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As teorias nio criticas de educacio (liberais) rigens das teorias nao criticas de educz g co Sefaniio Saviani (1989), a pedagogia liberal comegou a se insti- tuir com a consolidagio da burguesia na Europa, no inicio do século XIX. Num primeiro momento, foi revoluciondria por de- fender, pela primeira vez na histéria, o prinefpio de que a educa- gio é direito de todos. BY Quais foram as razées da luta em prol da educagao das 4 I ga. ao @ Ta : A primeira se refere a necessidade de superar a visa0 de mundo feudal e colocay, em seu lugar, 0 ideiirio da deme instituido principalmente com a Revolucio France Na nova organizacio social erigida pela burguesia, j4 ndo cabia mais 0 modo de pensar baseado nos costumes e crengas do mundo feudal, era preciso “transformar stiditos em cidadios” (Saviani, 1989, p. 18) que compreendessem e aceitassem a proprie- dade privada dos meios de producao, a organizacao do trabalho nos moldes da fabrica (diviséo entre o planejamento e execucio), o trabalho assalariado, entre outros conceitos. A outra razao é exatamente a necessidade de a prépria burguesia vencer os muros da ignoriincia, jé que no periodo dos regimes mondrquicos apenas uma minoria — nobres ¢ clero — tinha acesso 4 educagio. Nesse primeiro momento, a defesa da educagio para todos, que partia da burguesia, estendia-se a todos, pois a nova classe dominante (i burguesia tinha sua origem na camada servil, composta pelos pobrew e explorados), Portanto, as expressdes todos e de massa ineliiara a propria burguesia DAENS. Diresao: Stijn Coninx, Produsio: Guy De Lombaert. Holanda: Universal Pictures Benelux, 1992. 138 min. ‘Trata-se de um filme que retrata a exploragao da mao de obra no contexto do século XIX, mais precisamente de um grupo de trabalhadores de fibricas de tecidos, na Bélgica. Como a burguesia era originalmente a camada popular — descendente dos servos que eram subordinados aos nobres, senho- res feudais —, quando ela assumiu a luta em pro! da educagio de todos, estava, na verdade, defendendo o seu préprio direito. Portanto, nesse primeiro momento, a pedagogia liberal foi revo lucionaria, ou seja, uma forca a favor da transformagao social. O tipo de organizagio escolar que surgiu nessa época (século XIX) ficou conhecido como /radicional. 32 A pedagogia tradicional Seni Saviani (1989), a_pedagogia tradicional caracteriza escola como antidoto contra a ignorincia, como instrumento que garantitia a integracio de todos na sociedade capitalista,.20 lhes transmitir os conhecimentos necessrios para adaptar-se a ela. Havia, portanto, certo entusiasmo em relagao ao potencial da educagio no sentido de promover a equalizagio social. Isso se daria por meio da difusio dos conhecimentos acumulados e siste- matizados logicamente pela humanidade. Para isso, a escola se centrava no professor, que precisava ser bem preparado ¢ era responsavel pela trancasis~ sa ~ numa ordem logiea ¢ cronologica ~ do acervo cultural aos alunos. A estes cabia 0 papel de assimilar esses conhecimento: ge Renate Fr yng 2594 azeuoy 28 | a4 Na mesma direciio, Libaneo (1990, p. 23) afirma que o papel da escola na concepeao tradicional era a “preparagio intelectual conor SonalnSA pT conan 7% pois na ape” Neo havia nenhuma. preocupagio em estabelecer, no decorrer das aulas, relacgGes entre 0 cont Compreendia-se que “o compromisso da escola é com a cultura, os pgablamas soiais pertencem A sociedade7U TBANCO, 1990, p. 23). O papel da escola, segundo a pedagogia tradicional, era, por- tanto, preparar os alunos por meio da assimilacao dos contetidos para assuimirem sua posigdo na sociedade. Podemos perceber que a ideia implicita é a de que as pessoas devem ser formadas para se adaptarem aos diversos papéis sociais jf existentes e nao para questioné-los, on Nessa configura¢io, a escola cumpria também, indiretamente, © papel de justi liferencas entre as posicdes sociais como papel de just difereng: 8 fruto da incapacidade ou da falta de esforgo individual. Isso porque essa concepeia defendia que todos tinham oportunidades iguais, pois 0 caminho do acesso ao saber — necessério para ocupar as melhores posig6es na sociedade — estava disponivel a todos, bas- tando que o individuo se esforgasse. Assim, aos olhos do senso comum, as pessoas que ndo estavam nas posigdes sociais mais valorizadas eram, em Ultima instancia, culpadas pelo seu proprio fracasso. Os conteiidos transmitidos pelo professor eram os “conhe- cimentos ¢ valores sociais acumulados pelas geragées adultas ¢ repassados ao aluno como verdades” (Libaneo, 1990, p. 23-24). A selecio desses contetidos nao se dava pela relevancia na solugio dos problemas do cotidiano, ¢ sim por serem considerados como da cultura universal. Os conhecimentos transmitidos no ambiente escolar eram, por- tanto, enciclopédicos, intelectualistas, sem relagio com a vida concreta do: anes alunos. A organizacao dos conteddos seguia a légica do adulto ¢ no do desenvolvimento infantil, pois se acreditava que a crianga assimilava 0 saber do mesmo modo que o adulto. A relagio entre profes sores ¢ alunos era autoritéria e —— esperava-se que estes Ultimos ficassem em siléncio no decor- rer_das aulas, sem se comunicar com os colegas. A interlocugao era somente com 0 professor e vigorava na sala o siléncio, con- siderado necessdrio para que os alunos permanecessem atentos A exposigao oral feita pelo pro- fessor. Portanto, a disciplina era rigida, imposta, sendo permitido Se pom inclusive o castigo. O método de ensino utili- “eo zado pelos professores era, prin- Se os conhecimentos eram transmitidos como verdades a serem assimiladas, obviemen- te nio_havia espaco para que o aluno ques: tionasse, discordasse. Assim, 0 papel do aluno era o de mero re ceptor do que