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KÁTIA LUCIA MOREIRA LEMOS

PABLO JUAN GRECO


JUAN CARLOS PÉREZ MORALES

5º CONGRESSO INTERNACIONAL DOS


JOGOS DESPORTIVOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS


5º Congresso Internacional dos Jogos Desportivos
Copyright 2015 Instituto Casa da Educação Física

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Universidade Federal de Minas Gerais - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
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C749a Congresso Internacional dos Jogos Desportivos (5. : 2015 :


Belo Horizonte, MG)
2015 5. Congresso Internacional dos Jogos Desportivos /organizadores
Kátia Lucia Moreira Lemos, Pablo Juan Greco, Juan Carlos Pérez
Morales. Belo Horizonte
: EEFFTO/UFMG, 2015.
436p.
ISBN: 978-85-98612-33-1
Inclui bibliografia.
1. Esportes - Congressos 2. Esportes – Estudos e ensino -
Congressos 3. Educação física - Congressos. I. Lemos, Kátia Lucia
Moreira. II.Greco, Pablo Juan. III. Pérez Morales, Juan Carlos. IV. Título.
CDU:796
Ficha catalográfica elaborada pela equipe de bibliotecários da Biblioteca da Escola
de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de
Minas Gerais.
PREFÁCIO
Os jogos desportivos fazem parte da cultura popular, estão
enraizados e imbricados na nossa história, resultam indissociáveis das
nossas características, formas de pensar, de nos integrar socialmente.
Quem quando criança, não ouviu um amiguinho contar, ou vivenciou
pessoalmente, ir a dormir abraçado a bola, o dia antes de aquele jogo tão
importante? Porém, ou mesmo por causa disso, sua temática tão rica e
diversificada solicita permanentemente de novas ideias, novos impulsos.
Os jogos desportivos inerentes da nossa cultura, praticados na rua, na
escola, no clube, no tempo livre, no rendimento etc. configuram-se de longa
data como conteúdos do ensino, da pesquisa e da práxis. A construção das
pontes, o estabelecimento de interações entre estes fatores se constitui no
desafio presente para cada um dos que militam nessas áreas, o professor no
seu dia a dia frente a turma, o pesquisador, na sua investigação que permita
elucidar cada vez mais os componentes e as interações desse vasto mundo
de modalidades e perguntas sobre as mesmas. Mas também na práxis
daquele que pratica, que joga, que deseja consolidar suas motivações,
suas expectativas, sua integração social. Para eles este texto oferece apoio
cientifico de renomeados pesquisadores na área dos Jogos desportivos.
Os capítulos aqui apresentados na sua versão original alinham-se
dentro das diferentes áreas temáticas do 5° Congresso Internacional dos
Jogos Desportivos, realizado em belo Horizonte, na Universidade Federal
de Minas Gerais, com a coordenação do Centro de Estudos em Cognição
e Ação. Todos os autores colaboraram de forma voluntária, assumindo os
esforços de uma tarefa singular: descrever um tema de forma profunda,
porém acessível, para que o leitor se identifique com a temática, descubra
novas intencionalidades, opções e alternativas que o auxiliem no seu
cotidiano, que ampliem seus horizontes.
A obra apresentada reúne textos de especialistas de diferentes
universidades, de distintos países, com díspares formações sob o elo
comum da temática dos jogos desportivos. Como no jogo, a colaboração
deles foi peça mestre na realização da obra. Como no jogo, as
contribuições concatenam-se para conformar o ponto de partida que se
integra espontaneamente numa adequada finalização, num chute a gol, um
chute que tem todas as características de obter sucesso! Ser um bonito
Gol. Não foi solicitado aos especialistas escreverem sobre um tema, foi
deixado a estes a escolha. Fulcral, os jogos esportivos coletivos. E cada um
deles realizou um aporte que se “encaixa” de forma interessante, pontos
de vista complementares, nas áreas do conhecimento inerentes aos Jogos
desportivos. Assim, da formação de recursos humanos, da formação de
treinadores, um dos grandes problemas a ser superado nos dias de hoje no
Brasil, carente de uma sólida estrutura de formação de treinadores (com
exceções claro, como as do Voleibol, o que também mostra-se uma das
características de ter chegado e mantido o sucesso ao longo dos anos!).
passando pela área da análise da performance nos Jogos Desportivos,
apresentam-se novidades importantes para os que desejam investigar e
trabalhar na mesma. Também a área do ensino-aprendizagem e metodologia
dos jogos desportivos são diferentes capítulos que abordam o tema, com
ideias originais, e muitas propostas para reflexão e ação, e portanto á área
da cognição e ação também se desenvolve com aportes direcionados a
práxis, de utilidade para o quotidiano.
Cientes que a abrangência da temática dos jogos desportivos não se
esgota em uma obra, em um congresso, este livro texto visa provocar a
reflexão, as pontes entre a teoria e a práxis, aliás o lema, ou tema central do
congresso. Certamente a leitura trará novos desafios, incitará a geração de
propostas, novas ideias, novos caminhos, abrirá fronteiras e despertará o
desejo de continuar a crescer, marcar um constante “aprender a aprender”.
Fecham-se as cortinas do presente aporte, porem abrem-se novamente
as mesmas para o futuro. Quais os objetivos alcançados no evento?
Quais as impressões que cada um conseguirá apreender após esses
dias de convívio e como a leitura desta obra poderá indicar caminhos a
percorrer.
Como diz o poeta espanhol Antonio Machado, nos seus versos que
descrevem o mediterrâneo, sua terra natal.
“Caminante son tus huellas del camino y nada más caminante no hay
camino, se hace caminho al andar, al andar se hace el camino y al volver la
vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar, caminante no
hay camino sino estelas en la mar.“
O futuro depende de cada um de nos, ele será construído, com as
pontes entre a pesquisa e a práxis que cada um se anime a desenvolver.
Obrigado pela leitura, que esta obra seja apenas uma pequena semente
que contribui para o desenvolvimento de cada um de vocês, e contribui
para a área que nos agrada, o fascinante mundo dos Jogos desportivos. Um
mundo de aleatoriedade, de inovação, criatividade, colaboração, oposição,
mas sempre fascinante.
Os organizadores deste livro lhes desejam boa leitura.
SUMÁRIO

DESPORTO E UNIVERSIDADE: URGÊNCIA DE REVISÃO COM


OS OLHOS DA FILOSOFIA E DA ARTE
Jorge Olímpio Bento................................................................................ 15
PROCESSO ORGANIZACIONAL SISTÊMICO, A PEDAGOGIA
DO JOGO E A COMPLEXIDADE ESTRUTURAL DOS JOGOS
ESPORTIVOS COLETIVOS: UMA REVISÃO CONCEITUAL
Alcides José Scaglia; Riller Silva Reverdito; Marcos Vinícius Russo dos
Santos; Larissa Rafaela Galatti................................................................ 43
RELAÇÃO PEDAGÓGICA E EXPERIÊNCIA DOS ALUNOS NO
ENSINO E APRENDIZAGEM DOS JOGOS DESPORTIVOS
Amândio Graça........................................................................................ 63
RUGBY NO BRASIL: NA ESCOLA! É POSSÍVEL?
Eraldo dos Santos Pinheiro; Mario Renato Azevedo Júnior; Mauricio
Migliano; Gabriel Gustavo Bergmann..................................................... 87
A PERCEPÇÃO DOS EXPERTS ACERCA DOS FATORES
RELEVANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DO JOGADOR DE
BASQUETEBOL
Fernando Tavares; Américo Santos; Luís Gonçalves............................ 101
TOMADA DE DECISÃO: DO ESPORTE AOS ASPECTOS
NEUROFISIOLÓGICOS
Gustavo De Conti Teixeira Costa; Pablo Juan Greco............................ 123
FORMAÇÃO DE TREINADORES: COMO ALOCAR UM
DISCURSO TEÓRICO À PRÁTICA?
Isabel Mesquita...................................................................................... 143
IMPORTÂNCIA DA COGNIÇÃO PARA O JOGAR DE QUALIDADE
NO FUTEBOL
Israel Teoldo; José Guilherme; Júlio Garganta...................................... 169
O ENSINO DOS ESPORTES DE RAQUETE: UMA ATUAÇÃO
PEDAGÓGICA DIVERSIFICADA
Layla Maria Campos Aburachid............................................................ 217
ANÁLISE DA PERFORMANCE ESPORTIVA COM FOCO NAS
CARACTERÍSTICAS PSICOSSOCIAIS: EM BUSCA DE UM
MODELO TEÓRICO
Lenamar Fiorese Vieira; José Roberto Andrade do Nascimento Junior;
Andressa Contreira; William Fernando Garcia; Marcus Vinicius
Mizoguchi.............................................................................................. 237
A INICIAÇÃO AO ANDEBOL (HANDEBOL) – UMA ABORDAGEM
CENTRADA NO DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS
DE JOGO
Luísa Estriga.......................................................................................... 255
TRAINING ATHLETES’ CHOICES USING A SIMPLE HEURISTIC
APPROACH
Markus Raab; Sylvain Laborde; Mariana Lopes; Pablo Greco............ 271
FORMAÇÃO DE TREINADORES ESPORTIVOS: REALIDADE E
PERSPECTIVAS
Michel Milistetd; William das Neves Salles; Vinicius Zeilmann Brasil;
Michél Angillo Saad; Juarez Vieira do Nascimento.............................. 285
A COGNIÇÃO EM AÇÃO: PROPOSTA DE UM MODELO DE
TREINAMENTO TÁTICO-TÉCNICO DA TOMADA DE DECISÃO
NOS JOGOS DESPORTIVOS COLETIVOS
Pablo Juan Greco; Juan Carlos Perez Morales; Henrique de Oliveira
Castro; Gibson Moreira Praça................................................................ 311
INICIAÇÃO ESPORTIVA UNIVERSAL: O JOGO DO “ABC” NA
ALFABETIZAÇÃO ESPORTIVA
Pablo Juan Greco; Juan Carlos Pérez Morales; Layla Campos Aburachid;
Mariana Calábria Lópes; Schelyne Ribas da Silva; Rodolfo Novellino
Benda..................................................................................................... 335
ACTUACIÓN DOCENTE DEL ENTRENADOR PARA EL
DESARROLLO DE LA TOMA DE DECISIONES DE JUGADORES
DE VOLEIBOL EN ETAPAS DE FORMACIÓN
Perla Moreno Arroyo............................................................................. 261
LA INTERVENCIÓN DEL ENTRENADOR A TRAVÉS DEL
ANÁLISIS DE LAS TAREAS DE ENTRENAMIENTO
Sergio J. Ibáñez; Sebastián Feu; María Cañadas; Javier García............ 381
TALENTO ESPORTIVO: TEORIA E PRÁTICA
Adroaldo Gaya; Vinícius Denardin Cardoso; Anelise Reis Gaya; Alberto
Reinaldo Reppold Filho......................................................................... 411
SOBRE OS ORGANIZADORES

Profa. Dra. Kátia Lúcia Moreira Lemos


Professora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (UFMG)
Coordenadora do Grupo de Estudos em Sociologia e Pedagogia do
Esporte (GESPE)

Prof. Dr. Pablo Juan Greco


Professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (UFMG)
Coordenador do Centro de Estudos em Cognição e Ação (CECA)

Prof. Dr. Juan Carlos Pérez Morales


Professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional (UFMG)
Membro do Centro de Estudos em Cognição e Ação (CECA)
COLABORADORES

Prof. Ms. Gibson Moreira Praça


Professor do Departamento de Educação Física (UFVJM)
Membro do Centro de Estudos em Cognição e Ação

Prof. Ms. Gustavo de Conti Teixeira Costa


Professor da Faculdade Estácio de Sá
Membro do Centro de Estudos em Cognição e Ação

Prof. Ms. Henrique de Oliveira Castro


Membro do Centro de Estudos em Cognição e Ação
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Reitor
Prof. Dr. Jaime Arturo Ramírez

Vice-Reitora
Profa. Dra. Sandra Regina Goulart Almeida

Diretor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia


Ocupacional
Prof. Dr. Sérgio Teixeira da Fonseca

Vice-diretor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia


Ocupacional
Prof. Dr. Herbert Ugrinowitsch

Chefe do Departamento de Esportes


Prof. Dr. Fernando Vitor Lima
EQUIPE EDITORIAL
ORGANIZADORES
Profa. Dra. Kátia Lúcia Moreira Lemos EEFFTO/UFMG
Prof. Dr. Pablo Juan Greco EEFFTO/UFMG
Prof. Dr. Juan Carlos Pérez Morales EEFFTO/UFMG

REVISORES
Prof. Dr. Pablo Juan Greco EEFFTO/UFMG
Prof. Ms. Gibson Moreira Praça DEFI/UFVJM
Prof. Ms. Gustavo Conti Teixeira Costa EEFFTO/UFMG
Prof. Ms. Henrique de Castro EEFFTO/UFMG

CONSULTORA DE NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA


Íris da Silva – Bibliotecária CRB6 2283 – EEFFTO/UFMG
DESPORTO E UNIVERSIDADE: URGÊNCIA DE REVISÃO COM OS OLHOS DA
FILOSOFIA E DA ARTE

Jorge Olímpio Bento1


Os homens não desejam aquilo que fazem, mas os objetivos que os levam a fazer
aquilo que fazem.

Platão, 427-347 a.C.

Começo com um aviso que deve merecer atenção da parte dos


leitores: tenham muito cuidado comigo, porquanto ando na contramão,
apostado em atrapalhar o tráfego! Na contramão do quê?
Eu digo prontamente, sem delongas ou entretantos ou falinhas mansas:
na contramão de uma era de cores e contornos medievais, dominada pela
banalidade, insânia e trivialidade, pelo desprezo do património utópico, pelo
‘império do efémero’, do superficial, do vazio asfixiante e da mesquinhez
aviltante, pelo pragmatismo e utilitarismo de vistas curtas e exíguas, pela
categorização e envernizamento do homo festivus como homo aestheticus,
pelo entretenimento e hedonismo compulsivos e desenfreados, pelo
egocentrismo e hiperindividualismo chocantes e desumanizantes, pelo
pensamento (?) binário, de polaridade simplória e dicotomias primárias,
simplista e reprodutor do ‘mainstream’ e do senso-comum.2
Procuro objetivamente transitar, como peão avisado, desperto e
perscrutador, na capciosa e traiçoeira faixa do alastramento e consentimento
da barbárie, do canibalismo subtil, mas brutal e cruel, do desfortúnio
cotidiano e da regressão civilizacional, do crescimento da ignorância
arrogante e das certezas miseráveis, das mentalidades modeladas pelo
estilo ‘bunker’, da ditadura e do endeusamento das métricas, dos números
e dos gráficos, do apagão da lucidez, do desincentivo e da desmoralização
da capacidade de pensar crítica e livremente, da ‘funcionalização’ da
educação e formação e da ação dos professores, da ascensão dos padrões
1
Professor Catedrático e Diretor da FADEUP-Faculdade de Desporto da Universidade
do Porto.
2
SAFATLE, Vladimir. Pensamento binário, Folha de S. Paulo, p. A2, 28.07.2015.
15
e ‘valores’ tecnocráticos, da involução mental, da diminuição da visão
complexa e eclética do mundo, da realidade e da vida, do ressurgimento
e da proliferação do fanatismo e das verdades apodíticas, baseadas na
economia e estatística e, quiçá, em disciplinas estranhas e ocultas, da
imposição de uma ‘ciência e pesquisa de eunucos’, ao serviço do sultão ou
mandarim e dos seus beneficiários e financiadores.
Não se estranhem: eu trafego propositadamente nestas pistas, porém
em sentido contrário, para ocasionar o embate e o choque, para provocar
estilhaços incómodos e atear, com labaredas acesas, discussões assanhadas!
É com este circunstancialismo que venho falar da Universidade e
do Desporto como ‘artefactos’ e ‘artífices’, como instituições e fatores
de construção da ‘artificialidade’, franqueadora da passagem dos
‘hominianos’ a humanos. Não venho desamparado. Trago comigo uma
declaração de apoio, escrita por Friedrich Schiller (1759-1805): “A Arte
é a mão direita da Natureza. Esta última deu-nos apenas o ser, a primeira
fez de nós homens.” Uma outra firmada pelo punho de Fernando Pessoa
(1888-1935): “É de meu natural ser artificial.” E ainda estoutra, assinada
por Vinicius de Moraes (1913-1980) em A Garota de Ipanema: “A beleza
é fundamental.” Sim, a beleza dos sentimentos, das atitudes, das palavras
e gestos é o alicerce e o pilar que suportam a humanidade levantada sobre
a animalidade.
Valho-me, não por último, do amparo de Karl Marx (1818-1883),
sabendo quão perigoso é socorrer-me dele. O barbudo e façanhudo,
facundo e provocador analista e pensador, hodiernamente amaldiçoado e
proscrito dos círculos do diletantismo e da masturbação do ‘politicamente
correto’, seguindo a esteira dos antigos, inseminadores e percursores
filósofos e mitólogos helenos, fundamentou a tese da impossibilidade do
mundo humano-social se distinguir do mundo animal, sem ser modelado
segundo “as leis da beleza”, sempre e em toda a parte, desde a sociedade
primitiva até ao presente. Quer dizer, a ‘artealização’, a ‘estetização’ e
‘estilização’ do mundo humano, das celebrações e rituais, dos contextos,
corpos, objetos e utensílios são pressupostos antropológicos, contínuos
e trans-históricos da sociedade. As diversas e extremamente distintas
formas do labor estético constituem a marca singular de uma dada época,

16
humanizando e socializando as emoções, os paladares e os sentidos.3
Para não deixar, por mãos alheias, os meus créditos de guerreiro de
má e terrível fama, abro as hostilidades, atirando esta pedrada pesada e
pontiaguda: O papel de oficina de ‘artesanato’, de ‘artesão’, de ‘ourives’
ou ‘tecelão’ de peças de retoque fino, de critério elegante e de gosto
apurado, atribuído à Universidade e ao desporto, está abandonado ou
subalternizado nas reflexões e nas linhas de investigação, tal como a sua
vinculação ao Humanismo e Iluminismo. Como se fosse absolutamente
normal e não houvesse nada a perturbar o nosso olhar.
Ainda poderemos chamar desporto a muitas das suas manifestações
na atualidade? Mais, sendo o desporto uma expressão do que é o indivíduo
humano, um ‘ser excessivo’ e ‘transfronteiriço’, propenso a exceder
e quebrar os limites e as amarras instintivas e naturais, a afastar-se e
distinguir-se do animal, mas igualmente a regredir para o ponto de partida,
para a fronteira da animalidade, como está a tematização deste afastamento
e recuo? Suscita aplauso e louvor a elaboração das vias e balizas para esta
apreciação? Ou será que ela é infundada e não tem carácter de urgência?4
O empreendimento de edificação da cidade humana é obra da
filosofia, da cultura, da arte, da ciência e, claro, também do desporto. A obra
é muito difícil, porque a floresta da animalidade é densa, cresce e avança
sem esforço. O Código de Hamurábi (escrito pelo rei com o mesmo nome,
na Mesopotâmia, aproximadamente em 1700 a. C.) e os ‘libertadores’
3
LIPOVETSKY, Gilles & SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do
capitalismo artista, p. 16. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. (Oferece-se chamar a
atenção para a extraordinária multiplicação das tecnologias e usos do corpo, assim como
para a expansão registada pelo desporto na segunda metade do século passado, a ponto
de ‘desportificar’ a sociedade, as linguagens, os estilos de vida, o vestuário, etc. Não
por acaso, há intelectuais, uns movidos pelo preconceito e ressabiamento e outros pela
constatação factual, que rotulam o século XX como “esse estranho século do desporto”).
4
Como é sabido, o limiar de tolerância à violência altera-se e é um dos indicadores da
civilização. Ora o desporto é confabulação de uma violência simbólica, não podendo
descambar para o combate de vida e de morte, alicerçado na violência meramente física,
inerente à animalidade e bestialidade. Mais, ao longo da história, o código de regras
do desporto sofreu alterações e várias modalidades desportivas foram banidas, devido
exatamente ao facto de não se compaginarem com o limiar de tolerância à violência. O
que é que vemos hoje? A emergência de formas brutais e grotescas de prática desportiva!
Não está na hora de levantar a voz contra esta involução? Ou será que a cegueira ética
impede de ver semelhantes aberrações?
17
Mandamentos de Moisés (redigidos, no Monte Horebe, cerca de 1512 a.
C.) caíram, paulatinamente, no esquecimento; deixaram de ser ensinados,
aprendidos, observados e praticados. Está bem assim? Batemos palmas de
contentamento?
II
Desde os primórdios da civilização, a sabedoria humana tem
consistido em estabelecer a prevalência do espiritual, moral e sagrado
sobre o material, o animalesco, mundano e profano, e em criar instituições
que encarnam, difundem e consolidam essa primazia.
Nessas instituições repousa a incumbência de indicar as metas e
sentidos do processo civilizacional, de fornecer as referências, energias e
estímulos que animam os nossos passos, as pernas que permitem avançar,
os braços que ajudam a subir, os olhos que possibilitam discernir, os ideais
que permitem sorrir. Elas concebem as artes, os artefactos, os instrumentos
e os métodos que nos facultam e intimam a tornar possível o impossível,
próximo o distante, realizável o idealizável, factual o virtual, familiar o
estranho, a perseguir o infinito e a apresentar mais compreensíveis, leves,
palpáveis e tangíveis os trágicos, profundos e indecifráveis mistérios da
vida.
A história da Humanidade é contada e interpretada pelo papel e
trajeto das suas instituições ao longo dos tempos, pela sobrevivência e
transformação de algumas, pelo desaparecimento e substituição da maioria
delas, em sintonia com os arcanos e anseios, as contradições e os problemas
de cada época. Elas são uma representação do entorno em que surgem
os poetas e vates, os filósofos e pensadores e toda a sorte de artífices e
pontífices que constroem e abatem mitos, causas, paradigmas, utopias e
distopias, educam os povos e lançam pontes entre o passado, o presente e
o futuro.
A Universidade e o desporto incluem-se nesse escol de instituições
e estruturas. E têm muito em comum: são um produto da Modernidade,
do Humanismo e Iluminismo, recebem destes a base da sua fundação e a
bússola da sua missão. Isto é, o clarão da filosofia e da cultura ilumina a
Universidade e o desporto, com o fulgor dos axiomas gregos da ‘arété’,
da perfectibilidade e transcendência. Ambos almejam prosseguir na senda
18
do Homem Novo, dono e senhor da natureza, um ser de liberdade e dos
possíveis, fora de escala, sem especificidade, essência natural e identidade
a priori, fiado na logodiceia e descrente da teodiceia. Visam tornar os
humanos sujeitos da sua vida, aptos a superar a inumanidade de que somos
parte, sob a luz da razão, da ética e da estética, dar-lhes uma arquitetura e
‘forma’ interiores e exteriores, conformes às grandezas idealizadas.
Wilhelm von Humboldt (1767-1835) bebeu nessa fonte a inspiração
para, na peugada de Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), de
Voltaire (1694-1778), de Rousseau (1712-1778), de Kant (1724-1804),
de Pestalozzi (1746-1827) e Goethe (1749-1832), entre tantos outros,
formular, em 1810, a ‘ideia’ da Universidade Moderna e coligir, para a
respetiva concretização, os elementos do conceito de formação (Bildung).
Antes dele, Guts Muths (1759-1839) tinha projetado o Homo
Gymnasticus, como versão do Homem Novo e da sua busca, na obra
Gymnastik für die Jugend (Ginástica para a juventude), escrita em 1793.
Pestalozzi segue na mesma via ao fundamentar, em 1807, os atos corporais
como autênticos exercícios ‘anímicos, volitivos e morais’; e ao prescrever
o mandamento do ‘desenvolvimento’ do corpo, de não o abandonar à
espontaneidade natural.
O Homo Olympicus, de Pierre de Coubertin (1863-1937) incorpora
essas bitolas. Com elas, o barão e os seus seguidores recriaram o desporto
como expressão da relação de ‘natura’ e ‘cultura’ na configuração do
homem e do seu corpo, da submissão da natureza originária e primeira aos
fins da segunda. Apresentaram-no como metáfora, paradigma e versão de
uma ‘filosofia da transcendência’ e da ‘exaltação da vida’, com ‘pretensão
de totalidade’ e de aplicação em todos os campos: enlaçando o bem (ética),
o belo (estética), o respeito por si e pelos outros (fair-play), a consciência
de valores (moral) e a elevação da existência ao plano da excelência (arte,
arété, virtude).
Deste jeito no desporto encontram repercussão, guarida e observância
as exortações e prescrições do Humanismo e Iluminismo, erigindo-o em
‘fator de regeneração ética’ da sociedade, modelando-o com uma ‘moral
em ação’.
Em suma, a Universidade, o olimpismo e o desporto provêm da

19
mesma fonte matricial. Temos que os revisitar, munidos da mesma noção
e visão, com o intuito de sopesar o abandono da mensagem original,
sacrificada no altar do utilitarismo demencial. Com lentes conceitualmente
aprimoradas, não será difícil verificar e reparar a medida da sua insana
afetação pela loucura da contemporaneidade.
III
Como é sabido, os nossos ancestrais gregos definiram-nos como entes
‘artísticos’ e ‘simbólicos’. A definição contém um requisito para sermos
humanos. Por conseguinte, somos criadores e consumidores de símbolos
que ritualizam a vida e associam as ações e objetos a significados que
transcendem os seus efeitos palpáveis. Isto está bem expresso na citação
de Platão, que inaugura este texto.
Vivemos num universo simbólico. Somos protagonistas de
símbolos práticos, de ‘atos intencionados’, interpretativos e instituidores
de finalidades e sentidos, codificando, organizando e regulando, com
significantes e significados, a nossa conduta.
Este congresso é, portanto, um ato simbólico, como o são todos os
praticados na instituição eminentemente simbólica que é a Universidade.
Ele consagra o regresso à Grécia Antiga, ao contexto onde melhor
coabitaram a academia e o desporto. Por isso é um ensejo para evocações,
elogios e renovações, que acordem a inquietação perante os desvarios e
descaminhos das circunstâncias.
É nesta conformidade que aqui venho, de corda ao pescoço. O fio de
inquietude, que me leva a pensar e questionar a Universidade e o desporto,
é o mesmo; é tecido com as mesmas equações, inquietações, intenções
e preocupações. Contudo, não basta apresentar a substância e textura do
novelo. Estamos aqui para dele tirar ilações.
Venho aqui aguilhoado pela advertência de Teixeira de Pascoaes, e
amedrontado pela probabilidade de ser atingido pelo seu ferrão pontiagudo:
“Sempre que o homem hesita na sua humanidade, aparece o macaco.” E
também para corresponder ao seu ajuizamento: “A verdadeira liberdade
consiste em obrarmos em nosso próprio nome, em sermos nós em nossas

20
obras e pensamentos.”5
Não olvido este juízo, bem como o do Padre António Vieira (1608-
1697): “Cada um é as suas ações e não outra coisa (…) A verdadeira
fidalguia é a ação.” Este carrego não é maior do que a esperançosa
convicção de encontrar companheiros de eleição em todos quantos trazem
às páginas deste livro e às sessões do congresso o seu labor e reflexão.
“Sem vontade nada feito”, proclamou Aristóteles (384-322 a.C.),
lembrando que, só através da ação, podemos converter em realidade as
irrealidades e inexistências que idealizamos e pensamos.
A atitude passiva e demissionária aliena e tolhe os nossos passos. A
acrasia, a desídia, gravidade, indolência, preguiça e obesidade nos olhos
e sentimentos, no coração e na alma puxam para o chão e para a inércia,
afundam no pasmo e na falsidade, no nível zero de humanização; e atiram
para fora da órbita da dignidade. A fé, sem obras, é morta, postula o credo
cristão.
O lema do desporto e da vida - Citius, Altius, Fortius! - apela a
sonhar e realizar. A não cair na tentação de converter a reflexão em lamúria
inibidora da ação; e na ingénua espera de ver, de maneira espontânea,
ultrapassados os males denunciados e realizados os sonhos idealizados,
sem o empenho correspondente.
Assumamos a necessidade e o dever de voltar a elaborar, divulgar e
lutar por utopias e não ficar à espera de que se concretizem. Como disse
Eurípedes (ca. 480-406 a.C.), “o tempo não se ocupa em realizar as nossas
esperanças; faz o seu trabalho e voa.” Somos nós que temos de apontar os
ideais e utopias, indicadores dos roteiros por onde nos cumpre caminhar,
no dizer de Eduardo Galeano (1940-2015).
IV
A minha participação nesta douta congregação, dedicada ao estudo
da nossa área de atuação académica e profissional, suscita-me um estado de
alma pintado de gratidão e de regozijo. Sinto-me grato pela oportunidade,
que me é oferecida, de discorrer sobre o que me pica e fere as entranhas e
a pele. É verdade que faz escuro na Universidade e no desporto; vejo-os
5
PASCOAES, Teixeira de. Arte de ser português. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.
21
envoltos em densa neblina, pedindo um foco de iluminação. Não é menos
verdade que venho apontando e conclamando, nos últimos anos, para a
necessidade de urgente revisão.
Porém, não obstante a aliciante moldura de intenções, assola-
me a dúvida de não conseguir este panegírico de abertura do congresso
com a “imaginação, fecunda e santa”, com “a vida e a luz de tudo”, que
Teixeira de Pascoaes vislumbra na Senhora da Noite. Ela, sob a forma de
“erma donzela”, sobe, no lusco-fusco, aos cerros do Marão (a serra mais
alta do reino maravilhoso de Trás-Os-Montes, meu berço alimentício e
inspirador), para durante a noite se metamorfosear em aurora e irradiar
um lume que rompe “a sombra indefinida, o espectro mudo”; e desce lá do
alto, carregada de “noturnos sonhos”, para inundar de sol as encostas, os
vales, outeiros e pinheirais da negra solidão, convertendo-os em faceiras
de sorrisos e searas de trigo.
Não logrando abeirar-me da concretização de tal intento, sobra esta
gratificação: “Eu vos abençoo, malucos, lunáticos, mágicos (…), poetas e
os que saem para a rua, sem chapéu, por divino esquecimento e os que vão
a falar só, pelos caminhos (...) e os que olham a lua, latindo intimamente
(...) e os que se não conformam, os que não seguem a lei nem o costume,
todas as criaturas onde o anjo da infância sobrevive.”6
Saúdo os organizadores deste congresso. Saúdo o desporto e todos
quantos justificam o seu ideário. Saúdo a vida! Saúdo todos os congressistas
pela generosidade e pelo simbolismo da decisão da sua presença e empenho,
por afrontarem o conformismo dos hábitos e costumes. Ao homenageá-los,
nesta hora em que as palavras perderam fiabilidade, estou igualmente a
enaltecer todos quantos honram o desporto e a Universidade, fazem jus
à altura do ritual do casamento entre os dois, pela conduta exemplar, por
cultuarem a elegância e fulgurância da palavra subida, límpida e culminante
e, assim, erguerem bem alto o legado que nos veio de tão longe.
Importa que se diga algo mais. A tocha olímpica representa o fogo
de Prometeu. E o estádio é, nem mais nem menos, o templo onde esse
fogo arde para nos mostrar o céu da admiração e encantamento. Uma ‘lux
indeficiens’, que nunca se extingue e apaga, por mais densa que seja a
6
PASCOAES, Teixeira de. Senhora da Noite. Verbo Escuro. Lisboa: Assírio & Alvim,
1999.
22
escuridão em nosso redor. Quando o atleta sobe as escadas, que levam
à pira olímpica, e a ateia com a chama que transporta nas mãos e dentro
de si, está a devolver aos deuses, aumentado e multiplicado, o fogo que
Prometeu lhes roubou para o entregar às criaturas de Epitemeu. É essa
luz das estrelas acima de nós da nossa baixeza, do nosso espírito, das
artes, das técnicas, das habilidades, das nossas escolhas e opções éticas
e morais, do nosso Humanismo e Iluminismo, da nossa racionalidade e
maioridade humanas, do aprimoramento da nossa imperfeição, da busca
incessante da nossa imperfeita perfeição, do controlo, domínio, superação
e transcendência da nossa pequenez e figura grotescas, sim, é tudo isso que
vimos aqui celebrar e proclamar.
Ao efetuarmos este ato e avocarmos estes compromissos no claustro
da Universidade, local de consagração e meditação, destinado a abrigar,
fecundar, fomentar e irradiar a erudição e a espiritualidade, estamos a optar
por uma estrada de largo alcance. Esta vai para além de nós e deste lugar;
leva-nos ao palco de comprovação das obrigações e responsabilidades
cívicas e intelectuais que, na qualidade de académicos, nos atam à polis
com laços indestrutíveis. Com isso emitimos sinais de que nos sentimos
obrigados a uma remissão discursiva e prática dos fins e das orientações da
Universidade e do desporto, da sociedade e da vida. Enfim, comprometemo-
nos a questionar o idioma e a vulgata do ‘utilitês’, hoje em alta, secando e
sufocando tudo à sua volta.

V
Por isso mesmo, a motivação, que aqui nos congrega, não é ingénua.
Constitui um preito de reconhecimento e juramento de passagem do verbo
à ação. Visamos edificar uma ponte para ultrapassar o enorme fosso entre
a importância que o desporto usufrui na sociedade e o desdém que lhe
é votado pela elite da alta cultura. Assim como apelamos a pôr termo à
indiferença face ao crime de perversão e apoucamento da sua vocação
humanista, perpetrado pelos donos desta hora e pelos seus avençados e
súbditos nos órgãos mediáticos.
Inclusive na Universidade o desporto é encarado como assunto
periférico, com condescendência arrogante e sobranceira, cuidadosa de
agir dentro das fronteiras do politicamente correto.
23
Seria estultice da nossa parte, se nos limitássemos a chorar lágrimas
de crocodilo ou a vomitar impropérios contra esta situação, em vez de
cuidarmos das causas que a provocam, bem como dos argumentos e
remédios para a debelar.
Píndaro (518-438 a. C.), nas suas odes, concita para a celebração
religiosa dos atletas. Nele é notório o esforço e o engenho para valorizar
as proezas atléticas, para as situar no pináculo da cultura, e criar delas
uma imagem de sublimidade: “Olímpia, mãe dos jogos de áureas coroas,
senhora da verdade!”
Salvo raras exceções, a disposição para louvar o desporto não se
prolongou na nossa tradição cultural. Muitos intelectuais diminuem e
descartam a sua função. Não é raro que vejam a popularidade do desporto
como indício de decadência ou afastamento de uma suposta ‘autenticidade’
cultural, “que jamais é definida com clareza.”7
Mesmo muitos dos que gostam dele não logram captar o seu
fundamento essencial, a sua função primordial. Faltam-lhes olhos
para perceber que o desporto pode não mudar a nossa natureza, mas
transforma-a, mudando o que escolhemos ser; pode ser uma centelha para
soltar as consciências das cadeias da alienação e manipulação à solta. E
porquê? Porque a paixão pelo desporto não implica que o indivíduo se
enrede nele. Do útero, que gera a turba desregrada e virulenta, também
nascem desígnios límpidos e floridos.
Em regra, vigoram a depreciação e o menoscabo, que identificam o
desporto com uma atribuição secundária, sem elevados fins intrínsecos,
restando-lhe servir apenas para a satisfação de externalidades, ser
instrumentalizado para interesses, mais ou menos escuros, de duvidosa
credibilidade.
A dificuldade de elogiar o desporto demonstra que continua vigente
um tipo de racionalidade inibidora da descoberta e interpretação da
metafísica nos movimentos e atos corpóreos, de que os corpos e os feitos
dos atletas são signos e vias para algo espiritual e transcendental. Porventura
contaminada por um veneno idêntico ao que se inoculou no tresloucado
7
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Elogio da beleza atlética, p. 28. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007.
24
‘publish or perish’ da ‘papermania’ e dos ‘salami papers’, aquela visão
não concebe a competição desportiva em cooperação e cumplicidade com
a arété grega, com a harmonia e unidade de técnica, performance, ética,
estética, excelência, magnificência, excelsitude e virtude.
Essa racionalidade desabitada de sensibilidade impede de ver nos
gestos e prestações corporais transfigurações eivadas de espiritualidade.
Ignora a recomendação de Aristóteles (384-322 a.C.) para atribuirmos
importância às coisas que nos cercam, laborarmos no aperfeiçoamento
do relacionamento com elas, se queremos realmente melhorar-nos a nós,
ver além do material e aceder ao imaterial. Tal como olvida a valoração
extraordinária que Homero (séc. IX a.C.) concedeu às obras difíceis e bem
conseguidas, entre elas os feitos desportivos, realizadas com os pés e as
mãos.
Eis algo que é bonito afirmar, mas não é bastante. Exige-se que não
fiquemos por isso; a coerência aconselha a extrair ilações e consequências
para as linhas de pesquisa, para a elaboração e formulação dos argumentos
de legitimação e para a definição das instrumentalizações do desporto,
nesta época ensandecida pela loucura e pelo viés do pragmatismo e
utilitarismo mais extremados e do negócio e lucro mais obscenos. Pelo
predomínio absoluto do animal laborans e do homo eficiens e faber sobre
o homo ludens.
VI
Ora nós estamos aqui para afirmar o desporto e as suas instituições
como desejáveis e indispensáveis à justificação e salvação da nossa
precária existência. Certamente, o desporto e os atletas não ganham muito
com o facto de lhes prestarmos este tributo. Somos nós que ganhamos; ao
enaltecermos o fascínio e a paixão que o desporto nos causa, o prazer que
os seus espetáculos nos proporcionam, exercitamos o dever e a pulsão da
gratidão sem destinatário específico. É uma gratidão à vida que amamos.
Uma recusa do registo hiper-racional de linguagens e modos de pensar
esquecidos da necessidade de incluir as emoções nas avaliações e decisões.8

8
Se a racionalidade de não poucos decisores políticos e afins incluísse o sensível, ser-
lhes-ia mais difícil tomar medidas que empurram as pessoas para o desvão da indignidade
e desumanidade.
25
Concedamos que é deveras difícil elogiar o desporto, por não ser
fácil descrever a inigualável beleza e imagética que o perfazem e nos
oferecem momentos de contacto intermitente com o fascínio e esplendor
das utopias da felicidade e verdade. Por ser evidente que ele atrai para
condutas e reações ruins e pouco saudáveis. Mas isso não nos pode
desviar da explicação central e fundamental do seu apelo: a insularidade
e a autonomia da experiência estética em relação ao trama do quotidiano,
driblado e posto de lado durante a execução desportiva. Esta somente é
realidade exterior na aparência, porquanto tem o singular poder de evocar
e inundar a nossa alma de todos os sentimentos possíveis e de todos os
conteúdos vitais. Nisto reside algo muito valioso que confere ao desporto
“o poder por excelência da arte”, apontado por Hegel (1770-1831) nas
suas reflexões sobre estética.
Kant formulou que a arte é bela, quando parece ser natureza. Esta
asserção aplica-se inteiramente ao desporto. Uma jogada ou um gesto
são belos por nos parecerem atitudes naturais dos seus autores. Mais, o
desporto congrega o belo e o feérico, a qualidade e a grandeza, a forma
que limita o objeto e a ilimitabilidade que nele se expressa, aquilo que, ao
mesmo tempo, nos aprimora e sobrepuja.
Poderá contrapor-se que isto se descortina e experiencia noutros
objetos. Mas não com a intensidade e concentração torrenciais, registadas
no desporto. Não há nada mais intenso do que assistir a um espetáculo
desportivo, suportar a incerteza, esperar o que pode acontecer, sem ter
a garantia de que aconteça, por ficar acima dos limites de previsão da
prestação humana. O mesmo é dizer que a vivência estética no desporto,
sejamos praticantes ou expectadores, sendo idêntica à da experiência
estética em geral, distingue-se pelo facto de a nossa condição atuar perto
do limite máximo. Oscilamos entre o aparecimento e a dissolução rápida e
irreversível de formas belas e magníficas de transfiguração corporal, entre
a percepção da beleza na sua aparência física e a obrigação de a interpretar
consoante as regras em presença.
É isto que torna viciante o efeito estético do desporto e o torna palco
de epifanias e artes dramáticas. Tudo nele é real e fecundo, nada é mera
atuação ou fingimento. Ele enleia-nos com o encanto das adaptações dos
corpos a uma multiplicidade de formas, figuras e funções, resultantes da
26
conjugação do sacrifício e sofrimento com a dinâmica e o ritmo, o rigor
apolíneo e o excesso dionisíaco. Repare-se, por favor, na volta triunfal
do atleta, de braços erguidos, que acaba de ganhar uma prova no estádio
olímpico! Ele concita aplauso e respeito por ser a imagem delicada
e exuberante de um sábio que dobrou o destino com a administração
harmoniosa e inteligente das suas forças.
Nem toda a gente é capaz de ver estas ‘coisas’ subidas que ele contém.
É certo que a beleza e a magnificência estão latentes em qualquer parcela
da realidade, por mais pequena que seja. Porém elas são invisíveis aos
que não possuem a sensibilidade para as captar. Mais, todos os indivíduos
creem na existência do belo, muitos pressentem e lobrigam a sua presença
aqui e ali, mas poucos sabem defini-lo.
A arte e a cultura não moram só em museus, bibliotecas, livrarias e
salas de orquestra. Também se encontram nas festas e romarias, nas missas
e procissões, nas confraternizações e feiras, nos estádios e nos sentimentos
de alegria, angústia, choro, drama, dor e tristeza que aí afloram, nas
identificações, expressões e estados de forma que se revelam em tais
instâncias, lugares e situações.
Zygmunt Bauman vai ao âmago da função da cultura: “Codificações
de mecanismos engenhosos calculados para tornar suportável a vida com
a consciência da morte.”
Está tudo dito, mas ele concretiza e precisa: a genialidade e
“inventividade das culturas (consiste em) tornar possível conviver com a
inevitabilidade da morte.”9
Noutra obra o magno analista da contemporaneidade aborda, com a
sua fina lupa, a noção de cultura: “um fermento que evita que a realidade
social fique parada e que obriga a uma eterna autotranscendência.” 10
As manifestações culturais e artísticas podem comportar uma
saudável dimensão ou função recreativa e até catártica ou escapista; mas
não podem ser reduzidas a isso. São obra e expressão do imaterial, da
roupa que nos veste por dentro e não se pode despir, sob pena de cairmos
numa concepção enviesada da cultura e da arte, feita só de banalizações,
9
BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
10
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
27
frivolidades, superfícies, vernizes, ruídos, de promoção do bacoco, soez e
grotesco, de perversão da estesia.
Não se esqueça: a arte interpreta e inspira a vida; a sua função
suprema é a de convidar a vida a imitá-la e segui-la. A grandeza da arte
mede-se pela sua capacidade de nos levar à ‘intuição do inexprimível’ e
até ‘do não representável’, mesmo que estes não possam ser descritos.
O verdadeiro artista é aquele que encontra a expressão simbólica da
experiência transcendente.
VII
Como já apontado atrás, o indivíduo ‘hominiano’ é um sujeito da
inclinação para o ‘excessivo’, o único dos animais com tendência para
cometer excessos, para atingir, transgredir e violar o limite natural, para
ter uma relação com o não vivível e usar uma fala suscetível de namorar
e dizer o não dizível. Excede-se, desafia, investe e vai além dos limites,
em todas as dimensões existenciais, convertendo as suas possibilidades
naturais em domínios culturais, assim se artificializando e acrescentando
novas qualidades artificiais.
Afetado pela ‘hibridez’, ele tanto pode ser refém da feiura e do mal
como optar pelo bem e o bom. Esta competência de opção faz dele um
‘sujeito ético’, metafísico, sobrenatural, e místico, incompatível com a
esfera dos meros factos. Um ‘sujeito auto-transcendente’ e ‘problemático’,
disponível para a transgressão, para sair de si e da subjetividade, para
buscar e apropriar o não familiar e o não existente, distendendo-se numa
esfera superior à da objetividade e à dos factos. Somente seguindo esta via,
é que se realiza como ‘sujeito ético e estético’, superador e transgressor do
espaço do seu mundo estreito e fechado, para contactar com o intocável.
É precisamente isto que perfaz o cerne da filosofia e da arte; e
constitui o fim primeiro do desporto e neste é visível, tal como em todas as
modalidades da cultura e ciência.
Filosofia, arte e desporto são uma forma de busca e afirmação da
verdade ética e estética, da virtualidade pura. Estas ganham foros de
realidade no momento em que se toca o impossível. Dito de outro modo,
a filosofia, a arte e o desporto são formas e instrumentos de realização de

28
verdades não pré-existentes, de as inventar e produzir.
Ao convidarem, intimarem e pressionarem o ‘artista’ a ir para além
do seu ser atual, a lançar-se e perder-se no espaço do indeterminado, a
aprimorar, depurar e sublimar a forma, a arte e o desporto concitam para a
verdade, ou seja, para o que sobra, para o que resulta do excesso laborioso
do artífice. É assim, saindo da esfera da restrita subjetividade, que o sujeito
projeta como objeto e alvo a sua identificação; e encontra-a na peregrinação
atrás do inconcebível e incrível. Paradoxalmente, a figura lendária e mítica
de Ícaro só existe por ele ter arriscado voar e expor aos raios e ao calor do
sol as suas asas fixas com cera.
A filosofia e a arte ligam-se, de maneira insolúvel, à ‘liberdade
transcendental’ ou à transcendência fundamental e fundadora do sujeito.
Elas ostentam um carácter de desassossego e instigação, espicaçante,
ofensivo e agressivo, apostado em remover o sujeito da mera circunstância
animal, em dar a esta um pendor supra-subjetivo, a beirar o esplendor
platónico do belo, do bom e verdadeiro.
Outra coisa não é o desporto. Ele configura-se como uma compilação
de medidas e padrões de criação e animação da vontade (conforme a
fundamentação de Pestalozzi) e da coragem da liberdade do sujeito e do
seu anticonformismo. Para sair de si e da ordem estabelecida, para se
transgredir, não se acomodar e conformar à autoimagem, para ativar o seu
outro si e se responsabilizar por essa ousadia.
No desporto afirma-se, ao mesmo tempo, uma forma de verdade e
uma forma de vida, que partilha com os outros. Por isso, ele é, cumulativa
e essencialmente, um campo de cultivo da alteridade, da convivialidade e
solidariedade, de aprendizagem de normas do trato humano do outro, de
apreço e assunção de responsabilidade pelo outro.
VIII
A ontologia, a questão do ser e da sua essência são objeto da filosofia,
pelo menos desde Parménides (530 - 460 a.C.). Do desporto também; sim,
é esse o coração e o assunto fulcral do desporto.
Os pensadores gregos espantaram-se por ver, nos seres, o menos,
o pequenino, o insuficiente, o frágil, o imperfeito e o rasteiro crescer e
29
tornar-se mais, grande, forte, magnífico, superior, sobrenatural e sublime.
A esta transformação evolutiva chamou Aristóteles ‘ousia’, percebendo
nela a substância e essência imanentes no ser, conceitualizando a chegada
aos limites e à maturidade, mediante a coadjuvação da experiência e do
conhecimento. Na ‘ousia’, digo eu, configura-se o sentido da vida, a
finalidade vinculativa da nossa existência.
Vê-se bem, o desporto, quer na sua conceção, quer na sua execução,
é arte e filosofia. É uma prática artística e filosófica, na medida em que
rompe o campo do possível, extrapola a realidade, a ordem estabelecida,
pragmática e situacional (a ‘frónesis’, de Aristóteles). Como a arte
e a filosofia, ele tem como objeto a edificação do sujeito como força
de afirmação da oposição e do contrariamento, de negação, recusa,
rompimento e transgressão dos factos dados, apodíticos e dogmáticos (a
‘doxa’). Como elas, o desporto não se contenta com provas e opiniões, já
dadas e firmadas, com um cenário de definição marcado pela fixação do
contexto, tempo e lugar; visa posições, superadoras e transgressoras do
convencional, seguindo pela via da incerteza. A verdade, que procura e à
qual quer dar forma, é a do contacto com o limite dos factos, liberta dos
imperativos da facticidade. Logo, a função utópica da arte, da filosofia e
do desporto é a mesma e una: mediante tocarem no intangível e intocável,
abrem-nos as portas para uma superior forma de vida.
Na filosofia trata-se de alargar as margens e possibilidades de
conhecer, de procurar sem conhecer o que se procura, de tocar a verdade,
mas sem cessar de continuar a procurar, sob pena de se enclausurar na
certeza. O mesmo sucede no desporto. Atingido um objetivo, ele deixa de
o ser, constituindo-se em ponto de partida para outra meta.
Arte, filosofia e desporto são um oceano ou descampado do
‘vaguear’; partem do contacto da naturalidade dos factos e do contacto
com os projetos, ideias e ideais, para habitarem uma terceira dimensão:
a do limite, a da indiscernibilidade da zona de indeterminação para além
dele.
No fundo, o sujeito experiencia-se a si mesmo como um limite,
subtrai-se ao familiar, ao seu abrigo e fechamento, abre-se ao indizível,
ao sobrenatural, ao metafísico e místico, ao devir, ao exterior, à diferença,

30
ao outro, ao universal.11 Enfim, coloca-se num horizonte de infinitude e
impossibilidade, escalando e atravessando a montanha do possível para
tanger o impossível, que é a dimensão da verdade e da liberdade não real.
Esta projeção para além do familiar visa a familiaridade fundamental com
uma forma de vida, cuja presença apenas pode aparecer como ausência.
Numa das muitas e tão assertivas frases que nos deixou, Ludwig
Wittgenstein (1889-1951): definiu a preceito: “Se o lugar onde quero
chegar fosse apenas alcançável graças a uma escada, eu renunciaria a ele,
uma vez que ao lugar aonde quero chegar, na verdade eu já lá deveria
estar.” Que síntese excelente para clarificar e iluminar a função da arte, da
filosofia e do desporto, e do sujeito de cada uma delas!
Ademais, o desporto é uma pedagogia da superação e da admiração
da arte e beleza das performances, próprias e alheias, e de tudo quanto lhes
subjaz para poderem ser alcançadas. Nos atos desportivos moram uma alma
transcendental e uma sublimação espiritual, buscando a maior liberdade
que alguma vez se pode congeminar. Nesta conformidade eles incarnam,
em simultâneo, uma ‘antropologia da afirmação’ da humanidade e uma
‘antropologia da restrição’ da animalidade.
O desporto é a forma pedagógica de um imaginário ou fenómeno
artístico e filosófico, que nele se torna realidade e pode ser representado,
conhecido e partilhado com outros sujeitos. Deste modo ele é agente de uma
comunidade de sujeitos ou fator da vertente comunal do sujeito, potenciada
e concretizada em torno de um fenómeno convertido em realidade factual.
Em síntese, o desporto não é uma coisa ‘utilitária’; serve finalidades
éticas e estéticas, axiológicas e simbólicas que nos ajudam a escapar ao
triste fado de Sísifo e ao pesado fardo do utilitarismo. Ele encontra um
alicerce sólido e uma polinização frutífera num matrimónio de comunhão
de bens com a filosofia, a arte e a cultura.
Este é um legado dos gregos, do qual temos a obrigação de ser bons
gestores e dele extrair as devidas ilações para as tarefas de formação,
11
Ludwig Wittgenstein caracterizou a ética como esfera do “sobrenatural” (“acima da
natureza”), do miraculoso e do místico, apostada em operar um milagre na existência e
no mundo. Dito de outro modo, a ética tem como vocação olhar para a vida e o mundo
como objetos de um milagre, de modo a que existam não como são, mas, sim, como
místicos. Esta asserção é central na matriz axiológica do desporto.
31
de educação, de pesquisa, de problematização, reflexão, aplicação e
instrumentalização do desporto, conformes aos desafios desta era.
Ao dizer isto, estou a proclamar, de modo inequívoco, a impossibilidade
da legitimação plausível e do entendimento cabal do desporto fora da sua
conexão com a arte e a filosofia (entendida esta como teoria de indagação
do mundo e de salvação da vida). Mais, proclamo que os estudos sobre
tática, técnica e temas quejandos dos jogos desportivos, após se terem
autonomizado e independentizado, carecem de regressar à sua casa mãe: à
mansão da ‘arété’, da cultura, da filosofia e da pedagogia, da axiologia, da
ética e da estética, para receberem sustento, alento, impulso e influxo para
novos voos em direção à arte, à beleza, à verdade. O seu casamento com
temáticas, externalidades e mais-valias, mesmo que elas sejam atraentes,
importantes e rendosas nos nossos dias (p. ex., atividade física, saúde,
obesidade), estafou-se e gastou-se, requerendo outros temperos; é chão
que não dá mais uvas, pelo menos com o tamanho e sabor que satisfaçam
os paladares exigentes.
IX
“Vivemos tempos assustadores”; para os equacionar e combater temos
que responder na mesma moeda: “precisamos de conceitos assustadores”,
prescreve Charles Esche.12
Com esta apresentação conclamo-vos, muito queridos companheiros
e cúmplices da caminhada existencial, para a urgência de repensar
a Universidade e o desporto como observatório de contemplação e
consideração da beleza e da sensibilidade.
Citius, Altius, Fortius!  Este pregão instala o desporto nas alturas.
Invetiva-nos por nos mantermos agarrados e presos às cadeias da rasura
do chão, em vez de subirmos para os píncaros da altitude e magnificência.
Aviva-nos a convicção de que temos uma vocação alada: somos seres
obstinadamente transcendentes, porém só criamos algo belo e mágico com
transpiração abundante. Assemelhamo-nos a anjos nascidos sem asas; e,
realmente, nascemos sem elas. Contudo, impende sobre nós a obrigação
de subir e voar. Não a conseguimos cumprir, sem criarmos asas e fazê-las
crescer.
12
Entrevista a Charles Esche, Jornal Público, p. 26-28, 22.12.2014.
32
Parafraseando José Saramago (1922-2010), temos que fazer jus ao
nosso nome: levantar-nos do chão, lamber as feridas como um ‘cão de
lágrimas’, rasgar o cerco da cegueira com a luz dos sonhos, sobreviver
numa jangada de pedra face às ondas e aos ventos da alienação e opressão,
contrariar a propensão para elefante, libertar-nos da condenação e fado de
Caim e subir no céu como morteiros impulsionados pela pólvora do espírito
e ousadia, para escrevermos, com as letras e a tinta do compromisso e
decência, um manual da existência e deixarmos de nós um memorial do
impossível.
Olhemos o desporto e a Universidade por esta fresta de luz e
esperança. Examinemos um e a outra com o estetoscópio da arte, com o
fito de nos apercebermos do seu estado e dos remédios que necessitam
tomar para debelar os males detetados.
Convém lembrar que a arte tem uma função curativa; e esta não é
apenas mítica. A arte é útil (não ‘utilitária’), ferramental ou instrumental
e imprescindível, porquanto tem o condão de imaginar coisas que não
existem. Imaginar o que ainda não existe é um pressuposto indispensável;
porque, se não conseguirmos imaginar, será muito difícil criar. Por
outras palavras, a arte tem um papel funcional dentro das estruturas do
pensamento; cumpre-lhe assumir relações reais com o mundo, fazer
propostas para mudanças concretas deste.
O espaço da arte é, pois, o da imaginação de coisas diferentes das que
existem. Logo com ela podemos também imaginar outra sociedade. Indo
mais longe, a arte pode ter a função genuína de nos ajudar a desmascarar
a pseudo-democracia, imposta pelos poderes autocráticos e cleptocráticos.
Essa função é deveras relevante nestes tempos, em que o interesse coletivo
está cada vez menos representado e defendido e cada vez mais perseguido
e espremido, em que se passou da dependência de estruturas democráticas
para a dependência de organismos compostos por membros diretos e ou
oriundos das oligarquias.
Ademais, a arte avisa para não deixarmos espinhar o coração, a alma
e os olhos, para o perigo de que isso pode suceder em todo o tempo. Ela
mantém à superfície a curiosidade da infância e a candura da meninice,
para não sermos expressão de uma velhice apagada, soturna, trágica e

