadamente no
espaço de determinado território estadual pôde sobrepor-se àquilo que era pretensão da soberania
estadual, ou seja, pretensão que dentro do território de um determinado Estado não podia haver
intervenção por parte de entidade terceira.

Claramente , há um antes e depois da CNU o que significa que temos dois modelos:

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Modelo Vestefália (1648) o tratado de Vestefália ( na verdade um conjunto de 11 tratados) encerrou a
guerra do 30 anos que foi conflito armado dentro da Europa e tem na sua origem considerações relativas à
liberdade religiosa. Esta guerra dos 30 anos teve a ver com aquilo que foi evolução de império sagrado
romano -germânico e a relação com príncipes alemães, e nomeadamente com a França, suécia e papado
nesta relação de tensão entre várias tensões religiosas. Recordando o que vimos a propósito da evolução
histórica dos Direitos Fundamentais, há sempre um relevo muito grande da liberdade religiosa nestas
matérias. Tínhamos este modelo surgido através dos tratados de Vestefália e era um modelo que :
o assentava essencialmente na soberania estadual.
o Assente no que eram os Estados enquanto sujeitos de Direito proeminente.
o Assentava na perspetiva de que qualquer intervenção merecia consentimento do Estado.
o Assentava em acordos de vontade bilaterais entre 2, 3 Estados ( resulta de questão de
consentimento estadual ser atuado em relação a cada uma das matérias)
Modelo da ONU a partir da Carta de S. Francisco (1945)
A Partir de 1945, admite possibilidade de ingerência no território de determinado Estado desde que
para proteção do sujeito, isto é, desde que para vindicação dos Direitos humanos
internacionalmente reconhecidos.
A par dos Estados surgem OI (com papel essencial das NU) e surgimento do individuo enquanto
sujeito de DI.
Admite a existência de normas imperativa, ius cogens ( direito cogente) que correspondem a
normas aplicáveis independentemente do consentimento do Estado, são genericamente
imperativas.
Assenta em instrumentos multilaterais , isto é, instrumentos de proteção que se aplicam
tendencialmente a todos os estados ao mesmo tempo - daí a emergência da proteção universal
dos Direitos humanos .

Em suma:

Quais as dificuldades desta proteção internacional? percebendo que temos dois modelos e eles se sucedem, que
dificuldades surgem da proteção internacional ?

Por um lado, temos uma série de textos normativos ainda que multilaterais, mas o facto de termos vários
textos normativos não é necessariamente forma de proteger sujeito, cidadão. Porquê? porque muitas
vezes temos instrumentos diferentes a prever os mesmos direitos, e temos instrumentos diferentes a
prever em termos de normas gerais e especiais, normas gerais e setoriais quase a mesma situação
comportamental. Esta necessidade de compatibilização entre ideia da soberania nacional ou estadual e
não ingerência e a forma de garantir posição do indivíduo no plano internacional não beneficia com
proliferação destes textos normativos.
É difícil encontrar mínimo denominador comum em direitos humanos porque há divergências varias ao
nível destas conceções. Lembre-se: Quando dizemos que direito natural deixa de ser um e passa a ter
possibilidade de ser dividido ou subdividido em vários direitos naturais, direitos naturais secundários e isso

45
nega própria essência e vantagem de ideia de direito natural. O mesmo acontece quando dizemos que não
sabemos o que são exatamente direitos humanos porque há várias formas de interpretar os direitos
humanos
Bobbio ainda afirma que outra fonte de problemas, defendendo que só há verdadeira proteção
internacional quando temos jurisdição internacional capaz de aplicar sanções. Sambemos que em termos
internacionais a existência do tribunal tem sempre a capitis diminutio de não conseguirmos muitas vezes
encontrar tribunal com força cogente no que diz respeito às suas decisões. Em muitos casos, Depende da
aceitação/consentimento do próprio Estado a possibilidade de decisões lhe serem aplicadas.

Características do DI dos Direitos Humanos:

DI com geometria variável, com expressões mundiais e regionais e de alcance diferente (geral ou sectorial)
DI dos Direitos Humanos marcadamente objetivo- se quisermos olhar para dimensão subjetiva e objetiva
dos Direitos Fundamentais, nos Direitos Humanos sobreleva dimensão objetiva em detrimento dimensão
subjetiva . Olhamos mais para o exemplo que queremos dar com elenco de previsão dos Direitos Humanos
do que propriamente com vantagens/ faculdades estritas que cada um dos cidadãos retira da possibilidade
de exercício desses direitos
Independentemente da dificuldade de encontrar o minimio denominador comum, o objetivo é pensar que
encontramos o mínimo ético universal que justifica a cooperação dos vários estados. E por isso é que hoje
em dia, nomeadamente depois do modelo da ONU, não falamos apenas em coordenação, mas falamos
verdadeiramente em cooperação no que diz respeito a estas matérias
Essencialmente de fonte convencional

Formas internacionais de proteção

Formas institucionais (relatórios, inquéritos, queixas de Estados e de indivíduos)


Formas não institucionais (informações recíprocas de Estados, processos diplomáticos de comunicação de

violações de DF) qualquer meio informal pode ser considerado forma internacional de proteção mas
não é forma institucional de proteção.


Princípio geral do esgotamento prévio dos meios ou recursos internos, salvo prazo razoável artigo
20.º n.º4 da CRP contém previsão de acesso à justiça em prazo razoável desde 1997. Se partirmos do
princípio que só podemos aceder à proteção internacional dos direitos humanos depois de terem sido
esgotados previamente os meios ou recursos internos/estaduais/nacionais, isso leva-nos a considerar o
caráter supletivo, subsidiário da proteção internacional dos Direitos humanos. Esta proteção só é vigente
caso tenham falhado outras válvulas de segurança em termos de direito interno. Quando isso acontece
podemos justapor dois âmbitos de proteção:

Geral e universal
Regional, consoante a região em que cada Estado se integre

EM TERMOS DE PROTEÇÃO UNIVERSAL, isto é, uma proteção que em termos geográficos e de âmbito de
aplicação visa a generalidade dos estados é o sistema de proteção das Nações Unidas.

Sistema das Nações Unidas assenta em que instrumentos?

Assenta em termos de instrumentos de previsão de direitos ( em geral) na :

46
CNU (1945);
DUDH ( 1948) ;
Pacto internacional dos direitos civis e políticos ( 1966)- PIDCP
Pacto internacional do Direitos Económicos Sociais e Culturais (1966)- PIDESC

Quais os órgãos de proteção dos Direitos humanos que aplicam estes instrumentos?

Órgãos previstos na CNU

Em termos gerais, temos órgãos políticos previstos na CNU como :


Conselho económico e social
Assembleia geral das NU que depois aprovou constituição de novos órgãos como :
ACNUR ( alto comissariado das nações unidas para refugiados;
Comissão dos direitos humanos que passou chamar-se Conselho dos direitos humanos na sequência da
Cimeira mundial de 2005

E temos ainda outro órgão previsto na CNU:



TIJ Bobbio dizia que que não havia proteção internacional se não houvesse previsão de jurisdição
internacional. Podemos ter vários órgãos políticos, vários instrumentos de previsão de direitos, mas se não
temos jurisdição internacional com poder de fazer atuar suas respetivas decisões, então isto não existe.


Há variadíssimos outros órgãos com possibilidade de atuar pensemos nos comités especiais: o
Comité Contra a Tortura
o Comité dos Direitos das Crianças
o Comité para a eliminação da discriminação contra as mulheres

Todos estes órgãos resultam de instrumentos específicos setoriais.

Temos, por um lado, a DUDH de 1948 ( recebida formalmente pela CRP por causa do princípio previsto no artigo
16.º), mas verdadeiramente temos de perceber que para alem desses encontramos direitos previstos nos PIDCP e
PIDESC e cada um deles têm forma específica de proteção .

O PIDESC através de sistema de garantia que é assente no Comité dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais criado em 1985 pelo Conselho económico e social .

E PIDCP que tem sistema de garantia baseada no Comité dos Direitos Humanos, essencialmente

Estes dois pactos/protocolos centralizam a este sistema de garantia através de mecanismo de comunicação , sendo
que esta pode ser feita pelo Estado ou pelos indivíduos a estes comités sobre violações dos pactos sobre violações
do pacto quer por outros Estados quer pelos estados dos particulares que são nacionais.

Instrumentos de caráter específico

Para além da DUDH, PIDCP e PIDESC temos variedade de instrumentos relativos a categorias especiais das pessoas:

Convenção dos Direitos da Criança, 1989

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006

47
Instrumentos relativos a formas de discriminação:

Convenção sobre os direitos políticos da mulher, 1952

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, 1965

Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação por causa da


religião ou da convicção, de 1981;

Instrumentos relativos à cidadania, apatridia e aos refugiados:

Convenções sobre a redução dos casos de apatridia, de 1959 e 1961

Instrumentos relativos à escravatura e à prostituição

Convenção contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, de 1984, com
emendas em 1992

Instrumentos relativos ao genocídio e aos crimes de guerra e contra a humanidade

Declaração sobre o progresso e o desenvolvimento no domínio social, de 1969

Todos estes instrumentos de caráter específico na sua grande maioria estabelecem órgãos específicos que têm a
seu cargo possibilidade de monitorizar sistema de cada um destes instrumentos.

A par dos instrumentos gerais ( DUDH, PIDCP; PIDESC), temos série de instrumentos específicos que vêm fazer
acrescentar novos órgãos ao sistema de órgãos previstos na NU nas CNU. Sendo assim, além do Conselho
económico e social, assembleia geral da NU, ao TIJ, temos serie de comités administrativo-políticos que têm a seu
cargo a fiscalização e monitorização de cada um destes instrumentos.

Organizações satélites

Para alem disso, as NU tem sistema de NU, conjunto de organizações satélites especializadas das NU e essas podem
ter importância em matéria de proteção internacional dos direitos humanos
OIT e proteção dos direitos dos trabalhadores
UNESCO e direitos culturais- tem sido manancial de aprovação de novos instrumentos na área de
património cultural e natural e a propósito da declaração universal sobre diversidade cultural. Tem sido
dinâmica no que diz respeito a estas matérias.

Isto leva a demonstrar que todas estas organizações especializadas das NU acrescem do ponto de vista de proteção
e monitorização aquilo que já resultava da DUDH e de dois pactos de 1866.

Temos sistema universal de proteção internacional dos Direitos Humanos que é robusto a três níveis :

ao nível de instrumentos de previsão


ao nível de órgãos de aplicação destes instrumentos de previsão
e ao nível da intervenção de órgão jurisdicional como sendo o TIJ, ainda que se possam levantar mais
duvidas em relação a esse.

Temos também SISTEMAS DE PROTEÇÃO REGIONAL. No caso do Estado português para além de estar
inserido no âmbito geográfico universal, está inserido no âmbito regional europeu. O sistema de proteção
regional de Direitos do Homem europeu, não é o único sistema regional existente.

Basta pensar na:

48
Carta Africana Direitos do Homem e dos Povos (1981) (“sistema africano”)

Carta da Organização dos Estados Americanos (1948) e a Convenção Interamericana de Direitos do Homem
(1969) (“sistema americano”)

Carta Árabe de Direitos do Homem [(1994), 2004] Seria aquilo que chamaríamos sistema árabe ainda que não se
utilize expressão na doutrina

Há dificuldade em perceber o que está em causa quando falamos deste mínimo denominador comum nestas
matérias dos direitos do homem , mas é importante perceber que para alem de proteção universal, cada espaço
regional tem tentado densificar quais os princípios que estão em causa.

Vamos olhar para o sistema europeu da CEDH e sistema da UE.

2.1 Sistema europeu da CEDH

O Conselho da Europa ( não confundir com Conselho Europeu) é uma Organização Internacional (OI) criada em
1949 através do Tratado de Londres. Portugal só aderiu em 1976 porque era obrigatório que tivesse regime
democrático para poder aderir. E nos fins do Conselho da Europa temos:

defender os direitos do homem e a democracia parlamentar, e assegurar a preeminência do direito;


concluir acordos à escala do continente para harmonizar as práticas sociais e jurídicas dos Estados membros;
favorecer a tomada de consciência da identidade europeia, fundada sobre valores partilhados que
transcendem as diferentes culturas;
Após 1989 - papel importante de “ancoradouro político” e “guardião dos direitos do homem” para as
democracias pós-comunistas da Europa;

Estes objetivos tiveram importância fundamental a partir de 1989, depois da queda de muro de Berlim e processo
de transformação do leste de Europa enquanto guardiões dos Direitos Humanos nas democracias pós comunistas
da Europa essencialmente.

Este Conselho tem sido o berço de uma série de convenções, instrumentos de previsão de direitos que vinculam
Portugal como :

Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950)
CEDH
Protocolos Adicionais

Carta Social Europeia (1961, revista)

Convenção - Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais (1995)

Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina (1997) e Protocolo adicional que proíbe a

clonagem de seres humanos (1998) convenção de Oviedo que rege toda a matéria em termos de
medicina e bioética. Desde 1998 que esta proibição de clonagem de seres humanos existe no nosso
sistema por via de termos feito integrar no nosso sistema normas de convenção de Oviedo.
São variadíssimas as convenções que resultam do Conselho da Europa .

Esta CEDH de 1950, criada sob a égide do Conselho da Europa foi o primeiro texto de proteção a nível regional e vai
ser também primeiro texto a introduzir o acesso direto do indivíduo a uma instância internacional para defesa dos

49
seus direitos contra o seu próprio Estado ( protocolo nº9). Não estamos a falar de queixa contraestado terceiro,
mas defesa de direitos contra o próprio Estado do individuo.

Esta convenção começava por consagrar as liberdades individuais tradicionais / burgueso-liberais ( Direito à vida,
proibição de tortura e penas ou tratamento desumanos ou degradantes, direito à liberdade e segurança, liberdade de
pensamento, liberdade de expressão, direito de acesso à justiça, ...) mas teve caráter evolutivo com base nos vários
protocolos ( direito de propriedade, direito à instrução (Protocolo n.º1) ; abolição da pena de morte, salvo em tempo de
guerra (Protocolo n.º6); Igualdade de direitos dos cônjuges (Protocolo n.º7); Abolição da pena de morte em todas as
circunstâncias (Protocolo n.º 13); Princípio da interpretação da Convenção como “instrumento vivo”)

Há ideia de que CEDH é instrumento vivo e que se baseia como todos os instrumentos em matéria de direitos
humanos na Dignidade da Pessoa Humana, mas que é instrumento vivo e evolutivo.

Como é que este sistema se autogarante?

Fundamentalmente há diferença clara desde o protocolo n.º 11 de 1998 que vem simplificar o processo. Há
também reforma importante no protocolo n.º 14.

Numa primeira fase, antes de 1998 os cidadãos apresentavam a sua comunicação ao comité de ministros e era este
comité que depois entendia se a queixa devia ir ou não ao TEDH. Neste momento pode haver recurso direto ao
TEDH com base no esgotamento/exaustão dos recursos internos. Nós já não temos a ideia de que é preciso ir
primeiro ao comité de ministros antes do TEDH. Há um acesso direto desde 1998 para Partes Contratantes (art.
33.º), pessoas singulares, ONG’s e grupos de particulares (art.34.º) sobre supostas violações da CEDH ou de algum
dos protocolos por uma das Altas Partes Contratantes, incluindo, portanto, o Estado de que se é nacional. Sempre
que se entenda que existem supostas violações sobre CEDH ou de qualquer protocolo que segue a convenção pode
haver este lançar da mão da forma jurisdiscionalizada do Tribunal, com base no princípio do esgotamento dos
recursos internos. A jurisdição do TEDH obrigatória e aqui voltamos à necessidade de ter jurisdição internacional
com poder efetivo de aplicação de sanções .

O tribunal vai olhar para queixas da CEDH para perceber se houve ou não violação nas circunstâncias daquele caso
e vai interpretar o direito ou a prática interna do ponto de vista da sua compatibilidade com a Convenção. Sendo
que os Estados têm de se conformar com suas decisões e há processo de indicação dessa decisões na medida que
comité de ministros vão velar pela execução das decisões do Tribunal. Os Estados têm de dar sequência aos
processos e sentenças de condenação.

Alguns casos:

A Bélgica alterou o Código Civil com vista a reconhecer os mesmos direitos tanto às crianças ilegítimas
como às crianças legítimas
A França aprovou legislação sobre escutas telefónicas
A Grécia modificou a lei sobre prisão preventiva
O Reino Unido proibiu os castigos físicos nas escolas públicas

Todas estas matérias são matérias em que houve necessidade de adequar direito interno àquilo que é o sistema de
proteção regional aqui instituído pela CEDH e pelo Conselho da Europa. A partir do protocolo nº 11, passamos a ter
recurso direto ao tribunal. Era um recuso anteriormente mediado pelo Comité de ministros. Agora, o comité tem
função essencial depois de decisão do tribunal tendo necessidade de velar pela decisão do tribunal.

Portugal no TEDH

Tem sido objeto de dois tipos de critica:

50
Questão de decisão em prazo razoável
Questões de liberdade de expressão e imprensa num estado democrático- primeiro em que se
entendeu esta tendência jurisprudencial foi o caso Lopes Gomes da Silva em 2000, depois há
variadíssimos.

2.2 Sistema que resulta da integração na UE

A UE resulta da evolução daquilo que foram as comunidades europeias ( CECA, CEE, EURATOM). No tratado
institutivo, isto é, no tratado de Roma de 1957 não se previam Direitos Fundamentais propriamente porque
estas comunidades tinham essencialmente pendor económico e não político. Mas foi-se desenvolvendo por vai
jurisdicional e por via TJUE esta ideia de que as 4 liberdades (liberdade de circulação de mercadorias, liberdade
de circulação de pessoas, liberdade de circulação de capitais e liberdade de circulação de prestação de serviços)
poderiam ser vistas como Direitos Fundamentais de alguma forma. Para alem deste desenvolvimento de que as
liberdades previstas nesses tratados (essencialmente económicos) poderiam ser vistas como direitos
fundamentais, o TJUE foi buscar princípios gerais do direito comunitário e as tradições comuns dos Estados
Membros, a CEDH e jurisprudência do TEDH. Discutiu-se ainda se em vez de se criar um
instrumento novo no âmbito das comunidades europeias, se não faria mais sentido uma adesão da UE à
CEDH.
A par desta discussão, foi havendo ao longo dos tempos um conjunto de sinais de que tal como se
avançava de modelo económico de cooperação para também modelo político de cooperação, ia havendo
cada vez mais a preocupação de referência aos Direitos Fundamentais:

1977- Os Presidentes do PE, do Conselho e da Comissão subscreveram uma declaração comum relativa aos
DF, tal como resultam das Constituições dos EM e da CEDH, vinculando-se a respeitá-los;

1986- Referência no Preâmbulo do AUE , no §4 e mais adiante: «...fazer valer muito especialmente os
princípios da democracia e do respeito pelo direito e pelos direitos do homem...»;

1989- Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais, aprovada por Resolução do PE, em que se
estabelecem alguns direitos e liberdades civis e políticos mas também direitos económicos e sociais


1989 – Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores estes sempre foram
direitos a implicar maior nível de discussão dentro da UE porque para efeitos da UE implicavam discussões
complicadas em termos de gastos, nomeadamente quando se previam direito à segurança social para
todos. A partir do momento que há liberdade de circulação e se prevê direito a segurança social num
instrumento da UE, isso tem um peso claro.

Em termos institucionais, a nota obvia é a que resulta do Tratado de Maastricht que é aquele que transforma as
comunidades europeias naquilo que é a UE. Porquê? porque o Tratado de Maastricht (TM) em 1992 assume que
deixamos de ter apenas dentro de mecanismo de cooperação económica para estramos a falar de ideia política
de operação devido ao artigo f) do tratado ( “ A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a
Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam
das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário”),
mas também porque este tratado prevê cidadania europeia. Cidadania corresponde a vinculo jurídico de pessoa
a determinado estado ou entidade. Estado para ter o seu conteúdo mínimo tem de ter separação de poderes e
previsão de direitos Fundamentais. Isto que começa com o TM em 1992, vai prolongar-se no Tratado de
Amesterdão (TA) sempre na perspetiva de dizer “ se nós queremos ser união politica e se passamos a prever
cidadania europeia, temos de prever Direitos Fundamentais”. Já não é o tratado de Roma que previa formas de
liberdade económica e aqui temos de aprofundar esta previsão de Direitos Fundamentais. Quer o TM quer o TA
foram claros no sentido de dizer

51

que se queremos união politica e cidadania europeia, temos de prever conjunto de direitos Humanos .
isso que leva à aprovação da Carta de Direitos Fundamentais da União europeia (CDF) em dezembro de
2000 no Conselho Europeu de Nice. Esta carta aprovada em 2000, ainda que no quadro do tratado de Nice
e ainda que este tratado tenha vindo complementar a aprovação da carta com procedimento preventivo
em relação ao risco manifesto de violação de direitos fundamentais , a verdade é que esta CDF não era
uma carta que tivesse valor vinculativo. Era carta com alguma relevância em termos de tratado Nice, mas
não tinha valor vinculativo. Era uma carta com valor jurídico “as if”. E discussão volta a ser a mesma: temos
CDF mas ela não tem valor jurídico e não temos forma de a fazer atuar.
Vamos dando alguns passos:
o Fev. 2007 – Criação da Agência Europeia de Direitos Fundamentais
o 2007 – “Tratado Reformador” ( Tratado de Lisboa)- este tratado é importante porque vem
apresentar constituição europeia. Se se quer constituição europeia , é preciso ter previsão clara
dos Direitos em causa

E é a isto a par da criação da agência europeia dos Direitos Fundamentais que vem ser discutido em torno
destes valores comuns que nos fala a Carta. Hoje em dia CDF não tem tanto valor pelo seu conteúdo (não
tem nada de diferente em relação a outros instrumentos internacionais de proteção de direitos, sendo que
vamos buscar exatamente os direitos e liberdades fundamentais que já se encontravam previstos na CEDH,
tradições constitucionais dos Estados membros, noutros instrumentos internacionais), sendo que a grande
questão aqui é a de podermos dizer que a UE passou a ter um instrumento de previsão de direitos que
leva sempre a enorme discussão sempre que tem de ser alterada por causa do fantasma de alargamento de
competências e pelas questões de discussão financeira ou orçamental.

Resumindo, a grande questão é que passamos de uma organização com enfoque económico para uma organização
com enfoque político. Passamos até a prever cidadania europeia e constituição europeia ainda que esta última com
muitas reticências. CDF configura-se como elemento essencial na constitucionalização da UE e como afirmação da
UE como União de Direito.

Isto vem levantar o problema do Triângulo judicial bloqueado de que fala Maria Luísa Duarte possibilidade de
conflitos entre TJUE, TEDH (CEDH) e tribunais internacionais é enorme. Este triângulo judicial europeu vem
complexificar esta proteção multinível entre Direitos Fundamentais onde podemos ver:
o proteção regional que no caso português pode ser de dois âmbitos:
Conselho da Europa
UE
proteção universal
necessidade de articulação entre vários níveis de proteção.

Concluindo, é evidente que a proteção internacional corresponde a reforço da garantia de proteção interna e
mesmo que tenhamos dificuldades em perceber qual a sua estrutura de aplicação imediata, Jorge Miranda fala de
função prospetiva ou diretiva, sendo forma de orientar este pluralismo de níveis e sistemas de proteção e ajuda-
nos a apontar ( quase em termos simbólicos e pedagógicos) num determinado caminho e perceber qual a intenção
da comunidade internacional num determinado caminho.

*Resposta a dúvida: É difícil encontrar o mínimo denominador comum em matéria de direitos humanos porque
isso tem a ver traços civilizacionais e diferentes modelos que encontramos de acordo com vários conjuntos até
geográficos de Estados. Independentemente da dificuldade de encontrar um esse mínimo denominador comum ou
consenso no que diz respeito à matéria do conteúdo mínimo dos direitos humanos, Jorge Miranda fala ainda sim
numa função prospetiva/diretiva/ pedagógica de apontar determinado caminho, objetivo, independentemente da

52
dificuldade de encontrar denominador comum e dificuldade em relação à efetividade e vinculação no âmbito da
proteção internacional. Há dificuldades que resultam da própria vinculatividade das sentenças e jurisdições.
Independentemente dessas dificuldades, quando olhamos para instrumentos de proteção internacional de
previsão de direitos por mais que saibamos que esses direitos são provavelmente objeto de restrição e/ou mesmo
violação em vários Estados, haverá sempre função prospetiva/diretiva/pedagógica, uma dimensão axiológica
simbólica de previsão internacional de direitos.

*Resumo das ideias principais em relação à aula anterior:

Em relação à perspetiva de complementaridade ou supletividade/subsidiariedade nos termos do que vimos em


relação à proteção internacional dos Direitos Humanos face à proteção interna dos Direitos Fundamentais, porquê

que se pode questionar se se trata de complementaridade ou de subsidiariedade/ supletividade? Será
subsidiário e supletivo e não propriamente complementar na medida em que a complementaridade tem de ser
vista do ponto de vista do esgotamento dos recursos internos e é isso que leva a discutir se estamos perante
proteção complementar ou antes apenas proteção supletiva ou subsidiária.

Organização Instrumentos Jurisdição


ONU – Carta de São Francisco DUDH (1948); PIDESC e PIDCP Tribunal Internacional de
(1945) (1966) Justiça (TIJ) - Haia

Conselho da Europa - CEDH (1950) Tribunal Europeu dos


Tratado de Londres (1949) Direitos Humanos (TEDH) -
Estrasburgo
União Europeia (T. Roma- CDFUE (aprovada em 2000- Tribunal de Justiça da União
1957) – T. Maastricht (1992); 2001(Nice)- entra em vigor Europeia (TJUE) -
T. Lisboa (2007) com valor vinculativo em Luxemburgo
2007)

Sintetizando, percebemos que temos uma perspetiva complementar ou pelo menos supletiva ou subsidiária de
proteção internacional com previsão dos direitos humanos na cena internacional face aos direitos fundamentais
previstos na ordem interna. A par de uma proteção internacional universal garantida no âmbito do sistema das NU,
vimos âmbitos de proteção regional, isto é, formas de proteção circunscritas a determinada localização geográfica
e aqueles que nos interessam mais de articular com a proteção universal das NU são aqueles referentes ao sistema
europeu, isto é, aqueles referentes à organização do Conselho da Europa e à organização da UE.

A par de sistema de proteção universal e regional ( distinção consoante o âmbito geográfico) podemos falar
também de proteção geral ou setorial porque temos vários instrumentos de previsão de direitos em especial . aqui
esta em causa uma distinção consoante o tipo de direitos que estão em causa, isto é uma previsão de vários
direitos aplicáveis em termos de princípio de universalidade a todos ou aquilo que diz respeito à categorização de
determinados direitos.

Regime (supostamente) específico dos DLG

um regime “supostamente” porque há uma corrente que questiona a existência deste regime específico.

A nova doutrina vem dizer que afinal não temos regime específico de DLG nem regime específico de DESC, porque
temos a dogmática unitária de direitos fundamentais que não negando a existência de 2 categorias diferentes
nomeadamente nos termos da CRP, vem negar existência de regimes diferenciados para cada uma das categorias.

53
Vamos falar do regime específico de DLG porque (bem ou mal) tem previsão na CRP. Encontramos na CRP esta
previsão de um regime, isto é, conjunto de normas que Legislador Constituinte diz que são aplicáveis ,em princípio,
apenas a DLG.

Artigo 18.º

Artigo 18.º
Força jurídica

Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis
e vinculam as entidades públicas e privadas.

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.

As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter
efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.


Nº1 trata da questão da aplicabilidade direta e vinculação de entidades públicas e privadas

Nº2 e Nº3 tratam da questão do regime de restrições, sendo que os requisitos destas restrições estão previstos no nº2 e 3

Requisitos:
Restrição tem de ser por lei
limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente constitucionalmente
protegidos;
casos expressamente previstos na
CRP; o caráter geral e abstrato;
o não podem ter efeito retroativo;
o não pode diminuir extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Temos aqui vários eixos em torno dos quais se organiza este regime específico dos DLG.

Ideia da aplicabilidade direta e vinculação das entidades publicas e privadas quando olhamos para este
regime específico olhamos para o artigo 18.º para falar do regime material dos DLG. Este regime material
dos DLG radica nas normas que compõem o artigo 18.º.

18.º n.º1

Aplicabilidade direta podemos classificar as normas constitucionais em precetivas e programáticas. As
normas precetivas são sempre exequíveis por si mesmas? Não, podem ser exequíveis ou não exequíveis por si
mesmas. As normas programáticas são sempre não exequíveis por si mesmas. O que está em causa na
aplicabilidade direta? É o facto de serem exequíveis por si mesma ou é outra classificação que podemos utilizar
aqui? Se calhar mais do que a questão de serem exequíveis ou não por si mesmas, interessa que sejam normas
precetivas. Destes preceitos constitucionais respeitantes às DLG beneficiam de execução imediata, ou seja, não
são normas programáticas ou que necessitam de intervenção do legislador para atingir a sua finalidade nem da
intervenção em princípio do Governo em termos de atividade politica. São normas precetivas podendo ser
exequíveis ou não exequíveis por si mesmas dependendo da sua completude. Podem, não sendo exequíveis por
si mesmas, necessitar de intervenção do legislador para atingir sua finalidade, mas a sua aplicação é atual e
eficaz- isto resulta da primeira parte do artigo 18.º. A primeira parte do artigo 18º não vai muito mais longe do
que o artigo 3.º n.º3 da CRP que diz que a validade das leis ordinárias, neste caso, vai sempre depender da sua
conformidade com a norma constitucional. Neste

54
sentido, é óbvio que a aplicabilidade direta já resulta do artigo 3.º n.º3 ( “A validade das leis e dos demais
actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende
da sua conformidade com a Constituição.”). Depois podemos é ter normas precetivas exequíveis ou não
exequíveis por si mesmas. Nas não exequíveis por si mesmas, estamos a falar de normas que remetem para
lei ordinária, mas isso não significa que cidadãos não possam, desde logo, invocar esse direito no que diz
respeito à sua atuação face ao estado ou outras entidades públicas e privadas.


Vinculação de entidades públicas e privadas tradicionalmente, os direitos fundamentais eram pensados
como forma de proteção face ao Estado ( principalmente) e entidades públicas . E em relação às entidades
privadas, a vinculação seria indireta, reflexa e recaía sobre o Estado quando muito a capacidade de definir
deveres de proteção que entidades privadas estivessem obrigadas face aos cidadãos. A partir de certa altura, e
com influência alemã, passou a defender-se que direitos fundamentais não tinham apenas eficácia vertical (face
às entidades públicas) mas também eficácia horizontal ( face às entidades privadas) como forma de diminuir as
desigualdades. Começou por dizer-se que esta eficácia horizontal só existiria quando em causa existisse relação
de senhorio-arrendatário, ou empregador-trabalhador em que havia necessidade de corrigir esta desigualdade.
Mas o facto é que atualmente a nossa CRP não faz distinção entre entidades publicas e privadas e assegura estas
duas modalidades de eficácia. É importante salientar que estas entidades públicas sem exceção estão vinculadas
ao respeito desta norma. Não interessa que entidades públicas estejam afetas
função legislativa, política, administrativa ou jurisdicional. Todas elas estão vinculadas ao cumprimento
destas normas respeitantes a DLG.
o No caso das entidades jurisdicionais, o artigo 204.º ( “Nos feitos submetidos a julgamento não
podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados.” ) diz que entidades jurisdicionais estão impostas a desaplicar normas contrárias à
CRP. O artigo 204º é a base de fiscalização difusa sucessiva concreta.
o Quanto a entidades que desempenham funções administrativas, questão pode ser mais complicada
porque não temos uma norma idêntica à do 204.º para a AP. No artigo 266.º n.º2 (“Os órgãos e
agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das
suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da
imparcialidade e da boa-fé.”) temos desde logo a ideia de subordinação à CRP e à lei em sentido
lato, pelo que a Administração Pública está vinculada a cumprir estes preceitos e princípios. O que
acontece se determinada atuação administrativa desrespeitar Direitos Fundamentais? O
desrespeito pelos Direitos fundamentais é tao grave que tem como desvalor jurídico associado a
nulidade. Artigo 271.º CRP- podemos encontrar aqui algum apoio para esta discussão, visto que os
funcionários do Estado não estão sujeitos a dever de desaplicação idêntico ao previsto no artigo
204.º.
No que diz respeito ao regime de responsabilidade por atos da função legislativa, administrativa e
jurisdicional, podemos encontrar esta regra do 271.º no artigo 22.º da CRP.
o Quanto aos atos da função legislativa, isto é, quanto à vinculação da função legislativa aos DF, qual
a forma de atuar esta vinculação? A função legislativa está vinculada, nos termos do artigo 18.º
n.º1, 2ª parte ao regime dos DLG. Se não cumprir essa vinculação podemos atuar como? Através da
fiscalização da constitucionalidade.

Em termos de regime material de DLG, de regime que CRP nos diga que é aplicável aos DLG, temos já estas ideias.
Sendo que aos DLG seria aplicável todo o regime comum dos Direitos fundamentais e este regime (supostamente)
específico dos Direitos Fundamentais e, aplica-se ainda o artigo 21.º que diz respeito ao direito de resistência. Este
artigo apesar de especificamente se referir a Direitos e liberdades, podemos encontrar uma ideia mais geral de
resistência. Há autores que dizem que direito de resistência não é verdadeiro direito, que é regra acerca de outros
direitos, ou seja que no temos aqui nada de novo, mas temos apenas afloramento de regras que encontramos
noutros espaços da CRP, como por exemplo nos artigos 7.º n.º3 ( resistência quanto aos direitos dos povos) , 103.º
n.º3 (resistência fiscal), 271.º n.º3. Estas regras do artigo 18.º e 21.º farão parte do regime material dos DLG que
tem previsão especifica e direta na CRP.

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Doutrina tem conseguido identificar também regime orgânico e específico que trata da distribuição de
competências em matérias legislativa. Qual o artigo base que diz quem tem competência em matéria de
DLG? 165.º n.º1 b). para além da regra geral do artigo 165.º n.º1 b) que diz que é matéria de reserva
relativa da AR regular em geral DLG, encontramos no artigo 164.º ( alínea o) por exemplo) algumas regras
especificas de regulação de DLG de reserva absoluta de competência.

DLG tem também papel diferenciado em relação ao regime de revisão constitucional artigo 288.º impõe os limites
materiais de revisão constitucional.

Artigo 288.º
Limites materiais da revisão
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;

Aqui temos o artigo 288.º d), sendo que temos várias formas de interpretar esta disposição. Podemos entender
que os DLG não podem ser alterados pura e simplesmente. Podemos entender também que há apenas proteção do
núcleo essencial destes mesmos direitos. Outros entendem que protege a mera existência da categoria ou se vai
mais longe na confirmação material, entre outras aceções. E há depois necessidade de articular esta alínea d) com
alínea e).

Porquê? Estes direitos de trabalhadores são direitos de que tipo?

Dentro dos DLG quais são os três tipos de direitos?

*Direitos pessoais

*Direitos de participação política

*Direitos de trabalhadores.

Sendo assim, temos direitos de trabalhadores que são DLG. Quando a alínea e) fala em direitos de trabalhadores
que tipo de direitos estão aí integrados? são os direitos de trabalhadores que são DLG ou os que são DESC? Temos
direitos de trabalhadores previsto na alínea e) que são protegidos como limite material de revisão apesar de não
serem DLG. Temos cláusula geral que protege todos os DLG e depois temos a alínea e) que protege direitos de
trabalhadores que não fazem parte do elenco dos DLG, mas que são DESC.

