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OS FUNDAMENTOS TEORICOS DO PSICODRAMA _15 edigdo francesa (Foundements de la sociometrie), publicada em Paris em 1954. Essa afirmacdo é clara e se infere dela que a socio- metria é um marco tedrico referencial do psicodrama. A partir deste momento, cada vez que falarmos de sociometria o faremos nesse sentido. O mesmo ocorrerd quando abordarmos a teoria da psicote- rapia de grupo, ou 0 sociodrama, ou os fundamentos tedricos do teste sociométrico, como uma ramificagao da sociometria, que cor- responde ao objetivo de explora¢ao das relagGes interpessoais. Filosofia do momento A teoria de Moreno leva a uma concepcao do tempo represen- tada pelo conceito de momento, definido como “‘a abertura por onde o homem passara em seu caminho’’. Jorge Luis Borges — 0 eminente escritor argentino — diz em um de seus poemas: “‘Ja somos do passado que seremos’’, sintetizando a coetaneidade dos trés tempos concebidos tradicionalmente. Se ha uma obsessao que se localiza em toda a obra de Moreno, esta reside no fato de procu- rar encontrar as coisas em seu status nascendi, no momento em que algo nasce ao morrer e morre ao nascer. O irrepetivel € o essencial da existéncia do ser humano. Essa concep¢ao se diferencia do conceito da durée de Bergson, de quem se aproxima no empenho de buscar o originario. Para Moreno, se Bergson teve o mérito imortal de haver introduzido a idéia de espontaneidade nos dados imediatos e em sua doutrina do ela vital, limita-se a deixar essa idéia no mero plano metafisico: 0 psicodrama e o sociodrama fazem descer do céu 4 terra esses con- ceitos de espontaneidade e de criatividade. Nao pretendo discutir os parentescos, que me parecem eviden- tes, entre Moreno e Bergson, assim como os também Obvios em rela- cao a Martin Buber. S6 me interessa apontar que a compreensao do conceito de momento é fundamental para o entendimento do psicodrama como técnica e da espontaneidade como teoria. Na filosofia do momento, todo o fato se encontra marcado em trés parametros fundamentais caracterizados como /ocus, matriz € status nascendi. Locus © locus ¢ definido como o lugar onde ocorre um fato, 0 cend- do seja visi- tio de tudo. Este ocupa um lugar concreto, mesmo que na 16 _NOVOS RUMOS EM PSICODRAMA vel 4 visdo imediata como o ar ou um sentimento, Tudo nasce em algum lugar, nada existe sem esta condi¢ao. O lugar é condicionante mas nao inante, B evidente que o vaso influi na planta, a riqueza da terra influi em seu crescimento, mas no “é” a planta, Se considerarmos um menino recém-nascido, 0 locus € 0 titero materno e a placenta onde se alimenta. Ele se nutre deles, sao indis- pensdveis, mas nao sao ele. Se deslocarmos © conceito para o campo da psicoterapia e nos interessa examinar um sintoma fébico, por exemplo, estara em nossas preocupacoes localizar o lugar onde o sintoma se alimenta e teve sua origem, assim como todos os condi- cionantes presentes e passados que nutrem essa conduta defensiva. Uma das fungdes do psicodrama sera compreender a série de circuns- tancias que estimularam a estruturagdo de uma conduta defensiva. E fundamental compreender a rede vincular que possibilitou a apa- tigdo de tal conduta, sem cair no maior erro que pode cometer um psicoterapeuta: considerar o /ocus como o campo operativo funda- mental. O /ocus é um referencial, mas sobre ele nao se pode operar, ja que nao esta no campo terapéutico. A iluséria operagao no /ocus origindrio leva muitas terapias a naufragar numa inutil litania contra os pais do paciente, coloca- dos como responsaveis pelas suas dificuldades. E muitos terapeutas, mesmo conhecendo minuciosamente o /ocus originario do conflito, nao podem criar as condicées para uma modificagdo de fundo. O conhecimento do /ocus serve como orientador diagnéstico, mas nao se situa no campo terapéutico. Nao obstante, a identificago do locus é importante para a compreensao profunda de um fato. Muitas vezes, ao examinar um Jocus em que o paciente aprendeu a manejar seus medos, por exem- plo, comprovamos que nenhuma das personagens presentes na cena & Por si, condicionante da defesa estruturada. Entretanto, pode surgir uma nova Personagem resultante da rede vincular formada, que nao é apenas a soma das pessoas presentes — é algo mais — © que nos permite compreender fatos que ficariam ocultos na mera observacao das personagens intervenientes na cena explicita. Para exemplificar, cito o caso de um paciente que nos disse que jamais sente medo, fato que o surpreende. Sente que essa caréncia do regis- tro do medo acaba por ser uma desvantagem por nao 0 advertir dos perigos e termina, assim, prejudicado. Concretizo (ver téenicas) Ssse medo