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+ BR ent on ber Publicos de satide é um Source) ee een eee estuda este fendmeno no Brasil, demonstrando como a UOT eS ee eee n ee eee acesso a atencio integral no SUS. Este livro analisa os varios planos prejudicados pela rentincia governamental Coe noon ret or en Aen A privatizagio compromete o financiamento do sistema, Te Rene acto tee oearer eTeee permeia a gestio cotidiana do sistema. A privatizacio, Src eRe CLS eee Cen ie nen etree a =. y J ( eee aR teria Si m | } H \ | 0 OW elie} DA SAUDE PUBLICA NO BRASIL Q ¢ N —E 5 z a wi a 9° a 8 i Q 9 a a ° Q ° ¢ Qo s a = = ¢ < A AMPLIACAO DO PROCESSO DE PRIVATIZAGAO pa SAUDE PUBLICA NO BRASIL JULIA AMORIM SANTOS HUCITEC EDITORA. » eg No Peer ECO reteset ey ees Erne ee Tea cone et Seen eet Dee Saree ets Renee erent SOE enn eee on ene ee at Seed cree RUS ec See ee cet contraditéria como politica publica Ce ere eeeee cariter universal, paralelamente a um subsidio direto e indireto de tor privado da satide. Parte-se Pee ee eras reforma, instituido a partir dos anos COs renee Cece Ee Oty Pee eee ree e ta Ceeeeeea tore Lecce ee ecu at) Recon core Seen aren ee pt Seer Oe Oe eer Peer ae one Satide em Debate 295 direcao de Gastio Wagner de Sousa Campos José Ruben de Aledntara Bonfim Maria Cecilia de Souza Minayo Mareo Akerman Yara Maria de Carvalho ex-diretores David Capistrano Filho Emerson Elias Merhy Marcos Drumond Jinior 0. snide coisa mui precios, a tnies merecedora de todas as nossas atengies e cuidados e de que a ela se ‘nerfiquem ni somente todos os bens mas a propria vida, pporquanto na sia auséncia a existéncia se nostorna pesadae porque semelao prazeasabedora,aciéncia, até a virtude —Micuet, Byqvem De Monraicne (1533-1592). Ensaioe “Da semelhanga do pais com osfilhos". ‘Trad. Sergio Malice ‘Sri abe Geter hy in Cie vi nop) vgn Sons Caron, Wir Peer de Gin Frc Bae Dans ‘Funagis Baste Permanent Sade, Pte e Prats me hte Mads sion a ee am hth A ene ug Pl ence de Alas Bap os) ee set tet ogi ocr ra mS) Cae ee ee ee ee ssa i nid nf Gt Ve Sn Co Gata tata carnage ‘Soe pad Ma an: a) “Anca oe Co cis Ponsa Main Gare Vega fangs Hae ee et Nba Schou ah : eer aE ag amp, te Got a a Ber epee Sn ee ri « Dic, So Sr & ‘Bde Ppt oS enor dnt, Bo Jot Snot Carte Cue (og “Edt polo Sitone Sao i eas Brae Or Bo, ad Mo Vocal, ‘Drie Canes dc Bo Cai Ean Viena Prats err oz See Cari Ge oe) ooops Bsn Perancie tm Se Pca « ruts no deo dy Meret Poon “ch aa Carne Meo, Aa Cnetna Vis de Ase Mano are Cn, ‘ie Aca Canee Row Mary Con Rs Ana Ses fo.) 4 sins St ris ui aries te Met Na Cs iar drs fi Sie An Tl a Pi So eT (cps tical SU mDialog eatin ge Niton, Pia Jor Baha fc ono ss «Marian de Dg Teese Baa Sone et ee ent Gpe Se Pe dis oo ‘oreo Bg ig Bao ‘i Sur Pot ePrice Seas de Sd ox dren, rit iy ae, Mara or acura esmaro Evpren, Gnpss Basti « Pianicts Skt, Yio Ctr Fans ia (orp) Fries eggs po ta ep an, a Lia Aes Pigs “Sin Hen Goer SaaS iy Alea ee) se nats prs main sue oii apace Bait Res ita ns bod Bl Cs Cana Besos ete de Soe ns) Atte Pont rae Sate Pew Be, a oi SN A Ampliagao do Processo de Privatixagao da Satide Piiblica no Brasil JULIA AMORIM SANTOS A Ampliagao do Processo de Privatizagdo da Saude Publica no Brasil HUCITEC EDITORA Sao Paulo, 2018 © Direitos aurrais, 2016, de Jin Amosin Sento. Dizcitor de pubicagao reer por Hocitee Eaiors Leda Run Aguas Virtorse, 323 (2532-000 Sao Paulo, SP ‘Telefone (55 11389227772) ‘werw bucieceditor.com br ferueler@thucteceditora com Depésito Legal eferuado Coordenasao editors Maniax Nada Assesora editorial Karla Ress Circulasio comerciai@hucitecoditor.com.be "Tels (11)3892-7776 (CP. Beal Cabanon Pabst Snow Nasal tes ce Lin as rosa Aris, 18 'RArlogn da pot epee dase poe n Bal JlwAcern Santoro ~ Sto Her, 2008 2p 2ten iSehde on dear 29) Tec ite ISBN 7es-t0s-2688 1. Sve Usin dS Bil. 2. Puli desde Bn {.vagagio-Bras$SoudeBeo 1 Tel I See 1852510 opp: 35140988 bu: aisace Mas Gis Rodin de Sn Bois CRI ‘Oshomens fazem a sua propria histiria; con- tudo, nia fzem de live e espontines vonta~ de, pois nao sto eles quem escolhem as cir- ccunstincias sob as quais ela € feita, mas estas Thes foram transmitidas assim como se encon- tran, [Nio édo passado, mas unicamente do futuro, que a revolugio social do século XIX pode co- thera sua poesia, Ela nfo pode comegar adedi- car-se asi mesma antes de ter despido toda a sapersti¢fo que prende 20 passado. As revolu= Bes anteriores tveram de recorrer a memorias, historicas para se insensibilizar em relagio 20 seu priprio contetido. A revolugao do século 0X precisa deixar que os mortos enterrem os seus mortos para chegar ao seupr6paio conto, — Kart Maan, 18 Brumdrio de Luts Bonaparte SUMARIO Agradecimentos Apresentagio Introdugio Capitulo 1 Politicas sociais, sua configuragio no capitalismo con- temporineo e a singularidade do Brasil 1, Aspectos das politicas sociais pré-1988 a Consti- tuiggo de 1988 2, Implementagio da contrarreforma do Estado ¢ das po liticas de liberalizagio para 0 mercado a partir dos anos 1990 3. A contrarreforma apés 2003: entre a negagio € © con- sentimento da liberalizagi0 do mercado 19 21 25 74 102 Capitulo 2 Aspectos sobre o financiamento das politicas de sai~ de: marcas de subfinanciamento Capitulo 3 [A provisio de servigos: 0 entrelagamento entre a ofer- ta dos servigos estatais, dos servigos complementares @ dos servigos suplementares 1. Provisio de servigos pablicos: a relagdo dos sérvigos estatais ¢ dos servigos complementares 2. Servigos suplementares: alguns aspectos dos planos € seguros privados de save e as agéncias reguladoras Capitulo 4 Aspectos gerenciais dos servigos de saide: a contrar- reforma e 08 “novos modelos de gestio” 41. Regulago dos servigos piiblicos por mecanismos ba~ seados na légica do mercado e fragmentagio do sistema, dificultando a composigao de rede ¢ do cuidado 2. Transferéncia de recursos piblicos ao setor privado aspectos referentes & nio exigéncia de licitagio 3, Flexibilizasao das relagdes de trabalho 4, Falta de controle interno ¢ controle social Consideragaes finais Referencias 10 47 140 143 170 189 198 206 212 218 221 Foe Anexo Posficio Lista dos grificos Grifico 1. Arrecadagio tributiria da Unio e dos Esta dos, em percentagem do PIB no periodo de 1988 a 2001 Grifico 2. Envolvimento das despesas com agées e ser- vigos de satide do Ministério da Satide e dos juros da divida, ambos na proporsio do PIB, em percentual, no periodo entre 1995 a 2010 Gritfico 3, Evolugio da participasio das esferas de go- verno (municipios, estados € Unido) no financiamento do SUS nos anos de 2002 a 2014 Gréfico 4, Tipos de servigos de satide implementados 1no Brasil, correlacionando-se com o niimero de servis 0 ano de implementacio (de 1970 a 2010) Grifico 5. Fundagées privadas e associagdes sem fins lucrativos de sade segundo periodo de fundasio Grifico 6. Distribuigso de repasses para assisténcia & saiide (ambulatorial e hospicalar) pelo Inamps e Minis- tério da Saiide, segundo tipo de prestador de servigo nos anos 1981, 1987, 1997 e 2007 Grifico 7. Numero de beneficiatios de plano de saide por cobertura relative 20 periodo de 2000 a 2014 244 245 98 121 125 144 148 158 173 a Grifico 8. Cobertura por cuidados de saide, segundo a renda (dados de 2008) Lista das tabelas ‘Tabela 1. Lista de empresas estaduais que sofieram pri- vatizagbes entre os anos 1996 ¢ 2002, com identifica- gio do setor, estado de sua localizagao, ano em que se efetivou a privatizagio, o valor da venda em délares cifras em milhdes e a divida transferida ‘Tabela 2. Apresentacio das agéncias reguladoras imple~ mentadas no Brasil entre 1996 ¢ 2001, indicando 