Atentemos na especificidade do artigo 288.º d) Pessoas Coletivas podem ter direitos compatíveis com a sua
natureza nos termos do artigo 12.º n.º2. Aqui não está em causa um fundamento axiológico e por isso não está em
causa também limite material de revisão. Os DLG dos cidadãos têm de ser respeitados, mas deixa de lado as
pessoas coletivas. O facto de estar aqui em causa apenas DLG dos cidadãos não é de alguma forma despiciendo.
Neste sentido, o Legislador Constituinte estabelece apenas como limite material de revisão (os DLG dos cidadãos).

Voltando ao artigo 18.º n.º2 e n.º3, falamos aqui na restrição de DLG com base neste elenco de requisitos.

Convém lembrar porque existe a necessidade de restringir DLG. Existe a necessidade de encontrar formas de
restrição precisamente como formas de resolver situações de conflito (em causa 2 ou mais direitos de titulares
diversos) e colisão ( em causa 1 direito fundamental e bem do Estado/ sociedade). O que tem de diferente estas
situações de conflito e colisão que levam à necessidade de restrição das situações de concorrência de direitos
fundamentais?

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Situação de concorrência é conflito positivo enquanto a restrição leva à necessidade de cedência de alguma parte
de direito. Nas situações de concorrência temos duas possíveis formas:

cruzamento o mesmo comportamento do titular preenche os pressupostos de mais de que um direito fundamental.
Aplicam-se vários direitos ao mesmo tempo.
Exemplo: ato de conversar com música pode implicar liberdade de expressão, liberdade de informação,
liberdade de criação artística.

acumulação/ concorrência inautêntica temos situação de concorrência inautêntica. Há aparência de concorrência
porque temos norma geral e especial, e aqui prevalece norma especial.
Exemplo: quero criar partido político. Estarão em causa os direitos previstos nos artigos 46.º e 51.º, mas o
artigo 51.º é especial e por isso aplica-se este. Aparentemente estava em causa situação de concorrência,
mas verdadeiramente é concorrência inautêntica, porque há apenas aparência dessa concorrência. Temos
acumulação de norma geral e especial, e norma especial prevalece.

São casos que não nos levantam problemas do ponto de vista do regime aplicável porque são situações de
vantagem, em que o titular tem conflito positivo de direitos.

Estas situações de concorrência não nos preocupam. As que nos preocupam são as situações a que se refere o
artigo 18.º, isto é, as situações de conflito em sentido lato que abrangem as situações de:

conflito estão em causa direitos de vários titulares

colisão estão em causa um direito do titular e bem do Estado ou da comunidade
Estas situações preocupam-nos porque daqui resulta necessidade de diminuição de direto, não necessariamente da
titularidade, mas do exercício. Nestas situações de conflito em sentido lato estamos a falar de situações em que
estão em causa um direito do titular e bem do Estado ou da comunidade (situação de colisão) ou quando estão em
causa direitos de vários titulares (situação de conflito). Estas situações são mais preocupantes porque estas trazem
problemas para os cidadãos e resolvem-se através da restrição prevista no n.º2 e 3 do artigo 18.º. Não há restrição
sem objetivo sendo que o objetivo é resolução destes conflitos em sentido lato.

Requisitos de restrição:

18.º n.º2

restrição tem de limitar-se ao necessário devemos ler aqui necessário, adequado e não excessivo, isto
é, devemos remeter para o princípio da proporcionalidade. Esta necessidade, nos termos do n.º2 do artigo
18.º, tem sempre de nos remeter para o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes:
necessidade, adequação, e proibição de excesso/proporcionalidade em sentido estrito.


é a lei que pode restringir DLG aqui falamos de lei em sentido formal podendo ser AR ou o Governo
com autorização legislativa a legislar, nos termos do artigo 165.º n.º1 b). Temos de pensar aqui não apenas
na referência ao conceito de lei em geral, mas também no conceito de lei em sentido formal. Em causa lei
em sentido material, isto é, normas gerais e abstratas, mas também normas que sejam claras, concisas e
precisas.

18.º n.º3

Tem de revestir caráter geral e abstrato isto significa que em matéria de restrição de DLG não pode haver
leis medida, isto é, leis às quais falta abstração. Podíamos até entender que este artigo 18.º n. º3 tinha
tautologicamente repetido um princípio geral de que as normas são gerais e abstratas, mas não é isso que
acontece. Legislador Constituinte optou por incluir nesta redação do 18.º n. º3 esta previsão, não apenas para
repetir que, em princípio, leis são gerais e abstratas, mas tendo em conta que tratando-se de matéria sensível
como esta, isto é, matéria de restrição de DLG, não podemos ter leis medida ,isto é, leis elaboradas sem
abstração com intuito de regular situações em concreto ( muito evidente no âmbito do Estado Social).

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Nos termos constitucionais, é necessário que estejam em causa uma incidência subjetiva claramente
determinada e não podemos utilizá-las no âmbito de restrição.


Não podem ter efeito retroativo na restrição de DLG, não podemos ter aplicação de lei anterior à sua
entrada em vigor. Há duas outras matérias na CRP em que isso acontece: impostos e lei penal. Esta não
retroatividade sempre resultaria de outros subprincípios do estado de direito democrático como os
subprincípios da proteção da confiança e da não afetação das expetativas razoáveis.


Não podem diminuir extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais está em
causa algo que vem da Constituição alemã e da CDFUE. e no fundo o que esta em causa é que após
compatibilização de direitos temos de ter em conta que apesar de um direito poder ceder perante outro,
eles não podem perder o seu conteúdo/núcleo essencial. Ideia do ovo estrelado- podemos encontrar
formas de limitação quanto à clara do ovo, mas quanto à gema.
É impossível, atualmente, falar em regime de prevalência hierárquica de direitos, sendo que não há direitos
mais importantes que outros, não havendo lista de direitos hierarquicamente organizada. Portanto, temos
de recorrer ao critério da concordância prática ou ponderação casuística que vai atender ao caso concreto
e vai ter em conta o critério da lesão mínima. Se lesões forem mínimas mais facilmente se admitem a
respetivas restrições. Alguns autores destingem entre restrição e conformação dizendo que se houvesse
uma mera conformação com uma lesão de facto mínima que não teríamos de obedecer aos requisitos do
artigo 18º. Mas a verdade é que esta distinção entre restrição e conformação ou restrição e
condicionamento é apenas questão de grau. Todas as intervenções legislativas em matérias de direitos são
sempre conformações ou condicionadoras e é complicado efetivar uma distinção entre aquilo que seja
restrição, conformação ou condicionamento, é difícil a aplicação prática desta matéria. Temos de perceber
que sempre que pudéssemos dizer que estamos apenas perante lei conformadora estaríamos a diminuir
garantia dos particulares.


18.º n.º2

Casos expressamente previstos na CRP esta necessidade de autorização expressa determinaria, se
fosse levada à sua ideia máxima, que nunca poderíamos ter restrições se não tivéssemos previsão
constitucional a autorizá-la. E a CRP admite expressamente apenas em 2 ou 3 situações essa restrição. Há
doutrina que entende que esta referência, isto é, o requisito nem sequer deve ser tido em conta e quem
finja a sua não existência. Há quem diga que deve ser atendida. E há quem lhe atribua relevância
meramente relativa (via média).
O que é que vários autores tentam fazer para salvar as restrições da necessidade deste requisito?
Vários autores apesar de lhe chamarem coisas diferentes tentam resolver a situação a montante do artigo
18.º.

Teoria dos limites imanentes ( JM e vieira de Andrade) dizem que tal como diz o artigo 29.º n.º2 da DUDH
todos os direitos são limites dos restantes.

Teoria da conversão (seguida na Alemanha; alexy; haberle; Gomes Canotilho) corresponde à ideia de
que temos na CRP aquilo que são chamamos os direitos prima facie e que estes têm de ser convertidos em
direitos definitivos. Direitos prima facie correspondem aos direitos à primeira vista/ primeira impressão
enquanto que os direitos definitivos correspondem aos direitos que chegamos por via da interpretação
depois de perceber que todos os direitos são limites um de outro. Sendo assim, depois de esta
concordância prática ou ponderação casuística, releva a ideia de podemos chegar a esta via introduzindo a
ideia de articulação entre todos.

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Teoria das restrições implícitas (Escola de Lisboa, Reis Novais) cada um dos direitos previstos na CRP restringe
implicitamente os demais

Teoria tatbestand alargada ideia de que os Direitos fundamentais tal como previstos na CRP estão
previstos através de previsão alargada, mas depois temos de pensar que essa previsão alargada tem forma
de restringir esta amplitude máxima do seu conteúdo de modo a compatibilizar com os outros direitos da
CRP.

Todas estas teorias são muito semelhantes e visam poder resolver o problema da aplicação do artigo 18.º antes
que chegue o momento em que este artigo 18.º é necessário, nomeadamente em situações de conflito e colisão.
Pretendem limitação do conteúdo de direito dado que depois, provavelmente, já não deve ser necessário proceder
sua restrição e isso vai solucionar o problema da previsão expressa prevista no artigo 18.º n.º2. É evidente que
esta solução não responde às dificuldades especificas que levantam algum tipo de direitos como o direito à vida.

No caso do direito à vida, não conseguimos a conversão da amplitude total do seu núcleo essencial para um direito
definitivo. Não conseguimos esta aplicação a teoria da tatbestand alargada.

*Nota: Acórdão sobre diploma da eutanásia veio dizer que o direito à vida é um direito sui generis. Não significa
que não possa ser objeto de compatibilização, mas é um direito tudo ou nada, não sendo admissível graus e
conversão de direito prima facie em direito definitivo.

Sendo assim, temos direitos que não conseguimos esta conversão de direito prima facie em direito definitivo e
pode ser teoricamente complicado efetuar a aplicação destas teorias de restrições implícitas em alguns casos, no
que diz respeito à distinção que aqui temos.

Outras situações de afetação de direitos



Situações de concorrência já falamos disto anteriormente

Extinção ou perda de direitos não é admitida no nosso OJ. Cidadão não pode perder titularidade de direitos.
Aquilo a que se chamava morte cívica, degrado ou perda de direitos por condenação não existe enquanto
perdurar a vigência da nossa CRP. Não há perda de direitos fundamentais em virtude de condenação em
processo penal, sendo que o artigo 30.º n.º4 e 5 é muito claro quanto à inconstitucionalidade de uma eventual
pretensão nesse sentido, afastando estas ideia de morte cívica e extinção de direito.

Artigo 30.º
Limites das penas e das medidas de segurança
Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a
titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências
próprias da respectiva execução.

Se alguém for condenado a pena privativa de liberdade, com certeza que se restringe liberdade de
circulação, mas não há perda ou extinção de direitos.


Autolimitação e renúncia (unilateral ou contratual) nestas situações, temos intervenção voluntária do
próprio titular, temos enfraquecimento voluntário de posição jurídica subjetiva que resulta de declaração de
vontade livre e esclarecida do titular com base na ideia de autonomia privada. A diferença entre ambas é de
grau. Enquanto autolimitação é introdução de limites ao exercício do direito, na renúncia, o titular prescinde
unilateral ou contratualmente do direito. Doutrina tradicional entendia que a renúncia não era possível, mas

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cada vez mais a doutrina tem entendido no sentido contrário. Autolimitação e renúncia tem de ser sempre
revogável, podendo sempre voltar atrás


Renúncia à titularidade Renúncia ao exercício uma coisa é permitir e deve ser permitido em termos
dogmáticos a renúncia de exercício, outra coisa é a renúncia à titularidade do direito. Eu posso não exercer
o direito de maternidade, mas isso não quer dizer que renuncie à titularidade deste direito porque
mantenho a titularidade deste direito.


Suspensão de direitos esta situação está prevista no artigo 19.º.
Artigo 19.º
Suspensão do exercício de direitos

Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos,
liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma
prevista na Constituição.
O estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território
nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou
perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.
O estado de emergência é declarado quando os pressupostos referidos no número anterior se revistam de
menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias
susceptíveis de serem suspensos.
A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respectivas declaração e
execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas
extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da
normalidade constitucional.
A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a
especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado
declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência de
declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.
A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos à
vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroactividade da
lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.
A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional
nos termos previstos na Constituição e na lei, não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras
constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio
das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respectivos titulares.
A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autoridades competência para
tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da
normalidade constitucional.

Enquanto a restrição é passível de acontecer em qualquer momento (basta haver situação de conflito ou
colisão), suspensão só pode acontecer em estados de exceção constitucional como o estado de sítio ou
estado de emergência. Enquanto que suspensão é total e implica que durante aquele tempo (15 dias com
possibilidade de renovação) o direito pode não ser exercido , mas a restrição não afeta núcleo essencial do
direito nem impede o seu exercício pelo que é parcial. Suspensão é temporária e a restrição é definitiva.

O artigo 19 nº5 da CRP vem dizer que os DLG suspensos devem encontrar-se formalmente expressão na
declaração de estado de sítio ou de emergência o que significa que, de 15 em 15 dias, o declarante (PR) tem de
avaliar estes pressupostos. O n.º6 do artigo 19.º vem estabelecer que direitos não podem ser suspensos nunca
através da declaração do estado de sítio ou estado de emergência. Este artigo não pode ser visto como qualquer
expressão de tipo de hierarquia, pelo que estes direitos não são mais importantes do que outros. Pura e
simplesmente, estes direitos nunca justificam a respetiva suspensão, isto é, são direitos impossíveis

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de ser suspensos. Não há suscetibilidade de suspensão destes direitos pela sua própria natureza e não pela
sua importância.

Os atos do PR, a declaração de Estado de sítio de emergência por conterem normas e a possibilidade de
suspensão de direitos expressas normativamente são os únicos atos do PR sujeitos a fiscalização de
constitucionalidade, porque o nosso sistema é sistema de fiscalização normativo.


Relações especiais de poder/ de estatuto especial está em causa situação de funcionários públicos ou militares,
por se entender que estão numa determinada relação com o Estado da qual pode resultar situação
de limitação acrescida
→de direitos. Isto justificaria limitação acrescida por decorrência do interesse público.
Artigos 269.º e 270.º é própria CRP que traz para o articulado estas situações, nos termos dos respetivos
artigos, para a função pública e militares e agentes militarizados. O artigo 270.º vem trazer vários requisitos
a restrições que podem ser acrescidas em relação às restrições gerais e nesta matéria aplica-se uma
distribuição de competências especial sendo matéria de reserva absoluta (artigo 164.º o)). Mesmo estas
categorias que estejam em relação especial de poder, são categorias de pessoas que ingressaram
voluntariamente nessa qualidade/estatuto.

Isto completa as situações de afetação de direitos que encontramos a par das restrições.

Até agora temos falado do regime comum dos Direitos Fundamentais e do suposto regime específico dos DLG.
Quer o regime comum dos Direitos fundamentais aplicável a qualquer direito quer o regime específico dos DLG
resultam expressamente do texto constitucional.

Regime (supostamente) específico dos DESC

O suposto regime específico dos DESC é uma construção doutrinal, isto é, não encontra apoio expresso na CRP. À
primeira vista, poderíamos tirar a conclusão que por não se encontrar expresso, que este regime não existia e não
poderíamos autonomiza-lo.

Contudo, a doutrina, percebendo a sua importância, tentou ao longo do tempo desenhar os seus traços
fundamentais, elaborando a distinção entre o regime formal e orgânico e o regime material, que de alguma forma
resulta quase por antítese em relação ao regime específico dos DLG.
Quanto ao regime formal e orgânico:

Quanto ao regime formal e orgânico, sabemos que os DLG têm um regime de reserva relativa – artigo 165.º, n.º 1,
b). Contudo, no caso dos DESC, não temos nenhuma regra/previsão constitucional desta magnitude, pelo que
concluímos que (não havendo qualquer previsão relativa aos DESC) a matéria é concorrencial, não estando sujeita
a nenhuma reserva, exceto em 3 casos expressos na CRP:

Artigo 164.º i) em matéria de reserva absoluta – “ Bases do sistema de ensino”


Artigo 165.º nº1 f) em matéria de reserva relativa – “ Bases do sistema de segurança social e do serviço
nacional de saúde”
Artigo 165.º nº1 g) em matéria de reserva relativa – “Bases do sistema de protecção da natureza, do
equilíbrio ecológico e do património cultural”

Fora estes casos que correspondem a reserva absoluta e relativa da competência legislativa da AR, não temos uma
previsão expressa da CRP no que diz respeito ao seu regime formal e orgânico. Neste sentido, e à contrário, toda a
matéria restante (excetuando estas 3 situações) respeitante aos DESC é matéria concorrencial.

Mas não nos podemos esquecer que em matéria concorrencial e por via do artigo 112.º CRP vigora o princípio da
paridade, sendo que Lei e Decreto-Lei têm igual valor, e por isso, há revogabilidade mútua.

O que temos de entender é que mesmo que a matéria seja concorrencial e que exceto nestes casos não haja reserva da
AR, o regime dos DESC não pode ser objeto de regulamento. Podíamos entender que nem sequer teríamos de

61
seguir forma de lei, e que poderíamos seguir forma de regulamento (íamos ao artigo 112.º nº7 e seguimos forma
de regulamento), mas não. É necessário a forma de lei/ato legislativo podendo ser lei ou DL nos termos do princípio
da paridade.
Regime de revisão constitucional

O segundo ponto em relação a este suposto regime específico dos DESC é aquele que tem que ver com os limites
materiais de revisão constitucional. Nesta matéria, a única referência que encontramos no artigo 288.º em matéria
de direitos sociais diz respeito aos direitos dos trabalhadores – artigo 288.º, alínea e). Isto tem uma explicação
histórica, na medida que a ideia de proteção dos trabalhadores era uma preocupação muito presente na altura de
elaboração do texto constitucional após a revolução. O legislador constituinte entendeu, a par da proteção dos DLG
(prevista no artigo 288.º, d) CRP), vem estabelecer esta proteção acrescida dos direitos dos trabalhadores.

Relembrando, nós temos dentro dos DLG: DLG pessoais; de participação política e dos trabalhadores.

E depois, para além disso, temos os direitos dos trabalhadores qualificados enquanto direitos sociais, sendo que
são estes últimos que temos de ter em conta quando falamos da alínea e) do artigo 288.º CRP.

Regime material específico dos DESC:

Este regime material específico não encontra propriamente uma forma de apoio na CRP, ainda que a doutrina
acentue que os DESC por exigirem prestações e por resultarem da previsão daquilo que é o Estado social/ Estado
bem-estar/ Estado providência, vem identificar três traços essenciais naquilo que é este regime material:


Dependência legal Será que isto é um traço dos DESC? Nós não temos também DLG que necessitam do
legislador? Lembrando a diferença entre normas percetivas e programáticas é que as normas
programáticas exigem intervenção da função governativa, por exemplo, enquanto as normas precetivas
não necessitam dessa intervenção. Mas dentro das normas percetivas que não necessitam de intervenção
político governativa, temos normas que precisam de intervenção do legislador (têm dependência legal) e
temos normas que não precisam e não tem essa necessidade. Mais do que a ideia de dependência legal,
temos de perceber que esta dimensão prestacional dos direitos sociais depende muito do que se entende
que são as tarefas do estado. Quando no artigo 9.º da CRP temos identificação da garantia dos Direitos e
liberdades fundamentais (alínea b)) e depois efetivação de direitos sociais alínea d)) percebemos que há
distinção quanto ao tipo de atuação que Estado tem de ter em relação a cada uma das categorias dos
Direitos Fundamentais.
E neste sentido, a doutrina entende que há no caso dos DESC uma indeterminação acerca das tarefas a
realizar que é muito maior no caso dos DESC do que nos DLG.
Mas atenção que temos DLG previstos através de normas precetivas não exequíveis por si mesmas que
necessitam de concurso, colaboração do legislador ordinário.
Os DESC são normalmente previstos através de normas programáticas e não precetivas.

Mais do que dependência legal que podemos encontrar nas normas precetivas não exequíveis por si
mesmas, temos dependência que vai além da dependência legal. A dependência legal fica aquém do que é
necessário no que diz respeito aos DESC que necessitam de intervenção da função governativa (função
política em sentido estrito) e não apenas da furação legislativa. Há dependência legal, mas é mais do que
isso. Dependência legal também existe nos DLG nas normas precetivas não exequíveis por si mesmas,
porque independentemente da aplicabilidade direta, estão dependentes para sua melhor concretização,
daquilo que é a intervenção do legislador ordinário.


Reserva do financeira e tecnologicamente possível A doutrina tem também acentuado que quanto aos
DESC existem os graus de efetivação – ou seja, enquanto nos DLG supostamente a posição é binária, isto é,
ou são garantidos/efetivados ou não ( discutível); nos DESC estes graus possíveis de efetivação estariam
sujeitos ao princípio da reserva do possível, sendo que a efetivação operava através de operações que

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dependem em cada momento histórico daquilo que era possível (não apenas financeiramente possível
como a doutrina entendia tradicionalmente, mas também tecnologicamente possível, etc.).

Proibição do retrocesso A partir do momento em que for alcançado o maior grau de proteção deixa de constituir
uma opção voltar atrás.

Este entrecruzamento entre a reserva do possível e o princípio do não retrocesso que foi acentuado pela doutrina
durante muito tempo, era também acompanhado pela evidência que no âmbito dos direitos sociais há forma mais
evidente de participação dos interessados a propósito da realização de vários interesses e satisfação de várias
necessidades coletivas. Está aqui em causa o status activus processualis – o estatuto de cidadania ativa que é
conseguido em termos processuais, em termos de participação dos próprios interessados naquilo que é a garantia
e efetivação dos DESC.

Estes são traços que a doutrina tem identificado no regime específico dos DLG, não obstante não haver qualquer
previsão direta na CRP.

Mais recentemente, estes direitos têm vindo a estar muito associados ao núcleo essencial mínimo da dignidade da
pessoa humana, que o TC tem feito resultar em garantir determinadas prestações como RSI (rendimento social de
inserção) ou rendimento mínimo garantido. Ou seja, tem-se entendido que o princípio da dignidade da pessoa
humana na jurisprudência mais recente do TC está mais ligado em termos de efetivação e concretização aos DESC
do que propriamente aos DLG.

Dogmática unitária dos Direitos fundamentais

Temos, então o regime comum dos Direitos Fundamentais, o regime (supostamente) específico dos DLG e o
(suposto) regime específico dos DESC ( apesar de não ter previsão constitucional expressa) .

Ora, sabemos que tem havido uma tendência no sentido de contrariar esta proposta de divisão e esta designa-se
por dogmática unitária dos direitos fundamentais que é uma corrente que nasce na Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa através de autores como Reis Novais, André Salgado Matos, entre outros e que tem vindo a
ganhar vários adeptos.

Esta corrente não nega que exista uma diferente categoria, pelo que há necessariamente uma categoria de DLG e uma
categoria de DESC, sendo que o que nega é que o regime seja diferenciado – diz isto porque considera que se existisse
realmente esta diferenciação e tivéssemos regime tão diferenciador dos DLG e dos DESC, verdadeiramente, os DESC não
eram Direitos Fundamentais mas sim declarações/proclamações do legislador constituinte que estavam dependentes
das circunstâncias do momento mas que não correspondiam a direitos fundamentais .

Esta doutrina unitária dos Direitos Fundamentais vai olhar para cada um dos supostos traços específicos apontadas
pela doutrina em relação aos DESC e dizer que não é assim.

Vai olhar para esta proibição do retrocesso e vai dizer que este princípio é implausível até porque conflitua
com o princípio da reserva do possível e que a proibição do retrocesso é uma característica que resulta do
Estado de Direito e se é característica essencial dos DESC haverá um princípio igual aplicável aos DLG.
Substitui a ideia da proibição do retrocesso pela proibição de afetação de expectativas legitimas dos
cidadãos. Mesmo nestes casos, as circunstâncias do momento podem conduzir a um
estado/situação/condição em que nem assim seja possível garantir efetivação dos direitos. Isso foi muito
discutido pelo TC no âmbito da jurisprudência da crise a propósito da efetivação de direitos nesse contexto.
Quanto à reserva do possível, a doutrina diz o mesmo dizendo que também em relação aos DLG são necessárias
prestações, pelo que não faz sentido esta diferenciação. a reserva do financeiramente possível também se aplica
aos DLG. Devemos ainda entender que hoje em dia esta reserva do possível não se esgota

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no financeiramente possível e abrange também outro tipo de dependências como dependências
internacionais e tecnológicas, por exemplo.

Esta dogmática além de ir aos traços supostamente específicos dos DESC e dizer que não são especifico dos DESC e
que valem para qualquer Direito fundamental, a dogmática unitária dos Direitos Fundamentais faz ainda o caminho
inverso, ou seja, vai ainda ao suposto regime específico dos DLG e verifica se estas características são ou não únicas
dos DLG :

aplicabilidade direta podem haver mais dúvidas neste caso pela diferenciação entre normas precetivas e
programáticas, mas só por causa disso.

vinculação de entidades publicas e privadas os DESC necessariamente também vinculam entidades publicas e
privadas.

proporcionalidade pode haver restrições a DESC sem atender ao princípio da proporcionalidade? Claro que não,
porque este princípio é subprincípio, corolário do Estado de Direito.

A dogmática unitária começa por destruir por assim dizer a aplicabilidade do regime específico dos DESC dizendo
que os Direitos Fundamentais devem ser tratados em termos unitários relativamente ao seu regime material.
Quanto ao regime orgânico/formal e regime de limite material temos regras específicas dadas pela CRP.

Quanto à questão do regime material não há, de facto, uma diferenciação entre os dois tipos de Direitos
Fundamentais – esta dogmática entendia que numa possível revisão constitucional faria sentido reconstruir esta
parte geral dos Direitos Fundamentais de modo a acolher algumas destas constatações da dogmática unitária.

Artigo 17.º CRP

Artigo 17.º
Regime dos direitos, liberdades e garantias

O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos

direitos fundamentais de natureza análoga . análoga aos DLG

Aqui falámos de direitos fundamentais de natureza análoga.

O que temos neste artigo 17.º é a regra de que o regime específico dos DLG se aplica não apenas aos direitos
fundamentais que a CRP expressamente designa como DLG, mas também aos Direitos Fundamentais que têm uma
natureza análoga/similar a estes. O legislador constituinte pretendeu que em caso de erro/engano seu na
qualificação de um direito - isto é, quando, por exemplo, qualificou na parte dos DESC um determinado direito, mas
ele tem uma natureza análoga aos DESC - então que se aplique o regime (material) específico dos DLG (regime
supostamente mais apertado).

Estes direitos de natureza análoga podem surgir :

qualificados formalmente enquanto DESC


podem estar fora da parte I
podem estar fora do texto constitucional por via do princípio da cláusula aberta previsto no artigo 16.º, n.º
1 CRP

Quando encontramos direito por via do artigo 16.º e da cláusula aberta noutra parte da CRP ou fora da CRP, temos
de ter duplo raciocínio:

Será que esta posição jurídica é um direito fundamental e vamos importá-la por via do artigo 16.º?
Sendo Direito Fundamental, qual é a sua natureza? É DLG ou DESC?

64
Se chegarmos à conclusão que é Direito Fundamental e de natureza similar aos DLG, então o artigo 17.º dá uma
ordem. Depreende-se da leitura do artigo 17.º que o legislador constituinte estabeleceu regra de que se
encontramos direito análogo, temos de aplicar regime específico dos DLG.

O professor Jorge Miranda entende que o artigo 17.º CRP só manda aplicar o regime material específico, ou seja, só
manda aplicar o artigo 18.º CRP – mas isto não tem muito sentido, pelo que muitos autores como Gones Canotilho,
Vieira de Andrade, Vital Moreira, têm vindo a dizer que a partir do momento em que o artigo 17.º CRP mande
aplicar o regime específico dos DLG, manda aplicar todo o regime e não apenas o regime material.

Exemplo: artigo 165.º n.º1 b) só diz respeito aos DLG- JM diz que la só está escrito DLG e teria de estar escrito
direitos de natureza análoga aos DLG, mas isso não faz sentido a partir do momento em que temos cláusula geral
de equiparação no artigo 17.º. Temos relação de analogia estrutural. Não poderia fazer sentido que apresar de
referência no artigo 17.º, nós depois tivéssemos de estar artigo a artigo referir que isto também se aplica aos
direitos fundamentais de natureza análoga.

Exemplo de direito comummente reconhecido pela doutrina como direito de natureza análoga em alguma das suas
dimensões: artigo 62.º CRP – direito de propriedade.

Exemplo de direito de natureza análoga aos DLG previsto fora da parte I – artigo 268.º.

Resumindo, encontramos Direitos Fundamentais previstos de forma expressa e por via do artigo 17.º podemos
encontra Direitos Fundamentais de natureza análoga: no âmbito dos DESC; no âmbito dos Direitos Fundamentais
dispersos ao longo da CRP; ou no âmbito dos direitos extravagantes fora da CRP.

Em termos de gradação de regime, e não hierarquia, nós podemos ter:


DLG
Direitos Fundamentais de natureza análoga a DLG a que o artigo 17.º manda aplicar o regime do artigo 18.º o
Direitos sociais dos trabalhadores – por causa do artigo 288.º, alínea e)
o Os restantes DESC
o Direitos fundamentais dispersos (fora da Parte I da CRP, mas dentro do texto constitucional) e extravagantes
(fora do texto constitucional a que chegamos por via do artigo 16.º CRP)

Ponto da próxima aula Direito fundamental em especial
Artigo 26.º CRP – aqui não está previsto o direito à intimidade genética, mas apenas à identidade genética. Aqui o
que encontramos é que onde a CRP fala em identidade genética nós temos de perceber que se fala em intimidade
e identidade genética.

Direitos Fundamentais em especial


Direito à identidade genética

A identidade genética marca cada um de nós. Em parte, todos temos o mesmo genoma porque temos genoma
humano, mas depois cada um de nós terá genes correspondentes a outra dimensão: genes idênticos aos nossos
familiares e genes idênticos ao grupo que nos inserimos.

Há uma parte comum (todos nós humanos temos) e parte específica que marca a individualidade de cada um de nós.

Apesar de CRP termos previsão de identidade genética no artigo 26.º, mais do que identidade temos em conta
também intimidade genética.

O direito à identidade genética está previsto desde revisão de 1997. Porquê esta ligação temporal?

65
Porquê que em 1997 aparece convenção de Oviedo, a inserção de direito à identidade genética na nossa CRP, a
convenção sobre genoma humano? Será coincidência? Esta antecipação é importante porque em 1997 já se tinha
percebido que se ia conseguir a descodificação do genoma humano. A informação que todos temos em comum,
isto é, informação do genoma humano que todos temos em comum estava a trabalhar-se para sua respetiva
descodificação- descodificação do livro da vida. E em 1997 tínhamos dois consórcios a trabalhar para
descodificação do genoma humano, e nesse ano apesar de ainda não ser ter conseguido chegar à descodificação,
mas já se tinha percebido que se ia chegar lá.

Há todos estes instrumentos a prever com antecipação em 1997 esta matéria como forma de obviar os problemas
que eventualmente poderiam decorrer da descodificação do genoma humano.

Este direito à identidade genética previsto na CRP remete para a ideia de genética que Luís Archer chamava a
ciência do futuro, na medida em que o gene é a semente do que há de vir.

Neste contexto, temos de pensar que de qualquer forma e tendo em conta centralidade dos DF no estado de direito
democrático que conhecemos, temos de pensar na primazia da pessoa, na primazia da Dignidade da Pessoa Humana
aqui como pedra angular da bioética que corresponde ao conjunto de normas éticas aplicáveis à ciência biológica,
à ciência da vida.

Bioética – previsão e estatuição é do domínio da ética


Biodireito– aqui a previsão e estatuição/sanção passa a ser jurídica

Quer normas éticas quer normas jurídicas têm em comum o facto de serem normas e corresponderem a dever ser,
ter previsão e estatuição, isto é, ter previsão e sanção .

A Convenção de Oviedo marca o momento em que passamos da bioética para o biodireito.

Uma coisa é termos limitações decorrentes do mundo da ética, outra cisa é termos limitações decorrentes já do
mundo jurídico com outro tipo de sanções.

O modo como articulamos a questão da genética com Dignidade da Pessoa Humana pode levar de alguma forma a
redefinir o próprio conceito de pessoa.

O momento do início da pessoa jurídica é nascimento completo e com vida e do fim é morte, nos termos do CC.

Discussão sobre que é ser pessoa tem seculos, mas esta questão de genética leva-nos a ter de discutir este conceito
de ser pessoa.

Jorge Sequeira fala na questão do horóscopo genético, a medida que cada um de nos com identificação genética
que cada um tem é também já uma predição daquilo que virá ser, por exemplo, no que diz respeito a
suscetibilidade de saber com base na análise de identidade genética se se vem a ter possibilidade de desenvolver
determinada doença através de predisposição genética para isso.

Quando pensamos netses termos se faz sentido redefinir o conceito de pessoa que é o centro dos DF,
provavelmente vamos voltar à discussão de saber qual o conceito biológico, filosófico, psicológico de pessoa, se há
distinção entre pessoa e indivíduo e qual distinção entre personalidade e capacidade jurídica.

O grande problema é tentar perceber se eventualmente a redefinição de conceito de pessoa vai ser reduzida ao conceito
de gene, ou seja, se o conceito filosófico de pessoa vai reduzir-se ao conceito de gene e de genoma humano.
aqui que importa introduzir os avisos da bioética, biomedicina, biotecnologia.
Bioética corresponde então às normas éticas aplicáveis à ciência da vida.

Van Rensselaer Potter (1970) falava de bioética em sentido muito amplo falando da :

66
Macrobioética- esta podia ter que ver com questão ambiental e utilização de recursos ambientais. Ele dizia que
a circunstância de utilizarmos recursos humanos tem de ser pensada em termos éticos.
microbioética - relação com experimentação, com manipulação genética. Esta microbioética que vai avançando
através do Relatório Belmont.

Relatório Belmont (1978) estabelece 3 princípios:



Autonomia a possibilidade de próprio estabelecer/criar as suas próprias normas
→ →
Beneficência esta em causa ideia de intervenção ter de ser utilizada no sentido de vantagem e ser positiva. o Justiça
questão que tem sido discutida ultimamente é questão de justiça na alocação de recursos escassos.
Quando, por exemplo, temos 700 camas de cuidados intensivos e precisamos muitas mais como vamos
alocar esses recursos escassos? Questão de prioritização no acesso a bens de saúde é questão de bioética,
de normas éticas aplicáveis a esta matéria.

Estes são os 3 princípios base que resultavam deste relatório e que foram completados ao longos dos tempos.

Atualmente, temos estes princípios :

Princípios bioéticos gerais:


Princípio da autonomia o
Princípio da beneficência

o Princípio da não-maleficência não é apenas contrário da beneficência. Significa que não deve ser
utilizada a manipulação, experimentação quando dai possa resultar eventualmente um dano. Vai mais
longe do que mera beneficência.
o Princípio da justiça

o Princípio da precaução as novas técnicas quando não temos conhecimento dos resultados, devem ser
utilizadas? De acordo com este princípio não. Este princípio é muito falado em matéria ambiental também.
Imagine-se indústria poluente. Se não temos certeza dos efeitos nocivos que dai podem resultar, estão essa
indústria não deve ser autorizada.

