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LINGUAGEM, ESCRITA E PODER Maurizio Gnerre NS Sssit? ti be a wmfe ‘net etampriniin on iy hw ine com noice, Apresentacio Capitulo 1 — Linguagem, Poder Diseriminasio Introdusio. 1. Uma perspectiva historia, 2. Uma perspectiva linguistca 3 Gramitica normative e discriminacio. Referencias bibliogréficas, Capitulo 2— Consideragdes sobre © campo de estado da exert " Introdugso, 1. constituigdo do campo de pesquisa da [As erengaw sobre a excita 1s davides sobre a eserita scsi alfaboticas ¢ nao alfabeticas a 0 estudo da linguagen " 1s 4 3 2.Algumas contribuigées. recentes. ps campo de estudo da eserita 1 Algumss posigdes teorias, 22 Contribuigoes de psicologose antropologos Referencias bibliogrficas. Capitulo 3— Da oralidade para a exert tessa de “redugio" da Hinguagem ae 0 ” 01 APRESENTACKO No quadro deficitario e deformado da edu cago brasileira, ¢ lugar-comum alarmar-se dian teda fragilidade do desempenko verbal — sobre. tudo, escrito — do conjunto de seus protagonis- tas, nao apenas discentes. Entretanto, raras ve- esesse alarme evolu claramente para uma ava Tiagao eritica séria abrangente dos problemas dediferentes ordens manilestados nessa area. Ge ralmente, ee tende a diluirse nas formulas bem Conhecidas do conformismo didatico de teenicas Supostamente motivadoras e eriativas. A evitar atitudes desse tipo, ¢ preciso atentar, pelo menos, para uma exigencia basica’ a adogao de wim pon {o de vista ndoconvencional sobre a linguagem, Sia natureza, seus modos de funcionamento, suas ‘ventas Finalidades, suas relagoes com a cultura tas implicagdes complexas que ela mantém com f ideologia. E preciso partir de uma concepyto de linguagem que nao a confine 8 uma coletanea Srbitraria de regras e excegoes, e, tampouco, a tim rigido bloco formalizado, imune as variagoes te dilerencas existentes nas situagoes concretas LINGUNGEM, PODER E DISCRIMINACAG. Introducio A lngsigeed ato € used sorscat'pata cular informagbes, sto, a fungao referencal de- fottivada linguagem nig €senao uma entre ow trejente esas octpa uma posi central fu te de comanica ap ouvintcaposigho que ofa Tante ocupa de fate ou acha que acupa a soci dade em que sive. As pessoas falam para serem "auvhas Ss venss pa stern espctoo ¢am bm para cxrcer uma influsncia noamblente em Que realism os aiosingstcos.© pater da pa invrao poder de mobiliaraautoriodescurt lada pelo alate e concentra nam ao guts seo (Bourdieu 1977) Ox casos mais evidentes em relago a tal afirmagso sto amber os mais cx tremos: discurso politico, sermio na ipreja, au. laetc. As produgdes linguisticas deste tipo, e tam, bem de outros tipos, adquirem valor se realiza das no contexto social e cultural apropriado, As regras que governam a produce apropriada dos atos de linguagem levam em conta as relagdes so. ciais entre o falante ¢ o ouvinte. Todo ser huma. no tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, sto é, tem que “saber”: a) quando pode falar e quando nao pode, b) que tipo de conted- dos referenciais Ihe so consentidos, ¢) que tipo de variedade linguistica ¢ oportuno que seja usa- dda, Tudo isto em relagao a0 contexto linguistico ‘eextralinguistico em que o ato verbal é produzi- do, A presenca de tais regras ¢ relevante nio s6 para. falante, mas tambem para oouvinte, que, com base em tais regras, pode ter alguma expec- tativa em relagdo 8 produgao linguistica do fa lante, Esta capacidade de previsao ¢ devida ao fa- to de que nem todos os integrantes de uma so- ciedade tém acesso a todas as variedades e mui- to menos a todos os conteudos referenciais. So- ‘mente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a