0 ministério com o qual estavam relacionadas, a Let de ctiagio e Decreto de instalagéo "Tabela 3. Divida total e total pago em encargos da divi- da piblica da Unio (em bilhdes de R$) Brasil, 1995- 2002 "Tabela 4. Gastos com satide a partir da percentagem do PIB; gasto em sade per capita e percentual de gasto piblico, referente ao gasto corrente em saide do Cana- 44, Reino Unido, Espanha, Portugal e Brasil “Tabela 5. Rentincia fiscal da Unido para a satide, nos anos de 2007 a 2011, em bilhdes de reais correntes, cespecificados a partir de cada Beneficio Tributirio ‘Tabela 6, Oferta de servigos, equipamentos ¢ recursos frumanos, no periodo de 1970 a 2010, sendo explicitada a percentagem da oferta publica 12 179 83 96 99 132 135 146 Tabela 7. Previsio legal de dispositivos previstos no modelo bisico das agéncias reguladoras “Tabela 8. Avaliagio das agéncias e érgios governamen- tais reguladores ‘Tabela 9. Caracterizagio dos modelos de gestio “pibli- cos nio estatais” ou “estatais com figura juridica priva- da”, apresentando Lei ou Projeto de Lei para sua insti- tuigto e deserigio, ‘Tabela 10. Estimativa da variacio, prego unitério de internagdes, segundo tipo de prestador de servigo — Brasil, 1997 ¢ 2007 (valores cosrigidos pelo IPCA) ‘Tabela 11, Identificagéo da categoria profissional, com- parando valor-hora das medianas de salérios entre tra- balhadores de servigos de satide de porte semelhante com administragao direta e administragio por uma or- ganizagio social Tabela 12. Identificagéo dos cargos, apresentagio do salitio pago sab servigo de administragio direta e sobre gestio da OS, e percentagem da diferenga salarial a par- tir do saliio pago pela OS Lista das figuras Figura 1. Indicago dos setores do Estado, segundo a sua Forma de Propriedade e Forma de Administragio prevista no Pdre Figura 2. Taxa de cobernura dos planos de assisténcia médica, por unidades da Federagio 183 184 191 207 215 217 91 178 13 Lista das siglas ‘Abrasco ~ Associacio Brasileira de Satide Coletiva ‘Adin ~ Agio Diteta de Inconstitucionalidade ‘Aids ~ em inglés: Acquired Immunodeficiency Syn- drome Alea ~ Area de Livre Comércio das Américas ANA - Agencia Nacional de Aguas ‘Anac ~ Agéncia Nacional de Aviagio Civil ‘Anatel ~ Agencia Nacional de Telecomunicag6es Aneel - Agéncia Nacional de Energia Blétrica ANP ~ Agéncia Nacional de Petréteo ANS ~ Agencia Nacional de Satide Suplementar Antag - Agencia Nacional de Transporte Aquitico ANTT ~ Agencia Nacional de Transportes Terrestres ‘Anvisa ~ Agéncia Nacional de Vigilancia BID ~ Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES ~ Banco Nacional do Desenvolvimento BPC ~ Beneficio da Prestagio Continuada Capes — Coordenagéo de Aperfeigoamento de Pessoal de Nivel Superior ‘Cebes ~ Centro Brasileiro de Estudos de Saiide CEF — Caixa Econémica Federal CGR ~Colegiado de Gestdo Regional CGU - Controladoria Geral da Unio CHS - Conjunto Hospitalar de Sorocaba CLS ~ Consolidagao das Leis Sociais CLT - Consolidagio das Leis do Trabalho ‘i 14 CNDSS ~ Comissio Nacional de Determinantes So- cisis da Saiide CNPQz Consetho Nacional de Desenvolvimento Cien~ tifico ¢ Teenologico Conasems ~ Consetho Nacional de Seccetarias Munici- pais de Sande Conassn ~ Conselho Nacional de Secretirios de Satie Confez ~ Conselho Nacional de Fazenda CPMF — Contribuigio Proviséria sobre Movimenta- ‘980 Fiscal CSS ~ Contribuigio Social para a Satide CUT - Central Unica dos Trabalhadores Dasa ~ em inglés: Diagnostics of Americas DST ~ Doengas Sexualmente Transmissiveis DRU - Desvinculacio de Receitas da Unio EBSERH ~ Empresa Brasileira de Servicos Hospita- lares EC — Emenda Constitucional FEDP ~ Fundagoes Estatais de Direito Privado FEF — Fundo de Estabilizagio Fiscal FHC ~ Fernando Henrique Cardoso FMI ~ Fundo Monetirio Internacional FNCPS — Frente Nacional Contra a Privatizagao da Saiide FSE ~Fundo Social de Emergéncia Gatti — em inglés: General Agreement on Tariffs and Trade HU ~ Hospital Universitsrio 415 IAP = Instituto de Aposentadoria ¢ Pensdes IBGE ~ Instituto Brasileiro de Geografia ¢ Estatistica TFC ~ em inglés: International Finance Corporation Tier ~ Instituto de Infectologia Emilio Ribas Jnamps ~ Instituto Nacional de Assisténcia Médica da Previdéncia Social INPS = Instituto Nacional de Previdéncia Social Ipea ~ Instituto de Pesquisa Econdmica Aplicada IRPF - Restituigio do Imposto de Renda de Pessoa Fisica IRPJ — Restituigio do Imposto de Renda de Pessoa Juridica LRE - Lei de Responsabilidade Fiscal ‘Mare ~ Ministério da Administracio c da Reforma do Estado ‘Mercosul ~ Mercado Comura do Sul ‘Mops ~ Movimento Popular de Saiide MPAS ~ Ministério da Previdéncia e Assisténcia So- cal MPF - Ministério Pablico Federal MS ~ Ministétio da Saiide MST ~ Movimento dos Trabalhadores Sem Terra North American Free’Trade Agree~ Nafta —em ingles: ment NOB - Norma Operacional Basica OCDE - Organizagio para Cooperagio ¢ Desenvol- vimento Econdmico OMC - Organizasio Mundial do Comércio 16 rE ONU ~ Organizagao das Nagdes Unidas (OS Organizagies Sociais ‘Oscip ~ Organizagdes da Sociedade Civil de Interesse Piblico PAI ~ Programa de Agio Imediata PBF — Programa Bolsa Familia PCB ~ Partido Comunista Brasileiro Pare ~ Plano Diretor da Reforma do Estado PDT — Partido Democritico Trabalhista PEC ~ Proposta de Emenda Constitucional PIB ~ Produto Interno Bruto PLP ~ Projeto de Lei Complementar Prad ~ Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios Prouni ~ Programa Universidade Para Todos PSF ~ Programa de Saiide da Familia PT ~ Partido dos Trabalhadores RCB ~ Receita Corrente Bruta RCL ~ Receita Corrente Liquida Reme ~ Movimento de Renovagio Medica RSB ~ Reforma Sanitéria Brasileira Sadt — Servigos de Apoio Diagnéstico e Terapéutico Sams ~ Sistema de Assisténcia Médica Supletiva SBPC ~ Sociedade Brasileira para Progresso da Ciéncia Sgep — Secretaria de Gestéo Estratégica e Participativa Selic ~ Sistema Especial de Liquidagio e de Custédia Senac — Servigo Nacional de Aprendizagem Comercial Sest~ Secretaria Especial de Controle das Empresas Es- tatais 17 Siafe ~ Sistema Integrado de Administragio Financeira para Estados SIB — Sistema de Informagio de Beneficidtios SRF - Secretaria da Receita Federal do Brasil STN ~ Secretaria do Tesouro Nacional SUS ~ Sistema Unico de Saude ‘TCESP - Tribunal de Contas do Estado de Sao Paulo TCM ~ Tribunal de Contas do Municipio UNE — Unio Nacional dos Estudantes UPA ~ Unidades de Pronto-Atendimento URSS — Unio das Repiiblicas Socialistas Sov iéticas AGRADECIMENTOS ste livro, fruto da minha dissertagio defendida na Fa~ culdade de Ciéncias Médicas da Universidade Esta- dual de Campinas (Unicamp) em 2016, 36 foi possivel por terem sido compartilhadas inquietacées e reflexdes em dife- rentes espacos. E imprescindivel expressar que foi fruto de uma interlocugio coletiva, parte de um processo que se renova cons- tantemente. Como todo trabalho académico, no qual é exigido cesto formato e delimitagio de tempo para apresentagdes das sinteses, considero este o inicio de um processo a ser aprofundado, E dificil especificar as contribuigdes que levaram a essa produgio e ao meu percurso de escrita, mas nfo posso deixar de agradecer aos trabalhadores em geral, mas mais especificamente 08 trabalhadores do Sistema Unico de Satide, notadamente aos «que foram parceiros na minha trajetéria no mundo do trabalho. Agradeco aos funcionérios, docentes e estudantes da Unicamp que me acompanharam neste provesso. Um especial agradecimento a0 Prof, Gustavo Tenério Cunha, meu orientador, por permitir que eu trilhasse caminhos desconhecidos, sustentando a minha busca ¢ as idas ¢ vindas ‘num