Princípios bioéticos específicos que resultam de forma de integração



Princípio da vulnerabilidade e princípio da solidariedade é isso que justifica que alguém que não é doador
de órgãos possa receber um órgão. Desconsidera-se atitude que alguém toma, por exemplo quem se
inscreve como não dador em Portugal, pode ainda assim receber órgão
Princípio da subsidiariedade e princípio da socialidade o
Princípio da confidencialidade e princípio da privacidade o
Princípio da liberdade de investigação e responsabilidade

Onde encontramos a previsão de que liberdade de investigação é um DF na CRP? Artigo 42.º. Porquê que é
importante perceber que liberdade de investigação é um DF? Quando se diz que há limitações bioéticas ou de
biodireito em relação, por exemplo a possibilidade de investigar determinada matéria e se direito de investigação é
DF o que podemos dizer aqui? Temos de entender que a liberdade de investigação em si também é DF e se assim é
,só podemos admitir restrições se estiver em causa situação de conflito e colisão e cumprimento dos restantes
requisitos do artigo 18.º. Temos de entender de que forma podemos aceitar ou não estas limitações.

Quando passamos da bioética para biodireito significa que está em causa esta expressão do pensamento jurídico
que vem trazer força jurídica às diretrizes traçadas pela bioética.

E temos de nos lembrar que os DF vinculam entidades públicas e privadas, quer por via do artigo 18.º, quer por via
da dogmática unitária dos DF, quer por via do princípio do estado de Direito. Os DF vinculam entidades públicas e

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privadas e sabemos que a resolução de situações de conflito e colisão têm de ser resolvidas através do princípio da
concordância prática ou da ponderação casuística.

Isto é importante porque quando falamos nestas matérias de manipulação e experimentação genética, pensamos
num eugenismo do estado e muitas vezes esquecemo-nos que aquilo que eventualmente damos como mais ou
menos inofensivo é também forma de eugenismo de privados, aquilo que Habermas chame eugenia liberal.
Questões como terapia génica (ou seja intervenção no genoma para efeitos de melhoramento- esta terapia pode
ser somática ou germinativa), a medicina preditiva (perceber se há a tal predisposição para vir a desenvolver
determinada doença; possibilidade de temos de encontrar à nossa porta testes de kits genéticos para verificarmos

essa predisposição para determinadas doenças),a forma como é regulada procriação medicamente assistida
Tudo isto tem de fazer-nos perceber que temos de lembrar de vinculação de entidades públicas e privadas.

*Nota apreciativa: Muitas vezes inquietamo-nos com lembrança de manipulação eugénica de má memória, mas se
formos perguntar acerca da procriação medicamente assistida e qual a sua opinião acerca da possibilidade de pais
escolherem cor de olhos da criança que vamos nascer. Vamos ver pessoas que se horrorizam com ideia de
manipulação genética a elogiar a possibilidade de os pais poderem escolherem a cor dos olhos da criança que vai
nascer. Mas isto é praticamente a mesma coisa. As possibilidades técnicas e biomédicas envolvidas na manipulação
genética são as mesmas envolvidas na suscetibilidade de escolha de características não medicas do embrião que
virá a nascer. A lei de procriação medicamente assistida proíbe que seja escolhida cor dos olhos da criança que vai
nascer mas permite que haja intervenção no genoma da descendência para evitar que seja passada determinada
doença. Proíbe ainda que seja feita escolha do sexo da criança a nascer exceto quando se sabe que naquela linha
de descendência há doença que passa apenas para embriões de sexo feminino e nesse caso permite-se
possibilidade de escolha de embriões.

O tal eugenismo por parte do estado que nos inquieta pode entrar de outra forma através deste tal eugenismo de
privados ou esta eugenia liberal. Isto não quer dizer que não possamos ter em conta as possibilidades técnicas e
biomédicas hoje em dia, mas temos de perceber que estão em causa as mesmas técnicas biomédicas.

O genoma humano vem trazer cada vez maior conhecimento do Homem. Não vem trazer muitas perguntas novas,
vem é trazer novas respostas para perguntas antigas e vem trazer caráter de certeza. Questão da origem das
espécies e saber o que qualifica determinada espécie foram perguntas a que autores como Darwin e Mendel já
procuraram dar resposta. Aquilo que conseguimos com ADN a partir do seculo XIX e XX com teoria de Avery é que
temos suscetibilidade maior de certeza e por isso é que vamos discutir se informação genética é repensável pelas
características da pessoa ou estamos pura e simplesmente a reduzir pessoa à sua identidade genética.

Esta sequenciação completa do genoma humano começou em 1990.

As questões éticas, jurídicas e sociais (ELSI) levaram a discussão grande daquilo que foram problemas à volta da
sequenciação a propósito da decodificação do genoma humano. O projeto Genoma humano foi lançado em 91990
com dois consórcios e em 1998 percebe-se que se vai chegar à descodificação que irá ocorrer finalmente em 2003.

A análise de informação que está disponível sobre o património genético de cada ser humano é hoje em dia
possível através desta identificação.

O parecer n.º 43 de 2004 do Conselho Nacional de ética para as ciências da vida ( CNECV) vem dizer que “ se a
sociedade democrática e plural abraça este empreendimento com a curiosidade e expectativa habituais a qualquer
projecto com esta dimensão, deve dispensar, igualmente, parte substancial dos seus recursos para o estudo
aprofundado das questões éticas, sociais e legais despertadas pela análise do genoma humano e o subsequente
tratamento da informação genética.”

então porque hoje vivemos em modelo posterior à descodificação do genoma humano, que dizemos que vivemos
numa era pós-genómica. Temos de entender que identificação do ser humano não se pode reduzir/circunscrever à
identidade pessoal. Relaciona-se com ela, necessariamente, mas não se pode reduzir à identidade genética. A

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identidade pessoal é mais abrangente do que a identidade genética. Isso é evidente no caso de gémeos que têm a
mesma identidade genética e não têm mesma identidade pessoal, na medida que a identidade pessoal é também
cunhada na relação com os outros, na forma social de intervenção. Há que verificar em que medida podemos ser
servidos pelas técnicas biomédicas mas também quanto podemos ser afetados por elas ( princípio da precaução
que temos de ter em termos bioéticos).

Porque estamos numa era pós-genómica é que vamos encontrar direito de identidade genética como direito de 4º
geração ( Noberto Bobbio) e encontramos previsão normativa da identidade genética :

A nível nacional:
Artigo 26.º CRP, por via da revisão constitucional de 1997

A nível internacional:

Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (DUGHDH, Unesco, 1997) antes da
descodificação do genoma mas numa altura em que já se sabia que se ia chegar ao fim ;

Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos (DIDGH, Unesco, 2004) posterior à descodificação do
genoma humano;

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, DUBDH, 2005) posterior à descodificação do
genoma humano;
Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às aplicações da
Biologia e da Medicina/Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (Convenção de Oviedo,

1997) elaborada no âmbito do conselho da europa. Apesar de ser elaborada nesse âmbito foi subscrita
por vários países não europeus como Japão, austrália, EUA, etc. Também esta previsão normativa é
anterior à descodificação do genoma humano;

Declaração Ibero-Latino-América sobre Ética e Genética de 1996 (Declaração de Manzanillo) anterior à descodificação
do genoma

Em 1997, Declaração sobre o Genoma Humano da Unesco dizia :

Artigo 1.º: “O genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana,

assim como do reconhecimento de sua inerente dignidade e diversidade” – património da Humanidade todos
temos parte do genoma que é igual porque fazemos parte de espécie humana e temos parte que é diferente,
porque não fazemos parte da mesma família e porque temos essa parte absolutamente individual.

Artigo 11.º: “Não é permitida qualquer prática contrária à dignidade humana, como a clonagem reprodutiva de
seres humanos. ”

Qual a vantagem de em 1997 e antes da decodificação do genoma humano virmos aqui com esta conclusão e
previsão de que genoma humano é património da humanidade? Para a descodificação de genoma humano
estavam 2 consórcios a trabalhar. Vamos supor que não havia nenhuma norma antes da descodificação do
genoma humano e que um dos consórcios tinha chegado à descodificação do genoma humano. O que poderia
ter feito esse consórcio se não houvesse esta previsão prévia de que o genoma humano é património da
humanidade? Podia ter patenteado. Quando dizemos que está em causa o facto do genoma humano ser
património da humanidade queremos dizer é que se é património da humanidade, não é património próprio de
determinada empresa farmacêutica ou consorcio científico. Ou seja, a grande vantagem de ter sido previamente
determinado que genoma humano é património da humanidade significa que não é património
próprio e, logo, não pode ser patenteado por determinada entidade. Imagine-se que o consórcio podia

ter patenteado o genoma humano qualquer outra investigação que quisesse partir do genoma humano
teria de pagar direitos de autor em termos de licenciamento industrial intelectual.

69
Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos (Unesco, 2004)

Artigo 3.º : “Cada indivíduo tem uma constituição genética característica. No entanto, não se pode reduzir a
identidade de uma pessoa a características genéticas, uma vez que ela é constituída pela intervenção de complexos
factores educativos, ambientais e pessoais, bem como de relações afectivas, sociais, espirituais e culturais com

outros indivíduos, e implica um elemento de liberdade”. importância da ideia de liberdade e de que identidade
pessoal é mais ampla que identidade genética. Nós não podemos reduzir aquilo que é a identidade pessoal ao
determinismo genético. O que está em causa é esta necessidade de garantir esta ideia de liberdade e que as
pessoas são mais do que este reducionismo genético.

Qual especificidade destas informações de dados genéticos:



serem preditivas de predisposições genéticas dos indivíduos a informação que pode resultar de informação genética é
necessariamente apenas probabilística e não mais do que isso. Questão que resulta
daqui é se alguém pode ser discriminado por uma mera probabilidade ?
poderem ter um impacto significativo sobre a família, incluindo a descendência, ao longo de várias gerações, e em

certos casos sobre todo o grupo a que pertence a pessoa em causa Na parte em que são idênticas aos
respetivos familiares, estes dados podem ter importância em termos do impacto significativo sobre a família ao
logo de varias gerações e por isso é que é importante no caso de determinadas doenças com
expressão génica
poderem conter informações cuja importância não é necessariamente conhecida no momento em que são

recolhidas as amostras biológicas ou seja, imaginem que é recolhida neste momento uma amostra
biológica e que agora estado da ciência permite recolha de determinadas informações. Mas pode ser que
daqui a 20 anos o avanço do estado de ciência possa permitir recolher muitas mais informações.

poderem revestir-se de importância cultural para pessoas ou grupos Exemplo: na Islândia, a população tem
homogeneidade muito grande devido aos poucos contactos com outros grupos étnicos. O Governo islandês
perguntou se população estava disposta a fazer-se base de dados gerais com perfis genéticos das várias pessoas,
sendo que esta pode servir para efeitos de identificação civil, por exemplo. Fez-se base de dados com garantia
de confidencialidade e a seguir Estado islandês vendeu base de dados à Roche (indústria farmacêutica). O que
interessa à Roche? Vamos supor um qualquer medicamento/químico que tem sempre efeitos secundários. A
farmacogenética permite , por exemplo, que quando mais for precisa informação dos destinatários dos
medicamentos eliminar suscetibilidade de determinados efeitos secundários. Quando temos informação em
relação ao Estado islandês, neste caso, à população islandesa que é minimamente homogénea, a vantagem da
Roche era ter informação genética para fabricar medicamentos que pelo menos quanto à população islandesa
iriam ter menos efeitos secundários adversos. Uma das vantagem da farmacogenética é então a adequação às
características genéticas dos destinatários dos medicamentos. O problema aqui não esteve na recolha das
amostras, mas no facto do Estado Islandês ter utilizado informação para finalidade que não era a finalidade que
tinha determinado recolha de amostras.

Convenção de Oviedo- entrou em vigor na Ordem Jurídica portuguesa em 2001

Artigo 13.º(Intervenções sobre o genoma humano): “(…) não pode ser levada a efeito senão por razões preventivas,
de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da

descendência.” esta distinção entre terapia génica que não tem depois efeitos no genoma de descendência .
Artigo 14.º (Não selecção do sexo): “Não é admitida a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida

para escolher o sexo da criança a nascer, salvo para evitar graves doenças hereditárias ligadas ao sexo.”
exemplo referido anteriormente que pode levar à suscetibilidade de seleção de embriões no caso de haver doença
transmitida por via génica ao longo da linha de descendência.

Protocolo adicional que proíbe clonagem entrou em vigor na Ordem Jurídica portuguesa em 2001 e proíbe clonagem.
Protocolo e convenção entram em vigor em 2001, antes da finalíssima descodificação do genoma humano,

70
tendo atitude preventiva, quer em termos de normas éticas e jurídicas, tentando antecipar os problemas que se
anteviam. São regras gerais que apenas visam dar enquadramento geral aos problemas que sabiam que viriam.

Todas estas preocupações visam a diferenciação entre identidade pessoal e identidade genética e ideia que
devemos afastar o determinismo genético.

Pareceres 40/CNECV/01 e 43/CNECV/04: “duas pessoas, mesmo que genotipicamente idênticas, acabarão por ter
sempre uma personalidade distinta, devido à influência de factores culturais e do ambiente em que vivem e se
desenvolvem. Não é possível clonar a identidade pessoal, uma vez que ela é fruto da liberdade, da originalidade e

da forma de ser e de estar que compõe a vida de cada pessoa de uma maneira singular” está presente a ideia de
que identidade da pessoal é mais ampla que identidade genética e de evitar o reducionismo genético. O conceito
de pessoa não se reduz à sua informação genética. Clonar identidade genética/informação genética é tecnicamente
possível, mas clonar identidade pessoal é impossível na medida que há intervenção destes fatores diferenciadores.

A tutela da identidade genética impõe a proteção da irrepetibilidade e integridade do genoma humano contra as
aspirações do reducionismo, da instrumentalização, da catalogação que podem advir por meio de uma finalidade
incorreta atribuída às novas descobertas científicas no âmbito da biologia e da medicina, em especial no que se

refere ao campo de atuação da genética humana. isto resulta também dos pareceres do CNECV.

com esta preocupação que nos vem de instrumentos internacionais que encontramos nesta matéria que na
revisão de 1997 vamos incluir na CRP no artigo 26.º n.º3, de forma expressa e autónoma , esta garantia da
dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano face aos riscos advindos através da criação, do
desenvolvimento e da utilização das novas tecnologias, bem como da experimentação científica.

A dúvida é saber se valia a pena ter sido incluído este artigo 26.º n.º3. Muitos autores disseram que mesmo
que não seja introduzido no artigo 26.º nova previsão respeitante a esta matéria, por exemplo, a clonagem
de seres humanos seria sempre proibida com base no princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

“Sempre que se afirme um novo entendimento das necessidades de garantia da dignidade pessoal,
descobrir-se-ão novas dimensões normativas dos direitos fundamentais.” (Vieira de Andrade) – ou seja,
Vieira de Andrade diz que é verdade que isto já resultaria do princípio da Dignidade da Pessoa Humana
previsto no artigo 1.º CRP, mas à medida que vamos destacando e autonomizando estas novas dimensões
da dignidade pessoal, (pedagogicamente até) faz sentido que venham estar identificadas no texto
constitucional. Claramente que não faria sentido identificar esta dimensão normativa dos DF na versão
originária da constituição de 1976, mas no momento de 1997 em que já se sabia que se ia chegar ao
momento de descodificação do genoma, então neste caso e preventivamente faz sentido que se tenha
especificado esta garantia que, naturalmente, já decorria do princípio da Dignidade da Pessoa Humana mas
que aparece aqui concretizada.

Destinatários deste direito à identidade genética ( na visão de João Loureiro) :



os destinatários vinculados: Estado e entidades privadas todos os DF têm eficácia vertical e horizontal;
beneficiários são todos os seres humanos (para alguns autores afastando restrição de necessidade de
aquisição completa da personalidade jurídica ou de se considerar pessoa apenas os seres dotados de

racionalidade) alguns autores entendem que é necessária aquisição completa da personalidade
jurídica e outros autores que soa diferenciados no que diz respeito a este requisito;
a legislação ordinária obrigatória deve considerar especificamente as ameaças resultantes da “criação,
desenvolvimento e utilização de tecnologias e na experimentação científica”;
ao assegurar a identidade genética do ser humano na sua dupla dimensão de singularidade genética em
relação aos outros seres humanos e de especificidade em relação aos outros seres vivos, acaba por

contribuir para a preservação do genoma humano como património comum da Humanidade temos
71
cumulação, articulação de objetivos da previsão normativa deste direito à identidade genética no
artigo 26.º: por um lado dizemos que pessoa é singular, que a identidade genética/informação genética
daquela pessoa é singular ( não há mais ninguém igual a ela), há especificidade em relação aos outros
seres vivos; por outro lado, e ao mesmo tempo, há parte da informação desta pessoa, o do genoma da
pessoa que é património da humanidade. Temos ao mesmo tempo estes dois objetivos

Apesar de termos apenas previsão de identidade genética no texto constitucional (artigo 26.º), queríamos
demonstrar que onde temos direito à identidade genética devemos ler também direito à intimidade genética.
Como fazemos este caminho/passagem?

A intimidade genética corresponde à proteção de informação que tem de estar protegida nos termos da reserva da
vida privada.

A doutrina e jurisprudência alemã identificam 3 círculos concêntricos e identificam a vida intima, vida provada e a
vida pública, sucessivamente com âmbitos mais alargados.

Se pensarmos na nossa identidade/informação genética, em que âmbito estará protegida? Estará no âmbito da
vida intima, porque são informações relativas ao foro intimo que o individuo pode dar a conhecer a terceiros mas
que opera num circulo restrito de pessoas nas quais confia, no âmbito desta confidencialidade.

Isso significa que inevitavelmente dentro destas três esferas, este caráter sensível da informação genética tem
que ver com a intimidade mais do que privacidade. O conhecimento de identidade genética de cada um vai
desnudar-nos naquilo que de mais íntimo na nossa essência: esta constituição genética, este genoma individual ou
genoma de família. Isso não significa que adotemos ideia do determinismo ou reducionismo genético ou que
entendamos que pessoa é só aquilo que seu genoma diz, mas independentemente disso aquilo que pessoa tem
naturalmente em termos de informação genética diz respeito à sua intimidade.

A intimidade faz parte do núcleo duro, central do direito à reserva da vida privada.

Isto é essencial se pensarmos no que diz respeito num diagnóstico de pré-disposições, diagnóstico de predição de
riscos de enfermidades em gerações futuras, risco de aleatoriedade que tem que ver com acesos ao conhecimento
desta informação e esta monitorização genética e àquilo que é acesso de terceiros eventualmente interessados na
informação genética pessoal de cada um de nós.

essencial entender que ao proteger a identidade genética estamos simultaneamente a proteger a intimidade
genética. É impossível protegermos a identidade genética sem protegermos a informação que corresponde àquilo
que é este núcleo íntimo.

A informação respeitante à constituição genética de um indivíduo faz parte da esfera íntima da sua vida privada
devendo, portanto, ser protegida contra todas as manifestações da ingerência alheia na medida que estas
informações condizentes com a constituição genética do indivíduo são ou podem ser informações predizentes e
geracionais ( familiares na perspetiva de geração). Nesse sentido, devem ser mantidas e salvaguardadas pelo seu
titular no âmbito de proteção abarcado pelo núcleo íntimo da sua vida privada.

É isso que instrumentos internacionais têm tentado fazer.

Artigo 14.º da Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos: os Estados deverão desenvolver
esforços para proteger a vida privada dos indivíduos, nas condições previstas pelo direito interno em conformidade
com o direito internacional relativo aos direitos humanos.

Artigo 10.º da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina (vida privada e direito à informação):
qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada no que toca às suas informações de saúde

O direito de intimidade genética( perspetiva que temos de passar da identidade à intimidade genética) pode ser
direito de carácter instrumental na garantia e na defesa da igualdade, da liberdade (autonomia) e da dignidade.

72
Precisamente por temos como finalidade garantir a diversidade genética e evitar o reducionismo genético, é que temos
de garantir que ninguém é discriminado em função da respetiva informação genética. E por isso é que o direito
intimidade genética, proteção de informação genética no âmbito de reserva da vida privada tem carater
instrumental de garantia da liberdade. Ou seja, a finalidade de garantir a autodeterminação informacional é a
proteger as informações relativas à constituição genética do indivíduo das ingerências alheias não consentidas. Este
direito à autodeterminação informacional aqui aplicado no contexto genético é essencial nestas três vertentes:

direito de livre acesso às próprias informações genéticas;


direito de não ser informado sobre suas informações genéticas;
o controle sobre o acesso e uso das informações genéticas por terceiros (Artigos 10.º e 13.º da DIDGH)

Porquê? devido ao caráter instrumental e porque quero evitar discriminação genética.

A discriminação genética ocorre quando as pessoas são tratadas injustamente em razão das diferenças existentes
no seu DNA que aumentam as suas chances ( não é evento de verificação certa) de contrair uma determinada
doença. A discriminação genética tem por base a avaliação das pessoas com fundamento na sua constituição
genética e não com base nos méritos e aptidões individuais. Nesta medida, acaba por invadir a privacidade das
pessoas e por puni-las em razão de características eventuais sobre as quais não têm controlo.

Proibição da discriminação genética

Artigo 7.º da DIDGH o


Artigo 11.º da DUBDH
o Artigo 11.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina
o Artigo 21.º/1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia o
(EUA: The Genetic Information Non-discrimination Act, 2003)


*Nota: Perda de chance exemplo: alguém diz que tem boletim de Euromilhões e pede a outra pessoa para se
ela passar por tabacaria para o ir registar. Suponha que a se pessoa esquece de registar o boletim. É por causa de
isso que a pessoa perde o Euromilhões? Tem garantia de que se o outro registasse o boletim, a pessoa ganharia o
Euromilhões? não havia garantia de ganhar Euromilhões.

exemplo: alguém é advogado e cliente pede para apresentar recurso de decisão a ele desfavorável. Advogada deixa
passar o prazo e não apresenta recurso. É por não apresentar recurso, que pessoa deixa de ganhar recurso? não,
porque não se sabe se tribunal iria dar provimento ao recurso que advogada ia apresentar .

Ou seja, aqui perdemos chance de ganhar Euromilhões e chance de ganhar recurso. A chance tem que ver com
resultado que não é necessariamente evidente.

Suponha o caso de alguém dizer que teve acesso à informação genética de A e que soube que A tem 3% de
probabilidade de desenvolver doença de alzheimer e que por isso não a vai contratar. Será possível ser discriminada com
base numa predisposição de 3%, numa probabilidade, chance de 3% que pode nunca se vir a verificar?

Por isso é que é importante perceber que quando garantimos direito à identidade genética necessariamente
temos de garantir que essa identidade genética esteja protegida pela reserva da vida privada, e dentro desta, ias no
centro da reserva da vida privada pela proteção da intimidade. Sendo assim, temos de entender que no artigo 26º
não esta só protegido o direito à identidade genética, mas também à intimidade genética.

incindível proteção da identidade com proteção da informação que corresponde a essa identidade genética. De
nada serve a dizer que eu tenho direito à identidade genética se dai não resultar proteção da intimidade dessa
informação genética.

73
Esta intimidade genética tinha que ver com a possibilidade de ter acesso à minha informação genética e controlo
sobre quem tem acesso à minha identidade genética e prende-se também com direito a não conhecer minha
informação genética se não quiser. Este direito de não conhecer vem previsto no artigo 10.º DIDGH.

Artigo 10.º da DIDGH: no momento da obtenção do consentimento, a pessoa deverá ser devidamente informada
sobre o direito que possui de decidir ser, ou não, informada dos resultados da investigação médica ou científica
para as quais foram recolhidos os seus dados genéticos ou amostras biológicas.

Artigo 5.º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos: deve ser respeitada a autonomia dos
indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por estas decisões e respeitem a autonomia dos
demais (…);

Artigo 5.º c) da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos: direito de cada indivíduo
de decidir se será ou não informado sobre os resultados da análise genética e das consequências dela decorrentes.

Artigo 10.º da CBMDH/Oviedo: qualquer pessoa tem o direito de conhecer toda a informação recolhida sobre a sua
saúde devendo, no entanto, ser respeitada a sua vontade expressa no sentido de não ser informada.

Temos, portanto, a previsão de que há direito a conhecer a informação, mas também há direito a não conhecer e
não saber dessa informação, se ele não a quiser conhecer.

Os dados genéticos e humanos correspondem à tipificação do que seja informação genética da pessoa e são associados a
uma pessoa identificável e por isso ,não deverão, em regra, ser comunicados nem tornados acessíveis a terceiros, em
particular empregadores, companhias de seguros, estabelecimentos de ensino ou família, se não for por um motivo de
interesse público relevante nos casos restritivamente previstos pelo direito interno em conformidade com o direito
internacional relativo aos direitos humanos, ou ainda sob a reserva de consentimento prévio, livre, informado e expresso
(e não tácito) da pessoa em causa, desde que este consentimento esteja em conformidade com o direito interno e com o

direito internacional relativo aos direitos humanos. Artigo 14.º b) da
DIDGH

Quem pode ter interesse a aceder à nossa informação genética?



Comunidade científica Nos termos do artigo 42.º, a liberdade de investigação e criação cientifica é
em si DF e quando restringimos esta liberdade de criação cientifica e investigação, temos de perceber
que estamos a restringir DF e temos de lidar com esta restrição de DF da mesma forma que encontramos
critérios, requisitos para restrições de outros DF, ou seja, com base naquilo que é o artigo 18.º. Só
podemos restringir esta liberdade se for necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, isto é, perante situações de conflito ou colisão. É evidente que a
comunidade científica pode ter interesse neste acesso de identidade genética de determinado cidadão,
nomeadamente quando esteja em causa pessoas com doenças raras para efeitos de comunidade
científica poder discutir eventual tratamento ou cura. Isto é acentuado pelo artigo 14.º da DIDGH.


Estado desde logo para criação de biobancos, sendo que estes podem ser para efeitos de identificação civil
ou para efeitos de investigação criminal, ou seja, para efeitos de prossecução da atividade criminal ou para
efeitos de identificação dos cidadãos. Em Portugal, a basse de dados criada em 2008 é obrigatória para efeitos
de investigação criminal e facultativa para efeitos de identificação civil o que significa que qualquer um de nós
que queira que a respetiva informação seja acessível para efeitos de identificação civil (com muita maior
fiabilidade que antiga impressão digital ou outro método) terá de solicitar que essa informação possa estar
disponível. O estado pode ter interesse neste acesso de informação genética para construção de biobancos e
de base de dados de perfis genéticos. Outro exemplo seria para efeitos de mapeamento de recursos de saúde
publica. Os diagnósticos preditivos em relação a medicina preditiva/ medicina genética são simplesmente
probabilidades o que se leva a que se justifique o direito a não conhecer informação genética. Não é pelo
facto de alguém ter percentagem de probabilidade genética de desenvolver determinada doença que
verdadeiramente o vai fazer. Essa junção pode justificar uma situação de discriminação com base em
eventualidade que poderá nunca chegar a se verificar. Exemplo:

74
O estado diz que sabe que é probabilidade e que não há garantia que pessoa vá chegar a desenvolver a
doença, mas este quer ter acesso a informação genética dos cudados para dizer que há probabilidade ( ainda
que seja probabilidade)de 80 % da população desenvolver doença X e apenas probabilidade de 5 % da
população desenvolver a doença Y. isso pode ser relevante para o Estado para efeitos de organização dos
recursos de saúde pública que são escassos. Mais vale concentrar esforços financeiros na investigação em
relação à doença X do que em relação à doença Y, devido à maior probabilidade de população contrair aquela
doença. Pode interessar ao Estado ter este acesso para recursos de saúde pública. Outra hipótese estaria
relacionada com imigração (esta traz mais duvidas). Exemplo: supondo que há cidadão estrangeiro dentro
dum determinado estado e este pretende que respetiva família seja acolhida por esse Estado. Vem dizer que
de acordo com leis de imigração e leis de entrada e saída e permanência de cidadãos estrangeiros no
território nacional, ao abrigo do reagrupamento familiar, deixem entrar pessoa X porque é seu filho. É mais
fácil falsificar certidão de nascimento do que identificação através de ADN. Alguns países que para efeitos de
reagrupamento familiar, exigem mais do que amostra de documentos, mas exigem por exemplo teste de ADN
para justificar impossibilidade de fraude, isto, é impossibilidade que alguém alegue reagrupamento familiar
sem que esteja a falar de situação de filiação.


Familiares consanguíneos todos temos informação igual porque todos nós temos genoma humano e
depois temos informação particular, em que alguma é partilhada com a nossa família e depois temos
informação especifica de cada um de nós. Isto significa que as informações constantes de dados
genéticos humanos são em parte comuns à família a que pertencem o que leva a que pais possam ter
interesse no acesso à informação genética de filhos, ou que familiares como irmãos e primos possam ter
acesso (pense-se em doenças raras) ou que filhos tenham interesse em aceder à informação de pais para
investigação de paternidade ou maternidade ligando isto ao próprio direito de conhecimento à própria
origem genética . Temos de temperar o que é consentimento, isto é, a possibilidade de poder dizer que
não quero que alguém tenha acesso aos meus dados, mas ligar e equilibrar esta recusa de
consentimento com princípio da beneficência em relação a pessoas da minha família que estejam em
risco e que precisam de ajuda que se materialize neste acesso a informação genética. A tendência
predominante é no sentido que sigilo profissional não é absoluto e o sigilo médico profissional pode
cessar perante graves interesses de terceiros que podem justificar interesse de acesso a esta informação.


Familiares não consanguíneos quem são os familiares não consanguíneos? É o caso dos cônjuges.
Não tenho a mesma informação familiar genética do marido e se ele tiver doença rara, não tenho
probabilidade de a vir desenvolver mas isto pode ter relevância em relação a direitos reprodutivos.
Porque posso querer ter acesso a informação genética do cônjuge? Para saber se eventuais filhos podiam
ou não padecer de uma doença que tivesse origem genética. isto é importante também quanto à lei
quanto às base de dados genéticos (Lei 5/2008 – artigo 22.º n.º2) em Portugal que vem dar alguns
direitos aos familiares não consanguíneo no que diz respeito ao acesso a informação genética através de
mandado judicial por exemplo.


Entidades empregadoras esta é entendida como categoria suspeita, pelo que já se disse que os dados
genéticos humanos e as amostras biológicas associados a uma pessoa identificável não deverão, em
regra, ser comunicados nem tornados acessíveis a terceiros, em particular a empregadores. Porque é que
as entidades empregadoras poderão ter interesse a ter acesso a informação genética?
Por causa do diagnostico pré sintomático (diagnostico antes de surgirem os sintomas, isto é, antes de
pessoas terem os sintomas – medicina preditiva)
Porque podem estar em causa deteção de genes determinantes de suscetibilidade de substâncias
específicas utilizadas na realização do trabalho ou presentes no ambiente de trabalho. Exemplo:
amianto-há pessoas que tem informação genética em relação às quias amianto faz uma reação ainda
mais lesiva. Entidades empregadoras podem dizer que querem saber se pessoa tem essa suscetibilidade
extrema a determinadas substâncias.

75
Para saber se há causa genética entre doenças surgidas entre os trabalhadores. Em princípio, as
entidades empregadoras são responsáveis por acidentes de trabalho e doenças profissionais. Pode
interessar à entidade empregadora dizer o seguinte: “isto que o senhor está a dizer que tem neste
momento que é doença profissional verdadeiramente não é responsabilidade minha porque de acordo
com a informação genética do senhor, já lá estava essa predisposição” - forma de eximir-se da sua
responsabilidade. Em termos técnicos, estas avaliações podem ser feitas através de duas técnicas :
monitorização genética ou acompanhamento genético, que envolve a análise periódica de trabalhadores
com o objetivo de avaliar as possíveis alterações do seu material genético, ou a evidência do aumento da
ocorrência de mutações moleculares;
rastreio genético com aplicação de testes genéticos para avaliar a composição genética dos empregados
ou candidatos a emprego sobre determinadas características hereditárias.

Argumentos favoráveis (invocados pelas entidades empregadoras):


necessidade de proteção da saúde do próprio trabalhador que justifique evitar a exposição a
determinadas substâncias presentes no ambiente de trabalho;
dever do empregador de zelar pela segurança e higiene no ambiente de trabalho;
proteção dos demais trabalhadores e/ou clientes, evitando-se o “risco coletivo”;
direito de a entidade empregadora zelar pela preservação do património.

Como acentuou o CNECV nunca por nunca, se poderá admitir que a empresa promova a realização destes
testes apenas para assegurar que os mais resistentes assumem as funções mais arriscadas para a saúde,
assim poupando nos seus custos de higiene e segurança no trabalho. Era forma de dizer que encontravam
os mais fortes de resistência física e saúde para depois abusarem dessa resistência- CNECV tem vindo a
acentuar esta evidência.

Argumentos desfavoráveis
direito à intimidade genética ( resulta diretamente do direito à identidade genética) do trabalhador
e do candidato a emprego que podem recusar-se a dar o acesso a essa informação genética -
qualquer direito pode ser restringido por via do princípio da proporcionalidade nos termos do
artigo 18.º, e se for necessário para salvaguardar outros direitos ou interesse constitucionalmente
protegidos;
respeito pelo princípio da confidencialidade ao qual o profissional de saúde especializado está, em
regra, adstrito;
direito à autodeterminação da informação genética e o meu direito a não conhecer a minha
informação. Não só tenho direito a proteger a minha informação ( tenho mais do que isso) como
também tenho direito a nem sequer conhecê-la. A proteção destes dados é forma de garantir
liberdade, liberdade de comportamento e liberdade de pessoas. Aqui garantir liberdade neste
sentido seria proteger as pessoas de discriminação genética, baseada neste tipo de características
que podem ser apenas eventuais ;
direito à igualdade e à não discriminação genética;
proteção do direito ao trabalho, direito a proteger que determinada pessoa não é lesada no seu
direito ao trabalho em função desse tipo de características.


Seguradoras categoria suspeita
Argumentos desfavoráveis
Negar o acesso de pessoas a um seguro de saúde ou de vida, sob a alegação de que elas carregam no seu
genoma uma tendência/predisposição a padecer de algum mal é, primeiramente, violar o elemento
essencial desse tipo de contrato, que se traduz na álea, na sorte, no acaso, no risco- contrato aleatório que
esta balizado. Tenho dever de informar a companhia seguradora me relação a condições de saúde;

76
Direito a não saber - não tenho obrigação de facultar dados genéticos à companhia de seguros porque
estamos a falar de doenças não manifestadas;
A informação genética é geracional e respeita não apenas ao indivíduo interessado no seguro, mas,
também, aos seus familiares não contratantes - o nosso mapa de perfil genético engloba informação
idêntica às dos nossos familiares. Vamos supor que eu e o meu pai somos segurados da mesma
companhia seguradora , e eu dei consentimento e o meu pai recusou consentimento apar dar acesso a
informação genética. A nossa informação não é totalmente idêntica mas é largamente coincidente. Por
esta via poderia estar a dar acesso à companhia de seguros em relação a informação genética de
pessoas familiares.

Argumentos favoráveis

Diminuição do custo dos prémios de seguro para os indivíduos que tiverem resultados negativos- se
fizerem os testes e nada for alarmante baixamos os prémios do seguro.
De acordo com a boa fé, deverá o segurando informar o segurador sobre todas as circunstâncias que
possam ser relevantes para o cálculo do risco do seguro. Não há aqui má fé na medida que tenho
direito a não conhecer informação genética. Caso contrário, estaria agindo de má-fé, o que poderia
determinar a nulidade do contrato de seguro.