uma va- riedade “culta” ou “padrio”, considerada geral ‘mente lingua” © associada tipicamente a con teudos de prestigio. A lingua padrao é um siste- ‘ma comunicativo ao alcance de uma parte redu ida dos integrantes de uma comunidad; € um sistema associada a um patrimnio cultural apre- sentado como um “corpus” definido de valores, fixados na tradigao escrita Uma variedade linguistica “vale” o que “ lem’ na sociedade os seus falantes, isto &, vale 6 como reflexo do poder da autoridade que eles tEmnas relagoes ecomomica e soca. Esta alr vedo é sala, evidentemente, em termos “i Tema” quando confrontamos varicdades de uma Ireama mgua,c-em trmos exicrnos” peo pres Aigldas Iinguas no plano internacional. Houve {ova em queoirances ocupava a posse mats Tang la datos crnactna ds tas depois fia ver daascensaa do ingles. © pas sundamental na atmo de ina variedade dha wanda pa transmis de informagbes de tem pli “cultural Adilerenelagdo po tien um elemento fundamental pra favorecer a dferencagao linguist, As inguaseuropetas omecarama ser avsociadan&cnerita dentro de restos ambiontes de poder na cortes de prin Cipes-bispos, rls. e mperadores. 0 uso jridico divans ngs fo tamer deter pane para fk um forma esrita, Asin fot que Olalarde ede France pans a sera lingua fra sn varledade usada pola nobreza da SaxOnla posson a ser ling alema ete O cavo d histo dogalyo-portuguts é sig pecieos do portugus foram acen(uados talvez Jinosulo RI Estatendenin sreconbecer os Earaceres nis cspciicos ds ngs sre tugudse do galego, quando a regio de uso de tin centro poderoso,como ola Galicia, desde o steulo XL A lingun Inertia charmada galego rugués ques difundis na Peninsula Wbrica porte doseclo Xl ra aexpressso, no plano iui, do prestige de Santiago de Compos tc A associagéo entre uma determinada varie dade lingdistica e a escrita€ 0 resultado histor soindeo de peatgbesentre grupos seca que ‘ram ¢ so "ustarios” (ndo necessariamente fa Tantes natives) das diferentes variedades. Com a cemergéncia politica e econémica de grupos de tima determinada regiso, a variedade por cles tusada chega miais ou menos rapidamente a ser tssociada de modo estivel com a escrita. Asso- ciara uma variedade linguistica a comunicagio ‘escrita implica iniciar um processo de reflexio sobre tal Yariedade e um processo de “elabora ‘G30" da mesma, Escrever nunca foi e nunca vai Sera mesma coisa que falar: ¢ uma operagao que influi necessariamente nas formas escolhidas e nos conteudos referenciais. Nas nagoes da Euro pa Ocidental a fxacao de uma variedade na es: ‘rita precedeu de alguns séculos a associacio de tal variedade com a tradicdo gramatical greeo. latina, Tal associagio fo1 um passo fundamental 1 processo de “legitimagso" de uma norma. 0 conceito de "legitimago"¢ fundamental para se entender a insttuicio das normas lingulsticas. A legtimacio ¢ “o processo de dar ‘idoneidade’ ‘ou ‘dignidade’ a uma ordem de natureza politi: ca, para que seja reconhecida e aceita” (Haber ‘mas, 1976). A partir de uma determinada trad sao cultural, fot extraida ¢ definida uma varie ade Linguistica usada, como ja dissemos, em grt pos de poder, ¢ tal variedade foi reproposta co- ‘mo algo de central na identidade nacional, en ‘quanto portadora de uma tradigio € de uma cultura ‘Assim como o Estado ¢ o poder sto apresen: tados como entidades superiores e “neuiras", tambem o cdigo aceivo “olicialmente” pelo po- der ¢ apontado como neutro e superior, todos (0s cidadaos tem que produzilo e entendé-lo nas relages com o podet. M. Bakhtin e V. Vol6shi nnov emi sua obra de 1929 apontavam quatro pri ‘ipios orientadores de uma tipica visio “oficial” fe conservadora da