o prof sor ensimava. Seu papel era secundario, pois ator principal era o professor. cipalmente, a exposicio oral, sendo que muitos deles seguiam cinco passos organizados por Johann Friedrich Herbart, que, na época, considerava a “ordem psicoldgica mais adequada para a assimilagiio de novas experiéncias” (Gazim et al., 2005 , p. 46). Esse método organizava as aulas da seguinte maneira: ge Renate Frise Suhr | a 5 ‘agao (para o novo conhecimento): O professor fazia os estudantes relembrarem o que ja tinham visto em lighes antenOres we serviria de referéncia para 0 novo tema/contetido. ». Apresentacao: Era a etapa em que o professor apre~ sentava 0 novo conhecimento aos alunos, geralmente sentava‘o nove Cot por meio da exposigao oral. Assimilagao: As novas ideias/conhecimentos eram comparados aos anteriores, com o objetivo de “iden- tificar, por Comparagao, o diferente entre os elementos ja conhecidos” (Gazim et al., 2005, p. 46). — izacio: Era o momento da sistematizagao da aprendizagem, ou seja, “ge 0 aluno jé assimilou Schama Ae © angi eee lat némenos correspondentes ao canhecimentaadauirida” (Saviani, 1989, p. 55). Aplicagio: O aluno demonstrava seu grau de apreen- sio dos contetidos aplicando_o_conheci exemplos novos, desconhecidos. 1. Gem Johann Friedrich Herbart nasceu em 1776, em Oldemburgo, na Alemapha€ faleceu em 1841, em Gottingen. Conheceu alguns dos mais importantes intelectuais de sew tem- po. Foi aluno do filésofo Johann Gottlieb Fichte, tornou-se amigo do educador Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) ¢, 4 partir de 1809, foi professor de Filosofia e Pedagogia na Universidade de Kénigsberg. Hlerbart foi o primeiro a considerar a pe- dagogia como uma ciéncia organizada, abrangente e sistematica, com fins claros e meios definidos. Esse fildsofo foi o precursor das escolas de aplicarao, pois defendia que eta preciso haver centros de experimentagdo pedagogica, nos quais se pudesse verificar a adequagio das teorias pedagogicas. Considerava que a pedagogia deveria levar em conta o fincionamento da mente e, a partir daf, estruturar a instrugto. Para Herbart, nao havia facul- dades mentais inatas, mas, sim, que a mente funcionava com base em representagdes (ideias, imagens etc.). Por isso mesmo ele enfatvzava a instrugdo, ou seja, a moldagem intelectual e psiquica do estudante por forcas externas, tais como a instrugio. Podemos observar que, para esse pensador, 0 papel do sujeito na aprendizagem ¢ passivo, é molda~ do pelas infuéncias externas (instrugio). A teoria da educagao por ele formulada entendia que era papel da ¢s- cola interferir diretamente nos processos mentais do estudante e, com isso, orientar sua formagtio moral, jd que, segundo sua concepgio, é preciso moldar a pessoa (a educagdo ocorre de fora para dentro), Em termos atuais, poderiamos substituir esse termo por disciplina, com- preendida como um conjunto de regras a serem mantidas pelos pais ¢ pelos professores.com o objetivo de controlar 9 comportamento infan- tile permitir um ambiente no qual a instrugto Fosse possivel. Segundo Aranha (1996), a pedagogia herbartiana foi muito forte no decorrer do século XIX e influenciou varios pensadores da educagio, que estudaram suas obras, seja para reafirmar e aprofundar seus estu- dos, seja para contesté-los, como foi 0 caso dos escolanovistas. Fonte: Adaptado de Ferrari, 2008e; Larroyo, 1974. 2 i 4 & sng as0rg neuny 284 | x Pela rapida descrico anterior, vocé pode perceber que a teoria desse pensador da educagao completava a exposigao oral do profes- sor com énfase nos exercicios, na cépia, na repetigao, que permitiria a memorizacao ¢ a aplicagao do que havia sido transmitido. Para estimular a aprendizagem, utilizava-se principalmente 0 reforgo negativo — notas baixas, punigdes — além de manter acesa a competigao entre os alunos pelas melhores notas. Havia, em algumas escolas, premiagGes para os alunos com as melhores pontuagées. A concepsao de aprendizagem vigente era baseada no inatismo, que, segun- do Nunes ¢ Silveira (2008), considera que as condigées do individuo para aprender sfo inatas, que cada um de nés nasce com potencialidades, dons ¢ aptidées que serao desenvolvidos naturalmente. O ensino teria o papel de aprimorar 0 que o individuo jé traz consigo desde o nascimento. Podemos observar que essa concepsio favorece 0 individual ¢ nao o social, cocren~ temente com a ideia de que cada individuo deveré assumir o papel que Ihe aguarda na sociedade segundo suas capacidades. Nessa configuragio, a avaliagao tinha por objetivo valo: Za¥ 0s aspectos cognitivos, com énfase na memorizagao. Aquilo que havia sido transmitido pelo professor deveria ser repetido de maneira idéntica nas verificagdes. Costumava-se realizar verifi- cagdes de curto prazo (interrogatérios orais, ligdes de casa) e de longo prazo (provas e trabalhos), Além de esperar dos alunos apenas a repeti¢io do que foi transmitido pelo professor ou descrito no material diditico, a ava liagdo tinha um papel classificat6rio, ou seja, “os ‘capazes’ eram recompensados com boas notas e continuavam os estudos e os demais deveriam aceitar seu lugar na hierarquia social” (Suhr, 2008, p. 45-46). Como o processo de ensino era igual para todos, indiferentemente de sua origem de classe e de suas necessidades especificas, a avaliagao contribuia para a reprodugao das relagoes sociais de classe presentes no capitalismo. Embora em seus tempos dureos a pedagogia tradicional nao contasse com a figura do pedagogo, com o decorrer dos tempos esse personagem foi sendo incorporado as escolas € passou, coe- rentemente com a concepeao tradicional, a assumir o papel de favorecer o “ajustamento do aluno a familia ¢ escola, a fim de que nao se desvie das normas” (Pimenta, 1991, Anexo 1). Acieseerza pedagogia