Esta não discriminação com base em informação genética resulta da CRP, Regulamento Geral de Proteção de
Dados, da articulação com lei da procriação medicamente assistida ( lei 32/2006), da lei 46/2006 que pune
discriminação em razão na deficiência e existência de risco agravado de saúde e de lei 12/2005 que vem definir o
conceito de informação de saúde e de informação genética, propriedade, depósito e acesso à informação de saúde
(artigo 3.º), e tratamento da informação de saúde (artigo 4º).

Esta lei sobre informação genética vem prever os seguintes princípios:

Princípio da não discriminação em geral (n.º 1 do artigo 11.º)


Proibição de aplicação de testes genéticos (artigo 11.º/2)
Proibição em especial no âmbito das relações de seguro (artigo
12.º) Proibição no âmbito das relações de emprego (artigo 13.º)

Densificado nos Artigos 16.º, 17.º, 19.º, 22.º, 23.º, 30.º do Código do Trabalho.

Outros exemplos além das categorias suspeitas de companhias de seguros e entidades empregadoras: Se quiser
adotar criança não posso pedir informação genética da criança a adotar assim como os responsáveis pela
institucionalização da criança não podem pedir informação genética dos pais adotantes.

Concluindo, há carater instrumental da intimidade genética e este caráter instrumental é única forma de assegurar
o direito à identidade genética. Se direito à identidade genética (direito a não haver manipulação da informação
que me diz respeito) não for protegido e acrescentado com proteção da intimidade genética ele fica fraco na sua
vindicação.

Estas discussões já estão estafadas, porque estas discussões relativas à identidade e intimidade genética vão
colocar-se a propósito de questões que tem de ver com neurociências, com tem de ver com o cérebro. Estas
questões ( “pode haver acesso a informação genética ? em que condições pode haver acesso a informação
genética? Como podemos compatibilizar interesses em presença?) são questões que irão colocar-se em relação ao
acesso à informação quanto ao modo como os nosso cérebros funcionam. Situações que há dez anos eram
colocadas em relação à identidade genética serão dados adquiridos daqui a alguns anos .

77
Decidimos falar antes do direito à identidade genética e não das questões quanto às neurociências, devido à
diferença entre bioética e biodireito. Nós ainda não temos normas jurídicas no que diz respeito às neurociências,
temos discussões éticas apenas. Quanto ao genoma humano e identidade genética, já temos regras jurídicas.

Quando se pergunta às pessoas se pode haver intervenção ao nível cerebral, as pessoas têm o mesmo receio e
preocupação em relação à informação genética. É possível fazer rastreios de condicionamento cognitivo das
pessoas? As pessoas têm o mesmo tipo de dificuldade de conceção. Vamos supor que é possível e barato aumentar
o QI de toda população de um estado? Estado pode impor isto aos seus cidadãos? Há respostas diferenciadas. Há
quem diga que se for através de mecanismo de electroestimulação pode ser, mas através de introdução de chip no
cérebro já não porque isso já é artificial. Mas um pacemaker e prótese não é artificial também. Supomos que dizem
que vão elevar QI até ao considerado QI normal. Mas se fosse para elevar QI acima dessa base limite já não
estaríamos a corresponder a ideia de eugenia. A resposta a estas dúvidas não é evidente. O que está resolvido do
ponto de vista jurídico em relação ao genoma e informação genética vai ter de ter solução jurídica até daqui a 10
anos quanto a isto. Ainda só temos discussão ética em relação a estas matérias, e não normas jurídicas.

Ficha de trabalho relativa à identidade genética:

A clonagem é permitida? Não. Da nossa CRP já resultaria impossibilidade de clonagem mesmo que não entrasse
em vigor Convenção de Oviedo e protocolo adicional e artigos 7.º e 36.º da lei procriação medicamente assistida
(lei 32/2006). Mesmo se estas normas não existissem, conjugando o princípio da dignidade humana e com o artigo
26.º da CRP e direito à identidade genética, tal também não seria possível e já poderíamos retirar a proibição da
clonagem. Ela é explicitada em termos pedagógicos quase porque é nova dimensão do princípio da dignidade da
pessoa humana, mas não seria necessário este desenvolvimento ordinário.

A inseminação post mortem é permitida? Nos termos atuais da lei 32/2006, a inseminação post mortem é proibida mas
é permitida transferência do embrião que resulta dessa inseminação. Exemplo: Inseminação foi feita antes da morte do
progenitor e ai depois é feita transferência do embrião. A transferência de embrião post mortem é permitida, a
inseminação não. Em Portugal, foi aprovada na AR lei que prevê possibilidade de inseminação post mortem , mas ainda
não está em vigor- objeto da alteração já aprovada na AR, mas ainda não há atuação do PR.

A quem cabe a custódia da base de dados genéticos em Portugal? Discutiu-se na altura com quem deveria ficar a
custódia de base de dados ( se à Policia Judiciária, se o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária se
terceira entidade criada, etc.). Ao instituto nacional de medicina legal e ciências forenses- lei 5/2008.

A quem cabe o ónus da prova de ter ocorrido uma discriminação com base em informação de saúde? Artigo 6.º
da lei 46/2006 vem dizer que caso exista informação nesse sentido, é preciso que se prove que não há
discriminação nesse fundamento. “Cabe a quem alegar a discriminação em razão da deficiência fundamentá-la,
apresentando elementos de facto susceptíveis de a indiciarem, incumbindo à outra parte provar que as diferenças
de tratamento não assentam em nenhum dos factores indicados.” há repartição do ónus da prova.

A quem pertencem as análises e radiografias que fazemos? Ao próprio, nos termos da lei sobre informação
genética e de saúde ( artigo (3.º) lei 12/2005).

A quem são recolhidas amostras para a base de dados genéticos para efeitos de identificação civil? Base de
dados é facultativa. artigo 7.º Lei 5/2008 – daqueles que pretendem que sua informação conste da base de dados.

A quem são recolhidas amostras para a base de dados genéticos para efeitos de identificação criminal? Base de
dados obrigatória. Artigo 8.º da lei 5/2008.

As entidades empregadoras podem usar testes genéticos? Não.

As seguradoras podem usar testes genéticos? Não.

Como é feita a recolha para a base de dados genéticos? É feita através de zaragatoa local , meio não invasivo-
artigo 10.º lei de base de dados.

78
Como se faz o registo dos ensaios clínicos? lei 21/2014 (artigo (39.º)). Prevê o modo como é feito este registo,
nomeadamente quando utilizadas pessoas humanas para experimentação.

permitida a maternidade de substituição? Lei 32/2006 proibia maternidade de substituição na sua versão
originária ( artigos 8.º e 39.º) mas foi alterada no sentido de permitir em algumas condições.

Em que condições há intervenção das Comissões de Ética a respeito dos ensaios clínicos? lei 21/2014

O dador de sémen é havido como pai da criança que nascer? Inseminação homóloga é feita com gametas dentro
do casal, ou seja, sémen utilizado é de homem do casal. Na inseminação heteróloga é feita com sémen de homem
fora do casal. Na inseminação heteróloga, o dador do sémen não é pai da criança juridicamente - lei 32/2006.

O que é a informação genética? Artigo 6.º Lei 12/2005.

Pode a informação genética ser objeto de patente? Não pode no que diz respeito ao genoma humano- artigo 20.º
da lei 12/2005. Há algumas exceções quanto a certo tipo de utilização.

Pode haver lugar à objeção de consciência em matéria de PMA? Sim- artigo 11.º da lei da procriação
medicamente assistida e 41.º n.º6 CRP.

Pode ser feita investigação com recurso a embriões? Não, de acordo com a Lei 32/2006. No entanto, há exceções.
É permitida a investigação a embriões, nos casos do artigo 9.º n.º2. O artigo 40.º também é uma exceção.

Podem ser criados embriões exclusivamente para investigação? não podem. artigo 9.º lei 32/2006.

Podem criar-se quimeras ou híbridos? Não, de acordo com os artigos 7.º e 38.º da lei 32/2006. Quimera-
aperfeiçoamento da raça humana (ideia de super homem). híbrido – junção de várias espécies – artigo 7.º da lei
32/2006.

Podem realizar-se ensaios clínicos em maiores incapazes? Lei 21/2014 ( artigo (8.º)).

Podem realizar-se ensaios clínicos em menores? Lei 21/2014 ( artigo (7.º)).

Podem usar-se testes genéticos em contexto de processo de adoção? Não, nos termos da lei 12/2005 ( artigo (14.º)).

Qual a diferença entre uma base de dados genéticos e uma base de ADN? Temos de distinguir aquilo a que se
chamam os Biobancos- bancos de recolhas de amostras biológicas (recolha de saliva através de zaragatoas- bancos
de salivas) e Outras coisas são bases de dados de pesquisa de ADN que se extraem destas amostras, destes
biobancos. Lei 05/2008 e lei 12/2005 estabelecem bem a diferença entre estas duas bases.

Qual o destino das amostras recolhidas para a base de dados genéticos? Há diferença em termos de identificação
civil ou investigação criminal, que resulta da Lei 05/2008.

Qual o órgão que fiscaliza a discriminação em função de informação de saúde? Lei 46/2006.

Qual o regime dos medicamentos experimentais? Lei 21/2014.

Que entidade controla a introdução no mercado dos medicamentos experimentais? Lei 21/2014.

Quem tem acesso a dados da base de dados genéticos? Lei 12/2005 e lei da criação de base de dados genéticos.

Quem pode redigir um testamento vital? Qualquer pessoa capaz. O testamento vital é uma das duas modalidades
das diretivas antecipadas de vontade. As diretivas antecipadas de vontade podem ter duas modalidades:
testamento vital ou nomeação de procurador de cuidados de saúde. Posso determinar o que quero que me
aconteça em caso de incapacidade ou nomear alguém para decidir por mim. Posso utilizá-las isoladamente ou
conjuntamente. A questão essencial é ter capacidade no momento em que se faz isso. Lei 25/2012.

Os menores podem ser doadores para efeitos de transplante? Podem ser em circunstâncias muito limitadas- lei
22/2007.

79
Direito regula matérias relacionadas com o modo como sujeito lida com sua própria realidade e estrutura fosca e
nessa medida essa parte dos transplantes e diretivas antecipadas de vontade tem base comum com direito à
identidade genética, mas podem ser apartados deste ponto de vista.


Próxima aula Liberdade religiosa- prevista na nossa CRP como liberdade de consciência, religião e de culto no
artigo 41º, sendo que a liberdade de consciência é mais ampla. Centrar-nos-emos na liberdade religiosa, apesar de
irmos falar da liberdade de consciência na medida que está pressuposta visto que é mais abrangente.
Liberdade religiosa

Liberdade religiosa é enquadrada pela CRP em termos tríplices com liberdade de consciência a montante e
liberdade de culto a jusante.

Liberdade Liberdade
Liberdade de
de religião de culto
consciência

Se quisermos introduzir ideia de esferas concêntricas de proteção, claramente, a liberdade de consciência é a que
tem âmbito de proteção mais alargado e depois temos a liberdade de religião e liberdade de culto.

A liberdade de consciência não tem necessariamente de ter fundamento religioso e liberdade de culto é
concretização /manifestação/ exteriorização da liberdade de religião.

Porquê que liberdade religiosa é especificamente importante e é em termos de evolução dos DF pedra de toque
no que diz respeito na sua evolução histórica? Porquê que liberdade de religiosa é tao importante no contexto
de Estado de Direito democrático?

importante no contexto de estado democrático, porque o estado moderno de tipo europeu, seguindo tipologia
de Jellinek dos tipos fundamentais ou históricos do estado tal como traduzidas por JM, encontramos uma
necessária referência a ideia de Estado laico, porque temos 3 eixos essenciais em torno dos quais podemos
desenvolver ideia do Estado moderno de tipo europeu:

-poder politico soberano;

correspondência entre Estado e nação- temos aqui novos problemas no contexto do estado atual em relação esta
habitual correspondência de estado e nação ou que nos leva a pensar em termos diferentes da própria ideia de
forma de estado;

estado laico- tem maiores desafios em contexto de maior heterogeneidade da sociedade e do estado.

neste contexto que hoje em dia temos de perceber ideia de laicidade e de liberdade religiosa que é
completamente diferente do que tínhamos no séc. XII ou no momento de emergência do estado de tipo europeu.

Independentemente de sabermos que esta história da proteção das minorias no séc. XVI e XVII está muito ligada à
proteção de minorias religiosas, temos hoje em dia um contexto absolutamente diferente. Basta pensarmos nos

80
documentos que foram os primeiros documentos a declarar a igualdade das confissões religiosas diferenciadas
como foi o Tratado de Vestefália em 1648 ( meados do séc. XVII). O Objetivo do tratado de Vestefália não era a
proteção de uma minoria religiosa. O objetivo do tratado era a celebração da paz e fim da guerra.

Esta atenção dada à proteção de minorias vai sempre nortear aquilo que é evolução dos Direitos Humanos, por
exemplo, com a Conferência de paris de 1919 que põe fim à 1ª guerra mundial e depois desenvolvimento da
atuação Sociedade das Nações e Nações Unidas.

Temos, por um lado, ligação muito grande entre perspetiva de liberdade religiosa e proteção dos DF porque ligava
ideia das minorias religiosas.

O modo como a Carta das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração dos Direitos das
Minorias Nacionais, e toda a panóplia de instrumentos olhou sobre esta matéria de laicidade, principalmente
ancorando esta perspetiva em ideia de tolerância ( cuidado com ideia de perspetiva do que seja tolerância) . Tudo
isto leva a verificar se existe ou não, se pode ou não existir, ou se é desejável ou não que exista núcleo de valores
que pode ser de alguma forma vindicado ,independentemente desta necessária pluralidade religiosa.


Declaração de Princípios do Ano Internacional da Tolerância, 1995 A tolerância “consiste no respeito, na
aceitação e no apreço da rica diversidade das culturas do nosso mundo, das nossas formas de expressão e meios
de ser humanos. Fomenta o conhecimento, a atitude de abertura, a comunicação e a liberdade de pensamento,
de consciência e de religião. A tolerância consiste na harmonia na diferença. Não é só um dever moral, mas
também uma exigência política e jurídica.” Não é só um dever moral, ou seja, não é só questão que se coloca do
ponto de vista da moral e da ética, mas é exigência politica e jurídica na medida em que esta tolerância e
respeito pela expressão cultural diferente é exigência no quadro do estado de direito democrático e a religião é
expressão da cultura, tal como foi reconhecida por exemplo na Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO de 2001.

Esta Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO de 2001 faz um pouco o paralelo da
biodiversidade natural para aquilo que é o contexto de pluralidade e diversidade cultural no contexto
cultural.

Temos de perceber que a religião pode ser elemento de denominador comum de determinado grupo étnico ( como
aqueles em relação aos quais se observa uma diferença cultural com base em elementos distintivos não visíveis –
língua, história, religião - e/ou visíveis – formas de vestir, características físicas) ou determinada minoria étnica (
como os grupos étnicos a que é atribuído um estatuto menor/inferior em termos de poder e de direitos no
contexto da sociedade alargada, correspondendo a grupos discriminados, por indivíduos da maioria no acesso a
valores e bens estimáveis numa sociedade – educação, habitação, saúde, participação política, etc.). E minorias
podem não ser entendidas em sentido estritamente numérico.

Neste contexto em religião é de facto necessariamente expressão de determinada cultura, podemos olhar para
a Declaração dos Direitos do Homem, dizendo que garante liberdade de religião (artigo 18.º):Todo o
homem tem direito à liberdade de pensamento ( hoje em dia engobamos também na liberdade de
expressão no contexto da CRP) , consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião
ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

O modo como CRP, na linha da DUDH, vai prever esta liberdade de religião ainda tem a ver com ideia de tolerância
religiosa e no que diz respeito à definição estrutural do Estado Português baseia-se na separação das Igrejas e do
Estado. Artigo 288 c) da CRP, em matéria de limite material de revisão expressamente acentua ideia de pluralidade
religiosa que pode existir.

No que diz respeito ao estado moderno de tipo europeu de hoje em dia, nesta dimensão estrutural de relação com o
Estado, das varias situações possíveis de identificação, não identificação ou oposição de fins políticos e fins religiosos,
necessariamente só podemos admitir sistema de não identificação, de separação ou autonomia relativa. A ideia de
identificação entre prossecução de fins políticos e religiosos está manifestamente fora do escopo possível

81
num Estado de Direito Democrático. A ideia de oposição está necessariamente fora do escopo possível de estado
de direito democrático.

Esquema:

Tendencialmente podemos encontrar três tipos de situações:

identificação entre prossecução de fins políticos e religiosos

a religião tem ascendente sobre o fator político – teocracia

o político sobreleva sobre o religioso – cesaropapismo

b) não identificação

união – apesar de tudo há uma religião de Estado não obstante haver separação em termos políticos e religiosos

ascendente religioso – clericalismo

ascendente político – regalismo

separação

relativa

absoluta

autonomia (também pode ser relativa)

c) oposição

relativa (Estado laicista)

absoluta (Estado ateu)

->No Estado moderno de tipo europeu (LAICO) apenas se admitem os sistemas de não identificação/
separação/autonomia relativa.

Muitas vezes se ouve dizer que Estado Moderno de Tipo Europeu é um estado ateu ou laicista, mas deve dizer-se
que é estado laico, e isso não significa que seja estado ateu. Não é um estado que persegue religião nem é um
estado que prossegue fins religiosos. Esta liberdade religiosa tal como entendemos no contexto de Estado de
direito democrático tem de ser pensada nesta vertente privada/ pessoal que opera no silêncio das consciências de
cada um e tem vertente coletiva/ publica enquanto confissão religiosa e organização.

A liberdade religiosa, de acordo com o artigo 18º da Declaração universal dos direitos do Homem inclui o direito de
mudar de religião ou crença ,mas antes disso, temos de perceber que não está em causa apenas suscetibilidade
mudança de sentimentos religiosos, pode estar em causa apenas o facto de não se ter sentimentos religiosos e essa
proteção da não crença está integrada na liberdade religiosa. Temos de entendê-la quer num sentido positivo quer
num sentido negativo.

Assim, a liberdade religiosa compreende

a liberdade ou direito de se ter ou não ter sentimentos religiosos

a possibilidade de atuar de acordo com essas convicções ou falta de convicções

o direito de comunicar quer a existência quer a ausência de sentimentos religiosos

a possibilidade de alguém desistir das suas convicções religiosas, ou modificar tais convicções

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a possibilidade de prolongar essa liberdade religiosa numa liberdade de culto, que pode ser individual ou
coletiva, privada ou pública

a ideia de manifestar uma adesão a determinada comunidade religiosa, em que aqui podemos incluir a
possibilidade de poder entrar ou sair de uma congregação religiosa , a liberdade de criar associações que prossigam
fins religiosos com poder de auto-disciplina, auto-regulamentação e auto-jurisdição (salvo quando cais sob alçada
estatal) e a possibilidade de promover atividades e criar escolas (não é assim ensino público que se torna
confessional) e hospitais.

Tudo isto é garantido por este “chapéu” do artigo 41.º com previsão do tríptico de liberdade de consciência,
religião e culto.

Artigo 41.º

Liberdade de consciência, de religião e de culto

A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.

Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das
suas convicções ou prática religiosa.

Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo
para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a
responder.

As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e
no exercício das suas funções e do culto.

É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respetiva confissão, bem como a
utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades.

É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei.

Análise do artigo 41.º:

N.º2: prevista esta vertente positiva e negativa da liberdade religiosa.

N.º4: aqui refere-se as Igrejas e não a Igreja.

N.º6: aqui fala-se da dimensão mais ampla de proteção do direito à liberdade de consciência .

N.º3: temos de o particular com o artigo 35.º. Os dados relativos à fé, crença religiosa ou falta de crença religiosa são
considerados categoria especiais de dados ( chamados dados sensíveis antigamente, apesar de ainda se ouvir falar neles
assim). Se todos os dados pessoais são objeto de proteção, os dados sensíveis são objeto de proteção mais acrescida.
Dados relativos à crença religiosa são dados sensíveis- isto resulta dos artigos 41.º n.º3 e 35.º da CRP.

O artigo 41º, no quadro de estado de direito democrático, tem também de entender que a questão de liberdade
religiosa tem de ser articulada com eventuais direitos estrangeiros (artigo 15.º). Isso não significa que só estrangeiros
tenham confissões, práticas religiosas diferentes, mas é importante esta perspetiva de integração comunitária.

Artigo 43.º

Liberdade de aprender e ensinar


É garantida a liberdade de aprender e ensinar.

O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas.

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O ensino público não será confessional.

É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.



Análise do Artigo 43.º n.º2, 3,4 ensino público não é confessional, mas por causa disso é possível o direito de
criação de escolas particulares em que é possível lecionação de fundamentos de teoria religiosa de determinada
religião.

Esta perspetiva que as confissões religiosas podem ter meios específicos da expressão aparece também no artigo
41.º n.º5.

Tudo isto é hoje concretizado através da lei 16/2001, lei da liberdade religiosa.

Sendo parâmetro da CRP de 1976, um parâmetro de liberdade religiosa nos termos do artigo 41.º e já resultaria do
facto de ser Estado de direito democrático, a verdade é nós tivemos em vigor concordata com santa fé e nossa
primeira lei de liberdade religiosa é de 2001. Entre 1976 e 2001, tínhamos princípio na CRP de liberdade religiosa,
não tínhamos concretização a nível de lei ordinária e tínhamos em vigor versão da concordata que manifestamente
privilegiava uma confissão religiosa em especial que era a Igreja católica.

A Lei da Liberdade Religiosa (LLR) é aprovada e publicada em 2001 e é depois feita revisão da concordata com
Santa Sé no com sentido de adequar aquilo que é ordenamento ordinário com mandamentos constitucionais.

Análise da Lei de Liberdade Religiosa:

Artigo 1.º
Liberdade de consciência, de religião e de culto

A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em


conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito
internacional aplicável e a presente lei.

previsão que nos resulta da CRP e DUDH, não configurando novidade.

Artigo 2.º
Princípio da igualdade

1 - Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer


direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa. 2 - O
Estado não discriminará nenhuma igreja ou comunidade religiosa relativamente às outras.

Corresponde ao artigo 41.º da CRP mas temos regra especificada ( não quer dizer que já não houvesse os termos da
CRP) que advoga que Estado não discrimina nenhuma igreja ou liberdade religiosa comparativamente às outras.

Artigo 3.º
Princípio da separação

As igrejas e demais comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no
exercício das suas funções e do culto. Resulta também da CRP

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Artigo 4.º
Princípio da não confessionalidade do Estado

1 - O Estado não adopta qualquer religião nem se pronuncia sobre questões religiosas.
2 - Nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade.
3 - O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes religiosas.
4 - O ensino público não será confessional.

Previsto princípio da não confessionalidade no Estado que temos no artigo 43.º em relação ao ensino, mas aqui no
artigo 4.º é mais abrangente , dizendo que estado não adota qualquer religião nem se pronuncia em sobre
questões religiosas e que nos atos oficiais e protocolo do estado será respeitado o princípio da não
confessionalidade. O nº3 e nº4 resultam da CRP. Esta questão do protocolo do estado foi das que mais confusão
deu a propósito da Lei de liberdade Religiosa porque não se conseguia encontrar forma de encaixar dignatários,
nomeadamente da Igreja Católica que tinham no protocolo do estado anterior lugar de destaque mas que têm de
deixar de ter no âmbito da CRP e nova Lei da Liberdade religiosa.

Artigo 6.º
Força jurídica

1 - A liberdade de consciência, de religião e de culto só admite as restrições necessárias para


salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. É o que está no artigo 18.º da
CRP em relação a qualquer direito.
2 - A liberdade de consciência, de religião e de culto não autoriza a prática de crimes.
3 - Os limites do direito à objecção de consciência demarcam para o objector o comportamento
permitido.
4 - A lei pode regular, sempre que necessário, o exercício da liberdade de consciência, de religião e de
culto, sem prejuízo da existência de tal liberdade.
5 - A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar a
liberdade de consciência e de religião. Do tríptico de liberdades do artigo 41.º, a que não
está aqui mencionada é a liberdade de culto, porque é uma exteriorização e esta pode ser
afetada durante a vigência do estrado de sitio e de emergência.

A lei elenca direitos individuais da liberdade religiosa.

Artigo 8.º

Conteúdo da liberdade de consciência, de religião e de culto

A liberdade de consciência, de religião e de culto compreende o direito de:


Ter, não ter e deixar de ter religião;
Escolher livremente, mudar ou abandonar a própria crença religiosa;
Praticar ou não praticar os actos do culto, particular ou público, próprios da religião professada;
Professar a própria crença religiosa, procurar para ela novos crentes, exprimir e divulgar livremente, pela
palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento em matéria religiosa;
Informar e se informar sobre religião, aprender e ensinar religião;

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Reunir-se, manifestar-se e associar-se com outros de acordo com as próprias convicções em matéria religiosa,
sem outros limites além dos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Constituição;
Agir ou não agir em conformidade com as normas da religião professada, no respeito pelos direitos humanos e
pela lei;
Escolher para os filhos os nomes próprios da onomástica religiosa da religião professada;
Produzir obras científicas, literárias e artísticas em matéria de religião.

Artigo 9.º

Conteúdo negativo da liberdade religiosa

1 - Ninguém pode:
Ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência
religiosa ou propaganda em matéria religiosa;
Ser coagido a fazer parte, a permanecer ou a sair de associação religiosa, igreja ou comunidade religiosa, sem
prejuízo das respectivas normas sobre a filiação e a exclusão de membros;
Ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha
de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder;
Ser obrigado a prestar juramento religioso. Já foi tempo em que em Portugal juramento em tribunal se fazia
sobre bíblia. Agora é proibido nos termos da liberdade religiosa e da lei da liberdade religiosa. 2 - A informática não
pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções pessoais ou fé religiosa, salvo mediante
consentimento expresso do titular ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis.

Artigo 11.º

Educação religiosa dos menores

1 - Os pais têm o direito de educação dos filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa, no
respeito da integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes. 2 - Os menores, a partir dos 16 anos
de idade, têm o direito de realizar por si as escolhas relativas a liberdade de consciência, de religião e de culto.

A parte final do n.º1 do artigo 11.º tem uma concretização muito discutida a propósito das testemunhas de jeová
que recusam as transfusões de sangue. Isto tem sido questão discutida a de saber se Pais, testemunhas de jeová,
podem determinar que filho não seja sujeito a transfusões de sangue que seja necessário para salvaguardar o seu
direito de saúde ou direito à vida. A forma como situação tem sido resolvida é a de entender que durante o período
que seja necessário para fazer transfusão de sangue, o poder parental não está a ser exercido pelos pais, mas pelo
tribunal e é o tribunal que determina a realização da transfusão de sangue tendo em conta interesse do menor.

Artigo 13.º ( Assistência religiosa em situações especiais)

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Nós tivemos durante muito tempo, a existência de capelães religiosos pagos pelo Estado nos hospitais. Essa
situação demorou muito a desaparecer nos termos da nova lei da Liberdade religiosa. Continuam a existir capelães
nos hospitais mas não pagos pelo estado, mas pelas várias confissões religiosas, e abrindo-se a possibilidade a
outras confissões religiosas que não a Católica.

Artigo 14.º

Dispensa do trabalho, de aulas e de provas por motivo religioso

1 - Os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de
contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias
das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes
condições:
Trabalharem em regime de flexibilidade de horário;
Serem membros de igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano anterior ao membro do Governo
competente em razão da matéria a indicação dos referidos dias e períodos horários no ano em curso;
Haver compensação integral do respectivo período de trabalho.
2 - Nas condições previstas na alínea b) do número anterior, são dispensados da frequência das aulas nos dias de
semana consagrados ao repouso e culto pelas respectivas confissões religiosas os alunos do ensino público ou
privado que as professam, ressalvadas as condições de normal aproveitamento escolar. 3 - Se a data de prestação
de provas de avaliação dos alunos coincidir com o dia dedicado ao repouso ou ao culto pelas respectivas confissões
religiosas, poderão essas provas ser prestadas em segunda chamada, ou em nova chamada, em dia em que se não
levante a mesma objecção.

Por exemplo, em relação a confissões religiosas que têm de guardar como dia santo o sábado. Referência a um
acórdão do TA que teve ganho de causa e levou alteração da lei- foi o caso de uma ex-aluna da FDUP que sempre
se recusou a fazer exames ( na faculdade, na ordem dos advogados, no acesso à magistratura no CEJ) ao sábado e
teve sempre ganho de causa o que levou à alteração da lei, por se entender que organização do calendário semanal
está feito de acordo com uma determinada confissão religiosa. Esta confissão religiosa de acordo com a qual está
organizada o calendário semanal é a maioritária ( tem domingo como seu dia santo) mas não tem proibição de
atividades ao domingo. Há outras confissões religiosas que tem sábado como dia santo e proíbem qualquer
atividade nesse dia.

Artigo 19.º

Casamento por forma religiosa

1 - São reconhecidos efeitos civis ao casamento celebrado por forma religiosa perante o ministro do culto de uma
igreja ou comunidade religiosa radicada no País. O ministro do culto deverá ter a nacionalidade portuguesa ou,
sendo estrangeiro, não nacional de Estado membro da União Europeia, ter autorização de residência temporária ou
permanente em Portugal.
2-(…)

3- (…)

4- (…)

5- (…)

87
6- (…)

Antes da Lei de Liberdade Religiosa, o único casamento por comunidade religiosa que tinha efeitos como se fosse
casamento civil era o casamento celebrado no âmbito do rito da religião católica, mas isto já não é assim.

*Nota: Não é preciso celebrar os dois casamentos: casar por civil e casar pela Igreja. O casamento religioso tem
efeitos civis. Casamento sob forma religiosa reconhecidos têm efeitos civis

Esta é uma situação diferente daquela que temos, por exemplo:



- na França só o casamento civil tem efeitos e se alguém quiser casar no âmbito de confissão religiosa , pode fazê-lo mas
não tem efeitos civis, tendo de casar também civilmente para ter efeitos civis face ao Estado.

-na Grécia só o casamento religioso tem efeitos civis, isto é, só o casamento de acordo com religião ortodoxa tem efeitos
civis.

Em Portugal, temos casamento civil e lei equipara alguns casamentos sob forma religiosa ao casamento civil.

Capítulo III da lei é sobre direitos coletivos da liberdade religiosa, respeitante nomeadamente às Igrejas e
comunidades religiosas e a esta liberdade de organização.

Artigo 24.º (Ensino religioso nas escolas públicas)

Artigo 25.º (Tempos de emissão religiosa)

Artigo 26.º (Abate religioso de animais)

Artigo 28.º

Direito de audiência sobre instrumentos de planeamento territorial

1 - As igrejas e demais comunidades religiosas inscritas têm o direito de serem ouvidas quanto às decisões relativas
afectação de espaço a fins religiosos em instrumentos de planeamento territorial daquelas áreas em que tenham
presença social organizada.
2 - Os planos municipais de ordenamento do território e demais instrumentos de planeamento territorial devem
prever a afectação de espaços a fins religiosos.

Por exemplo, quando se vai fazer plano municipal ou novo plano regional de planeamento de território, e igrejas e
demais comunidades têm direito a ser ouvidas quanto à possibilidade de por exemplo ser instaladas nova igreja ou
novo local de culto.

Artigo 32.º

Benefícios fiscais

1 - As pessoas colectivas religiosas inscritas estão isentas de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou
local, sobre:

a) Os lugares de culto ou outros prédios ou partes deles directamente destinados à realização de fins religiosos;

88
As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos;

Os seminários ou quaisquer estabelecimentos efectivamente destinados à formação dos ministros do culto ou ao


ensino da religião;

As dependências ou anexos dos prédios descritos nas alíneas a) a c) a uso de instituições particulares
de solidariedade social;

Os jardins e logradouros dos prédios descritos nas alíneas a) a d) desde que não estejam destinados a
fins lucrativos.

(…)

Nota: Estas alíneas só estão a título de exemplificação, sendo que o artigo não está totalmente transcrito.

O que justifica estes benefícios fiscais do ponto de vista da ratio destes preceitos? A Ideia que liberdade religiosa é
em si bem que Estado deve proteger. Estado não é estado ateu, laicista, mas é um estado que promove diversidade
religiosa.

Artigo 33.º

Personalidade jurídica das pessoas colectivas religiosas

Podem adquirir personalidade jurídica pela inscrição no registo das pessoas colectivas religiosas, que é criado no
departamento governamental competente:
As igrejas e demais comunidades religiosas de âmbito nacional ou, em sua vez, as organizações
representativas dos crentes residentes em território nacional;
As igrejas e demais comunidades religiosas de âmbito regional ou local;
Os institutos de vida consagrada e outros institutos, com a natureza de associações ou de fundações, fundados
ou reconhecidos pelas pessoas colectivas referidas nas alíneas a) e b) para a prossecução dos seus fins religiosos;
As federações ou as associações de pessoas colectivas referidas nas alíneas anteriores.

Artigo 34º ( Requisitos da inscrição no registo)

Artigo 35º (Inscrição de igrejas ou comunidades religiosas)

Artigo 37.º

Igrejas e comunidades religiosas radicadas no País

1 - Consideram-se radicadas no País as igrejas e comunidades religiosas inscritas com garantia de


duração, sendo a qualificação atestada pelo membro do Governo competente em razão da matéria, em
vista do número de crentes e da história da sua existência em Portugal, depois de ouvir a Comissão da
Liberdade Religiosa.
2 - O atestado não poderá ser requerido antes de 30 anos de presença social organizada no País, salvo se
se tratar de igreja ou comunidade religiosa fundada no estrangeiro há mais de 60 anos. O atestado é
averbado no registo. 3 - O requerimento do atestado será instruído com a prova dos factos que o
fundamentam, aplicando-se o disposto no artigo 38.º

89
No momento em que foi aprovada esta lei, a par da criação deste registo de inscrição das igrejas e comunidades
religiosas, resolveu apresentar-se um limite para aquelas que já se encontravam radicadas no país em 2001. Este
requisito aparece no nº2. Esta previsão, limitação pode ser considerada por alguns como restritiva e não mero
condicionamento- ideia que exigir decurso de prazo tão longo como este pode ser considerado como restrição.
Porquê que a comunidade religiosa com 5 anos não pode ter mesmos direitos que outras comunidades religiosas
de 30 anos que apareçam? Isto foi muito discutido na altura e percebe-se eventual possibilidade de se considerar
restrição e não mero condicionamento.

Artigo 45.º

Acordos entre igrejas ou comunidades religiosas e o Estado

As igrejas ou comunidades religiosas radicadas no País ou as federações em que as mesmas se integram podem
propor a celebração de acordos com o Estado sobre matérias de interesse comum.

Deixamos de ter apenas possibilidade de celebrar acordos com Igreja católica para ter acordos com várias
comunidades religiosas.

Artigo 46.º

Processo de celebração dos acordos

1 - A proposta de acordo é apresentada em requerimento de abertura de negociações dirigido ao membro do


Governo responsável pela área da justiça, acompanhado de documentação comprovativa da verificação da
conformidade referida na alínea a) do artigo 47.º
2 - Depois de ouvir sobre a proposta de acordo a Comissão da Liberdade Religiosa, o membro do Governo
responsável pela área da justiça pode:
Recusar justificadamente a negociação do acordo;
Nomear uma comissão negociadora, composta por representantes dos ministérios interessados e por igual
número de cidadãos portugueses designados pela igreja ou comunidade religiosa, com o encargo de elaborar um
projecto de acordo ou um relato das razões da sua impraticabilidade. O presidente da Comissão é designado pelo
Ministro.