linguagem dentro da tendén- ‘cla que ele chamava de “objetivismo abstrato”: 1. Alingua ¢ um sistema estivel, imutavel, de formas lingUisticas submetidas a uma norma for: necida tal qual conseigncia individual e peremp- toria para esta. 2.As leis da lingua sio essencialmente leis linguisticas especificas, que estabelecem ligagoes entre os signos lingsticos no interior de um sis: tema fechado. Estas leis so objetivas relativa- mente a toda conscigncia subjetiva 3.As ligagoes linguisticas espeeificas nada, téma ver com valores ideoligicos(artisticos, cog- nitivos ou outros). Nao se encontra, na base dos {alos inguisticos, nenhum motor ieologivo. En- trea palavra e seu sentido nao existe vinculo na tural e compreensivel para a conscigneia, nem vinculo artistic Ta ee ee seca Se nea ete eee oe eens ane ee ees erence arena Gece eae epee es 0 sendo esta a area da produgso linguistica mais dificilmente “apagada' pela instrucso. ‘A separagao entre variedade “culta” ou "pa rio” eas outras ¢ tao profunda devido a varios Imotivos; a variedade eulta € associada a eserita, Como ja dissemos, e € associada a tradigao gra matical; éinventariada nos dicionaries ea por tadora legitima de uma tradigao cultural e de tuma identidade nacional. Feste 0 resultado his- torico de um proceso complexo, a convergéncia ide uma elaboragéo historica que ver de longe. |, Uma perspectiva historiea Associara uma determinada varedade lin ust poder dacsrita for nos ultimos sew Tosca dade Media uma operagao que respondeu a cugtncls poltiease cultural: Bram grandes Fenles cotati, modcio de lingua de poder, na Europa da ldade Meta, Ae varsedades nda cas associadas com a escrila passaram por um Claro processo de "adequaga0” lexical e sintt fea, no qual o modelo era sempre o latim. Nas “obras de Rei Alfonso X, que “traduzia” no secu To XIII do latim para o castethano, encontramos ‘constantemente termos emprestados do latim e introduzidos na variedade usada com uma expli- ‘cago anexa: tirana, que guiere dezir rey cruel. Co- tocar uma variedade oral nos moldes da lingua cescrita tendo em vista a complexidade do latim) foi operacao complexa, principalmente na sinta xe. Na area das conjungacs ¢ da subordinagao, porexemplo, até oestabelecimento de expressdes do tipo "apesarde","afim dete a proce, foi demorado. Nos textos mats antigon ws ane ssidades que muita vee encomtramos sage Nidas exatamente ao fato de que umas voncg Ses usadas na lingua escritaesiavam ands ee fase de aoa sino. As ig nicaslevaram tempo para chegar-a ser vated des escrias de compleidae comparivel sap modelo'a que vssvam,o latim A set lp no proto de nag de uma normatfoiconwituida pa associa dae redage estaba comolingua ec com 2 traigsogramatial gro tin. Arai Iatcal ate comego da idate moderna ea se senda mente om sy ds lingua classes Pensamentoingistico grepo apontou ea minho da claboracaoideclogca de legiimagso ‘de uma variedade linguistics de prestigi. Dew de 0 "legislador”platonico que impoc ¢ enolic os nomes apropriados dos objeton até chega 8 tradi gramatcal divulgata,eotruurads al Sez na epoca alexandrina a elaboragio da ido. logiae da refleao clativas inguagom focons tant. Na nossa perspectva atl os primords desta tradigio da enpeculagio lingua se o- loca Plato a visio quase que mitica deum of finarioescothedor de nomes que atria oso Imes apopriados aos objeton Tal vio estaya al 4 longe do proceso declaboracao nos males oncetuas dentro dos quai for colocada al fa grega na idade alenandring, ema tarde lingua latina, Era insprada porém pela attude de fra contianga ‘na valor da lingua tia, aoe » merecia mitos de origem e especuilagio logico- Filosofia ‘Somente com