33
triste, sem sabedoria, benignidade e ingenuidade, cerrada ao espanto, à
admiração, à maravilha e fantasia, e aberta à angústia e ao pasmo. Para não
nos desidratarmos de ideais, sonhos e utopias.
A invasão da arte (tal como do desporto e da Universidade) pela
economia e pela ganância financeira tem vindo a condicionar a orientação
e consumação daquela, e a dificultar a observância da sua nascente original:
a transcendência.
A cultura e a arte, a Universidade e as estruturas desportivas estão
a esquecer a sua idiossincrasia axiológica, cultural, ética e estética, a
ser capturadas pelo pragmatismo e utilitarismo, pelo mercado e pela
‘civilização do espetáculo’, correndo o risco de se afastarem da arété e
paideia gregas.13
O panorama apresenta-se desfigurado, sombrio, mostrengo e
aterrador, propício à vinda dos cavaleiros da escuridão civilizacional.
Enfrentemo-lo. Não pode nem deve ser atirado para o caixote do lixo a
observância do terceiro dos mandamentos da Lei de Deus, redigidos
e proclamados por Moisés para condenar e sancionar, refrear e inibir a
barbárie e violência até então reinantes - e que se veem ressuscitar nestes
tempos de austeridade, crueldade, tortura e esfola, praticadas pela gadanha
e seitoura da ignóbil globalização financeira e neoliberal.
O dito mandamento não perdeu validade; é de atualidade candente
e permanente e exige vigilância gritante e incessante. Ele ordena que
guardemos os dias santos e valoremos a fruição do corpo e da mente! Esse
imperativo apresenta-se, muito justamente, como o ‘mandamento do ócio
13
Com isto não estou a sugerir que o sistema mercadológico, em que vivemos, se
desinteressou do embelezamento do mundo e aposta na sua feiura e decadência estética.
Nem ignoro que o design, o estilo e outros padrões estéticos são hoje um aspeto relevante
nos mais variados objetos, inclusive os tecnológicos, procurando cativar a atenção
e atração dos consumidores. De resto, é notória, nas mais pequenas coisas, a intenção
de fazer do dia-a-dia um projeto de arte. O processo de estetização do mundo continua
navegando a todo o pano. “Arte e mercado nunca se misturaram tanto, inflando a
experiência contemporânea de valor estético.” A questão é outra; tem a ver com a ordem
dos fins. “Essa arte já não tem a dimensão absoluta e o poder questionador que tinha
em outros momentos da história, ela não pretender transformar a humanidade ou refletir
sobre a própria função. Seu propósito é mercadológico: ampliar o consumo das massas
e o lucro das empresas.” (GILLES LIPOVETSKY & JEAN SERROY, A estetização do
mundo: Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015)
34
criativo’, estipulando que o Ser humano não é apenas ‘homo faber’ ou besta
e ‘recurso de trabalho’; antes alcança, exibe e realça a sua Humanidade,
‘santificando’ todas as dimensões da existência.
Não tomemos este aspeto como coisa menor ou um devaneio
intelectual. Ele situa-nos na fronteira de demarcação nítida entre a civilização
e a animalização, a ética e a imoralidade, a moral e a amoralidade.
X
É curial afirmar estas coisas aqui e agora. O ‘aqui’ refere-se à
Universidade e ao desporto; o ‘agora’ a esta ‘hora crepuscular’ e à
‘civilização do espetáculo’, inimigas da reflexão, em que todos, com
irresponsabilidade mais ou menos consciente ou diluída, aceitamos
participar.
Vivemos numa conjuntura em que as palavras não passam de ardis
para impingir uma ‘saída limpa’ da estrumeira em que nos atolamos. Estou
a falar, com dorida mágoa, para a Universidade: não especificamente para
a que nos alberga, mas a Universidade, edificada para ser casa da erudição
e da espiritualidade, para colocar o ‘primado da verdade sobre a utilidade’,
para fomentar o ‘espírito livre’.
O que é feito dessa instituição da Modernidade, cujos alicerces e
alvos Humboldt tão luminosamente plantou? Mal a vemos, porque foi
abatida com a nossa conivência e cumplicidade, ação ou omissão. Quem
a substitui? A resposta titubeia. Por um lado, a ‘coragem’, a virtude que
Aristóteles considerou a mais importante de todas, não é abundante e saiu
de moda; Por outro, a ‘liberdade’, o genuíno alimento dos Seres Humanos,
tal como a ambrosia era o dos deuses, encontra-se perecível, num torpor
de morbidez.
A Universidade hodierna afunda-se na capitulação. Ao não abjurar
a panóplia de mistificações postas em circulação, coopera na instauração
de um clima de servidão. Em consequência, ela tem vindo a desfazer-se,
paulatinamente, da matriz identitária, a perder o crédito de instituição
humana e socialmente relevante. O seu código genético vem sendo
desativado e substituído por um programa espúrio e alheio, concordante
com o radicalismo neoliberal e o credo do ‘utilitês’. O ócio, o fermento

35
criacionista da ciência e da cultura, esse, de tanto ser pisado, desapareceu
e escondeu-se do olhar dos tomadores de decisões e da lista das nossas
exigências e reivindicações.
Os senhores congressistas e leitores já foram, por certo, assaltados
pela tentação de abandonar este auditório ou salão nobre ou estas páginas,
molestados com o tom da minha intervenção. Apelo à vossa bondade e
compreensão. A honraria, que me foi outorgada, não dispensa a vassalagem
a Miguel Torga, a voz maior da alma transmontana: “Nasci para falcão da
serra, e não para codorniz de baixio.”14
Tudo se conjuga para tornar apropriadíssima ao panorama
universitário dos nossos dias a sátira que Ortega y Gasset (1883-1955)
disparou ao da sua época: “Foi preciso esperar até o começo do século XX
para se presenciar um espetáculo incrível: o da peculiaríssima brutalidade
e agressiva estupidez com que se comporta um homem quando sabe
muito de uma coisa e ignora todas as demais.” Ou estoutra: “Dantes os
homens podiam facilmente dividir-se em ignorantes e sábios, em mais
ou menos sábios ou mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não
pode ser subsumido por nenhuma destas duas categorias. Não é um sábio
porque ignora formalmente tudo quanto não entre na sua especialidade:
mas também não é um ignorante porque (…) conhece muito bem a
pequeníssima parcela do universo em que trabalha. Teremos de dizer que
é um sábio-ignorante – coisa extremamente grave, pois significa que é um
senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um
ignorante, mas com toda a petulância de quem, na sua especialidade, é um
sábio.” 15
Com a minha alocução, eu pretendo acordar, homenagear, revisitar
e trazer ao palco da vossa atenção a missão da Universidade e as teses de
Ortega y Gasset. Disse o mestre insigne: “Todas as grandes obras humanas
têm uma dimensão desportiva.” Mais: a filosofia é uma atividade lúdica de
dimensão séria, visando promover o “homem luxoso e desportivo”, face ao
“homem utilitário e biológico”. Por isso ela é “a ciência dos desportistas.”
Nem mais, nem menos!
Filosofia e desporto são atividades promotoras de felicidade para
14
TORGA, Miguel. Diário IV, p. 63.
15
Estas citações encontram-se em textos colocados nas redes e espaços informáticos.
36
quem as exercita; elas não estão vinculadas ao imediatismo utilitário. O
desinteresse pelo utilitário e pelo imprescindível impregna os pensadores
e os desportistas de um dom de generosidade que floresce somente nos
cumes de maior altitude vital!
O desporto representa a vida criadora e graciosa, enquanto “os atos
utilitários e adaptativos, tudo o que é reação a prementes necessidades, são
vida secundária. A utilidade não cria, não inventa, simplesmente aproveita
e estabiliza o que sem ela foi criado (…) A vida foi primeiro uma invenção
pródiga de possibilidades e depois uma seleção (…) Esta abundância de
possibilidades é o sintoma mais característico de vida pujante; tal como o
utilitarismo, ao ater-se ao estritamente necessário, à maneira do enfermo
que poupa movimentos, é o sintoma de debilidade e vida minguante.” 16
Estas considerações de Ortega y Gasset seguem o padrão do patriarca
Aristóteles, que valorou devidamente: a atividade laboral justifica-se e tem
em vista o ócio, as coisas necessárias e úteis têm em vista as coisas boas e
belas; estas são mais importantes do que as primeiras. O que serve apenas
a necessidade utilitária, é feio, não é da ordem do belo.
O desporto e a formação universitária não podem ser reduzidos à
ordem ‘utilitária’; visam fins éticos e estéticos, axiológicos e simbólicos,
que nos ajudem a escapar ao peso do pragmatismo e utilitarismo. O
seu préstimo pode ser medido por este metro: “Se o trabalho se torna
autodeterminado, autónomo e livre, e por isso dotado de sentido, será
também (e decididamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da
literatura, da música, do uso autónomo do tempo livre e da liberdade
que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se no seu sentido mais
profundo.”17
Até hoje estas teses não foram rebatidas. Por conseguinte é imperativo
integrá-las no entendimento e na organização da vida, da educação, da
sociedade, do desporto e da Universidade. Mas… são, hodiernamente, o
desporto e a Universidade um campo onde floresce e frutifica a beleza
e dela nos sustentamos? Revemo-nos no canto e na dança? Abjuramos
16
ORTEGA Y GASSET. El origen deportivo del estado, p. 13-16. A coruña: edición inef
galicia, universidade da corunha, 2011.
17
ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaios sobre a Afirmação e a Negação
do Trabalho. Coimbra: CES/Almedina, 2013.
37
aquilo que fere e destrói, por não nos ser semelhante? Fazemos boa leitura
e melhor apropriação da consabida máxima de Terêncio (195 ou 185 – 159
a.C.)?18
O desporto funda-se nos mitos de Hércules e de Ulisses, nas
metáforas, narrativas e parábolas de Homero, que concebem e propõem
uma existência ideal, experimentada, séria e virtuosa, fundada na fortaleza
do ânimo e na persistência face às dificuldades e perseguições, sem perder a
orientação básica da esperança que conduz à elevação e recompensa. Qual
o estado de concretização de tais proposições e mitos? Estarão gastos?
Será melhor esquecermo-nos deles, abandoná-los, descartá-los ou tentar
viver ao nível dos desafios que eles colocam?
XI
Caros congressistas e leitores: ouço-vos murmurar que sou um
idealista, um sonhador. É verdade, eu sou. Mas eu também sei que não
sou o único. Cada um de vós está, aprumado e determinado, ao meu lado!
É chegada a altura de parar, de medir o caminho andado, de
corrigir e reparar os desvios da rota seguida, e de traçar e encetar um
novo percurso. Comunguemos o apelo de José Saramago:
“O fim duma viagem é apenas o começo de outra.
É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já,
ver na primavera o que já se viu no Verão, ver de dia o que se viu de
noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto
maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar
caminhos novos ao lado deles.
É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.”19
Trazemos na testa o ferrete de Homo Viator, de condenados a
peregrinar em diáspora e errância permanentes, em trânsito ininterrupto.
Estamos e somos em viagem; ela não nos concede descanso. Seguimos
em viagem, carregados de contradições, metas e carências que indicam o
18
“Homo sum, humani nihil a me alienum puto - Sou um homem, nada do que é humano
me é estranho.”
19
SARAMAGO, José. Viagem a Portugal. Lisboa: Editorial Caminho, 1981.
38
quanto há e sempre haverá em nós por fazer.
O sonho empurra-nos para a frente, impele-nos a continuar a viagem.
É nosso dever embarcar nela. E navegar no rumo da aventura, com os
ventos do contentamento e descontentamento a insuflar-nos as velas da
alma.
Ocupemo-nos a juntar as pessoas em torno de causas, ideais,
princípios e valores! Isto requer que estejamos acordados, empenhados e
despertos, que não enfileiremos com os medíocres.
Cultivemos causas, valores, virtudes, maneiras e disposições para
agir condignamente, se não quisermos ser esmagados pelas hordas da
bestialidade, que mutilam o teor humanista e cultural do nosso mister.
Podemos viver numa sociedade sem causas, ideais, utopias,
princípios e valores? Sim, podemos! Mas não é a mesma coisa, nem a isso
se chama viver. Com os valores ausentes de nós, não logramos ser pessoas.
Somos apenas maciços de carne, que andam e se movem sem o espírito a
comandar os nossos passos.
O que nos compete fazer? O sociólogo Immanuel Wallerstein
alerta-nos que todos os debates são simultaneamente intelectuais, morais
e políticos, buscando aonde vamos, aonde queremos ir, a modalidade de
chegarmos mais facilmente.
Assumamos a nossa quota-parte de responsabilidade. Reflitamos e
falemos acerca da importância do desporto e da formação universitária,
como fatores da dignificação e elevação do mistério da vida.
Não fiquemos paralisados diante de factos absurdos e irrazoáveis,
por mais impositivos e inevitáveis que pareçam! O momento incita a agir,
a pensar de modo sereno, todavia radical, as soluções que nos propõem e
os becos aonde elas conduzem.
Porfiaremos em ser um edifício em construção, inacabado e
inconclusivo. A paixão, o entusiasmo e os ideais, que iluminaram a
caminhada até aqui e habitam dentro de nós, continuarão a insuflar-nos a
alma e a ditar-nos as palavras e os atos.
O mundo em que vivemos, se teimar em banir as utopias e ser coutada
do utilitarismo e imediatismo, não passa de uma sensaboria sem o paladar
39
do humano e sem a graça e o encanto da harmonia e felicidade.
Em todo o tempo e lugar, impõe-se tentar recriar constantemente
a fulgurância da vida, para subtrair esta da tragédia da indignidade e
fealdade. Ou seja, a educação ética e estética reclama ser um direito e
uma necessidade de todos. No desporto e na Universidade ela deve ser
uma meta constante. Ser melhor é jogar, competir, superar e vencer com
dignidade e elegância; é fruir e atingir a verdade e beleza do jogo.
Precisamos de ‘inutensílios’, de coisas não ‘utilitárias’ e do ‘ócio
recriador’, para aliviar o sufoco do utilitarismo e sanear o ambiente
inestético e demencial, em que se converteu o contexto social e existencial,
inclusive o universitário. Que avaliação faz de si a Universidade a este
respeito? Ainda é o lugar do espírito livre, onde se procura a verdade, por
ser verdade? Ainda prevalece nela o primado humboldtiano da verdade
sobre a utilidade? Que ponderação tecem disto os académicos? Sentem-se
bem com a ‘forma’ e a quadratura da Universidade?
Estamos disponíveis para passar do desassossego à ação, para
remir, no discurso e na prática, os lemas comuns, matriciais e originais da
Universidade e do desporto? Aonde transporta este ato de compromisso,
selado entre a nossa pertença e paixão pela Universidade e pelo desporto?
À inquietude pessoana de inquirir associo a franqueza do Padre
António Vieira (1608-1697) para concluir: “Tenho acabado, senhores (…)
Se a alguém pareceu que me atrevi a dizer o que fora mais reverência
calar, respondo com Santo Hilário: Quae loqui non audemus, silere non
possumus: O que se não pode calar com boa consciência, ainda que seja
com repugnância, é força que se diga.”20
O que é que então faz falta para abater os muros que comprimem
a Universidade e o desporto? Algo muito pequeno na formulação, porém
assaz exigente na ação: coragem e lucidez! Ou as temos ou não. Se as
temos e não usamos, somos cobardes; se as não temos, somos carentes e
dementes. Tanto num como no outro caso, não estamos à altura de cuidar
de outrem; antes carecemos de alguém que cuide de nós. Logo, sejamos
justos e precisos: o nosso lugar não é na Universidade; é num hospício.

PADRE ANTÓNIO VIEIRA. Sermão do Bom Ladrão, proferido em 1655 na Igreja da


20

Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e a sua corte.


40
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho: ensaios sobre a afirmação e a
negação do trabalho. Coimbra: CES/Almedina, 2013.
BAUMAN, Z. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
ENTREVISTA a Charles Esche. Jornal Público, p. 26-28, 22.12.2014.
LIPOVETSKY, G. & SERROY, J. A estetização do mundo: viver na era
do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
GUMBRECHT, H. U. Elogio da beleza atlética. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007.
ORTEGA Y GASSET. El origen deportivo del estado. A coruña: edición
inef galicia, universidade da corunha, p. 13-16, 2011.
VIEIRA, Padre António. Sermão do Bom Ladrão. Proferido em 1655 na
Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e
a sua corte.
PASCOAES, Teixeira de. Arte de ser português. Lisboa: Assírio &
Alvim, 1998.
PASCOAES, Teixeira de. Senhora da Noite. Verbo Escuro. Lisboa:
Assírio & Alvim, 1999.
SAFATLE, V. Pensamento binário. Folha de S. Paulo, p. A2, 28.07.2015.
SARAMAGO, J. Viagem a Portugal. Lisboa: Editorial Caminho, 1981.
TORGA, M. Diário IV, p. 63.

41
42
PROCESSO ORGANIZACIONAL SISTÊMICO, A PEDAGOGIA
DO JOGO E A COMPLEXIDADE ESTRUTURAL DOS JOGOS
ESPORTIVOS COLETIVOS: UMA REVISÃO CONCEITUAL

Prof. Dr. Alcides José Scaglia


Prof. Drndo. Riller Silva Reverdito1,

Prof. Marcos Vinícius Russo dos Santos1

Prof. Dra. Larissa Rafaela Galatti1

O JOGO COMO UMA UNIDADE DE RELAÇÕES COMPLEXAS


Na Pedagogia do Esporte, enquanto disciplina das Ciências do Esporte
(REVERDITO; SCAGLIA; PAES, 2009; GALLATTI et al., 2014), tem
sido construída uma base argumentativa ao longo dos anos para defender
o ensino de jogos esportivos coletivos por meio da valorização do jogo
(GRECO, 1998; BETTEGA et al. 2015a; BETTEGA et al. 2015b; CÔTÉ;
ERICKSON; ABERNETHY, 2013; CÔTÉ, STRACHAN e FRASER-
THOMAS,2007; CÔTÉ, 1999; BAYER, 1994; GARGANTA, 1998;
FREIRE, 2006; GRAÇA; MESQUITA, 2009a, 2009b; LEONARDO;
REVERDITO; SCAGLIA, 2009; ARAUJO, 2006; TRAVASSOS et al.,
2013; BAKER, et. al., 2005; SOBERLAK & CÔTÉ, 2003; MENEZES,
2012; SCAGLIA et al., 2013; SCAGLIA; REVERTIDO e GALATTI,
2014). Estes autores rompem com a abordagem tradicional de ensino e
treinamento do esporte (SCAGLIA; REVERDITO; GALATTI, 2014),
desvelando a complexidade estrutural e dinâmica dos jogos.
Nesta perspectiva de rompimento, as abordagens pautadas nas
teorias ecológicas, sistêmicas e complexas, buscam compreender o
processo organizacional sistêmico dos jogos para que possam estabelecer
interações eficientes entre ambiente de jogo e o ambiente de aprendizagem
(BAKER; CÔTÉ & ABERNETHY, 2003; BAKER, et al., 2005; SCAGLIA;
REVERTIDO; GALATTI, 2013; SCAGLIA, et al. 2013; BRIDGE; TOMS,
2013; HORNIG; AUST; GÜLLICH, 2014), reconhecendo o jogo como um
sistema complexo (FREIRE, 2002; SCAGLIA, 2003, 2005; LEITÃO,
2009; REVERDITO; SCAGLIA, 2007; LEONARDO; REVERDITO;

43
SCAGLIA, 2009; SCAGLIA et al., 2013).
No entanto, a compreensão dessa base argumentativa, passa pela
compreensão de alguns conceitos que emergem de um processo de rupturas
paradigmáticas (KUHN, 2007; 2011). Nesse sentido, por exemplo, não
basta dizer que o jogo é complexo; é preciso compreender o conceito de
sistema e o engendramento complexo das interações, culminando com o
processo organizacional.
Desde a segunda metade do século XX ganhou força a ideia de que
os sistemas não poderiam ser entendidos a partir do paradigma cartesiano
(CAPRA, 1996; MORIN, 2013). Isto porque as suas propriedades e suas
qualidades não poderiam ser compreendidas em partes isoladas da sua
totalidade ou contexto (CAPRA, 1996). No entanto, salientando que não é
uma ideia nova, Morin (2013, p. 259), exprime um aspecto importante de
um sistema: “Ora, o paradigma novo que a ideia do sistema traz, Pascal já
havia exprimido: Considero impossível conhecer as partes sem conhecer
o todo, como conhecer o todo sem, particularmente, conhecer as partes.”
Já em meados do século XX o nome de Ludwig von Bertalanffy
(2008) ganhou destaque pela proposição da sua Teoria Geral dos Sistemas,
onde sustentou o conceito de sistema aberto, designado aos organismos
vivos para mostrar que neles há um constante fluxo de matéria e energia
de fora para dentro e de dentro para fora. Em relação aos organismos de
maior complexidade, Morin (2013) destaca também o constante fluxo de
informação.
Durante as últimas décadas do século XX, Morin (2002, 2007 e
2013), consolidado como um dos nomes mais importantes do pensamento
complexo, nos trouxe a complexificação das relações internas dos
sistemas, dizendo que estas não expressam apenas o todo maior que a
soma de suas partes, mas que as partes são ao mesmo tempo mais e menos
que o todo. Isto é, o todo pode ser menos que as partes além de ponderar
que o todo é insuficiente, incerto e, por vezes, conflituoso, evidenciando
uma das máximas da complexidade que pode se resumir em: apesar de
contraditórias as afirmações, elas são complementares.
Dentro deste universo, Morin (2013, p. 265) define sistema como
aquele “[...] que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do

44
todo, assim como o complexo de relações entre o todo e as partes”. De
modo complementar a esta definição, o autor integra os diferentes termos
sistema, interação e organização (MORIN, 2013), evidenciando um
macroconceito de recorrente interdependência.
Desse modo, a partir da maior ou menor aproximação entre as teorias
desenvolvidas por Morin (2013), queremos ressaltar que elas delineiam
o paradigma emergente (SANTOS, 2003; KUHN, 2007), fornecendo
subsídios e sustentação teórica para pensarmos a Pedagogia do Esporte,
e por consequência as metodologias de ensino e treinamento de esportes,
por um prisma (ponto de vista) diferente da ainda hegemônica e positivista
visão tradicional (BETTEGA et al., 2015b; GALATTI et al., 2014;
SCAGLIA, 2014).
Feita a incursão sobre as bases do pensamento complexo/sistêmico,
a qual poderia se estender pelas profícuas reflexões de outros autores
(a exemplo de MATURANA; VARELLA, 2001; ATLAN, 1992, 1994;
PRIGOGINE, 1996; PRIGOGINE; STENGERS, 1997; BATESON, 1986,
2006), podemos avançar sobre o processo de ensino, aprendizagem e o
treinamento dos jogos coletivos, partindo do pressuposto de entendê-los
enquanto jogo, antes de tudo (SCAGLIA; REVERDITO; GALATTI,
2013; 2014).
No intuito de imbricar tais pensamentos advindos do paradigma
da complexidade à Pedagogia do Esporte, procuramos aproximar essas
definições junto ao conceito de jogo (SCAGLIA, 2003), coadunando-as à
reflexão de Freire (2002), relacionando-os à pedagogia do jogo.
A partir da concepção que o jogo deve ser pesquisado em sua
complexidade (FREIRE, 2002), Scaglia (2003, p.55) recorreu ao
constructo teórico de Morin (2002), e fez a seguinte afirmação: “[...] o
jogo se caracteriza como uma unidade complexa, envolto pela organização
sistêmica de suas estruturas padrões, definida pelo seu ambiente (contexto)”,
conforme representado na figura 1.
Figura 01. Esquema representativo do processo organizacional
sistêmico de uma unidade complexa.

45
Fonte: Adaptado de Scaglia (2003 e 2011).

A ilustração acima expressa a complexidade das relações presentes


no contexto do jogo, a partir de suas estruturas padrões, evidenciando que
cada tipo de jogo é uma unidade complexa, no interior de um sistema
complexo. Toda esta rede de inter-retroações regida por um processo
organizacional sistêmico desencadeará propriedades e qualidades novas
que são resultantes do todo. Estas propriedades e qualidades novas podem
ser chamadas de emergências (ou seja, as constantes resultantes do
processo de jogar o jogo).
A dupla seta destacada no esquema demonstra as duas tendências que
caracterizam todos os sistemas. O sentido da seta que aponta para o interior
do sistema evidencia sua retroalimentação, justificando uma tendência
auto afirmativa presente nos sistemas de modo geral, em que o produto
de suas emergências provoca constantes readaptações e reorganizações
internas, impondo uma adaptação cada vez mais qualificada, definindo
sua identidade. Isto é, na prática, quanto mais o jogador joga um jogo
(unidade complexa) em específico, mais qualificados e adaptados estão
46
seus esquemas motrizes para este jogo.
Já o outro sentido da seta, que aponta para fora do sistema, revela
a tendência integrativa. Reforçando a ideia de sistemas abertos que
influenciam, por meio de seus produtos emergentes, outros sistemas, que
juntos compõem um ecossistema maior (para nós, constituindo a grande
família dos jogos). Esta conjectura evidencia, na prática, a hipótese da
transferência das habilidades (não estamos nos referindo exclusivamente
a habilidades motoras) adquiridas em jogo, para outros com semelhantes
exigências.
Portanto, propomos compreender o jogo como um sistema
(SCAGLIA, et al., 2013; 2005; LEONARDO; REVERDITO; SCAGLIA,
2009), em que coexistem diversas tendências de ação e formas de se
relacionar, dentre as quais mais comumente se encontram a cooperação
e a competição, revelando a inteligência de jogo. Entre outros motivos, é
categórica a afirmação que o jogo é uma unidade complexa e que age sobre
ela um processo organizacional sistêmico derivado de suas estruturas
padrões, evidenciando na prática a discussão teórica sobre as partes e o
todo, concernente aos seus constantes ajustes.
DO PROCESSO ORGANIZACIONAL SISTÊMICO À PEDAGOGIA
DO JOGO: DESDOBRAMENTOS PEDAGÓGICOS
É evidente uma mudança paradigmática, e não apenas didático-
metodológica. Por isso temos alardeado esta ruptura a partir do que
denominamos novas tendências em pedagogia do esporte (SCAGLIA,
2014). Novas, não na acepção temporal, mesmo porque há muito tempo
está se construindo essas mudanças, mas sim no sentido de substituir todos
os ditames que regem a abordagem tradicional de ensino dos esportes,
sustentada por uma pedagogia arraigada e alicerçada por abordagens
tradicionais e comportamentais de ensino (SCAGLIA; REVERDITO;
GALATTI, 2014).
Desse modo, avaliar e entender as novas tendências em Pedagogia
do Esporte apenas como a abordagem que ensina por meio de jogos, é
incorrer em grave equívoco. Da mesma forma, é erro crasso acreditar que
as novas tendências se diferem da abordagem tradicional por meio de uma
negação da técnica e supervalorização da tática, sustentada apenas pelo

47
fato da primeira negar uma metodologia tecnicista e a segunda nela se
materializar.
É impossível negar a técnica, não existe esporte sem técnica.
Mas é totalmente plausível e ainda mais coerente, ensiná-la valendo-se
de outra metodologia, sustentada por diferente teoria do conhecimento,
como a Interacionista (SCAGLIA; REVERDITO; GALATTI, 2014),
corroborando e respaldando-se na clássica afirmação de Júlio Garganta
(1998), em que o referido autor, não negando a técnica, mas fazendo coro à
crítica ao tecnicismo, vem dizer a respeito do ensino da técnica, afirmando
que esta deve ser guiada pelas razões de se fazer (operação contextual) e
não pelo modo de se fazer (executar o gesto em si).
No bojo desta discussão, em meio às novas tendências em Pedagogia
do Esporte, que surge o contexto, sobre o qual emerge a necessidade e
premência de se entender o processo organizacional dos jogos coletivos.
Temos defendido que o processo organizacional sistêmico lança as bases
e finca as raízes epistemológicas da Pedagogia do Jogo (SCAGLIA;
REVERDITO; GALATTI, 2013; SCAGLIA, et al., 2013).
Aproveitando as ideias de Ghiraldelli Jr. (2002) e Libâneo (1994)
que discorrem sobre a Pedagogia, a Pedagogia do jogo é a teoria prática e
a prática teórica, que parte do pressuposto de que todo esporte é antes de
tudo um jogo, na sua perspectiva ontológica (SCAGLIA, 2011; SCAGLIA;
REVERDITO; GALATTI, 2013; FREIRE; SCAGLIA, 2003; FREIRE,
2002), logo é no jogo que deve se pautar suas intervenções didático-
metodológicas, gerenciando as relações entre ambiente de jogo e ambiente
de aprendizagem, evidenciando a complexidade estrutural do jogo, a partir
do entendimento de seu processo organizacional sistêmico.
É preciso entender que quando nos referimos a ambiente de jogo,
estamos afirmando que existe todo um ambiente ecológico que emana do
e no jogo, gerando um envolvimento peculiar nos jogadores, provocado
pelo engajamento (estado de jogo), com foco total na solução do problema
engendrado pelo jogo.
O ambiente de jogo, além do lúdico (liberdade de expressão),
apresenta quatro pressupostos, inspirados e adaptados dos tipos de jogos
propostos por Caillois (1990), são eles: o desafio, o desequilíbrio, a

48
imprevisibilidade e a representação (motivação intrínseca).
Ou seja, todo o jogo precisa ser desafiador – levar o jogador a querer
testar suas habilidades e/ou fazer sua manutenção (FREIRE, 2002). Esse
desafio precisa gerar desequilíbrio de modo a intensificar, potencializar,
qualificar o processo de assimilação e acomodação de seus esquemas
de ação (PIAGET, 1976). No entanto, para se manter o desafio e gerar
desequilíbrios, o jogo precisa ser imprevisível, possibilitar o risco iminente
da derrota, o aprimoramento constante das competências e refinamento
das habilidades; por fim, ao mesmo tempo necessita oferecer estrutura
para ação (BATESON, 1996; REVERDITO et al., 2015) intencional,
derivada da necessidade de satisfazer um desejo, encontrando no jogo, o
ambiente seguro para se representar, desenvolvendo de forma sustentável
sua autoestima.
O ambiente de aprendizagem é a perspectiva funcional do jogo. É
a identificação das possibilidades de aprendizagem de algo que pode ser
intencionalmente provocado pelo professor/treinador, não descartando a
aprendizagem incidental de muitos outros aspectos que fogem do controle
pedagógico (o que é bom e importante que continue a acontecer, pois esta
é a dimensão do envolvimento do humano no jogo, seu caráter pático,
libertino, como diria Buytendijk, (1974), logo subversivo).
Logo, para se valer com efetividade de uma metodologia pautada
no jogo, a qual compõe a pedagogia do jogo, é necessário criar e gerenciar
ambientes de aprendizagem em meio ao desenvolvimento concomitante do
ambiente de jogo, de modo a potencializar o aprendizado (e treinamento)
de conhecimentos primordiais para o seu avanço no jogo, elevando o nível
de conhecimentos específicos.
Temos proposto que o ambiente de aprendizagem tenha por
referência básica as competências essenciais presentes em todos os jogos
coletivos, as quais são: a estruturação de espaço, a comunicação na ação
(leitura e reescrita do jogo) e a relação com a bola. Estas competências se
manifestam em diversos modos e em diferentes contextos. Por exemplo,
elas podem se manifestar de forma geral quando, na perspectiva da iniciação
esportiva, o ambiente de aprendizagem primar pela diversidade das
ações que emergem dos diferentes jogos aplicados ao longo do processo,

49
perspectivando a ampliação do acervo de possibilidades de respostas para
o jogo (SCAGLIA, 2014).
As competências essenciais podem se manifestar de forma específica
quando, na perspectiva da especialização, o ambiente de aprendizagem
primar pela especificidade das ações, engendrando uma adaptação
específica a um jogo que se tenha por referência no processo.
Ilustrando: no caso do treinamento especializado do futebol, por
exemplo, não seria mais interessante para o processo de especialização
nesta modalidade se valer do jogo de futsal, o que antes na iniciação era
uma prática extremamente incentivada e explorada. Isto se evidencia e se
justifica facilmente a partir do entendimento do processo organizacional
sistêmico, partindo da proposta de que o jogo é uma unidade complexa,
logo suas tendências auto afirmativas e integrativas precisam ser levadas
em consideração para guiar o ambiente de aprendizagem.
Já em meio às exigências e organização das distintas competições,
temos a manifestação das competências essenciais na sua perspectiva
contextual, em que se situa o esporte de alto rendimento (futebol
profissional, por exemplo, na Figura 2).
Figura 2. Curvas argumentativas a partir das diferentes manifestações das
competências essenciais ao longo do processo de ensino/treinamento do
futebol.

50
Assim sendo, os ambientes de aprendizagem para controlar e organizar
o processo a partir do entendimento das manifestações das competências
essenciais prescindem de uma organização e sistematização. A
sistematização prevê o estabelecimento de conteúdo/conceitos que
devem ser aprendidos ao longo de um processo de ensino/treinamento,
caracterizando um currículo de formação (SCAGLIA, 2014b; BETTEGA
et al., 2015).
Para o desenvolvimento do currículo de formação para qualquer jogo
esportivo coletivo estamos propondo que o mesmo se paute nas matrizes
de jogos conceituais, jogos conceituais em ambiente específico, jogos
específicos e jogos contextuais (SCAGLIA, et al., 2013; SCAGLIA;
REVERDITO; GALATTI, 2013). As matrizes de jogos, tendo por base
os referenciais estruturais e funcionais que engendram a lógica dos
diferentes jogos, devem ser entendidas como diferentes organizações de
jogo, em que por meio de quatro padrões permitem ao professor/treinador
planejar sistematicamente todo processo de interação entre os ambientes
de jogo e aprendizagem, justificando e corroborando uma periodização
de jogo (LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009; REVERDITO;
SCAGLIA, 2007).
A COMPLEXIDADE ESTRUTURAL DOS JOGOS ESPORTIVOS
COLETIVOS: PROFÍCUAS PERSPECTIVAS
A periodização do jogo e o currículo de formação surgem a partir
de uma nova forma de pensar o ensino-aprendizagem-treinamento dos
jogos esportivos coletivos e, por isso, devem procurar se estabelecer
metodologicamente em formas cada vez mais aplicáveis de atuação
profissional de professores e treinadores, materializando propostas
pedagógicas que forneçam densidade à prática profissional, para que o
professor ou treinador promova intervenções mais coerentes e criteriosas
em busca da efetivação de seus objetivos.
Por conseguinte, é preciso compreender a complexidade estrutural
do jogo, na perspectiva de estruturar um ambiente de aprendizagem
orientado pelos problemas vividos pelo jogador que se manifestam
(realizam) em um ambiente de jogo.
A Complexidade Estrutural do Jogo nasce de um mergulho conceitual

51
sobre o jogo como um sistema (SANTOS; SCAGLIA, 2014), logo,
como uma unidade complexa de um sistema que é social. Isto, pois, ao
observarmos o interior de um jogo esportivo coletivo podemos constatar
a presença de diversas relações humanas, as quais fazem parte do nosso
dia-a-dia, tais como as relações de amizade, de raiva, de solidariedade, de
carinho, de agressividade, de rivalidade, de tensão. No entanto, quando
observamos o jogo sob seu aspecto dinâmico e funcional, em que duas
equipes se contrapõem competitivamente para, sob as mesmas regras,
atingirem seus respectivos objetivos de vencer o jogo, duas relações se
elevam, a cooperação e a competição (REVERDITO; SCAGLIA, 2007,
2009).
Isso acontece porque há uma dicotomia entre vitória e derrota
nesses jogos, ou seja, apenas uma dessas equipes pode conseguir atingir
seu objetivo. Nesse sentido, as ações dos jogadores de uma equipe
estabelecerão uma relação de resistência intencional para as ações dos
jogadores adversários. Por outro lado, dentro de cada equipe há uma
relação de cooperação entre os jogadores, a qual é interpretada pelas
combinações de esforços que resultam em alguma vantagem direta aos
agentes envolvidos para além do que seria o resultado desses esforços
isolados (SANTOS; SCAGLIA, 2014)1.
Nesse sentido, quando os jogadores estão engajados no jogo (em
estado de jogo), ou seja, despendendo todas as suas energias voluntárias
ao jogo, e, por conseguinte, resolvendo problemas predominantemente
inerentes à lógica do jogo, evidencia-se o sentido e a forma pelo qual as
soluções do jogo são construídas.
Cada jogo, de acordo com suas referências funcionais e estruturais
(SCAGLIA et al., 2013), possui uma lógica inexorável (FREIRE, 2002),
ou seja, uma maneira particular de solucionar o conjunto dos problemas
que emergem do jogo durante sua realização, porém, é necessário lembrar
1
O LEPE (laboratório de estudos em Pedagogia do Esporte) na FCA (Faculdades de
Ciências Aplicadas) da UNICAMP, está desenvolvendo estudos, principalmente, a partir
do pesquisador Marcos Vinícius Russo dos Santos, em que a complexidade estrutural
dos jogos coletivos de invasão está sendo investigada a partir das aproximações entre
a complexidade de Edgar Morin (2013), a Teoria da Cognição de Maturana (1980) e
o constructo teórico de Alexander A. Bogdanov, com a sua Ciência Universal da
Organização, ou Tectologia (BOGDANOV, 1996; MATTOS, 2013).
52
que existem intersecções dessas maneiras de solucionar os problemas dos
jogos tão maiores quanto for o grau de familiaridade entre eles (SCAGLIA,
2003; LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009).
Do ponto de vista educacional, estas ideias se mostram muito
interessantes, pois segundo Bronfenbrenner (1996), o ser humano se
desenvolve pela substancial variedade e complexidade estrutural das
atividades molares (significativas) nas quais se envolve, dentre essas
atividades, por exemplo, o jogo enquanto unidade mais básica (simples)
a sua forma mais complexa (esportes coletivos de invasão, com um
exemplo).
Ao fazer referência à complexidade estrutural do jogo, estamos
interpretando a interação das estruturas do jogo com o mundo mental
construído pelo jogador (derivado do seu Processo de Cognição), ou seja,
o conjunto de conhecimentos específicos que o jogador concebe do jogo,
sustentando sua ação no plano estratégico-tático no contexto desse sistema
complexo.
Ao nível das perturbações da estabilidade dinâmica do jogo, não
é possível aprender tudo e nem tampouco se poderá recorrer apenas a
memória para agir a cada situação de jogo (uma vez que nenhuma situação
é igual), o jogador recorre à complexidade estrutural, a fim de conceber
uma solução estratégico-tática, ou seja, a solução do problema não está
necessariamente circunscrita ao seu particular acervo de possibilidades de
resposta do jogador, e sim ela nasce na interação deste com o ambiente de
jogo.
No popular jogo de “bobinho”, no qual alguns jogadores, que
normalmente se posicionam em roda, procuram manter a posse da bola
com os pés enquanto um ou mais outros jogadores ao centro tentam roubá-
la, apresenta algumas condições de funcionamento definidas pelas regras
previamente acordadas. Essas regras devem fazer parte do campo de
conhecimento de todos os jogadores, isto quer dizer que, por exemplo, o
fato do ‘bobo’ apenas ter de tocar na bola para se salvar, sem a necessidade
de dominá-la, terá de fazer parte da estabilidade dinâmica (do conjunto de
conhecimentos específicos) dos jogadores, sem a possibilidade da existência
dessa regra ser uma perturbação (ser origem de um desconhecimento ou

53
incerteza) durante o jogo, pois as regras não mudam enquanto o jogo
acontece.
O que pode acontecer, voluntariamente pelos jogadores e
intencionalmente pelo professor/treinador (referenciado pelo objetivo
da aula/treino), é que em determinado momento de jogo parado, as
regras são alteradas para limitar a relação dos jogadores com a bola,
passando de 2 toques consecutivos para 1 toque na bola apenas, o que
consequentemente muda o jogo e seu processo organizacional sistêmico,
e uma nova estabilidade dinâmica no mundo mental de cada jogador deve
ser criada. Contudo, ainda que a mudança tenha gerado certa reorganização
à dinâmica do jogo, os jogadores continuaram jogando sem que essa
mudança se tornasse uma incerteza circunstancial, pois mesmo não sendo
o jogo anterior e operando com outra lógica, esta transição é suavizada e
ditada no ambiente de jogo.
As proposições apresentadas aqui derivaram de um mergulho
conceitual entre os termos centrais da complexidade e o processo
organizacional sistêmico dos jogos esportivos coletivos. A proposta da
complexidade estrutural do jogo foi e está sendo pensada na perspectiva
da aprendizagem, adensando os conhecimentos relativos ao processo
organizacional sistêmico, de modo que o pedagogo do esporte, tenha
mais assertividade nos propósitos do ensino e do treino ao alterar um jogo
no intuito de deixá-lo mais ou menos difícil para seus alunos ou atletas,
entendendo que ao compreender o processo de organização do jogo, não é
possível desconsiderar a complexidade que se estabelece entre os jogadores
e a construção/reconstrução de seus esquemas motrizes (esquemas de
ação), em meio aos problemas desencadeados pelo jogo, na interação com
as regras e as condições externas (outras duas estruturas que compõem um
jogo - unidade complexa - qualquer).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso objetivo com este texto se resumiu em apresentar à sociedade
internacional que se reúne no entorno do tema Pedagogia do Esporte, mais
particularmente aos estudiosos dos processos didático-metodológicos
de ensino e treinamento dos jogos/esportes coletivos, alguns conceitos
construídos por nosso grupo de estudo e pesquisa no decorrer das duas

54
últimas décadas.
Ao longo do texto procuramos deixar evidente que falamos a partir
do ponto de vista da complexidade, entendendo que o jogo é um sistema
complexo (SCAGLIA, 2005). Sendo necessário que o pedagogo do esporte
venha a entender seu processo organizacional, para que suas intervenções
possam provocar e potencializar a aprendizagem intencional dos iniciantes,
dos jovens, ou mesmo, dos expertos jogadores.
A pedagogia do jogo, enquanto proposta que abarca uma
metodologia pautada no jogo, procura, além de fornecer as justificativas
e a fundamentação teórica, organizar e sistematizar todo o processo
pedagógico, chegando a se materializar em ferramentas de aplicação do
método a partir das matrizes de jogos.
Já, a complexidade estrutural dos jogos coletivos visa a permitir o
início de uma profícua investigação que está trazendo como resultado a
possibilidade de um maior entendimento e, por conseguinte, segurança
na aplicação e controle da metodologia, permitindo que o pesquisador/
professor mergulhe no entendimento do processo organizacional sistêmico
dos jogos coletivos, compreendendo de modo cabal as interações sistêmicas
entre as estruturas padrões de cada unidade complexa (jogo), com ênfase
maior nos processos cognitivos construídos pelos jogadores em meio às
interações do conhecimento do jogador (mundo mental) com os ambientes
de jogo e aprendizagem.
Desse modo, as emergências dessas interações, permitem uma
organização e aplicação mais segura e fina da periodização de jogo que
se estabelece. Pois, ao reconhecer o jogo como um sistema complexo
podemos recriar a cooperação, a competição, a organização, o caos, a
ordem, a desordem e, destarte, a complexidade.
Portanto, como consequência de todo este processo temos, como
perspectivas de egressos da pedagogia do jogo, a formação de jogadores
de jogos coletivos mais inteligentes, entendendo inteligência de jogo para
além da capacidade de resolver problemas e tomar decisões mais rápidas
e acertadas. Nos pautamos no conceito de inteligência da complexidade,
defendido por Morin e Moigne (2007, p. 14), em que ela é entendida
“nos entrelaçamentos do fazer e do compreender”, logo, a inteligência é

55
a faculdade humana de dar sentido às coisas pela explicação dos projetos.
Nos jogos coletivos ela pode se materializar em projetos de ação, os quais
engendram-se em comportamentos/finalidades, dentro de certos contextos,
e assim a inteligência possibilita a organização desses no mundo, ao
mesmo tempo que promove a organização de si (MORIN e MOIGNE,
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61
62
RELAÇÃO PEDAGÓGICA E EXPERIÊNCIA DOS ALUNOS NO
ENSINO E APRENDIZAGEM DOS JOGOS DESPORTIVOS

Amândio Graça

Professor Associado com Agregação

Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi1

Introdução
“É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma”.
Este aforismo antitético, adaptado do Romance de Giuseppe Tomasi di
Lampedusa (1974), o Leopardo, tantas vezes glosado, com intenções e
interpretações tão díspares, serve-nos de ponto de partida para uma reflexão
sobre os problemas do ensino e aprendizagem dos jogos desportivos no
contexto da educação física, aqui entendida como disciplina escolar.
Os jogos desportivos ocupam desde há muito tempo um lugar
predominante no currículo da Educação física a nível mundial e mantêm-
se entre as atividades mais preferidas dos alunos de ambos os sexos
(TANNEHILL e ZAKRAJSEK, 1993; LUKE e COPE, 1994; WILLIAMS,
Bedward et al., 2000; GRAÇA e BRANDÃO, 2003; RIKARD e
BANVILLE, 2006; SIGMUND, SIGMUNDOVÁ et al., 2010).
O valor educativo divisado nos jogos desportivos fez deles matéria
privilegiada dos programas de educação física. Tendo tomado como lema
inaugural a contestação do dualismo corpo-espírito, o lugar dos jogos
no currículo da educação física começou por alicerçar-se numa base
pedagógica - “educating through the physical”- em detrimento da redução
ao biológico, ao “training of the physical”, num contexto de renovação
da educação física: “A New View of Physical Education Based upon
theBiological Unity of Mind and Body” (WILLIAMS, 1930). Desde então,
1
“Se queremos que tudo permaneça como está, é necessário que tudo mude”, tradução
literal extraída de Il Gattopardo, p. 41 (LAMPEDUSA, 1969)
63
os fundamentos pedagógicos e didáticos para o ensino dos jogos desportivos
têm procurado diagnosticar os obstáculos à aprendizagem, à participação
e envolvimento dos alunos nas aulas, ensaiando sucessivamente novos
discursos, novas bases de legitimação e, concomitantemente, advogando
novos rumos para as práticas de ensino dos jogos desportivos na escola,
para a relação pedagógica e para a experiência dos alunos nas aulas de
educação física.
A lógica dAs habilidades do jogo
A abordagem didática mais óbvia, mais fácil de justificar e mais
simples de gerir pelos professores com conhecimento limitado dos diversos
jogos desportivos é o da decomposição analítica do jogo em tarefas de
introdução e exercitação descontextualizada das habilidades básicas
do jogo. O argumento é singelo e autoevidente na sua validade facial:
sem dominar as respetivas habilidades básicas não é possível participar
produtivamente no jogo. Como referem Rink, French e Tjeerdsma (1996)
“Traditionally, physical educators have taken at face value the notion that
before one can play the game, an individual must have at least some level
of proficiency in the motor skills that are part of that game (p.399)”.2
Todo o jogo desportivo faz apelo a requisitos mínimos de ordem
motora, sem os quais não faz qualquer sentido confrontar os alunos com a
situação de jogo (BARRETO, 1984).
Invariavelmente, os manuais tradicionais de ensino dos diversos
jogos desportivos sempre deram um destaque à descrição da execução
técnica das habilidades do jogo e prescreveram a sua aprendizagem em
contextos estabilizados, apartados da situação de jogo, como condição
fundamental para o acesso à participação nos jogos (FARIA JR, 1972;
DAIUTO, 1974; DUDAL, RAMEAU et al., 1990).
Áreas de investigação associadas à fundamentação científica
do ensino da educação física, em particular a Aprendizagem Motora,
Desenvolvimento Motor, Avaliação Motora e muito especialmente a
investigação em Ensino da Educação Física (MAGILL, 1990; BUCK,
2
Tradicionalmente, os professores de educação física tomaram como logicamente válida a
noção de que antes de se poder participar num jogo tem que se possuir pelo menos algum
nível de proficiência nas habilidades que fazem parte desse jogo (RINK e TJEERDSMA,
1996, p.399).
64
HARRISON et al., 1991; HARRISON et al., 1999; KOVAR, 2009;
MORGAN et al., 2013), ao tomarem as habilidades motoras discretas
como unidade de análise, tendem a reforçar, implícita ou explicitamente,
a perspetiva do ensino das habilidades motoras isoladas como primeira
prioridade ou tarefa determinante do ensino dos jogos desportivos. Com
efeito, Rovegno (1993) constatou que os estagiários de educação física não
vislumbravam a necessidade de contemplar os conceitos táticos do jogo,
confinando o seu foco de preocupação ao ensino ativo das habilidades
técnicas do jogo, à gestão da aula e à regulação da participação dos alunos:
Rather than talking about game play and strategy as content
to be taught, they talked about games as interesting contexts
for practicing skills, as opportunities for children “to get a
taste of a gamelike situation” (…)

All PETE majors considered skills to be important content.


They thought it was essential to break skills down and to
provide a variety of developmentally appropriate, sequential
tasks before allowing children to use those skills in games.
However, the strategy of those same basic games was initially
ignored or not recognized as content (p. 62)3

O jogo é uma atividade extremamente complexa para um professor


com escassos conhecimentos. Ter uma turma de alunos, com pouca
experiência e com um domínio muito sofrível das habilidades do jogo,
colocá-los a jogar e conceber a partir dali um projeto de intervenção
pedagógica exige uma capacidade de extrair significado do emaranhado
das ações dos jogadores. O que é que eles são capazes de fazer? Do que
é que necessitam? O que é que eles podem perceber? O que é que se lhes
deve exigir? Muitos professores, desconhecendo ou não sendo capazes de
fazer uso das ferramentas necessárias para interpretar o que se passa no
3
Ao invés de falar sobre o jogo e estratégia de jogo como conteúdo a ser ensinado,
eles falam sobre jogos como contextos interessantes para praticar habilidades, como
oportunidades para as crianças “tomarem o sabor de uma situação de jogo” (...)
Todos os estagiários consideram as habilidades um conteúdo importante. Eles pensam
que é essencial decompor as habilidades e fornecer uma variedade de tarefas sequenciais
e apropriadas ao desenvolvimento, antes de colocar as crianças a usar essas habilidades
nos jogos. No entanto, a estratégia [tática] desses mesmos jogos básicos foi inicialmente
ignorada ou não reconhecida como conteúdo (ROVEGNO, 1993, p. 62)
65
jogo, abstêm-se de intervir sobre a organização do jogo e as decisões táticas
dos alunos. Se pretendem assegurar o controlo do currículo, não colocam
os alunos a jogar, refugiam-se nas técnicas isoladas, onde podem marcar
o andamento da aula e sentir que estão a ensinar. Se colocam os alunos a
jogar, a sua intervenção sobre o jogo passa a ser desconexa no conteúdo
e no propósito, irrelevante para a evolução da aprendizagem e tende a
fixar-se nos objetivos de manter a aula a funcionar o mais tranquilamente
possível (O’SULLIVAN e DYSON, 1994; SIEDENTOP, DOUTIS et al.,
1994).
O CURRÍCULO DAS MULTIATIVIDADES
A precedência concedida ao ensino das habilidades isoladas alia-se,
por via de regra, ao currículo das multiatividades. Trata-se de um currículo
eclético que se organiza tematicamente por uma variedade de atividades,
incluindo nelas diversos jogos desportivos. O principal argumento
subjacente é o de que os alunos possam tomar contacto com um leque, o
mais alargado possível, de experiências motoras e atividades desportivo-
motoras, a fim de enriquecer o seu reportório e as suas possibilidades de
escolha para o seu tempo livre. Variar de atividade, não estar muito tempo
a fazer o mesmo, aprender sempre coisas novas, evitar tarefas rotineiras e
a monotonia são ideias que aparecem associadas imediatamente à imagem
de boa aula e de bom programa. Se na repartição do tempo ficam muito
poucas aulas para abordar cada atividade, isso não é visto como muito
problemático, particularmente pelos estagiários, porquanto as noções de
consolidação, aprofundamento e sistematização não parecem ser muito
compatíveis com as ideias perfilhadas de novidade e satisfação dos alunos.
O objetivo implícito do currículo das multiatividades não é o domínio
da matéria, mas o de fazer passar os alunos pela experiência, mantê-los
interessados, bem comportados e ativos (HUTCHINSON, 1993). Por
ironia do destino, a brevidade das unidades de ensino, por só permitir
introduções básicas, sem aprofundar nem consolidar nada, acaba por
engendrar precisamente aquilo que pretendia evitar - atividade rotineira,
monotonia e desafetação, dado que os programas retomam, ano após ano, o
mesmo filme, requentado e desenxabido, do ano anterior, redundando num
estado de iniciação permanente, naquilo que Siedentop (1983) apelidou de
“overexposure”.