Artigo 48.º

Celebração do acordo

1 - Uma vez aprovado em Conselho de Ministros, o acordo é assinado pelo Primeiro-Ministro e pelos ministros
competentes em razão da matéria, do lado do Governo, e pelos representantes da igreja ou da comunidade
religiosa ou da federação.
2 - O acordo só entrará em vigor depois da sua aprovação por lei da Assembleia da República.

A Lei de liberdade religiosa de 2001 estabeleceu também Comissão da Liberdade religiosa (prevista no capítulo VI,
nos artigos 52.º a 57.º), um órgão de consulta da AR e do Governo que tem competência prevista no artigo 54.º.

Artigo 54.º
Competência

90
1 - No exercício das suas funções compete, nomeadamente, à Comissão:
Emitir parecer sobre os projectos de acordos entre igrejas ou comunidades religiosas e o Estado;
Emitir parecer sobre a radicação no País de igrejas ou comunidades religiosas;
Emitir parecer sobre a composição da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas;
Emitir os pareceres sobre a inscrição de igrejas ou comunidades religiosas que forem requeridos pelo
serviço do registo das pessoas colectivas religiosas;
Estudar a evolução dos movimentos religiosos em Portugal e, em especial, reunir e manter actualizada
a informação sobre novos movimentos religiosos, fornecer a informação científica e estatística
necessária aos serviços, instituições e pessoas interessadas e publicar um relatório anual
sobre a matéria;
Elaborar estudos, informações, pareceres e propostas que lhe forem cometidos por lei, pela Assembleia
da República, pelo Governo ou por própria iniciativa.
2 - A Comissão elabora o seu próprio regulamento interno.

Artigo 56.º

Composição e funcionamento

1 - A Comissão é constituída pelas pessoas agrupadas nas duas alíneas seguintes:


O presidente, dois membros designados pela Conferência Episcopal Portuguesa e três membros designados pelo
membro do Governo competente na área da justiça de entre as pessoas indicadas pelas igrejas ou comunidades
religiosas não católicas radicadas no País e pelas federações em que as mesmas se integrem, tendo em
consideração a representatividade de cada uma e o princípio da tolerância;
Cinco pessoas de reconhecida competência científica nas áreas relativas às funções da Comissão designadas
pelo membro do Governo competente na área da justiça, de modo a assegurar o pluralismo e a neutralidade do
Estado
em matéria religiosa.
2 - Terão assento na Comissão, sempre que esta o entender necessário ou conveniente, representantes
governamentais nas áreas da justiça, das finanças, da administração interna e do trabalho e solidariedade
designados a título permanente, que não terão direito a voto.
3 - Quando a questão sob apreciação diga respeito a ministério diferente dos indicados no n.º 2, pode participar nas
sessões correspondentes um representante do ministério em causa. 4 - O mandato dos membros da Comissão é
trienal e poderá ser renovado. 5 - Os membros da Comissão têm o direito de fazer lavrar voto de vencido nos
pareceres referidos nas alíneas a), b),
e d) do artigo 54.º, quando tenham participado na deliberação que os aprovou.
6 - A Comissão pode funcionar em plenário ou em comissão permanente.

Disposições finais:

Artigo 67.º
Radicação no País
O tempo de presença social organizada no País necessário para as igrejas e comunidades religiosas inscritas
requererem o atestado de que estão radicadas no País a que se refere a regra da primeira parte do n.º 2 do artigo
37.º é de 26 anos em 2001, de 27 anos em 2002, de 28 anos em 2003 e de 29 anos em 2004.

Tínhamos visto que a lei exige 30 anos e 60 anos em geral. Com este artigo, fez-se 5 anos de período de dilação até
à total aplicação deste requisito.

*Dúvida – relativa aos feriados religiosos no nosso país serem apenas os referentes à igreja católica.

91
Isto tem a ver com organização do calendário semanal que é manifestamente uma organização que corresponde a
determinada confissão religiosa. A questão dos feriados religiosos também se pode levantar.

Quando Parlamento Europeu teve a discutir diretiva de tempo de trabalho (qual o número de horas semanais e
como se organiza as horas semanais) qual foi a principal dificuldade? Precisamente pela diversidade de práticas
religiosas, pelo facto de haver Estados mais propensos a esta liberdade religiosa e porque no contexto da UE estava
iminente a entrada da Turquia. A Questão essencial da Turquia era que esta não tem maioria nem católica nem
cristã e que tem organização de calendário absolutamente diferente. Os problemas que se levantaram acerca da
elaboração da diretiva de tempo de trabalho quer em relação à organização do calendário semanal quer em
relação aos feriados religiosos tiveram a ver com perspetiva de que a partir do momento em que entre estado no
contexto da UE com estrutura diferenciada do ponto de vista religioso, isso tem de ter consequência.

Outro ponto relacionado com esta matéria: o artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa permite dispensa ou
substituição de dias no caso de provas de exame, de trabalho. Tivemos decisões do Tribunal no sentido de garantir
este direito e por isso deixamos de ter provas de acesso ao CEJ ao sábado de manhã e estas passaram para o resto
da semana. Podemos discutir em abstrato se o resto das pessoas que vão fazer a prova de acesso ao CEJ não
preferiam que fosse ao sábado de manhã por uma questão de não afetar demasiado a sua vida profissional ou
podemos discutir se alguém que presta prova diferente dos outros não pode estar a colocar em causa o princípio
de igualdade. E por se entender que doe estar em causa princípio de igualdade é que se deixou de haver duas
provas e passou a haver uma que não fosse ao sábado de manhã.

Questão tem sido resolvida no Canadá e no Brasil da seguinte forma: os praticantes de religiões que impõem
guarda de dia santo ao sábado, por exemplo, fazem a mesma prova dos demais porque estão fechados numa sala
desde o por de sol da sexta até ao sábado.

Há formas diferentes de tentar encontrar solução para o mesmo problema.

Podemos ter conflito de direitos ou colisão entre alguém que tem liberdade religiosa assim concretizada e alguém
que diz que quer fazer o exame, mas preferia não fazer exame ao sábado de manhã.

Direito relativo à reserva da vida privada

Não é novidade que temos a reserva de vida privada prevista enquanto DF na nossa CRP, aliás na sequência
daquilo que são os diplomas internacionais nesta matéria.

De que modo podemos definir esta reserva da vida privada? De que modo podemos defini-la, principalmente
no contexto em que estamos hoje, a que alguns já chamaram de conceito de sociedade transparente ( David
Brin), num contexto em que o Tribunal alemão em 1983 já falava no homem de cristal ( numa perspetiva de Big
Brother is watching you), que num contexto atual em que nossa vida é esquadrinhada até ao milímetro, nós
vivemos como homens de cristal numa sociedade transparente como se toda a sociedade tivesse paredes de
vidros e pudéssemos deitar olho ao que o outro faz ou é.

importante perceber que este contexto atual tem de ser articulado no enquadramento de Estado de Direito.
Num enquadramento de estado de Direito, nós temos de perceber quais são os direitos e bens que temos em
confronto. De temos por um lado, previsão do direito à reserva de vida privada e por outro lado, esta
constatação, evidência que no modo de ser o mundo atual a reserva da vida privada é um bem em via de
extinção. Temos de perceber como articular estas matérias.

Nós não temos dúvidas que privacidade é objeto de proteção. O problema em relação à reserva da vida
privada, ao contrário do que acontece em outros direitos (como por exemplo com direito intimidade genética
que tem problema de não estar enquanto tal expressamente previsto na CRP, estando apenas previsto o
direito à identidade genética), não tem a ver com a sua previsão. Isto não se passa com o direito à reserva da
vida privada, porque este aparece evidentemente previsto em todos os instrumentos internacionais,
nomeadamente no artigo 12.º DUDH e desenvolvido em artigo 17.º PIDCP.

92
Artigo 12.º DUDH : "ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação“; "contra tais intromissões ou
ataques a pessoa tem direito à protecção da lei“

A reserva da vida privada é um direito que aparece sempre ligado à ideia de vida familiar. A vida privada e
familiar caminham sempre em conjunto. E depois aparece com ligação também à ideia de domicílio e
correspondência. O direito à inviolabilidade de domicílio e correspondência encontra-se previsto no artigo 34.º
da CRP é no fundo longa mão do que é proteção da vida familiar e privada. A proteção do domicílio e da
correspondência, no fundo, aparece-nos como forma de proteger vida privada e familiar. Depois temos ainda
esta ligação com honra e reputação que, nos termos da CRP, encontramos prevista no artigo 26.º.

Por esta constelação e pelo modo como DUDH nos fala de reserva da vida privada percebemos que é um
direito de contornos fluidos. Isto é, se perguntarmos o que faz parte da reserva de vida privada e o que é isto
de reserva de vida privada, temos dificuldade em determinar delimitação deste direito.
Artigo 8.º CEDH: "qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e

da sua correspondência“ sempre este enquadramento de vida privada a par da vida familiar e com esta
continuação por assim dizer destes direitos chamados de menores de domicilio e correspondência.

Nota: Não estamos a falar de direitos menores em termos de hierarquia ( não há hierarquia de direitos), mas
sim quanto ao seu âmbito de proteção. Quando falamos de proteção de vida privada e proteção da vida
familiar, estamos a falar num âmbito de proteção mais lato do que se tivéssemos a falar da proteção do
domicilio e correspondência.

Ainda que os direitos possam ser sempre ( e a CEDH é clara quanto a isso - "não pode haver ingerência da
autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir
uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a
segurança pública, para o bem-estar económico do país, para a defesa da ordem e a prevenção de infracções
criminais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros” -, tal
como como a nossa CRP) restringidos para resolver situação de conflito e colisão é importante percebermos as
circunstâncias em que este direito deve ser considerado.

Encontrámos essencialmente 2 origens:


uma relacionada com os EUA tem conceito muito mais abrangente fazendo derivar conceito de reserva
de vida privada do the right to be let alone, ou seja, o direito a ser deixado sozinho. Relaciona-se com a
ideia de liberdade de escolha e liberdade de garantia de respeito por opções pessoais, direito de fazer
opções pessoais. Quando falamos aqui no the right to be let alone não estamos a falar de direito a ser
deixados sozinhos em termos espaciais/físicos, mas o direito a ser reconhecida ao cidadão margem de
decisão que esteja livre da interferência dos outros e do Estado. A primeira vez que se ouviu falar neste
right to be let alone foi num artigo de 1890 da autoria de Warren e Brendeis a propósito de fotografias de
casamento que foram publicadas na imprensa (ligada à ideia de liberdade de expressão e comunicação). A
propósito disso veio-se a falar no right to be let alone, no direito às pessoas serem deixada sozinhas na sua
vida, de terem margem de vida imune à interferência de terceiros e do Estado.


outra relacionada com a Alemanha depois do anos 70 do século XX e com passagem depois para os anos 80
(e daí a sentença do TC alemão que fala no homem cristal), a ideia de reserva de vida privada vem aparecer
ligada à ideia de autodeterminação informacional, ou seja, proteção das informações e impossibilidade de
acesso que outros devem ter às nossas informações. Na Alemanha destacamos uma parte do todo. O direito de
proteção de dados é direito de 3º geração enquanto o direito de reserva da vida privada é direito de 1ª geração.
Este direito de 3ª geração pormenoriza, desenvolve, destaca uma parte do direito de reserva de

93
vida privada, que já estava previsto enquanto direito de 1ª geração, e por isso a CRP inclui quer previsão do
direito de reserva de vida privada no arrigo 26.º quer o direito de proteção de dados pessoais no artigo 35.º.

Destas duas origens da reserva de vida privada, é óbvio que se olharmos para origem norte-americana
encontramos conceito mais lato do que o que resulta da Alemanha. O conceito que resulta da Alemanha é
algo que se vai desenvolvendo num mundo em que a economia está cada mais dependente da informação
( e sobretudo da informação personalizada que permite ao mercado actuar de forma cada vez mais
precisa), em que qualquer um de nós quando entra um site para fazer compras online, a empresa em causa
tem toda a vantagem e interesse de ter interesses customizados e saber que gostamos de determinados
livros, produtos a consumir. E esta linha vai dar à proteção de dados pessoais, ou seja, podemos
autonomizar esta ideia de privacidade ligada à autodeterminação informacional, à proteção de dados
pessoais naquilo que é a evolução e alguns entendem que é até um ramo de direito autónomo , o Direito
de proteção de dados pessoais.

Em Portugal, nós temos previsão no artigo 26.º da CRP do direito da reserva de vida privada e no artigo 35.º
quanto a proteção de dados pessoais, desde a versão originária de 1976. Desde 1976, que temos previsão
destes dois direitos. Portugal introduziu a previsão do direito à proteção de dados pessoais no artigo 35º,
porque vinha da Alemanha, mas é obvio que em 1976 não havia densificação dos problemas que resultavam da
proteção dos dados pessoais ou daqueles que hoje em dia temos no RGPD. Essa linha de evolução de proteção
de dados pessoais que começa com preocupações na Alemanha nos anos 70 do séc. XX vem sendo cada vez
mais agigantada hoje em dia.

Isso não significa que nós não tenhamos previsão geral, e para essa previsão geral temos de encontrar sentido
útil diferente da dos dados pessoais, porque de outro modo diríamos que a CRP estaria a prever a mesma coisa
quer no artigo 26.º quer no artigo 35.º.

O artigo 26.º tem de ser algo mais do que proteção de dados pessoais e provavelmente vamos buscar para o
artigo 26.º a origem mais alargada dos EUA, do right to be let alone, do artigo de 1890 do Warren e Brendeis
em que dizem que este direito a ser deixado sozinho , a ser deixado em paz é o direito mais valorizado pelo
homem civilizado.

O que está em causa é a ideia que existe espaço vital em que cada um sente ao abrigo da indiscrição alheia e
podemos identificar 3 esferas identificadas por Hubmann:

vida íntima
vida privada
vida publica pública- corresponde à situação mais exposta.

Há 3 esferas concêntricas de proteção.

Vida Vida
Vida privada pública
íntima

94
Acentuamos três esferas porque podemos ter dificuldade em perceber no que enquadramos no direito à
reserva da vida privada, no direito de reserva da vida íntima ou no direito de reserva de vida pública.

Porquê? Porque de acordo com esta formulação geral, isto é, a ideia de proteção das minhas opções e planos
para o futuro podemos incluir aqui:

direito à integridade intelectual (à liberdade de pensamento, e expressão, criação científica ou


artística);
direito à integridade moral (à liberdade civil, política e religiosa; à honra, ao recato, ao segredo
pessoal; à imagem, à identidade pessoal, familiar e social)

e podemos mesmo no que diz respeito a esta proteção de escolha própria incluir:

direito à proteção da integridade física - direito à protecção da vida e da liberdade e integridade


físicas (abrangendo o direito ao destino do corpo após a morte);
e o direito à proteção da individualidade não física direito à protecção da honra, da reputação, da
imagem, do direito de autor, do direito ao segredo/sigilo.

Encontramos aqui série de proteções jurídicas subjetivas fundamentais que podemos integrar dentro do direito da
reserva de vida privada.

Isso significa que a vida privada, enquanto tal, compreende um conjunto de atividades, situações, atitudes ou
comportamentos individuais, que não têm relação com a vida pública, que estão desta separados, e que
estão estritamente ligados à vida individual e familiar da pessoa (ligação da vida familiar e privada que
caminham a par uma da outra) e que nós não conseguimos a priori identificar e dizer o que pertence à vida
privada. Conseguimos isso quando muito através de clausula geral, porque é impossível enumerar em
termos apriorísticos o que seja o conteúdo da vida privada.

Kayser vem dizer que a reserva da vida privada pode ter que ver com tudo o que seja, afeta o corpo,
acontecimentos da vida privada e familiar, património, opiniões políticas, filosóficas e religiosas, inviolabilidade do
domicílio e da correspondência. A reserva da vida privada abrange tudo isto mas isso não quer dizer que não
consigamos destacar aqui alguns direitos em especial. Olhando para esta definição de Kayser, que outros direitos
podemos aqui destacar alem da inviolabilidade de domicílio e correspondência? Podemos destacar liberdade de
pensamento , liberdade consciência, religião e culto, liberdade de expressão. Nesta perspetiva lata que nos vem
dos EUA, que o direito à reserva de vida privada corresponde ao right to be let alone, podemos encontrar matriz de
orientação do sujeito na vida e depois podemos destacar outros diretos.

Luis Fariñas Matoni vem advogar que a reserva da vida privada pode por um lado abranger situações que têm a ver
com o cidadão em si mesmo, podendo ter que ver com passado, presente ( abrangendo aspetos corporais-
suscetibilidade de realização de exames e relevância de dados de saúde- e não corporais )e com o futuro ( planos
ou projetos de futuro) e situações relacionadas com o cidadão nas suas relações com outros ( intimidade
compartilhada ou ameaçada por outros (pessoas singulares, pessoas coletivas e Estado)).

Qual o direito que também está aqui em causa quando o direito à reserva da vida privada protegendo a escolha dos
cidadãos pode também verter-se na escolha de decisões para o futuro? Que direito protege em termos dinâmicos, em
termos de projeção estas escolhas , o desenvolvimento destas escolhas pessoais ? aqui teríamos o livre desenvolvimento
da personalidade que é forma de concretização individual da Dignidade Pessoa Humana. A nossa CRP importou
expressão da Alemanha, apesar de não introduzir o adjetivo “livre”. No artigo 26.º temos previsão deste direito, mas
claro que há de ser livre porque de outra maneira não faria sentido. Podemos olhar para o direito de reserva de vida
privada enquanto projeção estática das escolhas enquanto um, e direito de desenvolvimento da personalidade enquanto
projeção dinâmica, ou seja, como forma de proteger para o futuro essas mesmas escolhas.

Sempre que tentamos encontrar estas esferas concêntricas ( vida publica, vida privada vida intima) e em Itália ideia de
solidão( a susceptibilidade de evitar contacto físico), intimidade (a susceptibilidade de reduzir contactos a grupos

95
reduzidos), anonimato (do indivíduo que ainda que exposto a contactos mantém liberdade) ou reserva strictu
sensu (possibilidade de banir intromissões não desejadas), estamos sempre a tentar delimitar estas esferas
diferentes de proteção que abrangem a vida intima, vida Privada e vida publica.

No caso português, os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira sempre defenderam que conceito
constitucional da reserva da vida privada devia arrancar do conceito de dignidade da pessoa humana ( não é
novidade nenhuma na medida que qualquer DF há de arrancar do conceito de dignidade de pessoa
humana)envolvendo o respeito dos comportamentos, respeito do anonimato, respeito da vida em relação (
relevância aqui para o direito de desenvolvimento da personalidade) e o respeito pela liberdade de consciência (
podemos encontrar aqui proteção de opiniões politicas, filosóficas, etc.).

Há uma interseção e necessidade de articulação com outros direitos menores como os direitos à honra, à imagem,
à reputação e ao bom nome, inviolabilidade de domicílio e de correspondência, mas a finalidade da proteção da
vida privada é sempre o da proteção da liberdade. Já a propósito da intimidade genética acentuávamos este
aspeto. Sempre que queremos proteger determinados aspetos da vida privada , o objetivo é sempre o de proteger
liberdade do sujeito. Porquê que não queremos que todos tenham acesso a aspetos da nossa vida intima e
privada? Para manter esta proteção da liberdade.

Encontramos essa previsão na CRP que era a propósito da previsão da:

a integridade moral e física das pessoas é inviolável (Artigo 25.º/1)

a reserva da intimidade da vida privada e familiar e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (Artigo

26.º/1) A CRP fala em direito ao desenvolvimento da personalidade não usando o adjetivo livre, mas temos de
o entender assim. O artigo 26.º não fala apenas em reserva da vida privada, falando antes em reserva de
intimidade da vida privada- isto pode ser enganador, pensando que CRP só protege a vida íntima e não vida
privada. A CRP protege vida íntima e vida privada. O facto de artigo 26.º se referir a reserva de intimidade de vida
privada deve ser desconsiderado nestes termos.

garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana, da informação relativa às
pessoas e às famílias (Artigo 26.º/ 2 )

garantia da “intimidade genética” (Artigo 26.º/3)

liberdade de consciência (Artigo 41.º)

Todos estes direitos gozam de eficácia vertical e horizontal em relação a outros.

Todos os outros direitos menores que encontramos servem o propósito de garantir reserva de vida privada, isto é,
a proteção da liberdade do sujeito.

Existência de conflitos é óbvia. Sabemos que não temos critério hierárquico pelo que temos de olhar para o tipo e
intensidade da lesão e para o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes: necessidade, adequação e da
proibição de excesso. Há formas que doutrina tem encontrado hoje em dia para resolver questão antes de chegar
ao artigo 18º através dos limites imanentes, restrições implícitas, etc.

No contexto atual que vivemos, há uma parte de eventual suposta violação ou afetação da reserva da vida privada
que tem de ser considerada como parte do mundo que vivemos. Este direito hoje não tem a mesma configuração
do que aquela a que se referiam Warren e Brandeis no final do século XIX quando apareceu.

Aqui importa também pensar na teoria das bagatelas como princípio de interpretação e conformação social. Não
podemos em qualquer circunstância concluir que tudo é violação da vida privada. Temos de perceber também

96
quando passamos linha de fronteira e que cabe a cada um de nós pugnar pela defesa da reserva de vida privada.
Não vale entrar em psicopatia litigante, entendendo que tudo é violação da reserva de vida privada, mas temos de
ser claros no sentido de garantir que qualquer restrição ao direito é feita nos termos constitucionais e legais e tem
de seguir os requisitos do artigo 18.º e cabe a cada um de nós pensar onde pode passar a linha de fronteira,
nomeadamente até na perspetiva de desenvolvimento dos dados pessoais.

Nós não temos dúvidas de que há previsão de proteção da reserva da vida privada, mas a questão é deslocação de
âmbito de proteção para a discussão de novos meios de violação:

Intimidade genética

Recolha de vestígios biológicos

Métodos biométricos

Reformulação do conceito de inviolabilidade de correspondência – hoje é diferente daquele que era no séc.
XIX. Temos de integrar os meos eletronicos como o e-mail que é forma mais tipica de correppndnecia
atualmente.

Categorias específicas de dados pessoais (bancos de dados médicos, dados de investigação científica e
estatísticos, dados utilizados para fins de “direct marketing)

Dados de localização e de tráfego

Videovigilância

Todas estas são novas formas que tecnologia traz e temos de enquadrá-las na proteção da reserva de vida privada.

A grande questão não é então se reserva da vida privada está protegida enquanto DF, mas quais são os novos
contextos e desafios de reserva de vida privada.

Para estes novos contextos de reserva de vida privada, servem as regras que tínhamos ou temos de produzir
elaboração de novas regras?

Todos temos de ter em atenção Preocupação pedagógica e formadora formulada em 2004 pela CNPD quanto à
instalação de câmaras numa creche, no que tal representaria de sinal dado num Estado de Direito Democrático: no
entendimento da Comissão, a captação de imagens solicitada poderia criar nas crianças “a habituação ou aceitação
natural da sujeição a tal modo de controlo, na sua vida futura” e por isso negou esse pedido.

importante que percebamos que não é pelo facto de termos tecnologia que nos permite determinado controlo e
vigilância que ela deva ser sempre utlizada em qualquer circunstancia.

Privacidade é bem raro e precioso e ideia de sociedade transparente é inevitável, mas pelo menos podemos ver
aqueles que nos veem, saber o que outros sabem sobre nós. O desafio é o de exigir maior transparência e
legitimação procedimental. Se calhar só assim conseguimos continuar a garantir o tal direito a estarmos sozinhos
em paz que surgiu no séc. XIX.

Se nós tínhamos conceito de privacidade que surge na 1ª era do séc. XIX, que surge do direito à escolha e vem do
direito à imagem ( tinha que ver com publicação de fotografias de casamento), se temos 2º era que diz respeito a
proteção de dados pessoais no séc. XX, hoje temos 3ª era respeitante à integridade informacional, no séc. XXI.

Esquema:

1ª era - Privacy – EUA - Séc XIX

Right to be let alone (Direito à imagem)

2ª era - Protecção de dados – Alemanha – Séc XX

97
Dataschutz

3ª era – Direito à integridade informacional – Séc XXI

Risco tecnológico web 2.0./web 3.0

Da privacidade informacional à privacidade comportamental

O desfaio maior é provavelmente passarmos da privacidade informacional à privacidade comportamental outra


vez. Aqui se voltarmos a perceber que mais importante que a privacidade informacional é a privacidade
comportamental e que aquilo que interessa é sempre proteção de liberdade de comportamentos, então voltamos
a aproximarmo-nos da origem norte americana da reserva de vida privada do que da alemã da reserva de vida
privada e de autodeterminação informacional. A proteção da autodeterminação informacional, a proteção da
informação é forma instrumental, adjetiva de garantir a reserva da vida privada que serve para garantir a liberdade.
A reserva da vida privada, a das nossas escolhas e proteção de segredo quanto às nossas escolhas, esta margem de
liberdade para que possamos atuar ao abrigo de terceiros e entidades públicas ( eficácia horizontal e vertical), leva-
nos a perceber que está aqui em causa de novo uma proximidade muito maior no que diz respeito à privacidade
nos termos em que ela é referida nos finais do séc. XIX por Warren e Brendeis.

Provavelmente estamos numa fase de volta do ciclo ao início, isto é, proteção de escolhas e comportamento acaba
por ser mais relevante ou pelo menos mais abrangente do que a mera proteção de informação.

Esta origem norte-americana da reserva de vida privada que protege privacidade comportamental leva a que
encontremos enquadramento para série de situações respeitantes aos cidadãos que tem que ver com aspetos
corporais, não corporais, individualidade não física, etc. É um direito muito mais abrangente se pensarmos apenas
na reserva da vida privada quanto à proteção de informações.

3.1 Proteção de dados pessoais

Esta proteção de dados pessoais pode arrancar da reserva de vida privada tendo este enquadramento mais estrito
mas podendo ainda arrancar da reserva de vida privada e proteção das escolhas de cada um, sempre com ideia de
proteção instrumental da liberdade.

Nós temos um direito à privacidade, à reserva de vida privada que aparece como direito de 1ª geração, desde logo
em primeira linha para atuar face ao estado. Em princípio, temos abstenção por parte do estado como forma de
proteger liberdade civil e política, ideia de anonimato mesmo dentro da ideia daquelas esferas concêntricas de
privacidade e qualidade do titular tem aqui relevância. Questão da chamada vida privada das pessoas públicas-
pessoas públicas, pessoas que exercem cargos públicos, têm lugar também à vida privada? É óbvio que sim.
Durante algum tempo dizia-se que não vida privada das pessoa publicas mais isso não é assim. Mas dentro
daquelas 3 esferas concêntricas, as pessoas públicas, que exercem funções públicas, têm esfera de vida pública
mais acondicionada pelas restantes, mas não deixam de ter direito à vida privada e vida intima.

Deste direito à privacidade podemos fazer destacar o Direito de proteção de dados aparece como direito de 3
geração no quadro de sociedade de informação e com a ideia de a instrumentalidade, adjetiva de reserva de vida
privada ,e por sua vez, estes aparecem como instrumentais da proteção da liberdade.

Temos previsão do direito de reserva de vida privada e desenvolvimento da personalidade no artigo 26.º CRP.

98
Artigo 26.º

Outros direitos pessoais

A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, (…) à reserva da
intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.

A lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana,

de informações relativas às pessoas e famílias. (…) sempre esta ligação entre vida privada e vida familiar e
proteção da vida privada e familiar conjuntamente

No artigo 35.º CRP temos esta previsão autónoma do direito de proteção de dados pessoais. Tem epigrafe estranha
o artigo ( “Utilização da informática”) o que mostra bem que em 1976 não sabiam bem do que estavam a falar.

Artigo 35.º

Utilização da informática

Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir
a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei.

importância para este termo de finalidade que remete para o princípio de finalidade que é princípio básico de
proteção de dados pessoais


4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei. temos por
um lado indicação que cada um pode ter acesso a dados informatizados que lhe digam respeito no nº1 e, por
outro lado, proibição de acesso a dados pessoais de terceiros no nº4, salvo em casso expressamente previstos
na lei.
Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números

anteriores, nos termos da lei. a proteção de dados pessoais é importante por si independentemente
de serem dados pessoais informatizados ou não.

A primeira lei de dados pessoais chamava-se “ Lei de proteção de dados pessoais informatizados”, mas facilmente
se percebeu que não é isso que está em causa. O que está em causa é que esta proteção de dados seja em relação
a quaisquer dados pessoais. Era entranho se disséssemos que só interessa proteger os dados de saúde que estejam
em aquivos médicos informatizados e não interessa proteger os estão em ficheiros manuais.

A comissão nacional de proteção de dados pessoais também começou por chamar-se “comissão nacional de proteção de
dados pessoais informatizados” e agora chama-se comissão nacional de proteção de dados pessoais sem mais.

Antecedentes daquilo que é o atual RGPD:


(1981) Convenção 108 do Conselho da Europa

(1982) Comissão para o Enquadramento das Novas Tecnologias


Lei nº 10/91, de 29 de Abril

Directiva 95/46/CE

Directiva 2002/58/CE

(Directiva 2006/24/CE)

A anterior Lei de Protecção de Dados (Lei nº 67/98, de 26 de Outubro)

99
Em primeiro, tivemos algumas Convenções do Conselho da Europa desde os anos 80. Esta matéria começa nos
anos 70 na Alemanha e vai desenvolvendo-se nos anos 80. Em 1982, tivemos criação em Portugal da Comissão para
o Enquadramento das Novas Tecnologias. E depois tivermos uma geração de diretivas que foram sendo
sucessivamente alteradas o domínio europeu, sendo que todas elas foram sendo transpostas para OJ portuguesa.

A lei 10/91 é a primeira lei de proteção de dados pessoais. Entre 1976 a 1991, tivemos previsão constitucional mas
não tínhamos lei ordinária nesta matéria. Esta lei em larga medida tem o regime que resulta do regime europeu da
altura, das diretivas europeias da altura.

O que muda a partir de 2016? Deixamos de ter diretivas para ter um regulamento. Quer diretivas quer
Regulamentos são duas fontes de direito europeu que se distingue pela forma como se aplicam e os seus
destinatários. As diretivas dirigem-se primacialmente aos Estados que depois as transpõem com essa margem
eventual de manobra enquanto regulamentos são diretamente aplicáveis.

Deixamos de ter sucessivas diretivas para termos um Regulamento 2016/679 que revoga Diretiva de 1995 que
tinha dado origem à anterior lei de proteção de dados ( lei 67/98) pela transposição dessa diretiva de 1995, sendo
que essa tinha revogado lei 10/91. Este regulamento foi publicado a 4 de Maio de 2016 no Jornal Oficial da União
Europeia e entrou em vigor a 25 de Maio de 2016 mas estabelecia um período transitório de dois anos para a sua
total aplicação. Como se trata de um Regulamento é diretamente aplicável aos 28 Estados Membros, sem
necessidade de qualquer transposição para cada jurisdição. Ou seja, Entrando em vigor a 25 de maio, estabelecia
até 25 de maio de 2018 , a possibilidade de período transitório. Significa que pessoas só se lembraram que período
transitório ia acabar em 2018, apesar de saber que isso já iria acontecer desde 2016.

Entre finais de 2017 e inícios de 2018, somos bombardeados com o facto das entidades lembrarem-se que
precisavam de adaptar os seus respetivos comportamentos ao RGPD.

Vamos perceber quais são as alterações que levaram a que entidades andassem atras dos cidadãos nesta altura.
RGPD

Artigo 1.º

Objeto e objetivos

1.O presente regulamento estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao
tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

2.O presente regulamento defende os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares,
nomeadamente o seu direito à proteção dos dados pessoais.

3.A livre circulação de dados pessoais no interior da União não é restringida nem proibida por motivos relacionados

com a proteção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais. ideia de
instrumentalidade e liberdade associada a esta proteção.

Isto significa que a partir de 2016, especificamente de 2018, a matéria respeitante ao tratamento de dados pessoais e à
livre circulação são passadas a tratar pelo RGPD. A partir de 25 de maio de 2018, momento em que termina período
transitório de 2 anos que se tinha iniciado com publicação do regulamento a 25 de maio, acontece que nossa lei interna
de proteção de dados ( Lei 67/98)deixa de ser fonte normativa em a matéria de proteção de direitos e passa a ser o
RGPD. Aconteceu que tivemos lei de execução do RGPD , de agosto de 2019, mais de um ano depois de acabar o período
transitório. Se havia necessidade de lei de execução de regulamento o tempo ideal para ter prolatado essa lei deveria ser
entre 2016 e maio de 2018. Aliás o tempo ideal para essa lei seria logo o início da entrada em vigor do regulamento para
que pudesse haver adaptação do país às novas normas de proteção de dados pessoais. A 25 de abril de maio de 2018
findou o período transitório do regulamento, sem haver período de

100
adaptação em algumas matérias a confusão foi total, mantinham-se em vigor para algumas matérias por
deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) a lei 67/98 mas a própria CNPD tinha mudado de
figura, estrutura com o RGPD Esta lei de execução só vai ser publicada a agosto de 2019.

O que mudou mais?

No que diz respeito aos direitos dos cidadãos, passou a exigir-se consentimento expresso, tendo as pessoas que
dizer expressamente se permitiam tratamento de dados pessoais, coisa que não era necessária antes.

Surgimento do Direito ao esquecimento, isto é, possibilidade de se dizer que determinadas informações que
constam da internet podem ser apagadas a pedido do titular. Isto levanta problema da reserva do
tecnologicamente possível. A possibilidade copiar estes elementos para suporte digital é imensa. O RGPD prevê
este direito e ainda o direito a portabilidade. Exemplo: quero mudar da medis para multicare e quero que os meus
dados passem para o outro sistema de saúde

Do ponto de vista das obrigações, muda que todas as entidades que fazem tratamento de dados pessoais têm de
considerar a privacidade à partida, esta privacy by design e by default. Os sistemas informatizados passaram a ter
de estar especialmente concebidos para não recolher mais dados do que os estritamente necessários- princípio da
proporcionalidade. Teve de haver toda uma adaptação de todos os sistemas para evitar esta recolha excessiva de
dados.

Passou a ser expressamente proibida a decisão com base em perfis automatizados. Ex: imaginem multinacional que
tem sistemas de tratamento de dados pessoais em França, Portugal e Espanha. Passou a haver previsão do one
stop shop, isto é , organizações com estabelecimentos em diferentes países da UE passam a poder contactar
apenas com uma entidade , e depois as comunicações são feitas internamente com instituições congéneres.

Em termos de Hard Law, aumentaram muito os valores das coimas e em termos de soft law, passou a haver
determinação de que deve haver , nomeadamente pela CNPD, aprovação de códigos de boas práticas e condutas.

Do ponto de vista de responsabilidade e sanções, enquanto que anteriormente as operações de tratamento de dados
pessoais eram controladas previamente pela CNPD, passamos a situação em que as varias empresas e entidades têm de
ter sistemas de accountability, sendo responsáveis as porpiás empresas e entidades por aquilo que seja o desenho do
respetivo circuito no que diz respeito a dados pessoais. Substituímos controlo prévio por eventual controlo posterior, e
mais do que controlo à posteriori, pela necessidade de avaliações prévias de impacto de privacidade. Quando alguém
pretende estabelecer novo tratamento de dados pessoais, tem de realizar previamente este controlo prévio de impacto
sobre privacidade. As entidades, empresas estão obrigadas a fazer controlo interno e passam a comunicar à CNPD no
caso de terem verificado que houve violação de dados, de alguém acedeu indevidamente a esses dados. Passou a ter
Data Protection Officers ou Encarregado de proteção de dados. Este encarregado comunica a CNPD dizendo que houve
dados que foram indevidamente acedidos por terceiros, por exemplo. Ele começa por verificar se houve violação,
número de dados afetados e a partir dai comunica à CNPD.