novo campo de conhecimento. Aos membros da banca de 19 qualificagéo Prof, Gastio Wagner de Sousa Campos, Prof. Aquilas Mendes e Prof, Nelson Rodrigues dos Santos, e aos membros da banca de defesa Prof. Gastio Wagner de Sousa Campos, Prof. Aquilas Mendes e Prof. Plinio de Arruda Sam- paio Jr. que tanto contribuiram para reflexes neste trabalho. Sou grata ao acolhimento e debates desenvolvidos com Prof. Gastio Wagner de Sousa Campos e os participantes do Grupo de Pesquisa Paideia;e a0 Prof. Aquilas Nogueira Mendes e parti- cipantes do Grupo de Pesquisa Satide, Estado’e Capitalismo, Agradeso & Capes, agéncia de fomento da bolsa de mestrado, sem a qual esta pesquisa milo teria sido possivel. A Hucitec Edi- tora pela publicacio e diflogo com o material produzido. Agradeco 20s companheiros de atividade militante que com partilharam diversos espagos, 20s que contribuiram com a revi~ sio deste trabalho, as queridas € queridos amigos que possibili- tam trocas tio profundas ¢ necessétias, 20s familiares que tanto me ensinam e me dio suporte no cotidiano, 20 APRESENTACAO ste livro € voltado aos movimentos sociais ¢ tra- balhadores do Sistema Unico de Saiide (SUS) envol vidos na Juta pelo Direito & Satide. Certamente que os movimentos sociais tém tido menos forga do que 0 necessario para garantir a adequada construgio e preservacio do SUS. Em decorréncia, torna-se mais importante que as apostas politicas, destes movimentos sejam cuidadosas. E sejam resultado tanto do debate plural de ideias e interesses, como também de uma certa capacidade de sinergia e coesto, Se esta nfo é uma é tarefi fil em tempos normais, o que dizer em tempos dificeis? Cer- tamente podemos dizer que é uma tarefa ainda mais necessaria. Do Movitnento Sanitério que foi capyz de formular e articular a constnicio do SUS, até os movimentos sociais envolvidos na luta pelo SUS da atualidade, podemos dizer que ganhamos plura- lidade ¢ provavelmente corpo (em mimeros absoltos), na mes~ ‘ma medida em que nos fragmentamos. Nem sempre consegui- mos compreender adequadamente os limites da formulagio do SUS (em grande parte decorrente das derrotas no processo de definigao do marco regulatério, desde a Constituigao). Prova- velmente de forma acertada passamos boa parte da histéria do lidades, mas 21 SUS expandindo ¢ afirmando as suas potenci investimos consideravelmente menos na compreensiio ¢ trans- formagao dos seus limites. Diante de ataques constantes da midia, largamente comprometida com seus patrocinadores ¢ valores de mercado, adotamos uma postura defensiva, Ainda, enfrentamos ‘uma luta diversa ¢ continua contra processos de privatizagio fragilizagdo do SUS. B neste contexto que este livro se apresenta particularmente valioso. Resultado da pesquisa de mestrado conduzida pela autora, este livro torna-se rapidamente mais atual e mals necessirio, na ‘medida em que o pais se afunda em um golpe que parece desti- nado a destruir todas as conquistas sociais dos filtimos cinquenta anos. Séo muitas ¢ necessérias as andlises que se avolumam para compreender como esta destruicio de Politicas Piblicas ¢ Di- reitos Sociais esta sendo possivel, na forma e na extensdo que ocorrem, E razodvel supor que as condiges estruturais deste processo niio se fizeram da noite para o dia, Contextualizando 0 ‘SUS nos embates pela construgio de politicas sociais dentro do capitalismo, aautora oferece uma contsibuiglo valiosa para com- preensio do momento atual ¢ para definigio de nossas ages no momento politico. Outro aspecto importante deste trabalho ¢ 0 foco na in- corporasto de modelos ¢ valores oriundos do setor privado nos processos gerencizise nas teceirizagbes, Trata-ce de urna tematica delicada que traz para o setor piblico outro tipo de “alienagio” a.alienagio nna definigio arbitréria de metas e redugo, dos objetivos saniti~ ‘ios, alienaglo da légica darwinista e competitiva, legitimando a escassez de recursos € a desresponsabilizagao sanitéria. Tudo isto aalienacdo da eficiéncia em detrimento da eficd merece a atengio cuidadosa da autora € enriquece nossas possi- bilidades de compreensio do tema da privatizagao. 22 Por tiltimo, merece destaque a possibilidade de uma pers- peetiva sobre a propria produgio académica. Os momentos de proliferagao investigativa, os temas prioriticios eo modo de abor- di-los permitem percepeio das tendéncias do passada e, por- tanto, melhor compreensio das possibilidades futuras de inves- tigagao. — Gustavo Tenorio Cunnia Professor da Faculdade de Ciéncias Médicas da Universi dade Estadual de Campinas 23 INTRODUCAO, Sistema Unico de Sade (SUS) foi instituido a partir da Constituigo de 1988, por meio das Leis 8.080 € 8.142, de 1990. Esse sistema teve sua for- mulagao inicial nos anos 1970, sendo decorrente de agdes lutas de movimentos sociais € politicos contra a ditadura militar, pelas Liberdades Democriticas e Democratizagio do Estado, O mo- vimento da Reforma Sanitiria Brasileira (RSB) desempenhou papel significativo nesse processo, Suas proposigdes pautavam- ~se pela perspectiva de construgiio de uma sociedade mais justa e solidaria, com um Estado que instituisse politicas puiblicas na perspectiva de diteitos humanos bisicos universais com quali- dade. Nesse processo, instituiu-se que a satide seria Direito de Tedos e Dever do Fstado, seguindo prineipios e diretzizes da uni- versalidade, igualdade e integralidade no cuidado a satide, com descentralizasio e regionalizagio das ages, além de expandie a articiparao social, tanto na formulacéo das po! (Pain, 2007; Santos, 2013), Paim (2007) afirma que, apesar das dificuldades enfren- tadas, o balango da Reforma Sanitaria Brasileira e a constituigio do SUS expressam saldo positive em diversas dimensOes da oferta 25 de servigos de saiide, quando comparados corn a situagao ante- rior & Constituigdo de 1988. ‘A proposta do SUS constituiu-se em uma das maiores politieas de sade do mundo, ¢ alguns autores, como Cardoso (2013), referem que essa se apresentou com uma legislagio das mais progressistas, visando garantir 0 dircito A sade a qualquer ser humano que viva ou que esteja no pais. Nessa proposta é va lorizada a extenstio do Programa Nacional de Imunizagio, a am- pliagdo dos servigos de sade (em especial de Atencio Basica e ambulatérios de especialidades), o Programa de DST/Aids, d ‘tre outros, reforgando importantes mudangas no cuiddado a satide no Brasil (Cardoso, 2013; Ocke-Reis & Sophia, 2009; Paim, 2007; Santos, 2013). Para se ter uma dimensio da amplitude de nossa tede pablica, em 2006, o pais era o segundo do mundo ‘em niimero de transplante. Ainda, a rede era composta por 63 mil unidades ambulatoriais e de cerca de 6 mil unida~ des hospitalares, com mais de 440 mil leitos. Sua produ- ‘¢fo anual é aproximadamente de 12 milhdes de internagses hospitalares; 1 bilhdo de procedimentos de atensio pri- ria & satide; 150 milhdes de consultas médicas; 2 mi- hes de partos; 300 milhdes de exames laboratoriais; 132 milhdes de atendimentos de alta complexidade ¢ 14 mil transplantes de Srgios (Brasil, 2006s). Apesar dos grandes avangos no cuidado a satide, Noronha, Santos & Pereira (2011) afirmam que inserigio do direito & sade, como preceito constitucional e aorganizasio de um sistema de satide de acesso universal 26 ¢ igualitario, descentralizado ¢ financiado pelos fundos piblicos, confrontaram-se diuturnamente com podero- sas sestrighes fiscais © com os altos indices de pobreza da sociedade brasileira. Com isso, embora tenha havido, desde entio, melhora em grande parte dos indicadores de satide, eles ainda indicam precirias condigées de sai de e de acesso aos servigos (Noronha, Santos & Pereira, 2011, p. 152). Mais ainda, embora se tenha previsto um modelo de aces- so universal com financiamento piiblico, em que os direitos so- ciais passaram 2 ser reconhecidos constitucionalmente, do ponto de vista do conjunto da assisténcia & sate, a mudanca setorial no significou mudanga na rota da assistencia & sate, conside- rada em sua totalidade, sendo necessirio aprofundar 0 entendi- ‘mento dessa contradiglo. Assim, parte da literatura da Saiide Coletiva indica que apesar de contar com muitos avangos e melhorias no cuidado & sadde da populago brasileira, o processo de implantagio do SUS seconstituiu com uma contraditéria convivéncia entre universali- ‘zagio do acesso e a seletividade da populasio a ser atendida, bem como 0 suporte legal ao setor privado dentro das politicas pibli- cas de satide (Bahia, 2005; Behring & Boschetti, 2011; Borges, 2012; Cardoso, 2013; Ocké-Reis, 2011; Santos, 2013). Obser- vva-se que, mesmo com a instituigo do SUS, manteve-se a ten- déncia de crescimento das formas privadas de atengao a satide, em especial do seguro-satide, muito presente antes de 1988, nio ‘modificando o quadro de acesso diferenciado e de cobertura pri- vada que vinha sendo estabelecida até ent (Bahia, 1997; Car- doso, 2013). a7 Quase trinta anos depois da instituiggo do SUS, como en- tender ¢ olhar para esses processos contradit6rios? Virias sio as anilises sobre os impasses ¢ desafios do SUS. Santos (2013), por um lado, indica como grandes obsticulos para a implementagio de um sistema piblico de satide de qua- lidade ¢ universal, comprometido com as necessidades ¢ os direitos & satide da populagio, os seguintes aspectos: subfinan- ciamento, subvengio crescente com recursos federais a0 mer- ga para tented grandes masa capitals cxcedente ue sbendonarace on pais cents embten de negocios em oui prages Atma que "pera thata dou igentescoccedente abut deepal gue 280 tem pssbidade dr realimentar o crete de valorzagao do capil plo aumento da cxploagto do trabalho mantémem ena tent, como ameaya devastalrs,tendenia ‘esrlozgto won da que qe pas comer espero sobre ose Capitals muna (Stmpia 2041p. 5).O ator aaalia qua plies de sdmnitoao da ce fo encarinhou nena slug dutdoara pa at Sontrdigie qu a determina. Afzaa que ni foam deaorizas or eso- tps desivos eos que compromerema creda iaiigdes Banca, desequlbvicepatoonias qu glia odie nanecro conan Smapeding a omalzagio dit operagoes de elit; como a foram abenos novos herizontes ara acumulaio de apt as expected epee prnanccem depamidns comprometeadotpomhildadedetetonadasuser” Edo ineatimentos age deg ao protelara toma do provides para feparo movimento de capi ccoondenasplicneoobmies ds Etador ‘Selon agwam-oascoouadgoe eur que implsona ae aidades {clon eforgando a tendencs a fgitenagto ds fags iteacor's Par sprokndarsirarada cede 2008 cr *ethe dace profundmento revere neocolona de Sampaio 011) 50 “ gseu controle sobre o Estado, por meio do capital financeiro, submetendo a politica econémica a um verdadeiro estado de excegio. Observam-se novos ataques aos direitos dos trabalha- dores, investimento sobre as politicas sociais e tentativas de dis- iplinar as economias nacionais, especialmente nas regides peri- fricas do capitalismo mundial (Sampaio Je, 2011), Para a compreensio das politicas sociais de satide no Bra- sil, deve-se considerar tanto mudangas do capitalismo no plano mundial, com avangos das politicas neoliberais e reconfigurasio do papel do Estado capitalista com predomindncia do capital financeiro, como a particularidade brasileira e as formas que foram sendo institufdas nesse movimento mais geral na singula~ ridade do nosso pais. Embora essas consideragSes de ambito in- temnacional sejam instigantes e essenciais para a boa compreen- sio da nossa realidade, nao serd possivel avangar nessa discussio, uma vez que fugiria do escopo deste estudo. Apresenta-se, as- sim, breve exposigao do tema paca contextualizar o trabalho, ainda que sob o risco de incorrer em certas simplificacées. Para andlise do contexto brasileiro, partiu-se, aqui, da con- cepsio do Capitalismo Dependente,* de Florestan Fernandes, que buscou analisar as influencias estruturais ¢ dinémicas da ordem social global sobre a absorcao ¢ 2 expansio do capitalismo no Brasil, Em suaan lise, ele pontua a posigio heterondmica da economia do pais, em sua estrutura e fincionamento, a qual permaneceu constante em diferentes momentos da formagio 8 Dentro da érea de tociologta, cigncins politica eecondmicss hi smplo Aebate sobre o desenvolvimento nacional brasileiro, haverdo o destaguede diss ‘vertentes trices: perspectiva do capitalismo dependente — cepresentada por trabalhos de Caio Prado Jinior,Florestan Fernandes, Celso Furtado ¢ Otévio Tanai rouito marcada até ce anos 1970; eo captalismo cardio — consolida- ‘de por um movimento revisionista not anos 1980, iniciada por Femando St econémica do pais (Fernandes, 1981; 2008). A partir dessa constatagZo, o autor afirma ser posstvel verificar trés realidades estruturais no Brasil: 1. concentraglo de renda, do prestigio social e do poder hos extratos estratégicos para o miicleo hegemdnico de domina- slo externa; 2. cocxisténcia de estruturas econémicas, socioculturais ¢ politicas em diferentes “épocas histéricas’, interdependentes ¢ igualmente necessirias para a articulacio ¢ expaisio de toda eco- nomia; 3. exclusdo de ampla parcela da populacio nacional da or- dem econdmica, social e politica, como um requisito estrutural e dindmico da estabilidade e do crescimento de todo 0 sistema, Considera-se, assim, que o Brasil éum pais historicamente heterénomo, subordinado econdmica e politicamente aos inte- resses do capitalismo mundial e as politicas de ajustes, determi: “Henrique Cardoso e neo Falettoe rabalhads por autores como Cardoso de ‘Melo, Wilson Cano, Liana Maria Aureliano, Sia Dre, Maria da Conesi- (io Tavares, Luis Gonzaga de Mello Behuzzo. Sampaio Js. (1999) critica a ‘oncepsio do capitalismo tard por compreender que essa perspectva vem por ‘eforgar que no haveraincompatitilidade ene imperilismo econsolidagio de Sistemas nacionais, v0 dinamismo da economia pesférica passou a ser visto ‘como produto de procestos condieionads, em primeira insténcia, por Forgas ineenasc, em ita, por forcasexteraas. A interpretagio dese autor éque esta leitura elimina a urgencia de superar adependéneia externa, reafirmandoextaté- {gas de aseociagdo com o capital international. Para aprofundar debate ler capi fulos 1 e2 de Ensre.a nats ea barbara: demas docaptaisma dependeate ers (Caio Prado, Florectan Fernandes Ceo Purtad, de Sasspaio J (1599), {9 Ele apresentaem suas obras amanutensio de urs processo dedominagio externa ca consolidagin de um capitalismo dependente nos diferentes periodos dde desenvolvimento: |) padrao de explorasto colonial; 2) oneocolonialismoea texpansto mercani 3)odesenvlsimenco do imprsialsmo europex eaconsiugio {do capitaligro dependente;¢4) imperialism total com a consolidagio do ca~ pitalismo eoorporttive e monopalista apse a ditadura militar. Inteceses pati= ulacetas das cemadas privlegiadas eram tratados como "os interesses da Na~ 2, estabelecenda conexdo ertutual inter para as manipulagées do exterior 52 | | nadas pelas agéncias internacionais, além da manutensao de tum regime com grandes desigualdades sociais no plano interno. Parte-se do pressuposto de que a formagio do capitalismo bra- sileiro difere dos paises do bergo da Revolugio Industrial (paises europels) € que as relagdes sociais tipicamente capitalistas desenvolveram-se aqui de forma diferente da dos paises do ca- pitalismo central, ainda