faltante. A concretizagdo nos leva a uma situagdo d° quando tinha quatro anos. Sua mae ameaca a sua avo com uma faca, que, por sua vez, chama o genro, Este, ao chegar, atraca-s° ee a OS FUNDAMENTOS TEORICOS DO PSICODRAMA 17 com sua mulher ¢ termina cravando a faca em seu proprio braco, Até 0 momento dessa luta, a relacdo familiar, para o paciente, havia sido harménica. Fica, pois, paralisado ante a evidéncia de que seus trés habituais defensores ameacam-se entre si. Em seu desamparo sente que seu mundo se desintegra para sempre. De fato, ‘os pais se separam. Nesse momento, assume a personagem identi cada com a negacao do medo e diz: ‘‘Fecho-me, nao quero sentir nada disso, porque me tornaria louco’’. O /ocus j4 nao esta for- mado pelas personagens “‘reais’’, mas por novas personagens fan- tasticas configuradas nas interagdes com elas. Situam-se como pro- dutos quimicos, que podem nfo ser nocivos entre si, mas que uma combinagao particular pode tornar letais. No exemplo acima, o locus da negacéo do medo sao os pais, a avé e seus vinculos. A matriz é a eleico da negacéo como mecanismo de defesa. Matriz Da mesma forma que tudo tem seu lugar, ele também possui sua matriz ou elemento gerador. Na planta, sera a semente germi- nada; no menino, o dvulo fecundado; em um sintoma, a conduta defensiva como _resposta aos estimulos do Jocus. E para a matriz que se dirigem as operacGes terapéuticas, ja que é 0 tinico aspecto passivel de ser modificado. Nesses casos, é freqiiente o termo rema- trizar em psicodrama. Uma das operacées fundamentais em psicodrama consiste na busca de condutas empobrecedoras. Estas, em algum momento, fun- cionaram como condutas adaptativas adequadas, proporcionais ao estimulo. A defesa é eleita de forma ativa e nao passivamente den- tro de um repertério de saldas possivels ante a situacdo conflitiva. A repressao, deslocamento ou racionalizagao sao as melhores opcdes diante de um determinado perigo. Uma das principais operacdes terapéuticas volta-se para a tomada de responsabilidade diante da defesa — conduta gerada. No exemplo anterior, verifica-se que nao é o mesmo trabalhar sobre © conflito criado pelo enfrentamento dos pais e da av6, ¢ centrar @ atengao na negacdo do medo como a saida eleita. O paciente nao Produziu as circunstancias (/ocus), mas produziu a resposta (matriz). Sobre ela que se deverd operar terapeuticamente. Para investigar -Amatriz de uma conduta defensiva é mais conveniente perguntar Para que o faz do que perguntar por qué. 18 NOVOS RUMOS EM PSICODRAMA Status nascendi Status nascendi € 0 processo de desenvolvimento de al, 0 tem am-ponto de partida — ndo o que “é”, mas 0 que “vai so" No caso de um recém-nascido, serao os nove meses de eat numa flor, serd seu processo desde a semente até converter-se (0 cao; no que é. oa O status nascendi é outro condicionante fundamental quando consideramos algo em sua totalidade. Um recémtassida eija gene cdo foi adequada nao é igual a outro que sofreu agressdes com uma mae que tomava drogas, ou que era mal alimentada ou passou por graves choques emocionais. Mesmo quando o utero e a placenta (lo- cus) estado bem, e quando o évulo fecundado esta em perfeitas con- dicdes, 0 status nascendi pode haver estado em situacao profunda- mente perturbada, condicionando as caracteristicas do recém-nascido, Se observarmos um sintoma, mesmo localizados seu Jocus e sua matriz, pode ter ocorrido no status nascendi uma série de per- turbagdes que reforgaram sua patologia, impedindo sua elaboracao espontanea. Portanto, é fundamental, ao se buscar compreender um fato em psicodrama, localizar claramente os trés parametros essenciais. O homem génio de Moreno E subjacente a toda a obra de Moreno um ideal de ser humano, espontaneo, capaz de criar continuamente seu proprio destino. O Eu-Deus proximo do panteismo nao indica um delirio. Sugere sobre- tudo a universalidade da capacidade criadora. Seu ideal terapéutico é reconectar 0 homem com o Deus perdido, ajudando-o a sair do servilismo a falsos idolos da ‘‘conserva cultural’’. Abrir-se a Deus é sentir-se Deus. Toda a seqiiéncia tedrica e técnica da obra de Moreno aponta nessa diregao. Quando escreve As palavras do Pai em primeira pessoa, como sendo o proprio Deus quem escreve, 0 faz desejando ser interpretado corretamente. Convida, assim, ° outro Deus a 1é-lo; logo, um encontro entre deuses, imperfeitos, mas com a maravilhosa capacidade de criar, que configura sua essén- cia. Também nao impée um modelo hermético, nao pede a0 ound que seja como ele. Pede-Ihe que lhe seja igual em termos de poten- cial, desenvolvendo e encontrando plenitude ao fazé-lo, sem subor-

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