Por outro lado, a entidade passa a ser responsável não só pelo tratamento de dados que fazem, como também
pelo tratamento de dados pessoais que fazem empresas e entidades com ela tenham feito contratos, o que
significa que teve que renegociar todos contratos que tinha com entidades terceiras no sentido de inserir cláusulas
para efeitos de salvaguarda de proteção de dados pessoais.

Em termos de Hard Law, Coimas aumentaram bastante.

Se isto foi o que se alterou com o RGPD, temos panorâmica de matérias que não são assim tao diferentes que
constam no RGPD para perceber o que estamos a falar.

Este artigo 4.º sobre dados pessoais e tratamento já resultava da nossa lei, mas basta olhar para a definição de
dados pessoais e tratamento para perceber que tudo são dados pessoais e tudo são operações de tratamento. Este
realiza enumerações exemplificativas.

101
Artigo 4.º

(Definições)

«Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»);
é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial
por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização,
identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética,
mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;

«Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos
de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a
estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por
transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o
apagamento ou a destruição;

Muitas vezes esquecemo-nos dos perigos que resultam das operações negativas de tratamento de dados pessoais.
É tao suscetível de violar a proteção de dados pessoais uma operação de recolha como operação de destruição ou
apagamento de dados pessoais porque eles são necessários para algumas atividades. Exemplo: imaginem que SS
apaga todos os dados pessoais de X, não fazendo ideia se ele tinha contribuições ou não. Muitas vezes esquecemos
que operações negativas que limitam apagam ou destroem dados pessoais podem ter efeitos tao perniciosos como
as outras operações.

«Responsável pelo tratamento», a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro
organismo que, individualmente ou em conjunto com outras, determina as finalidades e os meios de tratamento de
dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da União
ou de um Estado-Membro, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos aplicáveis à sua nomeação
podem ser previstos pelo direito da União ou de um Estado-Membro;

«Subcontratante», uma pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, agência ou outro organismo que trate
os dados pessoais por conta do responsável pelo tratamento destes;

«Consentimento» do titular dos dados, uma manifestação de vontade, livre, específica, informada e explícita,
pela qual o titular dos dados aceita, mediante declaração ou ato positivo inequívoco, que os dados pessoais que lhe
dizem respeito sejam objeto de tratamento;

Caso dos menores- eles não têm capacidade mas vão tendo em alguns ramos de direito a possibilidade de serem
chamados a tomar decisões por já terem capacidade de querer e entender. O Regulamento fala em 16 anos mas
permite que haja regulação por parte do estado no sentido de fazer relevar vontade partir dos 13 anos.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1.O presente regulamento aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente
automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em
ficheiros ou a eles destinados.

2.O presente regulamento não se aplica ao tratamento de dados pessoais: (….)



Efetuado por uma pessoa singular no exercício de atividades exclusivamente pessoais ou domésticas;
Exemplo: A minha agenda em papel não está sujeita a RGPD mas agenda de contactos de telefone nomeadamente
se estiver ligada a cloud já está sujeita a RGPD.

102
Efetuado pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção e repressão de
infrações penais ou da execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança
pública.

Quais são as condições de licitude de tratamento de dados pessoais?

As operações de tratamento de dados pessoais devem ser realizados com base nos princípios (artigo 5.º):

Licitude, lealdade e transparência


Limitação das finalidades (finalidade com que os dados devem ser conseguidos e tratados. Têm de ter
Finalidade determinada, Finalidade explícita, Finalidade legítima e há proibição de tratamento para
finalidade incompatível com aquela para qual foi dada o consentimento).
Princípio de minimização de dados que diz que dados têm de ser apenas adequados, pertinentes e não
excessivos- princípio de proporcionalidade.
Exatidão
limitação da conservação- Cidadãos têm de saber duração de tratamento de dados
Integridade e confidencialidade
Responsabilidade

Estes são os princípios relativos à situações em que tratamento de dados pessoais são licitas.

São prolongadas no artigo 7.º que diz respeito à legitimidade em contexto das condições aplicáveis ao
consentimento.

Artigo 7.º

Condições aplicáveis ao consentimento

1.Quando o tratamento for realizado com base no consentimento, o responsável pelo tratamento deve poder
demonstrar que o titular dos dados deu o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais.

2.Se o consentimento do titular dos dados for dado no contexto de uma declaração escrita que diga também
respeito a outros assuntos, o pedido de consentimento deve ser apresentado de uma forma que o distinga
claramente desses outros assuntos de modo inteligível e de fácil acesso e numa linguagem clara e simples. (…)

3.O titular dos dados tem o direito de retirar o seu consentimento a qualquer momento. (…)

4.Ao avaliar se o consentimento é dado livremente, há que verificar com a máxima atenção se, designadamente, a
execução de um contrato, inclusive a prestação de um serviço, está subordinada ao consentimento para o
tratamento de dados pessoais que não é necessário para a execução desse contrato.

Este consentimento passou a ter de ser expresso desde o RGPD, sendo que titular tem direito a retirar o
consentimento a qualquer momento, nos termos do nº3.

Dados sensíveis / Categoria e regime dos especiais:

Artigo 35º CRP

A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas,
filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do

103
titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados
estatísticos não individualmente identificáveis.

Se nós adotarmos visão geral da reserva da vida privada, nem faz sentido autonomização de outras categorias de
dados porque todas estas podem de alguma forma ser abrangidas pelo conceito de vida privada. Mas aqui estão
destacadas.

Este artigo 35.º n.º3 diz que para estas categorias especiais de dados era necessário consentimento expresso do
titular, mas, atualmente, o RGDP diz que é preciso consentimento de dados para qualquer categoria de dados. Isto
não significa que deixamos de ter dados especiais /dados sensíveis , mas forma como tratamos hoje em dia difere
muito menos do que antes da entrada em vigor do RGPD, porque o consentimento expresso passou a ser exigível
para todos.

Artigo 9.º RGPD tem algumas normas sobre categorias e regimes especiais de dados/ dados sensíveis.

Eram chamados dados sensíveis com alguma elasticidade.

Exemplos:

Pensemos em dados relativos ao consumo de medicamentos (cartão farmácia)– aparentemente é só para efeitos
de bónus ( é sua finalidade). Mas suponha que alguém ilicitamente resolve pegar em lista de medicamentos e vê
que pessoa é deprimida, não é capaz de se autodeterminar, vulnerável e que pode facilmente embarcar numa
burla. Relevância do princípio de finalidade.

Os dados sensíveis são dados que ainda poem mais em causa questão da ideia de liberdade e proteção das pessoas
individuais.

Quando foi solicitada a CMPD a instalação de câmaras de videovigilância no santuário de Fátima, disse-se que não se iria
permitir a instalação das câmaras ( reserva de vida privada vs segurança) porque isso vai implicar o tratamento de dados
pessoais sensíveis , relativos à fé religiosa que vão poder passar a ser identificáveis por terem estado lá.

Estamos a começar agora novo recenseamento. Nos últimos censos houve pergunta sobre fé religiosa de cada um,
porque o ministério de administração Interna esqueceu de pedir parece da CMPD, porque o parecer quando veio
era no sentido negativo, de que ninguém poderia ser questionado sobre sua crença religiosa.

Estes dados chamavam-se dados sensíveis e agora continuam a estar previstos no RGPD com a expressão categorias de
dados pessoais e já não tem tanta relevância/diferença uma vez que consentimento expresso é a regra normal.

O RGPD tem de ser articulado com algumas outras situações específicas, nomeadamente com o CPA e lei de acesso
aos documentos administrativo no que diz respeito a informação administrativa e RGPD tem previsões específicas
quanto a arquivos de interesse publico , fins de investigação científica, etc.

A nossa lei de execução do RGPD veio dizer, no artigo 60.º quanto à situação de tratamento de dados pessoais pré-
existentes :

Os tratamentos de dados pessoais feitos com base na lei 67/98 continuam a ser objeto de registo público e
permanecem conservados sob a responsabilidade da CNPD e disponíveis para consulta gratuita por
qualquer pessoa.

As notificações e pedidos de autorização que estavam na CNPD à data da entrada em vigor da presente lei,
caducavam porque CNPD deixou de fazer controlo prévio e teriam de ser reintroduzidos de acordo com
nova lei. Tudo o resto dos processos caducava.

104
Direitos dos titulares dos dados: há dois novos direitos: o direito ao apagamento de dados ( direito ao esquecimento)
e o direito à portabilidade, mas fora isso mantem-se todos os anteriores que já existiam na lei como:

o direito à informação previsto no artigo 13.º , que consistia na possibilidade do titular dos dados
perguntar pela:

A identidade e os contactos do responsável pelo tratamento e, se for caso disso, do seu representante;

Os contactos do encarregado da proteção de dados, se for caso disso;

As finalidades do tratamento a que os dados pessoais se destinam, bem como o fundamento jurídico para o
tratamento; (…)

Os destinatários ou categorias de destinatários dos dados pessoais (…);

Se for caso disso, o facto de o responsável pelo tratamento tencionar transferir dados pessoais para um país terceiro ou
uma organização internacional (…) e a existência ou não de uma decisão de adequação adotada pela Comissão/
garantias apropriadas ou adequadas e aos meios de obter cópia das mesmas, ou onde foram disponibilizadas

(…)
O direito de acesso ao conhecimento ou de informação ( artigo 15.º), sendo que o RGPD prevê que :

3.O responsável pelo tratamento fornece uma cópia dos dados pessoais em fase de tratamento. Para fornecer outras
cópias solicitadas pelo titular dos dados, o responsável pelo tratamento pode exigir o pagamento de uma taxa razoável
tendo em conta os custos administrativos. Se o titular dos dados apresentar o pedido por meios eletrónicos, e salvo
pedido em contrário do titular dos dados, a informação é fornecida num formato eletrónico de uso corrente.

O direito de retificação ( artigo 16.º), ou seja, se eu perceber que alguma entidade tem dado errado sobre
mim, tenho direito a retificação e por isso é que é importante sempre saber quem tem dados sobre mim
(podermos saber quem nos vê).

O direito a apagamento de dados ( artigo 17.º), o direito a ser esquecido.

Quando:

Os dados pessoais deixaram de ser necessários para a finalidade que motivou a sua recolha ou tratamento;

O titular retira o consentimento (…);

O titular opõe-se ao tratamento (…) e não existem interesses legítimos prevalecentes que justifiquem o
tratamento;

Os dados pessoais foram tratados ilicitamente;

Os dados pessoais têm de ser apagados para o cumprimento de uma obrigação jurídica; (…)

Este direito tem limitação que resulta da reserva do tecnologicamente possível

Exceção ao direito de esquecimento:

Ao exercício da liberdade de expressão e de informação – maior parte dos meios de comunicação social tem sido
confrontada por causa do RGPD com pedidos das pessoas que vêm dizer “ quero que seja retirada noticia dada há X
anos sobre condenação que tive num processo judicial porque quando se procura o meu nome aprecem essa
noticias”. RGPD vem colocar travão ao direito de esquecimento porque está em causa direito ao exercício de
liberdade de expressão e informação

Ao cumprimento de uma obrigação legal (…);

105
Por motivos de interesse público no domínio da saúde pública (…);

Para fins de arquivo de interesse público, para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos;

Para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial.



Direito à limitação do tratamento (Artigo 18.º) titular de dados tem suscetibilidade de exigir limitação do
tratamento

Se o titular dos dados:

Contestar a exatidão dos dados pessoais, durante um período que permita ao responsável pelo tratamento
verificar a sua exatidão;

b)O tratamento for ilícito e o titular dos dados se opuser ao apagamento dos dados pessoais e solicitar, em
contrapartida, a limitação da sua utilização;

O responsável pelo tratamento já não precisar dos dados pessoais para fins de tratamento, mas esses dados sejam
requeridos pelo titular para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial; (…)

Direito de portabilidade (Artigo 20.º)- Direito de receber os dados pessoais que tenham sido fornecidos a
um responsável pelo tratamento, num formato estruturado, de uso corrente e de leitura automática, e o
direito de transmitir esses dados a outro responsável pelo tratamento sem que o responsável a quem os
dados pessoais foram fornecidos o possa impedir. A lei de execução vem limitar este direito.


Direito de oposição (artigo 21.º) Direito de titular de dados se opor a qualquer momento, por motivos
relacionados com a sua situação particular, incluindo a definição de perfis com base nessas disposições.
O responsável pelo tratamento cessa o tratamento dos dados pessoais, a não ser que apresente razões
imperiosas e legítimas para esse tratamento que prevaleçam sobre os interesses, direitos e liberdades
do titular dos dados, ou para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo
judicial. Pensemos nos casos de:

comercialização direta (SPAM)

investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos



Proibição de perfis (artigo 22.º) Direito de não ficar sujeito a nenhuma decisão tomada exclusivamente com
base no tratamento automatizado, incluindo a definição de perfis, que produza efeitos na sua esfera
jurídica ou que o afete significativamente de forma similar.

Limitações (artigo 23.º) reconhecimento de situações de conflitos e colisão.
Admissíveis limitações que respeitem a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constituam uma medida
necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente:

A segurança do Estado;

A defesa;

A segurança pública;

A prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais, ou a execução de sanções penais, incluindo
a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública; (…)

f) A defesa da independência judiciária e dos processos judiciais;

i) A defesa do titular dos dados ou dos direitos e liberdades de outrem (…).

106
O ramalhete de proteção que temos hoje face à proteção de dados consolida caminho que vinha das diretivas
anteriores, mas tem hoje aplicação igual nos países europeus sem possibilidade de conformação por parte de cada
um dos Estados.

Liberdade de expressão e comunicação

A escolha destes DF em especial prende-se muito com novos contextos e desafios que encontramos em relação a
estes DF e isso é evidente no caso das liberdades de expressão e comunicação.

Esta liberdade de expressão e comunicação encontra-nos hoje num contexto a que Mac Luhan fala de
“comunicação de massas”. Mac Luhan ficou conhecido por apresentar a expressão “o mundo é uma aldeia global”.

Jean Cazeneuve já lhe chamou também da sociedade da ubiquidade (capacidade de estar em todo o lado ao
mesmo tempo), dizendo que no contexto atual os meios de comunicação social permitem aquilo que nos termos
de mitologia, só os deuses podiam ter acesso que é esta ideia de ubiquidade.

Ignatio Ramonet dizia que “os media já não são o quarto poder, deixaram de ser um pilar fundamental e tornaram-
se num problema grave da democracia.”

Se pensarmos na separação de poderes e nos 3 poderes em que pensamos tradicionalmente, os media eram o 4º
poder, e eram poder neutro de fiscalização dos demais que permitia a fiscalização de como os restantes três
poderes eram exercidos. Isto tudo numa perspetiva que na democracia, os atos de poder político fazem-se à luz do
dia, no sentido de transparência.

Ignatio Ramonet acentuava esta ideia de que provavelmente, hoje em dia, os media deixaram de ter esse poder neutro
de fiscalização dos restantes 3 poderes e passaram por ter agenda própria e a ser problema para a democracia. E por
isso, a UNESCO tem questionado, se ao invés de sociedade de informação, estaremos perante sociedade de
desinformação, excesso de informação, redução da informação (exemplo: se pensarmos nos meios de comunicação em
contexto digital, percebemos que a maior parte das noticias são iguais umas às outras porque são copy and paste
daquelas que vêm das agências noticiosas) ou monopólio desequilibrado no controlo da informação.

E por isso, UNESCO tem questionado se o Séc. XXI mais do que sociedade da informação, não será o século do
controlo da informação com o efeito pernicioso de que daí resulta para o próprio exercício da democracia e do
poder político.

A comunicação tem importância enorme do ponto de vista da formação da opinião publica. Opinião publica em
termos literais é um juízo partilhado.

Podemos encontrar várias zonas diferentes de opinião publica, consoante possa ser mais ou menos influenciável de
alguma forma por aquilo que nomeadamente são os meios de comunicação social.

Divisão da opinião pública (juízo partilhado) em três zonas, de acordo com um critério de influência crescente:

uma zona profunda e estável;

uma zona média, caracterizada por alguma viscosidade;

uma zona superficial, do dia a dia, mutável e variável.

Por isso é que Pierre Bourdieu dizia que opinião pública não existe, na medida que ela é o que os media dela
fizerem, aquilo que dela conseguimos fazer.

Barthes vem também dizer na mesma linha que hoje dia encontramo-nos em “democracia da opinião” com
problemas que dai resultam, porque uma coisa é a comunicação, outra é a propaganda.

107
Tudo isto leva-nos a alertar para necessidade de que provavelmente esta aceleração de informação leva a
fulanização do Estado de Direito. Já não se discutem ideias, mas discutem-se pessoas. Discute-se se determinada
pessoa num programa televisivo leva gravata ou não e não tanto a essência das matérias.

Isto é tanto ou mais preocupante quando temos como corolários de uma democracia transparente necessariamente este
direito à crítica e direito a verdade, ainda que verdade seja entendida em termos relativos como diz a nossa
jurisprudência, ou seja, a verdade, ou pelo menos aquilo que tenha tentado sido “checado” como sendo a verdade.

Esta expressão Quis custodiet custodes? Who watches the watchers? Quem guarda o guarda? é o problema que
temos nesta situação. O 4º poder servia para fiscalizar os 3 demais. O problema é saber se temos alguém que possa
fiscalizar o 4º poder? Mas não podemos resolver este problema acrescentando camadas sucessivas de poder.
Vamos encontrar este problema em todos os ramos de direito em todas a situações porque haverá sempre um
elemento de cúpula que não é fiscalizado.

Spiro Agnew e Daniel Cornu vêm dizer que o modo como estes novos media olham para sociedade é do ponto de
vista do declínio da autonomia perante o poder- sabemos que os media devem ser autónomos em relação ao
poder politico, sendo que isso está cada vez mais enfraquecido.

Estes autores falam ainda numa fragilização das operações de verificação e cotejo das informações- uma coisa é
jornal semanário que leva uma semana a ser elaborado e por isso uma semana com possibilidade desse verificarem
as informações, outra coisa é a pressão do digital, sendo que se notícias não forem imediatamente publicadas,
sabe-se que depois todos os meios de comunicação o farão.

Isto leva à espectularização das informações com atentados graves em relação às liberdades individuais e proteção
da intimidade da vida privada , mas também leva do ponto de vista económico e da relação entre poder dos media
e do poder económico a uma possível elaboração de agenda própria, o que significa uma agenda própria que pode
influenciar até opinião publica até no sentido de opinião publica enquanto eleitorado. Nos EUA, ficou célebre a
expressão que fazer eleger um presidente é tao fácil como vender um sabonete, na perspetiva de propaganda e
elaboração de agenda própria dos meios de comunicação social. Isto leva também a uma assunção de maior
conflito entre lógica de rentabilidade dos meios de comunicação social que estão sujeitos a ela enquanto empresas
e àquilo que é lógica intelectual de respeito pela verificação da imparcialidade e informações. Ou seja, mesmo os
deveres deontológicos dos jornalistas acabam por ficar minimizados quando a pressão da rentabilidade, de publicar
imediatamente determinada notícia tem necessariamente uma força importante.

Como é que nós no meio deste contexto olhamos para a imprensa e comunicação social?

Temos aqui estes direitos que nos aparecem muito ligados que são os direitos de informação, expressão e
comunicação social.

Podemos olhar para o conceito de imprensa de um ponto de vista material ou formal.

Imprensa no sentido literal, isto é, stricto sensu está ligada inerente à máquina de imprimir (original), o da
imprensa escrita.

No latu sensu/sentido lato, a imprensa abrange também rádio e televisão.

Aliás, a Entidade reguladora para a comunicação social veio entender numa deliberação que os blogues desde que
seja possível identificar linha editorial clara também são meios de comunicação social para estarem sujeitos
jurisdição da Entidade Reguladora da comunicação social. Reparem na caixa de Pandora que se abre aqui.
Porque quem fala em blogues, fala em páginas de Facebook ou outras redes sociais que tenha linha desde logo
política muito acentuada. Isto levanta muitos problemas, nomeadamente quanto à própria qualificação dos
meios de comunicação social.

Estes direitos à informação, de expressão e de comunicação social têm previsão desde logo na DUDH no artigo
19.º.

108
Previsões destes direitos nos diferentes instrumentos:
DUDH

Artigo 19.º

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não
ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de

fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. acolhimento aqui para vários
veículos.
Artigo 29.º

(...) 2. No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às
limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o
respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral,

da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. este direito pode ser
restringido nos termos do artigo 29.º da DUDH, isto é, em situações de conflito e colisão. A regra
do artigo 29.º nº2 da DUDH é ponderadora dos mesmos princípios que o nosso artigo 18.º da
CRP.
CEDH

Artigo 10.º

1- Qualquer pessoa tem direito a liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a
liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer
autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados
submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.

2- O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas
formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providencias necessárias,
numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a
defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção de honra ou dos
direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a
imparcialidade do Poder Judicial.

N.º1: “ O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de

cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.” Porquê que empresas de televisão ou
radiodifusão terão uma diferença, por exemplo, em relação à imprensa escrita? Não é necessária autorização
prévia para criar jornal, mas é preciso autorização prévia para criar estações de televisão e de radiodifusão.
Nota: Atentar que autorização prévia não é o mesmo que registo. Porquê? O que justificará esta diferença? O que é preciso
para lançar um jornal cá para fora e o que é preciso para emitir uma emissão de rádio ou televisão? Porquê que
será necessária autorização no caso de rádios de televisão? Diferença entre licença e autorização: ambos são
atos administrativos primários, mas a licença serve para atividade à partida é proibida enquanto a autorização
serve para atividade à partida é permitida. É proibida ou permitida porquê? Isto tem de ver com bens públicos.
O que empresa de rádio difusão precisa que jornal não precisa? Precisa de utilização de bens públicos, de
determinada frequência que é de bem público. Na CRP, encontramos no elenco de bens públicos estas
matérias. É por isto que as empresas de radiodifusão e televisão necessitam de autorização e os jornais não.

N.º2: Esta suscetibilidade de restrição de direitos não tem nada de novo nem de diferente e acontece nos
termos de situação de conflito e colisão.
CRP

109
Artigo 37.º
Liberdade de expressão e informação

Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por
qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos

nem discriminações. previsão idêntica à que resultava da DUDH e CEDH. Aqui prevê-se o direito.

O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
proibição de censura aqui é uma garantia.

As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito
criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos

tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. vamos supor que no
exercício da minha liberdade de expressão e informação vou difamar alguém. Se vou difamar
alguém, isso está sujeito aos limites do direito Penal e está previsto no CP.
A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de

resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos. previsão das
condições de igualdade eficácia, isto é, do princípio de igualdade de armas.

Artigo 38.º

Liberdade de imprensa e meios de comunicação social



É garantida a liberdade de imprensa. esta deve ser entendida em sentido lato.
A liberdade de imprensa implica:

A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na
orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária
ou confessional;

O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da
independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção;

O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização



administrativa, caução ou habilitação prévias. este direito sem autorização ou habilitações prévias resulta
apenas para fundação dos jornais.
A lei assegura, com carácter genérico, a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de

comunicação social. Porquê? para evitar que estes tenham agenda própria e que ao mesmo tempo que tenham
supermercado, tenham um meio de comunicação social

O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político
e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação
geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração,

designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas. princípio de especialidade- só
podem ter aquele fim. Isto é, se foi criado com fim de ser supermercado não é para ser titular de
meios de comunicação social
O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.

A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua
independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a
possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.

110
As estações emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão só podem funcionar mediante licença, a conferir

por concurso público, nos termos da lei. atentar na diferença entre nº7 e nº2 c).

Há já aqui neste artigo a organização empresarial daquilo que é liberdade de expressão e informação.

Artigo 39.º

Regulação da comunicação social

Cabe a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social:

O direito à informação e a liberdade de imprensa;

A não concentração da titularidade dos meios de comunicação social;

A independência perante o poder político e o poder económico;

O respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais;

O respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social;

A possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião;

O exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.

A lei define a composição, as competências, a organização e o funcionamento da entidade referida no número


anterior, bem como o estatuto dos respectivos membros, designados pela Assembleia da República e por

cooptação destes. o membro cooptado é o Presidente.
Chama-se agora a esta entidade administrativa independente Entidade Reguladora para a Comunicação Social cuja
designação não consta na CRP. Antes chamava-se alta autoridade para comunicação social, cuja designação
constava na CRP.

Estes direitos previstos nos artigos 37.º, 38.º, 39.º não deixam de ter ligação com vários de outros direitos previstos
na CRP , nomeadamente com :
Direito à informação jurídica – artigo 20.º

Direito à reserva de vida privada, honra, palavra e ao livre desenvolvimento da personalidade- 26.º porque
em grande medida pode haver conflitos e colisões
Liberdade de comunicação privada – artigo 34.º
Direito de acesso dos cidadãos aos dados informatizados que lhes digam respeito – 35.º o
Liberdade de consciência – 41.º
o Liberdade de criação cultural – 42.º
o Liberdade de aprender e ensinar – 43.º
o Liberdade de manifestação – 45.º
o Direito de serem esclarecidos objetivamente e de serem informados sobre assuntos públicos – 48.º
nº2 o Direito de informação dos consumidores – 60.º n.º 1
o Direito de iniciativa económica - artigo 61.º
o Direito de propriedade - artigo 62.º
o Direito de informação dos administrados pela administração – 268.º n.º1

Temos aqui ligação clara de estas várias previsões de posições jurídicas subjetivas da nossa CRP.

111
Estes direitos também têm limitações sendo que por um lado derivam da soft regulation, códigos de condutas e
código de boas práticas que não têm de ser entendidas necessariamente como censura como diz o Gomes
Canotilho, mas que de alguma forma dão prioridades à autorregulação.

Podemos ter aqui várias possibilidades:

Autorregulação – por parte dos órgãos de comunicação social

Heteroregulação (ERC - Artigo 39.º da CRP)

Proibições Absolutas - Temos na lei de proibições absolutas quanta à transmissão por exemplo de emissões que
sejam consideradas atentado contra a dignidade da pessoa humana, violação de direitos, liberdades e garantias
fundamentais ou incitamento à prática de crimes.

Protecção de públicos vulneráveis

No caso das crianças, pensem por exemplo nas leis sobre publicidade no Código de publicidade que que prevê
determinadas proibições de publicidade de brinquedos para crianças em determinados cotextos ou ainda leis que
preveem proibição de publicidade a tabaco para consumidores vulneráveis

No âmbito da auto regulação encontramos a soft regulation, os tais códigos de boas práticas. Encontramos vários
exemplos ao longo do tempo. Mais recentemente, sob a égide da Alta Autoridade da comunicação social e
Entidade reguladora para comunicação social, encontramos declaração em que os vários meios de comunicação
social subscrita por eles em que através da qual se obrigavam a ter cuidado especial no que toca à transmissão de
processos judiciais.

Exemplos:

Código de Honra do Jornalista, aprovado no Congresso de jornalistas profissionais de Munique (1971) o


Código de Ética Jornalística (UNESCO)
o Código Deontológico dos Jornalistas (aprovado em 4 de Maio de 1993, em Assembleia Geral do Sindicato
dos Jornalistas)
o Plataforma Comum dos Conteúdos Informativos nos Meios de comunicação social (17 de Março de 2003)
o Criação dos Provedores do Ouvinte e do Telespectador (Lei nº 2/2006, de 14 de Fevereiro)

Independentemente disso, as normas que regem a deontologia dos jornalistas, o estatuto dos jornalistas,
obrigações de objetividade, verdade, rigor e isenção, estão hoje em dia muito mitigadas porque há quem defenda
que jornalistas exercem liberdade de informação e cronista ou comentador exerce liberdade de expressão ( há
inclusive jurisprudência nesse sentido inclusive, infelizmente). Liberdade de informação estaria sujeita a esta
limitação enquanto a liberdade de expressão de comentadores e cronistas não estariam sujeitas a quaisquer
limitações. Assim sendo, se for proprietário de meio de comunicação social, o que eu quero é que o tempo de
emissão na televisão ou páginas de jornal estejam preenchidos por comentadores e cronistas, porque esses não
têm obrigação de objetividade, verdade, rigor, isenção. Isto não pode ser visto assim nestes termos. Há
jurisprudência que já veio dizer que isto não pode ser assim, porque se não a não vale a pena ter jornalistas.

O direito de acesso às fontes de informação por parte dos jornalistas é considerado como exceção baseada no
interesse público para justificação de quebra de confiança- isto resulta da 1ª emenda à Constituição dos EUA. A
proteção estende-se ao material obtido ou criado para objetivos jornalísticos ( a jurisprudência tem entendido que
criação com objetivos jornalísticos tem sentido muito lato) – desejado pelo público – que esteja na posse da pessoa
(ou seja, jornalista) que procedeu a essa obtenção ou criação com esse propósito, independentemente de ser

112
publicado ( levanta dúvidas quanto a esta magnitude da proteção concedida a este material), e
independentemente da estrita categoria profissional do sujeito.

Alguns exemplos de proteção de públicos e de material que não pode ser publicado precisamente para evitar vulnerabilidade
de alguns públicos:

Deliberação da AACS n.º 1439/2004, de 24 de Novembro de 2004


Deliberação da AACS n.º 357/2003, de 12 de Fevereiro de 2003
Deliberação da AACS, de 31 de Janeiro de 2003
Comunicado da AACS, de 25 de Setembro de 2002
Directiva da AACS n.º3/2002, de 24 de Julho de 2002
Directiva da AACS n.º2/2002, de 26 de Junho de 2002
Directiva da AACS, de 11 de Julho de 2001
Deliberação da AACS, de 24 de Outubro de 2000

O direito de resposta e direito de retificação:

Qual a diferença entre direito de resposta e direito de retificação?

No caso da retificação, estamos a opor um facto contra um facto.

No caso da resposta estamos a opor opinião a uma opinião.

Por isso se diz que direito de resposta decorre do direito à honra e reserva da vida privada e direito de retificação
deriva do direito de identidade.

Exemplo: divulgou-se que ministra tinha ido fazer exames de saúde a um determinado hospital. Isso era verdade e
por isso não cabe nenhum direito a retificação porque isso era verdade , mas o que se veio dizer é que
independentemente de isso ser verdade, isso estava na vida privada das figuras públicas e era informação que
lesava direito à honra e direito de reserva de vida privada. Merecia direito de reposta, mas não merecia direito de
retificação, porque não havia informação incorreta.

No que diz respeito ao direito de resposta, vale o princípio da igualdade de armas de tal forma que por exemplo, se
noticia for publicada na 1ª página do jornal, tem de ser dado igual destaque ao direito de resposta. Se for no meio
de comunicação social e foi dada notícia em prime time, tem de haver referência no mesmo local.

O que a jurisprudência tem dito é que para efeitos de direito de resposta basta que haja um animus de verdade
(pode não ser verdade, mas basta que haja animus de verdade). Vamos supor que jornalista tentou verificar a
notícia por varias formas e que ainda assim entendeu que havia aparente verdade, o jornalista pode não ser
responsabilizado por essa via.

Temos necessidade de perceber que estes direitos são limitação do direito de propriedade e direito de iniciativa da
imprensa. Eu sou proprietário do jornal e por causa do direito de resposta e retificação não sou livre de publicar na
1ª pagina de jornal o que entenda, porque se tiver que publicar o direito de resposta e retificação sou obrigado a
publicá-lo na 1ª pagina desde que tenha havido igual destaque para a noticia objeto do direito de resposta e
retificação, mas isso resulta de um conflito de direitos: entre liberdade de informação e reserva de vida privada ou
identidade

Este exemplos que levam ao direito de resposta, podemos falar deles ainda em sentido diferenciado, porque CRP
dizia que há liberdade de informação, expressão e de comunicação, mas tudo o que fizerem no exercício desta
liberdade está sujeito a situação de eventual conflito e colisão de direitos como de qualquer outro direito. Temos
hipótese de restrição legal ordinária de direitos nos termos do artigo 18.º da CRP.

Esta restrição pode ocorrer também quando vamos chegar a teoria de limites imanentes, restrições implícitas,
teorias de Tatbestand alargado ou da conversão para realçar a necessidade de compatibilização e
hermenêutica interna do texto constitucional

113
Não podemos encontrar um critério hierárquico de solução de conflitos e colisões: opção por um critério de
concordância prática, que presta atenção ao tipo e intensidade da lesão em causa, ancorado fortemente no
princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes: necessidade, adequação e proibição do excesso

Pode haver a necessidade de atender à adequação social e à chamada teoria das bagatelas como princípio de
interpretação e conformação social

Nada disto é diferente do que encontramos em relação a outro direito.

Pode ser diferente a evidência dos direitos, mas isso é questão de prova, que eventualmente aqui estejam em causa.
Há direitos de personalidade no CC, com uma tutela geral da personalidade no artigo 70.º CC.
Código Civil

Artigo 70º

Tutela geral da personalidade

A lei protege os indíviduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou
moral.

Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as
providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os
efeitos da ofensa já cometida.

Artigo 71º

Ofensa a pessoas já falecidas

Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.

Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no nº 2 do artigo anterior o cônjuge
sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

Se a ilicitude da ofensa resultar da falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar têm
legitimidade, conjunta ou separadamente, para requerer as providências a que o número anterior se refere.

Independentemente do falecimento da pessoa, a eventual publicação ou difusão de determinadas informações ou


utilização de meios de comunicação para este efeito, têm de garantir e ser compatibilizada com a proteção de
ofensa a pessoas já falecidas.

Artigo 72º

Direito ao nome

Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use
ilicitamente para sua identificação ou outros fins.

O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de
modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal
decretará as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesse em conflito.

Artigo 72.º CC ,na decorrência do artigo 26.º CRP, protege o direito ao nome.

114
Artigo 79º

Direito à imagem

O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela;
depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo

a ordem nele indicada. mesmo depois da morte da pessoa há necessidade de autorização.
Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que
desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a
reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam

decorrido publicamente. exceção ao nº1. Exemplo: se vamos tirar fotografia para identificação criminal não
podemos dizer que temos direito à imagem e para não tirarem fotografia.

O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para
a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

Artigo 80º

Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada

Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.



A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas. as tais pessoas públicas
têm necessariamente área de vida privada mais comprimida, mas não eliminada.

Artigo 81º

Limitação voluntária dos direitos de personalidade

Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da
ordem pública.

A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os
prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte.

Tem de haver interpretação lata da limitação voluntária dos direitos de personalidade. Remissão para renúncia e
autolimitação dos DF.

Quando surge dever de indemnizar em termos civis?

Sempre que alguém com dolo ou mera culpa violar ilicitamente um dos direitos previstos no artigo 483 nº1, ou
nos termos do 484º se houver ofensa de crédito e ao bom nome.

Artigo 483º

Princípio geral

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

115
Artigo 484º

Ofensa do crédito ou do bom nome

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou
colectiva, responde pelos danos causados.
Código Penal

Quando passamos do CC para CP, continuamos a ter previsão de determinados crimes gerais mas que também podem
ser praticados através comunicação social, sendo que se forem praticados pelos meios de comunicação social eles são
crimes agravados (é a regra). Serão crimes agravados devido ao maior alcance de difusão. A maior parte destes crimes
são previstos enquanto crimes particulares, isto é, só há avanço da ação penal se houver queixa.