nova, Saviani (1989) expée as razées para o seu surgimento, estando estas relacionadas 4s mudangas no cenario politico-econémico da época. A hurgeesta-quefora grande defensora da educacio para-tedos;Enquanto ela mesma ainda era uma classe em busca do poder, j4 estava consolidada como classe dominante e nao mais necessitava defender a escola- rizagdo das massas. Com o passar das décadas, os trabalhadores ja sta e o investimento. ne avam acostumados 4 sociedade capi ly m_risco. St. Isso porque no capitalismo é impor- tante que o trabalhadertenit-mmetfermagae_hisica, necessiria para 0 trabalho nas indiistrias, mas njio-muito-maisdo que isso, evitando-o-desenvaluimento do senso critico, que poderia levar a populacao a questionar o status quo. Inge Renate Frése Subs | Além disso, a escola tradicional vinha sendo questionada e apontada como incompetente para promover a incluso social. Foi surgindo entio uma nova proposta de educagao, mas ainda mantendo a “crenga no poder da escola e em sua fingao de equa- lizagao social” (Saviani, 1989, p. 19). Novamente foi atribuido a escola um papel que nao Ihe cabe —a escola, por si s6, incapaz de resolver problemas que sio da sociedade como um todo — e defendeu-se que seu fracasso em promover a equalizacao social se devia ao tipo de ensino (tradicional), que precisaria ser renovado. Dai a nomenclatura Escola Nova. Vale ressaltar que, embora a figura do pedagogo ainda nao constasse oficialmente na legislacio dessa época, sob a orientagao escolanovista comegou a se colocar a ideia que seria importante a escola contar com um orientador educacional, “com 0 objetivo de promover o desenvolvimento integral ¢ harmonioso da perso- nalidade do aluno” (Pimenta, 1991, Anexo 1), preparando-o para fazer opgdes na vida. Em varios lugares ao redor do mundo surgiram duas ver~ tentes dessa renovagdo: uma mais diretiva ¢ outra nio diretiva, Iniciaremos nos referindo a la Nova na vertente dir que foi mais marcante no Brasil. Essa concep¢io foi trazida ao nosso pais principalmente por Anisio Teixeira, educador e politico bas- tante atuante na primeira década do século XX, que foi aluno de John Dewey, considerado 0 pai da Escola Nowa. nisio Teixeira (1900-1971) nasceu na apenas 24 anos, ji eta inspetor-geral do | Ensino nesse estado, fungio na qual ‘ oy visitou varios paises, analisando seus %7 sistemas de ensino. Em 1931, foi no- meado diretor de instrusao publica no Rio de Janeiro, entio capital do Brasil, ¢ criow uma rede municipal de ensino que ia da escola priméria 4 universidade, Foi perseguido pelo governo Vargas, demitiu-se do cargo ¢ voltou A Bahia, mas no se aftstou da educagio. Em 1947, assumiu a pasta da Edueago naquele estado e teve (a partir de 1952) uma atuagao bastante signifi- cativa no Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos *, valorizando a pesquisa educacional no Brasil. Nas varias atwag6es em sistemas de ensino, Anisio Teixeira lutou pela implantagdo de escolas publicas de todos os nivels, que reHletam seu objetivo de oferecer educagao gratuita para todos. Em, todas as suas obras ¢ na atuagto plblica, defendeu a educagao como um dixsitede. todos. TOGBUUAN ee snl vad tr tle) euleareeedn etaea cab conse diseito de todos e, portanto, da escola publica, Anisio Teixeira foi um dos “.ignatérios do Manifesto dos Pioneiros da Edueagio Nova (1932), que divulgava as diretrizes de um programa de reconstrugio educacio- nal para o pais” (Nunes, 2000, p. 11). Mais tarde foi um dos princi- pais idealizadores da Universidade de Brasilia (UnB), da qual assumiu a reitoria, em 1962, Sua trajetéria demonstra a busca pela efetivagtio das ideias nas quais acreditava, ja que atuou em diversos cargos nos quais esteve A frente de diversos ongaos oficiais de educaeto, Segundo Nunes (2000, p. 13): a, O Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos (Inep) atualmente secebe o nome de Anisio Teixeira ¢ contious atuante na area da pesquisa eduucacional. Para saber mais, acesse 0 sequinte site: chtip://vwyinep.govbr>. Acesso cm:-4 msio 2011, Antsio Teixeira fex parte de uma geragto de intelectuais cxja preccu- paca maicr, na primeira metade do séeulo XX, foi organizar a nagiio ce forjar 0 povo através de uma cultura que procurava assegurar a sua unidade pela instrusao palblica, pela reforna do ensino e pela constru~ fo de um campo cultural « partir da untversidade, Essa preceupasao Levot-o, como outros educadores que Ube foram contempordneos, a uma relagao contraditéria com 0 Estado No que se refere & concepgio de educagao, inspirou-se muito nas ideias de Dewey, de quem foi aluno de pos-graduagéo nos Estados Unidos. Com base nesse autor, defendeu que a escola deveria se preocupar em superar a mera instrugao, educando as novas geragOes para um futuro incerto; em vez de transmitir verdades acabadas, ensinar a viver com tolerancia e felicidade. Por isso, a defesa da reforma da escola, funda- mentada nos estudos da psicologia infantil. Fonte: Adapeado de Briza, 2008; Ferrari, 20083; Nunes, 2000. John Dewey (1859-1952), “fildsofo, psicdlogo ¢ pedagogo Liberal norte-americano” (Gadotti, 1995, p. 148), 6 considerado pai da Escola Nova. Foi professor na Universidade de Michigan e de~ pois na de Minnesota, onde influenciou direta~ mente a criagdo do Departamento de Pedagogia da instituigio. Seu interesse por essa area se deu por ele considerar que a escola de seu tempo era orientada por valores antigos, que nao incorporavam as descobertas da psicologia ¢ no contribuiam para a formacdo de uma socicdade democrati- ca (naquela em que ha, segundo Dewey, igualdade de oportunidades). Para Dewey: 8 conecimento & uma atividade dirigida que nio tem um fim em si mesmo, mas esté voltade para a experiéncia. As ideias sao bipéteses de asi @ séo verdadeiras & medida que funcionam