que mantendo as suas caracteristicas essenciais, Florestan Fernandes afirma que, nos paises do capitalismo central, esse processo apresenta bases materiais e politicas que ‘maximizaram as propriedades socialmente construtivas do capi- talismo, € caracterizaram-se pelo encadeamento das revolugdes, agrivia, urbana, nacional, democratica e industrial, através da cor- relagio de forga e luta de classes estabelecidas. Para 0 autor, a Revolucao Burguesa, 0 movimento da Tuta de classes estabeleci- do nesses paises e o capitalismo sé podem conduzir a indepen- déncia econdmica, social e cultural quando, atris da industriali- aio e do crescimento econdmico, existe uma vontade nacional {que se afirme coletivamente por meios politicos € tome por seu objetivo a construsio de uma sociedade nacional auténoma (Fernandes, 2008) Jévas revolugdes burguesas “atrasadas” dos paises que foram coldnias € de alguma forma contribufram para a acumulagio produtiva dos paises do capitalismo central, caracterizam-se pelo fato de que a sua diregio politica foi monopolizada por burgue- sias conservadoras e dependentes, as quais acabaram por fechar ‘o circuito politico & participagao de setores populares ¢ por selar uma associago estratégica com o imperialismo (perpetuando a dependéncia ¢ o subdesenvolvimento, restringindo dramatica- mente 2 possibilidade de conciliar capitalismo e integragio 53 nacional, como os demais paises citados anteriormente) (Fernandes, 1981; 2008). Sampaio Jr. (1999) indica que, para Fernandes, o planeja~ mento s6 pode ser visto como instrumento que assegura 0 de- senvolvimento autodeterminado quando prevalece uma dinamica de luta de classe, baseada em uma légica de compromisso e de ‘busca do bem comum, Para ele, ¢ essencial que haja relativo ‘equilibrio na corselacéo de forgas entre as classes sociais ecireui- to politico no qual vigorem instruments institueionalizados de democratizagao da sociedade, No entanto, a burguesia brasileira veio consolidar-se de maneira “frigil e dependente”, constituin do um Estado impermedvel a qualquer benesse de cardter estru- tural as classes subalternas. Com base no referencial tedrico de Marx,"® ¢ de maneira a sintetizar alguns dos pontos discutidos acima, trés aspectos que contribuem para a compreensio da realidade do nosso pais sio mostrados a seguir (Fernandes, 2008) 1. As sociedades capitalistas subdesenvolvidas nfo conta~ ram com acumulasio origindria suficientemente forte para sus- tentar um desenvolvimento econdmico autossuficiente, de lon ga duracio, e para desencadear ou fomentar a implantagio do capitalismo coma nos paises europeus. No setor agricola, a extingio do sistema colonial nfo provocon o colapso das antigas 10 Fesnandes (2008) faz referencia a utes socilogos cliscos, como Weber Durldei,Porém, fz a restalva que Marx que apresenta maior terete para oz etdions das sociodades subdesenvoldas, n20 86 porque ezbo~ tou ia contigo pioneis dos reorae da desevolvimento ecbabmico, a porqi claborou um eaquema conceitual eexplicativo qe permite elacionar os Componentes mais protiados da ocdem socal pesbittando asl de como a9 coisas vedio, mortando que ester eondigoes para eas 98 tansformarem, dem de levnt questbes do que fier pars segura ese ojevo. Desa frou ‘illo deste abo, ser presenta apenas a pespectva dese anor cls, sem incensio de vobrepilo as dems supracitades na argumeatario de Feandes. 54 estruturas econdmicas coloniais. Ao contririo, as exigéncias do mercado mundial ¢ da comercializagio das matérias-primas em farga escala exigiram sua persisténcia, como garantia do aumen- to da oferta c dos grandes hueros dos importadores europeus. A principal fase de acumulagZo originavia de capital, nas socieda~ des subdesenvolvidas, ocorreu entre a emancipasio nacional ea aceleragio do crescimento econdmico interno, Essa acumnulagio associou-se, em termos de interesses comuns defendidos cons- cientemente mesmo em nivel politico, ao uxo permanente do capital externo, sern nunca disputar com os centros hegeménicos sequer as posigdes estratégicas de controle do crescimento eco- némico interno, Sua Logica se inspirava nos interesses e nas pos- sibilidades do capitalismo dependente. 2..A mercantilizagto do trabalho nao se desenvolven senao lenta ¢ precariamente. Quando aquela se universalizou, porém, nfo incentivou o pleno fancionamento de um mercado especial, integrado em escala regional ou nacional. Segundo Fernandes, 0 capitalismo dependente, da maneira como se configurou no Bra- sil, ndo funcionou universalmente, segundo os requisitos de uma economia capitalista competitiva integrada e, por isso, nio in- cluiu, como regra, a reposigio do trabalhador no caleulo do valor do trabalho. Em consequéncia, 0 mercado de trabalho no se ‘estruturou para preencher a fungio de incluir todos os vendedo- res reais ¢ potenciais de forga de trabalho, o que afetou o grau de institucionalizagio desse processo, forgou a intervengio gover- namental na fixagio de saldrios minimos e suscitou mecanismos sindicais de suporte a essa interferéncia, A explicago do fend- meno acha-se na sobrevivéncia de amplos setores nos quais pre~ valecem economia de subsisténcia e formas extracapitalistas de mercantilizagio do trabalho, ao mesmo tempo que se verifica a 5S importagio de tecnologia avangada, como fator limitativo da massa de emprego. Essa situagio, segundo 0 autor, fez que pratica- mente nio existisse um “exército de reserva". Ao mesmo tempo, concorreu para converter o assalariamento ein privilégio econd- mico e social, altamente desejado. Assim, o assalariado nao dis~ pée de meios nem para tomar consciéncia dos fatores dos salé~ rigs infimos, nem para forcar melhores niveis de participagio da renda nacional, ficendo & mercé de taxas de exploragio excessi- ‘vas, que flutuam ao arbitrio da politica salaril das empresas & dos governos. 3. O foco nas contradigoes entre as forgas produtivas e as formas de organizacio da produgdo capitalista também € um cixo de andlise importante, Segundo 0 esquems intexpretativo de Marx, essas contradigdes forneceriam a chave para se enten- der tanto o crescimento continuo do sistema de produgao capi- talista quanto o seu colapso. Fernandes indica que, a0 que pare ce, o poder expansivo das forgas de produgio depende de certas condigées estruturais e dinamicas, que nio se reproduzem no capitalismo dependente, De um lado, a parte realmente aut6no- ma do processo de acumulacio capitalista (representado pelo montante de capitais nacionais) tomna-se sendo insuficiente para cexpandir as forgas produtivas para além das formas de organiza- 20 da produsio existente. De outro lado, as conexdes entre dis- tribuigio social da renda e crescimento do mercado interno ten- dem a mantera procura em niveis pouco propicios adiferenciagio continua ¢ & elevagio crescente dos indices produtivos. Apesar da “fome de bens de consumo”, dos incentivos que, em determi- nadas conjunturas, favorecem a substituigo de importagoes e as, tendéncias de integragio do mercado intemo, aelevada especula- ‘sho © alta capacidade ociosa formam um circulo vicioso sobre 0 56 ~ fraco porter de compra. Nesse quadro geral, as forcas produtivas 0 inibids, solapadas ou desorganizadas por outros fatores que dificultam a propria expanséo do capitalismo, mas néo poem ‘em xeque as formas de organizacio da produgio capitalista pro- priamente ditas. Nesse contexto, 0 arcaico e 0 modemno estabe- Jecem varias espécies de fusdes e de composigdes. Elas acabam por representar um meio de defesa do “produto”, uma vez. que cos modos de producto arcaicos preenchem a fungéo de manter uma linha de