66
A improdutividade reiterada do currículo das multiatividades
apresenta, nos piores cenários, uma degradação acentuada da relação
pedagógica, da convivência entre os alunos, dos pressupostos educativos
da própria disciplina.
Many students in the observed classes refused to listen to
the teachers’ explanations or participate in drills to enhance
skilfulness. They refused to get up from their seats when
asked and ridiculed students who complied with teachers’
directions (ENNIS, 1995, p. 449).4

A citação extraída dum estudo sobre o ambiente das aulas de educação


física em 10 escolas secundárias de áreas urbanas norte-americanas ilustra
a erosão do currículo e a razão do progressivo abandono do currículo das
habilidades em favor de um currículo de atividades facultativas negociadas
com base na motivação extrínseca em troca de cooperação na manutenção
da ordem na aula. “Teachers were no longer interested in discussing
curricula based on the skill, knowledge, fundamental movement, or fitness
concepts currently discussed in professional physical education curriculum
texts” (ENNIS, 1995, p. 453)5.
O ar que se respira em muitos programas de educação física
revela sintomas de contaminação. A reação dos alunos ao ambiente da
educação física é semelhante à do canário na mina de carvão. Quando o
canário deixa de cantar é sinal de alerta de que há acumulação perigosa
de gás metano (ENNIS, 2000). Os dados dos inquéritos reportam que a
maioria dos alunos continua a manifestar uma atitude favorável face às
aulas de educação física e aos jogos desportivos, mas há também sinais
de acumulação de desagrado, insatisfação e desafetação que não podem
ser escamoteados (CARLSON, 1995; GRAÇA e BRANDÃO, 2003;
SIGMUND, SIGMUNDOVÁ et al., 2010; BERNSTEIN et al., 2011).
4
Muitos alunos, nas aulas observadas recusaram ouvir as explicações dos professores ou
participar em exercícios para exercitar as habilidades. Eles recusaram levantar-se dos seus
assentos quando solicitados e ridicularizavam os colegas que cumpriam as instruções dos
professores (ENNIS, 1995, 449).
5
Os professores não estavam mais interessados em discutir currículos baseados nas
habilidades, conhecimento, movimento fundamental, ou conceitos de fitness atualmente
discutidos nos textos curriculares dos profissional de educação física (ENNIS, 1995, p.
453).
67
Ennis (1999) enumerou as principais debilidades do currículo das
multiatividades que, apesar de causar sérios danos à saúde da educação
física, de comprometer a sua incumbência educativa e de enfraquecer a
posição da educação física no currículo, continua a predominar em muitos
países, incluindo Portugal:

1. Short units of activity with minimal


instructional periods.
2. Weak or non-existent educational sequences
across lessons, units, and grades that limit
learning.
3. Little or no accountability for using skills
strategically in game play.
4. Little or no instruction or coached supervision
of game play.
5. Few if any policies to equalize playing
opportunities for low-skilled players.
6. Required public displays of playing ability.
7. Class control exercised by central authority
figure(s), minimizing student ownership and
leadership opportunities in large classes and
constraining learning. (p.32)6

6
1. Unidades de atividade curtas, com períodos de instrução mínima.
2. Sequências de ensino fracas ou inexistentes entre aulas, unidades didáticas e anos de
escolaridade, o que limita a aprendizagem.
3. Pouca ou nenhuma exigência para o uso tático das habilidades no jogo.
4. Pouca ou nenhuma instrução ou supervisão ativa do jogo.
5. Poucas ou nenhumas medidas para promover as oportunidades de participação no jogo
de jogadores de nível mais baixo de habilidade.
6. Exibição pública obrigatória da [in]capacidade de jogo.
7. Controlo da aula exercido por figura(s) autoridade de central, minimizando as
oportunidades de autonomia e de liderança dos alunos em turmas grandes e dificultando
a aprendizagem . (ENNIS, 1999, p.32)
68
A ABORDAGEM DESENVOLVIMENTAL DAS HABILIDADES
DO JOGO
Apoiada numa conceção progressiva de aprendizagem das
habilidades motoras, nas conclusões da investigação sobre a eficácia do
ensino, e partindo de uma crítica ao ensino sem sequência, nem progressão,
ou consolidação das habilidades, Rink (1993) advoga uma abordagem
desenvolvimental, passo a passo às habilidades dos jogos desportivos na
escola. Nesta abordagem, as tarefas devem ser apresentadas e praticadas de
modo estruturado e sequencial, fornecendo oportunidades para progressão,
refinamento e aplicação, aproximando progressivamente a exercitação das
habilidades às condições em que são usadas no jogo. “A skill cannot be
performed effectively unless the student has acquired skill in both the
response and the use of response (adjustment)”. (RINK, 1993, p.123)7
O facto de a maioria das habilidades dos jogos desportivos serem
de natureza aberta, isto é implicarem um ajustamento dos “quandos”
e dos “comos” às condições sempre variáveis do envolvimento, tem
consequências no modo como devem ser aprendidas. Para Rink (1993), é
fundamental que o professor seja capaz de analisar as habilidades do jogo
em função dos modos como serão usadas no contexto de jogo e conceber
o seu desenvolvimento, tendo em conta dois aspetos interligados, o nível
de habilidade dos alunos e o nível de jogo que se espera alcançar. O
desenvolvimento da exercitação para cada aula compreende o encadeamento
de 3 tipos de tarefas didáticas: tarefas de extensão - manipular o nível de
dificuldade ou complexidade da situação de exercitação de uma habilidade;
tarefas de refinamento - focar o aluno nos elementos de qualidade de
realização dessa habilidade; e tarefas de aplicação - propor situações de
comprovação de desempenho dessa habilidade, colocando objetivos de
rendimento, em situações de autoavaliação ou competição.
A progressão das situações de aprendizagem ao longo da unidade
didática dedicada à aprendizagem das habilidades do jogo desportivo
organiza-se em função de quatro fases (game stages): Fase 1 - exercitação
das habilidades simples sem oposição; Fase 2 - exercitação da combinação
7
O desempenho de uma habilidade não pode ser eficaz a não ser que o aluno tenha
adquirido quer a resposta [execução], quer o uso da resposta (ajustamento) (RINK, 1993,
p. 123)
69
de habilidades sem oposição; Fase 3 - exercitação em situações de oposição
simplificada; Fase 4 – prática de jogo modificado ou semelhante ao jogo
formal. Dado que nenhuma fase se esgota, podem ser articulados dois
movimentos de progressão distintos, uma progressão dentro de cada fase
e uma progressão de uma fase para a outra. Ainda que se preconize um
avanço para as fases mais próximas da situação de jogo, não se preconiza o
abandono das situações de uma fase, quando se introduzem situações da fase
seguinte. No entanto, a exercitação das habilidades em condições fechadas
deve ser reduzida ao indispensável para garantir os pré-requisitos para as
fases seguintes, fazendo variar as formas e as condições de execução. As
situações das fases 2 e 3 devem ser especialmente enfatizadas para colmatar
o fosso das abordagens tradicionais que se fixam normalmente nas fases 1
e 4, o que inviabiliza a possibilidade de transferência da exercitação.
Embora considere a utilização de outros modelos de ensino, a
abordagem desenvolvimental das habilidades do jogo encaixa mais
perfeitamente na lógica do modelo de instrução direta, que enfatiza a
apresentação clara dos objetivos de aprendizagem; a explicação clara e
concisa da matéria, com demonstrações e acentuação dos pontos críticos;
a sequência estruturada das tarefas de aprendizagem, proporcionando aos
alunos frequentes oportunidades de sucesso; a supervisão e apoio ativo
à realização das tarefas de aprendizagem, disponibilizando feedback e
avaliação (HOUSNER, 1990). Nesta perspetiva, a relação pedagógica
fica demasiado centrada na condução do professor, dependente da sua
capacidade de projetar, implementar e avaliar as situações de aprendizagem.
Apesar de se reconhecer que o jogo é mais que a soma das partes, a lógica
de ensino da abordagem desenvolvimental insere-se numa conceção linear,
passo a passo, de uma matéria que oferece resistência e se coaduna pouco
com a decomposição analítica em unidades moleculares (ROVEGNO,
1999).
A lógica da compreensão tática do jogo
A porta da compreensão tática do jogo oferece uma via de acesso
alternativa às abordagens moleculares das habilidades básicas do jogo. O
ponto de partida é o jogo, não o jogo formal adulto, por ser demasiado
complexo, mas ainda assim um jogo, que coloca em primeiro plano
problemas de ordem tática. Sob o acrónimo TGfU, de Teaching Games
70
for Understanding, podemos encontrar um modelo de ensino do jogo
sistematizado por Bunker e Thorpe (1982) e, por extensão, um conjunto
de abordagens, com maior ou menor grau de parentesco ou afinidade,
“Tactical Games Approach” (GRIFFIN et al., 1997); “Play Practice”
(LAUNDER, 2001); “Game Sense” (LIGHT, 2013); “Games Concept”
(TAN et al., 2002); Invasion Games Competence Model (MUSCH et
al., 2002); “Tactical-Decision Learning Model” (GRÉHAIGNE et al.,
2005); “Nonlinear Pedagogy” (DAVIDS et al., 2005); “Escola da Bola”
(KRÖGER e ROTH, 2002). A pedra de toque que permite relacionar todas
estas abordagens com o TGfU, não obstante as diferenças, é o lugar central
que conferem ao jogo.
In principle, TGFU in the 1980s was a new way of thinking
for teachers and coaches because there was a concern that
practice in schools was failing far too many young people and
there was a need for a new stimulus as well as a new focus:
a focus that was game centred as opposed to a technical drill
based approach that was seen as inappropriate. It was game
centred because it was believed that young people would
prefer this approach and also it was seen as a better way of
learning. (ALMOND, 2015, p. 17)8

Os princípios pedagógicos enunciados para o TGfU são conjugados


por referência ao jogo e sua adequação aos interesses, necessidades e
possibilidades dos alunos (THORPE et al., 1984):
1-Game Sampling – selecionar criteriosamente os jogos e as formas
de jogo a incluir no currículo de maneira a proporcionar aos alunos
uma experiência representativa dos diversos tipos de jogo. A escolha
dos jogos pode tomar por referência a similaridade e a diferença entre
os diversos tipos de jogos no que diz respeito à natureza dos problemas
táticos que os carateriza, tendo em conta as dinâmicas das culturas lúdico
8
Em princípio, o TGFU na década de 1980 foi, para professores e treinadores, uma
nova maneira de pensar, porque sentiam que o ensino nas escolas estava a falhar para
demasiadas crianças e jovens e havia necessidade de um novo estímulo, bem como
um novo foco: um foco centrado no jogo em oposição a uma abordagem baseada na
exercitação das técnicas, vista como inadequada. Acreditava-se que os jovens preferiam
uma abordagem centrada no jogo e que esta era também uma melhor maneira de aprender.
(ALMOND, 2015, p. 17)
71
motoras de cada país ou região. Thorpe, Bunker et al. (1984) adotaram a
classificação dos tipos de Jogos de Ellis (1983), que inclui 4 categorias de
jogos e 8 subcategorias ((i) Territory - Goal, Line; (ii) Target - Opposed,
Unopposed; (iii) Court - Divided, Shared; (iv) Field - Fan Shaped, Oval
Shaped). Em Portugal, os programas de Educação Física contemplam
quase exclusivamente os jogos de invasão (Territory: andebol, basquetebol
e futebol) e os jogos de rede/parede (Court: badminton e voleibol). São
residuais as experiências dos jogos de alvo (Target) e de bater e correr
(Field).
2. Modification – Representation – As formas adultas de jogo, no
que diz respeito ao número de jogadores por equipa, às dimensões do
espaço de jogo, do objeto de jogo (bola), dos materiais e equipamentos e à
sofisticação de disposições regulamentares, inviabilizam ou não favorecem
a participação e a qualidade de jogo dos aprendizes no jogo, pelo que se
faz necessário simplificar os jogos, encontrar formas reduzidas de jogo que
preservem as caraterísticas básicas constitutivas do jogo de referência, que
coloquem problemas de ordem tática e motora congruentes com a lógica
desse jogo, que possam ser reconhecidos pelas aprendizes como jogos
autênticos e que desafiem a sua capacidade de interpretar e resolver os
problemas concretos colocados pelas condições de jogo e as relações entre
os jogadores.
3. Modification – Exaggeration – Para além de encontrar formas
modificadas de jogo que sejam representativas de um dado jogo, importa
também conceber modificações que por exagero canalizem mais facilmente
os processos de recolha da informação, de leitura e de exploração das
possibilidades de solução dos problemas de jogo. Mantendo as regras
básicas constitutivas do jogo, pode manipular-se os constrangimentos da
tarefa (TAN et al., 2011), por exemplo dispensar e modificar, ampliar ou
restringir regras relativas ao espaço de jogo disponível (exagerar largura ou
profundidade), à relação entre as ações de ataque e defesa (superioridade
numérica, ações de oposição, formas de execução de habilidades…), de
maneira a tornar mais óbvias as opções de jogo, (manter/recuperar a posse
de bola; transitar para o ataque/recuperar defensivamente, criar/contrariar
situações de finalização, finalizar/impedir finalização) em função da
capacidade de jogo dos aprendizes.

72
4. Tactical Complexity – A sucessão lógica dos jogos no currículo
toma por referência a complexidade tática de cada tipo de jogo e, dentro de
um dado tipo de jogo, um encadeamento de formas de jogo, das mais simples
para as mais complexas. A complexidade tática cruza-se, entretanto, com a
dificuldade do reportório motor requerido para participar produtivamente
no jogo. Aqui a solução não é deixar o jogo de lado e passar para a
exercitação das habilidades isoladas, mas a de encontrar uma forma de jogo
em que os problemas táticos a resolver sejam minimamente compatíveis
com o reportório motor que os alunos possuem à partida. Importa que as
debilidades de execução motora não esgotem desde logo a possibilidade de
procurar uma solução tática para as sucessivas situações de jogo e que os
jogos e as formas de jogo propostas sejam desafiantes sob os pontos de vista
tático e motor para o nível em que os alunos se encontram. Na perspetiva
da progressão da aprendizagem e desenvolvimento da capacidade de jogo,
a manipulação da complexidade tática, a par da amostragem de jogos,
explora as possibilidades de transferência das aprendizagens entre jogos
e formas de jogo com uma estrutura de problemas táticos semelhantes
(MITCHELL e OSLIN, 1998).
A aplicação dos 4 princípios pedagógicos funda-se na capacidade
de adequar o tipo e a forma de jogo às necessidades, aos interesses e às
possibilidades dos alunos, e perfila-se num horizonte que não se queda pela
compreensão tática, antes se regula pelo desenvolvimento da capacidade de
jogo. É precisamente uma deriva dualista, intelectualista, dos fundamentos
das abordagens táticas ao ensino dos jogo que pode fazer esquecer o que
deveria ser óbvio e incontornável: “TGfU has never been about the mere
development of tactical awareness. It has always been about good games
players” (KIRK, 2005, p.217)9.
ALTERNATIVAS ÀS ABORDAGENS RACIONALISTAS E À
APRENDIZAGEM EXPLÍCITA
O perigo da deriva intelectualista no ensino do jogo tem as suas raízes
na hegemonia da consciência deliberativa, do conhecimento verbalizado e
verbalizável, da contemplação e reflexão sobre os problemas, dos processos
de aprendizagem explícita, que se afirmam como requisito para toda a ação
9
TGfU nunca foi sobre o mero desenvolvimento da consciência tática. Foi sempre sobre
[formar] bons jogadores (KIRK, 2005, p. 217).
73
inteligente (TOMLINSON, 1999). O postulado é que, sendo o homem um
ser racional, a razão deve superintender, anteceder, gerir e justificar toda a
ação humana inteligente. São, nesta aceção, infundados ou de menor valor
todos os processos e formas de ação que não passem pelo uso esclarecido
da razão; são postas fora de circuito, desconsideradas, ou negligenciadas
as soluções para os problemas práticos de jogo que resultem da intuição,
da imitação, do experienciado, do tácito, do implícito, do automático, de
processos de decisão que escapem à esfera do previamente racionalizado.
Há presentemente um crescendo de consciência de que a consciência, ela
própria, não é autossuficiente:
Knowledge by representation is possession of a map –
how good a knowledge will depend, of course, on how
accurate is the map for present purposes. Knowledge by
acquaintance, though, is not itself possession of a map; it is
direct familiarity, a direct relationship of first-person rapport
with the territory (…) But it is not itself possession of a
map, for we can possess a map without any acquaintance for
ourselves with the territory. Possession of a map, no matter
how accurate the map, is never equivalent to knowledge by
acquaintance of the territory, no matter how much we may
suppose that it suffices (CANNON, 2002, p.33)10

Não será caso para cair no extremo oposto, e passar a advogar um


irracionalismo, negando a importância e o papel da consciência, da reflexão,
da aprendizagem explícita, da transmissão de princípios, conceitos e regras
de ação, mas trata-se tão-somente de reconhecer a importância de outras
dimensões e processos aplicáveis ao ensino e aprendizagem dos jogos.
Neste contexto, a pedagogia não linear propõe-se interpretar
e explicar o funcionamento dos princípios pedagógicos do TGfU
10
O conhecimento por representação é a posse de uma mapa – quão bom é um dado
conhecimento dependerá, claro está, do grau de precisão desse mapa para os presentes
propósitos. Conhecimento por familiaridade, porém, não é ele próprio a posse de um
mapa; é uma familiaridade direta, uma relação direta na primeira pessoa com o território
(..) não é ele próprio a posse de um mapa, dado que nós podemos possuir um mapa sem
nenhuma familiaridade com o território. A posse de um mapa, independentemente de
quão preciso esse mapa é, nunca é equivalente a um conhecimento por familiaridade do
território, independentemente do quanto supusermos de que ele nos basta (CANNON ,
2002, p.33)
74
(amostragem do jogo, modificação por representação, modificação por
exagero e ajustamento da complexidade tática) à luz das ideias teóricas
da perspetiva ecológica dos sistemas dinâmicos não lineares, no âmbito
da aprendizagem motora (DAVIDS et al., 2005; CHOW et al., 2007;
TAN et al., 2011), nomeadamente a manipulação dos constrangimentos,
tendo por base a interação das categorias sujeito, envolvimento, tarefa; o
acoplamento informação-movimento; e o controlo e adaptação (harnessing)
da variabilidade de movimento.
In a nonlinear pedagogical approach, the ideas of self-
adjustment under interacting constraints, the interwoven
relationship between information and movement, as well
as the role of movement variability in adapting to changing
task and environmental constraints, are relevant for our
understanding of learning design in TGfU. (TAN et al.,
2011, p.335)11

Elaborando sobre as duas ideias nucleares da escola da bola


(KRÖGER e ROTH, 1999; MEMMERT e ROTH, 2007) - aprendizagem
implícita da estrutura cognitiva da tomada de decisão em jogos jogos de
invasão reduzidos; e prática não especifica dos jogos de invasão (os jogos
reduzidos são jogados com as mãos, com os pés ou com implementos numa
ordem aleatória), Memmert (MEMMERT e ROTH, 2007; MEMMERT e
HARVEY, 2010) tem procurado identificar as táticas básicas comuns a
esse tipo de jogos. A existência de táticas básicas comuns implica elevada
correlação entre os valores da mesma tarefa tática quando realizada quer
com as mãos, com os pés ou com implementos, assim como admite
a transferência das aprendizagens entre esses jogos. Por outro lado, a
identificação de táticas básicas distintas pressupõe que elas impliquem
a mobilização de fatores suficientemente distintos da capacidade tática
global. Neste caso, a capacidade tática global será multifatorial, e os
jogadores poderão apresentar diferentes perfis de capacidade tática, em
função da especificidade dos seus pontos fortes e fracos na pontuação das
11
Numa abordagem pedagógica não linear, as ideias de autoajustamento em função da
interação de constrangimentos, as relações entrelaçadas entre informação e movimento,
assim como o papel da variabilidade de movimento na adaptação aos constrangimentos
da tarefa e do envolvimento, são relevantes para a nossa compreensão do delineamento
da aprendizagem no TGfU. (TAN et al., 2011, p. 335)
75
tarefas táticas.
Presentemente, Memmert (2015) reporta a existência de 6 táticas
básicas:
Atacar o alvo (attacking the goal) – inclui os requisitos táticos para
tomar decisões de espaço e tempo aquando da resolução de tarefas táticas
ou situações de jogo, correndo para o alvo com o objetivo de executar uma
ação de finalização.
Aproximar a bola do alvo (taking ball near the goal) - inclui os
requisitos táticos para, levar a bola, juntamente com os colegas de equipa,
para a zona de finalização.
Jogar com os colegas (playing together) - inclui os requisitos
táticos para passar a bola aos colegas rapidamente e de maneira adequada
a situação.
Usar os espaços livres (using gaps) - inclui os requisitos táticos
para tomar decisões espaciais aquando da resolução de tarefas táticas ou
situações de jogo, usando eficazmente os espaços livres.
Fintar (feinting) - inclui os requisitos táticos para conservar a posse
da bola quando lida individualmente com adversários.
Obter uma situação favorável através de apoio, orientação e
cooperação com os companheiros (Achieving an advantage through
supporting, orienting, and cooperating with partners) - inclui os requisitos
táticos para assegurar e criar espaços favoráveis, apoiando e orientado-se
para ficar livre para receber um passe.
É inegável importância do ensino da componente tática, explorando
a resolução dos problemas práticos do jogo pelas vias do conhecimento
e da consciência tática, do questionamento ativo e da descoberta-guiada,
pelas vias do entrelaçamento de perceção e ação ou de informação e
movimento em situações de jogo que proporcionam um balanço favorável
dos constrangimentos inerentes aos jogadores, ao envolvimento e às
tarefas, ou pelas vias da prática não específica de tarefas táticas comuns.
Contudo, o ensino do jogo não se circunscreve aos aspetos de conhecimento
e tomada de decisão ou de ajustamento e adaptação à variabilidade e
imprevisibilidade do fluxo das situações de jogo. Coloca problemas de
76
relação, de estatuto, de poder, de capital simbólico, problemas atravessados
por filtros culturais de construção de género, de etnicidade, de classe social,
de fisicalidade, que emergem apenas no discurso pedagógico quando se dá
atenção ao currículo oculto, muitas das vezes, porém de forma redutora e
enviesada, procurando empurrar e em especial os jogos desportivos para
fora do currículo da educação física. Uma pedagogia crítica, como nos diz
Kirk (2006), procura ir além das aparências:
Critique is not mere criticism. Instead, critique aims to assist
people to see beyond the obvious, the commonplace, and
commonsense of everyday life in order to better understand the
interrelatedness of human activity on a number of levels (…)
With its central concern to bring about social change through
education, a critical pedagogy aims to open up possibilities
and alternatives, to reveal the complexity of social life, and
to resist the imposition of simplistic explanations and quick-
fix solutions. (…) Properly conducted, a learner-player will
engage in processes of emancipation (including inclusion
and equity), empowerment, and critique as a constituent part
of playing sport (p. 257)12

Para além das lógicas da técnica e da tática


A interpretação do TGfU a partir de uma perspetiva da aprendizagem
situada (KIRK et al., 2000) não circunscreve os problemas do ensino
dos jogos nem à dimensão técnica, nem à dimensão tática, funde aliás
estas duas numa única dimensão – perceptual-physical, rejeitando, nesse
passo, a dicotomia técnica versus tática, e acrescentando, para além
disso, duas novas dimensões, a dimensão social-interativa e a dimensão
institucional-cultural.
12
Crítica não é mero criticismo. Em vez disso, a crítica tem como objetivo ajudar as
pessoas a ver para além do óbvio, do lugar-comum e do senso comum da vida cotidiana,
a fim de melhor compreender o caráter interrelacionado da atividade humana a diversos
níveis (...) Com a sua preocupação central de favorecer a mudança social através da
educação, uma pedagogia crítica visa abrir possibilidades e alternativas, para desvelar
a complexidade da vida social, e de resistir à imposição de explicações simplistas e
soluções superficiais. (...) Bem conduzido, um aluno-leitor vai se envolver em processos
de emancipação (incluindo a inclusão e equidade), empoderamento e crítica como parte
constituinte de jogar os jogos desportivos (p. 257)
77
A dimensão social-interativa coloca a ênfase na interdependência,
nos processos de cooperação e comunicação e requer a mudança de
unidade de análise do jogador individual, para o jogo e a relação entre
jogadores, tanto dentro de cada equipa, como entre equipas (MACPHAIL
et al., 2008).
Alguns autores chamam a atenção para a necessidade de, também no
âmbito do ensino dos jogos desportivos na escola, colocar o jogo, a relação
de forças entre as equipas, os processos de organização e comunicação
dentro da equipa e a relação de cooperação entre os jogadores no foco
das preocupações de ensino dos jogos (GRÉHAIGNE et al., 2001;
ROVEGNO et al., 2001; GRÉHAIGNE et al., 2005; MACPHAIL et
al., 2008). Porém, apesar de a relação de cooperação/oposição constituir
a verdade mais óbvia dos jogos desportivos coletivos, ao alcance da
compreensão de uma criança de 7/8 anos, o facto é que há um défice
de instrumentos teóricos e metodológicos para lidar com esta dimensão
social-interativa e a irredutibilidade relacional dos jogos de equipa.
Instrumentos de avaliação da capacidade jogo, como o GPAI (OSLIN et
al., 1998), ou TSAP (GRÉHAIGNE et al., 1997; RICHARD et al., 2000),
foram concebidos para avaliar desempenhos individuais, pelo que apenas
indiretamente conseguem dar conta da dimensão interativa, agregando
resultados de ações ou decisões individuais, sem possibilidade de avaliar a
interdependência, enquanto tal, a entreajuda, a correlatividade do trabalho
em equipa.
Por outro lado, a dimensão institucional-cultural confronta-nos com
os problemas de consonância ou desfasamento entre a cultura desportiva
extraescolar, a cultura escolar, a cultura da disciplina e da aula e do ensino
dos jogos na escola física; as disposições e as representações dos alunos
relativamente aos jogos desportivos, o conhecimento, o interesse e a
importância que atribuem aos jogos desportivos e à sua prática dentro e fora
da escola, e particularmente ao modo como identificam a ligação do ensino
dos jogos na educação física com as práticas das respetivas comunidades
desportivas, o modo como estas questões se cruzam com questões dos
domínios da fisicalidade, género, etnicidade, classe social. As condições
de existência particulares associadas a estes domínios produzem habitus,
conceito definido por Bourdieu (2009) como “Sistemas de disposições

78
duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar
como estruturas estruturantes” (p.87).
As disposições são duráveis (oferecem resistência à mudança)
mas não são fixas. São estruturadas pelas experiências passadas, e são
estruturantes – engendram as práticas e nessa medida influenciam, mas
não determinam mecanicamente o porvir.
“I hate softball… I didn’t like batting… because… everyone
is waiting for you… and everyone is watching you” (Carlson,
1995: 470).

“I guess because I don’t feel that I am a part of gym. I feel


left out, not really a part of that team feeling” (Carlson,
1995: 471).

“Why should we do something that we are not good in and


people yell at us if we make a mistake. I just don’t need that”.
(Portman, 1995: 12)

“I don’t know, cause of TV, it’s just men isn’t it doing


football. I think there should be a girls’ team because I enjoy
football. They [teachers] just don’t let us do it… They want
to teach them different stuff like girls’ netball, boys’ football.
I don’t think that’s right ‘cause then boys say netball’s for
girls and football’s for boys and stuff like that. I think we
should get to do football as well. (Hills, 2006: 546)

“ Yea, [I always enjoyed all sports] but I don’t show it in


front of my mates. Cause they’re all… they don’t like sport”.
(HILLS, 2006, p.548)13.
13
“Detesto softball! Não gosto de ser batedor, porque está toda a gente à minha espera e
toda a gente a olhar para mim (CARLSON, 1995, p. 470)
“Não sinto que faça parte do ginásio. Sinto-me deslocado. A mim não me diz nada esse
sentimento de fazer parte de uma equipe” (CARLSON, 1995, p. 471)
“Por que temos que fazer coisas quando não temos nenhum jeito e as pessoas nos gritam
quando cometemos erros. Eu não preciso disso!” (PORTMAN, 1995, p.12)
“Não sei, [talvez] por causa da TV, é só homens, a jogar futebol não é? Eu penso que
deveria haver uma equipa de meninas porque eu gosto de futebol. Só que os professores
não deixam. Eles querem ensinar a eles coisas diferentes, do tipo meninas netball, rapa-
zes futebol. Eu não gosto, porque depois os rapazes dizem que netball é para meninas e
79
Os professores de educação física, os pais, os grupos de amigos,
os estereótipos sociais interiorizados contribuem para a inculcação de
habitus, disposições face aos jogos desportivos na educação física e que
poderão ser mais ou menos favoráveis à atração pelos jogos desportivos,
mais ou menos desincentivadores do envolvimento nos jogos desportivos,
mais ou menos facilitadores das oportunidades de aprendizagem, mais ou
menos inibidores da inclusão significativa dos alunos no enredo do jogo,
mais ou menos fomentador da fruição do jogo.
O caráter relacional e competitivo do jogo gera permanentemente
uma tensão de magnitude variável entre forças de inclusão e exclusão
no enredo do jogo, que não é fácil de ultrapassar, tanto mais que trazem
atrelados problemas de ordem técnica e tática, problemas de competência
e confiança, problemas de atitude e motivação. Importa pois acrescentar
às preocupações pedagógicas derivadas dos problemas de ordem técnica
e tática, as preocupações de ordem social-interativa e institucional-
cultural. Os jogos desportivos cumprirão verdadeiramente o seu potencial
educativo se contribuírem para os alunos melhorarem as possibilidades de
compreender e de agir no mundo, de conviver e de trabalhar em equipa, de
jogar bem e de fruir o jogo.
A sociedade muda, as necessidades, os gostos e as disposições
mudam e os jogos têm necessariamente que mudar para que possam
continuar a merecer fazer parte do currículo da educação física e a cumprir
o que prometem para a formação dos alunos.
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Porque todas elas são… elas não gostam de desporto” (HILLS, 2006, p.548)
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86
RUGBY NO BRASIL: NA ESCOLA! É POSSÍVEL?

Eraldo dos Santos Pinheiro1,2

Mario Renato Azevedo Júnior1

Mauricio Migliano2

Gabriel Gustavo Bergmann3

Este texto tem como objetivo apresentar um panorama sobre o Rugby


brasileiro e uma proposta de como inseri-lo na Escola.
RUGBY NO BRASIL
O Rugby é uma modalidade coletiva de invasão que tem sua origem
em uma escola inglesa denominada Rugby School (GONZALEZ, 2012;
PINHEIRO, 2014). No Brasil o Rugby começou a ser jogado no final do
século XIX, concomitante ao futebol. Apesar das duas modalidades terem
a mesma aderência da elite brasileira da época, o Rugby e o futebol tiveram
diferentes caminhos no Brasil. O futebol tornou-se uma modalidade
popular e o Rugby teve suas práticas restritas as escolas e clubes de origens
britânicas no Estado de São Paulo (BATH, 1997).
Na atualidade o Rugby vem passando por uma importante
evolução, principalmente no que tange a aderência de novos praticantes
e no desenvolvimento e formação de novos atletas. Essa evolução está
diretamente relacionada à reorganização ocorrida no ano de 2009 quando
a Associação Brasileira de Rugby passou a ser Confederação Brasileira
de Rugby (CBRu). Isto exigiu que as Federações estaduais e os clubes
se reorganizassem para participarem das competições nacionais, regionais
e estaduais. Além disso, para fazer parte do rol de países que recebem
investimentos da World Rugby (Confederação Internacional de Rugby)
foi preciso se readequar, traçar metas, apresentar relatórios e enviar seus
recursos humanos para capacitações e formações da World Rugby.

1
Grupo de Estudos em Esporte da Universidade Federal de Pelotas
2
Confederação Brasileira de Rugby – Desenvolvimento
3
Universidade Federal do Pampa
87
A tabela 1 traz os resultados da evolução da modalidade no Brasil de
2009 a 2012.
Tabela 1. Quantidade de jogadores por sexo e faixa etária.
Naipe (2009) (2010) (2011) (2012) Incremento
Masculino          
Infantis 226 402 940 1152 926
Juvenis 1111 1356 1784 1903 792
Adultos 2913 3112 3310 3622 709
Total 4250 4870 6034 6677 2427
Feminino          
Infantis 37 54 146 194 157
Juvenis 58 96 124 181 123
Adultos 270 382 788 1034 764
Total 365 532 1058 1409 1044
Total de jogadores          
Infantis 263 456 1086 1346 1083
Juvenis 1169 1452 1908 2084 915
Adultos 3183 3494 4098 4656 1473
Total 4615 5402 7092 8086 3471
PINHEIRO et. al. 2013

A quantidade de jogares registrados no Brasil entre 2009 e 2012


aumentou independentemente da categoria e do naipe. Entenderemos
como incremento na quantidade de atletas a diferença entre a quantidade
de atletas de 2009 para 2012.
Em relação ao sexo masculino o incremento parece ter sido
homogêneo em todas as categorias. A categoria adulto foi a que apresentou
um incremento menor no número de atletas, 709 novos atletas registrados
em 3 temporadas. Já os infantis apresentaram um aumento de 926 atletas
em 3 anos. Sabemos que esses números podem apenas estar apresentando o
quantitativo de atletas registrados. No entanto, esses dados acompanhados
de aspectos ligados à divulgação na mídia, organização de competições
oficiais nas categorias menores e a capacitação de professores e treinadores
nos remete a acreditar que a modalidade Rugby está em franca ascensão no
que se refere ao naipe masculino.

88
No sexo feminino o crescimento na categoria adulto foi semelhante
às três categorias masculinas. Porém, nas idades menores o aumento no
número de jogadoras foi menos expressivo. Obtivemos nas 3 temporadas
um incremento nas categorias Infantis e Juvenis de apenas 157 e 123 atletas
registradas, respectivamente. Esses dados podem estar vinculados ao
quantitativo de atividades/competições para o sexo feminino que é menor
do que para o sexo masculino. Além do mais, temos uma característica
cultural nos clubes de Rugby que, por vezes, não disponibilizam treinadores
preparados para as meninas jovens, espaços e tempo adequado para os seus
treinamentos. Normalmente nos clubes a prioridade é para os adultos do
sexo masculino, seguidos pelo adulto feminino e a categoria juvenil. Bem
depois na ordem de prioridade estão os infantis masculinos. As juvenis do
sexo feminino acabam treinando com as adultas, isso reforça as adultas e
afasta as juvenis mais fracas fisicamente.
Com relação aos aspectos vinculados à estrutura e ao local de
prática o Brasil apresenta números importantes no período de 2009 a
2015. A tabela 2 apresenta a evolução dos aspectos fundamentais para o
desenvolvimento da modalidade. Destes, a quantidade de clubes registrados
na CBRu teve um incremento importante, passando de 71 clubes em 2009
para 279 em 2015. Além disso, a quantidade de equipes (dentro do clube)
aumentou proporcionalmente. Essa realidade nos remete a uma importante
diferença em relação a países mais tradicionais na modalidade. Os clubes
são fundados e as primeiras equipes são formadas por jogadores adultos,
comprometendo o desenvolvimento da modalidade em geral. Os clubes
não apresentam em seus projetos iniciais um plano a longo prazo para
o desenvolvimento de novas equipes, ou categorias de base. Apesar da
CBRu disponibilizar cursos, material didático e competições nacionais
para as categorias de base, as Federações (órgãos estaduais) parecem não
oferecer o mesmo em seus Estados.
Ademais, a quantidade de treinadores, treinadoras, árbitros e árbitras
também vem aumentando, porém não na mesma proporção que a quantidade
de clubes. Tendo em vista que um clube ao se registrar na CBRu cadastra
em média 30 atletas. De 2009 para 2015 tivemos um aumento de 36 para
200 treinadores, 03 para 20 treinadoras, 14 para 207 árbitros e 02 para 57
árbitras.

89
A capacitação e fidelização dos recursos humanos ainda é um
desafio, como podemos verificar na tabela 2, que apresenta a evolução da
quantidade de pessoas capacitadas para serem treinadores e árbitros. No
entanto, a modalidade, possivelmente por ser amadora, não proporciona
para todos a possibilidade de cumprir com seus compromissos financeiros
a partir do trabalho com o Rugby. Isso inviabiliza a evolução de pessoas
com o perfil adequado na área de treinamento, arbitragem e preparação
física. Além disso, a falta de vivência de profissionais de educação física
com a modalidade, seja na escola ou na universidade, é mais uma barreira
a ser enfrentada nos próximos anos. Por esse caminho hoje a CBRu tem
em seus registros apenas 04 universidades com a modalidade em sua grade
curricular. Outrossim, houveram aspectos importantes que evoluíram de
2009 para 2015: oficiais de desenvolvimento de 0 para 65, universidades
com a modalidade Rugby no currículo de 0 para 04 e educadores formados
pela World Rugby de 08 para 23.
Além do mais, a tabela 2 apresenta a quantidade de escolas
registradas na CBRu, que passou de 0 até 2012 para 656 escolas em 2015.
Estas escolas tem a modalidade Rugby regularmente entre os conteúdos
da Educação Física e formam equipes para as competições interescolares.
Este aspecto está diretamente vinculado ao projeto de capacitação
para professores e organização de competições interséries e entre escolas.
O projeto é denominado de Rugby TAG e teve seu inicio em 2012.
Tabela 2. Distribuição dos indicadores estruturais do Rugby
brasileiro
Incremento
Indicadores (2009) (2010) (2011) (2012) (2015)
2009-2015
Clubes 71 98 129 135 279 208
Equipes nos clubes 114 174 223 227 362 248
Escolas 0 0 0 0 656 656
Equipes masculinas
0 0 0 14 656 656
nas escolas
Equipes femininas
0 0 0 6 360 354
nas escolas
Treinadores 36 82 112 123 200 164

90
Treinadoras 3 10 14 15 20 17
Árbitros 14 32 50 50 207 193
Árbitras 2 5 10 10 59 57
Coaches/assessores
0 0 0 0 06 06
de árbitros
Oficiais de
0 0 0 2 65 65
Desenvolvimento
Universidades
0 0 1 1 4 4
Rugby no currículo
Educadores World
8 8 8 8 23 15
Rugby
Adaptado de Pinheiro et. al. 2013

RUGBY NAS ESCOLAS


A necessidade de apresentar novidades com a finalidade de motivar
os nossos alunos para as práticas da educação Física faz do Rugby uma
ferramenta importante. A modalidade oportuniza que alunos dos mais
variados tipos físicos participem do jogo. As características do Rugby
favorecem a inclusão e aceitação das diferenças. Todos são necessários,
todos são importantes, independentemente da característica física, cultural
ou de gênero (PINHEIRO, 2011, p.360). Além disso, o Rugby proporciona
a seus participantes constante desenvolvimento da coordenação, das
habilidades técnicas, de tomadas de decisão, sem perder de vista a
construção da autonomia moral dos praticantes, dos valores que são pilares
da modalidade: espírito de sacrifício, responsabilidade, coragem, espírito
de equipe, solidariedade, disciplina e respeito.
No entanto, o ensino do Rugby, assim como as outras modalidades
esportivas coletivas, encontra as mais diversas barreiras em nosso país,
tais como: espaço adequado para prática; tipo de piso; desconhecimento
das regras da modalidade por parte do professor; falsa imagem do jogo
como sendo violento; insegurança por parte do professor nas formas de
abordar e ensinar a modalidade; programas desajustados a realidade das
nossas escolas; medo do risco de lesões por parte dos alunos; e, pouca
expressão da modalidade no nosso país (MELO e PINHEIRO, 2014; VAZ,
2005).
Neste sentido o setor de desenvolvimento da CBRu lançou o Projeto

91
Rugby Tag nas Escolas brasileiras que tem por o objetivo presentar o
Rugby para os escolares brasileiros.
O QUE É O RUGBY TAG?
É um jogo de iniciação ao Rugby, de fácil compreensão, divertido
e seguro. Pode ser praticado por equipes mistas, em espaços reduzidos e
com pisos duros conforme a realidade da maioria das escolas brasileiras.
Essa vantagem é realmente importante, pois não há necessidade de um
gramado, uma vez que o Rugby Tag é um jogo sem contato. No entanto,
no Rugby Tag estão presentes as ações fundamentais do jogo de Rugby:
corrida com a bola; a finta; o passe; e, o try (ponto). Por questões de
segurança e por permitir que o professor se sinta encorajado a inserir o
Rugby como conteúdo das aulas de Educação Física o gesto técnico de
contato (tackle) é substituído pelo “TAG”, ação de retirar a fita da cintura
do portador da bola.
Para chegarmos até as escolas foram necessários meses de
desenvolvimento de estratégias, teste-reteste para identificarmos a estratégia
de aproximação. Neste sentido o modelo abaixo foi o que obteve a maior
aderência das secretarias de educação, das direções e, principalmente, dos
professores.
O projeto é composto por quatro fases:
Fase I – Apresentação do projeto para a Secretaria Municipal
de Educação.
Fase II – Dedicada à formação e sensibilização de professores
e alunos para o ensino e a prática do Rugby;
Fase III – Organização de um torneio inter-turmas em cada
uma das escolas;
Fase IV – Fase de convívio inter-escolas.
Fase I
Na fase I apresentamos para o responsável pedagógico da educação
física do município o projeto. Importante ser objetivo e falar somente o
que é específico deste projeto. Normalmente estas pessoas são atarefadas
92
e se não conseguirmos demonstrar o quanto de impacto este projeto pode
gerar, dificilmente obteremos sucesso.
Fase III – Capacitação dos Professores
Na fase II convidaremos os professores das escolas para uma
capacitação de 4h. sobre o ensino/aprendizagem da modalidade. Essa fase
do projeto terá os seguintes objetivos específicos:
a) Atender XXXX jovens de 10 a 14 anos dos dois sexos;

b) Introduzir o Rugby Tag como uma alternativa para a


Educação Física Escolar;

c) Que os professores possam formar/orientar alunos para a


prática do Rugby;

d) Que os professores possam proporcionar aos jovens, dos


dois sexos, uma experiência única de socialização;

Para atingir esses objetivos sugerimos a utilizar como estratégia as


ações de formação e de apoio técnico aos Professores de Educação
Física envolvidos no projeto.
Programação da Formação
15min Abertura e entrega de documentação
01h30min Sessão teórica
30min Intervalo – Socialização (coffe-break)
01h45min Sessão prática com os Professores (necessário equipamento)
Nota: No final da ação os professores poderão desenvolver a fase seguinte
do projeto – ensino do jogo.
Fase III - Aprendizado
Na Fase III – deverão estar envolvidos somente os professores que
aderirem ao projeto. Aqueles que não quiserem participar não devem ser
obrigados. Nesta fase deverá ocorrer a organização de um torneio inter-
turmas em cada uma das escolas participantes. Os Professores terão 4
semanas para, nas aulas de Educação Física, ensinar a modalidade e formar
93
as equipes para um torneio interno. Neste torneio deverão ser utilizados os
conhecimento adquiridos na fase II do Projeto. Os objetivos do Professor
nessa Fase II deverão ser:
a) Promover o conhecimento do Rugby para os jovens;
b) Sensibilizar os alunos para o espírito do jogo;
c) Ensinar os princípios fundamentais do jogo através de jogos
simplificados;
d) Ajudar os alunos na descoberta da lógica do jogo;
e) Ensinar as principais técnicas – corrida com a bola, finta,
passe e posicionamento;
f) Preparar os alunos para o torneio inter-turmas.
Workshop
Ainda na fase III, deve ser realizada uma reunião com os professores
participantes do projeto para relatarem as dificuldades e apontar os ajustes
que o projeto necessita. Ademais, em conjunto deverão organizar a fase IV.
Fase IV – Festival Interescolar
Na fase IV, Fase de convívio interescolar. Os professores trarão seus
alunos para o convívio inter-escolar. Serão formadas chaves de disputas
onde teremos os campeões de cada chave disputando a taça de Ouro, os
vices disputando a taça de Prata, os terceiros a taça de Bronze e os quartos
disputando a taça de Participação.
Na fase de disputa das taças as equipes que somarem mais pontos
serão as campeãs. Então teremos a equipe campeã, segundo colocado e
terceiro em cada uma das taças. Todas as equipes deverão jogar a mesma
quantidade de partidas.
Avaliação
Os professores participantes preencherão um Dossiê relatando os
pontos positivos e negativos dessa ação. A análise detalhada destes Dossiês
tem o intuito de fazer que as próximas atividades tenham qualidade superior
94
à primeira etapa.
Os pais que estiverem participando / ajudando a escola de seus fi lhos
nos dias de convívio deverão preencher uma avaliação.
O organizador fará um dossiê com todos os pontos positivos e os
pontos a serem melhorados.
Os representantes das entidades parceiras preencheram o relatório.
A Organização
Os contatos com os Professores e Escolas serão realizadas pela
Secretaria Municipal de Educação;
Os torneios internos e o convívio inter-escolar será organizado pelo
Professor da Escola com apoio organizador do Projeto e seguirão o padrão
preestabelecido.
FUNDAMENTOS E REGRAS DA MODALIDADE
O Tag são fi tas fi xadas a um cinto que deve ser fi xada na cintura dos
jogadores. Conforme Pinheiro e Silva (2011), O Rugby Tag tem algumas
regras básicas:
1) O objetivo do jogo:
Ultrapassar a linha demarcada no fundo do
campo, ou quadra, e apoiar a bola no solo; (fi gura ao
lado)
2) Início do jogo:
Com a bola ao centro, o aluno que dará a saída deverá tocar com o
pé na bola (auto-passe) e passar ou correr para frente.

3) A forma de Jogar:
Ataque
A bola pode ser transportada livremente com as
mãos, ou passada para o lado ou para trás (em relação
à linha de fundo do adversário).
95
A bola não pode ser chutada, exceção feita ao início e recomeço do
jogo.
Quem estiver portando a bola não pode empurrar os adversários
nem proteger ou guardar a (s) fita (s), impedindo que esta (s) lhe seja (m)
retirada (s) do cinto.
Quando de posse da bola, o jogador não pode, deliberadamente,
colidir com os adversários.
A partir do momento em que há um “Tag”, quem estiver de posse da
bola deve voltar, deixar a bola para um dos membros de sua equipe, que
recomeçará o jogo, enquanto este recoloca a fita no seu cinto. Vale destacar
que o jogador somente poderá regressar ao jogo depois de ter colocado a
fita no cinto.
Defesa
Para parar a progressão de quem
estiver portando a bola, os defensores apenas
podem efetuar o “Tag”, não podendo nunca,
retirar a bola das mãos do atacante.
Em cada “Tag” o defensor deve
respeitar, SEMPRE, a seguinte sequência:
1 – retirar a fita e gritar “Tag”;
2 – levantar o braço com a fita na mão;
3 – devolver a fita ao jogador de quem a retirou;
4 – regressar ao jogo.
Bola Fora
A bola será considerada fora de jogo quando o portador da bola
pisar/ ultrapassar a linha lateral e/ ou quando a bola tocar/ ultrapassar a
linha lateral.
O jogo recomeça no local onde a bola/ jogador saiu, com um chute
livre para si ou um passe.
Fora de Jogo

96
O fora de jogo acontece quando há um “Tag”, e nesta situação todos
os jogadores da equipe que estão em situação de defensores devem recuar
para sua defesa estando a 5 metros de onde ocorreu o “Tag”.
Quando é assinalado um chute livre, todos os jogadores defensores
devem colocar-se a 5 metros do local onde o jogo será reiniciado.
Faltas
Todas as faltas serão assinaladas no local da infração e, com alteração
de posse de bola.
Faltas: no momento da marcação Ponto
Se no ato da marcação do ponto a bola cair das mãos do jogador
atacante, a posse de bola muda de equipe.
Nesta situação, o jogo recomeça 5 metros à frente da linha de ponto
da equipe que se beneficia da posse de bola, com um chute livre.
Faltas: no ataque
- Sempre que ocorrer um passe e/ ou um toque
para frente com as mãos;
- Se um atacante chutar a bola propositadamente;
- Quando há um “Tag”, o portador da bola não
respeitar as regras do jogo (não passa ou pára);
- O portador da bola impede que os defensores lhe retirem a(s) fita(s);
- O portador da bola, deliberadamente, colide com os defensores;
- O atacante interfere no jogo sem ter as duas fitas no cinto;
Faltas: na defesa
- Quando o defensor retira a bola das mãos do
atacante;
- Quando o defensor empurra ou agarra o
atacante;
- Quando o defensor não devolve a fita ao
atacante e interfere no jogo;

97
Faltas: no Fora de Jogo
- Quando um jogador que está fora de jogo, intercepta, impede ou
atrasa o passe;
- Quando é assinalada uma falta e o defensor não se coloca a 5 metros;
“Lei da Vantagem”
Apesar de uma infração cometida, o árbitro permite que o jogo
continue de forma a não interromper para não beneficiar a equipe infratora.
Se a equipe não infratora não se beneficiar da Vantagem, o árbitro
deve interromper o jogo e assinalar a falta original.
Notas Finais
O Rugby é uma modalidade esportiva em ascensão no Brasil. Neste
sentido a participação dos professores é fundamental para que as crianças
na escola tenha a oportunidade de conhecer a modalidade. Além disso,
adaptar o jogo para que seja mais agradável e segura a disputa parece ser
um objetivo que já foi alcançado. Portanto, o Rugby esta em um caminho
que não tem mais volta no Brasil. O que parecia impossível já esta
acontecendo.
REFERÊNCIAS
GONZÁLEZ, F.J.; BRACHT, V. Metodologia do Ensino dos Esportes
Coletivos. Vitória: UFES, 2012.
MELO, J.B; PINHEIRO, E.S. O Rugby na Educação Física Escolar: Relato
de uma prática. Cadernos de Formação Revista Brasileira de Ciências
do Esporte. v.1, n. 1, mar. 2014.
PINHEIRO, E.S. Desenvolvimento do Rugby Brasileiro: Panorama
de 2009 a 2012. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE JOGOS
DESPORTIVOS, 4, 2013, Florianópolis. Anais... Viçosa: Revista Mineira
de Educação Física, 2013. p. 990-995.
PINHEIRO, E.S. Prospecção de talentos motores para RUGBY: um
estudo dos indicadores de desempenho Motor em jovens escolares. 2013.
47 p. Tese (Programa de Pós Graduação em Ciências do Movimento
Humano) – Faculdade de Educação Física, Universidade Federal do Rio

98
Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
PINHEIRO, E.S.; SILVA, G.D. Rugby Tag. In: OLIVEIRA, A.B. et. al.
Ensinando e Aprendendo Esportes no Programa Segundo Tempo.
Maringá: ADUEM, 2011. p. 360-390.
VAZ, L. Ensino do Rugby no meio escolar. Lecturas EFDeportes, Buenos
Ayres. v.10, n.81, fev. 2005.

99
100
A PERCEPÇÃO DOS EXPERTS ACERCA DOS FATORES
RELEVANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DO JOGADOR DE
BASQUETEBOL

Prof. Doutor Fernando Tavares

Mestre Américo Santos

Licenciado Luís Gonçalves

Faculdade de Desporto – Universidade do Porto

INTRODUÇÃO
O Basquetebol é uma modalidade caraterizada pela exigência de
múltiplas habilidades técnicas e táticas e distintas capacidades físicas e
psicológicas.
A este respeito, Trninić et al. (1999) definem um conjunto de critérios
que permitem avaliar a qualidade de um jogador de Basquetebol de elite
(TABELA 1). No seu estudo, o jogo de Basquetebol é considerado um
jogo de reações contínuas de ataque, tanto nos processos defensivos como
nos ofensivos.
No entanto, a qualidade dos jogadores não é definida exclusivamente
por componentes físicas, psicológicas, técnicas e táticas. De facto, Trninić
et al. (1999) consideram que a qualidade de um jogador é traduzida pelo
nível e harmonia das suas decisões aliados à execução das habilidades
motoras específicas da modalidade. Também se considera que um jogador
de elevado nível de rendimento tem a capacidade de aumentar a performance
dos seus companheiros de equipa (JACKSON e DELEHANTY, 1995).
Mccormick (2008) considera que o melhor não é aquele que se distingue
dos outros na execução de habilidades, mas sim aquele que as executa mais
eficientemente no contexto de jogo, em interação com outros jogadores.
A este respeito, Abernethy et al. (2002), consideram que os atletas de
alto nível de rendimento devem possuir um conhecimento tático superior

101
aos não-expert, bem como ser mais eficientes e rápidos na captação e
processamento de informação e na tomada de decisão.
Tabela 1 - Critérios de avaliação da qualidade de jogadores de
basquetebol de elite (adaptado de Trninic et al. 1999)
Critérios para a fase defensiva e transição Critérios para a fase ofensiva e transição
defensiva ofensiva

1. Nível de pressão defensiva 1. Controlo de bola

2. Ajuda defensiva 2. Passe


3. Bloquear lançamentos 3. Drible de penetração
4. Ganho de posse de bola 4. Lançamentos exteriores
5. Eficiência do ressalto defensivo 5. Lançamentos interiores
6. Eficiência da transição defensiva 6. Lances-livres
7. Retirar faltas e conseguir jogadas de 3
7. Jogar em múltiplas posições na defesa
pontos
8. Eficiência nos bloqueios
9. Ataque sem bola
10. Eficiência do ressalto ofensivo
11. Eficiência da transição ofensiva
12. Jogar em múltiplas posições no
ataque

Em termos físicos, um atleta de alto rendimento deve possuir


capacidades como: (MCCORMICK, 2008):
Tabela 2 - Fatores físicos considerados essenciais no Basquetebol
de Alto Rendimento
Coordenação óculo-manual Reação rápida
Força Destreza
Equilíbrio Flexibilidade
Capacidade aeróbica Core bem desenvolvido
Capacidade anaeróbica Potência
Controlo corporal Força Explosiva
Agilidade Velocidade
Acuidade visual

102
No que diz respeito aos aspetos psicológicos, um atleta de alto
rendimento deve estar preparado para as exigências da competição,
pelo que a ansiedade e o stress assumem um papel crucial como fatores
reguladores do seu estado psicológico. A motivação, a agressividade e a
urgência de competitividade surgem como outros fatores que influenciam
positiva ou negativamente o bem-estar psicológico do atleta. Para alguns
autores, saber lidar com as situações de stress próprias da competição
(resiliência mental) é um fator determinante na obtenção de um bom
rendimento desportivo (ROSE, DESCHAMPS e KORSAKAS, 2001).
Para estes autores, um praticante de Basquetebol necessita de possuir
elevados níveis de concentração, autocontrolo e confiança. Segundo Baker
e Horton (2004), atletas expert tanto conseguem canalizar a ansiedade para
a obtenção de performance como recuperam dos insucessos muito mais
rápida e facilmente que os não-expert. McCormick (2008) considera que é
também importante que um atleta tenha uma boa capacidade de tomada de
decisão, predisposição mental para o desenvolvimento e orientação para a
aprendizagem.
Os últimos estudos na área revelam que a motivação, o compromisso,
a focalização e a disciplina de um atleta são decisivos para o rendimento
(DUDA e TREASURE, 2006; GOULD, DIEFFENBACH, e MOFFET,
2002).
Fatores de desenvolvimento da performance
A ambição de alcançar o Alto Rendimento e de conseguir a
excelência assumem-se como um dos objetivos da maioria daqueles que
praticam Basquetebol. Porém, apenas uma pequena parte, que se empenha
durante muitos anos na prática desta modalidade, tem oportunidade de
desenvolver e alcançar o “expertise” (ERICSSON, KRAMPE e TESCH-
HOMER, 1993) e manter esses níveis de excelência (GAGNÉ, 2007).
A visão que se tem sobre o percurso para a excelência permuta com
o passar dos anos. As evidências científicas no âmbito da predição da
performance de um jogador de alto nível revelam que esta não se limita
exclusivamente a um fator, como pretende o eterno debate entre o paradigma
naturalista (em que a única influência decisiva é a genética) e o paradigma
ambientalista (onde apenas o processo interessa independentemente das
103
caraterísticas iniciais dos sujeitos). Nem se limita à soma de todas as suas
características somáticas e capacidades técnicas.
Uma linha de investigação mais recente começou a debruçar-se não
apenas sobre o contributo isolado de cada um dos fatores mas o tipo de
interação existente entre eles e o que define essas interações, ambientes
de excelência. Nesta linha de pensamento, importa enfatizar todas as
influências ambientais no desenvolvimento da performance desportiva,
que conjuntamente com as genéticas, ampliam as hipóteses de alcançar o
Alto Rendimento.
Baker e Horton (2004) dividem os fatores influentes na performance
como primários e secundários, dependendo da sua influência na expertise.
a) FATORES PRIMÁRIOS
Aqueles que, intencionalmente ou não, influenciam diretamente
a obtenção de performance elevada por parte de um atleta e podem ser
divididos em fatores genéticos, de treino e psicológicos.
Fatores genéticos
De entre os fatores genéticos que influenciam a performance,
podemos destacar o género do indivíduo e a sua etnia. O tipo de fibras
musculares, a velocidade de contração muscular, as adaptações ao treino
bem como a capacidade de resistência à fadiga e a lesões são outras
variáveis influenciadas pelo genoma que são destacadas como fulcrais na
obtenção de performance desportiva.
O estudo de Bouchard et al. (1995) revela que características
relacionadas com a função cardiorrespiratória estão geneticamente
programadas (BAKER e HORTON, 2004). Por outro lado, o estudo de
Lykken e colaboradores (1992) assinala que a inteligência, os valores de
trabalho, a autonomia e o altruísmo estão condicionados pelo genótipo do
indivíduo.
Fatores de treino
Não é surpresa que elevados níveis de prática são essenciais para a
obtenção da expertise e é certo que atletas expert acumulam mais horas de
104
prática que os não-expert.
No entanto, estudos mais recentes alertam que, para além da prática
da modalidade propriamente dita, os atletas expert dispensam mais tempo
a realizar diferentes atividades que se revelam importantes na melhoria
da performance. O estudo de Baker et al. (2003) com atletas de elite de
Basquetebol, Netball e Hóquei em Campo revela que estes acumulam
horas de prática de visualização de vídeos, competição, treino de equipa e
situações de aprendizagem de um-para-um com o treinador. Não é apenas
a quantidade da prática, mas sim a qualidade da mesma que define o ritmo
e a qualidade da evolução do atleta. A literatura revela que os efeitos
da prática prolongada e o ritmo de aprendizagem estão intimamente
relacionados com a performance (BAKER e HORTON, 2004).
Fatores psicológicos
Baker e Horton (2004) dividem os fatores que se revelam fulcrais na
obtenção da expertise dos fatores que são importantes na demonstração da
performance.
A motivação assume-se, sem dúvida, como o fator mais relevante na
obtenção e desenvolvimento de expertise. Na sua ausência, como refere
Santos (2011), os atletas seriam incapazes de suportar as exigências da
prática.
De acordo com Ericsson (1996), para um atleta ser considerado
expert, deve ser capaz de demonstrar competências excecionais. Para tal, é
importante que consiga focar-se na tarefa a realizar e controlar os níveis de
ansiedade próprios da competição (BAKER e HORTON, 2004; GOULD
et al., 1987).
b) FATORES SECUNDÁRIOS/SOCIOCULTURAIS
Os fatores primários, como anteriormente foi referido, são aqueles
que influenciam diretamente a performance. No entanto, o segundo grupo
de fatores – os secundários – influenciam o papel dos primeiros. Entre
estes, destacam-se os fatores socioculturais (cultura, local ou país de
nascimento, recursos disponíveis, por exemplo).

105
São vários os fatores socioculturais que têm sido apontados como
relevantes no processo de desenvolvimento da expertise (BAKER e
HORTON, 2004). Embora esteja comprovada a sua importância, aqueles
ainda são negligenciados quando se procura a resposta para a problemática
de que fatores influenciam ou não o desenvolvimento de um jogador com
vista a atingir eleva níveis de rendimento.
Cultura
A importância cultural que um desporto assume numa determinada
sociedade pode determinar o sucesso que um atleta pode atingir, bem
como o número de atletas a alcançá-lo. A existência de uma modalidade
com tradição num país leva a que tanto os recursos disponíveis como as
oportunidades de aprendizagem aumentem e, consequentemente, que o
número de participantes seja mais elevado. Todos estes fatores levam a
um aumento significativo do número de atletas a atingir elevados níveis de
rendimento (SANTOS, 2011). A comprovar temos o exemplo do Canadá,
que na sua modalidade de eleição, o hóquei no gelo, apresenta índices de
participação dos jovens na modalidade de 3,5 vezes superior ao combinado
da Rússia, Finlândia, Eslováquia, Suécia e República Checa.
Treinador
O acesso aos recursos essenciais de instrução condiciona o
desenvolvimento de um atleta. Sabemos que o contacto com bons
treinadores durante o processo de formação tem um impacto decisivo e
significativo sobre o atleta e todo o seu percurso (DEAKIN e COBLEY,
2003; TAVARES, 2005). Na verdade, a qualidade e, por vezes, a quantidade
de prática estão dependentes do treinador. O acesso à prática de qualidade
apresenta-se como um fator essencial na maximização do desenvolvimento
do atleta (BAKER e HORTON, 2004).
Janelle e Hillman (2003) defendem que existe uma determinada
idade para o correto desenvolvimento de habilidades e características.
É da responsabilidade do treinador, no exercício das suas funções,
promover uma prática sistematizada e organizada com vista a esse correto
desenvolvimento.

106
Família
De acordo com Scanlan e Lewthwaite (1988), o ambiente social que
rodeia o jovem é composto pelo próprio atleta, a família e o treinador.
Importa salientar que, destes, a família é apontada como tendo a maior
influência no desenvolvimento do talento desde as fases iniciais até aos
primeiros anos da adolescência (CÔTÉ, 1999).
O entusiasmo e prazer demonstrado pelos jovens praticantes estão
relacionados com o apoio parental na prática desportiva (POWER e
WOOLGER, 1994). No sentido inverso, atletas que apresentam grandes
níveis de compromisso para com a sua prática desportiva, cativam os
seus pais e levam--nos a adotar uma postura mais participativa nas suas
atividades, nomeadamente no que toca à ida aos treinos e competições
(MONSAAS,1985).
As expectativas dos pais podem funcionar como um catalisador na
performance, influenciando o compromisso do atleta numa determinada
modalidade e o esforço despendido na mesma. Mas, quando não vão de
encontro com as percebidas pelo atleta, as expectativas parentais podem
tornar-se uma fonte de pressão para o jovem (BRUSTRAD, 1996).
Dos diferentes estudos sobre a influência familiar na atividade
desportiva do jovem atleta e, consequentemente, no seu percurso para o
Alto Rendimento, importa destacar o de Csikszentmihalyi e colaboradores
(1993), com cerca de 200 jovens talentos e respetivas famílias, onde são
apresentados os diferentes tipos de influências familiares sobre um jovem
atleta e as suas consequências.
No seu estudo, Côté (1999), dividiu o percurso desportivo em 4
etapas diferentes, especificando, para cada uma delas, qual a posição a
tomar pela da família.

Figura 1 Modelo de Desenvolvimento e Participação Desportiva

107
(adaptado de Côté, 1999; Côté & Fraser-Thomas, 2008).