como orientadoras ta agao. Poratnot fem valor instrumental6 para resolver os problemas solrcades pela experincia humana, (Aranha, 19%, p, 171) Por acreditar que 0 conhecimento s6 tem valor quando orienta a ago, Dewey demontra uma concepgio utilitaria, pragmatica, do saber. Nesse sentido, defende que a escola deve deixar o carater intelectua~ lista e de memorizagio ~ preparagao para o futuro ~ e passar a permitir que os alunos, por meio de uma metodologia ativa, sejam estimulados a experimentar ¢ pensar por si mesmos. Por isso, a escola deveria ser um espaco que representasse, simulasse, 0 que a crianga vivia em seu dia a dia. Aos alunos caberia o papel ativo de reconstruir e reorganizar as experiéncias vivenciadas e, com isso, desenvolverem-se nao s6 cognitiyamente, mas também nos aspectos fisico e emocional, Os alunos deveriam ser incentivados a terem uma postura ativa, de aprender fazendo. Por isso, Dewey enfatizava as ati- vidades manuais, “que apresentam problemas concretos para serem resolvidos. Além disso, 0 trabalho desenvolve o espirito de comuni- dade, a divisio das tarefas estimula a cooperagdo e 0 espirito social” (Aranha, 1996, p. 171). Nessa configuracio, a nogao de disciplina também se altera significa- tivamente, Em vez de controle (de fora para dentro), Dewey defen dia 0 espirito de iniciativa ¢ independéncia, que desenvolveria a au- tonomia, tdo necessiria a uma sociedade democratica. Afirmava que 0 aprendizado pode ocorrer quando compartithamos experiéncias, ¢ isso 56 6 possivel num ambiente democrittico, no qual no haja receios ¢ todos tenham espaco de manifestagao. Mesmo propondo a formagiio para a democracia, Dewey nfo preten- dia, em momento algum, a superagio da sociedade capitalista. Ele ndo questionava os valores burgueses, elemento apontado por auto- res socialistas como uma das limitagoes de sua obra e fator pelo qual ele é caracterizado como um autor que segue a concepeio liberal de educagito. Gadotti (1995, p. 149) afirma que “Dewey priorizava 0 as- pecto psicolégico da educagio, em prejuizo da anilise da organizagio capitalista da sociedade, como fator essencial para a determinagio da estrutura educacional”, Seu grande mérito foi ter sido um dos primeitos a chamar a atengio para 0 fato de que 0s alunos nao sio eros depositarios de informa~ (Ges, mas que, a0 contririo, refletem, constroem hipéteses, enfim, pensam, Fonte: Adaptado de Ferrari, 20086, Ramalho, 2008, Inge Renate Prise Suhr yg 299g euy 284 | #Tscola Nova na vertente diretiva O papel da escola continua sendo o de adequar as pessoas a sociedade Vigente, mas muda a compreensio de como isso se efetiva. Em vez de repassar os conhecimentos considerados ne- cessiirios, a escola precisa “adequar as necessidades individuais ao meio social ¢, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar, © quanto possivel, a vida” (Libaneo, 1990, p. 25). Por meio da valorizacao do conhecimento que o aluno ja tra- zig, a instituigao escolar deveria estimuli-lo, por meio da vivéncia de experiéncias diversas, a construir o conhecimento, Como essas experiéncias deveriam retratar a vida em sociedade, aos poucos 0 aluno iria adequamdoscts interesses aos da sociedade. A vivéncia democratica dentro da sala de aula seria uma estratégia de grande importancia para a construgao de uma sociedade pautada nos con- ceitos democraticos. Nessa nova configuragio, 0 papel dos conteticos do ensino mudou radicalmente. Mais importante do que a quantidade de contetidos aprendidos, valorizava-se 0 processo de aquisigio des- tes ¢ a sua selegio se daria “a partir dos interesses ¢ experiéncias vidas pelos alunos” (Gazim et al., 2005, p. 44). Uma autora que contribuiu muito com a construgao dessa concepgio foi Maria Montessori, que apontava a necessidade de a organizagio desses contetidos ser estruturada de modo a promover desafios cogni- tivos e situacoes problemati as a serem resolvidos pelos alunos coletivamente. Assim, indiretamente, os alunos desenvolveriam habilidades de convivéncia em grupos e, principalmente, de apren~ de der aap E possivel verificarmos um deslocamento do eixo da educacao do contetdo para o método, como veremos a seguir. Maria Montessori (1870-1952) foi a primei- ra mulher a se formar em Medicina na Universidade de Roma ¢ logo comesou ase dedicar ao estudo de criangas porta~ doras de deficiéncias, que, na sua época, eram excluidas da maioria das ativida- des, Assim, seus estudos na area educa- cional comegaram com a defesa do direito dessas criangas. A autora organizou um método pelo qual as criangas portadoras de deficién~ cias pudessem aprender e, com 0 passar do tempo, passou a utilizar esse mesmométodonasescolasregulares—queelaconsideravainadequadas-, com bons resultados. Por isso, Montessori defendia salas de aula com objetos pequenos, adequados ao tamanho das criangas. A pedagoga via o ambiente de aprendizagem como um espago no qual era desejavel que os alunos circulassem, manipulando os diversos materiais. Para isso, criou uma enorme quantidade de jogos ¢ materiais pedagégicos, que tinham o foco na estimulagao sensério-motora € que ainda sao utilizados até hoje, principalmente na educagao infantil. Entre esses materiais, po- demos citar o material dourado, ainda muito usado hoje no ensino de matemiatica®. Montessori defende a atividade livre concentrada, ou seja, entre os varios materiais disponiveis no ambiente da sala de aula, o aluno es- colhe o que deseja usar em cada dia, E importante ressaltar que todos os materiais de ensino propostos para uma determinada fase devem ser cumpridos pelo aluno, mas ele escolhe a ordem. Ao professor cabe © papel de dirigir a atividade de cada aluno, mas nfo propriamente ensinar. Fonte: Ferrari, 2008h. , Caso voce queira saber mais sobre esse material, acesse o seguinte fink: . Acesso em: 4 maio 2011. Inge Renate Frise Subr | 95, Segundo Gadotti (1995, p. 151), Montessori se propunha a promover a autoeducagao da crianga, colocando meios adequados de trabalho & sua disposigao. O método de ensino se baseia no aprender fazendo, de modo 2 mnctodo deensin que eram valorizados “a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural ¢ social, o método de solugao de problemas” (Libanco, ~patural ¢ social, 01 1990, p. 25). O aluno deveria estar sempre em atividade, em grupos, condigao necessaria para seu desenvolvimento mental. O método de ensino, baseado na ideia da pesquisa, tinha a seguinte estrutura: a, colocar 0 aluno numa situagdo de experiéncia que tenha um interesse por si mesma; 4 0 problema deve ser desafiante, como estimulo a reflexdo; ©. 