rendimento maximo, explorando-se, em limites extremos, 0 tinico fator constantemente abundante, que € 0 tra~ balho. Assim, sob 0 capitalismo dependente, a persisténcia de formas arcaicas no é uma fungio secundaria e suplementar, A cexploragio dessas formas, ¢ a sua combinag#o com outras, mais ‘ou menos modernas e até ultramodemnas, fazem parte do “cileu- lo capitalista” do agente econdmico privilegiado, No texto Capitalismo dependente e clases sociais na América Latina (Fernandes, 1981), Fernandes indica que ha perda perma- niente das riquezas existentes e parcialmente acumuliveis, 0 que excluiria a monopotizaglo do excedente econdmico por seus pré- prios agentes econémicos privilegiados. Q autor fala de uma so~ breapropriaco capitalista, repartindo o excedente entre os agentes ‘econdmicos internos ¢ externos (ou seja, corresponde a um mo- delo de apropriagio repartida, com drenagem sistematica de ri- ‘quezas para fora). Esse processo promove, a0 mesmo tempo, a da dependéncia e a redefinigio constante das ma- nifestagoes do subdesenvolvimento, com a transposigéo das oli- garquias tradicionais 4 plutocracia, na qual parceiros externos estio diretamente representados, Assim, na visto de soberania, supde-se que ha interdepen- déncia vantajosa entre as nagbes, numa perspectiva passiva € 57 complacente na relagio com o capital internacional, As econo- ‘mias nacionais dependentes organizam-se basicamente em fan gio de condigées impostas pelo mercado mundial e, por meio dele, sempre em equilibrio entre modos de produgio arcaicos © modernos. Nessa conjuntura econdmica e histérico-social, seus interesses econdmicos somente prevalecem onde ¢ quando nao colidem ou coincidem com as tendéncias de concentragio de poder ede monopolizacio das vantagens econdmicas imperantes no mercado mundial (Fernandes, 2008). Esse arranjo bloqueou a dinamizaga0 economics e politi- a, impossibilitando a construcio de uma ordem social nacional auténoma. Assim, o Estado brasileiro nasceu sob 0 signo de for- te ambiguidade entre um liberalismo formal como fundamento © 0 patrimonialismo como pritica, no sentido da garantia dos privilégios de pequena parcela da populagio. Florestan Fernandes caracteriza esse process com 0 que ele denominou de dupla articulagdo, mareada, de um lado, pela subordinagdo da sociedade nacional aos paises (e capitais) impe- rialistas ¢, de outro lado, pela necessidade da manutengao de um regime de segregasfo social no plano interno (Fernandes, 1981). Behring & Boschetti (2011) discuter que, a partir dessas cons- tatagées, 0 autor caracteriza o drama crénico tipico do capitalis- mmo brasileiro, ¢ as impossibilidades histéricas acabam por for- ‘mar um circulo estruturais subsequentes. No momento em que nlio hi ruptura definitiva com as organizagées existentes ¢ 0 padrdo estabeleci~ joso que tende a se repetir em quadros do anteriormente (de dependéncia ¢ manutengdo de gritantes desigualdades sociais), a cada passo o “passado” se reapresenta na ccena histérica e acaba por negar ou neutralizar ages numa pers pectiva de reforma ou transformagio social. 58 Sampaio Jr. (1999), baseado na leitura de Florestan Fer~ andes, afirma que O capitalismo dependente é, portanto, um capitalismo sui _generis que se caractetiza pela reprodugio de uma série de nexos econdmicos ¢ politicos que bloqueiam a capacidade dea sociedad controlar o seu tempo hist6rico, O proble~ ma € que a posicdo subalterna na economia mundial e a falta de controle social sobre 0 processo de acumulagio comprometem as propriedades construtivas do capitalis- ‘mo como motor do desenvolvimento das forgas produtivas ¢ exacerbam suas caracteristicas antissociais, antinacionais ¢ antidemocréticas (Sampaio Jr. 1999, p. 90). Segundo o autor, no capitalismo dependente existem con tradigdes irredutiveis que impedem que a sociedade nacional consiga submeter a acumulagio de capital a seus designios, As- sim, ele afirma que o drama das economias capitalistas dependentes & que elas no satisfazem os pré-requisitos bisicos para que as trans- formagées capitalistas se processem como um fenémeno intrinseco 20 espago econdmico nacional. Por um lado, a perpetuacio de mecanismos de acumulagio primitiva e a difusio desigual de progresso técnico fazem com que os produtores nao tenham nem necessidade nem possibilidade de transformar a inovagio na principal arma da concorrén- ia, Por outro lado, a reprodugo de uma superpopulasio per- manentemente marginalizada do mercaclo de trabalho torna 2 acumulagéo de capital incapaz. de socializar os ganhos 59 obtidos com 08 aumentos na produtividade do trabalho (Sampaio Jr, 1999, p. 90) No momento em que ha ruptura da articulasio entre in~ vestimento ¢ consumo, o autor afirma que as descontinuidades estruturais que caracterizam a evolugio da economia capitalista nao podem ser pensndas como o resultado da concorréncia eco némica, ¢ sim como o produto da adaptagio a mudangas que so exégenas & economia nacional. Vale ressaltar, ainda, que as sociedades dependentes de- frontam-se com uma série de barreiras externas e internas que limitam sua capacidade de absorver ¢ controlar as transforma \didas pelo Ges capitalistas. No entanto, as transformagées di centro precisam de suporte econdmico, socioculturais € morais que nio podem ser artificialmente transpostos para a periferia. ‘Assim, Sampaio Jr. (1999) reforga que os condicionantes exter- nos ni sio capazes de definir unilateralmente movimento das sociedades dependentes, e os encaminhamentos de cada socie~ dade sio determinados, em iltima instincia, pelo modo como a sociedade periférica reage ao impacto dos dinamismos externos, negando-0s, sancionando-os ou superando-os. Desta forma, uma das contribuigdes de Fernandes é pensar © Brasil considerando sua formas social, problematizando como aspectos do passado podem ser, ot no, atualizados nos diferen~ tes momentos histricos. Como no hi ruptura definitiva com o passado € a forma de produgo capitalista até entio instituida (mantendo variados artificios de conciliag4o entre a burguesia brasileira ¢ a dos paises imperialistas, & qual se subordina), em regra hé auténtica negacio ou neutralizaglo de reformas. Obser ‘var esses aspectos, compreender como a questio social se mani- 60 festa eimprime as contradigBes de classe, e pensar como 0 Esta~ = do tem lidado com essas questies, por meio das politicas sociais | jmplementadas, é um desafio essencial, ‘Com base nessas questdes, tanto no plano internacional ‘como da singularidade da formagio econdmica do pais, a partir de agora sera apresentada uma sintese de trés momentos da or- ganizasio politica e econdmica do Brasil, cujos reflexos se fize- am sentir nos momentos da vida social que incluem a atencéo & satide: 1) aspectos das politicas socisis pré-1988 e a Consticui- go de 1988; 2) implementagio da contrarreforma do Estado ¢ das politicas de liberalizagio para o mercado 2 partir dos anos 1990; ¢, 3) a contrarreforma apés 2003: entre a negagdo ¢ 0 consentimento da liberalizacio do mercado, Cada um desses t6picos tem uma grande amplitude de conceitos ¢ sinteses que, por si, 6 apreendem novas dissertages, e teses. Portanto, ao abordar esses momentos, nfo hia pretensio de esgotar o debate, Faz-se, aqui, somente o exercicio de analisar alguns elementos do contexto para subsidiar a discussio da po- litica publica em saide, objeto central deste estudo. 