A primeira - sampling years (anos recreacionais) – ocorre entre os


6 e os 13 anos e caracteriza-se pela diversão e criação de oportunidades
para experimentar a modalidade desportiva. São os pais os principais
responsáveis pela criação do interesse no desporto por parte dos novos
praticantes. A família considera que a escolha da atividade não é importante,
desde que os seus filhos tenham momentos de diversão (CÔTÉ, 1999).
A segunda etapa – specializing years (anos de especialização) –
ocorre entre os 13 e os 15 anos e marca o fim do múltiplo envolvimento
desportivo dos jovens, limitando-o a 1 ou 2 atividades. Apesar da
preocupação no desenvolvimento de competências específicas do desporto
começar a emergir, o plano central da diversão (característico da fase
anterior) mantém-se. Na maioria das famílias, focam-se o desporto e os
estudos como áreas nas quais é preciso investir e pelas quais é necessário

108
dividir o tempo. O interesse dos pais pela modalidade do filho cresce
consoante o seu envolvimento e pode variar entre ser um espetador assíduo
ou de assumir as funções de treinador. Por último, Côté (1999) destaca a
importância do(a) irmão(ã) mais velho(a), que atua como exemplo na ética
de trabalho.
A terceira fase – investment years (anos de investimento) – ocorre
a partir dos 15 anos. Esta etapa caracteriza-se pelo compromisso máximo
do atleta para com a modalidade desportiva. É nesta fase que ocorre a
especialização desportiva e a busca pelos altos níveis de rendimento,
levando o atleta à prática intensiva. No seu estudo, Côté (1999) conclui
que as complex families demonstram grande interesse nas atividades
desportivas do atleta, assumindo um papel de conselheiro no seu futuro
desportivo. Também nesta fase é essencial o apoio parental para combater
lesões, pressão própria da competição ou do treinador e situações de
fracasso.
Por último, Côté (1999) assume a existência de uma quarta fase –
perfection (aperfeiçoamento) ou performance – que ocorre depois dos 18
anos, onde se procura a manutenção e aperfeiçoamento dos skills próprios
da modalidade.
Em suma, o desporto de Alto Rendimento tem como base todos os
processos desenvolvidos durante as fases primárias da prática desportiva.
Só é possível alcançar o alto nível se os fundamentos desportivos forem
desenvolvidos desde a iniciação desportiva (Böhme, 1999).
Fatores preponderantes no percurso de um jogador: a perceção dos
experts
Gonçalves (2013) realizou uma investigação com o objetivo de
analisar o conjunto de fatores considerados, por experts do basquetebol,
como essenciais no percurso de um jovem atleta até ao Alto Rendimento.
Para recolher a opinião dos intervenientes no estudo, foi utilizada a
entrevista semiestruturada, a uma amostra composta por 7 Treinadores
Expert (TE), 7 Treinadores de Formação (TF), 4 Jogadores Expert (JE) e 4
Coordenadores Técnicos (CT).
Através deste método procurou-se recolher a maior quantidade de
informação possível relativamente aos fatores considerados relevantes no
109
percurso de um jovem atleta até ao Alto Rendimento.
Variáveis
A performance num jogo de Basquetebol é determinada pela
interação entre diferentes fatores. Baseado no estudo de Ibañez et al.
(2004), foi utilizado um sistema de codificação com 6 variáveis como:
ambientais e os psicológicos, competências como as técnicas e táticas, e as
qualidades físicas e características antropométricas.
Na tabela 3 estão apresentados os códigos das variáveis, bem como
uma breve descrição e exemplos das mesmas.

Tabela 3 – Codificação das variáveis e sua descrição (adaptado de


Ibañez, 2004)
Código Variável Descrição
Fatores do meio onde o atleta está inserido:
AMB Ambiente treinador, família, clube, cultura ou local de
nascimento.
Aspetos relacionados com dinâmicas de grupo
e qualidades psicológicas como as relações
PSI Fatores Psicológicos
interpessoais, capacidade de liderança e de trabalho,
humildade ou concentração.
Aspetos relacionados com os gestos técnicos
TÉC Técnica
específicos do basquetebol.
A execução da técnica de forma eficaz e inteligente,
TÁT Tática bem como a capacidade de entendimento do jogo e
das suas exigências.
Referentes a qualidades físicas do jogador como a
QFI Qualidades físicas
velocidade, impulsão vertical ou força.
ANT Antropométricos Aspetos antropométricos como a altura, envergadura e peso.

RESULTADOS
Depois de definidas as variáveis e analisadas as entrevistas, foi
efetuada uma cuidada análise de conteúdo, no qual se incluía uma análise
descritiva da percentagem com que cada fator foi mencionado pelos
diferentes grupos na amostra. Dado o elevado número de dados obtidos,
no presente estudo só apresentaremos os resultados gerais (TABELA 4).

110
Tabela 4 - Resultados gerais do estudo. Percentagem (%) com que
cada variável foi mencionada, através dos seus diferentes fatores.
CATEGORIAS AMB PSI TÉC TÁT QFI ANT
Treinadores Expert 38% 20% 14% 12% 10% 6%
Treinadores de Formação 35% 25% 13% 10% 12% 5%
Jogadores Experts 38% 24% 11% 12% 10% 6%
Coordenadores Técnicos 36% 18% 14% 9% 17% 6%
TOTAIS 37% 22% 13% 11% 12% 5%

Através da análise de 22 entrevistas de experts do Basquetebol


obtivemos um conjunto de fatores que se assumem como fundamentais
e que devem estar presentes no atleta ou na sua vida. A sua interação vai
determinar se um jovem atleta alcançará ou não a excelência. Sabemos da
dificuldade, ou até quase impossibilidade, de determinar ou identificar um
fator, ou “O FATOR” mais relevante e influente para um jogador atingir
o alto rendimento, dada a complexa interação entre todos os fatores que
foram analisados no estudo.
Os Fatores Ambientais (AMB) foram os mais destacados pelo
conjunto da amostra, seguido dos Fatores Psicológicos (PSI). De salientar
a importância dada ao fator Qualidades Físicas (QFI), pelos Coordenadores
Técnicos.
Treinadores Expert (TE)
Fatores de desenvolvimento mais referenciados na categoria de TE:
família (16,4%), treinador (15%), equipa (12,8%), competição (9,2%),
habilidades técnicas (8,5%), conhecimento do jogo 8,5%), clube (7,8%),
lançamento (7,8%), tomada decisão (7,1%), contexto (6,4).
Os TE consideraram que o fator mais relevante no desenvolvimento
de um jogador de Basquetebol é a família. Neste fator, englobamos o apoio
familiar que o atleta tem enquanto jovem, bem como, o papel que os pais
têm durante a atividade desportiva do seu filho. É importante referir que
muitos treinadores consideram a família como o ponto de partida para a
prática desportiva. No entanto, à medida que o atleta fica mais adulto e
independente, verifica-se que a influência dos pais começa a diminuir,
passando o(s) treinador(es) a ser o principal fator influenciador do jovem

111
atleta.
Treinadores de Formação (TF)
Fatores de desenvolvimento mais referenciados na categoria de
TF: treinador (14,1%), família (12,8%), habilidades técnicas (11,4%),
competição (9,4%), equipa (9,4), clube (8,1%), ética de trabalho (8,1%),
conhecimento do jogo (7,4%), escolhas do treinador (6,7%), qualidade
do treino (6,7%), atitude (5,4%).
Os TF consideram-se a si-próprio o fator de influência mais
significativo no percurso de um jovem jogador de Basquetebol. Não
descuram o papel familiar na prática desportiva do atleta, mas assumem a
sua importância na formação e desenvolvimento do jovem talento.
Algumas características psicológicas, como a ética de trabalho e a
atitude, são apontadas como essenciais pelos TF.
Jogadores Expert (JE)
Fatores mais mencionados na categoria JE: treinador (19,5%),
equipa (14,9%), família (10,3%), amigos (9,1%), condições de trabalho
(9,1%), tomada decisão (9,1%), competição (6,8%), ambição (6,8%),
vontade (6,8%).
Os JE consideram que as principais influências no seu percurso até
ao Desporto de Alta Competição foram o treinador e a sua equipa. Também
consideram importante o seu grupo de amigos e o apoio familiar. Fatores
psicológicos (ambição e vontade) e táticos (tomada de decisão) também
foram apontados como fundamentais nesse percurso.
Coordenadores Técnicos (CT)
Fatores mais mencionados na categoria CT: treinador 21,5%r,
família (13,8%), escolhas do treinador (9,2%), contexto (7,4%), clube
(5,9%), mentalidade (7,4%), habilidades técnicas (10,4%), capacidade
física (9,2%),coordenação (7,4%), condições de trabalho (61%).
Para os CT, o fator que tem maior relevância no desenvolvimento de
um jovem atleta de Basquetebol é o treinador. A mentalidade de um jogador
também é considerada determinante pelos CT e algumas qualidades físicas

112
aparecem como importantes nesse processo, nomeadamente a coordenação
motora. É possível verificar que esta categoria compreende e evidencia o
papel da família no longo percurso até ao Alto Rendimento. É importante
referir que esta categoria dá a devida importância a fatores ambientais
que podem ser, em certa medida controlados através do exercício da sua
função, tais como os treinadores e as condições de trabalho que o clube
proporciona aos seus atletas.
Depois de conhecidos os fatores mais relevantes evidenciados por
cada um dos grupos constituintes da amostra, analisaremos cada uma das
categorias tendo em conta a sua importância no processo de formação do
jogador de basquetebol até ao alto rendimento.
Ambientais (AMB)
Fatores mais mencionados na variável do ambiente: família
(15,4%), treinador (12,8%), equipa (11,%), competição (8,7%), clube
(7,7%), escolhas do treinador (7,2%), contexto (6,2%), amigos (6,2%),
condições de trabalho (5,3%), qualidade do treino (5,3%), especialização
precoce (2,9%), competição interna (1,9%), oportunidades (1,9%).
Os fatores ambientais foram, entre todas as variáveis, aquela que foi
mais vezes referenciada pela amostra. De acordo com Rees e Hardy (2000),
os fatores que rodeiam um jogador são decisivos para que possa jogar a
alto nível. Na verdade, as opiniões da nossa amostra vão de encontro ao
estudo de Bloom (1985) em que o autor destaca a importância da família,
professor e amigos no desenrolar da atividade de jovens músicos até à
excelência.
Para a amostra, a família assume-se como o fator ambiental mais
relevante no desenvolvimento de um jovem jogador de Basquetebol.
O papel do treinador também se assume como fulcral no percurso
até ao Desporto de Alta Competição. A sua influência é comprovada pelas
multifunções que desempenha para com o atleta – “Um bom treinador é
igualmente um pai e um amigo, é o que o atleta precisa que ele seja em
cada momento.” (TS5); “O treinador vai influenciar o atleta durante todo
o seu percurso desportivo.” (J2). Este fator remete-nos para os estudos
de Holt e Dunn (2004) e Santos (2011), que destacam o importante

113
papel do treinador. Também é da sua responsabilidade promover treinos
com qualidade que criem desafios adequados aos atletas, motivando o
seu desenvolvimento. Por outro lado, as escolhas do treinador podem
determinar se um jogador completa o seu processo de formação da melhor
forma possível. Nas entrevistas pode ler-se que as opções do treinador,
especialmente as que levam a uma especialização precoce, podem destruir
o potencial que é identificado a um determinado talento, muito devido
a lacunas no desenvolvimento dos diferentes fundamentos técnicos: “A
especialização do jogador suposto talento em idades precoces pode
aniquilar um potencial jogador de elite” (TE5). Esta problemática também
é evidenciada por Carslon (1997) e Hill (1993), quando afirmam que a
diversidade de estímulos desportivos em atletas é benéfica para o seu
desenvolvimento.
No fator equipa englobamos a questão da relação com os colegas de
equipa e a homogeneidade da mesma. Na verdade, o grupo de jogadores
onde um atleta está inserido pode determinar se ele se desenvolve mais
ou menos, bem como se mantém a prática desportiva, como podemos
comprovar pela seguinte frase: “Um ambiente onde tens um conjunto de
jogadores motivados e todos sabem para onde querem ir e atingir um
patamar alto, todos sabem lutar para ganhar, todos se sacrificam uns pelos
outros e tu estás envolvido nesse comboio, tu vais seguir esse comboio”
(J1).
Em termos de competição, a ideia comum entre a amostra revela
que ela confere ao atleta a necessidade de progressão, como podemos
verificar pela seguinte frase: “Acredito que quanto melhor e mais forte
for a competição, mais o talento terá de trabalhar, de forma a progredir e
ultrapassar os obstáculos que encontra.” (TS7).
Para a amostra, o clube também representa um fator relevante no
processo de desenvolvimento de um jovem jogador. Pertence ao clube a
escolha dos treinadores que possuem um papel de destaque nesta temática,
para além das condições de trabalho que proporciona aos atletas.

114
Psicológicos (PSI)
Fatores mais mencionados na variável dos fatores psicológicos:
ambição 11,6%), espírito de sacrifício (1,6%), ética de trabalho (11,6%),
força de vontade (9,2%), autoconfiança (7,9%), motivação (7,3%),
compromisso (7,3%), paixão pela modalidade (6,7%), mentalidade
(5,5%), desejo superação (5,%), persistência (5,5%), atitude (4,9%),
concentração (4,9%).
Os fatores psicológicos foram, depois dos fatores ambientais, os
mais mencionados pela amostra deste estudo. Para Baker e Horton (2004),
a vertente psicológica é extremamente importante.
O nosso estudo vai de encontro ao de Thomas (1994), quando afirma
que um fator comum nos jogadores de elite é a capacidade de trabalho e
de sacrifício. Weinberg e Gould (1996) afirmam que uma das chaves para
alcançar o desporto de Alto Rendimento incide no desejo de aprender e
melhorar a cada dia. Também na nossa amostra encontramos evidências
dessa crença: “deve manter sempre espirito de aprendizagem constante e
espirito de sacrifício.” (C4).
A paixão pelo desporto que pratica também se assume como essencial.
Na verdade, os atletas retiram motivação que, segundo Santos (2011), é
um fator determinante para aguentar as exigências da modalidade daquilo
que gostam de fazer e, consequentemente, sentem-se mais predispostos
a demonstrar elevados níveis de compromisso e esforço: “… adorar o
desporto que pratica. No nosso caso, o basquetebol: paixão e necessidade,
é o que te empurra para o esforço máximo.” (TE2).
A concentração, humildade, autoconfiança e persistência foram
outros dos fatores apontados pela nossa amostra como fulcrais para que
um jovem jogador consiga alcançar o Alto Rendimento: “O jogador
deve sentir que ainda tem margem para progredir. Este pensamento deve
acompanhar o atleta em toda a sua vida.” (TE2); “ter capacidade de
sofrimento e persistência em busca de um objetivo.” (TE7). Tal evidência
assemelha-se ao estudo de Rose, Deschamps e Korsakas (2001).

115
Técnicos (TEC)
Fatores mais mencionados na variável dos fatores técnicos:
habilidades técnicas (33,0%), lançamento (20,4%), passe (18,1%), drible
16,5%), posição defensiva (5,5%), controlo da bola (3,9%), receção da
bola (2,%).
A capacidade técnica de um jogador parece influir no seu progresso
desde os escalões de formação até a competições de elevados níveis de
rendimento. A verdade é que, quanto mais elevado for o nível técnico de
um atleta, mais facilidade ele terá em resolver problemas durante um jogo,
dada a extensão do seu reportório.
Alguns treinadores assumem que a aquisição/aperfeiçoamento de
uma habilidade técnica própria ou a capacidade de executar habilidades
técnicas características de uma posição que não a do jogador pode marcar
a diferença: “ter algum movimento que dominem especialmente e que
seja seu selo pessoal, aquilo que os define e que garante o sucesso da
ação.” (TS2); e “… desenvolveu um novo lançamento que lhe permitiu ter
uma técnica fantástica e apareceu uma nova técnica. E isso não é para
qualquer um.” (J1).
Táticos (TAT)
Fatores mais mencionados na variável dos fatores táticos:
conhecimento do jogo (31,3%), tomada de decisão 27,4%), leitura
do jogo (17,6%), compreensão do jogo (7,8%), inteligência (6,8%),
antecipação, (5,8%), jogar sem bola (2,9%).
Corroborando estudos de Lorenzo (2002) e McCormick (2008), o
nosso trabalho revelou que os dois fatores mais evidenciados na capacidade
tática de um jogador são o conhecimento do jogo e a capacidade de tomada
de decisão.
Os processos de compreensão e leitura de jogo, quando
desenvolvidos, auxiliam os processos de tomada de decisão, conferindo
aos atletas um maior conhecimento do jogo, consequentemente facilitando
a sua chegada ao Alto Rendimento: “O atleta tem de ser inteligente ao
ponto de conseguir ler o jogo, decidir rápido e bem quando chamado a
tomar decisões durante o jogo, utilizando as suas capacidades técnicas e
116
físicas no momento certo.” (J2). Para além destes fatores, a capacidade de
antecipação também se revela uma qualidade importante para um jogador
de Basquetebol (TAVARES e CASANOVA, 2013).
A noção de espaçamento e ocupação de espaços também é referida
pelos intervenientes do estudo, especialmente no que toca ao jogar sem
bola, isto é, ser capaz de criar espaços para os seus companheiros: “Há
uma noção que desde muito cedo deve ser transmitida aos miúdos: a de
ocupação de espaços.” (C2).
Qualidades Físicas (QFI)
Fatores mais mencionados na variável das qualidades físicas:
capacidade física individual (15%) coordenação (13,3%), velocidade
(13,3%), resistência (13,3%), força (12,5%), agilidade (9,1%), impulsão
(9,1%), velocidade de reação (5,8%), flexibilidade (5%), força explosiva
(3,3%).
As qualidades físicas assumem-se como uma parte integrante do
jogo de Basquetebol. São essenciais para que um atleta tenha sucesso
na prática desportiva, como podemos observar pelas opiniões da nossa
amostra: “Como é possível uma decisão técnica acertada se ela não for
efetuada por um corpo fisicamente disponível?” (TE1).
Assim, as três qualidades físicas que mereceram mais destaque por
parte dos entrevistados foram a coordenação, a velocidade e a resistência,
como podemos comprovar: “… coordenação, capacidade que permite
potenciar todas as outras…” (TE5). Estas evidências remetem o nosso
estudo para o de Vaeyens et al. (2008).
É importante referir que, embora não sejam consideradas, por parte
dos entrevistados, essenciais em idades jovens (dada a possibilidade de
serem potenciadas através do treino e ao longo do tempo), a aquisição
destas capacidades em idades jovens facilita o desenvolvimento do jogador.
Características como a força, a agilidade e a flexibilidade também
são mencionadas pelos entrevistados: “é necessário que o jovem possua
uma boa flexibilidade, (…) força, (…) e impulsão.” (J3). No entanto,
capacidades como a impulsão e a força explosiva são poucas vezes
enunciadas, o que parece ser um contrassenso, já que na NBA - aquele

117
que é considerado o Basquetebol de mais alto nível a nível mundial -, são
apresentadas como qualidades de eleição.
Por último, a força explosiva e a velocidade de reação são consideradas
importantes no desenvolvimento de um jovem jogador: “altos níveis de
força explosiva…” (TE1), tal como são destacadas no estudo de Vaeyens
et al. (2008).
Antropométricos

Fatores mais mencionados na variável da antropometria: altura


(43,1%), morfologia (34,4%), envergadura (22,4%).

É consensual entre a amostra que as caraterísticas antropométricas


não são essenciais para a chegada ao Alto Rendimento. No entanto, se
estiverem presentes, auxiliam o jogador no alto nível: “… acho que qualquer
um pode chegar ao Alto Rendimento, caso tenha o acompanhamento certo,
aspetos psicológicos, etc., independentemente das suas características
antropométricas. Isso não pode ser condição.” (J1); “… percebo a
importância da altura na modalidade, mas não aceito que a mesma seja
critério de exclusão em termos de seleção de atletas.” (TE5).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação desportiva de basquetebolistas representa um enorme
desafio para todos os agentes que têm interesse e intervenção neste processo.
Formar jogadores significa transformar as suas aptidões e desenvolver
competências que permitam desempenhos com níveis de proficiência mais
elevados.
Considerando o presente trabalho, podemos afirmar que a
Performance Desportiva é o resultado da interação de um alargado número
de fatores. Não só o reportório genético deverá ser considerado como
também todos os fatores de índole psicológico, cognitivo, ambiental,
técnico-tático e físico. As determinantes diretamente relacionadas com
o processo de formação do jogador possuem, igualmente, uma elevada
importância.
Por fim, podemos considerar como muito importante a influência

118
decisiva dos fatores ambientais, com destaque para a família e o treinador,
tanto como promotores do início da prática, como pela manutenção e
desenvolvimento da mesma.
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122
TOMADA DE DECISÃO: DO ESPORTE AOS ASPECTOS NEUROFISIOLÓGICOS

Ms. Gustavo De Conti Teixeira Costa – CECA – UFMG

Dr. Pablo Juan Greco – CECA – UFMG

INTRODUÇÃO
Na literatura a tomada de decisão se define como a capacidade do
indivíduo selecionar a ação, dentre uma série de possibilidades, para atingir
o objetivo da tarefa específica (Hastie, 2001). Os processos decisionais
subjacentes à tomada de decisão se caracterizam por duas formas
complementares de processamento de informação: as do tipo bottom-up
e as do tipo top-down. O processamento bottom-up é determinado, na
maioria das vezes, pela natureza dos estímulos sensoriais e é realizado
automaticamente, possibilitando a execução rápida, embora seja inflexível.
Já o processamento tipo top down solicita a elaboração das informações
sensoriais em relação aos pensamentos, ações e objetivos estipulados
(MILLER; COHEN, 2001).
A análise da tomada de decisão no contexto esportivo evidencia a
necessidade de considerar uma perspectiva dinâmica, por meio da interação
entre a cognição e a ação (WILLIAMS; ERICSSON, 2005; WILLIAMS,
2009). Neste sentido, as teorias acerca da tomada de decisão no esporte,
nomeadamente a teoria ecológica, a teoria intuitiva e a teoria cognitiva se
diferenciam pela sua abordagem e postulados. Cada uma destas teorias
será descrita brevemente, embora o presente capítulo apresente como foco
a teoria cognitiva.
A psicologia ecológica sugere a necessidade de se descrever e
considerar o ambiente em que o indivíduo se encontra antes de fazer
perguntas sobre a forma como ele pode alcançar o conhecimento acerca
desse ambiente (ARAÚJO; DAVIDS, 2009). Desta forma, inicia-se a
interação entre indivíduo, atividade e ambiente para a solução de uma
tarefa em situação ecológica (ARAÚJO; DAVIDS; HRISTOVSKI, 2006).
Assim, a tomada de decisão ocorre como resultado do ambiente (ARAÚJO;
DAVIDS; SERPA, 2005) e apresenta uma relação entre a percepção e a
123
ação, de acordo com as incertezas do ambiente e do indivíduo (ARAÚJO;
DAVIDS, 2009).
A abordagem ecológica proposta por Gibson (1979) considera que a
tomada de decisão é dependente das affordances ambientais, ou seja, das
limitações e condicionantes da tarefa presentes no meio. Neste modelo,
organismo humano concretiza via ajustes dos órgãos periféricos, tais como
os olhos e a cabeça, que derivam do sistema perceptual a aquisição da
informação que o rodeia, mostrando que ambiente e pessoa se influenciam
mutuamente o que causa alterações neste sistema (ARAÚJO; DAVIDS,
2009). Nesta perspectiva, as decisões e ações são consideradas como uma
relação interdependente do meio ambiente e os processos cognitivos tais
como atenção, memória e flexibilização cognitiva, apresentam pouca
relevância.
A teoria intuitiva, diferentemente da teoria ecológica, distingue
a tomada de decisão de acordo com a complexidade e velocidade do
processamento de informações. Seu autor principal, Kahneman (2003)
distingue dois sistemas diferentes que concretizam o processo de tomada de
decisão: “Sistema1” e “Sistema 2”. As operações do “Sistema1”, implicam
em decisões intuitivas, as que normalmente são rápidas, automáticas,
sem esforço, associativas, implícitas e muitas vezes influenciadas pelas
emoções; elas também são reguladas por hábitos, por conseguinte,
difíceis de controlar ou modificar. As operações do “Sistema 2”, implicam
em decisões deliberativas, são mais lentas, de série, com esforço, mais
propensas a serem monitoradas conscientemente e deliberadamente
controladas; elas são também relativamente flexíveis e potencialmente
governadas por regras.
Tversky e Kahneman (1974) descreveram as relações entre ambos
os sistemas (Sistema1: “intuitivo” e Sistema2: “deliberativo) com base
na probabilidade da sua ocorrência. Assim, quanto mais frequente for
a situação, maior será a solicitação do Sistema1. Em contrapartida, as
situações menos comuns e/ou mais complexas, caso sejam identificadas
pelo sistema nervoso central, serão processadas pelo Sistema 2. O sistema
perceptivo e as operações intuitivas do Sistema1 geram impressões sobre
percepção e pensamento acerca das situações (KAHNEMAN, 2003),
enquanto a associação do pensamento consciente com a memória de
124
trabalho explica a natureza lenta, sequencial e de capacidade limitada do
Sistema2 (Evans, 2008).
AÇÕES EM ESPORTES
O presente texto se relaciona e fundamenta com as teorias cognitivas,
especificamente a mais recente, também denominada de cognitivismo
contemporâneo (Nitsch, 2009) a que será utilizada como pano de fundo
deste capítulo. A cognição é o termo comum para designar todos os processos
ou estruturas que se relacionam com a consciência ou o conhecimento
(Bergius, 1995). Relacionam-se com os processos cognitivos, aqueles
que permitem a “interpretação e ordenamento das informações na
consciência, através das funções intelectuais e a formação de conceitos
passíveis de oferecer soluções de um problema” (BERGIUS,1995).
Os modelos explicativos da ação em esportes que se relacionam
com as teorias cognitivas se originam a partir do trabalho seminal de
Mahlo (1965-1966, e 1974, 1980 em português). Neste, a ação tática se
inicia com a análise da situação por meio da percepção e apreciação dos
próprios conhecimentos, a segunda fase implica em uma solução mental
para a tarefa, e na terceira fase, a realização motora, ou seja, o produto, a
execução de uma habilidade motora. A proposta de Mahlo (1974) indica
a importância dessa ação ser avaliada pelo autor, e assim armazenados
na memória as experiências relativas ao processo e ao resultado. De
acordo com Matias e Greco (2010), o atleta nas modalidades dos Jogos
Esportivos Coletivos deve perceber a situação, antecipar os movimentos
dos companheiros de equipe, dos adversários e da bola, portanto suas ações
devem ser antecipativas e não meramente reativas, como sugere o modelo
proposto por Mahlo (1974, 1980).
O seguinte trabalho de impacto na área da psicologia do esporte a
descrever o decorrer de uma ação esportiva fora apresentado por Nitsch
(1975, 1985, 1986, 2009). O autor refere que a ação esportiva se realiza
na interação da pessoa com o ambiente em dependência da tarefa que se
defronta. A ação se desenvolve em três fases:
a) Antecipação: composta pelos processos de “formação da intenção” e de
“planejamento”,
b) Realização: composta pelos processos de controle “do estado” e controle
125
do “processo”
c) Interpretação: composta pelos processos de “avaliação” e “atribuição”.
Nitsch (2009) destaca que existe uma relação temporal entre a
antecipação e a interpretação (veja fi gura 1), a seguir. É importante
destacar que segundo Nitsch (2009), as três fases da ação são monitoradas
pelos sistemas de controle cognitivo, emocional e automático de forma a
verifi car cada uma dessas fases e seus processos.

Figura 1: fases da ação e seus sistemas de controle (NITSCH, 2009)


Assim Nitsch (2009) complementa que as ações em esportes
apresentam uma relação temporal determinante para a tomada de decisão,
para a realização da mesma. A perspectiva da relação espaço tempo na
ação esportiva é considerada por esse autor de forma que situações do
passado são interpretadas e infl uenciam as situações do presente, as quais
servem de base para antecipar situações futuras.
As ações em esportes são intencionais (ou seja, subjazem nestas
intenções táticas), dinâmicas, motivadas, direcionadas a uma meta, em

126
interação com percepções objetivas e subjetivas (SAMULSKI, 2009). De
forma resumida, considera-se que ações são movimentos coordenados e
regulados por fatores cognitivos e emocionais que partem de uma avaliação
e percepção subjetiva da realidade em direção a consequências esperadas.
É importante destacar que a ação em esportes resulta dos processos
conscientes, pois mesmo as respostas intuitivas se apoiam em experiências
anteriores, ou seja, com recurso via memória de trabalho, à busca dessas
vivências na memória de longo prazo. Nitsch (2009) considera que o
decorrer de uma ação em esportes se caracteriza por diferentes fases,
sendo: fase de antecipação, fase de realização e fase de interpretação
(Figura 1). Na fase de antecipação a pessoa antecipa mentalmente a
execução da ação e as consequências possíveis, baseando-se na avaliação
das condições iniciais da situação. A fase de realização é marcada pela
realização dos planos de ação, juntamente com a regulação dos processos
sensoriomotores correspondentes. Na fase de interpretação a pessoa avalia
a execução e consequências da ação, baseando-se nos planos antecipados,
ou seja, desejados.
Na Teoria da Ação, a ação é regulada pela forma como o indivíduo
percebe e adapta a sua própria competência, com relação à tarefa a
executar e conforme o ambiente em que se encontra (Nitsch, 1975, 1985,
2009). Neste modelo a ação tática é produto da tríade ambiente-tarefa-
pessoa, sendo determinada tanto pelas condições subjetivas, interesse,
atitudes, experiência, opiniões e preconceitos, quanto pelas objetivas:
condicionamento físico, aspectos antropométricos e biomecânicos,
condições climáticas e temperatura (MATIAS; GRECO, 2010).
OS ASPECTOS NEUROFISIOLÓGICOS DA TOMADA DE
DECISÃO EM ESPORTES
Os jogos desportivos exigem adaptação às situações novas,
orientando as ações do participante para a resolução de uma situação-
problema (GRECO, 2006). A ação tática traduz-se num conjunto de
tomadas de decisões que perpassa pela percepção da informação ambiental
e sua interpretação, com consequente seleção da resposta mais apropriada
(OLIVEIRA et al., 2009).
Nos esportes coletivos, a tomada de decisão se caracteriza pela

127
solicitação de processos rápidos, automáticos e intuitivos, que são
ocasionalmente suplementados por deliberação lenta e controlada
(MOXLEY et al., 2012). A capacidade de tomar decisões eficazes
depende da orientação adequada para os indicadores relevantes da tarefa
(Laureiro-Martínez et al., 2015), o que os autores denominam
de “sinais relevantes”. A interpretação da informação disponível inclui
ignorar informações desnecessárias para a tomada de decisão e processar as
informações pertinentes, sinais relevantes, para a escolha da ação adequada
aos objetivos da tarefa (McPHERSON; FRENCH 1991; FRENCH et al.,
1996).
Dada a necessidade de monitorar o comportamento tático dos
jogadores e distribuir a atenção aos sinais relevantes, à atenção emerge
como um mecanismo intencional que interage na tomada de decisão de
forma consciente, ou seja, se relaciona via processamento de informação
top-down. Contudo, ressalta-se que a atenção também se apresenta
em interação e contribuindo nos processos de botton-up, isto é, no
processamento intuitivo.
A atenção assume especial importância nos jogos desportivos
(MEMMERT; SIMONS; GRIMME, 2009), uma vez que permite monitorar
o próprio comportamento, bem como as posições e movimentações de
múltiplos companheiros e adversários (WU et al., 2013). Os processos
decisionais são municiados pela informação oriunda dos mecanismos
atencionais, o que determina que quanto maior o número de informações
táticas ocorre maior estreitamento da atenção e, por outro lado quanto
menor a quantidade de informações táticas, maior a amplitude atencional
(Memmert; Furley, 2007; Memmert, 2011; Furley; Memmert,
2013). Esse processo atencional decorre em constante interação com a
memória de trabalho, que serve de “ponte” na busca de apoios na memoria
de longo prazo.
O comportamento visual, sustentado pela memória, direciona o
foco de atenção aos aspectos cruciais da tarefa, auxiliando nos processos
complexos da tomada de decisão tática no esporte (FURLEY; MEMMERT,
2012). A solução dos problemas nos esportes é invocada a partir da inter-
relação entre o conhecimento, a memória de trabalho e os diferentes
processos cognitivos que constituem o comportamento tático (BAR-ELI;
128
RAAB, 2006; MEMMERT; PERL, 2009).
Assim, para o atleta interpretar e responder aos diferentes cenários
táticos é necessário, primeiramente, que o mesmo os classifique em uma
unidade reconhecível. Este processo ocorre por meio da experiência prática
(YARROW; BROWN; KRAKAUER, 2009). Portanto, o conhecimento
acerca das situações específicas é armazenado na memória de longo
prazo, criando um mapa cerebral com as possíveis soluções de cada
cenário de jogo e proporcionando um acesso rápido e flexível à resposta
desejada (YARROW; BROWN; KRAKAUER, 2009). Além disso, este
conhecimento permite o monitoramento das alterações do jogo e promove
adaptações comportamentais diante das alterações presentes na dinâmica
do contexto esportivo (AFONSO; GARGANTA; MESQUITA, 2012). Os
processos cognitivos subjacentes à tomada de decisão contribuem para a
compreensão tática e são monitorados pelo comportamento visual (MACK;
ECKSTEIN, 2011), nomeadamente por meio dos movimentos oculares
denominados de fixações visuais e dos movimentos sacádicos (Moreno;
Ávila; Damas, 2001). Um exemplo do comportamento visual é quando
o atacante de voleibol perito, que possui vasto conhecimento sobre o
esporte, foca a atenção na disposição do bloqueio (se está marcando paralela
ou diagonal, se é um bloqueio duplo compacto ou duplo quebrado) e no
posicionamento da defesa adversária. Enquanto isso, um atleta novato, que
possui pouca experiência e conhecimento do esporte, detectará como sinal
relevante do ataque no voleibol a torcida e o posicionamento do árbitro,
informações que não são importantes para a tomada de decisão desta ação.
As diferentes regiões do sistema nervoso central contribuem para
a cognição, objeto de interesse deste capítulo, local onde se encontram
os principais grupamentos neuronais e circuitos envolvidos nos processos
cognitivos, destacando-se o córtex cerebral (CONSENZA, 2014). O
córtex cerebral é visualizado macroscopicamente como uma camada de
substância cinzenta que reveste todo o cérebro. Este, no caso da espécie
humana, e girencefálico, pois tem sua superfície marcada por sulcos e giros,
de tal forma que a maior parte do córtex permanece oculta a uma inspeção
externa. Anatomicamente, o córtex cerebral é fracionado em regiões
denominadas lobos, a saber: frontal, parietal, temporal, occipital e lobo
da insula, este último visível quando se examina a profundidade do sulco

129
lateral do cérebro. O córtex apresenta uma arquitetura citoarquitetônica
diversa, com inúmeros mapas corticais e Korbinian Brodmann, para
facilitar a identificação das diversas áreas cerebrais, dividiu o cérebro em
mais de 50 regiões (figura 2), permitindo a localização precisa de regiões
e funções (CONSENZA, 2013).
Figura 2 – Áreas cerebrais de acordo com Brodmann

Fonte: CONSENZA, 2014

O lobo frontal, foco deste capítulo, ocupa 1/3 do cérebro humano, é


responsável pela execução de atividades a partir de informações recebidas
pelas regiões posteriores do córtex. As partes posteriores compreendem
regiões responsáveis pela informação sensorial enquanto a parte anterior
(pré-frontal) organiza as informações emotivas, mneumônicas e da
atenção, oriundas do sistema límbico ou do cerebelo, além das informações
sensoriais (BOSA, 2001). O córtex pré-frontal ocupa a porção mais anterior
do lobo frontal, coordena a ligação entre as áreas de associação sensoriais
e as áreas límbicas, relacionando as informações do mundo externo, os
processos emocionais e os processos motivacionais, importantes para
a sobrevivência do organismo e para a regulação do comportamento
(CONSENZA, 2014).
O córtex pré-frontal tem a função específica no controle cognitivo
de manter ativo padrões neuronais que representam objetivos e os meios
para alcançá-los, sendo suficientemente flexível para adaptar-se a novas
metas (MILLER; COHEN, 2001). Este pode ser dividido nas regiões

130
ventromedial (figura 3a), dorsolateral (figura 3b) e frontopolar (figura 3c).
O córtex pré-frontal ventromedial tem ligações recíprocas com
regiões do cérebro que estão associadas com o processamento emocional
(amígdala), memória (hipocampo) e processamento sensorial de ordem
superior (áreas de associação visual temporais), bem como com o córtex
pré-frontal dorsolateral. Isso significa que durante a tomada de decisão nos
jogos esportivos coletivos, esta área do cérebro será ativada para codificar as
informações ambientais e processá-las no momento da tomada de decisão.
Já o córtex pré-frontal dorsolateral tem ligações recíprocas com regiões
do cérebro que estão associadas ao controle motor (gânglios basais, córtex
pré-motor, área motora suplementar), monitoramento de desempenho
(córtex cingulado) e processamento de ordem superior sensorial (áreas
de associação, córtex parietal). O córtex pré-frontal dorsolateral é ativado
nos atletas quando há previsão de longo prazo, ou seja, a próxima ação a
ser realizada. Além disso, esta área é responsável pelo controle inibitório
das decisões geradas pelo córtex ventromedial, ou seja, determina o que
não deve ser feito. Por fim, o córtex pré-frontal frontopolar interliga-se
com as áreas ventromedial e dorsolateral do córtex pré-frontal (WOOD;
GRAFMAN, 2003; BURGESS; GONEN-YAACOVI; VOLLE, 2011). No
meio esportivo esta área do córtex pré-frontal é ativada quando o atleta
atinge o resultado esperado, sendo que atletas mais experientes a ativam
quando é necessário mudar a escolha repentinamente devido a mudanças
bruscas na situação de jogo (por exemplo, no handebol, a saída intempestiva
a frente de um defensor) para a obtenção da meta determinada a priori.
O córtex pré-frontal ventromedial suporta as funções de apoio que
integram as informações sobre a emoção, memória e estímulos ambientais,
por exemplo quando um atacante no voleibol, após algumas vaias, escolhe
atacar a bola na diagonal contra um bloqueio duplo compacto na intenção
de não ser bloqueado. O córtex pré-frontal dorsolateral é responsável
pela regulação do comportamento e controle das respostas aos estímulos
ambientais (WOOD; GRAFMAN, 2003), por exemplo quando o atacante
de voleibol, diante de um bloqueio duplo que se movimentou para a paralela,
inibe a resposta de ataque na paralela e evidencia o ataque na diagonal
como solução deste cenário. O córtex frontopolar está mais envolvido
em operações integrativas, associativas e de supervisão, evidenciando

131
a função da memória em tarefas visuo-espaciais (COSTA et al., 2013),
bem como no planejamento da solução em tarefas complexas (KIM et al.,
2015), por exemplo quando o levantador no voleibol escolhe o local da
distribuição após analisar a tática de bloqueio adversária, o deslocamento
do bloqueador central adversário e a eficácia dos seus atacantes, bem como
o momento da partida (início ou final do set).
Figura 3 – Córtex Pré-Frontal


3a - Córtex pré-frontal ventromedial 3b - Córtex pré-frontal dorsolateral

3c – Córtex frontopolar
Fonte: Google imagens

Os neurônios córtex pré-frontal dorsolateral são ativados para


orientar o comportamento atual, ou seja, o córtex pré-frontal dorsolateral
é responsáveis pelo processamento top-down de informações por meio
da seleção e manutenção das especificações da tarefa. Os neurônios do
córtex pré-frontal ventromedial são ativados para as futuras recompensas
esperadas pela realização da tarefa. Sendo assim, os neurônios do
córtex pré-frontal dorsolateral e córtex pré-frontal ventromedial estão

132
reciprocamente ligados e recebem sinais de outras regiões cerebrais
(normalmente do córtex associativo posterior e regiões paralímbicas). Em
contrapartida, os neurônios do córtex frontopolar, embora se encontrem
ligados às regiões córtex pré-frontal dorsolateral e córtex pré-frontal
ventromedial, apresentam uma influência inibitória nos neurônios do
córtex pré-frontal dorsolateral (figura 4). Em geral, de acordo com as
expectativas de recompensa, o córtex frontopolar forma um possível
buffer de back-up, local para armazenamento temporário das informações
que serão processadas, para o armazenamento de uma tarefa selecionada
anteriormente pelo córtex pré-frontal dorsolateral, enquanto o córtex pré-
frontal dorsolateral está processando outra informação (KOECHLIN;
HYAFIL, 2007). O córtex pré-frontal, segundo o modelo apresentado
acima, é capaz de processar, simultaneamente, apenas dois conjuntos
de informações, sendo os dois considerados mais gratificantes para a
situação (KOECHLIN; HYAFIL, 2007). Um exemplo da ação destas
regiões é quando um atacante no futebol, em posse de bola, observa os
aspectos relevantes tais como o posicionamento do adversário direto, o
deslocamento dos companheiros da equipe e decidi o que fazer: passar,
driblar ou chutar. Neste momento ele processa a informação relativa a
escolha realizada, por exemplo o passe, e planeja o deslocamento para
sair da marcação, deixando as duas informações ativas e inibindo outras
opções que foram consideradas pouco relevantes para a situação.
Ao analisar o comportamento cerebral na tomada de decisão, por
meio da ressonância magnética funcional, observa-se que as capacidades
de pensamento e de ação flexível se mostram necessárias na manutenção
das metas estáveis, apoiadas pelo córtex pré-frontal que é responsável
pela seleção flexível do comportamento. O cérebro interpreta estímulos
externos, inibe estímulos sem importância, integra informações do passado
e presente, bem como projeta as consequências de uma ação imediata
para os resultados futuros, no intuito de atingir as metas estipuladas
(Coutlee; Huettel, 2012). Um exemplo disso é quando um atacante
no futebol programa o chute para o gol e, antes de realizar a ação, altera a
decisão para o passe uma vez que dois marcadores se posicionaram à sua
frente, impossibilitando o sucesso do chute a gol e deixando espaço livre
para o colega.

133
Embora o córtex pré-frontal apresente uma capacidade limitada,
descrita acima, os seres humanos podem realizar tomadas de decisões
complexas. A experiência, em uma situação específica, torna o processo
de tomada de decisão mais simples, reduzindo a incerteza e contingência
durante a detecção dos sinais relevantes e seleção da resposta apropriada
ao cenário. Uma hipótese possível para este fato é que o treinamento
extensivo leva à formação de mapas geográficos mentais com um conjunto
de ramificações cerebrais e criam um sistema eficiente de busca para a
solução, que se baseia em estruturas cerebrais especializadas, como o
córtex parietal e o hipocampo (KOECHLIN; HYAFIL, 2007).
Figura 4 – Interação entre o córtex frontopolar (FPC), córtex pré-
frontal dorsolateral (LPC) e córtex pré-frontal ventromedial (OFC). As
setas verdes indicam ações excitatórias, enquanto as setas vermelhas
indicam ações inibitórias

Fonte: KOECHLIN; HYAFIL, 2007.

Embora não exista um consenso na literatura acerca da ativação


cerebral em relação à ao tempo de prática, acredita-se que a capacidade
de comparar novas informações com algo previamente armazenado na
memória de longo prazo molda estruturas de conhecimento cada vez
mais sofisticadas e promove uma melhor capacidade de tomar decisões
134
(AFONSO; GARGANTA; MESQUITA, 2012). A especificidade do
conhecimento, no caso dos esportes coletivos o conhecimento tático
especializado decorrente da prática do atleta, mostra-se relacionada com a
flexibilidade na adaptação do comportamento necessária para a realização
de movimentos especializados em ambientes variáveis e mutáveis (Kudo
et al., 2000; Kudo; Ohtsuki, 2008; Coutlee; Huettel, 2012).
Como exemplo observa-se o atacante no futebol de campo que ao escolher
chutar para o gol, percebe a movimentação do zagueiro em sua direção e
altera a decisão para o drible, no intuito de criar superioridade numérica
no ataque. Estas adaptações incluem atividades neurais simultâneas,
tais como percepção, identificação de estímulo relevante, tomada de
decisão, integração multimodal, preparação motora e execução, sendo
que a resolução de problemas demanda maior ativação da área pré-frontal
(HAMADA; AOKI; OKAZAKI, 2014). Por exemplo quando o levantador
no voleibol percebe que o bloqueador central adversário se deslocou
antecipadamente para a esquerda, tomou a decisão de levantar na distância
contrária, neste caso para a posição 4 e realizou o toque para em suspensão
para o atacante de ponta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eficiência neural, oriunda de níveis mais elevados de inteligência
ou pela experiência em tarefas específicas (NUSSBAUMER; GRABNER;
STERN, 2015), evidencia-se nos níveis consistentemente mais baixos de
atividade cerebral. As pessoas mais inteligentes mostram menor atividade
cerebral no giro frontal inferior esquerdo, indicando que os cérebros destes
têm capacidade de processamento de informação eficiente nesta região
e, como consequência, consomem menos recursos metabólicos durante
a tomada de decisão (DOMENICO et al., 2015). O hemisfério esquerdo
do cérebro, especificamente o córtex pré-frontal esquerdo, mostra-se
relacionado com a memória de trabalho e com o conhecimento conceitual
(conhecimento declarativo). O córtex pré-frontal ventromedial esquerdo
está associado com o processamento de informações e com o mapeamento
estímulo resposta, enquanto o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo
encontra-se relacionado com a memória de trabalho. Por fim, o córtex
frontopolar esquerdo evidencia um aumento da oxigenação local em tarefas
cognitivas de ordem superior, sendo responsável pelo controle hierárquico

135
do processamento, pelo controle cognitivo e pela alocação de recursos de
memória de trabalho necessários para a solução da tarefa (GLASCHER et
al., 2010). Por exemplo quando um levantador perito no voleibol identifica
que o bloqueador central saltará junto com o atacante central da sua equipe
e levanta a bola para o oposto na posição 1. Após identificar o estímulo
relevante, neste caso a antecipação do bloqueador adversário, o levantador
irá reduzir a ativação do pré-frontal. Caso o mesmo cenário ocorresse com
um levantador novato, este teria maior ativação pré-frontal e demoraria
mais tempo para desativar esta área do cérebro, independente de tomar a
escolha certa para a situação.
Os processos cognitivos operam em conjunto, de forma complexa
(ANDERSON, 1982) e o treinamento cria uma rede neural mais complexa
e eficiente na busca da tomada de decisão. Com a prática melhora a
escolha eficaz da opção desejada dentre as opções que o atleta sabe
fazer. Por exemplo quando o atacante de voleibol se depara com um
bloqueio duplo e alto na paralela e tem as opções de atacar na paralela, na
diagonal longa, na diagonal média, na diagonal curta, explorar o bloqueio
e largar atrás do bloqueio e realiza a ação mais comum, ou seja, a que
está acostumado a realizar, por exemplo, o ataque na paralela, enquanto
ainda está processando as informações da situação (neste caso o atacante
é novato e tem pouca experiência no voleibol). Já o atleta perito analisará
a situação mais rapidamente e atacará explorando o bloqueio, tendo em
vista que o bloqueador da extremidade não posicionou a mão corretamente
para impedir o sucesso do atacante nesta escolha. Estas diferenças entre as
escolhas decorrem de mapas mentais de estímulo-resposta mais elaborados,
no caso do perito, que são processados mais rapidamente.
Portanto, considera-se que para auxiliar o praticante a compreender
o jogo, a ter “leitura do jogo”, também é necessário ensiná-lo a “escrever”
o mesmo e ter um amplo “vocabulário”. O professor deve avançar no
conhecimento dos processos cognitivos de forma a integrá-los no seu
cotidiano e nas atividades do seu treino. Conhecer as interações das áreas
correlatas no cérebro humano e possíveis especializações funcionais das
mesmas com o conhecimento tático-técnico, indicam se o treinamento
obtém a eficiência e eficácia desejada.

136
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142
FORMAÇÃO DE TREINADORES: COMO ALOCAR UM
DISCURSO TEÓRICO À PRÁTICA?

Isabel Mesquita1

Centro de Investigação, Educação, Inovação e Intervenção em Desporto,


CIFI2D, Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, Porto, Portugal.

INTRODUÇÃO
A investigação centrada na formação de treinadores tem vindo a
destacar que os treinadores atribuem maior importância às suas experiências
práticas diárias do que aos cursos de formação (CUSHION, ARMOUR e
JONES, 2003; ERICKSON, BRUNER, MACDONALD e CÔTÉ, 2008).
Em boa verdade, os treinadores consideram que, ao contrário dos cursos
formais1, existem outras formas e meios de aprendizagem (como por
exemplo, observação de pares e treinadores experts, prática profissional
diária e, ainda, outras situações informais2 e não formais3 de aprendizagem)
através dos quais aumentam, consideravelmente, o seu conhecimento
(IRWIN, HANTOON e KERWIN, 2004; MESQUITA, RIBEIRO,
SANTOS e MORGAN, 2014; WRIGHT, TRUDEL e CULVER, 2007).
Um aspeto comum a esta panóplia de fontes de aprendizagem é, sem
dúvida, a aprendizagem pela interação com os outros nos contextos de
prática, enquanto fonte prioritária de conhecimento profissional, tanto para
os treinadores em início de carreira como para os treinadores experientes
(CUSHION, ARMOUR e JONES, 2006; MESQUITA, ISIDRO e
1
Foca-se nas fontes estruturadas de aprendizagem de uma determinada área de interesse
específico (são exemplo disso, os cursos de certificação de treinadores) e consubstancia-
se na aprendizagem que tem lugar num sistema formativo institucionalizado, organizado
de forma cronológica e hierarquicamente estruturado (Coombs e Ahmed, 1974).
2
Referencia-se a todo o processo desenvolvido ao longo da vida, através do qual as
pessoas acumulam conhecimento, habilidades, atitudes e noções provenientes das
experiências diárias e do meio que as envolve (Coombs e Ahmed, 1974).
3
Constitui uma fonte de aprendizagem alternativa, referenciada a qualquer atividade
formativa organizada e sistematizada que ocorre fora da estrutura formal e que promove
aprendizagens singulares a subgrupos específicos da população, (Coombs e Ahmed,
1974); sendo exemplo disso, as conferências, seminários, workshops e ações de formação.
143
ROSADO, 2010; MESQUITA et al., 2014; NELSON, CUSHION e
POTRAC, 2013). Estas evidências empíricas, baseadas em perceções de
treinadores, reforçam o entendimento de Cushion, Armour e Jones (2003)
de que a aprendizagem para ser treinador deve ser desenvolvida através
de interações continuadas com indivíduos específicos no contexto do
Coaching4 (nos desportos).
A esta preferência pela aprendizagem de cariz não formal e informal
dos treinadores, não é alheio o facto de na formação formal sobressair
uma valência tecnocrática (onde predominam os saberes da modalidade)
e biologista (dado prevalecerem os conhecimentos das ciências do
desporto apelidadas de exatas, como por exemplo, a biologia, a fisiologia,
a biomecânica, etc), sendo praticamente ausente os conteúdos alocados
às áreas das ciências humanas, nomeadamente as pedagógicas e sociais.
Não obstante, o Coaching é reconhecido, tanto por investigadores como
por treinadores de elite, como uma atividade eminentemente pedagógica e
social (MESQUITA, 2013; MESQUITA, JONES, FONSECA e MARTIN
DA SILVA, 2012), devendo o treinador em formação ser preparado para
lidar com os atletas (e outros intervenientes), aprendendo a influenciá-los
positivamente (dentro dos limites éticos requeridos), a saber gerir situações
conflituosas, problemáticas e complexas, apanágio do quotidiano da sua
profissão.
Em concomitância, na formação de cariz formal, tem vindo a
prevalecer o método expositivo, o qual se caracteriza por enfatizar o ensino
pela transmissão de conhecimentos e a aprendizagem por reprodução
(JONES, MORGAN e HARRIS, 2012; MESQUITA, ISIDRO e ROSADO,
2010). Consequentemente, percebe-se que o principal objetivo dos
programas de formação tem incidido na transmissão de conceitos e teorias,
raramente se compreendendo o seu sentido e significado prático, ao invés
do referencial teórico suportar concetualmente os treinadores na resolução
dos problemas concretos impostos pelo exercício profissional.
Este paradigma de formação tem sido incitador do predomínio da
racionalidade técnica, a qual se expressa em vários domínios (MESQUITA,
2014): (1) Orientação da formação para uma abordagem reprodutora,
4
Refere-se a tudo o que se relaciona com o treinador no âmbito da sua atividade
profissional.
144
com as suas raízes na teoria comportamentalista5 da aprendizagem; (2)
Enraizamento do ativismo prático, porquanto as sessões práticas remetem
para o “saber fazer”, em desfavor do “saber pensar”, com desvalorização
da reflexão e do desenvolvimento de competências metacognitivas
(sustentáculos de uma formação orientada para a autonomia e inovação);
(3) Enfatização do conhecimento técnico da modalidade e dos conteúdos
associadas às ciências do Desporto de caráter biológico, sendo ignorada
a aprendizagem para ser treinador, entregando-se esta missão ao acaso
e à vontade do treinador em aprender, por si mesmo, ao longo da sua
carreira; (4) Aprendizagem formatada no plano individual, assente na
relação unidirecional formador-formando, e decorrente em contextos
distantes dos problemas impostos pelo mundo real do coaching (isto é,
contexto de prática simulada ou sala de aula). No entanto, a atividade do
treinador decorre pela (e na) interação humana em contextos concretos,
com características idiossincráticas, complexas e imprevisíveis.
Do exposto se depreende que a natureza complexa e dinâmica dos
contextos e circunstâncias onde o treinador exerce a sua atividade, não é
compatível com uma formação assente em modelos de ensino explícitos
e formais, de teor autocrático; ou seja, sem concessão de autonomia de
intervenção ao treinador em formação (MESQUITA, 2014; MESQUITA
et al., 2014; NELSON et al., 2013).
Um dos problemas que mais concorre para a descontextualização da
aprendizagem (ou seja, para o desfasamento existente entre os conteúdos
teóricos lecionados e os problemas que a prática impõe), operante na
maioria dos modelos de formação vigentes à escala mundial é, sem
dúvida, a existência de um hiato considerável entre teoria e prática nos
cursos de formação, comprovado empiricamente pela investigação
(CHESTERFIELD, POTRAC, e JONES, 2010; NELSON, CUSHION,
e POTRAC, 2006; NELSON et al., 2013; MESQUITA et al., 2014).
Nesta senda, os investigadores têm vindo a indigitar a necessidade dos
cursos de formação estabelecerem uma relação explícita entre os saberes
teóricos e práticos (isto é, alocar significação teórica à pratica, base de
5
Esta teoria incorpora a ideia de que o conteúdo de ensino é acatado na relação entre
estímulo e resposta, sendo a aprendizagem consumada através da mudança externa do
comportamento e pelo recurso ao elogio e reforço dos comportamentos desejáveis e pela
desaprovação dos não desejáveis.
145
um entendimento cientificamente sustentado e pessoalmente assumido),
oferecendo, por via disso, as ferramentas necessárias e apropriadas para
os treinadores aprenderem a detetar e resolver os problemas emergentes
em cada contexto profissional específico e particular (CHESTERFIELD
et al., 2010; MESQUITA, BORGES, ROSADO e BATISTA, 2012;
MESQUITA, BORGES, ROSADO e DE SOUZA, 2011; MESQUITA
et al., 2014; NELSON et al., 2013; SANTOS, MESQUITA, GRAÇA e
ROSADO, 2010).
Este capítulo pretende discernir sobre a natureza das pedagogias
que melhor servem o estabelecimento de nexos explícitos entre a teoria
e a prática no âmbito da formação de treinadores, porquanto sendo um
treinador um prático-teórico (ou seja, tem que sustentar a sua atuação em
conceções de treino que iluminem e atribuem significado às suas ações)
terá que ser um criador de projetos, de modelos e não, meramente, um
replicador de metodologias.
O TREINADOR EM FORMAÇÃO: DE RECIPIENTE VAZIO A
CONSTRUTOR DA PRÓPRIA APRENDIZAGEM
Acerca da Premência de Formar Treinadores com Mente de Qualidade
Atendendo à natureza complexa e dinâmica do Coaching, urge
despoletar uma mudança de paradigma na formação de treinadores.
Tal metamorfismo consubstancia-se fundamentalmente no transitar de
perspetivas de aprendizagem comportamentalistas para construtivistas;
de forma, a incitar o treinador em formação a ser proactivo, implicado,
comprometido e responsabilizado com a sua própria aprendizagem,
alicerces de uma preparação capaz de responder aos exigentes desafios,
impostos pelo exercício profissional.
Numa formação de índole construtivista, o novo conhecimento (do
treinador) é construído a partir do já existente e edificado a partir das
experiências prévias, em concomitância com as oportunidades emergentes
do envolvimento (BOGHOSSION, 2006). Daqui se depreende que o
construtivismo, ao fazer apelo às funções mentais superiores, reconhece
a aprendizagem como um processo que envolve a construção ativa de
significados, fecundada na ligação estabelecida entre o conhecimento
existente e o novo; e, por isso, possui elevado potencial para formar