Dos crimes contra a honra

Artigo 180.º

Difamação

1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular
sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido
com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - A conduta não é punível quando:

(...) b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar
verdadeira.
(...)

4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que
as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.

Artigo 181.º

Injúria

1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras,
ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120
dias.

2 - Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo


anterior.

Artigo 182.º

Equiparação

difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de
expressão.

116
Artigo 183.º

Publicidade e calúnia

1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:

A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,

Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da
difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 - Se o crime for cometido
através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa

não inferior a 120 dias. agravamento da moldura penal

Artigo 185.º

Ofensa à memória de pessoa falecida

1 - Quem, por qualquer forma, ofender gravemente a memória de pessoa falecida é punido com pena de prisão até
6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto:

a) Nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 180.º; e

b) No artigo 183.º

3 - A ofensa não é punível quando tiverem decorrido mais de 50 anos sobre o falecimento.

Artigo 187.º

Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva

1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos,
capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que
exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis
meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto:

No artigo 183.º; e

Nos n.os 1 e 2 do artigo 186.º

Artigo 189.º

Conhecimento público da sentença condenatória


1 - Em caso de condenação, ainda que com dispensa de pena, nos termos do artigo 183.º, da alínea b) do n.º 2 do
artigo 185.º, ou da alínea a) do n.º 2 do artigo 187.º, o tribunal ordena, a expensas do agente, o conhecimento
público adequado da sentença, se tal for requerido, até ao encerramento da audiência em 1.ª instância, pelo
titular do direito de queixa ou de acusação particular.
2 - O tribunal fixa os termos concretos em que o conhecimento público da sentença deve ter lugar.

117
Porque houve publicidade quanto à violação do direito, pode determinar-se conhecimento público de
sentença condenatória. E por isso, muitas vezes vemos no final dos telejornais os jornalistas a terem de dizer
que tem de divulgar sentenças de que foram alvo.

Crimes contra a reserva da vida privada

Artigo 192.º

Devassa da vida privada

1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a
intimidade da vida familiar ou sexual:

Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de
correio electrónico ou facturação detalhada;

Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;

Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou

Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até
um ano ou com pena de multa até 240 dias.

2 - O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para
realizar um interesse público legítimo e relevante.

Artigo 195.º

Violação de segredo

Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado,
ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 197.º

Agravação

As penas previstas nos artigos 190.º a 195.º são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o facto
for praticado:
Para obter recompensa ou enriquecimento, para o agente ou para outra pessoa, ou para causar prejuízo a outra
pessoa ou ao Estado; ou

Através de meio de comunicação social.

Perspetiva que comunicação social por agravar efeito de difusão, pode corresponder a agravação da moldura penal.

Dos crimes contra outros bens jurídicos pessoais

Artigo 199.º

Gravações e fotografias ilícitas

118
1 - Quem sem consentimento:

Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou

Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;

punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:

Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou

Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente
obtidos. (...)

Estas liberdades de informação e de expressão estão necessariamente conexas. Estas são possíveis de serem
empresarializadas e transformadas numa titularidade empresarial se falarmos nos meios de comunicação social,
mas obviamente estas liberdades estão sujeitas como qualquer outro direito a suscetibilidade de colisão e conflito
com outros direitos e suscetibilidade de restrição legal ordinária.

Seminário Internacional "Vulnerabilidade e Diversidade: Direitos Fundamentais em contexto"

Reflexão de DF no contexto de diversidade.

Desafios decorrentes de diversidade e necessidade acrescida de proteção dos DF.

Discussão de problemas específicos de grupos vulneráveis que reclamassem atenção específica do princípio de
igualdade e dever de cuidado do Estado.

3 temas considerados neste conjunto de colóquios:

A consideração da proteção da vulnerabilidade e do dever de “cuidado” como tarefas do Estado;

A discussão das relações entre vulnerabilidade e estereotipo, no que tange à previsão e à aplicação de normas
estaduais;
A relevância da discriminação, designadamente múltipla/interseccional.

Eixos do projeto:

Autonomia e capacitação: os desafios dos cidadãos portadores de deficiência

Nós e os Outros: Alteridade, Políticas Públicas e Direito - minorias, migrantes e refugiados- proteção da diversidade

Vulnerabilidade e direitos: Género e diversidade

Conclusões quanto ao fomento da autonomia: teve seu lugar no seminário ocorrido em 2018 sobre título de
“Autonomia e capacitação: os desafios dos cidadãos portadores de deficiência”.

Tópicos de discussão:

O (livre) desenvolvimento da personalidade como projeção dinâmica da autonomia

A capacidade e a autonomia como critérios recíprocos de aferição

A impossibilidade de determinação in abstractu da (in)capacidade

119
Algumas ideias:

Benedita Mac Crorie e Luísa Neto

Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência é marco fundamental de mudança de paradigma do modo
como olhamos para os portadores de deficiência.

Estabelecimento do regime de maior acompanhado- objetivo de ultrapassar modelo de substituição por regime de
acompanhamento. Esta obrigação não resulta apenas do texto da convenção. Na CRP, também encontramos vários
preceitos que apontam nesse sentido. Esta obrigação deriva da consagração do princípio de dignidade da pessoa
humana. Relevante a inclusão do direito ao livre desenvolvimento da personalidade ( apesar de a CRP não adotar o
adjetivo livre, não há desenvolvimento da liberdade que não seja livre)- tinha em vista a tutela da diferença e da
individualidade, singularidades de cada pessoa que as caracteriza como diferente e igual às demais. Direito de cada
um livremente optar por seu projeto de vida. Este direito é projeção dinâmica da autonomia. Este direito tem vindo
a aproximar-se do conceito de autonomia e liberdade de ação, e alguns dizem que é direito catch all. Princípio de
proporcionalidade- medidas a adotar perante situações de incapacidade não podem ser cegas, tendo de ter em
consideração a incapacidade de cada pessoa e alem disso devem ser todas apenas e na estrita medida do
necessário não para proteger pessoa, mas criar condições de realização da sua personalidade e dar-lhe os
mecanismos que lhe permitam desenvolver a sua personalidade. Este direito de livre desenvolvimento de
personalidade também tem aceção social- estado tem dever acrescido face a situações de especial vulnerabilidade
criando condições para realização do desenvolvimento da personalidade. E aqui entra o 2º tópico-há ligação
estreita entre autonomia e capacidade, sendo que criação de capacidades é essencial para que autonomia possa
ser exercida. Isso pressupõe papel ativo que tem de criar condições para exercício da autonomia. Poderes públicos
tem de criar grupo de condições necessárias para que vidas se possam realizar dignas e merecedoras da dignidade
da pessoa humana. É impossível determinar a incapacidade em abstrato- tem de se atender à pessoa em concreto.

Se conferirmos o poder à pessoa de agir de acordo com seus valores, limitando e renunciado aos poderes que foram
conferidos, temos novo limite de interferência do estado e identificamos no estado um dever de fomentar o direito ao
livre desenvolvimento da personalidade. Nada nos valia personalidade se não tivéssemos capacidade jurídica. Na o
podemos falar isto na perspetiva de irrestrição ao direito. A vulnerabilidade tem cada vez mais significado não estático,
mas relacional, não sendo hoje caraterística individual do sujeito mas que se manifesta na relação do sujeito em que esta
inserido. É fenómeno transversal e universal que afeta qualquer pessoa, seja de forma episódica ou permanente. Este
princípio da vulnerabilidade é densificador do princípio da dignidade da pessoa humana que não pode ser entendido
como conversation stopper ou knock out argumment. Aceitação da diferenciação positiva para proteger os mais
vulneráveis. Apesar de não haver duvidas desta exigência axial do respeito pela dignidade humana, o respeito por este
princípio e pelo direito de livre desenvolvimento da personalidade, em termos de pluralismo democrático implica
respeito pela identidade pessoal de cada um que autonomize o espaço de liberdade e autonomia de cada um imune da
interferência do estado. Aferição possível desta capacidade ou incapacidade leva a percecionar os DF, mas também
direitos de personalidade não como enumeração taxativa nem exemplificativa, mas deve ser trazido conceito de
numeração qualitativa (?). Não há distinção entre DLG e DESC, e serão esses enquanto expressão do DF que devem
corresponder à titularidade de todos os cidadãos.

Conclusões sobre o seminário do Nós e os Outros: Alteridade, Políticas Públicas e Direito abordando as
minorias, migrantes e refugiados” de 2019- na perspetiva de proteção de diversidade

Tópicos de discussão:

Que grupos e/ou pessoas são vulneráveis? Que fatores/critérios determinam a identificação de uma pessoa ou
de uma categoria de pessoas como vulneráveis?
Que específica atitude se exige – designadamente, do Estado ou, mais amplamente, dos poderes públicos -
perante estas situações identificadas como de vulnerabilidade?

120
Qual a relevância específica do princípio da igualdade e da proibição de discriminação na proteção das pessoas
e grupos vulneráveis?

Algumas ideias:

Graça Enes- Vulnerabilidade dos nacionais de Estados não membros da UE e a sua


categorização- Sistema de controlo de fronteiras. Desresponsabilização dos Estados
porque são executores e UE também porque apenas complementam, porque são
os Estados a executar estes vários sistemas. Associação de segurança e informação
e também migração. Associação de combate de crime ao controlo de fronteiras.
Tendemos a aproximar estatuto do refugiado para migrante como aparece apontar
proposta de pacto da comissão. E há permissão para segmentação qualificada dos
migrantes que privilegia alguns.

Elege crianças como grupo vulnerável e reconhece e riscos de mulheres e raparias


serem subjugadas a redes de tráficos.

Também é tida como grupo vulnerável pessoas homossexuais.

Também há vulnerabilidades conjunturais- como estudantes no estrangeiro sem


condições a viver.

Tribunal tem optado por avaliação casuística do sujeito- vulnerabilidade individual


do sujeito, seja por ser criança, seja por encontrar em situação de não ter meios
económicos próprios de se manter em território estrangeiro.

Sujeitos não nacionais do EM não beneficiam de instrumento de proteção tao


acrescida como os cidadãos dos EM da UE.

Importante intervenção de instâncias de representação e de Tribunais para alem


de políticas transversais nestes domínios de grupos vulneráveis.

Privilegia-se apoio e coordenação das autoridades públicas e relevo das


organizações de sociedades civis e consulta de várias associações representativas.

É necessária ação global- governação multinível.

Estes princípios plasmados na legislação da UE e desenvolvidos em vários atos e


tem tutelado situações de vulnerabilidade.

Anabela Leão- Apesar de não existir tipologia de grupos vulneráveis, encontram-se normalmente: requerentes de
asilo, grupos culturais ( ex: comunidade Roma), povos indígenas, refugiados, etc.

Conceito de vulnerabilidade é dinâmico e a sua construção jurídica está em construção e desenvolvimento.

Alem da discussão de identificação de grupo, não podemos demitir de olhar para considerações individuas sob
pena de cairmos no risco de estereotiparão. O papel dos estereótipos na discriminação e no acentuar da
vulnerabilidade e paradoxalmente na possibilidade este tipo de construções poderem reforçar esses estereótipos
tem de ser levado em conta. Esta dimensão de grupo não pode eliminar o olhar sobre as pessoas individualmente
consideradas. Conceção de vulnerabilidade de grupo não apaga dimensão de vulnerabilidade pessoal.

Interseccionalidade- O facto de ser migrante, e ser mulher e ter característica religiosa ou culturais podem ajudar
para estatuto de vulnerabilidade acrescida. É preciso identificamos a diversidade da diversidade ou a diversidade
da vulnerabilidade.

121
Nem sempre vulnerabilidade se encontra no facto de grupo estra em minoria. Pode acontecer que maiorias estejam em
situações de vulnerabilidade. Conceito de vulnerabilidade não traz acréscimo ao conceito de minoria. O facto de grupo
se encontrar em posição minoritária indicia situação de desequilíbrio e isso pode ser fator de vulnerabilidade.

Estas dimensões universais e individuais alertam para questão que ao nível de estrutura de proteção é necessário
combinar estruturas de proteção universal e específicas, que devem ser complementares e traduzem nossas
circunstâncias: características partilhadas e outras individuais

Papel do estado- risco de conceito de autonomia que desresponsabilize do Estado e que se desinteresse da
situação de pessoas. Temos conceito mais exigente de intervenção do estado ligado a criação de condições para as
pessoas. Exige Estado ativo. Contributo de associações e sociedade civil é também importante para perceber
alcance de estratégia de combate e forma de lidar com a vulnerabilidade.

Situação de migrantes e refugiados- necessária intervenção multinível- domínio de política de inclusão e integração
em áreas de saúde e educação, participação política, regimes de cidadania, por exemplo.

Certos mecanismos de autonomização e criação de categorias na gestão de fluxos migratórios, por exemplo, ter
utlizado como controlar acesso ao território, mas também poder redonda na fragilização daqueles que à partida já
se encontravam numa situação mais vulnerável.

Não é só dimensão da entrada relevante, mas também própria dimensão de políticas de inclusão e integração que
traduzem atitude do Estado perante aqueles que escolhe. Estas políticas estão enquadradas no âmbito de
instrumentos nacionais e internacionais.

Princípio de igualdade e não discriminação- central na resposta a esta vulnerabilidade. Exige tratamento igual de
situações iguais de tratamento diferente para situações diferentes na medida da diferença. São eixos de proteção dos
DH e DF. Ele deve ser destacado porque é uma igualdade num sentido multidimensional complexo, contendo dimensões
formais e substanciais, e abranger várias modalidades de discriminação direta e indireta e admitir politicas de ação
positiva e discriminação positiva. Esta preocupação com igualdade e não discriminação também se faz da proibição de
discriminação com base em conjunto de motivos de identificação como fatores de discriminação. A discriminação pode
resultar de Várias caraterísticas que associamos de natureza cultural, mas também podem resultar simultaneamente de
exclusões culturais e económicos, e estes eixos não devem ser desconsiderados em simultâneo. Esta igualdade
substancial prevê combate aos estereótipos, também presentes em práticas institucionais e jurídicas e até nas práticas
dos tribunais. Esta vulnerabilidade é mais complexa e multifatorial. Mas há outros princípios importantes: princípio de
equiparação de direitos no artigo 15º, princípio de existência condigna, etc.

Proteção tem de ser evolutiva e supõe identificação de conjunto de deveres de proteção acrescida de autoridades
públicas.

Politicas tem se ser sensíveis à situação de vulnerabilidade múltipla e insterseccionalidade.

Seminário “Vulnerabilidade e direitos: Género e diversidade” em 2020 relativo à identidade e género

Tópicos de discussão:

Qual a relação entre dignidade e alguns dos aspetos analisados especialmente a identidade de género?
Qual a relevância de um olhar interseccional em relação com as políticas que visam diminuir ou travar a
vulnerabilidade dos coletivos LGTBIQ+?
Como construirmos uma sociedade mais inclusiva através do direito?

Algumas ideias:

122
Helena Melo- a dignidade é o fundamento no nosso ordenamento jurídico constitucional e está associado ao
reconhecimento de outros direitos, nomeadamente direito à identidade pessoal, nas suas varais vertentes e
identidade do género, o direito de cada um poder comportar-se de acordo com o que é. Identidade de género-
experiência interna individual que cada um tem em relação ao seu género que pode não corresponder ao sexo
atribuído por nascimento.

Esta definição tem tido consequências serias a nível legislativo, nomeadamente quanto à Procriação Medicamente
Assistida, identidade de género, Discriminação em razão de género ou casamento do mesmo sexo.

Temos o direito à liberdade e autodeterminação sexual e livre desenvolvimento da personalidade (conteúdo difícil
de determinar- cada um seguir o seu próprio caminho).

Cada um tem direito a assumir a identidade de genro que cada um bem entender.

Problema de definir conceito de género. Género enquanto identidade ou performatividade ( comportamentos).


Isso levará a enquadramentos jurídicos distintos.

Problema de compatibilizar conceito de género e sexo.

Depois disso ainda temos critério de orientação sexual.

Estes fatores podem ser fatores de discriminação.

Dto tem de enquadrar todos estes critérios e tem de proteger a pessoa humana.

Temos limitações também do paradigma igualitário- conceito que compara pessoas em função de critérios como
sexo, orientação sexual ou género, e ao fazer isso forma grupos, e isso pode criar estereótipos do que é mulher ou
alguém assumir papel de mulher. Direito ao formar esses grupos e incluir pessoa nesse grupo reforça esses
estereótipos. Ao não conseguir fugir deste modelo comparativo, não protege a pessoa no sentido de dar condições
necessárias para pessoa ser o que quiser ser em inteira liberdade e igualdade perante outros.

Tensão entre assegurar proteção aos vulneráveis e liberdade para sermos quem quisermos e quando quisermos.

Outros desafios- Retrocesso em matéria de reconhecimento de direitos em identidade de género.

A discriminação múltipla é o grande problema do direito anti discriminatório. É muito mais fácil combater
discriminação com base num fator único do que com base em muitos. É importante adotar políticas transversais.

Construir sociedade mais inclusiva através do Combate à discriminação injusta, adoção de medidas de
discriminação positiva, políticas de proteção social, políticas que permitam combater discriminação múltipla.

Jorge Ibánez- Direito tal como está, essa aparente neutralidade esconde por detrás alguma falta de
desneutralidade ou ser Direito hétero sexista e patriarcal?

Existem sociedades a darem muita importância ao conceito de identidade.

Então, o Direito como conhecimento de todas estas identidades perde esse conceito universal? Estamos a perder
universalidade do direito? Mas não será que essa universalidade tem algo de falso, que talvez forma realmente
universal é abranger complexidade de vida social?

Interseccionalidade - múltipla discriminação. Caso de idosos da comunidade LGTBIQ+.

Estado social que tem de remover estas situações, não podendo ser passivo.

Papel do Direito: questão de crimes de ódio – DP poderia punir mais gravemente estas situações? Afetando uma
pessoa desse grupo, afeta a sociedade em comum. Os crimes de ódios são crimes que mostram discriminação, que
enviam uma mensagem de ódio para um grupo determinado. Os grupos alvo são grupos tradicionalmente
considerados como vulneráveis (LGTBI, minorias étnicas, sem-abrigo….). Tem a ver com a vulnerabilidade em dois
sentidos, são grupos mais vulneráveis a ser alvo (quantitativa) e vulneráveis do ponto de vista de que as

123
consequências ou impacto podem ser mais graves dada a situação social de que partem. Há muitas coisas para
fazer para proteger estas minorias e garantir a não discriminação e proteger a sua dignidade no sentido de
autodeterminação e autoexpressão. Mas isto não tem sido fácil.

As atas dos seminários de 2018, 2019 e 2020 encontram-se disponíveis em ebook em


https://cije.up.pt/pt/publicacoes/e-books/

Direito à Educação

Quando falamos no direito à educação, podemos estar a falar de coisas muito distintas que no âmbito da CRP
aparecem como um conjunto articulado, uma unidade de sentido valor em torno deste fenómeno educativo. Aliás,
Jorge Miranda questiona se podemos falar de constituição de educação, ou seja, de um conjunto de normas
estruturadas em torno de um mesmo fenómeno.

Nos termos da CRP e nos termos em que Estado português olha para educação, os benefícios da educação medem-
se, por um lado, do ponto de vista claramente subjetivo do aumento do bem-estar do individuo que recebe a
educação, mas também, por outro lado, do ponto de vista dos benefícios externos ao individuo que resultam do
bem-estar da comunidade em geral que será de alguma forma potenciado por este bem da educação. Estes
benefícios aparecem por duas vias, quer enquanto consumidores de alguns bens que dão satisfação intelectual,
cultural, social, etc. , quer também do ponto de vista da promoção da educação considerada aqui como
investimento quer do ponto de vista do Estado quer do ponto de vista do individuo.

O papel do Estado pode ser muito diverso quando falamos da educação. Estado pode definir educação mínima
obrigatória. Estado pode definir se quer financiar ou não a educação obrigatória- em princípio sim. Se Estado diz que até
determinado tipo de estudos a educação é obrigatória, em princípio, terá de financiar essa educação obrigatória. Mesmo
esta questão pode ser vista em termos muito distintos. Uma coisa é dizer que Estado tem de financiar, por exemplo, não
cobrando taxas matrícula, propinas, etc. Outra coisa é dizer que estado tem de financiar propiciando manuais gratuitos
ou ainda para alem disso, dizendo que deve providenciar alimentação em contexto escolar. Mesmo dentro da discussão
se Estado deve financiar educação obrigatória, temos uma gradação. Uma gradação tendo em conta que aqui estão em
causa DESC, que provavelmente estão, no entendimento de alguns autores, sempre ligados
reserva do possível. Mesmo fora da educação obrigatória, podemos perguntar se cabe ao Estado incentivar a
educação não obrigatória, se cabe ao Estado controlar do ponto de vista do ensino privado situações de
concorrência imperfeita, se cabe ao estado fiscalizar a qualidade educação privada?

As respostas a estas questões aparecem justificadas, por um lado, no caso de alguns indivíduos serem menores
nomeadamente no caso do ensino obrigatório e da disparidade entre indivíduos e família no que diz respeito
distribuição de riqueza, mas também a perspetiva de um poder formativo da educação, ou seja, a ideia de que isto
não traz apenas benefícios internos para o indivíduo, mas benefícios externos gerais para comunidade.

Como é que educação tem sido vista nos instrumentos internacionais e na nossa CRP?

Tem sido sempre vista na perspetiva que Pais são os principais responsáveis pela educação e instrução dos filhos.

O artigo 13.º do Pacto internacional dos direitos económicos, sociais e culturais vem dizer que os pais têm direito a
escolher para os seus filhos escolas diferentes das que criadas pelas autoridades públicas, sempre que estas
satisfaçam as normas mínimas que o Estado estabeleça ou aprove em matéria de ensino, por exemplo. Mas temos
de olhar para perspetiva que direito e liberdade à educação implica que os Estados tornem possível o exercício
pratico deste direito, desde logo no aspeto económico, nomeadamente concedendo às escolas subvenções
necessárias para o exercício da sua missão e o cumprimento das suas obrigações.

Como é que incorporamos na história constitucional portuguesa esta preocupação com educação?

124
A relevância jurídico-constitucional que encontramos nas constituições liberais é completamente diferente da que
vamos encontrar depois no Estado Novo.


Constituição de 1822 a matéria de educação estava inserida no capítulo relativo ao Governo
administrativo e económico e estabelecimento da Administração pública e de Caridade. A educação não era
encarada como direito ou liberdade. Era uma liberalidade, benesse por parte do estado. As entidades
religiosas e de caráter social colocavam à disposição da sociedade esta benesse e liberalidade. Não havia
consagração de acesso universal no texto constitucional, e isto tem a ver com própria conceção de
sociedade que tínhamos na altura. A ideia, em termos claramente liberais, era que educação liberal
burguesa era feita pelas famílias e só os desvalidos em termos económicos é que precisavam do apoio
do Estado para este efeito. Esta é perspetiva caritativa que encontramos na Constituição de 1822.

Carta Constitucional de 1826 há aparente progresso, que resulta do facto das disposições da educação já
não estarem na parte económica e das entidades de caridade, mas passarem para a parte dos direitos civis e
políticos mas, verdadeiramente, isto não implicou alteração quanto ao entendimento do direito à educação.
Não era entendido como liberdade fundamental do cidadão na medida em que os três direitos básicos eram
liberdade, segurança e propriedade e todos restantes DF eram funcionalizados a esta trindade. O que é
curioso é que é com ela que temos referência à gratuitidade do ensino pela primeira vez e a carta ainda vem
referir-se à instrução primaria gratuita para todos os cidadãos. Não há, ao contrário do que acontecia com a
Constituição anterior, a previsão da liberdade de criação de estabelecimentos de ensino privado, apesar de
isso não ter tido consequências e não visava também abolir ou extinguir ensino publico. Havia quando
muito havia intenção de desconstitucionalizar esta liberdade de criação de estabelecimentos de ensino
privado que já existia genericamente nos termos
ainda que caritativos da Constituição de 1822.

Constituição 1838 repetiu inserção desta matéria no capítulo relativo a direitos e garantias do cidadãos e
veio retomar o princípio de gratuidade do ensino primário e o dever do estado (já em termos não latos)e
criação de estabelecimentos que ensinem letras ciências e artes e apesar disso já há algum retrocesso
porque as principais referências que encontramos na Constituição 1838 estão no artigo que
fala também dos socorros públicos.

Constituição 1911 quase nada diz em matéria educativa, mas vem trazer duas inovações. Consagra
não apenas a gratuitidade, mas também a obrigatoriedade do ensino. Uma segunda novidade é a
neutralidade religiosa do ensino, tanto público como do privado. Muito mais que ensino não
confessional, pretende-se laicidade do sistema de ensino.

Constituição 1933 constitucionalismo autoritário. Prevê esta matéria da educação no âmbito de
direitos e garantias individuais apesar de depois subordinar material a lei especial e regula a educação,
ensino e cultura no titulo próprio, tal como temos hoje. Pela primeira vez na história constitucional
portuguesa, podemos distinguir previsão da educação enquanto DLG e direitos previstos em relação à
educação como DESC , em dimensão de atividade prestacional do estado. Esta vertente da Constituição
de 1933 claro que não deixa de reforçar o papel das famílias na educação, não deixa de funcionalizar
politica de educação aos valores próprios do Estado novo, não deixa de garantir existência do ensino
privado com ampla margem de liberdade não só criação de estabelecimentos de ensino privado, como
ampla margem de atuação, e não deixa de se entender que ensino publico deveria ser independente
do ensino religioso mas também não o deveria hostilizar e com isto encontramos regresso do ensino
religiosos ao sistema educativo publico. A grande vantagem resultante desta Constituição é assunção
verdadeira de que há incumbência estatal de assegurar oferta de ensino, sendo que vai ser acentuada
pela revisão constitucional de 1971 que veio estabelecer progressivamente oferta dos vários graus de
ensino e veio levar também obrigatoriedade do ensino primário. Não há aqui princípio de neutralidade
da atuação por parte do estado na medida em que retoma ideias de doutrina moral cristã tradicionais
do país abandonado regime de isenção que existia até no texto constitucional originário de 1933 e vem
ser muito diminuído na revisão constitucional de 1935.

Constituição 1976 temos matéria respeitante à educação quer no âmbito de DLG quer no âmbito dos DESC.

125
No âmbito de DLG temos o artigo 43.º.

Artigo 43.º

Liberdade de aprender e ensinar



É garantida a liberdade de aprender e ensinar. ideia de liberdade
O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas,
estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

O ensino público não será confessional.

É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.

No fundo, o nº4 é quase contraponto ao nº3. Ensino público não pode ser confessional, mas no contexto da não
confessionalidade do ensino público é possível a criação de escolas particulares e cooperativas, sendo que essas
sim podem ser confessionais. Isso resulta também do artigo 41.º n.º5 (“É garantida a liberdade de ensino de
qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação
social próprios para o prosseguimento das suas actividades.”).

A nossa CRP não fala na educação apenas no contexto de DLG, vindo falar dela também no capitulo III relativo aos
DESC, relativo aos direitos e deveres culturais nos artigos 73.º, 74.º (incumbências que o estado tem em relação a
esta matéria), 75.º, 76.º, 77.º,78.º, 79.º.

Artigo 73.º

Educação, cultura e ciência

Todos têm direito à educação e à cultura.

O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através
da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das
desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de
compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação
democrática na vida colectiva.

O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à


fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins
culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de
moradores e outros agentes culturais.

A criação e a investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado,
por forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da competitividade e a articulação
entre as instituições científicas e as empresas.

Artigo 74.º

Ensino

Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.

Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;

Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;

126
Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;

Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da
investigação científica e da criação artística;

Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;

Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades
económicas, sociais e culturais;

Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando
necessário;

Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso
à educação e da igualdade de oportunidades;

Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa;

Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino.

Artigo 75.º

Ensino público, particular e cooperativo

O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a
população.

O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.

Artigo 76.º

Universidade e acesso ao ensino superior

O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de


oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em
quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.

As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e
financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.

Artigo 77.º

Participação democrática no ensino

Os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei.

A lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das
instituições de carácter científico na definição da política de ensino.

Artigo 78.º

Fruição e criação cultural

Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património
cultural.

Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:

127
Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem
como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;

Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e
uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;

Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade


cultural comum;

Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar
a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;

Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais.

Artigo 79.º

(Cultura física e desporto)

Todos têm direito à cultura física e ao desporto.

Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover,


estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no
desporto.

Temos dois núcleos de previsão na CRP, um que diz respeito aos DLG e outro que diz respeito aos DESC nos artigos
73.º a 77.º, sobretudo.

Alguns destes direitos previstos enquanto DESC podem ser considerados como direitos de natureza análoga. Jorge
Miranda entende que dentro desta previsão dos DESC, temos direitos que podem ser considerados como direitos
de natureza análogas: artigos 74.º n.º1, 76.º nº1, 77.º.

Em termos orgânicos, significa que no primeiro nível temos algumas matérias de reserva absoluta da AR, porque o
artigo 164 i) diz que a matéria de lei de bases da AR é matéria de reserva absoluta. Fora da base de sistema de
ensino, temos aquilo que tem a ver com o artigo 43.º e aqui vamos para o regime orgânico dos DLG, artigo 18.º e
artigo 165.º n.º1 b)- lei da AR ou DL autorizado. E num terceiro nível, depois temos os demais que não estão
sujeitos a regime orgânico particular.

Educação tem de ser vista num contexto plural da cultura e é desta constituição, mesmo que não lhe chamemos
constituição de educação, claramente será no contexto de uma Constituição cultural em que vamos encontrar
principais tipos de contacto entre DF de educação e restantes DF.

Mesmo que não encontremos lastros para dizermos que existe Constituição de educação, há de haver sempre
constituição cultural e mesmo que nós identifiquemos e autonomizemos a constituição de educação, ela há de ser
sempre subsidiária da Constituição cultural, e há de ter sempre naquela a sua referência. É essencial encontrar as
implicações do que é a dignidade da pessoa humana. Nos termos do artigo 43.º n.º2, advoga-se uma proibição do
dirigismo e que programação da educação que não pode ser apenas visto do ponto vista do Estado mas esta
liberdade de aprender e ensinar dos alunos e professores é incompatível com ideia de ensino que não tenha
espírito critico e não seja pluralista e isto não pode ceder seja qual for a entidade programadora, seja pública ou
privada. Há limites que resultam desta ideia de pluralidade e limites que se aplicam também às entidades privadas
não obstante a liberdade de criação de estabelecimentos privados e cooperativas.

Do ponto de vista da subsidiariedade da constituição da educação à Constituição cultural, temos a não


confessionalidade do ensino do artigo 43.º n.º3 que tem de ser articulado com o artigo 41.º, que é essencial no
contexto de Estado de Direito que tem de ser neutro do ponto de vista religioso, ainda que não seja Estado laicista,
no sentido de combater aquilo que é o fenómeno religioso.

128

Ligação entre DF de educação e DF dos trabalhadores Artigo 47.º prevê ideia da liberdade de escolha de
profissão, mas isso não implica a liberdade de qualquer um poder ensinar. Há de haver questões relacionadas com
capacidades científicas e pedagógicas apreciadas objetivamente e ainda a questão de perceber que lei exige
determinado tipo de habilitações. O que é importante perceber dentro desta liberdade de escolha de profissão
docente é ligar à ideia de proibição de dirigismo educativa. Tem de haver sempre reduto da atividade docente que
tem de estar subtraída ao âmbito dos poderes de direção do superior hierárquico sob pena de se eliminar
completamente esta perspetiva de pluralismo. Direitos dos Trabalhadores-estudantes- previsão expressa no artigo
59.º n.º2 f), que são garantidos através de legislação ordinária também.

Ligação entre DF de educação, nomeadamente artigo 43.º nº4 quanto à liberdade de criação de estabelecimentos e
DF respeitantes à parte económica porque verdadeiramente o artigo 61.º prevê liberdade de iniciativa económica
privada e cooperativa e artigo 62.º prevê o direito à propriedade privada. Esta liberdade de criação de escolas
cooperativa são decorrência, especificação da liberdade de iniciativa económica e do direito de propriedade.
Quando o artigo 77.º fala de gestão democrática nas escolas, é importante saber que esta gestão democrática vale
também para ensino particular e ensino corporativo. Não há nada que diga no artigo 77.º que diga que participação
democrática no ensino só vale para o ensino publico. É importante que se perceba esta necessária perceção que a
educação é subsidiária daquilo que é o modo de olharmos para constituição cultural.

Estes DF da educação podem estar ligados àquilo que é a proteção da infância (artigo 69.º), da juventude (artigo
70.º). Temos estado a falar de DF de educação mas também podemos falar numa perspetiva de deveres. É
cometido em especial aos pais este dever de educação dos filhos e de educar os filhos nos termos das respetivas
convicções e temos no artigo 36.º n.º5 a perspetiva que pais têm direito e dever de educação e manutenção dos
filhos. Esta ligação entre o direito de educação e dever de educação e este estabelecer com os pais esta ligação
nesta matéria, tem sido muito discutida atualmente a propósito de haver pais que se recusavam a que os filhos a
frequentar aulas da disciplina educação para a cidadania por entenderem que respetivo conteúdo era conteúdo
que lesava este direito do artigo 36.º n.º5, por entenderem que estava em causa ensino de matérias que tinham de
ver com ideologia de género, etc. é uma questão que se coloca do ponto de vista daquilo que pode ser conflito ou
colisão da intervenção estadual e aquilo que é intervenção dos pais e este dever de educação previsto no artigo
36.º n.º5. Há sempre reduto do pluralismo que temos de encontrar em qualquer tipo de educação. O Estado tem
ou não margem para veicular informação e conhecimento acerca de matérias consideradas essenciais para
determinada comunidade e desde logo matérias que sejam consideradas DF. A educação para a democracia para
os DF (na ordem estadual) e DH (na ordem internacional) é objetivo do Conselho da europa. Como é que o Estado
pode potenciar esta educação para democracia e perceber onde passa linha de fronteira entre aquilo que é
incumbência do estado e aquilo que pode ser incumbência das famílias.

Independentemente disso, há outra discussão que é se o Estado deve organizar fenómeno educativo em torno
daquilo que é a maioria ou se o Estado deve ter currículos diversificados consoante os vários estudantes que têm à
frente? Quando pensamos em escolas com alunos de 50 nacionalidades diferentes, a discussão é saber se faz ou
não sentido de alguma forma adaptar os currículos a essas situações? Onde passa linha de fronteira entre aquilo
que deve ser considerado com tarefa do Estado promover e aquilo que o Estado pode deixar margem de atuação
nomeadamente em determinados níveis de ensino para perspetiva mais multicultural ou intercultural.