1. Aspectos das politicas sociais pré-1988 a Constituigto de 1988 A primeiras experiéncias das politicas sociais em savide 120 Brasil se deram baseadas em um modelo bismarckiano, e quem dispunha de emprego registrado em carteira era porta- dor de alguns direitos, orientados pela légica contributiva do seguro. No inicio do século XX, nao era possivel identificar uma politica nacional de satde, e as primeiras intervengoes estatais 61 seguiam duas légicas: a sate publica que conduzia campanhas sanititias, e a medicina previdenctiria, ligada aos Institutos de Aposentadoria e Pensées (IAP), com o desenvolvimento de par- cerias com saiide privada ¢ filantrépica (Bahia, 1997; Behring & Boschetti, 2011; Cardoso, 2013; Oliveira & Fleury, 1986). Behring & Boschetti (2011) indicam que 0 perfodo de 1946-1964 foi marcado por forte disputa de projetos e pela intensificagao das lutas de classe. E nesse periodo que se observa maior urbanizagio do pais, acompanhando o processo de amplia- ‘80 da industria, Behring (2008) afirma que houve crise do poder burgués no inicio dos anos 1960, que foi resolvida a partir de tréseixos: a articulagao entre a inicitiva privada interne e o mer- ada burguesia como classe possuidora e privilegiada; a convengio do cado mundial; a capacidade de mobilizagio social e poli Estado em eixo estratégico da reconstituisio do poder burgués, com concentragio de poder politico de classe ¢ livre utilizagio do poder estatal por essa classe, Na avaliagio de Fernandes (2008), © golpe militar, institido em 1964, acabou sendo um meio de lidar com os conflitos entre as classes sociais, que marcava au- mento da organizagio dos trabathadores que ampliava a tensio para o crescimento do Estado, particularmente em suas fungdes econdmicas. Assim, estabeleceu-se 0 que 0 autor qualificou como autocracia burguesa, via pela qual o capitalism monopolista se consolidou no Brasil. Constata-se intenso salto econdmico ligado a umn projeto de internacionalizagio da economia brasileira, correlacionando 1 necessidade local com a necessidade imperiosa do capital de restaurar as taxas de erescimento dos esgotados “anos de our", buscando nichos de valorizagio para além dos paises do capi- talismo central, Num intenso processo de substituigio de im- 62 = portagdes incentivado econdutido pelo Estado, howve extraor- dindrio crescimento de capital no pais. Porém, em razio da fpeteronomia, néo havia perspectiva de visio posterior (Behring ‘ Boschetti, 2011) Assim, apesar de se acirrarem as contradigées sociais no pais ¢ haver maior ensionamento da corrclagio de forgas, a ins ‘ituigio da ditadura representou a implementagio do projeto do grande capital, que levou a cristalizacio de caracteristicas an- tissocias, antidemocriticas e antinacionais do capitalismo bra- sileiro (Behring, 2008; Behring & Boschetti, 2011, Cardo- ‘s0; 2013). Verificou-se um processo de privatizagio, modernizasio ¢ segegagio, mantendo a ldgica do periodo colonial, Cardoso (2013) afirma que as politicas eos processos econémicos instau~ raddos se mostraram mais uma vez incompativeis com os interes~ ses coletivos da maior parte da populagio. Houve o predominio da logica dos negécios, fossem eles realizados pelos de dentro (como no caso das novas empresas médicas criadas no Brasil durante 2 ditadura), fossem realizados pelos de fora (como as indvstrias transnacionais farmacéuticas que operarain sem res- trigdes no pais). Instituto Nacional de Assisténcia Médica da Previden- cia Social (Inamps), implementado 20 longo da ditadusa mili- tay dispunha de estabelecimentos préprios, mas a maior parte do atendimento era realizado pela iniciativa privada, Apesur de ser observada expansiio da cobertura cla politica social brasileira, essa expansZo foi conduzida de forma tecnocritica e conserva dora. A expansio da medicina previdenciaria deu-se, fundamen- talmente, mediante a compra de servigos de terceiros com a 16- gica de remuneragao por produgio (Bahia, 1997; Cardoso, 2013; 63 Oliveira & Fleury, 1986). Bahia (1997) afirma haver, nesse pe ado no cuidado & satide, com a consolidacio e estruturagio de uma rede iodo, a penetragl0 de capital financeiro internacion: centre as empresas de pré-pagamento ¢ 0 setor hospitalar. Nessa dindmica de cuidado @ satide, impos-se forte processo de medi- calizago, com énfase no atendimento curativo, individual e espe- cializado, com articulagao eincentivo 3 indiistria de medicamentos © equipamentos médico-hospitalares, orientados pela hnera- tividade. Andreazzi (2014) afirma que os principais interesses do grande capital na drea de satide, nesse periodo, estavam concen tzados na produsio, por empresas multinacionais de medica- mentos e equipamentos biomédicos dos patses do capitalismo central, Era necessério expandir pelo mundo, conquistando mer- cados antes cobertos por pequenas empresas nacionais, além de necessitar de um setor de servigos desenvolvido e subsumido a priticas norteadas por ciéncia ¢ técnica influenciadas pela in- diistria, Dessa forma, num contexto em que o capital financeiro, sob condigées monopolisticas, passou a determinar as agdes do Estado brasileiro, situa-se o alinhamento aos interesses do capi- tal, também nas priticas de assistencia a saide 11.A rede hospitalar também se tornou mais prvada, com cariteruers- tivo, Cardoso (2013) taz 0s dados baseado no texto de Rodriguez Neto de que, em 1965, 84.494 leitos hoeptalares eram publics (37,9% do total) © 144.051 (62,154) eram privados, jem 1975 aproporcan dos etosprivados aumentou,e 124.734 eram pilbicos (31,69 do toa) e 270.048 (68,44) eram privudos. O autor resale, também, que,a patti de 1976, « proporsio de consultasprivadas ‘conteatadas pelo Instituto Nacional de Prevdéncia Social (INPS) ¢ maior do ‘que. doe eervigos prdprios, acsocad a tendéncia de armpliasio da proporcio de ‘servigascomplemeaties (como exameslaboratoraise de imagem) esn favor da rede nfo prdpria, No inal dos anos 1980, ea estimado que quast dois tercos dos ‘profisionais médicos em exerecio possufam consultériosou trabalhavam como [2uténomos,e partcipavam do model atsistencial cgoperada cerca de trinta ail ‘edicos, em mais de mil ec2m municipios (Campos, 19972). 64 (Ou seja, as primeiras experigncias de politica de satide bra- sjleira surgem com carater restritivo e fortemente ligadas a0 se- tor privado, Vale ressaltar que a politica publica, até entio im- piementada, ndo tocava nos grandes dilemas nacionais expostos, por Florestan Fernandes. Por um lado, nio influia no combate dda extrema designaldade social, uma vez que tinha cariter bis- ‘marckiano em um contexto no qual a grande parte da popula- fo nio tinha emprego formal, sendo, portanto, restritivas, de modo que as assimetrias sociais nao eram trabalhadas. Por outro lado, durante a ditadura, ampliou-se a situagao de dependéncia externa, mantendo, nesse periodo, o controle absoluto do cicuito politico restrito a uma parcela da populagao. As ages desenvolvi- das acabavam sendo fortemente comprometidas como statu quo, baseadas em uma racionalidade capitatista que se carneterieava pelo “intento de proteger a ordem, a propriedade individual, a iniciativa privada,a livre empresa a associagao dependente, vistas como fins instrumentais para a perpetuacao do superprivilegia- ‘mento econdmico, sociocultural ¢ politico” (Fernandes, 1981, p. 108). Pode-se ver, também na esfera da saide, 0 que 0 autor chamou de procesto de modernizagao induzida, cuja Kbgica foi di- tada pelo desejo de copiar os modelos das economias mais avan- sadas e pela légica instituida pelos paises do capitalismo central Nesse periodo, entretanto, constituiu-se um novo movi- mento operitio e popular que ultrapassou 0 controle das elites, interferindo na agenda politica dos anos 1980, pautando aspec- tos concretos na Constituinte de 1988. Com esse movimento, foram reafirmadas as liberdades