146
treinadores dotados de competências metacognitivas, capazes de sustentar
as ações em primados teóricos e de refletir sobre as práticas profissionais.
Importa, assim, perceber, que o desenvolvimento de competências
metacognitivas permite aos treinadores a construção de um pensamento
autónomo e criativo, expresso na capacidade de pensar criticamente, de
inovar, de refutar dogmas; em suma, de perceber que atuar na “zona de
desconforto” constitui um desafio, uma oportunidade de aprendizagem e
não um problema, um obstáculo.
Para alcançar tais desideratos, a formação de treinadores terá de
desenvolver formas e meios de formação que fomentem nos treinadores o
desenvolvimento de uma “mente de qualidade”, através da implementação
de hábitos de reflexão, resolução de problemas e partilha de conhecimento
com os outros (MESQUITA, 2014). Tais processos de formação irão
favorecer o desenvolvimento de processos reflexivos autênticos e
significativos, que integram os dilemas da prática, tornando os treinadores
capazes de sujeitar as suas crenças e conhecimentos a uma auto e hétero
análise crítica e, concomitantemente, a serem autónomos tomando
responsabilidade pelas suas ações. Por sua vez, formar treinadores com
“mente de qualidade” – capacitando-os a aplicar apropriadamente os
conceitos teóricos aos problemas que emergem da prática bem como
a alocar significação teórica à prática - requer o uso de abordagens de
aprendizagem potenciadoras dos processos de reflexão, da compreensão
dos conceitos, em suma, do estabelecimento de nexos explícitos entre
teoria e prática.
Das Abordagens de Aprendizagem Superficiais às Profundas e
Transformatórias
Conforme é evidenciado pela investigação no âmbito educacional,
a abordagem de aprendizagem utilizada pelos estudantes influencia o
que aprendem e a forma como aprendem (ENTWISTLE e ENTWISTLE
1991; ENTWISTLE, 2000; MARTON e SÄLJÖ, 1976). Neste sentido, na
abordagem superficial a aprendizagem é encarada como a reprodução da
informação transmitida pelo professor, o que conduz à aquisição por parte
dos estudantes de uma perspetiva dualista do conhecimento, expressa no
entendimento de que existem verdades absolutas, respostas incondicionais
(isto é, certo/errado, verdadeiro/falso); em contrapartida, na abordagem
147
profunda, a aprendizagem é percebida como um processo de transformação,
estimulando os estudantes a perceberem que o conhecimento é relativo
(possui múltiplas possibilidades de compreensão) e construído a partir
de uma perspetiva pessoal (ENTWISTLE e ENTWISTLE, 1991;
ENTWISTLE, 2000; PERRY, 1999; PROSSER e MILLAR, 1989). Nas
palavras de Rovegno (1995) a abordagem profunda de aprendizagem pode
ser percebida como “the active construction of meaning by persons, the
understanding of a whole, a process that is in some essential way different
from learning a series of parts or elements” (p. 286).
Por sua vez, as abordagens de ensino utilizadas pelo professor/
formador influenciam as abordagens de aprendizagem dos estudantes/
formandos. Assim, o recurso a estratégias de ensino mais implícitas,
onde os estudantes são estimulados a aplicar os conceitos aprendidos
(ou seja, com espaço e condições para procurar respostas aos “comos”
e aos “porquês”), incita a um maior comprometimento e envolvimento
com a aprendizagem (através da interação com os outros na discussão
dos conteúdos de aprendizagem) e a uma construção do conhecimento,
pessoalmente comprometida e satisfatoriamente aceite. Pelo contrário, as
estratégias de ensino mais explícitas e formais (onde o professor fornece
diretamente a resposta/solução) estimulam a aprendizagem de um modo
passivo, sendo a informação adquirida por reprodução e de forma rotineira,
onde os estudantes têm pouca responsabilidade pelas decisões/escolhas e
não atingem um comprometimento pessoal elevado com os conteúdos de
aprendizagem. De facto, tais estratégias de ensino diretivas estão presentes
em aulas com estruturas altamente definidas, providenciando aos estudantes
material que podem aplicar diretamente, mas não exige a transformação da
informação recebida em estruturas inteligíveis, pessoalmente edificadas.
Do referido ressalta que o recurso a abordagens de ensino implícitas,
não diretivas (que estimulam a relação entre a cognição e a ação, isto é, a
compreensão, a tomada de decisão e a ação) é promotor do estabelecimento
de nexos explícitos entre os conceitos teóricos aprendidos e a forma de
estes se expressarem em situações concretas de práticas; possibilitando,
por sua vez, uma compreensão profunda, repleta de significado por ser
pessoalmente assumida e comprometida com as soluções escolhidas. Neste
âmbito, os estudantes constituem aprendizes ativos que adotam abordagens

148
de aprendizagens profundas, que alcançam entendimentos alargados e
significativos, configuradores de um pensamento próprio (ENTWISTLE
e ENTWISTLE, 1991). Neste processo, o desenvolvimento da capacidade
reflexiva (SCHÖN,1983, 1987) é imprescindível, em virtude de permitir
atribuir significado às novas informações emergentes do contexto e as
relacionar com a informação prévia, pré-existente, permitindo que seja
alcançado um novo entendimento e, por via disso, tornar a aprendizagem
um processo transformatório. Tal é verdade, porquanto aprender a aplicar
simplesmente uma teoria não é suficiente, para que a aprendizagem seja
transformatória; para isso, é necessário que exista qualidade de reflexão
e interpretação da informação, de forma a viabilizar “an integrated
knowledge-in-action” (SCHÖN, 1987, p.25). Neste âmbito, o aprendiz
tem de ser ativo nesta atribuição de significados, um processo que, não
raras vezes, também o modifica como pessoa. Esta mudança na identidade
contém o potencial de moldar as aprendizagens posteriores, na medida
em que capacita os estudantes a saber interagir profundamente com as
aprendizagens experienciadas (SFARD e PRUSAK, 2005).
Não obstante o reconhecimento do valor da abordagem de
aprendizagem profunda - para almejar formar treinadores com mente de
qualidade, que refletem, criticam e inovam - tem vindo a imperar nos
cursos de treinadores o recurso a estratégias de ensino diretivas (com
um elevado recurso à prescrição) (PARTINGTON e CUSHION, 2011);
onde, os principais objetivos consistem em transmitir conceitos e teorias
sem existir a preocupação da sua aplicação contextualmente intrincada na
prática e/ou, ainda, a exercitação de uma prática ausente da compreensão
do seu significado (o já referido ativismo prático) (MESQUITA et al.,
2014). Esta perspetiva racionalista é pronunciadora do estabelecimento de
objetivos padronizados e hierarquicamente atingíveis (como se os contextos
e as pessoas não interferissem na sua efetivação e forma de expressão)
na formação de treinadores (JONES, 2006). A cultura reprodutora de
formação, apanágio dos programas de formação de treinadores em geral,
tem reforçado a adoção de abordagens de aprendizagem superficiais, as
quais estimulam entendimentos limitados sobre o papel do treinador, da
sua atividade e da compreensão dos conceitos o que, concomitantemente,
gera uma preparação deficitária dos treinadores para as exigências da

149
atividade profissional.
A investigação centrada nesta temática, tem recorrido sobretudo
ao estudo das perceções dos treinadores (através de questionários e
entrevistas), sendo praticamente inexistente estudos que se debrucem
acerca do modo como os treinadores incorporam o conhecimento teórico
na prática; particularmente, no que se referencia aos processos e estratégias
pedagógicas adotadas pelos professores/formadores e as abordagens
de aprendizagem utilizadas pelos estudantes/formandos (MESQUITA,
COUTINHO, MARTIN DA SILVA, PARENTE, FARIA e AFONSO,
2015). Tal requer o recurso a estudos de natureza longitudinal capazes de
capturarem as dinâmicas e mudanças operadas no processo de ensino e de
aprendizagem, ao longo do tempo de formação.
Como resposta a este desafio, têm vindo a emergir estudos realizados
nomeadamente em Portugal e no Reino Unido, que incorporam este
entendimento. No estudo de De Martin Silva, Fonseca, Jones, Morgan
e Mesquita (2015) os autores exploraram o modo como a aprendizagem
dos estudantes de licenciatura em Coaching (na Cardiff Metropolitan
University, País de Gales, Reino Unido) foi afetada pelos contextos
pedagógicos e sociais a que foram expostos. Os resultados enfatizaram o
papel do professor (o que é e como ensina) no desenvolvimento intelectual
dos estudantes, evidenciando ser um fator catalisador da maturidade
cognitiva dos estudantes.
Do mesmo modo, Coutinho, Sardinha e Mesquita (2015) num
dos raros estudos longitudinais, realizado na Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto com estudantes da licenciatura do Ramo Treino
Desportivo de diferentes Metodologias dos Desportos, verificaram que a
natureza da relação estabelecida entre as aulas teóricas e as aulas práticas,
bem como o espaço concedido aos estudantes na aprendizagem foram
fatores cruciais que determinaram a forma como eles encararam e se
envolveram na aprendizagem. Em algumas turmas, a existência de uma
relação profícua entre o discurso teórico e as vivências práticas, bem como
de um espaço de debate e de confrontação de ideias nas aulas (onde a
reflexão e o pensamento crítico foram estimulados), evidenciarem ser fatores
catalisadores na adoção de uma abordagem de aprendizagem profunda e
de cariz transformatório (isto é, pessoalmente assumida e comprometida,
150
com compreensão crítica dos conteúdos). Por sua vez, noutras turmas a
desconexão entre as aulas teóricas e as aulas práticas, conjuntamente com
um formato de ensino excessivamente expositivo sem interação e debate,
foram fatores inibidores do desenvolvimento dos estudantes, concorrendo
para uma abordagem de aprendizagem superficial. Os resultados deste
estudo reforçam a importância das perspetivas de aprendizagem de índole
construtivista, as quais promovem ambientes estimulantes e incitadores de
abordagens de aprendizagem profundas e transformatórias.
Num outro estudo longitudinal, De Martin Silva e Mesquita (in
press) pretenderam analisar as abordagens de aprendizagem utilizadas por
estudantes a treinadores durante os três anos da licenciatura em Coaching
(na Cardiff Metropolitan University, País de Gales, Reino Unido). As
autoras averiguaram que os estudantes a treinadores vivenciaram um
movimento na forma como lidaram com a aprendizagem; isto é, partiram
de uma abordagem superficial para uma abordagem profunda durante os
três anos do curso. Entre os fatores que contribuíram para a abordagem
superficial adoptada no primeiro ano, esteve o facto da avaliação não
ser mandatória para a transição de ano (apenas é necessário 40% de
aproveitamento para passagem do primeiro para o segundo ano do curso) e,
ainda, a infuência dos colegas de anos seguintes, na ideia transmitida acerca
da forma (irresponsável e pouco comprometida) como deve ser realizado o
primeiro ano. Já a abordagem profunda (e transformatória) foi estimulada
a partir do segundo ano, pelo incremento da oferta de experiências de
aprendizagem mais autênticas e interativas (por exemplo, aulas práticas e
seminários), as quais contavam para a nota final; para além disso, o maior
suporte oferecido pelos professores e a monografia de final de curso, no
terceiro ano, promoveram uma participação mais ativa, comprometida e
autónoma dos estudantes. Este estudo enfatiza a necessidade de existir um
alinhamento construtivo entre as atividades curriculares, a estrutura do
curso e os objetivos do ensino logo no início da licenciatura, no sentido
de se estimular desde cedo nos estudantes a adoção de uma abordagem de
aprendizagem profunda e transformatória.
Ainda com pouco suporte empirico, dado os estudos longitudinais
serem reduzidos à escala mundial, esta investigação pioneira evidencia a
necessidade de se desenvolverem programas de formação mais realísticos

151
que integrem a complexidade inerente ao trabalho do treinador. Isto
exige reconhecer que os treinadores são profissionais que necessitam de
tomar decisões astutas baseadas nas condições mutáveis dos contextos
em que atuam e que, por via disso, devem ser formados atendendo a essa
premência. O mesmo será afirmar que os treinadores, desde o início da sua
formação e carreira, devem ser sujeitos a processos de transformação do
conhecimento, em oposição a outros que perfilhem a retenção e assimilação
do conhecimento. Para responder a este desiderato, é premente que nos
programas de formação de treinadores sejam priorizadas estratégias
pedagógicas promotoras do desenvolvimento de hábitos de reflexão e do
pensamento crítico por parte dos formandos - alicerces basilares para a
construção de nexos explícitos entre as conceções teóricas e os problemas
da prática - que os capacitem a tomar decisões concetualmente fundadas,
com visão de futuro, e não enquanto receitas previamente definidas como
“remédio” que serve para resolver qualquer “maleita”.
Formador (Professor): De Instrutor a Facilitador
Inerente à natureza das abordagens de aprendizagem adotadas pelos
estudantes/formandos é, sem dúvida, crucial a forma como o professor/
formador desempenha o seu papel. Nas abordagens construtivistas de
aprendizagem, para que as estratégias de ensino implícitas e informais -
indutores do desenvolvimento da compreensão e do pensamento crítico
- beneficiem do efeito desejado, é necessário que o professor adote o papel
de facilitador. Este papel caracteriza-se pela capacidade do professor/
formador criar um ambiente de aprendizagem de suporte, embora exigente,
onde os estudantes/formandos sintam a confiança necessária para arriscar,
sem medo de falhar. Por outras palavras, o professor/formador faz os
estudantes/formandos sentirem-se confiantes para pensar e agir de uma
forma relativamente autónoma, oportunizando a sua atuação como líderes
da sua própria jornada de aprendizagem. Entre os fatores que concorrem
para a criação deste ambiente, simultaneamente desafiador e suportivo, o
carinho e o suporte6 (do inglês, caring) demonstrado pelo professor aos
6
Caring é considerado o ato intencional de cuidar dos outros, de se importar com os
outros, sendo que a pessoa no desempenho do papel (ex. o treinador) dá de si aos outros
(ex. aos atletas) para além do que o exercício social de papel pede; ou seja, realiza trabalho
extra. As pessoas que possuem esta capacidade preocupam-se mais com o que dão aos
outros do que com o próprio desempenho. Como refere Noddings (1984), estas pessoas
152
estudantes denota ser curial para estes sentirem a confiança necessária para
interagirem e discutirem conceitos relevantes e arriscarem novas soluções
(MESQUITA et al., 2015). De notar que o empoderamento dos treinadores,
durante a sua formação, constitui um fator determinante para a criação de
hábitos de reflexão, porquanto os incita a intervir (mais autonomamente),
a terem mais responsabilidade e serem mais críticos acerca das suas
próprias ideias e das ideias dos outros; contrapondo os dogmas e ideias
preconcebidas instaladas na cultura desportiva (DENISON, 2009).
A importância do professor atuar como facilitador na criação
de ambientes estimuladoras da aprendizagem profunda tem vindo a
ser evidenciada recentemente pela investigação, na área da formação
de treinadores. Nos estudos de De Martin Silva e Mesquita (in press)
e Mesquita et al. (2015), a atuação do professor como facilitador foi
indutora de um envolvimento mais ativo dos estudantes, os quais adotaram
uma visão mais relativista do conhecimento (isto, é múltiplas soluções
são possíveis), tornando-os aprendizes empenhados e comprometidos; o
que lhes permitiu aceder a uma compreensão mais profunda dos tópicos
de aprendizagem. Ademais, o tempo substantivo disponibilizado pelo
professor para interagir com os estudantes, durante a análise conjunta dos
problemas correntes nas aulas práticas, ajudou-os aceder a compreensões
mais robustas e pessoalmente construídas, tornando-os mais capazes de
defender as suas próprias ideias, em suma, a aprender a ser treinador
(MESQUITA et al., 2015).
A REFLEXÃO COMO FERRAMENTA QUE PERMITE ALOCAR
UM DISCURSO TEÓRICO À PRÁTICA
Aprendizagem Experiencial e Reflexão
Em termos de literatura do Coaching (nos desportos), não existe
uma definição clara e inequívoca de aprendizagem experiencial sendo
comummente utilizado os termos “intercâmbio” e “sem definição”.
Num esforço de sistematização e clarificação, Moon (2004) refere que
na aprendizagem experiencial, a experiência constitui em si mesma o
objeto de análise, resultando de processos de reflexão intencionalmente
desenvolvidos. O valor do contexto idiossincrático onde ocorre a
aprendizagem é evidente nas palavras de MOON (2004) quando invoca:
evidenciam mais “caring for others” do que “care about their charges“.
153
“The intention to learn from a particular time from a particular experience
is what justifies the use of a specific term such as “experimental learning”
and provides a disfunction from incidental or everyday learning” (p. 120).
Do referido torna-se evidente que aprendizagem experiencial requer
que: (1) a experiência seja vertida em aprendizagem e conhecimento; (2)
seja imbuída de intencionalidade; (3) seja acompanhada de conversas
reflexivas; (4) esteja presente a partilha, com outros significativos, de
experiências, conhecimentos, dilemas e crenças. Ou seja, a aprendizagem
é resultante do desenvolvimento de processos reflexivos e de um
envolvimento ativo e intencional na, e através, da atividade (TENNANT,
1997).
No contexto da formação de treinadores, a aprendizagem experiencial
mostra particulares vantagens, face à complexidade inerente à atividade
profissional do treinador, na medida em que potencia a interação com os
outros, cultiva o espaço entre trabalhar sozinho e ter apoio de outros e
fomenta o desenvolvimento dos processos reflexivos (Mesquita, 2013).
Para que tal seja efetivamente desenvolvido, é crucial a coexistência de
condições e processos de formação que potenciem o “aprender fazendo”,
pelo privilegiar de situações de aprendizagem que: (1) incorporem
genuinamente a cultura desportiva onde se desenvolve a atividade do
treinador; (2) estimulem intencionalmente os processos de reflexão;
(3) e integrem processo explícitos de aconselhamento e de orientação,
desenvolvidos por “alguém mais capaz” (MESQUITA, 2013).
Prática e reflexão assumem, assim, uma relação intrincada e
comprometida, na medida em que a aprendizagem experiencial só tem
verdadeiramente lugar se estiver sustentada em processos reflexivos
que a interpretem e lhe atribuam significados. Tal decorre do facto da
reflexão permitir ao aprendiz desenvolver um sentido de apropriação
da aprendizagem (ROGERS, 1969, citado por MOON, 2004), sendo
incitadora da metacognição a qual suporta, por sua vez, a aprendizagem.
Em boa verdade, quem aprende bem é mais capaz de ter noção do que
(e como) reflete acerca da sua própria aprendizagem, reconhecendo mais
facilmente as suas fragilidades e pontos fortes. Estes predicados conferem
à reflexão um papel importante, não apenas no incremento da qualidade
da aprendizagem, mas também no desenvolvimento de comportamentos
154
apropriados para aprender; até porque, refletir implica compreender, por si
mesmo, o objeto de aprendizagem (MOON, 2004).
A reflexão ocupa, assim, um papel central na formação e
desenvolvimento do treinador ao longo da carreira, porquanto a sua
atividade profissional exige flexibilidade de pensamento, sustentáculo
da capacidade para tomar decisões dinâmicas e oportunas. A partir do
desenvolvimento da autorreflexão e da reflexão partilhada, acerca das
experiências quotidianas da atividade profissional, é gerado um processo
dinâmico em espiral de reflexão-ação, através do qual os treinadores
adquirem conhecimento e competência (GILBERT e TRUDEL, 2001;
GILBERT e TRUDEL, 2006). Nesta senda, a prática é incitadora da
reflexão, ao fornecer novos elementos para a interpretar e compreender
(GILBERT e TRUDEL, 2001; ERICKSON et al., 2008).
Na medida em que a reflexão sobre a própria experiência profissional
está firmemente enraizada na atividade, contexto e cultura, cada problema
emergente exige uma análise em referência ao reportório de experiências
anteriormente vivenciadas e à interpretação de elementos provenientes
da experiência atual, repleta de ambiguidade, apanágio do Coaching
(GILBERT e TRUDEL, 1999). Como alega Moon (2004) “Reflective
practice emphasizes the use of reflection in professional or other complex
activities as a means of coping with situations that are ill-structured and/or
unpredictable” (p. 80).
Abordagem de Aprendizagem e Reflexão
A literatura centrada na formação de treinadores tem vindo a dar
gradativamente maior importância ao desenvolvimento dos processos
reflexivos, nomeadamente sobre a forma como os treinadores transformam
o seu conhecimento e competências em decisões concretas (GILBERT e
TRUDEL, 2001; GILBERT e TRUDEL, 2006). Para almejar tais intenções,
os processos formativos têm de ter lugar em ambientes colaborativos e
de suporte, onde a reflexão crítica sobre os problemas da prática emerge
de forma situada. Esta perspetiva de formação confere às “conversas
reflexivas” (SCHÖN, 1987) um papel central no processo de aquisição e
desenvolvimento de conhecimento e competências, porquanto nelas são
analisados os dilemas da prática, a definição de problemas e a experimentação

155
inventiva (GILBERT e TRUDEL, 2001). Por sua vez, o momento em que
a reflexão ocorre fornece elementos distintos acerca da ação interpretada
gerando, concomitantemente, informação com significados e contributos
diferenciados para a construção do conhecimento. Schön (1983; 1987)
sugere três momentos distintos: (1) reflexão na ação (durante a atividade);
(2) reflexão sobre a ação (durante a ação mas não no meio da atividade);
(3) reflexão sobre a ação em retrospetiva (em referência à ação passada).
No âmbito do Coaching, a teoria da prática reflexiva de Schön
(1987) tem mostrado ser um instrumento concetual robusto para analisar
e explicar a forma como os treinadores constroem e desenvolvem o seu
conhecimento, agregando experiência e reflexão numa díade interativa.
Contudo, tradicionalmente, a reflexão tem sido uma ferramenta pedagógica
raramente utilizada, e de forma ocasional, na formação de treinadores; algo
que tem sido impeditivo da adoção, por parte dos treinadores, de abordagens
de aprendizagens profundas e transformatórias que lhes permita conferir
significado teórico as suas práticas, que os ajude a concetualizar, fator
imprescindível para criarem autonomamente projetos de intervenção na
atividade profissional.
Em boa verdade, a reflexão quando é implementada nos programas
de formação, não raramente, é esporádica cingindo-se ao domínio
técnico e de enfoque descritivo; e, mesmo, quando é intencionalmente
desenvolvida a sua integração sofre resistências de diferente índole. Neste
âmbito, Knowles, Gilbourne, Borrie e Nevill (2001) realizaram um estudo
no sentido de incrementar a capacidade reflexiva dos treinadores durante
um curso, tendo verificado que estes revelaram melhorias significativas
nos seus níveis de reflexão, assumindo esta um caráter crítico. Num
outro estudo de seguimento, Knowles, Tyler, Gilbourne e Eubank (2006)
verificaram que embora estes treinadores após terminarem o curso
continuassem envolvidos em práticas reflexivas, a sua abordagem passou
a assumir um cariz meramente técnico, focalizada em aspetos negativos da
sua intervenção, não mantendo mais o diário reflexivo. Estas evidências
são, segundo os autores, fruto da cultura dominante no Coaching, onde
impera o individualismo e, concomitantemente, a ausência de suporte; não
sendo, por via disso, criadas condições para os treinadores desenvolverem
o hábito de realizarem reflexões sistemáticas e estruturadas. Por outro

156
lado, os períodos de formação formal são frequentemente curtos, o que
não permite o desenvolvimento sustentado de hábitos de reflexão, aspeto
sensível a ser considerado pelos sistemas governamentais desportivos.
Knowles et al. (2001) reforçam esta posição ao referirem:
The development of reflective skills is not a simplistic
process even with structured support. Coach educators
cannot therefore assume that development of reflective skills
will be a naturally occurring phenomena that runs parallel to
increasing coaching experience (p. 204).

Estas evidências empíricas reforçam a necessidade da reflexão


ser desenvolvida intencional e sistematicamente no âmbito da formação
formal, quer ao nível da certificação de grau quer no decurso da formação
contínua, em contextos que integrem cenários concretos e reais da atividade
profissional do treinador.
Este entendimento sobressai a premência da formação de treinadores
recorrer a abordagens de aprendizagem construtivistas que permitem aos
formandos estabelecer, de forma intencional, conexões entre as experiências
correntes e as prévias; sujeitando as suas crenças a uma análise crítica (de
si mesmo e dos outros) e assumindo responsabilidade pelas suas ações.
A utilização de cenários reais de prática, apoiados por uma tutoria de
questionamento, proporciona condições para que os treinadores pensem
de forma crítica fazendo o transfere para a prática.
Neste âmbito, o desenvolvimento da reflexão evidencia ser
otimizado pelo recurso a situações de formação que integram a prática
real do coaching, isto é, “aprender fazendo” (ERICKSON et al., 2008;
MESQUITA et al., 2011). Tal deve-se á constatação empírica de que o
processo de aprendizagem evidencia maior riqueza e significado quando
ocorre nas situações do dia-a-dia de trabalho e pela interação com os outros
(WRIGHT, TRUDEL, e CULVER, 2007). O reconhecimento de que o
pensamento crítico é fundamentalmente desenvolvido pela experiência
foi evidenciado primeiramente no campo da Educação Física. No estudo
de Armour e Yelling (2004) os autores verificaram que os professores
consideraram as aulas práticas mais eficazes, na medida em que lhes
permitiu incorporar os conceitos e as matérias mais relevantes abordadas

157
nas aulas teóricas, provocando neles um pensamento critico e fornecendo
mais tempo para refletirem e colaborarem entre si.
A aprendizagem em contextos práticos, mormente na formação
de treinadores, evidencia ser crucial para a adoção de abordagens de
aprendizagem profundas, na medida em que promove a aprendizagem
experiencial (onde coexiste prática e reflexão), promotora da compreensão
personalizada das próprias experiências e das situações em que estas têm
lugar; nas palavras de Jones et al., (2012), uma amálgama de conhecimento
profissional. No estudo de Mesquita et al. (2015) realizado na FADEUP
na disciplina de Metodologia dos desportos – Voleibol (disciplina do
segunda ano da licenciatura do Ramo Treino Desportivo), o recurso a
estratégias implícitas de ensino por parte do professor (onde prevaleceu,
o questionamento, a colocação de problemas e o debate em grupo) em
aulas práticas, evidenciou ser determinante para incitar os estudantes a
treinadores a experienciarem os conceitos (abordados nas aulas teóricas)
e a aplicá-los em situações concretas, as quais, exigiam oportunidade e
pertinência face aos problemas específicos emergentes. Tal incitou ao
desenvolvimento da reflexão na ação (conduzindo os estudantes a pensarem
no que estavam a fazer enquanto o estavam a fazer) (SCHÖN, 1987); o
que por sua vez, permitiu o incremento da consciência das alternativas
de soluções possíveis para resolver os problemas. Em consequência,
os estudantes desenvolveram “um sentido de empoderamento”, para
questionar e autorregular a sua própria aprendizagem, um aspeto central
do pensamento crítico.
A ABORDAGEM BASEADA EM PROBLEMAS: UMA VIA PARA
AUMENTAR O NEXO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
A capacidade do professor/ formador ser capaz de transformar
conceitos teóricos em questões relevantes para os estudantes/formandos
experienciarem o modo como funcionam (e se revelam) em situações
práticas (NELSON et al., 2013), é condição essencial para ajudar o
treinador a compreender, a ter as suas próprias conceções e a assumir
um posicionamento autónomo em relação ao conhecimento profissional.
Neste âmbito, estratégias implícitas como seja o questionamento
e a colocação de problemas são incitadoras da descoberta guiada
(MOSSTON, 1976; METZLER, 2000) e parecem melhor apetrechar, os
158
treinadores em formação, com as ferramentas necessárias para lidar com
a natureza problemática do seu trabalho, em consequência de aprenderem
num envolvimento de aprendizagem estimulante. Tal perspetiva de
formação inibe a aprendizagem por reprodução e incrementa o esforço
dos aprendizes em elaborar e transformar o conhecimento pessoalmente
assumido de modo satisfatório, o que tem sido apelidado de proficiência
na aprendizagem (ENTWISTLE & ENTWISTLE, 1991).
Na formação de treinadores, a Aprendizagem Baseada em
Problemas (ABP) tem vindo a ser destacada como uma abordagem
incitadora da resolução eficaz de dilemas impostos pela prática (JONES e
TURNER, 2006), porquanto incita o desenvolvimento das competências
metacognitivas e, em particular, o pensamento critico. A APB constitui
uma abordagem que prioriza o questionamento - enquanto meio de
ajudar os estudantes/formandos a estabelecer relações significativas entre
o pensamento e ação - incrementando a capacidade de verbalização do
pensamento, fomentando o argumento sustentado em oposição ao mero
argumento e, ainda, estimulando a autoavaliação. A ABP, por possuir estes
propósitos e predicados, é mais do que um método de ensino, auxiliando
o individuo a aprender a lidar com as ambiguidades e dificuldades da
profissão, apanágio do mundo moderno.
Na ABP, os problemas emergentes da prática são analisados pelos
formandos, com apoio do professor (que exerce a função de facilitador)
- que trazendo para a discussão conceitos teóricos - ajuda os formandos a
melhor compreender os referidos problemas e a atribuir soluções lógicas
e adaptadas às circunstâncias concretas. Deste modo, cada situação ou
problema exige a análise do repertório de estratégias e ações possíveis,
aliada a uma reflexão sobre o seu possível sucesso, onde são equacionadas as
experiências pessoais e os conceitos teóricos relacionados com a atividade,
contexto e cultura. Em virtude destas características, Howard Barrows
(1996), um dos pioneiros da ABP, caraterizou-a como uma aprendizagem
centrada no estudante, orientada ou facilitada pelo professor. Na APB, o
ensino decorre em pequenos grupos e os problemas são o principal foco
e o maior incentivo para a aprendizagem. Os benefícios específicos desta
abordagem são: 1) o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões e
resolução de problemas; 2) a sensibilização para os problemas complexos

159
do mundo real; 3) o desenvolvimento da capacidade de aplicar o aprendido
para além da situação presente; 4) o incremento do desejo e a habilidade
de pensar holisticamente; 5) a valorização em conferir à prática um olhar e
significação (teórica); 6) o desenvolvimento da vontade e capacidade para
aprender efetivamente ao longo da vida profissional.
Ao considerar que a ABP pode auxiliar na formação de treinadores,
é necessário ter presente que o tipo de problemas equacionados nesta
abordagem (isto é, construção de cenários problemáticos em referência
aos dilemas e dificuldades impostos pela atividade profissional) requer
um envolvimento proactivo, dos estudantes/formandos, com uma visão
relativista - que refute a visão dualista (certo/errado), incitadora da
dogmatização - de forma a lhes permitir “abrir a mente” para discernir
soluções novas, com potencialidade para gerar inovação, mudança,
característica imprescindível do treinador de sucesso. O diálogo,
constantemente estimulado, surge na ABL como elemento crucial para
incrementar o desenvolvimento intelectual dos estudantes/formandos, na
medida em que suscita a verbalização do pensamento, a troca de ideias e
a emergência de novas soluções que desafiam o pensamento “instalado”.
A investigação no Coaching tem vindo a desafiar a visão tradicional
(racionalista e tecnocrática) da formação de treinadores, criticando
a sua obsessão em definir padrões de eficácia do treinador, de forma
descontextualizada independentemente das exigências concretas impostas
pela idiossincrasia contextual (CUSHION et al., 2003; JONES et al.,
2003). Estudos mais recentes (JONES et al., 2012; NELSON et al., 2013;
MESQUITA et al., 2015) reconhecem que o conhecimento é construído
através da experimentação da nova informação, modificando-a, pela
reflexão crítica e pela interação com os outros, num contexto particular.
Consequentemente, a ABP, apoiada em várias facetas da teoria reflexiva
de Schön (1983), é particularmente pertinente em contextos que
requerem flexibilidade, respostas diversificadas e uma responsabilidade
descentralizada para o julgamento e ação (SCHÖN, 1983), apanágio do
Coaching. A ABP, ao possuir estes ingredientes, permite que os treinadores
reflitam, partilhem e experimentem num ambiente de suporte e cooperação,
sem o risco de fracassarem, como acontece quando atuam de forma isolada
e sem apoio (GILBERT e TRUDEL, 1999).

160
A relevância da APB possui, ainda, potencial em colmatar o
distanciamento (e mesmo divórcio) entre teoria e prática no Coaching,
porquanto permite compreender o modo como a teoria pode assistir e
melhorar a prática, pela oportunidade que oferece aos treinadores em
discutirem criticamente com os pares as suas posições e perspetivas, os
seus problemas diários reais. Ademais, a ABP ao estimular a aprendizagem
colaborativa, fomenta o trabalho dos treinadores em Comunidades
de Prática, advindo dai todos os benefícios associados (WENGER,
1998); em particular, o combate ao isolamento, à retórica e ao ativismo
prático. Dada a abertura concedida pela ABP à “exposição pública” dos
dilemas individuais, esta abordagem confere espaço para os treinadores
compreenderem melhor o seu papel, (des)construírem a sua identidade e
reconhecerem as competências a desenvolver para se superarem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser treinador requer capacidade de adaptar, de gerir, de arriscar e
de inovar, entre outras exigências. A formação de treinadores não pode
descurar estas exigências da profissão, devendo para o efeito adotar
modelos de formação que auxiliem o treinador a adquirir capacidade de
intervenção autónoma, responsável e comprometida.
Daqui se percebe que é necessário romper com os modelos de
formação tradicionais, onde se tem procurado “modelar” o treinador
a padrões de atuação objetivos e generalistas, independentemente da
“pessoa que é” e das especificidades particulares dos contextos onde atua.
Em sentido contrário, urge formar treinadores que se habituem a refletir,
a ter sentido crítico, a problematizar a sua prática sendo, por via disso,
impelidos a alocar significado teórico à sua ação, base da construção de
uma mente de qualidade.
Neste capítulo pretendeu-se salientar que a qualidade da formação
de treinadores depende grandemente da criação de ambientes de
aprendizagem que encorajem o treinador em formação a adotar abordagens
de aprendizagem profundas, incitadoras da reflexão crítica, da capacidade
de argumentação, da capacidade de ouvir e aprender com os outros e de ser
criticado, de atuar na zona de desconforto, refutando dogmas e colocando
em questão o saber como “verdades absolutas”.

161
Apenas pela preferência de abordagens de aprendizagem profundas
é possível aos treinadores alcançarem visões relativistas (que consideram
múltiplas possibilidades) sobre os fenómenos em análise, em desabono
de visões dualistas que apenas servem para alimentar dogmas e perpetuar
práticas “instaladas” nos sistemas. Em boa verdade, a abordagem de
aprendizagem profunda permite aos treinadores desenvolverem o
autoconhecimento, ajudando-os a reconhecer-se (identidade real) e a
tomarem consciência do que sabem para, assim, tornar possível perceber
e identificar o que querem ser (identidade perspetivada) e o que precisam
de saber e fazer para alcançar tal meta. Este processo transformatório é
capital para almejar uma autonomização progressiva e sustentável dos
treinadores (isto é, possuem as suas próprias conceções, estabelecem
rumos e metas pessoais, satisfatoriamente construídas e desenvolvidas) ao
longo da sua formação e carreira. Ademais, tornar o treinador autónomo,
capaz de pensar por si próprio, de ter as suas próprias conceções passa,
indubitavelmente, por ser capaz de “alocar um discurso teórico a prática”,
por possuir planos com estrutura e ideias próprias, que por um lado têm
respaldo teórico e por outro, são cruciais para atribuir significado, lógica e
eficácia à sua prática.
Para se intentar tal formação, na qual o treinador é construtor da
sua própria aprendizagem, sendo capaz de compreender que o incremento
da qualidade do treino passa por ser capaz de assentar a sua atuação em
conceções teóricas que se ajustam aos problemas correntes na atividade,
é necessário: (1) que na formação de treinador se troque a retórica pelo
conhecimento; (2) que se substitua o professor transmissor (que se remete
a dar instrução) pelo professor facilitador (que suporta e guia o caminho
da aprendizagem); (3) que se promovam experiências de aprendizagem,
simultaneamente desafiadoras e concretizáveis, onde de forma explícita
e deliberada são estabelecidas relações entre os conceitos teóricos (que
iluminam as soluções a adotar) e os problemas concretos emanados da
prática.
Em suma, a formação de treinadores requer que se abandonem as
pedagogias tradicionais (onde o abstracionismo, o ativismo pratico e a
retórica encontram terreno fértil e, por via disso, a teoria e a prática são
inimigas) e se transite para as pedagogias críticas, nas quais é requerido

162
um envolvimento deliberado e criativo dos estudantes/formandos,
onde eles são os protagonistas, tendo posição e tomando grande parte
da responsabilidade pela própria aprendizagem; fator essencial para
incrementar o conhecimento profissional, de si próprios e dos conteúdos,
teoricamente sustentado e pessoalmente assumido.
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Physical Education & Sport Pedagogy, n.12, v.2, p. 127-144, 2007.

AGRADECIMENTOS
Este capítulo enquadra-se no âmbito de um projeto científi co fi nanciado
pelo FEDER (Fundo Social Europeu) através do Programa Operacional
Fatores Competividade (COMPETE) e pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia (Portugal) no âmbito do projeto PTDC/DES/120681/2010
- FCOMP-01-0124-FEDER020047.

168
IMPORTÂNCIA DA COGNIÇÃO PARA O JOGAR DE QUALIDADE
NO FUTEBOL

Israel Teoldo

José Guilherme

Júlio Garganta

O SOFTWARE PARA O JOGAR: A importância dos aspectos


cognitivos para jogar com qualidade
Tu, em campo, parecias tantos, e no entanto, que encanto!

Eras um só, Nilton Santos

Armando Nogueira

A qualidade e a velocidade de jogo presente no futebol moderno


suscitam que as capacidades táticas e os seus processos cognitivos sejam
frequentemente solicitados, uma vez que, com a mudança constante das
situações de jogo ao longo do tempo, as ações dos jogadores necessitam
ser continuamente geradas, recriadas e reconstruídas através de um plano
de organização coletiva (MCPHERSON, 1994).
As soluções mais inteligentes e criativas ao jogo irão depender dos

169
ajustes temporais e espaciais das ações motoras dos jogadores ao contexto
de jogo, de forma a facilitar a correspondência entre as suas velocidades
física e mental (GARGANTA, 1999; RAMOS, 2006). Nesse prisma, os
jogadores devem ser capazes de observar, processar e avaliar as situações
de jogo, ao mesmo tempo em que têm de eleger a melhor solução para
surpreender o adversário tanto técnica, quanto taticamente (ALI, 2011).
Um lapso de tempo nessa tomada da decisão pode comprometer todo o
resultado da ação individual e coletiva. Por exemplo, um jogador que
no momento de recepção da bola se encontra em excelente posição para
finalizar a gol ou penetrar, se demorar a tomar a decisão, quando a executar,
mesmo que esta seja a resposta correta, já não será a mais ajustada ao
enquadramento temporal da situação.
Estudos científicos indicam que os jogadores com melhores
prestações desportivas possuem um conhecimento de jogo mais organizado,
capacidades perceptivas mais eficientes, reconhecimento de padrões de
jogo mais rápido e eficaz (WILLIAMS & WARD, 2003). Além disso,
eles possuem conhecimento tático superior, melhor capacidade de leitura
da situação, maior probabilidade de antecipação dos acontecimentos de
jogo, melhor conhecimento das probabilidades situacionais, capacidade
de decisão mais rápida e eficaz e habilidades técnicas mais bem apuradas
para corresponder às exigências táticas do jogo (LÁZARO & OLIVEIRA,
2002; WILLIAMS, HODGES, NORTH, & BARTON, 2006).
Resultados de pesquisas também têm indicado que a diferença
entre um bom jogador e um craque está presente, entre outros aspectos,
no conhecimento que ele tem sobre as ações dos adversários e dos
companheiros de equipe, que lhe permite tomar decisões, antecipar a jogada
e efetuar a melhor resposta ao jogo (BJURWILL, 1993; ROCA, 2011).
Desta forma, jogadores com conhecimento de jogo bem desenvolvido, que
lhes permitem realizar uma boa leitura de jogo, têm maior probabilidade
de se profissionalizar e, dependendo do desenvolvendo ao longo da
carreira, disputar torneios de maior qualidade técnica, como por exemplo:
a Liga dos Campeões, no caso de clubes, ou a Copa do Mundo, em caso
de seleção.
A importância do conhecimento e da leitura de jogo para o jogador
de futebol, pode ser percebida no relato que Milton Cruz fez sobre Kaká,
170
em 2001, impressionado com a facilidade que o meia tinha, desde as
categorias de base, em deixar os companheiros na ‘cara’ do gol: “Desde
pequeno, ele mostrava uma visão de jogo fora do comum... Sem dúvida
nenhuma, Kaká será um dos melhores jogadores de futebol do mundo.” E,
de fato, ele foi. Kaká foi eleito o melhor jogador do mundo em 2007, após
disputar a final com Messi e Cristiano Ronaldo.
Esta capacidade de perceber dentro do contexto de jogo o
companheiro de equipe mais bem posicionado e a melhor resposta a ser
dada para a situação – “leitura de jogo” - juntamente com a capacidade de
efetuar corretamente o passe, finalizar, driblar ou movimentar-se sem bola
- “escrever a resposta correta” - talvez sejam as principais capacidades a se
ter em conta na formação de um craque.
O desenvolvimento destas capacidades é importante, porque, no
que respeita ao subsistema organizacional do jogo, admite-se que os
jogadores devem ser capazes de reconhecer as variáveis presentes no
ambiente (jogadores, bola, balizas, árbitros, demarcações físicas, etc.)
e movimentarem-se em função de uma estratégia e organização tática
coletiva. Ao assumir essa necessidade de auto-organização coletiva, passa-
se a entender que a preocupação dos jogadores de futebol se centra, em
larga medida, numa movimentação orientada pelo modelo de jogo da
equipe que permite a gestão de todo o espaço de jogo. Essa preocupação
é legítima porque poderá exercer influência sobre outros componentes de
jogo como o tempo, a tomada de decisão e a execução da ação (BUSCÀ
& RIERA, 1999).
Neste viés, a equipe que estiver mais bem organizada e posicionada
em campo1 terá melhores condições de conquistar os seus objetivos, já que
poderá “manipular” a velocidade e a precisão das ações através da gestão
do espaço de jogo. Isso significa que a equipe que conseguir coordenar as
1
De acordo com Gréhaigne e Godbout (1995) a organização da equipe pode processar-
se a dois níveis (de jogo e de equipe) e em função das suas características estruturais
e funcionais. Em relação ao nível de jogo ela se estabelece em função das relações de
oposição e das linhas de força ofensiva e defensiva. Ao nível da equipe, ela se materializa
por meio da distribuição formal dos jogadores no campo de jogo, de forma a permitir redes
de comunicações e interações. Já em relação às características, enquanto as estruturais se
associam a aspectos espaciais do campo de jogo, as funcionais reportam-se às trocas,
regulações e reorganização dos elementos de jogo.
171
ações coletivas de ocupação dos espaços de jogo poderá reduzir o tempo de
reação da equipe adversária em uma determinada situação, obrigando que
a mesma jogue em “crise de tempo” e, consequentemente, diminuindo-lhe
a precisão nas ações. A aplicação desta organização conduzirá, então, ao
aumento dos erros cometidos pelos jogadores adversários, possibilitando a
recuperação da posse de bola com maior facilidade. Por outro lado, ao ter
a posse de bola, se a equipe conseguir ampliar o espaço de jogo efetivo,
dificultará a tarefa de reconquista da bola pela equipe adversária e terá
maior probabilidade de chegar ao seu objetivo.
Esta organização espacial pode ser evidenciada pelo padrão de jogo
que o F.C. Barcelona apresentou nos últimos anos. Com uma proposta de
jogo que priorizava e valorizava a posse de bola, a equipe do Barcelona
dirigida por Pep Guardiola, ditou o ritmo de muitas partidas e condicionou
as ações e movimentações dos adversários. Esta proposta de jogo foi tão
clara que nos campeonatos disputados entre 2008 e 2012 (Campeonato
Espanhol, Copa do Rei da Espanha, Liga dos Campeões, Mundial
Interclubes), a equipe do Barcelona sempre teve mais posse de bola que
todos os seus adversários, chegando, inclusive, a ter mais de 70% de posse
de bola na final do Mundial de Clubes em 2011.
É evidente que esta forma de jogar se torna mais “fácil” quando
uma equipe consegue reunir jogadores como Xavi, Iniesta e Messi, que
possuem boa capacidade de “leitura” e “escrita” de jogo. A organização
da movimentação destes grandes jogadores em sintonia com o modelo de
jogo da equipe, proporcionou ao Barcelona fazer história e ficar para a
história, assim, como Pep Guardiola previu quando disse aos jogadores:
“Vocês são os melhores se não ganham, mas se ganharem serão eternos”.
Mas o que fez a equipe do F. C. Barcelona, dirigida por Pep Guardiola,
ser tão diferenciada?
Esta não é uma pergunta tão simples de ser respondida, mas a certeza
que se tem é que a forma como o Barcelona concebe a dinâmica do jogo
de futebol confere um destaque especial aos aspectos táticos que, por sua
vez, implicam na disposição e na movimentação efetiva dos jogadores em
campo com base em princípios de um modelo de jogo. Sendo assim, a
movimentação de cada jogador possui uma relação direta com a unidade de

172
movimentação da equipe, que será ajustada em função dos acontecimentos
da partida e da compreensão de jogo por parte dos jogadores (COSTA,
GARGANTA, GRECO, & MESQUITA, 2011).
Outros fatores subjacentes ao rendimento esportivo como a
percepção, o conhecimento, o processamento da informação, a memória
e a tomada de decisão também assumem papel relevante para que esta
organização espacial em campo seja possível. Sem o desenvolvimento
destes aspectos cognitivos, a percepção tática destes jogadores não seria
tão apurada e a qualidade de suas respostas às exigências da situação de
jogo não seria tão elevada.
Partindo então do pressuposto que o desempenho dos jogadores
depende em primeira análise dos aspectos cognitivos, que são os principais
responsáveis pela busca e processamento da informação e pela tomada
de decisão, pode-se inferir que o rendimento superior está associado à
exatidão da seleção dos estímulos relevantes ao objetivo e à emissão de
uma resposta adequada à situação de jogo (ARAÚJO & PASSOS, 2007).
Na prática, toda jogada será avaliada pelos jogadores envolvidos em
busca da melhor solução. Assim, em uma arrancada rápida em direção
ao gol, o atacante deve avaliar a situação e as melhores possibilidades
de sequência ou finalização da jogada. Em casos onde o processamento
da informação está condicionado pelo tempo, os esquemas perceptivos
precisam funcionar com certo automatismo e todo o conhecimento do
jogador precisa estar disponível para favorecer a tomada de decisão. Nestas
horas, é comum dizer que os craques possuem “o faro do gol” e o “senso
da jogada”. Na verdade o que acontece, segundo Marina (2009, p. 68),
“...é que estes jogadores possuem uma habilidade muito bem desenvolvida
para processar de forma eficaz grandes blocos de informação compilada.”.
A partir desta habilidade o jogador, então, utiliza estes blocos informação
para sustentar a sua resposta à demanda do jogo.
Para explicar as formas como a informação pode ser tratada pelos
jogadores, os pesquisadores têm utilizado dois modelos esquemáticos:
o modelo sequencial e o modelo paralelo (vide figura 01) (NOUGIER,
1992).

173
Figura 01: Representação esquemática dos modelos sequencial e
paralelo do processamento da informação (NOUGIER, 1992)

No modelo sequencial postula-se que a informação só passa


de uma fase para a outra depois de ter sido tratada na fase anterior.
Assim, quanto mais complexo for o programa de ação mais tempo será
necessário para a mobilização da etapa relativa à programação da resposta,
consequentemente, isto irá requisitar um tempo maior para a tomada de
decisão (ALVES, 1990; TEMPRADO & FAMOSE, 1993).
Esse tipo de processamento é típico nas fases iniciais de aprendizado
do futebol, quando os jogadores possuem pouca vivência no esporte e
todos os estímulos presentes no contexto de jogo necessitam ser avaliados.
Além disto, a adoção de outro modelo de processamento pelos jovens
praticantes se torna mais difícil pelo fato deles terem maior dificuldade
em se concentrar durante um longo período de tempo e terem menor
capacidade para armazenar, conservar e evocar informações da memória
(TAVARES, 1994).
Em níveis mais elevados de performance também é possível verificar

174
que o processamento do tipo sequencial é adotado por alguns jogadores,
especialmente, em situações novas com nível de complexidade elevado
que dificultam a busca por informações relevantes e o manuseio de
grandes blocos de informação (MARINA, 2009; TAVARES, GRECO &
GARGANTA, 2006). Na prática, este tipo de estratégia de processamento
de informação pode acontecer quando um jogador das categorias de base
passa a treinar com a equipe profissional. Quando esta situação acontece,
o jogador que acaba de chegar na equipe profissional tem que se adaptar
ao ritmo de jogo e as nuances do contexto esportivo. E muitas das vezes,
devido à novidade e complexidade da ação, ele recorre ao processamento
da informação do tipo sequencial para poder assimilar a informação e
desempenhar o seu comportamento.
No modelo paralelo, as operações mentais são realizadas em processo
de cascata, ou seja, simultaneamente; contribuindo para diminuir o tempo
entre a percepção do estímulo e envio da resposta (MCCLELLAND,
1979; MILLER, 1988). Nessa perspectiva, a informação flui da unidade
perceptiva para a unidade da memória e, desta, para a unidade de decisão de
modo que a resposta possa ser produzida enquanto o estímulo externo está
ainda a ser filtrado pelo sistema perceptivo. Dependendo das exigências
da tarefa, a unidade de decisão pode ainda regular a informação até que a
resposta apropriada seja produzida (TAVARES, 1993).
Este tipo de processamento é comum entre os jogadores mais
experientes e de nível de rendimento superior, chamados de peritos, porque
eles conseguem manter o sistema perceptivo ativo por um período de tempo
mais longo e estão mais aptos a receberem novas informações (TAVARES
et al., 2006). Além disto, estes jogadores possuem um padrão de busca
visual mais apurado e reconhecem com maior facilidade as probabilidades
de jogo (ROCA, FORD, MCROBERT & WILLIAMS, 2011; WILLIAMS
& DAVID, 1998).
Em relação às fases de formação esportiva, a utilização do modelo
sequencial e do modelo paralelo de processamento da informação vai
acontecer conforme a evolução e avanço do jogador pelas categorias. Nas
fases iniciais é comum que o principiante adote o modelo sequencial, uma
vez que as crianças geralmente possuem um sistema de processamento de
informação menos eficiente que o adulto. Entretanto à medida que o jovem
jogador vai avançando pelas etapas e adquirindo mais conhecimento que

175
facilite no tratamento das informações, o modelo sequencial vai dando
espaço ao modelo paralelo, de forma a facilitar a tomada de decisão
(DURAND, 1987). O Quadro 01 a seguir mostra de forma sintética as
principais características e diferenças no processamento de informação
entre jogadores iniciantes e peritos (RIPOLL, 1987; ROCA et al., 2011).
Quadro 01: Características do processamento da informação entre
jogadores iniciantes e peritos (resumido a partir de RIPOLL, 1987 E
ROCA et al., 2011)
Jogadores Iniciantes Jogadores Peritos
A informação visual é pontual e
A informação visual é interrelacional. Ela
corresponde a um conjunto de
relaciona os diferentes acontecimentos.
acontecimentos.
A informação é tratada sobretudo A informação é tratada tanto pela a visão
na visão central. central e quanto pela visão periférica.

A visão central direciona-se tanto para a


Há maior fixação da visão central bola e o portador da bola, quanto para os
na bola e no portador da bola. espaços vazios do campo e para os demais
jogadores (companheiros e adversários)

A leitura dos diferentes A “leitura” é muitas vezes antecipada. O


acontecimentos é feita em ordem atleta coloca o seu olhar na direção precisa
cronológica das suas aparições. onde vai aparecer o acontecimento.

Um número importante de Só os acontecimentos mais pertinentes são


acontecimentos é analisado. analisados. O seu número é restrito.
O tempo destinado a consultar O tempo dedicado a consultar cada
cada um dos acontecimentos é acontecimento é longo. A informação é
curto. A informação é incompleta. completa.
O tempo total de análise é
O tempo total de análise é reduzido
elevado.
Apresentam um longo período
de tempo entre a recepção da A resposta é desencadeada durante a análise
informação e o desencadeamento da situação.
da resposta.
As respostas motoras são muitas
As respostas motoras são apropriadas.
vezes inadequadas.

Pesquisadores mostram que diferenças entre jogadores peritos e

176
novatos no processamento da informação podem também ser observadas
no número de fixações visuais e nas estratégias de controle visual2 (ROCA
et al., 2011; TENENBAUM, 2003). De acordo com as pesquisas, os peritos
durante o seu processo perceptivo conseguem direcionar melhor os pontos
de fixação da atenção e adotam estratégias de controle do contexto de jogo,
ao passo que os novatos realizam um número maior de fixações e adotam
estratégias de visuais que se concentram mais na bola e em seu portador.
A explicação para estas diferenças de estratégias visuais baseia-se
no fato de que os jogadores inexperientes, devido a pouca experiência
prática, precisam reconhecer aos poucos os estímulos ainda desconhecidos
do ambiente. Já os peritos, que possuem as representações da memória,
optam pela estratégia de controle do contexto, porque estão mais aptos a
perceber os objetos de forma conjunta e sabem onde estão as informações
essenciais para o rendimento (BEITEL, 1980).
Devido a estas características e a importância da estratégia visual para
o rendimento esportivo, estudiosos também têm defendido a importância
do treinamento da percepção para os sinais relevantes (ERICSSON &
KINTSCH, 1995). Para eles está evidente que um jovem praticante pode
traspassar da estratégia de controle do alvo para a estratégia de controle
do contexto através de treinamento e acumulação de conhecimentos
que permitem aumentar as representações e suas conexões lógicas e,
consequentemente, reduzir a carga no processo de informação, aumentar
a eficiência da percepção visual e simplificar o trabalho da memória de
longa duração para a emissão da resposta.
Percepção e Conhecimento: Fatores imprescindíveis à “boa
leitura”de jogo
Vemos com os olhos, mas
observamos com os conceitos!
2
As estratégias de controle visual podem ser relativas ao alvo ou ao contexto. A estrategia
de controle do alvo consiste em detectar alvos no campo de jogo até se encontrar um
que seja compatível com as representações da memória de longa duração; e a estratégia
de controle do contexto consiste em uma pesquisa (busca) visual sob o controle das
representações da memória que proporciona aumento do número de itens percebidos.
177
(Alain Berthoz)
De acordo com pesquisas o futebol está entre as cinco modalidades
esportivas com maior exigência visual (GARCÍA, RODRÍGUEZ, &
GARZÓN, 2011). A sua dinâmica de jogo suscita dos jogadores uma elevada
capacidade de percepção em função do número de estímulos disponíveis
no ambiente. Estes estímulos são classificados em elementos variáveis
e constantes de jogo que, por sua vez, são responsáveis por condicionar
a tomada de decisão e movimentações dos jogadores (vide Figura 02).
Assim, em cada lance o jogador tem mais de 30 estímulos ambientais
no qual ele deve destinar a sua atenção e coletar informações para a sua
tomada de decisão e performance. Dentre os elementos variáveis o jogador
deve atentar-se para o seu próprio movimento e para os movimentos da
bola, dos companheiros, dos adversários e dos árbitros. Estes elementos,
juntamente com os elementos constantes de jogo (campo, marcações do
campo, balizas, entre outros) formam a situação momentânea que requer
uma decisão por parte do jogador. A decisão tomada, por sua vez, irá incidir
sobre o próximo lance e sobre a percepção subsequente do jogador.
Por exemplo, um jogador que realiza uma ação de defesa respeitando
o princípio da cobertura defensiva, está direcionando grande parte da
sua atenção para o seu colega que faz a contenção e para o adversário,
portador da bola. Entretanto, ao mesmo tempo, ele também tem que se
preocupar com o espaço que ele ocupa no campo (principalmente se for o
último jogador de defesa – responsável pela linha do impedimento), com
as movimentações de outros adversários e com a sinalização do árbitro
principal ou assistente caso a bola seja “enfiada” buscando o jogador
adversário que fez uma ação do princípio de mobilidade de ruptura. Diante
de todos estes elementos, o jogador representa a situação em sua mente e
toma uma decisão, que poderá ser mais ou menos assertiva a depender do
julgamento de valores que ele tem da situação.
Figura 02: Os elementos percebidos no futebol

178
(modificado a partir de SCHELLENBERGER, 1990)

Desta forma, podemos dizer que a dinâmica do futebol exige do


jogador um processo perceptivo ativo de captação de informação e não,
simplesmente, de recepção da informação sensorial, implicando numa
elevada capacidade para descodificar os sinais do envolvimento, encontrar
soluções, perceber e corrigir os desacertos, fazendo do jogador um agente
ativo no contexto do jogo (GARGANTA, 2006). Ao ser ativo, o jogador
deverá atribuir significado à informação sensorial recebida, identificando e
comparando-a com acontecimentos passados de forma que possa processar
a resposta mais eficaz para a situação dentro do seu leque de possibilidades
conhecidas.
Esta capacidade de comparar acontecimentos atuais com experiências
passadas e processar respostas eficazes dentro de algumas possibilidades
irá depender do nível de conhecimento e da capacidade de memória do
jogador (CHI, 2006). Assim, apesar de todos os jogadores conhecerem e
terem explícito todos os elementos (variáveis e constantes) que merecem
atenção no jogo, a capacidade de “leitura” e “previsão” de ações será
diferente para cada jogador. Isto acontece, porque cada pessoa completa o
que vê com aquilo que sabe. A partir disto, ela interpreta as informações e
lhe dá significados. Por isso, nós nunca podemos ter certeza daquilo que

179
a pessoa vê, apesar de em alguns momentos, sabermos para onde ela está
olhando (MARINA, 2009).
Para exemplificar na prática a aplicação desta teoria nos recorremos
à finta de Pelé sobre o goleiro uruguaio Mazurkiewiscs na Copa de 1970.
Na partida entre Brasil e Uruguai válida pela semi-final
de Copa do Mundo 1970, Pelé corre em direção à baliza
adversária para receber um passe em profundidade, no espaço
livre entre os defensores. Tostão que estava no setor esquerdo
do campo, ao perceber a movimentação de Pelé, faz um passe
em diagonal para o setor direito do campo, próximo à área
adversária. O goleiro do time uruguaio percebendo o perigo
da jogada sai do gol. Segundo antes do ponto de interseção
entre os três (Mazurkiewisc, Pelé e a bola), no semi-círculo
da grande área, Pelé levanta velozmente a cabeça, percebe,
organiza e representa mentalmente a sua ação e, em vez de
dominar a bola e driblar o adversário – o que geralmente seria
esperado de qualquer atacante - ele passa por sobre ela e vai
buscá-la “nas costas” do goleiro uruguaio que fica surpreso
e sem possibilidade de ação. A ação de Pelé que também
deixa sem possibilidade de ação o adversário que vinha na
cobertura pelo lado esquerdo, o permite efetuar o chute ao
gol. Porém, para a infelicidade de milhares de espectadores
que acompanhavam a partida, a bola passa perto do segundo
poste e perde-se pela linha de fundo3.