0 aluno dewe-dtisporde_informagies e instrugoes que lhe permitam pesquisar a descoberta de s pes; d. solugées provisérias devem ser incentivadas e ordenadas, com ajuda discreta do professor; e. deve-se garantir a oportunidade de colocar as solugées a prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida, (Libaneo, 1990, p. 26) As atividades eram organizadas segundo os principios de individuagao, liberdade e espontancidade ¢ exigiam que houvesse muitos recursos didaticos 4 disposigao. Podemos perceber que ogprofessor, ness linha pedagégica possuia um papel secundiirio, deixando de ser o agente principal na sala de aula e passando a assessorar o grupo no seu trabalho de des- ecessoranaipmupo ho sentra coberta. Portanto, mudou radicalmente a relac’o professor-aluno. Segundo Gazim eral. (2005), professor passow a servis daaprendizagem, funcionando como apoio ¢ auxilio no desenvolvimento ine ¢ espontaneo da crianga. O aluno, por sua vez, passou a ser o ator princi taneo di: oO te 0 centro do processo de ensino-aprendizagem. Nessa configuracao, o_professor nao deveria ensinar, trans mitir o conhecimento, e sim criar condigdes para que os alunos aprendessem, A organizagio do trabalho em grupos, de um ambiente estimulante, da vivéncia de relagGes interpessoais ricas era a principal responsabil A disciplina enrsatrmmo deveria ser imposta, mas negociada com 08 alunos, com o objetivo de promover um clima harmonioso. idade do professor, mas 0 proceso de Para Libaneo (1990, p. 26), “a disciplina surge de uma tomada de consciéncia dos limites da vida grupal; assim, aluno disciplinado € aquele que 6 solidario, participante, respeitador das regras do grupo”. A concepgio de aprendizagem que fundamenta essa forma de organizagao € 0 interacionismo construtivista, baseado princi- palmente nos estudos de Jean Piaget. Para esse autor, 0 homem nstri o conhecimento durante sua vida, na interagio homem- meio. A crianga passa, segundo esse pensador da educagio, por liversos estigios de desenvolvimento cognitivo, que devem ser res- peitados para que a aprendizagem ocorra. Por isso, a escola deveria promover a autoaprendizagem, na qual o ambiente — inclusive 0 professor inserido nele - € mero estimulador, A motivagio para aprender dependeria “da forca de estimulagao do problema e das lisposig6es internas e interesses do aluno” (Libiineo, 1990, p. 26). 8 & 2 ze Osuigo Jean Piaget (1896-1980) crabislogo € se tornou referéncia mundial no que se refere & psicologia evolutiva, Estudou as caracteristicas do pensamento infantil € concluiu que 0 desenvolvimento cognitivo seguiria, em todas as criancas do mundo, uma série de estagios naturais. Com base na observagio sobre como as crianeas compreendem tempo, espago, causalidade fisica, movimento e velocidade, criow um campo de investigagio: a epistemologia genética. Piaget mostrou que 0 raciocinio da crianga niio ¢ igual ao do adulto, afirmando que o pensamento infantil passa por quatro estigios, desde © nascimento até o inicio da adolescéncia, quando a capacidade plena de raciocinio é atingida. Para Piaget, esse processo de desenvolvimento era natural e se dava por meio de dois mecanismos: assimilagio ¢ acomodacao. Para 0 cientista suico, nenhum conhecimento chega ao aprendiz sem que sofra algama alteragto por parte dele, que age cognitivamente sobre 0 objeto, A aprendizagem so ocorre se a propria crianga descobe 08 conceitos agindo sobre o ambiente, 0 que minimiza o papel do professor ¢ coloca o aluno como o centro da aprendizagem. A aco € " primordial, j4 que 0 pensamento ldgico se desenvolve com base nela, interiorizando-a, Fonte: Adaprado de Ferrari, 2008; Terra, 2011, Como 0 objetivo nao era a transmissao de conhecimentos, 0 pensamento de Piaget mudou radicalmente a concepgao de ava fio. Nato se tratava mais de averiguar quanto o aluno ti uo resultado -, e sim do daquilo que o professor repas: verificar o processo de aprendizagem. Passou-se a valorizar a par- ticipacao, os aspectos afetivos (atitudes), a assiduidade, a respon- sabilidade, 0 interesse do aluno. Cada um deveria ser avaliado segundo seu nivel de desenvolvimento e, por isso mesmo, nio haveria por que determinar niveis minimos a serem alcancados por todos os alunos. O esforgo deles deveria ser mais valorizado, j& que a énfase era mais no processo de obtengaio do conhecimento ¢ nado tanto em seu resultado. A Escola Nova na vertente nao diretiva A Escola Nova nao diretiva se apoiava principalmente no pensa- _Libaneo (1990, p. mento do psicélogo Carl Rogers, 227) afirma que que via a aula muito mais como um | todo o esforgo da momento terapéutico do que de en- __ escola esta “em es- sino. Paraessa linha,o papeldaescola. tabelecer um clima também era preparar_o individuo —fayordvel a uma Para_desempenhar—papitie reer mudanga dentro mas isso se daria por meio do.auto-! do individuo, isto , lesenvolvimento e da realiz é,a uma adequacio oa, SES or dirigis re — Bisse © GUE pessoal a solicita- acontecia em