democréticas, a impugnago da desigualdade descomunal ea afirmacio dos direitos sociais, dentre cles 0 direito a satide, Para Sader (apud Behring & Boschetti, 2011), a transiglo democrética brasileira diferenciou-se das 65 outras na América Latina exatamente pelo fato de que as mu- jotrinsecamente articulado com os movimentos e entidades aci- dancas estruturais, engendradas pela industrializagio € urbani- $a citados, afirmava que seria necessiria a construgio de um zacio, criaram condig6es para o surgimento de um movimento - Projeto Democritico Popular"? para um acémulo de forcas. Con- operirio € popular novo que foi decisivo para uma espécie de - giderando que o Brasil se desenvolveu respeitando 0 monopélio refundagio da esquerda brasileira, de proptiedade da terra, recorrendo frequentemente & forga re- Esse movimento se concretizou a partir do avango do mo- __pressiva do Estado para mediar as relagées entre 0 trabalho © vimento sindical e popular, representados pela fundaciodaCen- & capital, integrando-se de modo subordinado ao mercado € 20 tral Uinica das Trabalhadores (CUT), em 1983; pela luta da re~ sisterna financeiro do imperialismo, o Projeto Democratico Po- forma agritia, com a criagio do Movimento dos Trabalhadores ppular seria uma estratégia para ganhar setores médios eo con- Sem-Terra (MST), em 1984; com 0 fortalecimento da UNE junto de assalariados para os quais nao estava colocada na ordem (Unio Nacional dos Estudantes);além da constituigio do Parti- do dina luta pelo socialismo, Constituir-se-ia, assim, um contra- do dos'Trabalhadores (PT) em 1979 (Andreazzi, 2014; Cardoso, jponto a hegemonia burguesa com o estabelecimento de possivel 2013; Menezes, 2014). Esse conjunto de organizagées criou ¢ hhegemonia popular. Hé indicagées de que a luta por reformas s6 fortaleceu entidades importantes para a organizagio das lutas sefia um erro quando ela acabasse em si mesma, coletivas da classe trabalhadora, colocando-se como alternativa Dantas (2015) afirma que, a partir dos anos 1980, coube de poder ao lado de uma fragmentagdo da burguesia brasileira, [a0 PT dar os contornos finais a essa estratégia do Projeto De- Observa-se, entio, a construgio de cooperativas, o fortale- ~ mocritico Popular. A estratégia apontava para a necessidade da jo para a sua implemen- cimento de compras comunititias em comunidades locais, a for- luta pelo socialismo, mas como mediag magio de conselhos populares, dentre outros. Documentos do | __tago sugeria a existéncia de etapa prévia que se expressatia na PT indica que essas seriam formas embrionérias de poder pro- conquista do Estado pelos trabalhadores pela via democritica letatio como tatica para fortalecer as forgas revolucionérias para disputar grande parte da populagao. Além disso, PT indicava 12 Segundo Iasi (2006) proposta do Projeto Democstico Poplar ee | feeaciaria da formulagio que prevalece nor anos de 1950¢ 1960 debatida em uma perspectiva socialista e afirmava que para a superagio do grande parte pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), pelt negasio deaiangs capitalismo, além de uma organizagio de ampla parcela dos tra- Scab prarediars tr cman ex nn bathadores, também seria necessério colocar 0 poder politico — “nme cca cones furs prt a revgio mele O peste pes ates eee ee eee ea gente 0 Bsado —a serio dacs sem concliasod eae rece ayes classe, apontando para a burguesia como “inimiga principal das ¢at-imperilis’, a inengio de prepara as condiyoes para rupture socal sanidangas socias € dos tabalhadores” (Tasi, 2006). eer Tasi (2006) afirma que, nesse periodo, so debatidas estra~ | __proxessode acurulao do capital mundi. Para um debate maisaprofandado Sos da proposal Capitulo "As metamorfosesdacontciacia de clase:o Pentre ‘tégias c titicas para superar os grandes dilemas nacionais.OPT, | anogepsoe ocontentimente” de lari (2008). 66 E oF lcitoral e na realizagao, pelos mesmos trabathadores, das rupturas necessirias. Assim, segundo o autor,o centro da estratégia seria 0 Estado, ¢ a tatica consistiria em ocupar os espagos institucionais € promover a luta na base, a um sé tempo. Essa dupla articula~ ‘80, a ser operada pelo partido, seria a estratéyia que orientaria a ruptura com a hegemonia burguesa ¢ a conquista do socialismo. Especificamente na sitide, Paim (2007) caracteriza a di- versidade do movimento. Ele indica que, no segmento popular, surgiram as mobilizag6es contra a carestia (“movimento do cus- to de vida"), 03 clubes de maces, os conselhos comunitarios, as io Paulo, muitos organizages na Zona Leste na periferia de deles vinculados a setores progressistas da Igreja Catélica, além do Movimento Popular de Saide (Mops). No segmento profis- sional, verifica-se mobilizagao de médicos residentes ¢ 0 movi- mento de Renovagio Médica (Reme). Bra possivel identificar uum segmento estudantil e intelectual, que contava com docen~ tes inseridos nos Departamentos de Medicina Preventiva e So- cial e Escolas de Satide Publica, além de pesquisadores vincula~ dos & Sociedade Brasileira para Progresso da Ciencia (SBPC). Esses mavimentos, segundo 0 autor, representavam anteceden~ tes importantes da Reforma Sanitéria Brasileira (RSB), a qual apresentava, em seu projeto, uma relagio para além da sate, com dimensées tais como a Seguridade Social, a cidadania e as questdes educacionais e cientifico-tecnolégicas. Assim, promo- ver satide também implicaria “conhecer como se apresentam as condigdes de vida ¢ de trabalho na sociedade, para que seja pos sivel intervir socialmente na sua modificasio” (Paim, 2007, p. 99), Ainda, pautar 0 direito & satide “supunha mudancas na or- ganizagZo econdmica determinante das condigdes de vida ¢ tra- balho insalubre e na estrutura juridico-politica perpetuadora de 68 desigualdades na distribuigio de bens ¢ servicos” (Paim, 2007, ~ p.99). Santos (2013) afimma que, nos debates ¢ posicionamentos = politicos, as entidades ¢ movimentos socias assummiam a opsio _ pelo SUS € no pelos planos privados que, na época, possafam pequeno peso ¢ expressio em comparacio com o sistema previ- dencidtio. Borges (2012) reforga essa perspectiva e discute que 0 movimento da RSB, constituido nesse processo, nao se reduz & construgio do SUS, envolvendo a perspectiva de mudangas po- Iitias, econdmicas e sociais traduzidas pelo sistema, transcen- dendo as politicas estatais. Apesar de esses autores néo fazerem refecéncia direta ao Projeto Democrético Popular acima citado, fase aqui leitura de que esses movimentos estavam constituidos « constituiam essa estratégia proposta. Embora no podem ser assemelhados diretamente, que sejam considerados imbricados neste contexto. Autores da Satide Coletiva (Campos, 2014; Ocké-Reis, 2011) indicam que as matrizes discursivas para elaboragio dos aspectos da sade, na Constituigio de 1988, tinham uma mes- cla de crengas socialistase de perspectivas da social-democracia, ingpirados nas experiéncias universalstas dos sistemas nacionais de sade, sem fazer correlagio com Projeto Democritico Popu- la, gestado na época. Campos (2011) descreve que o debate permeava a ampliagio do Estado; planejamento e gestio de or- anizagoes e de sistemas com base em necessidades sociais, én de se contraporem 2 logica competitiva do mercado} financia~ ‘mento piblico ¢ restrigao de servidores. Segundo o autor, mui tos dos prineipios ¢ direttizes do SUS também se assemetham 10 Relatério Davwson, elaborado em 1920, na Gri-Betanha, que continha a nogio do direito universal 4 saide, a proposigao de formas de financiamento piblico para esses sistemas, autilizagio 69

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