Sobre esse lance, poderíamos fazer algumas perguntas como: O que


Pelé percebeu enquanto se deslocava em direção a baliza adversária? O
que Mazurkiewiscs percebeu na jogada que o fez ir em direção a Pelé, que
estava sem a bola? Em que aspectos se diferenciou a percepção do lance
destes dois exímios jogadores?
No que concerne as duas primeiras perguntas, apesar de não haver
registro que comprovem o que Pelé e Mazurkiewiscs viram naquele lance,
3
Texto modificado a partir do capítulo de livro Tavares, F., Greco, P. J., & Garganta, J.
(2006). Perceber, conhecer, decidir e agir nos jogos desportivos coletivos. In G. Tani, J.
O. Bento & R. Petersen (Eds.), Pedagogia do Desporto (p. 284-298). Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan.
180
iremos apresentar subsídios teóricos que nos permitam entender o porquê
Pelé agiu de uma determinada forma e Mazurkiewiscs de outra.
De acordo com estudos científicos a capacidade de apresentar soluções
a situações de jogo como esta vai depender da quantidade de conhecimento
específico aprendida pelo jogador durante as experiências vividas no
passado (DAMÁSIO, 2010; NICOLELIS, 2011; WILLIAMS & REILLY,
2000). Os conhecimentos que são formados pelos jogadores normalmente
são denominados de processual e declarativo (MCPHERSON, 1994). O
conhecimento declarativo relaciona-se com a capacidade do jogador em
saber o que fazer em determinada situação e é expresso pela capacidade
do atleta em declarar de forma verbal e/ou escrita o seu conhecimento
sobre determinado(s) conteúdo(s). Já o conhecimento processual refere-se
à capacidade do jogador em saber como fazer/realizar uma determinada
resposta no contexto de jogo e é manifestado pelas ações realizadas em
campo. A aquisição destes dois tipos de conhecimentos é importante,
porque durante a performance esportiva eles se interagem e servem de
sustentação para a tomada de decisão e elaboração de respostas assertivas
aos diferentes cenários de jogo (GARGANTA, 1997).
Na fase inicial, a aquisição do conhecimento passa por um domínio
que começa por uma forma declarativa pouco sofisticada (conhecimento de
princípios, vocabulário especializado, padrões, regras de ação) evoluindo
para uma forma processual mais sofisticada relacionada com os objetivos
e os princípios para a solução do problema (ABERNETHY, THOMAS,
& THOMAS, 1993; FRENCH & NEVETT, 1993). Posteriormente
e à medida que o conhecimento sobre o jogo vai se desenvolvendo, as
possibilidades de interação de tornam infinitas. De maneira análoga, é
como a alfabetização de uma pessoa. No início as tarefas e os pensamentos
são mais simples para, posteriormente, adquirirem uma complexidade
maior. Assim, certamente ninguém sabe o número de palavras que conhece
e nem sequer imagina a quantidade de frases que se pode construir com
elas (MARINA, 2009).
É desta forma que o conhecimento age sobre a percepção e a resposta
no contexto esportivo. Nunca se sabe quais estímulos irão aparecer no
jogo e quais respostas poderão ser construídas. Entretanto, quanto mais
conhecimento ou “vocabulário” tiver sido desenvolvido durante o processo
181
de formação, mas elaborada poderá ser a resposta em função da demanda
do jogo.
Tudo começa nos treinos e nos desafios que o jogador recebe.
Dentro da complexidade do jogo, a inteligência admite a pluralidade de
possibilidades e acredita existir aquilo que se deseja encontrar, mesmo que
não se esteja vendo a partida. A afinação da capacidade perceptiva é então
conduzida através das atividades que ajudam a definir aquilo que se quer
atingir: discernir diferentes comportamentos em um jogo. As atividades de
treino também ajudam o jogador a inventar a sua melhor resposta para a
situação, transformando-a (MARINA, 2009).
Inicia-se, então, um processo análogo ao da percepção normal:
o individuo precisa isolar e identificar algum aspecto do jogo: uma
aproximação, um passe, uma ultrapassagem, entre outros. No início,
as organizações parecem evanescentes, mas aos poucos elas vão se
reafirmando. Neste contexto, o jogador se vê impelido a adquirir um
vocabulário rico, onde os aprendizados, as inferências e os registros
na memória assumem elevada relevância. Tudo vai funcionar com um
sistema de produção. Durante a sua formação esportiva muitas coisas irão
acontecer e o jogador verá a solução de outros jogadores selecionando
a resposta mais eficaz. Neste momento ele ainda poderá ajustar os seus
conhecimentos e/ou reforçá-los. Todo o seu desenvolvimento vai depender,
para além dos aspectos externos, do seu interesse4 em melhorar, porque
será a partir dele que a realidade se tornará mais interessante e “lucrativa”
(MARINA, 2009).
É a partir deste processo que se constrói os “vocabulários” de
percepções e respostas para o jogo. As experiências que os jogadores vivem
durante a fase de formação esportiva é que determinam a profundidade
4
De acordo com Marina (2009, p. 75) “A palavra ‘interesse’, estreitamente relacionada
com a atenção, e submetida também ao vaivém de dois grupos de verbos de direções
opostas, enuncia de forma léxica um problema filosófico: o da objetividade dos valores.
‘Interesse’ significa ‘o proveito ou utilidade que se tira ou se espera de algo que se faz,
o lucro ou ganho, e muitas vezes se toma pelo próprio valor ou preço que uma coisa
merece’, diz o dicionário. Mas, se é assim, o que acontece quando ‘ponho interesse’ em
algo? Segundo a linguagem, não resta nenhuma dúvida: o sujeito põe em determinada
coisa o proveito ou utilidade que tirará dela. Surpreendente. A realidade não é interessante
em si mesma: ela alcança esta aristocracia do valor quando eu lhe concedo meu interesse.
Tiro dela aquilo que eu ponho.
182
deste conhecimento que, por sua vez, permite ao jogador dar diferentes
significados aos estímulos do ambiente e agir de forma inteligente e/ou
criativa (GIACOMINI & GRECO, 2008).
Desta forma, quando o jogador entra em campo, ele traz consigo
os seus conhecimentos, as suas habilidades e seus hábitos (MARINA,
2009). Por isso, que é possível constatar diferenças entre a percepção
de Mazurkiewisc e Pelé no lance em que os dois estavam envolvidos
diretamente. Pelé por ter tido acesso a conhecimentos sobre a movimentação
de um atacante durante a sua formação percebeu algumas possibilidades de
ação a partir do momento em que Tostão realizou o passe e que o goleiro
saiu do gol. Já Mazurkiewisc por ter recebido informações sobre as ações
de goleiro durante a sua formação percebeu outras possibilidades de ação
a partir do passe feito Tostão e pela movimentação feita por Pelé. Assim,
cada um foi capaz de responder a questão do jogo sobre a sua ótica e pelo
seu conhecimento adquirido.
Memória: Parte fundamental na criação de uma Identidade de Jogo
“Se não fosse a memória, todos

os caminhos seriam os mesmos!”

Será que Roberto Baggio alguma vez irá participar de uma cobrança
de pênalti sem se lembrar do chute para fora na final da Copa do Mundo
de 1994? Será que esta lembrança virá somente de situações semelhantes a
vivida (cobrança de pênalti)? Ou poderá vir em outros contextos?
Esta pergunta feita ao leitor pretende chamar a atenção para a
incrível capacidade que nosso cérebro possui para registrar e recordar
acontecimentos, quer queiramos ou não. De acordo com Damásio
(2010) os registros que o cérebro faz sobre as experiências vividas pelas
pessoas se tornam mais forte a partir do momento que o acontecimento
tenha sido emocionalmente relevante e que tenha abalado as escalas de
valor até então presentes. Uma vez registrado, as recordações do fato no
futuro podem ser invocadas a partir da representação de qualquer uma
das partes que a compõem. Assim, Baggio poderá lembrar-se do chute
para fora, não somente quando voltar a participar de uma cobrança de

183
pênalti, mas também quando ver algum jogo sendo decidido nos pênaltis,
especialmente, se for uma final ou se a seleção brasileira estiver envolvida;
quando alguém mencionar algo sobre a Copa de 1994 ou se ele voltar ao
estádio onde aconteceu a final, o Rose Bowl, ou até mesmo em contextos
externos ao futebol mas que propicie novamente a ele a sensação e/ou a
emoção vivida naquele momento.
Certamente, esta será uma das lembranças que Baggio carregará para
o resto de sua vida. Com o tempo, a recordação poderá desvanecer-se, mas
nunca será deletada da sua memória se tiver mudando as escalas de valor
vigentes da época e tiver tido um peso emocional muito grande, o que
acredita-se que tenha acontecido neste caso. Assim, conforme os preceitos
de Damásio (2010), o que é mais provável acontecer, especialmente se
a imaginação for criativa e teatral, é que esta cena seja recordada com
contornos de dramaticidade ou surrealismo, vindo passo a passo, a se
materializar pelo relato verbal das imagens e dos sons advindos da cena
que vem à mente.
De acordo Izquierdo (2011) a fidedignidade da evocação de fatos
ocorridos vai depender da quantidade de informações e estímulos a serem
apresentados à ele, porque estes estímulos serão responsáveis por conclamar
a ação o maior número possível de sinapses pertencentes aos estímulos
condicionados da memória. Se poucos estímulos forem apresentados, pode
ser que alguma informação importante para a recordação e interpretação
dos fatos não seja lembrada. Entretanto, se forem dadas dicas sobre o dia,
o horário, o local e as pessoas presentes, isto ajudará a pessoa a recordar e
a “reconstruir” os acontecimentos vividos.
Esta capacidade de evocação de vivências se reveste ainda mais de
importância para o contexto do futebol se for considerada nos contextos de
treino e de jogo, uma vez que as atividades ministradas no treino exercerão
a função de “peça-chave” na criação de bons “registros” no cérebro que,
posteriormente, serão importantes para o rendimento em jogo. O que se
quer dizer com isto, é que o treinamento adequado da movimentação dos
jogadores em função de uma possível ocorrência no jogo poderá favorecer a
recordação dos comportamentos que são evocados para o rendimento. Isto
é possível porque o cérebro registra além da estrutura visual do ambiente,
as múltiplas consequências das interações do organismo no ambiente.
184
Conforme aponta Damásio (2010), durante as interações do corpo com o
ambiente a nossa memória registra:
- Os padrões sensório-motores associados à visão do
objeto (como sejam os movimentos do olho e do pescoço ou
todo o movimento corporal, se for o caso):
- O padrão sensório-motor associado ao tato e à
manipulação do objeto;
- O padrão sensório-motor resultante da evocação de
recordações adquiridas anteriormente que são pertinentes para
o objeto;
- Os padrões sensório-motores ligados ao desencadear
de emoções e sentimentos relativos ao objeto.

Assim, quanto mais fidedignas forem as situações de treino com as


situações de jogo, maior será a probabilidade de os jogadores reconhecerem
padrões de movimentação e evocarem os comportamentos realizados
nos exercícios de treino e agirem com maior precisão e assertividade
na competição. Esta proximidade entre os contextos irá possibilitar a
apresentação de “dicas” sobre o comportamento a ser desempenhado,
propiciando maior tempo para a tomada de decisão e maior sincronia
entre a execução da resposta motora individual e coletiva. O resultado
desta conjunção de fatores entre o treino e o jogo irá possibilitar a equipe
aumentar o seu desempenho na competição.
Partindo do pressuposto apresentado por estudos em neurociência de
que nosso cérebro é capaz de criar mapas a partir das interações do nosso
corpo com o ambiente, pode-ser dizer que a sincronia entre as atividades
de treino e as demandas de jogo pode ser decisiva para o rendimento de
jogadores e equipes. Segundo Damásio (2010), a interação entre o corpo
e o ambiente circundante, provoca alterações nos órgãos sensoriais do
corpo, como os olhos, os ouvidos e a pele, que são mapeadas e registradas
no cérebro. De acordo com ele, as redes de neurônios imitam a estrutura
das partes do corpo as quais pertencem e a informação contida nos mapas
pode ser usada de forma não-consciente para orientar de modo eficaz o

185
comportamento motor em uma dada situação de jogo.
Por este motivo é importante que o contexto de treino seja rico em
atividades que possam promover bons “registros” no cérebro sobre a
movimentação que será requerida aos jogadores nos jogos. As vivências
de treino irão ajudar cada jogador a identificar os pontos chaves a serem
observados no contexto de jogo e extrair o seu significado, uma vez que,
cada um irá retirar as informações de maior interesse e utilidade. Isto
acontece porque cada fragmento de realidade que é percebido é completado
pela memória que a cada pessoa possui (MARINA, 2009). Nela estará
presente toda a coleção de mapas cognitivos que foram sendo construídos
pelas experiências vividas.
Desta forma a variedade de experiências oferecidas aos jogadores
através dos treinos, irá ajudar na criação e desenvolvimento contínuo de
mapas nos circuitos neurais. As imagens destes mapas, que muitas das
vezes são registradas de forma inconsciente na memória, favorecem o
processamento da informação, a tomada de decisão e a realização de ações
(DAMÁSIO, 2010). O resultado de uma habilidade adquirida muitas vezes
inconsciente e de repetições que normalmente o organismo “esquece”, é
a conservação do processo e das experiências visuais, táteis e cinestésicas
no corpo. Segundo Marina (2009, p. 92), seria “...como as parcelas de uma
soma que faço no quadro, quando as apago tenho latente o resultado, mas
as parcelas desta soma estão implícitas no total encontrado.”.
A Tomada de Decisão como aspecto fulcral para o rendimento
superior no futebol
A complexidade do jogo de futebol implica que a capacidade de
tomada de decisão seja um fator determinante para o sucesso das ações em
jogo. Segundo estudos, a cada 1,3 segundos o jogador é requisitado a tomar
uma decisão sobre algum aspecto do jogo (NETTLETON, SHOULDER,
& SMITH, 1984). Isto significa que durante uma partida, o jogador pode
tomar em média mais de 4150 decisões. Para se ter uma ideia sobre a
sobrecarga cognitiva que um jogador de futebol está exposto durante uma
partida, faremos um paralelo com os dados da tomada de decisão realizadas

186
diariamente pelas pessoas.
Pesquisadores estimam que uma pessoa toma em média entre 6000-
7000 decisões por dia. Ao fazer uma conta rápida, o jogador de futebol
realiza em 1,5 horas a mesma quantidade de decisões que nós no dia-a-
dia demoraríamos quase 16 horas para tomar. Este número mostra que a
sobrecarga cognitiva em uma partida de futebol é quase dez vezes superior
a sobrecarga cognitiva que nós temos diariamente.
Mas, isto é importante? Tem alguma implicação direta sobre o
rendimento do jogador e da equipe?
A resposta para estas duas perguntas é sim. A sobrecarga cognitiva
durante uma partida altera os padrões de trocas bioquímicas no organismo
do jogador e condiciona de forma decisiva a resposta fisiológica e motora
do jogador no jogo. Isto implica que o jogador poderá perder precisão nas
ações motoras, além de ter o seu desgaste físico aumentado, provocando
maior perda de líquido (aumentando a probabilidade de desidratação) e
contrações musculares excessivas que podem elevar a probabilidade de
lesão.
Assim, a melhor forma de se evitar estes malefícios da sobrecarga
cognitiva sobre o rendimento dos jogadores em jogo é preparar sessões
de treino que correspondam às exigências de uma partida de futebol. A
preparação adequada do treino, tomando em consideração não somente
a demanda física e técnica da sessão, mas também a demanda tática e
cognitiva irá propiciar uma melhor preparação dos jogadores para o jogo.
Neste contexto, o conhecimento de instrumentos de avaliação que poderão
ser utilizados para ajudar a conhecer e controlar as demandas cognitivas
dos treinos e de jogos se faz necessário. Assim, como os equipamentos/
testes utilizados para se controlar e balizar o treino físico, como GPS,
teste de velocidade, entre outros; existem testes de controle das demandas
cognitivas e táticas que podem ser utilizados com regularidade para
fornecer informações que ajudam na estruturação das sessões de treino e,
consequentemente, no melhor desempenho dos jogadores nos jogos.
A leitura e a identidade de jogo materializada na liberdade de

187
inter(a)ção a partir da Tomada de Decisão
Olhar é já ter decidido!
J.A. Marina (2009)

O jogo de futebol tem sido tratado como uma atividade de


elevada exigência cognitiva e organizacional, uma vez que, as decisões
tomadas pelos jogadores durante as relações de cooperação e oposição
criam novas condições de transição entre as configurações do jogo que,
por consequência, também influenciam a sequência da própria partida
(GRÉHAIGNE, BOUTHIER, & DAVID, 1997).
Dentre as exigências impostas pelo jogo ao jogador, a primeira que
se coloca corresponde ao local para onde se deve olhar para extrair as
informações (vide Figura 03). A partir do momento em que o jogador sabe
para onde olhar, ele vai focalizar a sua atenção e utilizar estratégias visuais
para extrair as informações mais pertinentes no menor tempo possível. Por
exemplo: Em uma situação de cobrança de pênalti o goleiro poderá utilizar
de pistas visuais para retirar informações importantes sobre a forma como
o adversário irá bater o pênalti. Segundo estudos, estas pistas podem
estar presentes nos ombros, no quadril e na perna de apoio do batedor
(WILLIAMS & DAVID, 1998). Neste momento é realizada a seleção das
informações mais relevantes para, posteriormente, processá-las e tomar a
decisão: saltar para o lado direito ou esquerdo, embaixo, em cima ou meia-
altura; ou aguardar a batida no centro do gol.
A partir da decisão tomada irá decorrer o início da ação e, se
necessário, a sua correção. Por exemplo: Durante a corrida para a bola,
o adversário tinha dado pistas que iria cobrar o pênalti com força e no
canto esquerdo, entretanto, no último momento (batida da bola) ele mudou
para uma cavadinha no centro do gol. Ao perceber esta alteração, o goleiro
muda a ação a ser realizada e, ao invés de cair no canto esquerdo, aguarda
de pé a batida no centro do gol. Como parte final deste processo, ocorre a
avaliação da ação e os feedbacks são registrados para servirem de subsídio
para a tomada de decisão em uma nova cobrança de pênalti, especialmente,
se envolver os mesmos jogadores. O modelo abaixo mostra de forma

188
sucinta todas as etapas acima descritas.
Figura 03: Etapas da tomada de decisão e suas relaçoes com os
processos cognitivos (TENENBAUM, 2003).

Este modelo sequencial para a tomada de decisão poderá ser


utilizado em muitas situações no futebol, principalmente, em atividades
de treino que não requerem pressão de tempo para o envio da resposta.
Entretanto, em situações mais complexas e que requerem uma tomada
de decisão mais rápida, torna-se necessário a adoção de modelos de
característica multifacetada que permitem que os mecanismos possam
operar sequencialmente, no caso de jogadores iniciantes, ou paralelamente
no caso de peritos (vide modelo da Figura 04).
Em uma primeira análise, este modelo multifacetado traz a ideia
implícita que se demora mais tempo para apresentar uma resposta ao
estímulo, devido à quantidade de relações que ele estabelece. Porém o
autor da proposta afi rma que o processo de decisão esquematizado no
modelo é rápido, fácil e efi ciente, porque as habilidades cognitivas estão
associadas às práticas vivenciadas e às experiências competitivas.
Desta forma, a quantidade de conhecimento de base acumulado
em treinos ao longo do processo de formação permite ao jogador usar
estratégias visuais que permitem a antecipação de acontecimentos que,
por sua vez, permitirá responder a tarefa no timing específi co, enquanto o
jogador mantém outras respostas para possíveis modifi cações no contexto.
189
O conhecimento de base também permite uma eficiente relação
entre a memória de trabalho e a memória de longo prazo que minimiza as
possibilidades de erro e maximiza a assertividade das respostas. O nível
emocional ótimo associado à auto-eficácia e à percepção de competência
é necessário para assegurar o processamento eficiente da informação e,
consequentemente, selecionar a resposta e executar a ação.
Figura 04: Modelo para tomada de decisão em esportes coletivos,
como o futebol (TENENBAUM, 2003).

190
Ao comparar os dois modelos apresentados, nota-se nesse último
uma maior contribuição dos processos cognitivos para a tomada de
decisão, uma vez que a atenção, a percepção, a antecipação, a memória
e o conhecimento (declarativo e processual) foram caracterizados como
processos importantes no modelo. Também foi contemplada, como
resultado da colaboração do sistema visual com a memória de longo prazo,
a capacidade do jogador em antecipar os acontecimentos de jogo, o que
permite uma resposta mais rápida.
Ressalta-se ainda, a divisão dos conhecimentos de base em dois
níveis – macro e micro – no qual o nível macro se refere aos planos de
ação e aos eventos correntes relacionados com os eventos armazenados na
memória de longo prazo; e o nível micro ao conhecimento que se relaciona
com as condicionantes externas e internas para a tomada de decisão.
Em especial, o micro-nível de conhecimento é fundamental para
a adequação e eficácia da tomada de decisão ao contexto de jogo, pois
uma decisão idêntica pode ser benéfica em um determinado momento e
poucos segundos depois pode ser maléfica para os objetivos da equipe e
do clube. Neste sentido, as condicionantes externas (condições, metas e
regulamento) irão fazer com que o jogador tome uma decisão com base no
risco e no histórico do jogo. Por exemplo: Em uma final de campeonato,
em que a equipe A tem a vantagem do empate para se tornar campeã, se um
atacante puxa um contra-ataque e ao chegar no campo ofensivo, percebe
que está em inferioridade numérica, ele poderá optar por segurar a bola e
aguardar a chega de mais companheiros ao invés de tentar um drible sobre
os defensores. Esta decisão será ainda mais potencializada se, por exemplo,
isto ocorrer quase no fim do jogo, ou se em outras jogadas atrás ele teve
uma oportunidade como esta e tentou o drible e o adversário puxou contra-
ataque quase marcando um gol, ou ainda, se a sua equipe nunca tiver sido
campeã e esta ação for a última ou penúltima de jogo.
Neste exemplo todas as condicionantes externas – condições (final de
jogo), meta (ser campeão) e regulamento (vantagem do empate) poderão
exercer influência sobre a sua decisão e ação. Por outro lado, se a sua
equipe estiver perdendo e estiver em busca do empate, o jogador poderá
tentar uma jogada que leve maior risco à equipe adversária, seja pelo drible
sobre os defensores ou pela aproximação e passagens de companheiros
191
que oportunizem sequência do lance em profundidade (enfiadas de bola,
tabelas, overlaps, entre outros). Neste caso, o jogador deverá levar em
consideração as duas outras condicionantes do modelo para a sua tomada
de decisão: ação e execução. Baseado nestas duas condicionantes internas
o jogador irá decidir pela melhor resposta a ser dada.
A análise destas duas condicionantes é tão importante quanto a das
demais, porque nenhum jogador poderá decidir acerca da execução de uma
habilidade motora na qual desconhece ou para a qual necessita de suficiente
capacidade de execução (TAVARES et al., 2006). Assim, se o repertório
motor deste jogador ou de seus colegas não constarem determinadas
respostas para o jogo, eles deverão evitar a opção pelas mesmas; ou seja,
se o jogador não sabe driblar, ele deve evitar esta opção como forma de
superar os adversários. Caso contrário, terá maior probabilidade de perder
a bola para a equipe adversária.
Após avaliação de todas estas condicionantes e das variáveis
descritas no modelo, a tomada de decisão do jogador poderá ser inteligente
ou criativa. A tomada de decisão inteligente é aquela que permite ao
jogador realizar uma ação que permite a equipe continuar com a posse
de bola e manter o objetivo da jogada. Já a tomada de decisão criativa
é aquela que além de ser eficaz para a equipe e o jogo, também mostrar
características inovadoras (DAMÁSIO, 2008; GRECO, 2006; MARINA,
2009; SAMULSKI & COSTA, 2009).
Como o intuito de explicar as implicações destes dois tipos de tomada
de decisão para da ação tática em esportes coletivos, Greco (2006) propôs
um modelo pendular, no qual a estrutura da tomada de decisão também se
alicerça em processos cognitivos. De acordo com o autor, as estruturas da
recepção e elaboração da informação assumem a posição de eixo de um
pêndulo em que os diferentes processos cognitivos ligados à tomada de
decisão se relacionam tanto horizontal quanto verticalmente, constituindo-
se no ponto de comunicação e troca de informações inerentes às estruturas
de recepção, de processamento e de decisão (vide Figura 05).
Figura 05: As três estruturas da tomada de decisão e suas interações
(Greco, 2009).

192
Nessa proposta a tomada de decisão passa a ser vista como parte
integrante da terceira estrutura do modelo responsável por determinar as
probabilidades de êxito que podem ser obtidos quando se considera certos
resultados e se avaliam as alternativas entre si. Além disto, esse modelo
concebe que a cada decisão novas recepções e elaborações simplificam
a busca de informações relevantes para a tomada de decisão, devido ao
fato de cada momento da decisão construir e reconstruir uma nova base de
conhecimento sobre o jogo (GRECO, 2007).
Outra concepção implícita ao modelo e também importante nas
ações esportivas está relacionada à capacidade de antecipação. Segundo o
autor as relações dinâmicas que se estabelecem entre as três estruturas que
tratam e lidam com a informação - recepção, elaboração e decisão – e os
conhecimentos técnico-táticos são fontes para se entender a antecipação
no esporte, segundo a teoria da modularidade da mente (FODOR, 1986).
Essa teoria pressupõe que os diferentes processos cognitivos ocorrem em
unidades características da cognição, o que facilita sua análise (elaboração
da informação) em paralelo. Ao entender que a cognição humana envolve
tratamento em paralelo5 fica evidente a capacidade do ser humano de criar
5
Segundo o conceito do modelo de processamento em paralelo, sempre que usamos
o conhecimento mudamos nossa representação dele, ou seja, a representação do
193
novas informações a partir de inferências e de generalizações, possibilitando
uma elevada versatilidade na utilização do conhecimento. Contudo, as
relações do conhecimento com a tomada de decisão são estabelecidas em
sentido de via dupla, onde se instituem condicionantes e facilitadores para
ambos os processos, modificando, criando e, ao mesmo tempo, recriando
as alternativas do sujeito para tomar decisões.
Diante destes três modelos de tomada de decisão apresentados, fica
claro que a estrutura do conhecimento adquirida através das experiências
vividas durante as categorias de base é muito importante para formar o
jogador independente para o jogo. Neste contexto, a participação ativa do
treinador/professor, principalmente nos treinos, é fundamental para que
jogador possa agir de forma inteligente e criativa nos jogos. As orientações
vindas do treinador devem ser suficientemente qualificadas e estruturadas,
de forma a não causar a “dependência” dos jogadores, especialmente dos
jovens jogadores, pelas suas orientações na lateral do campo no dia dos
jogos.
Neste sentido, o jogador deve ser preparado para ler a situação e
tomar a melhor decisão, baseado na identidade de jogo que foi construída
para a sua equipe. Nesta concepção, os princípios de jogo se revestem de
importância, uma vez que, eles possibilitam que as ações dos jogadores em
jogo se desenvolvam em um universo de possibilidades. Isto permitirá que
os “novos jogos” sejam criados dentro do próprio jogo e que os jogadores
se tornem cada vez mais capazes de por em campo os primores da sua
subjetividade sem perder a sua identidade com a equipe (FONSECA &
GARGANTA, 2006).
Neste âmbito, torna-se também importante que os treinadores
desenvolvam a independência dos seus jogadores nos treinos e que
os deixem agir durante os jogos. Somente, possibilitando a iniciativa
de leitura e de ação no jogo, é que os processos essenciais à tomada de
decisão e ao jogar de qualidade serão desenvolvidos. Nesta perspectiva,
os jogadores deverão ser incentivados a desenvolver padrões flexíveis de
comportamento que terão que atender aos aspectos invariáveis6 e variáveis7
conhecimento não é realmente um produto final, mas sim um processo (STERNBERG,
2000).
6 Os aspectos invariáveis se associam com as regras regras fixas (ordem e consistência).
7
Os aspectos variáveis se relacionam com a desordem e a variabilidade.
194
do jogo. Assim, é possível inferir que para se adquirirem padrões flexíveis
de movimento que melhor se adaptem às novas situações é necessário
proporcionar uma certa liberdade na escolha de respostas durante o
processo de aprendizagem, e encorajar os jogadores a explorarem as suas
potencialidades de movimento e soluções táticas. Quando se elimina
essa liberdade, tornando a aprendizagem demasiado dirigida, a ênfase é
colocada apenas no aspecto invariável da habilidade de jogo, contribuindo
para a formação de padrões de movimentação mecanizados e de baixa
adaptabilidade 8.
Adicionalmente, as estratégias de discussão e conversas com o
grupo sobre o posicionamento da equipe e/ou do adversário podem ser
muito benéficas para o desenvolvimento da consciência de jogo e melhoria
dos conhecimentos táticos. Através desta ação os jogadores poderão
compreender que treinar é muito mais que somente “replicar” as atividades
planejadas pela comissão técnica. Neste caso, treinar envolve uma
participação ativa e “pensante” sobre as atividades, onde a socialização
de conceitos, entendimentos e pontos de vista entre todos os jogadores e
membros da comissão técnica dará uma contribuição para a expansão do
conhecimento por parte de todos.
Através deste encorajamento de participação ativa dos jogadores, a
comissão técnica poderá conhecer novas possibilidades de realização de
exercícios, explorar possibilidades de mudanças/criação em função das
potencialidades e dificuldades apresentada(s) pelo(s) jogador(es) e, entre
outros, trabalhar o entendimento dos jogadores sobre um determinado
conteúdo de treino. De posse destas informações, o treinador poderá ainda
optar por metodologias de treino que provoquem no jogador a necessidade
pela tomada de decisão criativa e inteligente. Esta forma de conceber
o treino pode, conforme afirma Duarte Araújo9, levar os jogadores a
caminhos que nem o próprio treinador conhece e, como tal, nem imagina
como se pode se chegar lá e se o objetivo não será modificado no decorrer
do processo. Porém, o mais importante é que o treinador saiba como ajudar
8
Esta citação foi extraída quase que integra da página 44 do livro: Fonseca, H., &
Garganta, J. (2006). Futebol de Rua: um Beco com Saída. Lisboa: Visão e Contextos.
9
Esta afirmação de Duarte Araújo foi extraída da entrevista que o mesmo concedeu para o
livro de Fonseca, H., & Garganta, J. (2006). Futebol de Rua: um Beco com Saída. Lisboa:
Visão e Contextos.
195
o jogador a encontrar formas que podem ser muito divergentes das dele
para atingir os objetivos aos quais se propôs para a equipe e para o próprio
jogador.
O JOGO É MESMO PARA TODOS OS JOGADORES EM CAMPO?
A importância da inteligência e da criatividade para inventar “o jogo”
dentro do jogo
Para Mané Garrincha, o espaço de um pequeno guardanapo

era um enorme latifúndio.

Armando Nogueira

A epígrafe de Armando Nogueira refere-se a uma qualidade essencial


do futebol arte/espetáculo, a capacidade de ver os espaços em campo e se
“fazer multiplicar” neles. A última odisséia destas ocorridas em gramados
brasileiros ocorreu na 12º rodada do Campeonato Brasileiro da Série A de
2011.
O “roteiro de jogo” não poderia ser melhor. De um lado, o Santos
de tantas glórias e maior vencedor de Campeonatos Brasileiros. De outro,
o glorioso Flamengo de muitos títulos e de muito “peso na camisa”,
reconhecido até por Nelson Rodrigues como um time extraordinário que,
de tão extraordinário, não precisa jogar, “bastava apenas pendurar a camisa
no gol!” O palco, a Vila Belmiro, estádio onde Pelé encantou o mundo e
marcou muitos dos seus 1282 gols.
Com tanta tradição entre estes clubes, o tempo, por si só, já reservava
muitas histórias sobre estas equipes e seus confrontos. E a partida válida
pela 12ª rodada do Brasileiro, datada no dia 27/07/2011, não fugiu a regra
e entrou para a galeria dos grandes jogos que o torcedor tem a alegria de
ter participado.
O jogo em si foi magnífico, marcado por um duelo de grandes
craques, Ronaldinho Gaúcho pelo Flamengo e Neymar e Ganso pelo
Santos. Apesar do placar ter sido 5x4 para o Flamengo, não se via nenhum
santista a deixar a Vila Belmiro reclamando do jogo. O que se via era a
euforia dos torcedores em contar os acontecimentos épicos daquela noite
que, certamente, ficarão gravados nas suas memórias e serão relembrados
nas conversas com os seus filhos, netos e bisnetos.
196
De um lado Ronaldinho com toda sua magia, fazendo grandes
lances e cobrando uma falta por baixo da barreira, de forma consciente,
surpreendendo os adversários e marcando o gol. Do outro, Neymar e Ganso
que com as suas genialidades “construíam” um jogo particular dentro do
próprio jogo. Passe de “bicicleta” para o gol de Borges, gol de cobertura,
enfiadas milimétricas de bolas e dribles desconcertantes foram alguns dos
grandes lances vistos naquela noite.
Em especial, um lance de jogo que teve Neymar como protagonista
encheu os olhos de todas as pessoas que gostam do futebol arte. Quem
estava no estádio acompanhou boquiaberto o lance, quem assistia pela TV
teve a oportunidade de ver em tempo real, e aqueles que não viram o jogo,
mas que depois souberam da jogada, certamente, correram na internet e
viram o lance do craque que, posteriormente, ganhou o Prêmio Puskas
concedido pela FIFA.
De fato, o que mais pode ter deixado os torcedores surpresos foi
como um lance que tem origem em setor praticamente “morto” do campo,
e que normalmente, não resultaria em gol, tem um final tão apoteótico?
Ainda por cima, com uma solução tão criativa!?
O que será que Neymar pensou quando ele recebeu o passe de
Íbson, na intermediária ofensiva do Santos próximo a linha lateral? Neste
momento, Neymar estava marcado de perto por Williams e Léo Moura e
de costas para o gol. Neymar tinha a opção do passe para seu companheiro
Paulo Henrique Ganso, porém optou pelo drible, passando entre os dois
adversários e saindo em direção ao centro do campo e ao gol. Na sequência,
Neymar continuou marcado de perto pelos dois adversários durante o
deslocamento e, mesmo com uma opção mais segura de passe curto para
Paulo Henrique Ganso, optou por passar a bola para o atacante Borges
posicionado mais a frente fazendo um papel de pivô, que a devolveu com
um passe de primeira.
Faço uma pausa na descrição desta jogada para mencionar o que
neste momento, o narrador do jogo Luis Roberto, sem prever o que iria
acontecer a poucos segundos à frente, disse: “Que facilidade do Neymar!
Vai levitando o jogador do Santos!!”
Enquanto isto, no gramado, Neymar ao receber a bola novamente, e já

197
tendo se desvencilhado de dois marcadores, ainda segue acompanhado de
perto pelo Renato que, em seguida recebe o apoio de mais dois defensores
do Flamengo, Ronaldo Angelim e Júnior César, chegando a um total de três
quando Neymar e a bola se aproximam da meia lua da grande área. Tendo
como opção de passe os companheiros Elano pela direita e Borges pela
esquerda, Neymar optou por realizar um drible onde puxou a bola com a
perna direita e a tocou com a esquerda passando a bola pelo lado esquerdo
do zagueiro do Flamengo e indo pelo direito a sua frente, deixando os
adversários para trás e ficando frente a frente com o goleiro Felipe. Neste
momento, Neymar tinha duas opções: finalizar a gol ou passar para seu
companheiro Borges, que estava à sua esquerda, de frente para o gol após
a saída do goleiro. Ele optou por um toque sutil na bola tirando do goleiro,
marcando um golaço e entrando para a história.
Neste momento do gol, a narração de Luis Roberto registrou: Que
lance do Neymar..... Que Golaço!!!! Uma obra prima de Neymar número
11!!! E o comentarista Júnior, craque do Flamengo na década de 80,
completa: “O drible que ele deu no Ronaldo Angelim, puxando com a
perna direita e tocando com a esquerda e nesta velocidade, só gênio faz
este tipo de jogada.”.
Para além do drible de Neymar em Ronaldo Angelim, poderíamos
ainda destacar toda a movimentação dele e de seus companheiros que
permitiram que a jogada acontecesse; desde a ultrapassagem feita por Léo
pela esquerda, a puxada de marcação e passagem de Ganso pelo meio, até
o pivô de Borges e as passagens pela direita de Elano e pela esquerda de
Borges. Diante de um lance tão inovador, poderíamos perguntar: Como
teria sido possível construir toda esta jogada? Que fatores estão por trás de
uma jogada tão criativa?
Será que alguma vez Muricy Ramalho havia treinado esta
movimentação com sua equipe? Será que os todos os jogadores sabiam, ou
já teria combinado/treinado, para onde cada um tinha que se movimentar e
o que tinha que fazer para que esta jogada acontecesse?
Que visão Neymar teve no lance para ver além das possibilidades
“normais” de solução? O que de fato o faz diferente dos demais jogadores?
Ele já teria treinado ou planejado alguma movimentação parecida?

198
E o Ronaldinho Gaúcho, que sinais só ele viu que o permitiu cobrar
a falta por baixo da barreira, surpreendendo os adversários e marcando o
gol?
No domínio das Ciências do Esporte, estas são algumas das perguntas
que os pesquisadores tentam esclarecer através de estudos que envolvam
os fatores que alicerçam a inteligência e a criatividade de jogadores.
De fato não tem sido fácil encontrar resultados sólidos e específicos
da forma como a inteligência e a criatividade se manifestam e influenciam
os fatores de rendimento técnico e tático no futebol. As limitações das
pesquisas se residem, especialmente, na escassez de recursos financeiros
e de aparato tecnológico que permitam fazer uma avaliação válida das
variáveis que subsidiam os comportamentos criativos e inteligentes
em campo. Além disto, há também inúmeros debates e divergências
científicas a respeito do conceito e dos fatores que determinam/constituem
a inteligência e a criatividade.
Dentre as propostas vigentes, podemos destacar a de Bayó e
Roca Balasch (1998) que apresentaram um teste de orientação espacial
e temporal como medida indireta da inteligência desportiva, e o recente
projeto de pesquisa denominado: SIGA (Soccer Intelligent Game Analysis),
que consiste em um trabalho de aplicação de um sistema inteligente de
análise do jogo de futebol, a ser desenvolvido pela Faculdade de Desporto
da Universidade do Porto (FADEUP) em parceria com o Laboratório de
Inteligência Artificial e de Ciência de Computadores (LIACC) e o Instituto
de Sistemas e Robótica (ISR) da Faculdade de Engenharia da Universidade
do Porto (FEUP).
Enquanto as dificuldades se apresentam, os estudos realizados
sobre a concepção, natureza e medida da inteligência e da criatividade
têm apresentado alguns resultados de utilidade prática10 (ALVES, 2000;
COSTA, GARGANTA, FONSECA, & BOTELHO, 2002; GIACOMINI,
SOARES, SANTOS, MATIAS, & GRECO, 2011).
10
A utilidade prática para o indivíduo está relacionada ao diagnóstico dos seus potenciais e
das suas habilidades, com vista a aproveitar aqueles (potenciais) para ajudar a ultrapassar
estas (habilidades); e para a sociedade em propocionar melhor aproveitamento das
capacidades individuais, dadas a conhecer pelos intrumentos psicológicos, refletindo na
melhoria do bem estar geral e da qualidade de vida (ALVES, 2000).
199
Estes estudos têm sido realizados utilizando, principalmente,
questionários, escalas e testes de vídeo e de campo procurando associar
alguns comportamentos manifestados pelos jogadores e alguns fatores
cognitivos (atenção, concentração, percepção, memória, conhecimento e
tomada de decisão) a determinados traços característicos da manifestação
de inteligência e de criatividade no futebol.
No que diz respeito à associação de características da inteligência
esportiva com os aspectos cognitivos da concentração e da percepção
de jogadores, o estudo realizado por Carvalho (2000) indicou que os
jogadores de elite possuíam níveis superiores de inteligência e eram mais
rápidos para se atentarem e perceberem os estímulos relevantes de jogo.
Já o estudo desenvolvido por Mendelsohn (2000) indicou que o grau de
concentração dos jogadores é proporcional ao grau de responsabilidade
defensiva, portanto, sendo maior entre os defensores e menor entre os
atacantes.
No que refere à associação entre a inteligência e a criatividade
no contexto esportivo com o nível de conhecimento dos jogadores, três
pesquisas mostram resultados interessantes relacionados com os estatutos
posicionais, as categorias e o nível competitivo dos jogadores. Em relação
aos estatutos posicionais, Giacomini e Greco (2008) constataram que os
goleiros foram os jogadores que manifestaram comportamentos táticos
com menor nível de criatividade e inteligência, enquanto que os jogadores
de meio de campo foram os mais criativos em seus comportamentos táticos.
No que concerne às categorias, Giacomini et al. (2011) encontraram
resultados que suportam que os conhecimentos sobre o jogo progridem
serialmente e, portanto, os jogadores da categoria sub-17 foram mais
inteligentes e criativos em seus comportamentos táticos que os jogadores
sub-15 e sub-14, e, por conseguinte, também os jogadores sub-15 tiveram
melhores resultados de criatividade e inteligência que os jogadores da
categoria sub-14. No que diz respeito ao nível competitivo, os resultados
do estudo de Costa et al. (2002) indicaram que o grupo de jogadores
de nível competitivo inferior obteve melhores resultados nos testes de
inteligência geral, e que o grupo de futebolistas de nível superior teve
melhores resultados no teste de conhecimento específico do jogo.
Apesar de não ter sido realizado no contexto do futebol, o estudo
200
de Donders (1969) verificou a existência de elevada correlação entre
inteligência e a velocidade de processamento da informação. Já os estudos
de Weisberg (1999, 2004) e Ericsson (1996, 1998) mostraram que o
desenvolvimento e manifestação da criatividade têm uma relação muito
próxima com a expertise e que pode se dar de duas formas: através do
conhecimento específico sobre o tema/objeto ou sobre o conhecimento
geral muito bem desenvolvido, onde, segundo os pesquisadores, permitem
a transferência do conhecimento para uma nova situação.
A partir destes resultados é possível inferir que a inteligência e a
criatividade para o jogo de futebol são manifestações globais que envolvem
múltiplas habilidades cognitivas e que podem estar associadas com um tipo
especial de conhecimento sobre o jogo (DAMÁSIO, 2008). Neste sentido,
parece-nos sugestivo evocar os conceitos das inteligências múltiplas11
propostos por Gardner (1994, 2000) e reforçar os valores dos contextos
culturais específicos para o seu desenvolvimento e sua manifestação, uma
vez que, os resultados das pesquisas mostraram que existe manifestação de
comportamentos inteligentes específicos da posição do jogador no campo
de jogo. Esta constatação se potencializa ainda mais quando se verifica
que o conhecimento acumulado pelos jogadores é responsável por pelo
desempenho de comportamentos mais criativos e inteligentes. Seria então
plausível inferir a partir destas pesquisas que os conhecimentos repassados
pelos treinadores aos seus jogadores seriam os alicerces da manifestação
da inteligência e criatividade em jogo. Seriam, então, os conhecimentos
e as experiências acumuladas dos jogadores os responsáveis por guiá-
los nos contextos de jogo e a permiti-los ter um olhar criador sobre as
informações disponíveis e a inventar soluções inovadoras para os desafios
do jogo (MARINA, 2009; WISBERG, 2006).
Neste momento torna-se importante referenciar que, apesar de
possuírem algumas bases comuns, a inteligência e a criatividade possuem
algumas distinções. A inteligência estaria associada com a capacidade de
extrair informações do ambiente, manipular o conhecimento e responder
com sucesso uma determinada exigência do contexto de jogo (DAMÁSIO,
11
Inicialmente foram apresentadas sete inteligências: linguística, lógico-matemática,
espacial, corporal, musical, interpessoal e intrapessoal, posteriormente o autor acrescentou,
mais duas possíveis inteligências: a naturalista, que foi posteriormente confirmada, e a
existencialista, que até o presente momento se encontra em discussão.
201
2008; GRECO, 2006; MARINA, 2009). Já a criatividade envolveria
todos estas características da inteligência mais a habilidade do jogador
em desempenhar comportamentos originais e inovadores que visam a
obtenção do êxito no jogo (DAMÁSIO, 2008; GRECO, 2006; SAMULSKI
& COSTA, 2009).
Assim, toda ação criativa é inteligente, mas nem toda ação inteligente
será criativa. Para ser criativa ela deve manifestar traços de originalidade
e eficácia (EYSENCK & KEANE, 2007). Neste caso a eficácia do
comportamento é importante, porque se o comportamento do jogador não
tiver esta característica, ele não será caracterizado como criativo e, sim,
como original. Ter originalidade no comportamento envolve a produção de
idéias novas ou diferentes sem considerar se são úteis ou convenientes para
o contexto. Já a manifestação da criatividade envolve além da produção
de idéias originais, a sua utilidade e eficácia ao contexto (EYSENCK &
KEANE, 2007).
Para a distinção e aplicação destes conceitos na prática, convidamos
o leitor a relembrar do jogo Santos X Flamengo válido pela 12º rodada
do Campeonato Brasileiro da Série A de 2011. No lance premiado pela
FIFA, podemos associar o primeiro drible que o Neymar realizou, na
lateral do campo, com um comportamento inteligente de resposta à
exigência que a situação impunha, porque trata-se de uma resposta bem
sucedida às demandas do jogo naquele momento. Ele saiu de uma situação
desconfortável, próximo à linha lateral e com marcação dupla, e com
um drible deixa dois adversários para traz e ganha espaço para o centro
do campo e para a sequência do lance. O segundo drible, no zagueiro
Ronaldo Angelim, manifestou traços de criatividade, uma vez que, foi
original e eficaz para a conquista de espaço e a consecução do gol. Em
termos da movimentação tática, também é possível classificar todo o lance
como sendo criativo, porque para realizá-lo Neymar, como protagonista,
executou ações originais e sempre eficazes, ganhando espaço de jogo e em
direção ao gol do Flamengo.
Diante destas características, replicamos aqui uma frase de José
Antônio Marina que é um dos mais reconhecidos pesquisadores sobre a
inteligência e a criatividade. Segundo ele (2009, p. 169) “Inventar é fácil,
o difícil é acertar. Repetir é fácil, o difícil é inovar!
202
Para tentar responder a primeira pergunta que colocamos neste tópico:
“Como teria sido possível construir toda esta jogada?”, recorreremos a
resultados de pesquisas e às teorias de treinamento esportivo, inteligência
e criatividade vigentes na Ciência do Esporte e nas Neurociências para
subsidiar nossa explicação.
As teorias e os resultados de pesquisas têm indicado que o
desenvolvimento da inteligência e da criatividade é possível entre
todos os indivíduos, uma vez que, os processos cognitivos subjacentes
aos comportamentos inteligentes e criativos são semelhantes àqueles
utilizados em comportamentos da vida diária (EYSENCK & KEANE,
2007). Adicionalmente, os resultados têm indicado que as habilidades
cognitivas de pessoas criativas são diferentes da maioria da população,
provavelmente, porque elas vão se desenvolvendo na medida em que os
comportamentos inteligentes e criativos são requisitados (NICOLELIS,
2011; SELBY, SHAW, & HOUTZ, 2005).
No contexto futebol, o desenvolvimento da inteligência e da
criatividade de jogo é muito importante porque a todo o momento a ação
do jogador é modelada de forma estocástica às configurações espaciais da
partida, exigindo-lhe elevada implicação semântica nos vários cenários do
jogo, em busca continuada de interpretação do significado das situações de
jogo (GARGANTA, 2006). Assim, ao atuar de forma inteligente e criativa
no jogo, o jogador será capaz de corresponder a todas as situações com
as quais se depara e, às vezes, poderá modificar o decurso ou o resultado
da partida, fazendo uma movimentação ou executando lance inesperado à
equipe adversária.
Em relação ao desenvolvimento da inteligência, estudos longitudinais
indicaram ser possível se considerar a possibilidade de a inteligência
de uma criança poder ser modificada. De acordo com os resultados, a
inteligência é influenciada tanto por aspectos genéticos (genótipo) quanto
pela interação ambiental (fenótipo) (REUCHLIN & BACHER, 1989;
WILSON, 1983; ZONDERMAN, 1986).
Baseado em seus achados que mostraram grande correlação da
inteligência com os estímulos ambientais, Morais (1996) afirmou que a
inteligência é uma expressão fenotípica e que poderia ser desenvolvida

203
ao longo do tempo. Adicionalmente, Csikszentmihalyi (1990) um dos
mais reconhecidos investigadores do mundo sobre a criatividade também
afirmou ser mais fácil desenvolver criatividade das pessoas mudando as
condições do ambiente.
Diante dessas constatações e com base nos conceitos apresentados,
acreditamos que a inteligência e a criatividade de jogo possa ser otimizada
através das orientações e das atividades ministradas nos processos de ensino
e treino. Para isto, é necessário que os professores/treinadores tenham uma
concepção bem definida sobre o tema, uma vez que o modo como eles
percebem e interpretam a inteligência de jogo dos seus alunos/jogadores
influencia significativamente os aspectos didáticos e pedagógicos da aula/
treino.
Neste contexto do desenvolvimento da inteligência e da criatividade,
o conhecimento do conteúdo e do contexto torna-se imprescindível para os
jogadores, porque será a partir deles que algumas informações do ambiente
e da formas de manifestação da resposta serão conhecidas. Neste sentido,
quanto mais rica e variável forem as experiências dos praticantes, mais
amplo será o seu conhecimento e, possivelmente, mais variado será o seu
repertório de respostas (DAMÁSIO, 2003; MARINA, 2009).
Nas bases da formação esportiva, este conhecimento poderá ser
adquirido de forma implícita e explícita através das práticas sistematizada
e informal. A prática sistematizada assegurará, principalmente, o
desenvolvimento do conhecimento explícito do jogador através de treinos e
de intervenções do treinador, podendo, inclusive também assegurar através
de atividades planejadas o ganho de conhecimento implícito do jogo. Mas
a forma mais citada na literatura para o desenvolvimento do conhecimento
implícito do jogo é a prática informal. Inclusive, muitos profissionais
creditam ao futebol de Rua e ao Futsal uma relevante importância para a
formação de um jogador de futebol, principalmente nos primeiros anos de
prática. E de fato, estas são duas atividades ajudam bastante na formação
de jogadores, porque viabiliza, entre outros aspectos, horas prática do
esporte e variedade de vivências.
Assim, as experiências são importantes porque permitem desenvolver
um corpo de conhecimentos sobre a realidade de jogo. À medida que os

204
conhecimentos vão sendo desenvolvidos e adquiridos pelo jogador, a sua
visão vai tornando “mais nítida e profunda” sobre a realidade de jogo.
Esta maior nitidez e profundidade da visão irá se refletir em uma maior
sensibilidade/espessura do olhar para extrair significados próprios das
informações disponíveis no ambiente que, por sua vez, serão essenciais para
a construção de esquemas perceptivos e para o ajuste do comportamento
ao meio (MARINA, 2009).
Na medida em que o olhar sobre a realidade vai se tornando mais
espesso, o jogador consegue extrair mais informações relevantes do
ambiente e, portanto, mais conhecimento se adquire sobre um determinado
assunto ou situação. Em consequência deste processo, a sua probabilidade
de agir com inteligência no jogo se torna maior e o seu olhar para a realidade
se torna ainda mais investigativo, uma vez que, possuindo um corpo maior
de conhecimentos o jogador poderá fazer “mais perguntas”12 e direcionar
o seu olhar para as informações mais relevantes.
Pressupõe-se então que quando o olhar do jogador se tornar mais
“calibrado” para a sua realidade, mais condições ele terá para “retirar” os
seus próprios significados do ambiente e agir de forma inteligente. Assim,
agir com inteligência requer o comando apurado das atividades mentais
para ajustar a resposta ao contexto e permitir a transformação da realidade
(MARINA, 2009).
Neste viés e adaptando uma das frases de Marina (2009, p. 38) podemos
dizer que quando o olhar se torna inteligente, ele consegue estabelecer
mais relações entre estas informações disponíveis no ambiente, identificar
novos aspectos, inventar novos significados e reconhecer semelhanças
distantes a partir das vivências e do conhecimento adquirido. Assim, agir
com inteligência é ter a capacidade de organizar comportamentos e não se
ver compelido a agir em função dos acontecimentos.
Um jogador inteligente é aquele que tem uma maior liberdade de
ação, ou seja, ele consegue manter o último controle sobre o inicio dos seus
movimentos e raramente age por reflexo ou impulso (MARINA, 2009). Ao
vê-lo jogar tem-se a impressão que ele joga sem pressão de tempo para a
12
Para Marina (2009, p. 117) “a inteligência não é um sistema engenhoso de respostas,
mas sim um incansável sistema de perguntas”. Para ele, a atividade mais elevada da
inteligência é perguntar.
205
tomada de decisão. Para ele, o jogo parece ser visto e jogado de outra ótica
e com outra velocidade. Existem detalhes em campo que só ele consegue
detectar e a resposta a esta “leitura” do jogo, são ações diferenciadas
das dos demais jogadores em campo. Retornando ao jogo do Santos X
Flamengo, podemos constatar este tipo de comportamento em algumas das
ações desempenhadas por Paulo Henrique Ganso, Ronaldinho Gaúcho e
Neymar. De fato, a inteligência de jogo destes três jogadores contribuiu e
muito para o espetáculo que foi apresentado naquela noite de quarta feira.
Mas o que faz com que estes jogadores manifestem estes
comportamentos inteligentes em jogo?
A partir dos estudos realizados na área da Neurociência podemos
dizer que os jogadores conseguem rever mentalmente, de uma forma
mais ou menos deliberada ou automática, as imagens que representam as
diferentes opções de ação, os diferentes cenários e resultados para a ação
(DAMÁSIO, 2008). Assim, a partir das imagens registradas no cérebro,
os jogadores podem no momento do jogo escolher e otimizar, entre os
repertórios gravados, uma ação para ser executada em reposta à demanda
da situação.
O que caracteriza a fecundidade da inteligência destes jogadores é
a habilidade deles em manter ativada uma grande área da memória e a
capacidade de sustentar a atenção por um período de tempo mais prolongado,
de forma a extrair todas as possibilidades de solução, especialmente, se
estão sem pressão de tempo para enviar uma resposta (MARINA, 2009).
Este é então, segundo Marina (2009) um dos pontos que distinguem os
gênios do restante dos praticantes. Para o autor se os gênios
...conseguem prestar a atenção em um objeto durante muito
tempo é porque, para as suas mentes fecundas, qualquer
assunto parece sugestivo. Os temas vão se ramificando sem
fim e não existe nada tedioso e monótono. Qualquer coisa
é cheia de interesse e pode mantê-los absortos por horas e
horas.” (p. 85)

Assim, a genialidade destas pessoas é que as fazem manter atentos


ao objeto, e não a sua atenção que os torna gênios.
Desta forma, a construção da inteligência e da criatividade ocorre em
206
paralelo, que por sua vez, também permite alterar a realidade e propiciar o
surgimento de possibilidades de ação (MARINA, 2009). De acordo com a
proposta da psicologia cognitiva, as pessoas mais criativas são aquelas que
geram ideias antes de se pensar nos possíveis usos para elas (EYSENCK &
KEANE, 2007). Para que a criatividade aconteça torna-se imprescindível
se ter independência sobre a informação disponível, porque é a partir desta
habilidade que a pessoa poderá comandar a sua visão sobre a realidade e
estabelecer as suas próprias soluções.
Assim, podemos afirmar que o desenvolvimento dos processos
cognitivos subjacentes à inteligência e à criatividade é um fator
importantíssimo para “ampliação do tempo” entre a resposta e o estímulo.
Ao partir da premissa que ação ou movimento voluntário é definido pela
tarefa motora, pela intenção, pelo planejamento e pelas possibilidades de
movimentação pensadas/imaginadas, a mudança da organização mental
dos jogadores sobre a realidade de jogo, vai ser fundamental para o seu
rendimento esportivo na competição e no treino (DAMÁSIO, 2003;
MARINA, 2009)
A partir dos conceitos apresentados e realizando uma análise conjunta
dos resultados das pesquisas aqui apresentadas, parece-nos plausível
afirmar que a criatividade e a inteligência se possuem como alicerce comum
o conhecimento do conteúdo do jogo de futebol e da realidade no qual ele
está inserido. Esta constatação é importante, porque mostra que o caminho
para a formação de jogadores mais criativos e inteligentes passa por um
processo de treino rico em informações e experiências que permitam ao
jogador constituir o seu conhecimento sobre o jogo de futebol e obter o
melhor rendimento em treinos e competições (CSIKSZENTMIHALYI,
1990; SCHELLENBERGER, 1990).
Os avanços da neurociência já mostraram que o treinamento pode
mudar nosso cérebro. Praticar uma atividade seja ela tocar piano, teclar
no computador ou cobrar um pênalti, reforça as conexões celulares na
região cerebral que responde por aquela ação. Ao tratar especificamente
da realização de tarefas motoras, Damásio (2003) acrescenta que qualquer
atividade realizada pelo corpo produz uma alteração estrutural transitória
no corpo e que, a partir desta alteração, o corpo constrói mapas neurais
numa série de regiões apropriadas para este mapeamento. Por sua vez,
207
estas alterações irão que facilitar o desenvolvimento de automatismos
e, posteriormente, se transformar em imagens mentais serão utilizadas
para favorecer o processamento da informação, a tomada de decisão e o
desempenho esportivo.
Neste contexto, as atividades do treino podem ajudar a guiar o
comportamento do jogador e a torná-lo mais hábil e preciso. As atividades
também ajudam a construir, mesmo que de forma inconsciente, a
memória e os significados para cada situação de jogo (DAMÁSIO, 2010;
MARINA, 2009). Desta forma, o jogador vai evoluindo e constituindo a
sua inteligência e criatividade de jogo que serão importantes para além de
transformar as suas respostas no ambiente, transformar o seu entendimento
e visão de jogo.
Por ser assim, o bom treino é aquele que permite ao jogador transitar
do ver para o entender o jogo e do fazer para o saber fazer em campo.
Esta característica poderá ser atingida nos treinamentos se os treinadores
formarem os seus jogadores para serem livres para agir baseado nos
princípios de jogo. Isto irá implicar que jogador será livre para agir, sem
agir livremente. A partir deste tipo de formação as soluções individualmente
criativas também serão coletivamente inteligentes, porque os jogadores
irão aprender a organizar as suas movimentações em função das regras de
ação da equipe e dos princípios de jogo.
Neste viés, sugerimos que a inteligência e a criatividade dos jogadores
para o jogo de futebol comecem a ser desenvolvidas desde as camadas
mais jovens de forma que os automatismos tão necessários para a criação
livre possam ir sendo adquiridos à medida que o jogador vai avançando
nas categorias de formação. Além disso, é importante ressaltar que, como
as concepções de inteligência e criatividade de jogo envolvem aspectos de
foro pessoal, também é preciso que os professores/treinadores se atentem
para as individualidades dos jogadores no treino e nos jogos. Somente
uma concepção bem definida sobre estes conceitos irá facilitar a busca por
subsídios que propiciem a interrelação entre os aspectos cognitivos e os
comportamentos dos jogadores, de forma a facultar-lhes o desenvolvimento
da inteligência e da criatividade nos treinos e competições.