sala, estaria dificultan- ds . ” ces do ambiente”. do, cerceando o desenvolvimento Inge Renate Fri F individual, tinico para cada crianga. Dai o “nao diretivis- mo”, ou seja, abria-se mao de ditigir 0 processo pedagégico (ensinar) em detrimento do respeito ¢ valorizagao dos as pectos psicolégicos. Ao se re- ferir a essa concepgao, Libaneo (1990, p. 227) afirma que todo o esforgo da escola esta “em es- tabelecer um clima favoravel a uma mudanga dentro do indi- viduo, isto €>2 1 A fungio do professor “restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, utilizando técnicas de sensibilizagio onde [sic] os sentimentos de cada um possam ser expostos, sem ameacas” (Libaneo, 1990, p. 27). pessoal a solicitagées do ambiente”. Rogers considerava que 0 oferecimento de um clima que favorecesse a realizagio pessoal ¢ 0 autodesenvolvimento faria com que o educando se desenvolvesse de forma integral e, a partir disso, se sentisse bem consigo e com os outros. Por isso, para esse autor, uma boa educagao é seme- Ihante a uma boa terapia. Carl Rogers (1902-1987) nasceu em Oak Park, Illinois, Antes de se tornar psicdlogo, foi pastor, estudou teologia e com base nesse trabalho comegou a se interessar pela psi- cologia, Nessa drea, seu trabalho teve ini- cio com criangas que tinham sido vitimas de maus-tratos e, a partir dai, desenvolveu suas teorias sobre a personalidade ¢ a pré- tica terapéutica. Seu pensamento tem um carter mar- cadamente antiautoritario, No campo da educagio, isso se refletiu de modo que sua atengao principal foi a relagao professor-aluno. Defendia que entre professor-aluno nao deveria ha-~ ver hierarquia, ¢ sim um clima de total confianca. A avaliacio, a re~ compensa ¢ a punisao sao priticas condenadas por Rogers, para quem a tinica avaliagio verdadeira é a autoavaliagdo ¢ qualquer tipo de re~ forco (recompensa, punigiio) seria pernicioso para o desenvolvimento da personalidade, Para esse autor, a mudanga de comportamento s6 se dé por meio de uma aprendizagem significativa, que provoca uma transformagao in- terna na pessoa, Para se tornar uma pessoa saudavel, o individuo deve aprender a ouvir a si mesmo e a satisfazer seus proprios interesses. Nessa concepsio, 0 professor, assim como o terapeuta, deve facilitar esse proceso, mas jamais dirigi-lo, interferindo nele. Foate: Fonseca, 2011. Inge Renate Frise Suh | Te ayony aneusy 384q J ay Os contetidos de ensino também nao possufam relevancia nessa concepgao: o importante seria estabelecer condigdes, permitir que.gs alunos estudassem por si proprios, seo desejassem. Mas, em Ultima instancia, os conhecimentos eram dispensdveis, servindo apenas como meios para o autodesenvolveimento. Nessa configuracio, o método de ensino também seria dis- pensvel, devendo cada-professor desenvolver seu estilo proprio, com 0 intuito de ‘uct a aprendbeagon B RGIG Te docente “restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, utilizando técnicas de sensibilizacio onde [sic] os sentimentos de cada um possam ser expostos, sem ameacas” (Libaneo, 1990, p. 27). O professor passava a ser, em vez de “transmissor do saber”, um especialista em relagées humanas. Para assegurar 0 autodesenvolvimento, a relagio professor-aluno deveria ser pessoal. O professor deveria aceitar 0 aluno tal como ele ¢, intervindo o mi- nimo possivel, pois @ intervengao poderia ameacare inibir 0 aluno. O centro do proceso educativo € portanto, o aluno, cabendo ao professor 0 papel secundirio, de facilitador do autodesenvolvimento. Desse modo, a concep- do de disciplina mudou radicalmente em relacio 4 pedagogia tradicional ¢ ocorreu um afrouxamento das normas, A autoridade do professor se diluiu, scu papel ¢ o do aluno se confundem, O elemento que favoreceria a atengio do aluno seria a motivacao, proceso interno ao individuo, que aumentaria A medida que o aluno se sentisse capaz de agir em prol de suas metas pessoais. Aaprendizagem para essa concepgao é um processo interno, de modificagao das préprias percepgoes sobre si ¢ sobre o mundo, que € desencadeada pelas vivéncias, pelas experiéncias do aluno. Para efetivar esse processo, propunha-se um método clinico, base- ado em Rogers, que valorizava os aspectos emocionais, a aceitagaio do aluno pelo professor. Algumas técnicas comuns nessa vertente sio os trabalhos em grupo, as pesquisas, os jogos, as experiéncias, as dinamicas de grupo, entre outras. A autoayaliagao é a forma privilegiada de acompanhamento do processo, pois o saber s6 tem relevancia se com base no significado que tem para cada individuo. Por isso, as atividades avaliativas aconteciam por meio de debates entre os alunos, relatérios de pesquisas, trabalhos em grupo, sempre privilegiando o “aprender a fazer fazendo”. 34 vedagogia tecnicista r ( +) Sa ata apt l - \/utra vertente das pedagogias nfo criticas é a tecnicista, que ganhou forca no Brasil no decorrer da ditadura militar que se instituiu no pais de 1964 a 1985. As duas leis que regulamen- tavam o ensino, promulgadas pelo governo militar, no caso, a Lei n° 5.540/1968 (Brasil, 1968) — ensino superior — e a Lei n° 5.692/1971 (Brasil, 1971) — ensino de 1° 2° graus —, represen- tam a consolidagao do tecnicismo em nosso pais. A pedagogia tecnicista pretendia introdw m —— eee ore nando-a mais eficaz ¢ Como nesse periodo o Estado brasileiro implementou o desenvolvimento industrial do pais, atraindo principalmente empresas multinacionais, a formacio da mao de obra vequcs © mercado de trabalho passou a ser o principal papel da escola. aio mais De todas as concepgées, a tecnicista é que propée a re! iata entre a educagio co sistsmeprodutivo, dirigindo todas als suas ages para o resultado final a ser aleangado: formar o pro- Tstonal desepact sociedade industrial e tecnolégica. Inge Renate Frése Sube | ‘ aa ovgug