Uma questão que tem estado sempre em cima da mesa em termos de novos desafios é a questão de financiamento. Esta
questão está ligada àquilo que é ideia de que se o estado determina que o ensino é obrigatório, em princípio, tem de o
financiar, porque não pode impor obrigatoriedade sem financiamento. A CRP define a obrigatoriedade e gratuidade do
ensino no artigo 74.º n.º2 a) (“incumbe ao Estado : Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito”). Apesar
de se falar o ensino básico universal obrigatório e gratuito, a alínea d) diz que incumbe ao Estado “Garantir a todos os
cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da
criação artística” ( isto não significa que todos tenham capacidade ou possibilidade aceder aos elevados graus de ensino
do pós doutoramento. A alínea e) vem dizer que incumbe ao Estado “Estabelecer progressivamente a gratuitidade de
todos os graus de ensino”. Atentar na diferença entre alínea a) e e) do artigo 74.º n.º2. Isto levantou muita discussão a
propósito das propinas no ensino universitário. Na CRP, não temos previsão que ensino universitário é gratuito, temos
apenas uma previsão segundo a qual deve haver progressiva gratuidade

129
em todos os graus do ensino. No acórdão 148/94. do TC levantava questão das propinas porque em 1994 foi
revisto o sistema de propinas no ensino superior. Hoje em dia, o sistema não cobre aquilo que é o gasto com cada
um dos estudantes, mas é contribuição de cada um dos estudantes. Neste acórdão, discutia-se e pretendia-se
saber se essa revisão dos valores da propina tinha sido mera atualização ou se seria do que isso e era um aumento.

absolutamente essencial que percebamos que fenómeno de educação, previsto quer enquanto DLG quer
enquanto DESC, deve ser entendido pelo facto de ter dupla dimensão: por um lado, resulta em benefícios
subjetivos individuais para cidadãos, mas por outro lado, educação enquanto subsidiária da cultura representa
objetivos claros de promoção da comunidade enquanto tal.

Exemplo: sabemos que os pais têm dever de educação dos filhos. Mas pai diz que não quer que o seu filho não
aprenda nada sobre DF, estado de direito democrático, etc. Aqui está em causa situação de conflito ou de colisão,
porque a dimensão da educação não tem meramente função subjetiva e individual e porque devemos partir do
princípio de que há necessidade que o Estado e bem público fomente educação de cidadãos responsáveis que
participem na discussão das coisas publica, e na gestão da vida da pólis e vida política. Há preocupação de se
formar para a cidadania. Há vários modelos para esta formação da cidadania (“Citizen in the making”).

Como é que nós contribuímos para formação dos cidadãos e como deve o Estado contribuir para essa formação
também?

Direito ao ambiente

Primeiramente, importará perceber a diferença entre direito do ambiente e direito ao ambiente. Qual deles será o
DF? O DF será o direito ao ambiente. Qual a diferença entre ambos? O direito do ambiente é um ramo do direito, é
um conjunto de normas que regula o ambiente. Quando falamos aqui no ambiente enquanto objeto de proteção
jurídica, quando falamos no direito do ambiente em termos do Ordenamento Jurídico, enquanto parcela do
Ordenamento Jurídico estamos a falar no conjunto de normas que protege o ambiente. Podemos discutir depois se
um ramo do direito que se autonomiza do direito publico, do DA, mas quando falamos do direito do ambiente,
não estamos a falar de DF, mas sim de um conjunto de normas , segmento jurídico que regula o ambiente como
bem unitário. O ambiente vem da palavra latina “ambiens,entis”, que significa aquilo que nos rodeia. A expressão
ambiente é uma expressão redundante, visto que ambiente em termos etimológicos já tem esta ideia de
envolvimento e daquilo que rodeia o homem.

O ambiente em sentido lato enquanto bem objeto de proteção jurídica pelo direito do ambiente é o conjunto de
todas as condições necessárias à vida humana – há quem utilize expressão francesa ambiance ou pode utilizar-se
em geral qualidade de vida (termos que resultam aliás plasmados no nº1 do artigo 66.º da Constituição
Portuguesa); já em sentido restrito ambiente corresponde ao conjunto de recursos naturais ao qual nos
normalmente identificamos por natureza ; e em sentido normativo corresponde a um segmento da ordem jurídica.

Convém distinguir Direito do ambiente, conjunto de normas que regulam questões ambientais do direito subjetivo
ao ambiente que é DF e posição jurídica do cidadão. Estão em causa coisas completamente diferentes.

Porquê que existem normas que se preocupam com o ambiente e porquê que houve necessidade de juridificar a
posição jurídica do cidadão, a posição jurídica do direito ao ambiente dos cidadãos? Os autores que começaram a
falar primeiro do Direito do ambiente e do direito ao ambiente identificaram 3 justificações possíveis:

Antropocêntrica tem subjacente a ideia de que protegemos ambiente e protegemos o direito ao ambiente porque isso
é essencial à vida humana, ideia de “ambiens,entis”

Ecocêntrica o ambiente é enquanto tal encarado como valor a defender e a preservar per se, já não apenas por ser
necessário à vida humana mas enquanto tal

Economicocêntrica apontando para a substituição de recursos naturais finitos, ainda que esta última dimensão,
apesar do pendor economicista, acabe por proteger também os interesses do Homem. Estaria a falar de
recursos naturais que são finitos, na maior partes dos casos, e falamos na perspetiva económica, na

130
medida em que recursos naturais são considerados meios de produção também. Esta visão acaba também por
proteger os interesses do homem, na medida que eles protegem o ambiente e atendem à finitude dos recursos
naturais devido a isso acabar por proteger os seus interesses. Sendo assim, isso interessa porque esta perspetiva
tem perspetiva ainda que reflexa da proteção do ambiente enquanto essencial à vida humana

Nós encontramos nesta matéria de proteção ambiental uma dimensão objetiva e subjetiva.

Dimensão subjetiva/privatista olhamos para o direito ao ambiente invocável por todos os cidadãos

Dimensão objetiva/publicista esta perpassa para o texto constitucional. aqui vemos para alem de haver DF a
um meio de ambiente sadio, equilibrado, vemos que o ambiente é um bem publico que cabe ao estado
preservar e a lesão ao ambiente que qualquer um de nós pode fazer ao ambiente é dano publico sendo que
responsabilidade do Estado é possível por ação ou por omissão ( Vasco Pereira da Silva). Nesta perspetiva
publicista que nos dá exemplo da sociedade em que queremos viver é que emergem considerações como
dano ecológico, necessidade de estudo de impacte ambiental ou determinação da reposição da situação
anterior à infração.

O Estado social de Direito em que vivemos hoje em dia percebeu que se tinha de preocupar com matérias
ambientais, nomeadamente no contexto daquilo que são catástrofes ecológicas que afetam de igual modo
bastantes destinatários. Basta pensar que se ocorrer problema nuclear em Espanha não são as fronteiras terrestres
quer iriam resolver a situação no sentido que a catástrofe ficasse no território espanhol e não viesse para o lado
português. Basta pensar no contexto de águas internacionais, etc. Hoje em dia este estado social de direito é aquilo
que alguns autores chamam de uma sociedade de risco e nesse sentido a proteção do Estado contra riscos
generalizados não é necessariamente absoluta, mas leva a perceber que temos de regular o ambiente de forma
global e que política do ambiente tem de ser horizontal, isto é, tendo de ser considerada pela educação, economia,
saúde, indústria. Ou seja, Política ambiental é vetor de muitas outras politicas e não pode ser considerada de forma
estanque, autonomizada e isolada. Esta proteção do ambiente, seja numa perspetiva publicista quer numa
perspetiva privatista tem necessariamente de incorporar reflexo de tudo aquilo que são componentes cientifico-
técnicas dos avanços do conhecimento da ciência.

De que modo proteção do ambiente tem vindo a ser encontrada nos instrumentos internacionais e europeus?

Prevista nos Artigos 3.º, 22.º, 24.º, 25.º e 28.º da DUDH

Desenvolvida nos Artigos 1.º, 7.º,11.º,12.º e 15.º do PIDESC

Artigos 1.º, 6.º,7.º, 17.º e 20.º do PIDCP

Tem havido Instrumentos internacionais gerais como as resultantes de convenções do Clima, nomeadamente
do Estocolmo e Rio.

Esta proteção ambiental precisamente porque não pode haver proteção estadual única e tem de ser global tem
avançado muito em função destes instrumentos internacionais. Alias até houve mesmo uma minuta de Declaração
de Princípios sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente que veio a reconhecer o direito de todos ao meio ambiente
seguro, sadio e ecologicamente equilibrado e concluiu que existe a aceitação universal de direitos ambientais em
níveis nacionais, regionais e internacional.

Duas conferências essenciais foram a de Estocolmo e do Rio.

A conferência de Estocolmo é de 1972, e segue-se a um ano charneiro que foi de 1968 em que resolução 28
veio identificar a relação entre a qualidade do ambiente humano e o gozo dos direitos humanos básicos.

Na conferência de 1972 de Estocolmo de que resultou a declaração de Estocolmo que apesar de não ter força
vinculativa, veio fornecer uma fundamentação filosófico-jurídica a esta elaboração do Direito do Homem ao Ambiente.
Na Conferência de Estocolmo e na Declaração do Estocolmo encontramos o Princípio 1.º, segundo o qual “O homem tem
o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um

131
meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar, sendo portador solene
da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.”. Aqui vemos uma
perspetiva antropocêntrica. Este princípio de interligação de gerações e ideia de desenvolvimento sustentável tem
muito de ver com esta preservação para gerações futuras, mas preocupação de preservação que ainda tem muito
de ver com esta perspetiva antropocêntrica.

verdade que se apelava à utilização racional dos recursos não renováveis e que se falava no papel individual de
cada um tinha nesta responsabilidade, mas o objetivo tinha de ver com perspetiva antropocêntrica.

Depois de Estocolmo, temos serie de convenções setoriais que se inspiram no modelo de conferência de Estocolmo
mas que vem falar de aspetos parciais da proteção ambiental.

Exemplos:

Convenção para a preservação da poluição marinha por despejo de resíduos e outras matérias, Londres, 1972;
Convenção Internacional para a prevenção de poluição causada por navios (MARPOL), Londres, 1973;
Convenção sobre o comércio internacional de espécies ameaçadas da fauna selvagem e da flora, adoptada em
Washington (CITES), 1973;
Convenção sobre a protecção do ambiente marinho na área do Mar Báltico, 1974;
Tratado de Genebra de 1979 sobre poluição transfronteiriça a longa distância;
Convenção sobre a conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais, Berna, 1979;
Convenção de Direito do Mar (UNCLOS), Montego Bay, 1982;
Convenção de Viena para a protecção da camada de Ozono, 1985;
Protocolo de Montréal sobre as substâncias que rarefazem a Camada de Ozono, 1987;
Convenção relativa à protecção e utilização dos cursos de água transfonteiras e de lagos internacionais,
Helsínquia, 1992;

Encontramos serie de iniciativas setoriais que desenvolvemos princípios de declaração de Estocolmo aprovada na
Conferência de 1972.

Relatório Brundtland de 1987, que é Relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento , vem
vincar importância para os DH, mas dá uma passo mais abordando o conceito de desenvolvimento sustentável e a
indissociabilidade entre o desenvolvimento económico e o estado do ambiente, isto é, a ideia de que o
desenvolvimento económico que se faça à custa da proteção ambiental não deve ser admitido.

Esta evolução setorial coincidiu com nova série de catástrofes ambientais o que fez o mundo perceber que é
necessária regulação unitária e tem de haver parâmetros mínimos de proteção.

Exemplos de catástrofes ambientais desta altura:

1984, Bhopal, na Índia;


Seveso e Minamata (indústrias químicas Italiana e Japonesa);
1986, acidente de Chernobyl;
Three Mile Island (central nuclear dos EUA);
1989, acidente do petroleiro Exxon Valdez, na costa sul do Alaska, maré negra causando a poluição aquática a
uma das zonas mais ricas em recursos piscícolas

Nos anos 80, após conferência de Estocolmo temos série de revelações científicas que eram desconhecidas
aquando da conferência de Estocolmo. Pela primeira vez foi explicado o fenómeno das chuvas ácidas e o fenómeno
dos efeitos dos clorofluorcarbonetos (CFC) na camada de ozono que veio adensar necessidade de regulação global
destas matérias.

132
Nos finais do anos 80, coroando esta evolução nos fiais doa anos 80, A Comissão de Direitos da ONU vem discutir o
caso em 1990 e aprova resolução 34 chamada Direitos Humanos e meio ambiente que vem reafirmar relação entre
preservação do ambiente e promoção dos direitos humanos.

Todos os indivíduos têm o direito de viver em um ambiente adequado à sua saúde e bem-estar:

ambiente livre de poluição, degradação e actividades que o afectem adversamente ou ameace a vida, a saúde, a
subsistência, o bem-estar ou o desenvolvimento sustentável;

protecção e preservação do ar, do solo, da água, da flora e da fauna e dos processos essenciais e áreas
necessárias à manutenção da diversidade biológica e dos ecossistemas;

mais elevado padrão alcançável de saúde, livre de dano ambiental; ligação muito grande entre politica de saúde e
politica ambiental

a alimento, água e ambiente de trabalho seguros e saudáveis;

morada adequada, à posse da terra e à condições dignas de vida num ambiente seguro, saudável e
ecologicamente equilibrado;

acesso a ambiente ecologicamente sadio e à conservação e ao uso sustentável da natureza e dos recursos naturais;

preservação dos sítios únicos, compatíveis com os direitos fundamentais das pessoas ou grupos de pessoas que
vivem na área;

desfrute da vida tradicional e à subsistência dos povos indígenas. A vida tradicional e subsistência de povos indígenas
deve ser considerada em termos latos como fazendo parte da proteção de vida ao ambiente.

Em 1992, temos conferência do Rio, chamada Eco 92, que se realizou no rio de janeiro e onde Portugal liderou a
participação da EU. Esta tinha objetivos ambiciosos, nomeadamente a elaborar a dita carta da terra, mas que
acabou por ser mera declaração do rio.

Era suposto que países industrializados definissem metas para redução e estabilização das emissões de dióxido de
carbono, mas a administração Bush ameaçou bloquear a cimeira. Mais recentemente outras administrações norte-
americanas levantaram também grandes obstáculos a que se estabelecessem metas nesta matéria,
nomeadamente quanto ao Protocolo de Quioto. O Japão acabou por seguir a posição dos EUA, tendo só uma
grande parte dos países Europeus assinado uma declaração separada.

Esta declaração do rio que era suposto ter sido a Carta da Terra e passou a declaração apenas volta a dizer que os
seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável- claramente perspetiva
antropocêntrica.

Princípio 3º-o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas
equitativamente as necessidades das gerações presentes e futuras - mas sempre na perspetiva de algum modo
fazer ligar a proteção ambiental às pessoas que de alguma forma beneficiam desse meio ambiente

Protocolo de Quioto à Convenção Quadro das Nações Unidas veio a ser aprovado mas com grandes obstáculos por
parte de varias administrações de países.

Até 1994, de algum modo, as NU tinham tentado não dizer que havia um direito à proteção ao ambiente, ficavam
pela perspetiva antropocêntrica, pela perspetiva de que havia necessariamente desenvolvimento sustentável que
se deveria fomentar mas não dizia que havia direito à proteção ambiental. De alguma forma, ele resultava
reflexamente de outro tipo de proteção.

Em 1994, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Gerações Futuras.

133
Art. 3º: As pessoas pertencentes às gerações futuras têm o direito a um meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado, propício ao seu desenvolvimento económico, social e cultural. Por conseguinte, os Estados, os
indivíduos e todas as entidades públicas e privadas têm o dever de não introduzir modificações desfavoráveis às
condições de vida, especialmente às condições climáticas e à biodiversidade, e, de modo geral, de velar para que o
progresso científico e técnico em qualquer âmbito não prejudique a vida sobre a terra, o equilíbrio natural nem o
bem-estar das gerações futuras. Ademais, os Estados têm a obrigação de preservar a qualidade e a diversidade do
meio ambiente e de prevenir, em particular, as consequências de sua degradação para as gerações futuras.

Em 1999, há declaração de Bizkaia sobre o Direito ao meio ambiente. Aqui avança-se um pouco mais na
qualificação da posição subjetiva dos indivíduos.

Art. 1º:

Toda persona, tanto a título individual como en asociación con otras, tiene el derecho a disfrutar de un
medio ambiente sano y ecológicamente equilibrado.

El derecho al medio ambiente es un derecho que puede ejercerse ante los poderes públicos y entidades
privadas, sea cual sea su estatuto jurídico en virtud del Derecho nacional e internacional.

El derecho al medio ambiente se ha de ejercer de forma compatible con los demás derechos humanos,
incluido el derecho al desarrollo.

Toda persona tiene derecho al medio ambiente sin ningún tipo de discriminación por motivos de raza,
color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole

No âmbito mais regional, no âmbito do Direito europeu, nós não tínhamos nenhuma referência no Tratado de
Roma referente à matéria ambiental. Tivemos algumas tentativas de uniformização através de Diretivas
nomeadamente quanto à emissão de poluentes, etc. Mas só temos referencia expressa ao ambiente no Ato único
Europeu (AUE) de 1987. É a primeira vez que a política de ambiente passa a ser institucionalizada como política
comum no âmbito da CEE que viria ser a UE a propósito do Tratado de Maastricht (TM).

O TM vem desenvolver princípios do AUE referindo-se à necessidade de preservar, proteger e melhorar a qualidade
do ambiente; contribuir para a proteção da saúde das pessoas- ideia de horizontalidade da política de ambiente
com a ligação à politica de saúde; assegurar uma utilização prudente e racional dos recursos naturais (perspetiva
economicocêntrica que depois vai uma vez mais desembocar na perspetiva antropocêntrica porque esta utilização
prudente e racional visa objetivo determinado); promover, a um nível internacional, medidas para lidar com
problemas regionais e planetários.

Temos hoje também provisão expressa no artigo 37.º da CDFUE que diz que o elevado nível de proteção ambiental
e de melhoria da qualidade ambiental devem ser integrados nas políticas da União e asseguradas em concordância
com o princípio de desenvolvimento sustentável , isto é, um desenvolvimento económico, industrial que não se
pode fazer à custa do bem ambiente.

A política europeia ambiental tem tido muitas dificuldades que tem que ver por um lado com o tipo de fonte do
DUE que são diretivas que dirigem-se aos Estados e podem não ser transpostas (caráter pouco vinculativo desta
legislação) e por outro lado tem a ver com o facto de muitas decisões do TJUE são incumpridas quer por parte dos E
quer por parte das empresas,

No âmbito do conselho da Europa, temos também várias normas quase pedagógicas simbolicamente no contexto
de proteção do ambiente.

Utilizando a expressão do prof Vasco Pereira da Silva “Verdes são também os Direitos do Homem”, quando olhamos para
estas previsões internacionais, temos dificuldade em determinar o conteúdo e abrangência de um direito ao meio
ambiente. É verdade que há previsão e que todos têm direito a meio ambiente sadio e meio ambiente ecologicamente
equilibrado, mas o que isso significa? Noberto Bobbio dizia que isso significa viver num ambiente

134
não poluído, mas é apenas isso? Esta necessidade de percebermos de olhar para o direito ambiental internacional,
como é que isto se coaduna com necessidade de perceber em que consiste este direito a um ambiente sadio, a este
direito a proteção do ambiente.

Alguns autores dizem que não é possível densificar este direito, sendo que a única coisa que conseguimos com o
direito à proteção do ambiente é pura e simplesmente conseguir que as pessoas possam participar e que haja
interesses procedimentais acautelados em relação a esta matéria, não podendo avançar mais no campo da
substantivação deste direito.

Como é que estes instrumentos internacionais são absorvidos do ponto de vista constitucional?

As conferências de Estocolmo e Rio têm marcado aquilo que é desenvolvimento das constituições nesta matéria

Podemos falar em Constituições aprovadas ou revistas pós Estocolmo ( claramente a nossa Constituição de 1976 é
uma constituição pós Estocolmo, sendo que o nosso artigo 66.º é artigo pós conferência de Estocolmo), mas temos
claramente constituições aprovadas ou revistas apos declaração do rio de 1992. Temos constituições com grande
precisão como constituições latino-americanas, em especial o artigo 225.º da constituição brasileira que é muito
pormenorizado no que diz respeito a este ambiente. Mas no geral conseguimos identificar constituições pelo
momento em que foram aprovadas no que diz respeito à timeline que encontramos do direito ambiental
internacional. Se falarmos em constituições antes de 1970 não encontramos referência ambiental, sendo o ano de
charneira é o de 1968 como já vimos.

CRP

Em Portugal, a CRP prevê esta matéria desde logo no artigo 9.º relativamente às tarefas do Estado.

Artigo 9.º

Tarefas fundamentais do Estado

São tarefas fundamentais do Estado:

(...)

Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a
efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das
estruturas económicas e sociais;

Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os
recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

(...)

Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o


carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;

(...)

Para alem de se entender preservação deste bem numa perspetiva objetiva, publicista, de bem a proteger pelo
estado, temos também artigo 66.º que prevê direito ao ambiente e à qualidade de vida.

Artigo 66.º

Ambiente e qualidade de vida

135
Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
perspetiva antropocêntrica e ecocêntrica

Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por
meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades,
um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;

Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios,
de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou
artístico;

Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e
a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;

Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida
urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas;

Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;

Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;

Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.

Em que outro direito encontramos esta articulação entre previsão de direito e dever de proteção? Direito à saúde
(artigo 64.º).

A nossa CRP olha para o ambiente em três perspetivas :


como DF, nos termos do artigo 66.º a nossa CRP, sendo constituição pós Estocolmo é das primeiras a
reconhecer um direito ao ambiente aos cidadãos como Direito Fundamental. Na altura a maior parte das
constituições europeias vê o ambiente numa perspetiva objetiva, enquanto tarefa do Estado, mas não
subjetiva. O artigo 66.º é um DESC mas há autores que entendem que pode ser considerado como DF de
natureza análoga aos DLG o que significa que lhe iremos aplicar o regime dos DLG para quem faça
distinção. a CRP prevê o direito ao ambiente no artigo 66º nº1 – direito e também um dever de proteção
do ambiente.
como objetivo e tarefa fundamental do Estado, nos termos do artigo 9.º
como elemento essencial para elaboração dos planos nacionais nos termos do artigo 90.º. Estes devem ter em
conta preservação do equilíbrio ecológico, do ambiente em sentido estrito ou de um perspetiva
egocêntrica da defesa do ambiente e da qualidade de vida.

Estas linhas normativas internacionais e constitucionais são depois transpostas para lei ordinária. Nós tivemos então
uma Constituição pós Estocolmo com normas desde aversão originaria de 1976 e depois tivemos 1ª lei de bases do
ambiente em 1987 aprovada quase por unanimidade e que foi pioneira a nível europeu. Esta lei de 87 foi mais tarde e
recentemente revogada pela lei de 2014 com algumas alterações mas é lei que vem transpor para lei ordinária este
modelo constitucional do estado ambiental. A lei vem ser completada também com revisão do Código Penal na medida
em que o bem jurídico ambiente vem ser diretamente tutelado do ponto de vista jurídico penal com previsão dos crimes
ecológicos, crimes de danos contra a natureza e crimes de poluição e esta revisão do CP que incorporou o bem jurídico
ambiente veio também ser completada pela lei sobre tutela penal e contraordenacional do ambiente

136
de 2006 com alterações desde então. Continuamos a ter dispersão do ponto de vista das previsões normativas o
que cria dificuldades de conhecimento e aplicação. Há quem há muito reclame necessidade de código ambiental
que regule e inclua todas estas matérias no sentido de abordar este Bem Jurídico e direito ao ambiente de forma
mais transversal e conseguida.

Lei de bases do ambiente (Lei 19/2014):

Artigo 1.º

Âmbito

A presente lei define as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da
Constituição

Artigo 2.º (Objetivos da política de ambiente)

Artigo 3.º

Princípios materiais de ambiente

A atuação pública em matéria de ambiente está subordinada, nomeadamente, aos seguintes princípios:

Do desenvolvimento sustentável, que obriga à satisfação das necessidades do presente sem comprometer as das
gerações futuras, para o que concorrem: a preservação de recursos naturais e herança cultural, a capacidade de
produção dos ecossistemas a longo prazo, o ordenamento racional e equilibrado do território com vista ao combate
às assimetrias regionais, a promoção da coesão territorial, a produção e o consumo sustentáveis de energia, a
salvaguarda da biodiversidade, do equilíbrio biológico, do clima e da estabilidade geológica, harmonizando a vida
humana e o ambiente;

Da responsabilidade intra e intergeracional, que obriga à utilização e ao aproveitamento dos recursos naturais e
humanos de uma forma racional e equilibrada, a fim de garantir a sua preservação para a presente e futuras
gerações;

Da prevenção e da precaução, que obrigam à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de obviar ou
minorar, prioritariamente na fonte, os impactes adversos no ambiente, com origem natural ou humana, tanto em
face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira como podem
estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a ausência de
perigos ou riscos;

d) Do poluidor -pagador, que obriga o responsável pela poluição a assumir os custos tanto da atividade poluente
como da introdução de medidas internas de prevenção e controle necessárias para combater as ameaças e
agressões ao ambiente;

e) Do utilizador -pagador, que obriga o utente de serviços públicos a suportar os custos da utilização dos recursos,
assim como da recuperação proporcional dos custos associados à sua disponibilização, visando a respetiva
utilização racional;

Da responsabilidade, que obriga à responsabilização de todos os que direta ou indiretamente, com dolo ou
negligência, provoquem ameaças ou danos ao ambiente, cabendo ao Estado a aplicação das sanções devidas, não
estando excluída a possibilidade de indemnização nos termos da lei;

Da recuperação, que obriga o causador do dano ambiental à restauração do estado do ambiente tal como se
encontrava anteriormente à ocorrência do facto danoso

Artigo 4.º

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Princípios das políticas públicas ambientais

As políticas públicas de ambiente estão ainda subordinadas, nomeadamente, aos seguintes princípios:

Da transversalidade e da integração (…);

Da cooperação internacional (…);

Do conhecimento e da ciência (…);

Da educação ambiental(…);

e) Da informação e da participação (…)

Artigo 6.º (Direitos procedimentais em matéria de ambiente)

Artigo 7.º (Direitos processuais em matéria de ambiente)

Artigo 8.º

Deveres ambientais

1 — O direito ao ambiente está indissociavelmente ligado ao dever de o proteger, de o preservar e de o respeitar,


de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável a longo prazo, nomeadamente para as gerações futuras.

(…)

Artigo 9.º

Componentes

Na realização da política de ambiente, são indissociáveis os componentes ambientais naturais e humanos.

Artigo 10.º

Componentes ambientais naturais

A política de ambiente tem por objeto os componentes ambientais naturais, como o ar, a água e o mar, a
biodiversidade, o solo e o subsolo, a paisagem, e reconhece e valoriza a importância dos recursos naturais e dos
bens e serviços dos ecossistemas, designadamente nos seguintes termos:

A gestão do ar (…);

A proteção e a gestão dos recursos hídricos (…).

A política para o meio marinho (…);

A conservação da natureza e da biodiversidade(…);

A gestão do solo e do subsolo (…);



A salvaguarda da paisagem (…) por esta razão o ordenamento do território é incluído na matéria de proteção
ambiental
Artigo 11.º

Componentes associados a comportamentos humanos

A política de ambiente tem, também, por objeto os componentes associados a comportamentos humanos,
nomeadamente as alterações climáticas, os resíduos, o ruído e os produtos químicos, designadamente com os
seguintes objetivos:

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A política de combate às alterações climáticas (…);

A gestão de resíduos (…);

A redução da exposição da população ao ruído(…);

A avaliação e gestão do risco associado aos elementos e produtos químicos, biológicos e radioativos, aos
organismos geneticamente modificados, e à incorporação de novas tecnologias, durante o seu ciclo de vida, de
modo a garantir a proteção do ambiente e da saúde humana.

Artigo 21.º

Controlo, fiscalização e inspeção

O Estado exerce o controlo das atividades suscetíveis de ter um impacte negativo no ambiente, acompanhando a
sua execução através da monitorização, fiscalização e inspeção, visando, nomeadamente, assegurar o cumprimento
das condições estabelecidas nos instrumentos e normativos ambientais e prevenir ilícitos ambientais.

Artigo 22.º

Outros instrumentos

Os instrumentos referidos na presente lei não excluem os demais instrumentos, nomeadamente os de ordenamento
do território, os estatutos de proteção de base territorial de bens ambientais, bem como os de política de
transportes e política energética, devendo todos eles ser articulados e conjugados.

Esta lei do ambiente de 2014 que veio revogar a anterior lei do ambiente de 1987 é uma lei bem feita do ponto de
vista sistemático, sendo clara e obedecendo a princípios evidentes. Não há grande diferença quanto ao que
constava da lei 1987, mas esta sistematicamente está uma lei mais robusta e sistematizada.

Esta lei acaba por assumir uma necessidade de se nos quisermos, fazer um downgrade daquilo que aqui está
previsto, ou seja, a tal perspetiva densificação do meio ambiente acaba por ficar muito pelo nível procedimental e
processual. Ainda assim, vale a pena perceber que temos aqui inovação no que diz respeito a esta matéria
ambiental em relação a outras relações entre cidadãos e administração. porque aquilo que vimos em matéria de
participação procedimental é que ao contrário daquilo que acontece no ato administrativo clássico, ou seja do ato
administrativo em que temos relação de uma pessoa com Administração, aqui no ato ambiental temos 3
características: multilateralidade, multifinalidade e multimaterialidade.


Multilateralidade em vez de pensarmos numa relação biunívoca entre Administração e particulares pense-
se em relações poligonais. Vamos supor que eu peço à Administração para que emita uma licença para eu
poder instalar determinada industria num local. este ato tem consequências ambientais, nomeadamente
para o vizinho de lado que pode ser prejudicado pelos fumos provenientes da minha indústria. Mias do que
relação biunívoca, pensemos numa relação poligonal, porque há vários interessados que podem estar aqui
envolvidos devido à transversalidade da politica ambiental.

Multifinalidade o ato ambiental tem multifinalidade, porque um ato de licenciamento , p ex, tem repercussão ao nível
de politica industrial, saúde pública, politica económica, etc.

Multimaterialidade Por envolver uma serie de diferentes níveis de atuação, o ato ambiental está sujeito a
fiscalização de várias entidades ( ministério de ambiente, ministério de saúde, etc.). vários tipos de
controlo que atuam aqui em vários domínios .

A característica mais relevante aqui é a da multilateralidade , isto é, olharmos para as relações ambientais como
poligonais e não como biunívocas, nomeadamente no contexto da tal avaliação de impacto ambiental , tal estudo de
impacto ambiental que deve ser efeito a propósito de determinados projetos sendo depois necessário uma AIA(
avaliação de impacte ambiental), EIA (estudo de impacte ambiental),DIA (declaração de impacte ambiental). Em
princípio, DIA será favorável sob pena de não se poder avançar com determinados projetos. Exemplo: construção do
novo aeroporto de Lisboa para o qual têm sido feitos vários estudos de impacto ambiental com várias DIA’s, umas
favoráveis e outras desfavoráveis, outras favoráveis com condições . Esta multilateralidade visa assegurar de que

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forma outros terceiros, desde logo, terceiros humanos, conservação da fauna e flora, podem ser prejudicados por
determinado ato industrial, p ex.

Então, isto significa que do ponto de vista desta multilateralidade, temos maneira diferente de encarar relação
entre a Administração e os particulares. desde logo a um nível procedimental, sendo que o CPA permite
intervenção procedimental não apenas para tutela de interesses diretos, mas também para tutela de interesses
difusos. Por isso podemos ter aqui associações representativas de interesse difusos em matéria ambiental- são
aliás os casos mais conhecidos e mais antigos relativo à proteção de interesses difusos. Ou seja, em vez de
aparecerem todos os cidadãos possíveis afetados com determinada medida política, pode aparecer uma QUERQUS
como associação representativa deste interesse. E depois, quando passamos para nível contencioso, estas mesmas
associações representativas podem passar a ter legitimidade processual. Tem legitimidade procedimental nos
termos do CPA e passam a ter legitimidade processual nos termos do CPTA.

Para alem de haver aqui também ressurreição da ação popular, ou seja, da possibilidade de ser pedida a um
tribunal que justifique a proteção de determinado bem publico e que esse pedido ao tribunal seja feito por vários
dos afetados por essa situação.

Nota: Quando falamos em proteção ambiental e proteção do direito ao ambiente, isto pode significar que encontremos
restrições daquilo que é o direito da propriedade. Em princípio, posso fazer o que quiser dentro de determinado imóvel,
prédio rústico que tenha. Os romanos diziam que dentro de um imóvel, p Ex, o direito de propriedade iria desde o centro
da terra até ao cúmulo dos céus. Mas nos sabemos que isso não é assim. A nossa CRP prevê como bem publico jazidas
subterrâneas e como bem publico também acima de um determinado limite. Mas quando digo que não se pode instalar
indústria poluente nesse sítio porque isso conflita com direito ao ambiente de seus cidadãos vizinhos, isso implica
restrição ao direito de propriedade. Já sabemos que nenhum direito é absoluto, incluindo o direito da propriedade que
está previsto no artigo 62.º da CRP, mas que muitos entendem que
até DF de natureza análoga aos DLG. isso leva alias a ponderar se direito de construir faz parte do direito de
propriedade (tese privatista) ou se é concessão publica da administração (tese publicista). Independentemente
disso, temos restrições ao direito de propriedade que podem resultar da proteção ambiental.

Há uma matéria de direitos reais que tem a ver com fumos dos vizinhos. Exemplo: churrasqueira no rés do chão do
prédio que emite cheiros ou uma pedreira que faz muito ruído num determinado local. O artigo 1346.º e 1347.º do
relativos a relações de vizinhança vêm dizer o seguinte: se houver um prejuízo para o prédio que está ao lado,
pode haver restrições ao direito de propriedade nesses termos (emissão de fumos, ruídos, etc.). A proteção do
meio ambiental veio alargar os artigos 1346.º e 1347.º, porque estes em princípio só se aplicam a prédios que
estivessem colados um ao outro, prédios contíguos/ próximos, mas a matéria ambiental tem vindo a dizer (e os
tribunais tem possibilidade de aplicar ratio destas normas de direito da vizinhança neste caso) que prédio próximo
para efeitos ambientais é aquele que estando à distância que estiver, for afetado pela relação que se estabelece
entre Administração que concedeu licença e cidadão que aparece como lesado em termos ambientais. É curioso
percebermos que modo como temos olhado para proteção do meio ambiente vem alargar possibilidade de
interpretação destes dois artigos.

Temos lei que prevê tutela ambiental a três níveis:

Preventiva
Repressiva
Ressarcitória quanto à suscetibilidade ou obrigatoriedade de repor na situação que estaria caso não tivesse
havido dano.

Olhamos para esta possibilidade de tutela do ponto de vista da multilateralidade como via media de associativismo
para efeitos de representação ao nível do interesse difuso, que aparece entre reação isolada e reação coletiva.

Esta matéria é claramente a matéria em que há mais tempo se fala em interesses difusos.

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muito difícil julgar uma matéria destas em tribunal precisamente por causa da influência que o avanço d
conhecimento técnico e cientifico tem nestas matérias, porque estão em causa juízos técnicos muito claros que
têm de ser apoiados por peritos da área e que de algum modo limitam a margem de livre decisão administrativa
porque podemos ter aqui quer responsabilidade subjetiva por défice de ponderação de determinados riscos para o
ambiente, quer responsabilidade objetiva por riscos imprevisíveis que era impossível de prever. E, portanto, é
muito complicado esta isolada e, impugnação contenciosa de decisão sobre pressupostos que são de incerteza (a
tal sociedade de riscos).

Esta tutela ambiental tem também hoje uma proteção de garantia institucional quer através da Lei das
Organizações Não governamentais do ambiente de 1998, quer ao nível de entidades publicas que sectorialmente
vêm tratar desta matéria quer através da Administração Direta, o ministério do ambiente, a Agência portuguesa do
ambiente, instituto da conservação da Natureza e das Florestas, Instituto da água, conselho nacional da água,
conselho nacional do ambiente e desenvolvimento sustentável.

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