208
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215
216
O ENSINO DOS ESPORTES DE RAQUETE: UMA ATUAÇÃO
PEDAGÓGICA DIVERSIFICADA

Dra. Layla Maria Campos Aburachid, GEMEPE - UFMT

O presente texto aponta as generalidades e especificidade dos esportes


de raquete frente a diferentes formas de atuação pedagógica, levando-se
em consideração os objetivos de ensino no âmbito formal e não-formal.
Ressalta a transformação do ensino a partir das décadas de 1980 e 1990 e
as possibilidades de aplicação dos conteúdos por meio das características
pedagógicas para as dimensões do domínio do treino (geral e específica),
os estilos de ensino (dos reprodutivos aos produtivos), à motivação para
a prática, as formas de aprendizagem e as organizações de prática para o
desenvolvimento da técnica e da tática.
A transformação do ensino dos esportes de raquete
Os esportes de raquete se caracterizam pelo confronto direto com o
adversário de forma individual (1 X 1) ou em duplas (2 X 2) e, sua principal
característica é a interação entre as ações de ataque e defesa que podem
inverter-se rapidamente em função da possibilidade de transição: o contra-
ataque. Mesmo que o jogador de badminton realize uma sucessão de smash
(ação de ataque), seu adversário, estando bem posicionado para se defender,
pode contra-atacá-lo com um drop ou um lob (ações interpretadas como
defensivas). Xiang (1994) corrobora com o exemplo cima, pois afirma que
o ataque se embasa em uma defesa segura e esta se considera, em parte,
como a prévia condição do ataque. Portanto, define-se um jogador como
ofensivo por sua atitude de buscar exercer pressão sobre o adversário e
um jogador defensivo por resistir à pressão do adversário tentando levá-
lo ao erro ou surpreendê-lo com contra-ataques (ABURACHID, 2009).
Nos esportes de raquete, assim como nos esportes de invasão, no jogo, os
participantes desenvolvem ações caracterizadas pela sua intencionalidade
tática. A intenção tática está determinada pelos objetivos presentes na ação
em interação com o ambiente, portanto a ação nos esportes conceitua-se
como um comportamento tático intencional a partir de um ato ou uma
reação do indivíduo a condições externas (NITSCH, 2009).
217
O quadro 01 a seguir, distingue as modalidades de raquete pela
utilização de espaços e apresentação do jogo em simples e duplas.

Quadro 01: Esportes de raquete classificados por espaço e número


de participantes.
Espaço
Comum Separado pela rede
Separado
Nº de com o uso Comum e com o uso de
pela rede
de parede parede
jogadores

Frescobol ou
Simples
Matkot

Duplas Padel Tênis

Badminton
Tênis de
campo
Squash Tênis de
mesa
Raquetebol
Simples e Paddle Tênis
Tênis de 360ball
Frontennis
Duplas praia Plataform tennis
Paleta
Pickleball
fronton
Tênis real
Softtenis
Qianball

De todos os esportes citados no quadro 01, no Brasil, apenas sete


modalidades são mais praticadas e estruturadas, contendo confederações
nacionais como o squash, o badminton, o tênis de campo, de mesa e de praia,
o frescobol e o padel tênis. Com a globalização as informações da cultura
corporal no mundo passaram a ser acessíveis em qualquer localidade do
mundo. Por exemplo, o 360ball é um esporte inventado na década de 1980
na África do Sul e, apesar de sua jovem existência, jogadores de vários
países tem aderindo à sua prática.

218
Ao final da década de 1980 e na década de 1990 os livros de treinamento
esportivo foram traduzidos para o espanhol e o português tornando-se
referência nos cursos de educação física no Brasil. Entretanto, tais obras
classificavam os esportes como coletivos e individuais, não abordando
demais subclassificações. Nessa mesma época e estendendo-se um pouco
mais, os modelos de ensino nos esportes passaram por modificações quanto
às necessidades inerentes ao jogo. Tais modelos se embasaram em Almond
(1986), Moreno (1994) e Parlebás (2001) que propuseram classificações
praxiológicas dos esportes quanto às estruturas básicas do funcionamento
de jogo e de sua lógica interna, que são as características da situação
motora e suas consequências. Os esportes individuais foram subdivididos
em esportes de interação, com oposição direta como as lutas e os esportes
de raquete e sem interação, como o atletismo, a natação e o ciclismo. Estas
classificações geraram novos padrões de atuação pedagógica, contribuindo
para que novos modelos de ensino emergissem (METZLER, 2006).
No quadro 02 estão descritos os parâmetros que caracterizam
os esportes de raquete do ponto de vista da organização do jogo, do
regulamento, das vias energéticas predominantes, das capacidades físicas,
da técnica e da tática. Mesmo que os esportes de raquete tenham sua
especificidade, neste momento os parâmetros serão apresentados de forma
geral com os estudos encontrados na literatura.
Quadro 02: Parâmetros que caracterizam os esportes de raquete.
PARÂMETROS DESCRIÇÃO
Jogo praticado pelo confronto direto e estabelecido de
forma individual (1 X 1) ou em duplas (2 X 2). O objetivo
dos jogadores é marcar pontos rebatendo a bola/peteca na
meia-quadra do lado adversário, impedindo que a bola que
chega a seu campo quique por mais de uma vez (no tênis
de praia a bola no quica no chão e os golpes sempre são
executados através do fundamento de voleio; no squash o
Regulamentares
campo é comum e a bola e rebatida para a parede frontal).
As rebatidas são alternadas, quer dizer, mesmo jogando em
duplas, a bola é rebatida somente uma vez e para o campo
de jogo do adversário. As dimensões variam de acordo com
o esporte entre 1,37m de comprimento até 23,77m por 1,52m
de largura até 10,97m. A pontuação também se modifica de
acordo com a especificidade da modalidade.

219
De acordo com Docherty (1982), Cabello e González (2003),
Luz (2008) e Lees (2003) nos esportes de raquete o organismo
do jogador requisita tanto a via energética anaeróbia (lática
e alática) quanto da aeróbia. A frequência cardíaca oscila
Energéticos de 140-190 bpm, podendo, de acordo com Christmass et
al. (1998), König et al. (2001), Smekal et al. (2001), atingir
valores máximos acima de 200 bpm. O vo2max se enquadra
entre 43,7 e 65ml. kg1. min-1. A concentração de lactato varia
entre 1,7mmol.L-1 e 5,86mmol.L-1.

As capacidades motoras se manifestam da seguinte forma:


há resistência de força e força potência nas rebatidas, força-
velocidade nos deslocamentos, velocidade acíclica e cíclica de
movimentos. Há resistência específica ou anaeróbia (láctica)
na execução adequada de ações técnico-táticas segundo a
Motores
situação da competição. Há resistência aeróbia na recuperação
eficiente. Há velocidade de reação nos movimentos acíclicos e
agilidade. Há adaptabilidade na capacidade de aprendizagem
e na execução adequada dos gestos e coordenação de
movimentos em todas as ações técnico-táticas (LEES, 2003).

No estudo de Balbinotti et al. (2003), Aburachid e Greco (2008)


e Aburachid et al. (2013) os golpes se diferenciam entre golpes
de preparação (trocas consistentes de bola) e de definição
Técnicos
(paralelas e cruzadas com profundidade ou angulados, a
deixada, os golpes de aproximação à rede, passada, smash),
dependendo da especificidade da modalidade.

As ações táticas ocorrem de acordo com a fase de jogo.


Aburachid e Silva (2011) ressaltam que, de acordo com a
especificidade das modalidades de raquete, dificilmente se
definem os momentos de ataque e defesa, pois a situação pode
alternar de forma abrupta. No squash existem momentos de
Táticos
transição neutra, sem caracterizar ações de defesa ou ataque.
Griffin, Mitchell e Oslin (1997) apontam que os princípios
táticos do jogo são: iniciar o ataque para criar espaços no lado
oponente; iniciar o ataque para afastar o oponente das bolas e
defender espaços no seu lado da rede.

Por se tratar de esportes que exigem muita precisão e que


os jogadores atuam sozinhos ou no máximo em duplas,
Psicológicos
Samulski (2006) aponta que o nível de auto- cobrança é
elevado sucedendo situações que causam estresse.

220
As dimensões do domínio do treino
Os 17 esportes de raquete apresentados no quadro 01 são regidos
por regras diferenciadas e equipamentos específicos, entretanto trazem
consigo similaridades possíveis de serem exploradas por meio da aplicação
de modelos de ensino gerais, principalmente quanto aos conteúdos táticos.
As dimensões do domínio do treino tático dividem-se em específicas
ou gerais (RAAB, 2007). No domínio geral, o treino tático pode
contemplar diferentes situações, tornando-o amplo quanto aos conceitos
táticos semelhantes entre modalidades que visam proporcionar aos alunos
a transferência de conhecimentos de um jogo para o outro, desde que haja
similaridade entre os mesmos (ROTH; KRÖGER; MEMMERT, 2002;
KRÖGER; ROTH, 1999; 2002). Nos esportes de raquete os princípios
táticos básicos e semelhantes são: Ataque - criar espaços e pressionar;
Defesa - defender espaços e defender contra um ataque (GRIFFIN;
MITCHELL; OSLIN, 1997).
Um dos princípios do Teaching Games for Understanding (TGfU),
o modelo do Ensino do Jogo para a Compreensão, e suas variantes, visa
proporcionar aos alunos a transferência de conhecimentos de um jogo
para o outro, desde que haja similaridade entre os mesmos. Este método
se aplica à escola desde o ensino fundamental até o ensino médio. O
TGfU foi o primeiro modelo de ensino que relacionou a classificação dos
esportes, reconhecendo suas características situacionais quanto ao espaço
e a participação dos jogadores, para apoiar processos de transferência de
experiências. Entretanto, seu ponto fraco consiste no pouco aprofundamento
na aprendizagem tática em apenas uma modalidade classificando-o no
domínio geral. Porém, este claramente não é o foco do ensino dos esportes
na escola.
Em outro extremo, as situações de domínio específico se aplicam
apenas a um esporte, com decisões estreitas e a execução de apenas uma
técnica para se chegar à melhor decisão. Raab (2007) sugere a aplicação
do modelo SMART para se obter empiricamente resultados a serem
comparados com modelos que aplicam situações de domínio específico.
Antes do TGfU os modelos de ensino utilizados eram o analítico,
o global e o misto. O que diferencia os modelos anteriores dos modelos

221
de ensino a partir do TGfU é a inversão do paradigma da técnica para a
tática. Os modelos de ensino anteriores afirmavam que o aprendizado da
técnica deveria vir antes do aprendizado da tática, treinado-as de maneira
repetitiva até que fossem aplicadas em jogo formal. Na concepção em voga,
aprende-se a compreender o jogo taticamente, evoluindo sua complexidade
e aprimorando a técnica à medida de seu favorecimento no jogo. A técnica,
nessa perspectiva, é um módulo de aprendizagem que integra em unidades
a capacidade de perceber sinais relevantes (GRAÇA; MESQUITA, 2013).
Apesar do modelo global conceber o ensino dos esportes por meio
de jogos, neste ponto de vista pela tática, rapidamente promoveu-se sua
evolução para o modelo misto, que mantém em seu escopo o ensino de
técnicas antes da apreciação do jogo. Erroneamente, muitos professores,
assumiam que aplicavam os modelos analítico e global, alegando que, ao
final da aula, promoviam o jogo formal - o coletivo. Outros relatavam que
aplicavam o modelo misto, por ensinarem técnicas e depois aplicá-las ao
jogo. Porém, nenhuma das formas de aplicação acima é fiel à organização
sistemática estabelecida nesses modelos de ensino.
Com base na mudança de paradigma, a partir de 1980 os pesquisadores
se apresaram em verificar quais eram os melhores modelos para o ensino
de várias modalidades, desde as coletivas (futebol, rugby - modalidades de
invasão, beisebol - modalidade de campo, voleibol - modalidade de rede)
às individuais com interação (badminton, tênis, pickleball - modalidades
de rede, squash modalidade de parede). Entretanto, conforme Graça e
Mesquita (2013) e Aburachid (2015) os estudos não devem comparar o
desempenho de sujeitos após a aplicação de diferentes modelos de ensino,
pois um modelo não é capaz de sobrepor o outro, mas sim de integrá-
lo. Cada modelo de ensino carrega consigo características específicas que
podem contribuir para o processo de ensino-aprendizagem engajando-se
ao comportamento dos alunos e professores. Dessa maneira, os estudos
necessitam verificar os comportamentos dos alunos de maneira holística,
reconhecendo também o comportamento do professor e a estrutura de
prática, verificando ainda de que forma cada método de ensino poderá
contribuir para a aprendizagem. A proposta de aplicação de diferentes
modelos e/ou modelos híbridos de ensino também tem sido estimulada
pela comunidade acadêmica, uma vez que os resultados das pesquisas

222
são inconclusivos quanto à hegemonia de um modelo sobre outro (RINK,
2001; HASTIE; OJEDAB; LUQUINC, 2011; GRAÇA; MESQUITA,
2013; ABURACHID, 2015).
Os estilos de ensino e a motivação para a prática
O criador do espectro dos estilos de ensino, Muska Mosston,
considerou a classificação de um conjunto de estratégias de ensino
conforme um mapa que apresenta o relacionamento entre os estilos, seus
elementos, os padrões de comportamento de ensino e as suas conexões,
configurando uma estrutura unificada de ensino (MOSSTON; ASWORTH,
1978; MOSSTON, 1990). O processo de ensino requer uma sequência
de decisões tomadas pelo professor, que se diferenciam de acordo com
o estilo de ensino e as decisões tomadas pelos alunos acerca do modo de
aprender. Não se contrapõem, mas se complementam não buscando méritos
particulares em supremacia a qualquer um deles, podendo o professor usar
mais de um estilo em uma mesma aula ou em uma sequência de aulas.
Os estilos de ensino apresentam estratégias de orientação do
professor, cooperação entre professor-aluno e orientação pelos alunos,
ampliando seu espectro de reprodutivo para produtivo (KRUG, 2009). Os
dois estilos reprodutivos são o de “comando” e o de “tarefa”. No estilo de
comando o professor controla todas as decisões, desde o objetivo da aula
até as atividades a serem executadas. No estilo reprodutivo de tarefa o
professor, apesar de direcionar as ações, é menos rígido abrindo espaço às
perguntas, buscando a participação dos alunos.
Em contrapartida, os estilos produtivos incentivam os alunos a
descobrir caminhos, levando-os a resolver problemas. Os estilos aqui
citados são a descoberta guiada e a resolução de problemas. A descoberta
guiada tem como característica o apelo ao envolvimento cognitivo do
aluno, que, por meio de pistas (questões) lançadas pelo professor, encontra
as soluções dos problemas. O estilo de resolução de problemas caracteriza-
se por permitir ao aluno encontrar soluções diversificadas advindas no
meio atuante, previamente organizado pelo professor com esta finalidade
pré-determinada. Nesse estilo o professor tem o papel de incentivador,
orientador e facilitador do processo, e os alunos podem individualmente,
em duplas ou grupos chegar à solução de um mesmo problema de várias

223
maneiras.
Nos esportes de raquete, utilizou-se por muitos anos o estilo de ensino
de comando. Nos tênis, por exemplo, os jogadores apenas reproduziam
as rebatidas conforme o professor determinava. Nos treinos táticos, os
professores estabeleciam para os alunos que três bolas cruzadas deveriam
ser rebatidas com o intuito de desclocar o adversário ao máximo para fora
da quadra e após esta ação a última bola deveria ser na paralela.
“Ora, como o adversário já se encontra fora do centro da quadra
e está afastado do local da paralela e esta é uma bola mais curta em
distância, o ponto seria indefensável.” Certo ou errado? Errado, pois o
jogador adversário pode muito bem se recuperar das três primeiras bolas
e claro, dificultar a execução de golpes de seu adversário. Tanto no alto
rendimento quanto na base, os treinamentos atuais devem se utilizar de
situações de jogo, permitindo aos jogadores uma ampliação de percepções
para a melhor identificação de sinais relevantes. Os sinais relevantes
funcionam como um auxílio para a antecipação da tomada de decisão
e, em situação de definição no tênis, Aburachid, Cortela, Silva e Greco
(2013) indicam que os mais evidentes se relacionam com o adversário e
sua movimentação (418x) (48,2%), o movimento da bola (127x) (14,6%) e
o próprio jogador (219x) (25,2%), dentre 867 sinais determinados por nove
treinadores peritos.
Aburachid, Morales e Greco (2013) afirmam que o nível de
conhecimento tático declarativo está intimamente ligado ao nível de
percepção para se chegar a uma tomada de decisão correta. Em estudo com
111 tenistas juvenis, os autores supracitados encontraram alta correlação
entre a percepção e a tomada de decisão no teste de conhecimento tático
declarativo.
No badminton, existem diferentes escolas de ensino-treinamento no
mundo. Enquanto as escolas asiáticas (Japão, Indonésia, China) realizam
treinamentos exaustivos da técnica, as escolas Dinamarquesa e Inglesa
executam treinamentos combinados técnico-táticos e técnico-físicos.
O mesmo ocorre no squash, alterando-se os países: os treinamentos
são mais técnico-táticos nos países que compõem o Oriente-Médio e a
África, especificamente o Egito, e América do Norte (EUA e Canadá). A

224
América do Sul e Oceania realizam seus treinamentos apoiados na técnica,
acreditando que sua precisão e consistência sejam capazes de gerar bons
resultados.
Por mais estranho que pareca, ambas as organizações escolares
saem-se bem em campeonatos, o que comprova que diferentes modelos de
ensino são capazes de prover bons resultados. Contudo, ao retornar o foco
para o ensino formal, no âmbito escolar, determinados modelos de ensino
não terão serventia para a prática pedagógica na educação física escolar,
pois a motivação e engajamento dos alunos na realização das atividades
poderá de cair drasticamente.
Bem, porquê a motivação dos alunos e professores pode se
tornar uma variável determinante para alavancar o processo de ensino-
aprendizagem? Sabe-se que no processo da aprendizagem motora a
motivação para a prática e as experiências anteriores do praticante são
elementos que podem impulsionar ou afetr o resultado. Tani et al. (2004)
apontam o estabelecimento de metas, a organização da prática e o feedback
como variáveis que também influenciam significativamente o processo
de aquisição de habilidades motoras e, consequentemente, daquelas
habilidades específicas denominadas de técnicas.
O estudo de Morgan, Kingston e Sproule (2005) avaliou os efeitos
de diferentes estilos de ensino no comportamento do ensino-aprendizagem
que influenciaram o clima motivacional das aulas de educação física que
aplicaram o badminton como conteúdo esportivo. Conforme Ames (1992b),
o comportamento assumido de acordo com o estilo de ensino aplicado
está intimamente ligado ao clima de maestria motivacional. Estudantes (92
sujeitos) de duas escolas do Reino Unido, divididos em três grupos, foram
submetidos a 12 sessões interventivas sob os estilos comando, recíproco
e descoberta guiada. Os estilos de ensino foram escolhidos por apresentar
uma gama de estilos de ensino na sequência do mais reprodutivo para
o mais produtivo. Tendo como foco os alunos, os sujeitos do grupo de
descoberta guiada se sentiram motivados por aprender novas técnicas e
melhorá-las, apresentando interesse na aprendizagem, autoconfiança e
senso de satisfação. No estilo recíproco, os alunos tiveram prazer em tentar
diferentes formas de aprendizagem da técnica. Enquanto isso, no estilo de
comando, os alunos se sentiram limitados na aprendizagem.
225
Os estudos que realizaram intervenção pedagógica com badminton
(TJEERDSMA; RINK; GRAHAM, 1996; NYE, 2010; WALLHEAD;
HAGGER; SMITH, 2010) apresentaram resultados esperados para
indícios de melhora da motivação ao aplicarem modelos de ensino
com estilo produtivo, como o TGfU, o combinado (técnico + tático)
e o Sport Education. De acordo com a teoria da autodeterminação de
Ryan e Deci (2000), os resultados científicos encontrados apontam que:
podem acarretar em um aumento da motivação intrínseca. Foram eles:
a melhoria da participação no processo, a identificação de idéias como
desafio, a competição e interação social, o interesse na aprendizagem, a
autoconfiança e senso de satisfação, o compromisso com as aulas e com os
colegas e aumento da percepção do suporte autônomo, podem acarretar em
um aumento da motivação intrínseca.
Aburachid (2015) revelou a influência do nível de motivação dos
alunos sobre o efeito da evolução do desempenho da técnica e da tática
após a aplicação do modelo de ensino integrativo no badminton. A
elevação da motivação intrínseca explicou a evolução da aprendizagem
da técnica e da tática a elevação da motivação extrínseca explicou a
evolução da aprendizagem da tática ao final da intervenção. Este modelo
de ensino encaixa-se no estilo de ensino produtivo, em sua maioria de
solução de problemas. Ames (1992) sugere que, a fim de fomentar um
clima motivacional de aprendizagem, os professores devem se concentrar
em variedade, diversidade, novidade de tarefas e metas de trabalho criadas
para o progresso individual na aprendizagem.
As formas de aprendizagem
As formas de aprendizagem indicam processos que procuram
compreender como os indivíduos aprendem uma ação e de que forma ela
ocorre, sendo classificada como implícita ou explícita. A aprendizagem
implícita sucede quando o indivíduo aprende sem a intenção de aprender,
sem obter o conhecimento explícito sobre as estruturas de regras da situação.
Por exemplo, no programa de aulas do modelo integrativo do estudo de
Aburachid (2015), propôs-se aos alunos um jogo de badminton reduzido
em meia quadra. A conquista dos pontos se dava quando a peteca atingisse
as áreas logo à frente da rede até a linha de saque e do fundo da quadra; no
centro da quadra não valeria pontuar. Dessa forma, apresentou-se apenas
226
a regra do jogo, não explicitando a melhor posição em quadra para rebater
a peteca nesses locais, nem quais técnicas seriam as mais indicadas para
obter sucesso nesse contexto. Portanto, não se explicitou as regras e as
pistas situacionais, somente a regra do jogo.
A aprendizagem explícita ocorre em situação de produção de
conhecimento verbalizado e demonstrativo utilizando-se de treinamento
repetitivo de um mesmo movimento em um contexto. Ambas as formas
de aprendizagem se baseiam nas regras de contingência SE-ENTÃO da
aprendizagem da tomada de decisão nos esportes (RAAB, 2007). Estas
regras determinam que as decisões sejam tomadas mediante a percepção:
“SE percebo que meu adversário não retornou do fundo da quadra, ENTÃO
rebato uma peteca mais curta próxima à rede para dificultar sua devolução
e promover deslocamentos longos, evitando assim ser atacado”. Todavia na
aprendizagem implícita o jogador aprende estas regras jogando perante as
situações que se revelam e na aprendizagem explícita, o professor aponta
as pistas das situações pertencentes às regras de contingência, mostrando
as possíveis consequências das ações esportivas.
No contexto da aprendizagem motora, a aprendizagem de alguma
informação complexa sem a capacidade de saber conscientemente o que foi
assimilado é conhecida como aprendizagem implícita (MORAES, 2009).
As pessoas aprendem sem intenção e sem capacidade de articular com
clareza o que foi aprendido, quer dizer, sem conhecimento explícito sobre
o que foi aprendido. As regras aprendidas não podem ser verbalizadas,
uma vez que não estão acessíveis à consciência.
Em situações estressantes há indícios de que a aprendizagem implícita
é mais robusta do que a aprendizagem explícita, conforme evidenciado em
estudos de aprendizagem da tacada do golf e da rebatida do forehand com
topspin (MORAES, 2009). Ao levar em consideração a complexidade das
situações de aprendizagem tática nos esportes, Raab (2003) aponta que, no
handebol, a aprendizagem implícita resultou em melhores e mais rápidas
tomadas de decisões em situações de baixa complexidade, enquanto que
a aprendizagem explícita resultou em melhores decisões em situações de
alta complexidade.
A aprendizagem perceptual implícita tem sido proposta como

227
um mecanismo potencial demonstrada em vários tipos de decisões no
handebol (RAAB, 2003), e no retorno do saque no tênis (FARROW;
ABERNETHY, 2002). Neste estudo apontou-se que vídeos no treino da
percepção (aprendizagem implícita) resultaram em melhores predições da
direção do saque do que na aprendizagem explícita. No tênis de mesa,
Poolton, Masters e Maxwell (2006) chegaram a resultados semelhantes.
O estudo de revisão de Moraes (2009) define que uma das
implicações práticas relacionadas com a aprendizagem implícita é que
não há a necessidade de descrever detalhadamente a habilidade motora
a ser ensinada, uma vez que se aprende a realizar a mesma pela simples
observação. Além disso, o controle consciente do movimento produz uma
piora acentuada no desempenho motor, sendo considerada uma forma
ineficiente de controle.
As organizações de prática e de técnica
A organização da prática é uma variável que influencia o processo de
aquisição de habilidades motoras e, estudos conduzidos com base na teoria
do esquema mostraram que a prática variada-aleatória tem sido proposta
como a mais eficaz na aquisição de habilidades motoras do que a prática
constante (TANI et al., 2004, TANI et al., 2010).
Na maioria das vezes os tipos de prática aplicados ao ensino dos
esportes de raquete são a prática em bloco, no contexto do treino similar à
prática constante: os sujeitos executam e repetem somente um fundamento;
a prática em série: execução de mais de um fundamento ou a variação
do mesmo fundamento na mesma sequência; a técnica aplicada ao jogo:
permitindo a apreciação da qualidade da execução da técnica em situações
de jogo. Essas formas de organização de prática não determinam a forma de
aplicação dos modelos de ensino, mas sim são pertencentes aos modelos,
podendo variar durante uma mesma aula ou ao longo de um programa de
aulas.
A aprendizagem motora assume que a partir da análise da tarefa,
levando-se em consideração sua estrutura de sua organização (interações
entre os componentes) e sua complexidade (número de componentes)
define-se de que forma a tarefa, neste caso a técnica esportiva, deve
ser ensinada (SCHMIDT; WRISBERG, 2010). Além disso, o professor

228
deve reconhecer a natureza da habilidade-alvo e do contexto-alvo para a
execução de uma técnica.
As técnicas dos esportes de raquete são consideradas “habilidades
discretas” executadas de forma rápida. Logo, a natureza do contexto-
alvo expõe o sujeito sob pressão de tempo para executar o movimento.
Dentre as técnicas os saques do tênis de praia, tênis de mesa, dentre outros,
exigem coordenação bimanual na execução do movimento e, neste caso, a
interação entre os componentes aumenta (lançamento da bola e balanceio
da raquete). Entretanto, no ensino dos esportes não se permite realizar
esta análise como em situações de laboratório e determinadas formas de
aprendizagem neste contexto fechado não podem ser transferidas para o
contexto aberto do treino.
O exemplo do badminton, a técnica do clear (rebatida para o fundo
realizando uma parábola com a peteca) caracteriza-se por conter alta
organização e complexidade No treinamento, esta técnica pode ser ensinada
tanto por meio de prática parcial fracionada, segmentada e simplificada,
quanto pelo todo. O professor deve organizar o processo de aprendizagem
de acordo com o nível de aprendizagem de seus alunos, dando subsídios
variados para que sua aprendizagem se desenvolva e, no contexto das
aulas, as organizações de prática e de técnica são condicionadas ao modelo
de ensino escolhido a ser aplicado.
Em suma, o texto pretendeu expressar que diversos conceitos
pertencentes à atuação pedagógica devem ser reconhecidos pelos
professores no preparo das aulas de educação física escolar e também no
âmbito não-formal, em escolinhas para crianças ou treinamento em clubes.
Um bom professor deve encontrar respostas às questões que o circundam
antes os planejamento de aulas ou programas de treino como, por quê e
para quem ensinar? O quê e como ensinar? Onde e quando ensinar?
O quadro 03 exemplifica como as características pedagógicas se
organizam dentro de alguns modelos de ensino passíveis de serem aplicados
nos esportes de raquete. Enquanto os modelos de ensino Global, Ensino do
Jogo para a Compreensão (TGfU), Iniciação Esportiva Universal: Escola
da Bola (IEU:EB) e Integrativo utilizam o estilo de solução de problemas,
aplicando os conteúdos via formas de jogos os demais modelos (analítico e

229
misto) se focam em ensinar a técnica antes do ensino da tática. Tal decisão
também promove ajustes na organização de aprendizagem do movimento,
fazendo com que a tarefa (técnica esportiva) seja executada pelo todo.
Ao visualizar este quadro uma gama de possibilidades assinala para
novas maneiras de ensino dos esportes de raquete que, há 25 anos não
se pensava em fomentar. Um grande incentivo emerge atualmente das
federações internacionais de Tênis, Badminton, Tênis e Mesa que tem
assimilado diferentes processos de ensino e divulgado esse conhecimento
em seus cursos para professores atuarem com jogadores de nível iniciante,
até jogadores de alto rendimento. Ao atuar pedagogicamente e reconhecer
os conteúdos coordenativos, técnicos e táticos inerentes aos esportes de
raquete o professor poderá aplicar diferentes modelos necessários para o
ensino e úteis para a aprendizagem de seus alunos.
Quadro 03: Modelos de ensino e suas características pedagógicas
Atuação
pedagógi-
ca
Analítico Global Misto TGfU IEU:EB Integra-tivo
Modelos
de ensino
Domínio Especí- Geral/ Geral/ Geral/
Específico Geral
do treino fico Específico Específico Específico
+
+ Solução
Comando/ Descoberta Solução
de
Estilos de Solução de guiada de
Comando Solução problemas
ensino problemas problemas
de - Solução
- Estilo de
problemas de
tarefa
proble-mas
Formas de Explícita Explícita + Explícita + Implícita
aprendiza- Implícita Implícita
gem Implícita - Implícita - Explícita
Aplicada
por meio
De forma Coorde-
de estrutu-
De forma isolada Aplicada nação
ras funcio-
Ensino da isolada e Aplicada e combi- por meio de e habi-
nais; esta-
técnica combina- ao jogo nada e pequenos li-dades
bilização,
da aplicada jogos técnicas
variação e
ao jogo gerais
automati-
zação

230
Capaci-
Aplicadas Aplicadas
dades
ao con- ao con- Apoio de
táticas
texto dos texto dos JDIT, ca-
Aplicadas básicas e
Pouca pequenos pequenos pacidades
ao con- jogos pra
Ensino da aplicação jogos, jogos, táticas
texto de o desen-
tática no jogo jogos pré- jogos pré- básicas e
pequenos vol-vi-
formal despor- despor- capacida-
jogos mento da
tivos e tivos e des coor-
inteli-gên-
grandes grandes denativas
cia tática
jogos jogos
(JDIT)
A maior
parte é Aplicada Aplicada
Aplicada ao Aplicada
execu- ao jogo, ao jogo,
jogo, mas jogo, coor-
Organi- tada por mas tam- mas
Aplicada também denação e
zação de prática bém em também
ao jogo em bloco e habilidades
prática em bloco bloco e em bloco
série técnicas
e em série e série.
série gerais

Em partes
simplifica-
Por parte Pelo todo, da quando
fraciona- mas tam- se foca
Organi- bém em
da até na consis-
zação de Pelo todo bloco e Pelo todo Pelo todo
chegar tência do
técnica série
à prática movimento
pelo todo e pelo todo
em sua
maioria

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235
236
ANÁLISE DA PERFORMANCE ESPORTIVA COM FOCO NAS
CARACTERÍSTICAS PSICOSSOCIAIS: EM BUSCA DE UM
MODELO TEÓRICO

Lenamar Fiorese Vieira - UEM/PR

José Roberto Andrade do Nascimento Junior - UNIFAMA-PR

Andressa Contreira - UEM-PR

William Fernando Garcia - UEM-PR

Marcus Vinicius Mizoguchi - UFMS

Para analisar a performance esportiva com foco nas características


psicossociais, estamos construindo um esboço de um modelo teórico
(FIGURA 1), que se baseou nas fases de especialização motora de Krebs
(2007). Este modelo tem como referências as idades e as etapas de
desenvolvimento psicossocial no esporte (inocência, fixação, diferenciação
e decisão), com as principais características psicológicas evidenciadas
em cada fase (prazer e diversão, aprovação social, relação interpessoal e
autoconfiança).
Esse modelo apresenta as etapas, as quais, mais que estágios a
serem alcançados, são estruturas que envolvem o desenvolvimento das
características psicossociais das crianças/atletas nas diferentes fases da
formação/especialização motora. Isso significa dizer que a especialização
esportiva é um processo complexo, dependente da interação dinâmica entre
múltiplas variáveis, as quais são os fatores instigativos do desenvolvimento,
que podem afetar de forma positiva ou negativa os processos proximais
inerentes ao desenvolvimento esportivo (KREBS, 2007). Diante desses
aspectos, é importante observar que, ao longo da formação esportiva,
existem alguns períodos sensíveis ideais para a aquisição de novas
experiências, indicando que as capacidades necessárias para a execução do
movimento estão presentes e algumas características psicossociais devem
prevalecer no contexto da aprendizagem/prática e especialização.

237
O objetivo deste capítulo é empreender uma análise da performance
esportiva com foco no desenvolvimento das etapas e características
psicossociais que parecem se evidenciar no processo de especialização
esportiva e seu percurso rumo a um alto grau de desempenho motor.
Para tanto, apresentamos um modelo teórico (Figura 1) que vem sendo
delineado ao longo de nossa experiência profi ssional e esportiva.
Figura 1. Modelo teórico do desenvolvimento das características
psicossociais da especialização esportiva.

\ \

ETAPA DA INOCÊNCIA: PRAZER E DIVERSÃO (6-10 ANOS)


A etapa denominada de inocência é uma estrutura com baixo grau
de organização, signifi cando que todos os elementos que constituem uma
atividade têm pouca relação uns com os outros, tendo como foco desenvolver
um repertório motor variado, que inclua os movimentos locomotores,
manipulativos e estabilizadores (KREBS, 2007; GALLAHUE, 2000).
Nesse sentido, a variabilidade de experiências motoras durante a infância
é considerada extremamente importante para o desenvolvimento global
da criança (HARTER, 1978; GALLAHUE; OZMUN, 2005; VILLWOCK;
VALENTINI, 2007).
Essa etapa é considerada a idade da inocência, tanto para quem
pratica esporte (que tenta fazer tudo o que o professor ministra) como para
238
quem ensina (apresenta muitas dúvidas sobre o que ensinar). Tal situação
deve ser examinada com cautela pelos professores de Educação Física,
instrutores e treinadores esportivos, uma vez que a prática de atividades
motoras inadequadas e exaustivas pode ocasionar consequências negativas
ao desenvolvimento motor e psicológico das crianças, levando-as à
desistência das atividades (GALLAHUE; OZMMUN, 2005; SOUZA,
2006; VILLWOCK; VALENTINI, 2007; VERARDI; MARCO, 2008).
Vale a ressalva de que, nesse momento, o praticante caracteriza-
se por um senso rudimentar de competência, de modo que este realiza as
atividades por prazer, alegria e diversão e, portanto, esses aspectos devem
ser evidenciados no desenvolvimento das atividades ofertadas nesse
período. Conforme destacado por Harter (1982), as pessoas vêm ao mundo
possuindo capacidades de experimentar o divertimento que suas próprias
ações podem causar, sendo esta capacidade universal e extremamente
adaptativa. Todavia, à medida que as crianças crescem e se desenvolvem, as
diferenças individuais para se envolverem em atividades ou manifestarem
diversão devem ser consideradas. Desse modo, criar ambientes positivos
para a aprendizagem é fundamental para proporcionar às crianças o gosto
pela prática (VIEIRA, 2007).
Diversas investigações apontam que a vivência de uma diversidade de
habilidades motoras proporciona melhores condições para a aprendizagem
das habilidades específicas do contexto esportivo (GALLAHUE; OZMUN,
2005; HARTER, 1982; SOUZA, 2006; WILLWOCK; VALENTINI, 2007;
VIEIRA et al., 2009; SLUTZKI; SIMPKINS, 2009). Dessa forma, dos 6
aos 10 anos, as crianças devem ser encorajadas a desenvolver os padrões de
movimentos fundamentais em detrimento dos movimentos especializados
(GALLAHUE; OZMUN, 2005; VIEIRA, 2007).
Sabe-se também que o tempo gasto em diferentes atividades
esportivas propicia à criança oportunidades para a aquisição da
competência esportiva (SLUTZKI; SIMPKINS, 2009) e, por sua vez, o
desenvolvimento do autoconceito e da autoestima (CAROLL; LOUMIDIS,
2001; SLUTZKI; SIMPKINS, 2009). Ainda, as experiências motoras
infantis determinarão a competência esportiva, a qual será essencial
para o estabelecimento de critérios para avaliar sucessos e insucessos,
aumentando, assim, a competência percebida (HARTER, 1978). Nessa
239
perspectiva, pesquisadores têm verificado que a positiva percepção de
competência esportiva tem forte relação com o aumento da autoestima
durante a infância, o que contribui para sua permanência nessas práticas
(WILLWOCK; VALENTINI, 2007; SLUTZKI; SIMPKINS, 2009;
MARRONI, 2009; VIEIRA et al., 2009).
Estudos recentes sugerem que o ambiente de diversão e ludicidade
também é um fator crucial para determinar a motivação intrínseca a
longo prazo e a continuidade esportiva (CAROLL; LOUDIMIS, 2001;
BERLEZE; VIEIRA; KREBS, 2002; SLUTZKI; SIMPKINS, 2009), visto
que a criança estará mais inclinada a participar de atividades esportivas
se sentir prazer durante a prática (HARTER, 1978; BERLEZE; VIEIRA;
KREBS, 2002).
Nesse contexto, quanto mais positivo for o ambiente, maiores serão
as possibilidades de algumas dessas crianças chegarem posteriormente
a níveis mais elevados de rendimento, ao passo que outras se manterão
ligadas a uma prática esportiva que apresente formas mais recreativas e que
favoreçam a saúde (ORLICK, 1999). Além disso, sabe-se que o julgamento
que as crianças fazem sobre suas habilidades em um contexto particular
(prática esportiva) se refere a sua apreciação nesse contexto (HARTER,
1982), contudo também se reflete em sua participação voluntária em outros
ambientes (fora da escola, por exemplo).
Nesse momento de formação, o encorajamento positivo torna-
se fundamental, tanto pelo suporte familiar quanto dos grupos sociais.
É necessário estar atento aos diferentes contextos nos quais a criança
está inserida, principalmente o familiar, considerando que tal ambiente
exerce influências significativas, sendo estas positivas ou negativas no
desenvolvimento do indivíduo (SIMÕES; BÖHME; LUCATO, 1999;
BERLEZE; VIEIRA; KREBS, 2002; VERARDI; MARCO, 2008;
ZUMÁROVÁ, 2015). As ações dos pais são determinantes para o
estabelecimento de uma experiência positiva dos filhos no esporte. De
acordo com Fredericks e Eccles (2004), os pais se envolvem de forma
pronunciada na vida esportiva dos filhos e desempenham diversos papéis,
tais como o de técnico, motorista, financiador, espectador e chefe de
torcida. Assim, o incentivo e o acompanhamento dos pais para a prática
esportiva de seus filhos constituem fatores determinantes de prazer e
240
de satisfação para as crianças (SIMÕES; BÖHME; LUCATO, 1999;
BRAUNER, 2010; VIEIRA et al., 2013). Em contrapartida, a cobrança
dos pais por desempenho e resultados não pode ser um fator preponderante
durante essa etapa da formação esportiva infantil, uma vez que a exigência
precoce por resultados tem sido apontada como uma das principais razões
que levam ao abandono esportivo (KREBS, 2007; VERARDI; MARCO,
2008; ZUMÁROVÁ, 2015).
Csikszentmihalyi (1997) sugere que a segurança, a alegria, a energia
e a clara colocação de objetivos são essenciais no ambiente familiar no
qual o indivíduo vive, aumentando as chances de refinar suas habilidades
progressivamente. Essa rede social que se forma a partir do envolvimento
da criança em vários contextos deve ser percebida pelo treinador como uma
força que poderá afetar de forma positiva ou negativa o comportamento,
não apenas da criança, mas do próprio treinador.
Por fim, o mais importante na fase de inocência é a criança apreciar
a participação nas mais diversas atividades motoras, aprender as regras e
as estratégias de jogo, ter uma formação multivariada, além de adquirir os
padrões fundamentais de movimento.
ETAPA DA FIXAÇÃO: APROVAÇÃO SOCIAL (11-14 ANOS)
Nessa segunda etapa, a estrutura sofre uma modificação, uma vez
que agora a atividade está orientada a partir da ideia do movimento, o
qual requer elaboração de um plano motor (KREBS, 2007). Essa etapa é
apontada como a idade da fixação ou idade de ouro da aprendizagem. A
ênfase nesse momento deve ser nas diferenças individuais e na avaliação em
relação aos próprios progressos e o foco deve recair sobre a internalização
de padrões de competência e a aprovação social do grupo.
Dessa forma, jogar é uma meta intrínseca que o adolescente
estabelece pelo prazer da prática. No momento em que tenta superar os
outros e, assim, satisfazer sua necessidade de aprovação social, meta
extrínseca, já que deixou de jogar por prazer e começou a praticar o esporte
com o intuito de competir (HARTER, 1978; GALLAHUE; OZMUN,
2001; BERLEZE; VIEIRA; KREBS, 2002). Por ser uma fase de formação
de novas amizades e grupos sociais, crianças e adolescentes atrelam a
participação e a continuidade esportiva ao ambiente vivenciado durante

241
a prática esportiva (HARTER, 1982; BOGGIANO; PITTMAN, 1992;
ALTERMATT; POMERANTZ, 2003). Nesse sentido, elogiar e encorajar
os jovens que fazem as coisas certas e desenvolver expectativas realistas
são algumas diretrizes importantes do treinamento para essa faixa etária
(BRAUNER, 2010).
Os motivos que levam os jovens a continuarem no esporte resultam
da combinação de múltiplos atributos sociais, ambientais e individuais
que determinam a opção por uma modalidade específica, a persistência
em sua prática e o envolvimento em treinos mais intensos na busca de
alto rendimento (WEINBERG et al., 2000). Estudos anteriores relatam
que os motivos subjacentes à prática de esportes são bastante variados e
que, embora seja possível identificar motivos comuns para todos, estes se
modificam em função da interação entre sexo, idade e contexto sociocultural
em que o jovem está inserido (BRONFENBRENNER, 1996; KREBS;
COPETTI; BELTRAME, 2000; CECCHINI; MÉNDEZ; NUÑIZ, 2002).
A identificação dos motivos associados à prática de esporte
possibilita ao profissional de Educação Física e aos treinadores delinear
ações de maneira mais eficiente com o intuito de promover um clima
motivacional favorável e permitir aos jovens atletas maiores oportunidades
de alcançar suas metas (DUDA; BALAGUER, 2007; MESQUITA,
2012;), otimizando, desse modo, as chances de permanência no esporte
e, consequentemente, reduzindo a probabilidade de abandono (GUEDES;
SILVÉRIO NETTO, 2013).
Assim, a comunicação torna-se um elemento determinante e que
deverá ocorrer de forma positiva a fim de favorecer o desenvolvimento da
motivação para a prática e da autoconfiança dos praticantes (KORSAKAS,
1997). A informação deve ser curta e simples, destacando sempre os aspectos
bem executados da tarefa e aqueles que ainda poderão ser conquistados
(VIEIRA, 2007). Para Orlick (1999), seja qual for o caminho utilizado
para ajudar a criança e o adolescente a acreditarem em si mesmos, este
deve partir da ideia de que todos podem melhorar as suas performances se
conseguirem se manter na atividade e se esforçarem para melhorar.
Investigações têm apontado que indivíduos que percebem a
si mesmos como bem-sucedidos também acreditam em sua própria

242
competência, ao passo que sentimentos de fracasso são associados com
a percepção de que não têm possuem competência (HARTER, 1978;
HARTER, 2001; VILLWOCK; VALENTINI, 2007; BRAUNER, 2010).
Dessa forma, o papel dos treinadores e pais como agentes do processo é
fundamental, uma vez que o gosto pela competição já se evidencia nessa
etapa.
Os treinadores devem ser razoáveis nas exigências em termos de
tempo, energia e entusiasmo aos praticantes, buscar agrupá-los em função
da idade, sempre que possível, evitar forçar os talentosos; lembrando que
nessa fase ainda as crianças praticam o esporte pelo prazer (VIEIRA,
2007).
Os pais devem encorajar o jovem a participar no esporte enquanto
demonstra interesse, observando mais o esforço e a evolução do que o
resultado final, ensinando que o esforço é tão importante quanto a vitória
(VIEIRA, 2007). Parece existir algum tipo de relação positiva entre a
predisposição do jovem talento para o esporte com o tipo de motivação
que recebe por parte dos pais (SIMÕES; BÖHME; LUCATO, 1999;
VERARDI; MARCO; 2008; VIEIRA et al., 2013; ZUMÁROVÁ, 2015).
Com isso, os pais devem evitar constranger ou gritar com o praticante
por ter errado ou perdido uma competição, recordando que as crianças
aprendem pelos exemplos. Assim, é essencial que os pais entendam que a
maioria das crianças não chegará ao esporte de alto rendimento, mas com
certeza conseguirá adquirir competência naquilo que faz.
ETAPA DA DIFERENCIAÇÃO: RELAÇÕES INTERPESSOAIS
(15-18 ANOS)
Nessa etapa, o praticante de esportes já atingiu a automatização
motora das principais habilidades que compõem a tarefa a ser executada,
de modo que o certo e o errado devem ser considerados (KREBS, 2007).
O feedback positivo, a motivação, as relações interpessoais com os
adultos envolvidos no processo são fundamentais diante dos resultados. Em
vista disso, percebe-se que agentes externos possuem papéis importantes
na motivação do atleta, podendo promover suportes (emocional,
autônomo e para tarefa), pressão e controle na participação das atividades
esportivas (importantes em determinados momentos para a estimulação
243
e o engajamento) e feedbacks positivos que servem como modelo (tanto
para performance como para comportamentos éticos) (BENGOECHEA;
STREAN, 2007). Estudo realizado por Jowett e Cramer (2010) assinala
que a percepção corporal, como autopercepção física no desenvolvimento
de habilidades, imagem corporal, competência fisiológica e mental e
performance, de esportistas nessa fase da carreira está ligada ao bom
relacionamento com seus treinadores, evidenciando que essa qualidade de
ligação positiva entre treinador e atleta pode influenciar o desenvolvimento
atlético.
As relações entre os praticantes, treinadores e demais pessoas
significantes envolvidas no contexto devem ser pautadas pelos princípios
da reciprocidade, equilíbrio de poder e afetividade, para que se tornem
duradouras e continuem existindo mesmo quando a pessoa esteja em
outros contextos que não o da prática esportiva.
O suporte parental e a relação treinador-atleta têm demonstrado que
algumas práticas e comportamentos frente a seus filhos/atletas acarretam
melhores relacionamentos dentro de casa, nos treinamentos e em outros
contextos. Dessa forma, a criação de situações que suportam a autonomia
(tomada de decisões próprias), o envolvimento nos treinamentos, torneios e
campeonatos e providências de estruturas apropriadas para prática (compra
de materiais, auxílio financeiro e participação) levam a melhores tomadas
de decisões próprias, autoestima e orientação de metas (GROLNICK,
2003; WUERTH; LEE; ALFERMANN, 2004; KNIGHT; NEELY; HOLT,
2011). O acolhimento e o limite nas diversas situações da vida familiar
e esportiva promovem um âmbito ideal para o desenvolvimento de um
indivíduo nessa fase.
Para isso, deve-se envolver o jovem em criações de regras, assim
como estimular o dinamismo na participação ativa em decisões dentro
da equipe nos fatores cognitivos, afetivos, técnicos e táticos, havendo
bidimensionalidade de comunicação, reforços positivos e promoção de
informações emocionais (HOLT et al., 2009; JOWETT; LAVELLEE,
2007). Todo esse processo de diálogo e vivências não só afeta o jovem, mas
o comportamento dos agentes externos de forma recíproca, evidenciando
que as ações de atletas influenciam os estilos e as práticas dos técnicos e
dos pais (DORSCH; SMITH; MCDONOUGH, 2009; LUVMOUR, 2011).
244
É importante salientar que, em algumas situações, o comportamento
parental poderá ser conflituoso entre os valores materno e paterno,
apresentando influências positivas e negativas em ambas as partes.
Observa-se que mães demonstram comportamentos mais controladores,
manifestando preocupações excessivas com seus filhos (MIZOGUCHI;
BALBIM; VIEIRA, 2013; WUERTH; LEE; ALFERMANN, 2004). Em
relação ao treinador, percebem-se diferentes características que podem
influenciar a permanência, a melhora da performance e o prazer na
realização de tarefas dos praticantes. Seu comportamento pode levar a
satisfações individuais, à coesão dentro da equipe, a melhores resultados e
a motivações intrínsecas (MYERS; TONSING; FELTZ, 2005)
Martens (1978) ressalta a importância das relações interpessoais,
argumentado que não são o confronto, a competição ou o tipo de esporte
que determinam automaticamente o valor das atividades para os jovens,
mas sim as experiências vividas nessas atividades, as quais determinarão
o valor qualitativo da prática esportiva e se esta representa ou não um
verdadeiro fator de formação e desenvolvimento para esses jovens atletas.
Nesse aspecto, a criação de um clima motivacional dentro do contexto
esportivo é extremamente importante para o desenvolvimento atlético.
Dependendo dos critérios para o sucesso e os objetivos utilizados pelo
técnico e pares esportivos, podem-se apresentar vivências ruins e
negativas nos treinamentos e campeonatos dentro da equipe, ocasionando
a desistência da modalidade (CERVELLÓ; ESCARTÍ; GUZMÁN, 2007).
Nesse sentido, oferecer sugestões e informações sobre as
estratégias de jogo é fundamental diante do desenvolvimento da percepção
de competência que começa a se estabilizar. A ênfase nesse momento é na
diferenciação (conflito entre querer e poder), buscando o aprimoramento
da execução e do desempenho motor. Sendo assim, mais conhecimentos
sobre o esporte possibilitam ao atleta ter maior grau de participação nas
decisões da equipe, desde que haja cooperação, comprometimento mútuo
e proximidade (JOWETT; NEZLEK, 2007).
Essas ações coletivas apresentam importantes resultados
positivos no processo de transição para a próxima etapa, promovendo
bem-estar psicológico (prazer, autorrealização e crescimento pessoal),
paixão harmoniosa pelo esporte, liderança e coesão de grupo (JOWETT;
245
POCZWARDOWSKI, 2007; LAFRENIÉRE et al., 2008). Assim,
oportunidades de vencer começam a ser importantes para fortalecer o
desenvolvimento da força de vontade.
ETAPA DA DEDICAÇÃO EXCLUSIVA: AUTOCONFIANÇA
(ACIMA DE 19 ANOS)
Para essa etapa, o equilíbrio dos fatores inatos e as características
individuais desenvolvidas na infância e os fatores ambientais estarão
disponíveis ao atleta ao longo da construção de sua carreira esportiva
(KREBS, 2007). A natureza das habilidades motoras próprias de
cada modalidade esportiva aparece como importante variável para a
determinação da competência necessária para que um aprendiz se torne
efetivamente um atleta de alto rendimento. Assim, é possível identificar
a importância dos agentes externos durante a carreira esportiva do atleta,
afetando sua autopercepção psicológica, valores atribuídos ao esporte e
motivação para a permanência na modalidade e melhora da performance
(GUILLET et al., 2006; CHALABAEV; SARRAZIN; FONTAYNE, 2009;
FREDRICKS; ECCLES, 2005).
Para que se tenha a continuidade no esporte com cargas de
treinamentos altas e duradouras, é necessário que nessa etapa o atleta
apresente ótima percepção de competência e autoconfiança. Segundo o
modelo de desenvolvimento positivo de jovens (LERNER et al., 2005), o
desenvolvimento dessas duas variáveis é extremamente importante para se
chegar ao alto rendimento, dado que a competência é a visão positiva de
uma determinada ação em um domínio específico e a confiança é um senso
interno de autoconceito e autoeficácia.
Quando se aborda a competência, pode-se indicar que as
competências de disciplina, comprometimento e resiliência, diretamente
ligadas ao suporte social, contribuem para o sucesso do indivíduo e
para a chegada ao alto rendimento (GAGNÉ, 2009). Desse modo, três
competências podem ser apresentadas como pontos importantes para o
esporte: competência social (englobando as habilidades de bons convívios
e diálogos com outros sujeitos no esporte), a competência emocional
(caracterizando suas regulações emocionais e maturidade cognitiva) e a
competência vocacional (envolvendo hábitos de trabalho, e exploração das

246
escolhas na carreira esportiva) (LERNER et al., 2005). A ausência dessas
competências atléticas é um fator que dificulta a chegada de esportista à
alta performance (MILLS et al., 2012). Estudo realizado por Holt e Dunn
(2004) avaliou as competências psicossociais (disciplina, resiliência,
comprometimento e suporte social) de atletas de futebol de campo,
evidenciando relações positivas entre tais competências e indivíduos que
chegaram à fase profissionalizante.
Em relação à autoconfiança, esta caracteriza-se pela confiança
nas habilidades atléticas e na atuação sem medo aparente em partidas,
demonstrando mais sucesso nas tarefas (MILLS et al., 2012). Dessa
forma, a falta de autoconfiança em modalidades de alto rendimento leva a
perturbações emocionais, como raiva, ansiedade, estresse e diminuição da
própria percepção de competência, acarretando queda da performance para
a tarefa (TAMMINEN; HOLT; NEELY, 2013; MOWLAINE et al., 2011).
Em contrapartida, a obtenção da autoconfiança para a prática esportiva tem
contribuído, especialmente no alto rendimento, para o sucesso nas tarefas
e auxiliado no desenvolvimento de outras variáveis psicológicas como os
comportamentos de liderança (HOLLENBECK; HALL, 2004).
É nessa fase também que, apoiados pelos treinadores e pais, os
jovens devem tomar a decisão de escolher uma única modalidade esportiva
para limitarem aprimoramento de suas competências e se tornarem atletas
de rendimento. Quando o atleta vivencia e aperfeiçoa os níveis técnicos
e táticos da modalidade e pretende buscar a melhora do desempenho e
do resultado, existe a necessidade do comprometimento exclusivo de um
esporte em virtude da alta intensidade de treinamento e do alcance do alto
nível de excelência. Nesse momento, as atividades são mais sistematizadas,
evidenciando poucas tarefas recreativas e com objetivos específicos
a serem alcançados (CÔTÉ, 1999; BAKER; CÔTÉ; ABERNETHY,
2003). O técnico é extremamente importante nesse período, pois seu
relacionamento com o atleta interfere diretamente nos treinamentos e nas
competições (WOLFENDEN; HOLT, 2005).
A disciplina e a persistência para atingir os objetivos almejados
serão determinantes internos importantes. Estudos apontam que atletas
de alto rendimento são motivados a permanecerem na modalidade em
busca de atingir objetivos e ter experiências estimulantes, evidenciando
247
a necessidade de comprometimento com o esporte (MIZOGUCHI;
BALBIM; VIEIRA, 2013; GARCIA-MAS et al., 2010). Buscar evoluir
a cada dia, estabelecendo metas a serem atingidas, é fundamental. Nessa
etapa, nem todos que querem podem e às vezes nem todos os que podem
querem, necessitando de tomada de decisão para a futura carreira esportiva.
A dedicação exclusiva ao esporte é uma característica dessa fase. Estudo
realizado por Subijana, Barriopedro e Conde (2015) apresenta a dificuldade
de atletas de alto rendimento manterem suas modalidades e outras
atividades em razão do manejo do tempo e da alta carga de treinamentos
e campeonatos.
Assim, percebe-se que o atleta nessa idade é alvo de mais exigências
da modalidade e deve apresentar mais força nos aspectos psicológicos para
manter o rendimento com poucas influências negativas do meio em que se
encontra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Elaborar um modelo teórico com base nas etapas de desenvolvimento
das características psicossociais ao longo do processo de especialização
esportiva significa entender que em cada etapa o atleta tem algumas
necessidades que devem ser consideradas visando a sua manutenção no
esporte.
Nas fases iniciais da inocência e da fixação, o prazer, a diversão
e a aprovação social são fundamentais e devem ser as características
psicossociais em evidência; nas fases da diferenciação e da decisão,
as relações interpessoais e a autoconfiança são as características mais
importantes para o atleta, que estará definindo uma modalidade esportiva
à qual se dedicar/treinar no nível de alto rendimento.
É preciso entender que a trajetória do atleta é de longo prazo,
levando muitas vezes ao limite de sua capacidade de prática. Além disso,
é preciso observar que uma carreira esportiva tem tempo limitado para
ocorrer, atingindo seu ápice entre a segunda e a terceira décadas de vida.
Nesse sentido, as características psicossociais do contexto esportivo e os
atributos pessoais de cada atleta serão determinantes para chegar à etapa
de especialização motora e ao esporte de alto rendimento.