areudy 38 A escola deveria modelar 0 comportamento dos estudantes por meio de técnicas especificas, promovendo a “aquisicio de habi- lidades, atitudes ¢ conhecimentos especificos, titeis e necessarios para qu integres ina do sistema social global” (Libaneo, 1990, p. 29). As técnicas para modelar esse com- portamento eram, segundo a concepgio tecnicista, aplicagao de descobertas da psicologia, principalmente do behaviorismo, que entendia a aprendizagem como modificagio do desempenho e afirmava que: o bom ensino depende de organizar eficientemente as condi- cies estimuladoras, de modo que 0 aluno saia da situagao de aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, 0 ensino & um processo de condicionamento através do uso de reforgo das respostas que se quer obter. (Libaneo, 1990, p. 30-31) Libaneo relata que, para tecnicismo, o objetivo da ciéncia tur pedagdgica era, a partir da psicologia, descobrir as leis n que causam a aprendizagem ¢ aplica-las, O condicionamento operante, descrito por Burrhus Frederic Skinner, foi o grande caminho proposto para a aprendizagem. um importante sociélogo norte-americado da corrente behaviorista®. Levon ao extre- mo a ideia de que o comportamento hu- mano poderia ser moldado ¢ controlado. Entendia 0 aprendizado como um agente de mudanga do comportamento € propunha © condicionamento operante — premiagio da resposta correta de um individuo a um es- timulo até ele ficar condicionado a associar a necessidade a agdo ~ como estratégia privilegiada. O termo criado por Skinner para explicar como 0 condicionamento operante produz a aprendizagem de novo comportamento é madelagem e seu instramento fundamental é 0 reforgo. Este, que é a consequén- cia de uma acho, percebida por aquele que a pratica, pode ser positive (recompensa) ou negativo (ago que evita um resultado indesejado). Skinner acreditava mais no poder do reforco positivo e indicava que se evitasse 0 reforco negativo. ‘Como achava que a aprendizagem é um mero proceso de condiciona~ mento, num livso publicado em 1968, intitulado Teenelogia do ensino, Skinner desenvolven a ideia de que uma organizacio clara do material didatico, na qual o aluno pudesse progredir sozinho, sendo reforcado a medida que executava corretamente as instrugdes e avangava no co~ nhecimento, poderia ser um excelente meio de ensino. O autor cha~ mou essa organizacao do material didatico de mdquinas de ensinar. Fonte: Adaptado de Ferrari, 2008e, ¢. Segundo Barros (1995), o termo bebaviorisno vem de dehaviar (Ycomportamento”,em Inglés). Consiste na corrente que defende que o comportamento human é um conjunto de reagbes do organisino aos estinulos exteros, Leva em conta apenas 0 que ¢cienifcamente ‘bservivel,o que exchii os estados mentas ou subjetivos (elementos como consciénca, vonta~ de, inteligéncia, emogao e meméria). Inge Renate Frose Suhr | Os contetidos a serem ensinados deveriam ser baseados em “informacées, princfpios ¢ leis, organizados em uma sequéncia logica e psicolégica, estabelecida ¢ ordenada por especialistas” (Gazim ct al., 2005, p. 44). Como os contetidos eram ordenacdos © definidos fora da escola, 0 professor tinha o papel de clo entre a verdade cientilica ¢ o aluno, sendo visto como um “técnico res- ponsivel pela eficiéncia do ensino, quem administra as condig6es de transmissio da matéria” (Gazim et al., 2005, p. 45). Ounerrtotteensinadeveria ser impessoal, eficiente, cien- tificamente comprovado. Para Libaneo (1990, p. 30), as etapas do processo de ensino-aprendizagem segundo o tecnicismo sags ajo estabelecimento de comportamentos terminais, através de objetivos instrucionais; ») andlise da tarefa de aprendizagem a fim de ordenar se~ quencialmente os passos da instrugao; executar 0 programa, reforcando gradualmente as respos- Utilizavam-se como estratégias 0 microensino € a instrugao programada, que permitem o controle efetivo dos resultados, ¢ todas us atividades coletivas de discussao, reflexdo ou debate cram ———— do ensino. A avaliacao deveria permitir 0 controle dos resultados de maneira quantitativa. Ocorria principalmente por meio de testes objetivos aplicados mediante provas, sempre ao final de um periodo letivo (bimestre, etapa, médulo). Mesmo quando estas permitiam que o aluno escrevesse sua resposta, esta deveria ser exatamente a que estava nos livros ou apostilas. Portanto, nao havia espago para © pensamento criativo, divergente, pretendendo-se, por meio da avaliagfio, garantir que todos os alunos saissem do processo mais ou menos “iguais’, , Como 0 foco era a objetividade, a ee e aluno também deveria ser estruturada e objetiva-eada um tendo papéis hem-clazes. Ao primeiro, como ja vimos no aig ante rior, cabia a transmissao do contenido se; Arridas pelos especialistas, Ao segundo, mers como individuo responsivo‘, cabia um papel passivo, de aceitagao do ensino que lhe era imposto. Os aspectos afetivos ¢ pessoais eram descon- siderados e 0 educando era submetido a um rigido controle do comportamento, “a fim de ser levado a atingir os objetivos previa- mente estabelecidos” (Gazim et al., 2005, p. 42). Diferentemente das concepgies tradicional e da Escola Nova, nem professor nem aluno eram 08 atores principais segundo 0 tecnicismo, ¢ sim o material instrucional ¢ 0s recursos tecnolégicos, Os livros, os manuais ¢ as apostilas agsumiam-uin papel central. Eram planejados e escrito por tecnicos consi- derados especialistas em cada area, cabendo ao professor apenas a sug-aplic cago exatamente como estava descrito no manual do professor. Os recursos audiovisuais (projetor de slides, retroprojetor, aparelhos de som e video etc.) completayam o quadro, assumindo grande importancia. Foi no perfodo em que a pedagogia tecnicista ganhou forga (Ditadura Militar) que se instituiu, no curso de Pedagogia, a