a comeco da expansdo colonial ibérica, na segunda metade do seculo XV, € com ‘estruturagéo definitiva dos poderes centrais dos testados europeus, os moldes da gramatica greco- Tatina (segundo a tradigao de sistematizagao de Dionisio de Tricia) foram utilizados para valor zar as variedads ingulstcasescrta, associ ddas com os poderes centrais e/ou com as regides teconomicamente mais fortes. A afirmagao de uma variedade linguistica era, no caso da Espanha e de Portugal do fim do século XVI, uma dupa air magao de poder: em termos internos, em relagio as outras Variedades linguisticas usadas na epo- ceaque eram quase que automaticamente reduzi ddas a “dialetos” ¢, em termos externos, em rela: ‘¢40 as linguas dos povos que ficavam na drea de influéncia colonial. Na introdugio da primeira sgramatica de uma lingua diferente das duas lin- guas classicas, a da lmgua castelhana, de Anto: nio de Nebrija (1492), encontramos as justifica tivas da existencia da mesma gramatica. Tas jus tilicativas sao colocadas em termos de utilidade dda sistematizagao gramatical para a difusio da Iingua entre os povos "barbaros”. No contexto da corrida para as conquistas coloniais e da coneor réncia entre Espanha e Portugal ¢ lacilmente ex plicvel ofato de que comesasse a ser claborada para a lingua portuguesa uma construcao ideo- Togica para clevi-lae para ordenisla nos moldes ‘gramatieais. Fernao de Oliveita, na introdkigao da sua gramitica de 1536, mencionava @ expansio da lingua portuguesa entre os povos das terras B descobertas ¢ conquistadas. Foi Joo de Barros, porem, que realmente considerou 0 papel da lin fua portuguesa na expanséo colonial. O que ¢ re fevame aqui ¢evideneiar que nem Nebria, nem Femao de Oliveira, nem Joto de Barros percebe rama operacao da qual eles estavam patticipan. ddoem termos de uso interno da variedade "pra maticalizada”. A lingua era um instrumento eu Jo poder nas relagdes externas era reconhecido, ‘os autores, porém, ado mencionavam v instru mento de poder interno, apesar de termos alguns indicios também nesta diregao. Assim, Nebr ja escrevia na introdugéo da sua gramatica a lingua sempre acompanhow a dominacao a seguiu, de tal modo que juntas comecaram, juntas cresceram, juntas Hlotesceram c.alinal, sige comam Joao de Bars. quasi. ienta anos depos, apresentava uma visio mais Sriculada:a lingua é para ele (no Dalogo em Love Sorda nossa Linguagem) um instrumento para a Aifusio da “doutrina” © dos "costumes mas io € somente instrumento de difusdo, pois 35 armas e padrdes portuguese] materials slo. padeat o tempo ganar, pero nio gastra 4 doutrin, costumes ea inguagem que on Por tags esas eas eaam Quer dt = lingua sera oinstrumento para perpeuar a pre- senga portuguesa tambem quand a daminagto A legitimacio ¢ um processo que tem como componente esencial a eriagao de mitos de or sem, Asim, quando a gramatiea das linguas ro ténicas fo instituda eomo um dos instrumen- tos de egitimacio do poder de uma variedade lin Serre aistica sobre asoutras, desenvolveu'se toda uma eerspoctva idcologicavisando a justifies, Des Ferofnctade do século XVI, comecou ura corr {i dow etradose dos humanistas para conseguir {Temunstrar genealogias micas para a hinguas {dit emas relpamtes as quaisservam. Johan Van Gorp Beean de Antoerpa,propana em 1589 que ‘leas linguasfosem dervadas das lnguas er sminiease Guilelm Posterse Stelano afirmavam vaca ngua dos anigos gauleses era a origing ‘AS para demonstrara propriedade do Francés. O valor do inetrumento da linguagem era clara fnonteapreciado no seculo XVEe a construe saparato miticosdcolopico em toro das ngias

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