divi- sao em habilitagées diversas e, portanto, a formagao fragmentada, exatamente nos moldes da organizagao da industria da época. E nesse periodo que o papel do pedagogo se tornou mais fragmen- tado, sendo o supervisor escolar o profissional responsivel pelo controle das agdes a serem executadas pelos professores com base nas determinagées vindas de instancias superiores. Ao orientador educacional cabia 0 papel de aconselhamento, orientac4o de estu- dos e, principalmente, orientacdo vocacional aos alunos. AU. Entendemos por indivvduo responsive aquele que age por reayio, em resposta a algum esticnulo. Inge Renace Frose Suhr | A F\ influéncia das concepgies pedagégicas nio criticas (tradicio- nal, nova ¢ tecnicista) pode ser detectada no senso comum e na pratica pedagégica de alguns professors. Ainda ha quem fale (¢ também aja assim) em “assistir aula’, como se aluno fosse um ser passivo a quem o professor, ator principal, repassa 0 saber; vivenciamos situagdes em que a disci~ plina, em vez de ser negociada, é imposta autoritariamente; vemos alunos decorando a matéria um dia antes da prova, pois receiam esquecer tudo se estudarem antes disso; observamos professores elaborando provas com o objetivo de castigar alunos que, em sua opiniao, nfo se comportaram adequadamente nas aulas... Esses elementos sao oriundos da concepgio tradicional e, mais do que isso, significam uma leitura equivocada, fossilizada, de procedimentos que se engessaram ¢ dos quais grande parte de nés ja no sabe o significado. E preciso, no entanto, reconhecer que a concepeio tradicic trouxe algumas contribuicoes de ¢ 1e importancia para a ao. A primeira delas é a dofesa da escola para todos, pre- sente no inicio da consolidagio da burguesia no poder e razio pela qual se estruturou a pedagogia tradicional. A outra é a busca do tabelecimento de um método de ensino cientificamente estru- wodo. Sem divida, é um passo de grande importancia reconhecer que a educagao precisa ser realizada com base em conhecimentos cientificos e nao apenas baseada no bom senso. Finalmente, hoje temos clareza de que 0 acesso aos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, mas de maneira significativa e com- preensiva, e um elemento de peso na luta por uma sociedade mais justa e democratica. Também a Escola Nova, que se desenvolveu no Brasil prin- cipalmente a partir dos anos de 1920, combinando elementos das vertentes diretiva e nao diretiva, ainda estd presente. Embora tenham sido poucas as escolas e os sistemas de ensino que real- mente se organizaram integralmente segundo esses preceitos, a formagio dos profissionais da educacio foi fortemente influenciada por eles. Os professores passaram a ser formados para perceber e res peitar as diferengas individuais, estimular cada aluno de acordo com seus interesses e promover a vivéncia democratica dentro da sala de aula. Este passou a ser o papel do pedagogo (orientador educacional) segundo a Escola Nova: promo- ver aces de orientacao vocacional, para o lazer, social, psicolégico- -emocional, de estudos, sempre utilizando como método a orientagao de grupo (Pimenta, 1991) e buscando a integra- cdo entre os interesses e necessidades individuais A formagio dos pedago- gos foi fortemente influenciada pelo ideirio da Escola Nova ¢, com foco no desenvolvimento integral ¢ harmonioso do aluno, passou a se reconhecer a neces- sidade de a escola contar com um profissional no docente que orientasse o aluno. De certo modo, como reflexo de praticas e concep- g6es que ficaram arraigadas, ainda hoje alguns professores enxergam o pedagogo — prin- cipalmente se na escola houver © 08 da sociedade. Inge Renate Frise Suhr | 1 a figura do orientador educacional — como defensor incondicional dos alunos, o que pode gerar tensGes entre esses dois profissionais. E necessirio que professor ¢ pedagogo lutem juntos para superar essa aparente contraposicao procurando melhorar constantemente © processo de ensino-aprendizagem. As propostas do tecnicismo também sao perceptiveis no modo como muitos educadores pensam ¢ agem. Exemplos disso sio a énfase na formacio para o mercado de trabalho, a superva- lorizagao dos recursos audiovisuais, a cobranga de resultados por meio de avaliagdes externas (Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, Prova Brasil etc.), a ideia de que o aprofundamento dos conhecimentos nao é necessario, bastando apenas © “saber fazer”. ‘Acteditamos que cada profissional da educacao individual mente ¢ a escola como coletividade precisam fazer um inventirio de quais siio as concepgbes que, mesmo inconscientemente, dirigem sua pritica, $6 assim podemos superar o senso comum pedagdgico eagir de maneira mais consciente, reflexiva, cientifica na educagao. Sintese T Neste capitulo, vocé foi levado a observar como inicialmente © capitalismo defendia uma educagio revolucionaria, estendida para todos, € como, com o tempo, a medida que a burguesia se estabelecia como a nova classe dominante, seus ideais foram se modificando e j4 no houve mais 0 desejo de que todos tivessem educagiio de qualidade. Isso porque 0 conhecimento confere po- der, permite que as pessoas compreendam a realidade de maneira ampliada ¢ se tornem mais criticas. Assim, foram surgindo propostas de encaminhamento da educagio que se efetivaram nas escolas dirigidas as camadas domi- nantes (tais como a Escola Nova) ou entao que defendiam o dis- ciplinamento ¢ a formagio restrita para o mercado de trabalho (como era a proposta tecnicista). Abordamos também o papel da escola, do professor, do aluno, dos contetidos ¢ da avaliagdo em cada uma das tendéncias nao criticas, de modo que voce pode agora reconhecer as influéncias destas na pratica educativa da atualidade.

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