248
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254
A INICIAÇÃO AO ANDEBOL (HANDEBOL) – UMA ABORDAGEM
CENTRADA NO DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS
DE JOGO

Luísa Estriga, PhD, FADEUP/CIFID 2

INTRODUÇÃO
O andebol (handebol) é um jogo em franca expansão por todo o mundo,
tendo-se verificado uma crescente divulgação e adesão de praticantes, em
particular em idades cada vez mais baixas. Tais circunstâncias impelem para
uma responsabilidade acrescida de treinadores e dirigentes na organização
de melhores práticas e quadros competitivos apropriados. Contudo, a
literatura acerca da organização da formação desportiva específica em
andebol é escassa, generalista, superficial e fundamentalmente muito
diversa nas propostas que apresenta. Noutros casos as abordagens são
incongruentes, na medida em que se observa um grande desfasamento
entre a fundamentação conceptual e as propostas práticas apresentadas.
A literatura acerca dos modelos de ensino dos jogos desportivos
coletivos, é hoje matéria incontornável de todos os cursos de formação
de treinadores andebol, contudo as práticas de treino, em particular nos
escalões de formação mais baixos, mantém uma matriz assente nos
modelos de jogo e de treino de adultos. O processo de iniciação tende,
ainda, a ser muito tecnicista, dividindo-se os conteúdos de treino em ações
motoras, técnicas e padrões táticos a aprender e aperfeiçoar. Deste modo,
os conteúdos são maioritariamente ensinados e treinados de forma isolada,
analítica e sequencial (da técnica para a tática). Por exemplo, é prática
regular exercitarem-se gestos técnicos, como o passe frente-a-frente, de
forma analítica e descontextualizada, com pouca possibilidade de transfer
para o jogo, e depois espera-se que o jogador seja capaz de integrar estes
elementos em situação de competição. Por sua vez, a tática coletiva
é treinada e aprendida sob a forma de jogadas combinadas, em que os
jovens jogadores têm que implementar movimentações e soluções táticas

255
de forma rígida e pré-definida. Este tipo de abordagem permite resolver os
problemas de jogo com relativa facilidade, quando as equipas adversárias
ainda têm um jogo muito incipiente e são facilmente induzidas em erro.
A inibição da exploração de soluções inteligentes para os problemas com
que são confrontados em jogo ou até a repreensão do erro, desencorajando
a tentativa e descoberta de soluções, produz jogadores previsíveis e com
dificuldade de jogarem em antecipação e de forma criativa.
Acresce que este problema é exponenciado quando o processo de
treino é também ele alicerçado na repetição de movimentações coletivas,
representações de jogo com aplicação fechada que são exercitadas de forma
analítica e descontextualizada, em clara por oposição à aprendizagem
situada.
Muitos destes argumentos fazem-nos (re)pensar a forma como se
transmite o conhecimento e os conteúdos inerentes a esta problemática
ou se a dificuldade está precisamente na capacidade de integrar estes
conhecimentos na prática diária. Assim, partindo de abordagens centradas
no ensino dos jogos desportivos, que elegem como eixo fundamental o
desenvolvimento da compreensão, leitura de jogo e raciocínio tático do
jogador, e no ensinar a jogar a partir do jogo, é nossa intenção apresentar
uma proposta centrada em modelos/formas de jogo a privilegiar nas etapas
iniciais da formação em andebol, que facilitem a reflexão e ajudem a
melhorar as práticas dos treinadores de formação.
Neste domínio, distinguem-se modelos como: Teaching Games for
Understanding (TGfU; BUNKER & THORPE, 1982), Sport Education
(SIEDENTOP, 1994), Tactical Games Model (TGM; GRIFFIN, MITCHELL
& OSLIN, 1997) e Game Sense (GS; LIGHT, 2013).
QUANDO E POR ONDE COMEÇAR?
Tipicamente as crianças iniciam a prática federada de andebol entre
os 8 e os 12 anos de idade. Sendo precisamente nesta idade que estão
muito predispostas para se envolverem no treino e na competição, pelo que
é essencial que as práticas desportivas sejam significativas e motivantes.
É também nesta faixa etária em que o sistema nervoso apresenta grande
plasticidade e portanto é muito sensível à aprendizagem, pelo que não se
256
compreende que os fundamentos táticos não sejam introduzidos quanto
antes, até pela dificuldade superior da sua aprendizagem por comparação
com a técnica.
Perspetivando a iniciação ao jogo com base na inequívoca necessidade
de ajustar, simplificar e adaptar as exigências e constrangimentos às reais
possibilidades de jogo e de aprendizagem nas idades em causa, têm vindo
a ser implementadas formas de jogo adaptadas, de que o designado mini-
andebol (5x5; ou seja, 4 jogadores de campo e 1 guarda-redes por equipa)
é um bom exemplo. Ora, no pressuposto de reduzir o jogo de andebol à
sua unidade tática mais elementar, sem desvirtuar a sua natureza, somos da
opinião de que há formas de jogo ainda mais simples que devem/podem ser
consideradas, como é o caso do 4x4, com ou sem guarda-redes avançado
(Estriga e Moreira 2014; Mariot, 1995).
DO JOGO REDUZIDO AO JOGO FORMAL
Apesar da maioria das propostas e práticas preconizarem a iniciação
ao jogo de andebol com base nos jogos reduzidos, torna-se necessário
analisar de que forma se pode articular a transição entre o mini-andebol
e o jogo formal (ver figura 1 e quadro 1). A transição habitualmente
implementada não tem em devida consideração o aumento do terreno de
jogo e do número de jogadores. Esta nossa convicção é alicerçada no facto
de se tentar “mascarar” essa dificuldade de transição, fundamentalmente,
através da manutenção de sistemas defensivos individualizados (marcação
individual em meio-campo e a campo inteiro). Esta situação, por ser
recorrente, pode favorecer a cristalização de procedimentos e competências
de jogo.
A forma de jogo “(Gr+5)x(5+Gr)” é em nosso entender uma estrutura
de complexidade intermédia, entre o mini-andebol e o jogo formal, e
deve ser adotada para o fim em causa. Esta forma de jogo tem vindo a
ser adotada em países como a Dinamarca ou a França (Mariot, 1995).
Concretamente, na Dinamarca as defesas individuais estão proibidas até
aos 18 anos (comunicação técnica de Allan Lund, 10º Congresso Técnico
Científico de Andebol, Portugal, 2013), adotando-se sistemas defensivos

257
que favorecem a circulação rápida da bola e que, em certa medida, são a
base do 6:0. Assim, na categoria abaixo dos 10 anos, no jogo modificado
“(Gr+5)x(5+Gr)”, e em fase de defesa posicional, os defensores estão
impedidos de sair da área dos 9 metros, garantindo-se assim maiores
condições de desenvolvimento da circulação da bola, ao mesmo tempo
que apela a comportamentos de inter-ajuda defensiva. Este é um exemplo
de como se estruturou um modelo de competição/formação a longo prazo,
tendo em vista o desenvolvimento do perfil de jogador de elite e de jogo
elegidos como os mais adequados para um determinado país.
Figura 1. Conceito de progressão aplicado ao desenvolvimento das
competências de jogo

Quadro1. Resumo das etapas/níveis de complexidade em função da


idade

258
Níveis Nível I Nível II Nível III Nível IV
Idades Até 8 anos 8-9 anos 10-12 anos >12 anos
4x4
Jogo formal
Forma de 4x(3+Gr) 5x5 6x6
jogo (Gr+6)
(Gr+3) (Gr+4)x(4+Gr) (Gr+5)x(5+Gr)
x(6+Gr)
x(3+Gr)

Regras
simplificadas Campo
Campo reduzido intermédio ou Campo
Campo
ou intermédio formal formal
Adaptações reduzido
estruturais Baliza adaptada Bola tamanho Bola
Baliza
1 tamanho1
adaptada Bola tamanho 0 (50-52 cm)
Bola (50-52 cm)
adaptada

Tempo de 10’ 2 x 20’ (5)


2 x 25’ (10) 2 x 25’ (10)
jogo 4 x 8’ (1+5+1) 4 x 10’ (1+5+1)

Aprender a
Aprender atacar uma
Ocupação Ocupação
a atacar defesa em
Forma de racional do racional do
uma defesa duas linhas,
organização espaço, com espaço, em
alinhada, com com ênfase
ofensiva ênfase na amplitude e
ênfase no jogo no jogo em
amplitude profundidade
em amplitude profundi-
dade

Introdução
Introdução da Introdução
à defesa em
Forma de responsabilidade à defesa
Sem duas linhas
organização defensiva alinhada
directrizes individual 3:3 com
defensiva - Pressão alta/
pressão alta/
- Pressão alta moderada
moderada

Figura 2. Jogo reduzido “(Gr+3)x(3+Gr)


Com ou sem guarda-redes avançado

259
Nível I. Organização Estrutural “(Gr+3)x(3+Gr)”
ou “4x(3+Gr)”
Objetivo tático geral:
Manter a posse de bola e ocupar o espaço de
jogo ofensivo de forma equilibrada, favorecendo
o avanço da bola e criação de oportunidades de
finalização
Objetivos específicos (ofensivos):
– Aprender a posicionar-se e movimentar-se em
todo o terreno de jogo, para aumentar o espaço
de jogo ofensivo e as possibilidades de jogar/
manter a posse de bola (criar linhas de passe)
Objetivos comportamentais (ofensivos)
- Com bola ajusta a decisão, progride em direção
à baliza ou passa optando pelo colega livre
- Sem bola ajusta a decisão, afasta-se ou adianta-
se para receber a bola

Figura 3. Jogo reduzido “(Gr+4)x(4+Gr)


Nível II. Organização Estrutural “(Gr+4)
x(4+Gr)”
Objetivo tático geral:
Construir situações de finalização perante uma
defesa que atua de forma predominantemente
individualizada e com pressão alta
Objetivos específicos (ofensivos):
– Aprender a movimentar-se e ajustar o timing
da desmarcação e do passe em rutura, para
romper o espaço defensivo e finalizar sem
oposição de defensores de campo
Objetivos comportamentais (ofensivos)
- Com bola ajusta a decisão, empreende
iniciativa de fintar o oponente direto, progredir
em drible ou assiste o colega que se desmarca
- Sem bola ajusta a decisão, desmarca-se em
rutura ou em apoio

260
Figura 4. Jogo reduzido “(Gr+5)x(5+Gr)
Nível III. Organização Estrutural
“(Gr+5)x(5+Gr)”
Objetivo tático geral:
Organizar o ataque e construir
situações de finalização perante uma
defesa alinhada e com pressão alta/
moderada
Objetivos específicos (ofensivos):
– Aprender a posicionar-se e
movimentar-se para ampliar o jogo de
ataque e aumentar a possibilidades de
penetração com bola ou desmarcação
de rutura para receber e rematar

Objetivos comportamentais (ofensivos)


- Com bola ajusta a decisão, empreende
iniciativa de atacar para fora
(mobilizar defensor) ou atacar para
dentro (fintar/penetrar)
- Sem bola ajusta a decisão, desmarca-
se para o interior da defesa, recua/
afasta-se/cruza/avança para garantir
a circulação de bola ou aproveitar a
vantagem ganha pelos colegas

Iniciação aos sistemas defensivos zonais em situação de jogo formal


Um outro aspeto fundamental é perceber que modelo de jogo é
implementado pelos treinadores dos escalões de formação, aquando da
iniciação ao jogo formal. Esta questão é tanto mais importante porque
os sistemas defensivos têm muitos graus de liberdade e é precisamente
nos escalões mais baixos que o sucesso desportivo pode ser facilmente
obtido à custa de estratégias pouco pedagógicas, de que são exemplo a
utilização de sistemas zonais muito recuados e fechados, ou até mistos. A
este propósito é frequente vermos treinadores que adotam como estratégia
as ditas defesas alinhadas recuadas e muito fechadas (sistema 6:0), que
“obrigam” à adoção de soluções de jogo que, claramente, não estão ao
alcance dos praticantes por razões desenvolvimentais.
261
Assim, coloca-se o problema de tentar perceber qual o modelo de
jogo defensivo que mais favorece a aprendizagem das condutas individuais
e de cooperação defensivas. Na literatura espanhola, argumentando-se que
a iniciação à defesa à zona deve ser feita através do sistema defensivo 3:3,
dado que este é o sistema que permite uma melhor ligação entre os sistemas
individualizados (marcação individual a campo interior ou a meio-campo)
e os sistemas zonais (ANTÓN-GARCIA & RODRÍGUEZ, 2014).
Na prática podemos introduzir o sistema defensivo 3:3, com formas
de atuação distintas (pressão alta ou moderada) que necessariamente
colocam distintas possibilidades de jogo no ataque e na defesa. De qualquer
modo, desaconselhamos estruturas defensivas recuados e fechadas.

Figura 5. Posicionamento dos Figura 6. Posicionamento dos


jogadores no sistema defensivo 3:3 jogadores no sistema defensivo 3:3
com pressão alta com pressão moderada
Obviamente que se atendêssemos a critérios de complexidade e até
de exigência física, o sistema defensivo 3:3 não deixa de ser, em nossa
opinião, mais complexo e mais exigente do que o 6:0. Assim, importa aqui
realçar que se pretende adotar um sistema que favoreça o desenvolvimento
262
de um determinado perfil de atuação defensiva, mais interventivo e
dinâmico, por oposição a condutas mais passivas e reativas. Deve ser
sublinhado, também, o facto das defesas mais abertas e pressionantes
serem um “apelo” à proatividade e às ações defensivas na luta pela posse
de bola.
Assim, e em geral, o sistema defensivo 3:3 tem, no nosso
entendimento, uma configuração que favorece a compreensão do que é um
comportamento defensivo coletivo coerente, em função da posição da bola
e zonas de maior vulnerabilidade/risco para a defesa. A correta interpretação
das regras de funcionamento do sistema estimula à aprendizagem de
funções e possibilidades de ação individual ou de relação (ajuda defensiva:
cobertura e troca), entre jogadores da mesma linha ou de linhas distintas.
Do ponto de vista da aprendizagem e treino das competências
defensivas, os jovens praticantes devem, claramente, aprender a diferenciar
a sua atuação em função das condições de ataque do seu oponente direto,
como sejam a posse ou não da bola, posição relativa à baliza e espaço para
progressão.
A adoção do sistema defensivo 3:3 (com pressão moderada/alta)
visa concretamente:
- promover a capacidade de atenção e concentração, apelando
a um constante controlo (visual ou outro) sobre o oponente direto
e a posição da bola;
- estimular e desenvolver o conceito de responsabilidade
individual e capacidade de luta 1x1, com e sem bola, em espaços
amplos;
- aprender a impedir, condicionar ou atrasar a progressão do
atacante direto (contrariar ações de passe-e-vai em profundidade);
- aprender a ajustar a pressão e o tipo de marcação em função
das intenções do adversário, perigo e possibilidades de ações de
cooperação;
- favorecer a aplicação de competências e capacidade de
iniciativa na interceção da bola, desarme do drible e consequente
desenvolvimento do contra-ataque simples (com poucos
263
intervenientes e com muito espaço);
- promover a aprendizagem das competências individuais de
defesa do espaço de jogo e de condicionamento das ações/iniciativa
do adversário;
- favorecer e estimular a aplicação e aperfeiçoamento da
posição base defensiva e dos deslocamentos em grandes espaços
(trajetórias variadas e amplas).
O sistema defensivo 3:3 com pressão moderada é ainda um sistema
bastante aberto e dinâmico, contudo tem a vantagem de criar condições
de desenvolvimento de ações de cooperação entre defensores, pela maior
proximidade entre os jogadores, ao mesmo tempo que as ações de proteção
da baliza e de condicionamento da circulação de bola são mais estimuladas/
facilitadas.
Por fim, importa realçar que este sistema (como mais ou menos
pressão) favorece a rápida transição para o terreno de ataque, em particular
através dos defensores mais avançados, e a construção de situações de
contra-ataque envolvendo poucos jogadores e em espaço amplo.
A construção do jogo de ataque contra o sistema em duas linhas (3:3)
A elaboração de um conceito de jogo contra um qualquer sistema
obriga ao conhecimento da sua estrutura e pressupostos de funcionamento
coletivo, atuação sectorial (grupal) e individual. A partir daqui analisam-se
as possibilidades de construção do jogo de ataque, visando a criação de
situação de finalização com substancial vantagem sobre o adversário.
Assim, ao perseguir-se o entendimento da lógica de jogo e das
possibilidades de construção de soluções de ataque, pensamos que a
construção do ataque contra uma defesa 3:3 (com pressão alta/moderada)
tem a grande virtude de facilitar a aplicação e aprendizagem do jogo em
cooperação com pivot. Numa fase de adaptação inicial pode-se utilizar o
3:3 com pressão alta, mas este será sempre um sistema de transição para
o 3:3 com pressão moderada e com as linhas defensivas mais recuadas e
próximas entre si.
A disposição estrutural e espacial dos defensores no sistema
3:3 (com pressão alta/moderada) permite aumentar o espaço entre os
264
defensores e no interior da defesa, o que em certa medida representa um
aumento da vulnerabilidade e do risco para a defesa. É exatamente esta
aparente desvantagem que favorece o ensino, treino e aperfeiçoamento
da construção do jogo em profundidade perante defesas zonais. Por outro
lado, aumenta também o espaço de ataque e de finalização para os pontas,
o que também aqui deve ser interpretado como positivo, dado que permite
aumentar o ângulo de remate da ponta, facilitando a aprendizagem desta
habilidade técnica específica.
Objetivo geral: organizar o
ataque contra a defesa 3:3 e criar
oportunidades de finalização,
preferencialmente com exploração do
jogo no interior da defesa

Objetivos específicos:
- Adotar um posicionamento coletivo
que garanta amplitude e profundidade
de ataque
- Construir situações de finalização em
colaboração com o pivot
- Desenvolver a circulação de bola
e penetrações sucessivas, com
predomínio de ações de cooperação
entre os jogadores atacantes da
primeira linha (laterais e central)
- Aprender a ajustar/coordenar ações
que garantam a circulação de bola,
ampliação do espaço de ataque e
criação da superioridade numérica e/
ou espacial
- Aprender a adequar as
transformações de sistema de ataque
(3:3 para 2:4) de forma a potenciar o
jogo interior (dois pivots)

Do ponto de vista comportamental os jogadores devem aprender as


regras de ação em função da seu posicionamento no ataque (interior ou
exterior da defesa), e posse ou não da bola, que a seguir se descriminam.

265
Regras de conduta e competências a desenvolver quando em posse
de bola:
Jogadores exteriores:
Ajusta as ações de ataque forte à baliza, com finta e penetração,
quando em situação de vantagem posicional ou espacial
Garante a circulação de bola sempre que não há condições de rutura
no sistema defensivo adversário
Em condições de ataque ao espaço entre defensores, ajusta a decisão
de ataque para o interior ou exterior da defesa, em favor próprio (finta e
penetra) ou dos colegas (cria superioridade numérica ou amplia o espaço
de ataque)
Aplica com critério a iniciativa de fintar o adversário, evitando
empreender ações que colidam com iniciativas dos colegas (por exemplo,
desmarcação do pivot ou de outro colega)
Pivot (no interior da defesa):
Após receção da bola e com vantagem posicional, enquadra-se com
a baliza e finaliza
Sem vantagem posicional ajusta a decisão de fintar o oponente direto
ou dá continuidade as ações de ataque (circulação de bola, passa-e-vai ou
poste)
Regras de conduta e competências a desenvolver sem bola:
Jogadores exteriores:
Ajusta o timing da movimentação para o interior da defesa
Reajusta a sua posição de ataque após transformação do sistema
ofensivo, para garantir ocupação racional do espaço
Ajusta as suas ações para criar linha de passe, de apoio ou em
penetração
Atrai/arrasta defensores em benefício dos colegas – amplia espaço
de ataque e diminui as possibilidades de ajuda defensiva
Pivot (no interior da defesa):

266
Desmarca-se nas costas dos defensores para receber e finalizar ou
cria espaço em benefício dos colegas
Ajusta o posicionamento as ações do jogador com bola para garantir
linha de passe
A partir da configuração do jogo coletivo e da construção de
possibilidades de jogo e/ou de competências que importa aprender/
desenvolver, seguidamente apresentamos alguns cenários de treino
(estruturação das tarefas) para o nível de jogo e faixa etária em causa
(até aos 12 anos). As situações práticas propostas não são mais do que
uma forma de decompor os problemas de jogo (unidades funcionais) em
formas de exercitação, que permitem aos jogadores exercitar e aperfeiçoar
determinadas soluções, numa lógica de tentativa e erro, potenciando a
descoberta das melhores soluções e a forma de as implementar.

Figura 7. Situação de treino Figura 8. Situação de treino


4x4, com pressão alta, e com 2 apoios 3x3, com pressão alta, e com dois
(um em cada ponta) apoios (um em cada ponta)

267
Figura 9. Situação de treino 3x3, Figura 10. Duelos nos vários postos
com pressão moderada, e com específicos, com apoios (interiores e
dois apoios Condicionar a ação dos interiores)
defensores, impedindo-os de avançar
para além da linha do 9m, favorecendo
assim a circulação de bola e as
penetrações sucessivas/cruzamentos
entre os jogadores da primeira linha
ofensiva

Figura 11. Situação de treino (2x2, emFigura 12. Situação de treino (3x3, nas
linhas de jogo diferentes). zonas lateras/pontas), com apoio do
Pode condicionar-se a ação do defensor central.
do pivot (não permitir o seu avanço Também aqui se pode condicionar as
para além dos 9m), favorecendo assim zonas de atuação dos defensores em
a saída deste para dar linha de passe função das soluções que se pretender
à frente da defesa e encadear ações trabalhar
(finta/penetração ou passe-e-vai em
profundidade)

268
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de iniciação e formação a longo prazo, um dos grandes
dilemas da prática diz respeito à definição de um modelo de formação e
de competição específico para uma determinada modalidade e faixa etária,
tendo em conta as características do jogo evoluído, as possibilidades de
aprendizagem dos jovens praticantes e, em certa medida, as características
de uma determinação população.
É nossa convicção de que as práticas de ensino e treino de jovens
praticantes de andebol podem ser bastante melhoradas, se os treinadores
forem capazes de refletir acerca das suas práticas, à luz das novas tendências
de ensino dos jogos desportivos coletivos, (re)configurando conceções de
jogo, organização do treino e de intervenção instrucional (nomeadamente
através da descoberta guiada e de estratégias de questionamento).
Neste texto foi nossa intenção revistar a problemática da iniciação
desportiva em andebol, tendo em consideração os escalões de prática
mais baixos (até aos 12 anos), equacionando-se novos caminhos para a
organização da estrutura do jogo e configuração de exercícios treino, com
superior que enfoque na transição e introdução do jogo formal.
REFERÊNCIAS
ANTÓN-GARCIA & RODRÍGUEZ. El sistema defensivo 3:3, um
modelo “puente” entre las defesas individuales y zonales en la etapa
de aprendizaje específico. Espanha: Bulok Publishing S. L., 2014.

BUNKER, D. & THORPE, R. A model for the teaching of games in


secondary schools. Bulletin of Physical Education, 5-8. Retrieved from
G, 10, 1982.

ESTRIGA L, MOREIRA I. O Ensino do Andebol na Escola – Ensinar e


aprender. Faculdade de Desporto: Universidade do Porto, 2014.

ESTRIGA, L., PACHECO, S., GOMES, G. (2013). Handball Teaching

269
at School: a pre-service teaching experience at primary school. In:
PROCEEDINGS OF THE EHF SCIENTIFIC CONFERENCE 2013 –
2ND EHF SCIENTIFIC CONFERENCE – WOMEN AND HANDBALL:
SCIENTIFIC AND PRACTICAL APPROACHES. Vienna, Austria, 2013.
p. 334-338.
GRIFFIN, L., MITCHELL, S. & OSLIN, J. (1997). Teaching sport
concepts and skills: a tactical games approach. Champaign, llinois:
Human Kinetics, 1997.
LIGHT, R. (2013) Game Sense: pedagogy for performance, participation
and enjoyment. London & New York: Routledge, 2013.
MARIOT, J. Balonmano. “De a Escola... A las Asociaciones Deportivas”.
Editorial Deportiva Agonos. Lerida, 1995.
SIEDENTOP, D. Sport education: quality PE through positive sport
experiences. Champaign, IL: Human Kinectics, 1994.

270
TRAINING ATHLETES’ CHOICES USING A SIMPLE HEURISTIC
APPROACH

Markus Raab1,2

Sylvain Laborde 1,3

Mariana Lopes4 (4)

Pablo Greco5 (5)

INTRODUCTION: APPROACH FROM APPLIED PERSPECTIVE


In ball games, decision making is the ability of a player to quickly
and accurately select the correct option from a variety of alternatives
that may appear before the ball is hit or kicked or an opponent moves
(FARROW & RAAB, 2008). It is possible for athletes to make quick and
accurate decisions relying on heuristics (RAAB, 2012, 2015). A heuristic
has been defined as “a strategy that ignores part of the information, with
the goal of making decisions more quickly, frugally, and/or accurately
than more complex methods” (GIGERENZER & GAISSMAIER, 2011, p.
454). Simple heuristics describe the behaviour of athletes under conditions
of limited knowledge, time, and cognitive capacity. The most researched
simple heuristics for allocation decisions are the Take-the-first heuristic
and the Take-the-best heuristic (BENNIS & PACHUR, 2006). The Take-
the-first heuristic is associated to choosing the first alternative that comes
to your mind, because it is most of the time the best one (JOHNSON
& RAAB, 2003). Take-the-first has been related to intuition, which
promotes quick and accurate decision making (RAAB & LABORDE,
2011; LABORDE & RAAB, 2013), and has been negatively related to
decision reinvestment (LABORDE, RAAB, & KINRADE, 2014), the
tendency to reflect about one’s decision process and to ruminate about
1
Institute of Psychology, Department of Performance Psychology, German Sport
University Cologne
2
School of Applied Sciences, London South Bank University, UK
3
EA 4260, University of Caen Basse-Normandie
4
Universidade Federal de Viçosa
5
Universidade Federal de Minas Gerais
271
poor past decisions; reinvestment being usually negatively associated to
intuition (LABORDE, DOSSEVILLE, & KINRADE, 2014; LABORDE,
MUSCULUS, KALICINSKI, KLAEMPFL, KINRADE, & LOBINGER,
2015). Moreover, research showed that Take-the-first was relying on
neurophysiological processes, as a positive link was found between the use
of Take-the-first and the activity of the parasympathetic nervous system
(LABORDE & RAAB, 2013; LABORDE, et al. 2014). The Take-the-best
heuristic describes searching for cues in the order of their cue validity. Cue
validity indicates the proportion of correct choices relative to all choices if
this specific cue is used. Search stops when one object has a positive cue
value and the other does not, and the object with the positive cue value
is chosen. For instance, a basketball player choosing which teammate to
pass to may consider cues such as the teammates’ distance to the basket,
distances of defence players to the teammates, average base rate of players
or players’ recent performance (RAAB, 2012). Training decision-making
skills in athletes is expected to increase the use of such heuristics.
TACTICAL AND TECHNICAL DECISION TRAINING
Most training methods focus on tactical or technical aspects of
performance, ignoring the fact that successful performance requires the
athlete to simultaneously decide what movement to perform and how it
should be executed, and this under time pressure (RAAB et al., 2005).
The separation of tactical and technical training can be found in most
research involving motor learning in sport. Tactical training addresses
what movement is to be carried out decision, while technical training is
known as training to improve how to perform the required movement
(RAAB et al., 2005; FARROW & RAAB, 2008). The relevance of both
forms of decision for effective performance is widely acknowledged in
sport-tactical and technical training methods are common in all sports.
However, the effects of combining both types of training are poorly
understood (RAAB et al., 2005, LOPES, 2011). An appropriate model
to understand the “how” and “what” aspects of decision making is the
option generation model, that describes decision-making process in seven
steps (JOHNSON & RAAB, 2003). In order to illustrate each of the seven
stages we offer a brief example from soccer. Imagine a striker in soccer
who is dribbling towards the goal and is approached by a defender. At

272
this point, the decision problem has presented itself: what action should
the ball player take in response to the approaching defender? The striker
identifies the constraints on his behaviour (e.g., he cannot pass offside)
and prioritizes his goals (e.g., retain possession, but score if possible). In
light of these, he generates possible options that he may undertake, such
as shooting at the goal, passing to a wing player, or dribbling away from
the defender. He considers these courses of action, perhaps by ranking
them according to their likelihood of achieving his primary goal (retaining
possession). Then, he selects an action; this is likely to be the one with
the highest rank. He initiates the action by physically performing so as to
bring about the action he selected (e.g. physically dribbling the ball to the
right). In doing so, he buys time for the wing player to streak towards the
goal, where he passes the ball and assists in a shot on goal that results in
him positively evaluating his decision (FARROW & RAAB, 2008).
Expert decision makers have learned to progress through these steps
very quickly and efficiently, resulting in intuitive performance in the most
complex of situations under high pressure (RAAB & LABORDE, 2011).
Of particular interest to the discussion is the expert player’s ability to read
the play technically, which is referred to as pattern recognition. It is thought
that elite players have developed the ability to rapidly recognize and then
memorize patterns of play executed by their opponents. The net result of
being an expert decision maker is to create the appearance of having all the
time in the world with which to prepare and execute a response in time-
stressed situations (FARROW & RAAB, 2008). Some team sport coaches
describe a skilled decision maker as a player who seemingly knows what is
about to occur, two passes before it happens (FARROW & RAAB, 2008).
Within sport, research has consistently demonstrated, across a variety of
settings, that experts are able to anticipate more effectively than novices,
partly due to their ability to pick up useful anticipatory information from
early events in their opponent’s movement pattern to which novices are
not attuned (FARROW & ABERNETHY, 2002). A popular method for
training anticipation is through the use of video-based temporal occlusion
training (FARROW & RAAB, 2008). Such video-based perceptual training
interventions were for example designed to improve the ability of tennis
players to anticipate the direction of an opponent’s serve (FARROW &

273
ABERNETHY, 2002). Derived from this approach, a variety of training
methods have been employed that have been broadly termed “visual
perceptual training.” The research literature investigating visual perceptual
training programs in sport can be separated into generalized visual training
programs and sport-specific perceptual/decision-making training programs
(FARROW & RAAB, 2012). Despite the promising results that could be
obtained with visual perceptual training, we have to make clear that decision
making does not only depend on anticipation. Therefore, we recommend
that any decision training should apprehend decision making as a complex
phenomenon, like does the decision training approach (VICKERS, 2000,
2003). Decision training approach by Vickers (2003) is a combination
of decision and behavioural training. It was designed to include variable
practice, delayed and reduced feedback, and tactically oriented instructions
(VICKERS, 2000; VICKERS, REEVES, CHAMBERS, & MARTELL,
2004). Vickers (2003) summarized findings from both behavioural and
decision training in different sports, concluding that behavioural training
leads to greater improvements in skill performance during acquisition,
but decision training results in better performance during retention and
transfer trials, implying that this method is more effective for the rapidly
changing environment experienced by most athletes when performing in
competition. Vickers, Livingston, Umeris-Bohnert, and Holden (1999)
reported that decision training seemed to be particularly useful for
intermediate and advanced performers, whereas behavioural training was
more efficient for novices. The decision training approach consists of
seven decision-training tools that incorporate information about practice,
feedback, instruction and learning:
- “variable practice”, which uses variations of the situation when
teaching within a single class of skills
- “random practice”, which uses variations of the situation when
teaching different classes of skills
- “bandwidth feedback”, which delays and reduces feedback for the
athlete
- “questioning”, which probes the understanding of the decision
making by the athlete

274
- “video feedback”, for self-analysis of the athlete’s performance
- “hard-first tactical instruction”, which teaches technical and tacti-
cal concepts early in the learning process or season
- “modelling”, to demonstrate skill or tactic using skilled models to
enhance performance
COMBINING THE “WHAT” AND “HOW” ASPECTS OF THE
DECISION IN THE TRAINING
As indicated earlier, regarding decision making it is possible to
distinguish what movement is to be carried out (“what” decisions),
targeting the tactics, and decisions about how this movement should be
carried out (“how” decisions), targeting the techniques (RAAB et al.,
2005; FARROW & RAAB, 2008). For instance a table tennis player needs
to decide between a forehand or backhand drive (“what”) and if this stroke
is played cross-court or baseline, short or long, with spin or without spin
(“how”). “What” decisions are often trained in isolation during tactical
training sessions, and similarly, “how” decisions are trained in isolation
during technical training sessions (FARROW & RAAB, 2008; MOREIRA,
LOPES & COSTA, 2013). The novelty of the approach adopted in the
study from Raab and colleagues (2005) is to combine “how” and “what”
decisions in movement sequences that are usually treated separately in order
to reduce the complexity of the learning situation. The results confirmed
the hypothesis that a combination of behavioural and decision training
significantly improves the performance of elite players in comparison to
behavioural training alone (RAAB et al., 2005). Some elements have to be
taken into consideration regarding the “what” and “how” aspects.
Regarding the selection of movements (“what” decision), Farrow and
Raab (2008) specify four factors that are important:
- Situation complexity: This training approach follows the model of
a simple to complex progression of skill development. Complexity
of the training is progressively added such as more active defence,
more variable situation and the addition of more choices by in-
creasing the number of players involved.
- If-then rules use: For instance, in a two-against-two situation in

275
basketball, coaches may present two if–then rules. The first rule
may be formulated as “if the defensive player opposed to you is
too far from you, and your partner is closely defended, then shoot”;
the second rule as “if your partner is in a good position, and the
defensive player is too close to shoot, then pass to your partner.”
Of course labels such as “good position” or “defensive player is
far enough away to shoot” depend on the skill level of the players
in that situation. However, if the situation is more complex, such
as a full five-against-five situation with a number of rules and cues
that may require a player’s attention to make a good decision, then
coach instruction may be required to focus the player’s attention on
the key aspects of the situation.
- Creative decisions: It is important to train the selection of different
choices that can be conducted in the same situation so an opponent
is left uncertain about potential changes in the play.
- Option generation: this training refers to the cognitive processes
used when evaluating different choices within the same situation.
For instance, one strategy used by coaches is to require players to
play, within the same attack situation, the same option over and
over again. Another strategy is to replay the same attack situation
but using a different choice each time.
Regarding the production of movements (“how” decision), at least
three factors are important (FARROW & RAAB, 2008):
- Game-like situations: Practice sessions should replicate actual
game events and phases of play with the coach ensuring players
are educated concerning how the training activity used reflects
the decisions and processing speed required in the competition
environment.
- Use of pre-cues: Coaches use pre-cues to enable faster “how” de-
cisions. For instance, they provide probabilistic information such
as 80% of the opponent’s topspin balls will be played to the back-
hand. Another technique is for the coach to direct their player to
use perceptual information that changes very late in an event be-
fore conducting the how decision. For instance, in an attacking

276
phase of play in soccer, the information presented by the approach-
ing attacker at the very end of his run will determine whether the
goalkeeper should jump to the left or right corner.
- Type of instruction: Instructions about “how” decisions can be giv-
en verbally in quite different formats. Based on recent research it
seems that indirect information preceeded by analogies (e.g., move
your racket as you would pull it from a backpack when serving
in tennis) has advantages over direct information about the move-
ment itself if players need to use such movements in competitive
situations. Instructions that focus a performer’s attention on the
effects of a movement can have additional benefits for subsequent
performance.
Importantly, decision making skills can improved both in and outside
the normal training environment. Off field training can be divided into
general visual, like visual-perceptual training programs, and sport-specific
decision-making training. Unlike generalized visual training methods,
sports-specific training attempts to closely replicate or simulate the
decision-making conditions of the natural sports skill. Sports-specific
perceptual/decision-making training programs have developed to train
the visual-perceptual capacities known to distinguish the performance of
experts and novices. These programs have typically involved video-based
approaches focusing on early postural cue identification or the reading of
patterns of play.
• Postural cue training: Expert performers use postural information
sources such as an opponent’s movement pattern to anticipate like-
ly ball flight. One of the most promising methods for training an-
ticipation is via the use of video-based temporal occlusion training.
These approaches generally involve the video presentation of a per-
former executing a particular action from the player’s perspective,
with this vision then edited at a point just before the occurrence of
a particular cue. Participants are asked to respond by predicting the
outcome of the full play sequence. The participant is then given
feedback on his or her prediction by being permitted to view the
post-occlusion action. This procedure has been used in an experi-
mental setting and has in some instances successfully improved the
277
perceptual speed, and/or accuracy, of sports performers.
• Pattern recognition training: Pattern recognition training is con-
cerned with teaching players how to recognize and subsequently
anticipate the outcome of familiar patterns of play as they evolve,
as seen in a wide variety of team sports. It is thought that elite
players have developed the ability to rapidly recognize and then
memorize patterns of play executed by their opponents. Important-
ly, this capability to recognize an opposition team’s attacking or
defensive patterns is not because the elite players have a bigger
memory capacity than the rest of us. Rather their memory of sport
specific attack and defence strategies is simply more detailed than
ours and can be recalled and used in a split second.
Learning approaches such as video-based perceptual training, where
perception and action are separated during some of the training process,
do appear to have the capacity to improve an individual’ s perceptual
performance and, importantly, transfer this enhanced ability into the
performance environment. However, a related issue that is not yet fully
understood is whether the volume of physical practice engaged in by
performers may in some way mediate the extent of perceptual training
transfer (FARROW & ABERNETHY, 2002). Some researchers have
been interested in designing methods to both test and then, importantly,
improve the decision-making skills of athletes outside the normal training
environment. In order to be considered a credible training approach,
specific conditions must be adhered to. First, the decision making skill that
should be developed must be a limiting factor to sports performance, that
is, if it isn’t a quality that separates experts from the rest then there is little
reason to focus on it in training. Most importantly, any improvements in
decision making arising from training must translate to improved sports
performance (FARROW & RAAB, 2008). Finally, the main conclusion
is that “what” and “how” decisions should be combined quite early in the
learning process or early in a season for higher skilled athletes (FARROW
& RAAB, 2008).
Challenges of decision making training
To obtain the best results with decision-making training, some

278
elements need to be kept in mind. Coaches need to decide when in pre-
season training an adjusted skill is ready to be tested in more complex
tactical situations. Similarly, it remains unclear how to combine instructions
and feedback of how and what decisions in complex training schemes. The
individual limits of athlete information processing, emotional and cognitive
abilities are not yet integrated into guidelines for coaches (FARROW &
RAAB, 2008). In addition, it is very important to take the environment
into account, as explained by ecological rationality, which describes the
match between a decision-making strategy and the environment in which
it is used (RAAB & GIGERENZER, 2005). For instance, in basketball,
ignoring the opponent’s defense structure when defining an attack strategy
in most cases will be ineffective. What information, how much information
and how information is used to decide among a set of possible options
depends on the structure of the environment (RAAB, 2007).
COACH RECOMMENDATIONS
Expert decision makers are not born, but made through a
combination of their developmental experiences as children and then
through quality coaching that provides on- and off-court decision-making
training opportunities. The on- and off-court training methods discussed
here can be coupled with other learning approaches (KLEYNEN et al.,
2014). While off-court decision training can have some advantages, like to
offer the possibility to still train while being injured, coaches should always
consider how the transfer to the court from this off-court training will take
place. In the case of “on field” decision training, no translation has to take
place. A common question is how much each of these training types should
be used. Naturally this question is difficult to answer in a general sense,
however our observations of current practice is that off-court training
should be used far more frequently than it is currently the case. Too often
any off-court training completed is simply a coach led preview and review
of a competitive match which, while of some educational value, certainly
does not proactively train the players’ decision making capacities. It is
our belief that off-court decision-making training should be conducted
in a similar manner to a weight training program. That is, the training
principles of volume, frequency, intensity and overload are manipulated
so that a progressive training effect is generated over time. The recipe of

279
becoming an expert decision maker, in our opinion, is to systematically
combine on-court training focusing on the execution of what and how
decisions with off-court training. That is, all steps of the decision-making
process, particularly the components of generate, consider and select,
should be part of both types of training though not necessarily presented
in an explicit manner.
FOR SCIENTISTS
From a scientific perspective, there is a seemingly never-
ending debate about the different perceptual-cognitive competencies
an expert athlete should possess (FARROW & RAAB, 2008; RAAB
& HAARWOOD, 2015). Though, the accumulated evidence on the
importance of decision making as differentiating expert and novice
performance indicates that decision making is a critical limiting factor that
should be targeted specifically during training (de Oliveira, LOBINGER,
& RAAB; 2014; RAAB, 2012, 2015). According to the developmental
ecological rationality theory (MARASSO, LABORDE, BARDAGLIO, &
RAAB, 2014) this training should specifically take into account the age of
the athlete, in order to determine the best way to train decision making. The
approach of combining the training of “how” and “what” decision initiated
by Raab, Masters and Maxwell (2005) seems very promising, however
researchers should continue to investigate the best way to do so, according
to the sport and to the athletes’ skills level. Regarding off-court training
(FARROW & RAAB, 2008), there are also many unanswered questions
concerning the application of video based simulations to develop decision
making skill, for example what skill level of player benefits most from
such training? And what type of instructional approach is most effective,
and how tight should coupling be to the physical response? Combining in
an integrative manner on-court and off-court decision making training, as
well as integrating the “how” and “what” aspects of the decision during
training seem to be the crucial questions that researchers need to answer
in a near future.
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283
284
FORMAÇÃO DE TREINADORES ESPORTIVOS: REALIDADE E
PERSPECTIVAS

Michel Milistetd, Dr. (UTFPR/PR)

William das Neves Salles, Ms. (UFSC/SC)

Vinicius Zeilmann Brasil, Ms. (UFSC/SC)

Michél Angillo Saad, Dr. (UFSC/SC)

Juarez Vieira do Nascimento, Dr. (UFSC/SC)

INTRODUÇÃO
No cenário contemporâneo caracterizado por constantes
transformações, as demandas de conhecimento são cada vez maiores. Assim,
a aprendizagem deve ser reconhecida como um processo inacabado e as
estratégias formativas devem ser continuamente revistas (JARVIS, 2006).
No campo do coaching esportivo, muitas oportunidades de aprendizagem
são reconhecidas no decorrer da carreira profissional de treinadores
(NELSON; CUSHION; POTRAC, 2006, WERTHNER; TRUDEL,
2006). Entre elas, as experiências em contextos informais, como a própria
vivência prática e a interação entre os pares têm sido consideradas como as
principais fontes do conhecimento de treinadores esportivos (ERICKSON
et al., 2008; LEMYRE; TRUDEL; DARAND-BUSH., 2007; MESQUITA;
ISIDORO; ROSADO, 2010; NASH; SPROULE, 2012).
Os treinadores reconhecem a preparação formal como importante
via para proporcionar o desenvolvimento profissional, por compreender a
oportunidade de atingir níveis mais elevados na profissão. No entanto, se
por um lado a agenda investigativa tem demonstrado que os programas
formais são fundamentais para o desenvolvimento de treinadores
(HUSSAIN et al.; 2012; MCCULLICK; BELCHER; SCHEMPP, 2005),
por outo lado, o impacto desses programas ainda são limitados. Em uma
revisão de trabalhos publicados sobre a educação de treinadores entre
1998 e 2007, Trudel, Gilbert e Werthner (2010) encontraram investigações
voltadas à preparação de treinadores em programas de pequena escala

285
(n=4), larga escala (n=6) e programas universitários (n=4). Na maioria das
propostas investigadas ficou evidente que as estratégias formativas estão
sustentadas por modelos tradicionais de ensino, nos quais a via central de
educação concentra-se na transmissão de informações, sem considerar a
experiência prévia dos treinadores ou suas necessidades de aprendizagem
(JONES; TURNER, 2006; TRUDEL; CULVER; WERTHNER, 2013).
Mais recentemente, alguns estudos têm demonstrado determinadas
estratégias de formação mais próximas da realidade profissional dos
treinadores esportivos. Entre elas, são referidas: comunidades de prática
(JONES; MORGAN; HARRIS, 2012), aprendizagem baseada em
competências (BANACK; BLOOM; FALCAO, 2012) e aprendizagem
baseada em problemas (MORGAN et al., 2012; MORGAN et al., 2013).
Os autores consultados ressaltam que o uso destas estratégias formativas
favorece a interação entre os participantes em atividades que valorizam as
situações reais de sua intervenção profissional. Além disso, o treinador é
colocado no centro do processo educativo, assumindo o papel ativo sobre
a própria aprendizagem.
A mudança de foco no conteúdo e no instrutor para o foco no
aprendiz tem sido considerada o elemento chave para a alteração de
programas formais de preparação de treinadores (NELSON et al., 2012,
TRUDEL; CULVER; WERTHNER, 2013). O ensino voltado ao aprendiz
é reconhecido como adequação necessária não apenas à formação de
treinadores, mas à reorganização dos processos de desenvolvimento
profissional do século XXI (CULLEN; HARRIS; HILL, 2012; HARRIS;
CULLEN, 2010). A necessidade do desenvolvimento de competências,
como criatividade, tomada de decisão, comunicação e capacidade
reflexiva, é urgente no cenário contemporâneo de rápidas mudanças e de
alta velocidade de informações (WEIMER, 2012). No entanto, a mudança
de um ensino centrado no instrutor para um ensino centrado no aprendiz
é um processo lento e que implica em alterações na própria cultura da
educação formal, além do engajamento mútuo de todos os envolvidos
neste processo, desde gestores e instrutores até os próprios estudantes
(BLUMBERG, 2009; WEIMER, 2012).
No momento em que a reflexão sobre a preparação de treinadores
ganha evidência em todo o mundo e a busca pela profissionalização da
286
área é evidente (ICCE, 2013), o Brasil já reconhece o treinador esportivo
como um profissional. O sistema de formação de treinadores no país inicia
nas universidades e é estendido por cursos oferecidos por federações
esportivas e também pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Essa estrutura
nacional de formação de treinadores vai ao encontro das recomendações
internacionais para a preparação de treinadores esportivos (ICCE, 2013).
Contudo, a eficiência desse sistema nacional de formação de treinadores é
colocado em dúvida, diante das evidências recentes que demonstram que
os cursos de preparação ainda são moldados em perspectivas instrucionais,
com excesso de conteúdos teóricos e raros momentos de vivências práticas
e oportunidades para a construção do próprio conhecimento (MILISTETD
et al., 2014).
A compreensão dos pressupostos do ensino centrado no aprendiz
pode fornecer subsídios para ampliar a discussão sobre a preparação de
treinadores no cenário nacional. Especificamente no Brasil, onde a base
da formação desses profissionais ocorre no ambiente universitário, o
entendimento do ensino centrado no aprendiz pode dar condições não
apenas para alterar as estratégias formativas, mas também para revisar as
próprias diretrizes que orientam a preparação dos profissionais do esporte
no país. Portanto, o objetivo desse capítulo é apresentar as características
do ensino centrado no aprendiz voltado à formação de treinadores
esportivos no Brasil. O conteúdo está organizado em três partes: a primeira
destina-se à identificação da estrutura atual da formação de treinadores e as
responsabilidades de cada organização; a segunda apresenta os elementos
chave do ensino centrado no aprendiz; a terceira discute os desafios da
formação de treinadores pela perspectiva do ensino centrado no aprendiz.
Panorama da formação de Treinadores no Brasil
A “formação de base” para o Treinador Esportivo
Embora algumas iniciativas em favor do estabelecimento de uma
forma de certificação, com caráter civil, do treinador esportivo tenham
ocorrido desde o ano de 1939, com a promulgação do Decreto-lei 1.212
de 1939 e a criação da Universidade do Brasil e a Escola Nacional de
Educação Física (OLIVEIRA, 2006), somente nos anos finais da década
de 1980 que passam a ser realizadas ações para o estabelecimento de uma

287
identidade profissional em Educação Física, bem como para aproximar as
atividades desta área ao conceito das profissões liberais (SOUZA NETO;
HUNGER, 2006).
Diante desta necessidade de ajuste da Educação Física às
configurações das profissões mais tradicionais (Medicina, Direito,
Odontologia, entre outras), é que em 1998, a partir da promulgação da Lei
9.696/98, ocorre a regulamentação da profissão e a criação do Conselho
Federal de Educação Física (CONFEF) e dos Conselhos Regionais (CREF).
Resumidamente, esta lei traz a prerrogativa para a intervenção no âmbito
do esporte e a obrigatoriedade de obtenção do diploma de graduação em
Educação Física e o registro no Conselho Regional desta área, de algum
estado do território brasileiro. Uma consequência importante desta lei
foi a manutenção do estado de tutela sobre a formação dos treinadores
esportivos, seja ela de forma direta, por meio dos cursos de ensino superior
em Educação Física de caráter público; ou indiretamente, por intermédio
das faculdades de ensino com caráter privado, que possuem funcionamento
autorizado e supervisionado pelo Ministério da Educação (MEC).
Na prática, isto implica a realização obrigatória do curso de
graduação em Educação Física por qualquer cidadão que pretenda atuar
como treinador esportivo, seja no âmbito do lazer, da formação de jovens
atletas, ou ainda, para intervir no âmbito do esporte de alto rendimento.
Apesar destas determinações serem claras, duas situações de exceção são
amparadas pela legislação brasileira. A primeira diz respeito aos indivíduos
que já atuavam como treinador esportivo, em período anterior a aprovação
da Lei 9.696/98, que não possuem o diploma de curso de graduação em
Educação Física. Neste caso, a possibilidade de profissionalização se
concretiza por meio do título de “provisionado” em Educação Física, o qual
habilita para atuar especificamente na modalidade que possui experiência
laboral. Isto só ocorre, de fato, mediante comprovação legal desta
experiência e participação em um programa de instrução, oferecido pelo
sistema CONFEF/CREFs, que inclui conhecimentos pedagógicos, ético-
profissionais e científicos. A segunda exceção se refere à regulamentação
da profissão do Treinador de Futebol, em que a Lei 8.650/93 assegura a
intervenção profissional no âmbito do treinamento desta modalidade aos

288
que comprovarem a experiência de trabalho nesta área.
Neste contexto de alterações e ajustes da atividade profissional em
Educação Física, as proposições mais recentes correspondem à aprovação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de licenciatura
(Resolução Nos 01 e 02/CNE/2002 e Resolução Nº 02/CNE/2015) e de
bacharelado (Resolução Nº 07/CNE/2004). Relativamente ao segundo, a
responsabilidade é habilitar profissionais para atuar em diferentes formas
de manifestação do movimento humano ou atividade física (jogos, danças,
ginásticas, lutas e esportes) fora do sistema de educação básica, incluindo
o esporte (BENITES; SOUZA NETO; HUNGER, 2008; BETTI, 2005). A
criação dos cursos de bacharelado, de determinado modo, buscou atender
uma demanda de intervenção, sobretudo no âmbito esportivo (treinamento,
gestão, lazer, educação, saúde, entre outros). As normas mínimas que
todos os programas devem atender foram estabelecidas pelo governo
federal por meio das Resoluções Nº 07/CNE/2004 e Nº 04/CNE/2009.
Estes documentos trazem diretrizes a serem seguidas pelas Instituições
de Ensino Superior (IES), referentes à matriz curricular dos cursos, à
carga horária, aos objetivos e às competências a serem desenvolvidas nos
estudantes.
Os cursos de licenciatura e de bacharelado devem apresentar, no
mínimo, 3.200 horas de formação distribuídas num período igual ou
superior a 4 anos. Os conteúdos contemplados no currículo devem estar
pautados em: Conhecimentos Gerais (Ser humano e sociedade; Biológicos
do corpo humano; Produção do Conhecimento Científico e Tecnológico)
e Conhecimentos específicos (Culturais do movimento humano; Técnico
instrumental; Didático Pedagógico). Complementarmente, as atividades
de ensino-aprendizagem utilizadas para formar os profissionais devem
abranger situações teórico-práticas, Práticas Pedagógicas Curriculares
(PPC), Estágio Curricular e também, Atividades Acadêmico-Científico-
Culturais (ACC). A figura 2 apresenta a distribuição da carga horária média
dos cursos de bacharelado em Educação Física no Brasil.
Quadro 1. Organização curricular dos cursos de bacharelado em Educação Física
(Milistetd et al., 2014).

289
Geral Esporte
Média (Min-Máx) Média (Min-Máx)
Conhecimentos Gerais 982h (770h-1424h) ---
Conhecimentos Específicos
2080h (1632h- 2700h) 688h (320h-1010h)
- Disciplinas
1688 (1310-1940) 539h (300h-820h)
Teórico-Práticas
392h (150h-585h) 149h (0h-420h)
- Estágio Curricular
Atividades Acadêmico- 202h (120h-300h)
---
Científico-Culturais
Total 3254h (2855h-4250h) 688h (320h-1010h)

O retrato atual dos cursos de bacharelado em Educação Física


no Brasil tem indicado a priorização de uma formação profissional
“generalista”, ou seja, os futuros profissionais que pretendem atuar em
um contexto específico do esporte estão sujeitos a cursar, durante boa
parte do curso, disciplinas que não atendem suas expectativas individuais
(MILISTETD et al., 2014). Além disso, as disciplinas específicas sobre
os esportes abrangem variedade extensa de modalidades esportivas,
desde as mais tradicionais até as práticas recorrentes da sociedade atual,
o que pode inviabilizar o aprofundamento em uma modalidade específica
(NASCIMENTO, 2002).
Apesar do frequente apelo para a prática esportiva e as possibilidades
reais de intervenção para o profissional de Educação Física, acredita-se
que os cursos de formação inicial na área, sobretudo os de bacharelado,
não têm atingido as expectativas de formação profissional para favorecer a
intervenção no âmbito esportivo, impulsionando deste modo o surgimento
de “vias” complementares de formação para o treinador.
A formação específica para o Treinador: o contexto “esportivo”
As entidades esportivas começam a acenar a preocupação com a
formação específica de treinadores para suas modalidades em atendimento
à demanda social de prática esportiva. Acredita-se que, em parte, dois
aspectos impulsionam este “movimento federativo”: primeiro, a cultura
da formação unidimensional, isto é, a transição do papel de atleta para o
de treinador sem formação formal ou habilitação profissional para intervir
neste campo; e o segundo, a formação generalista, a qual os treinadores
290
bacharéis em Educação Física foram ou estão submetidos.
Em termos gerais, estas iniciativas surgem a partir de organizações
não governamentais, nomeadamente, as confederações, federações,
associações e clubes privados, as quais estão vinculados a uma organização
em nível federal que, no Brasil, corresponde ao Comitê Olímpico Brasileiro
(COB) (FIGURA 1).
Figura 1. Estrutura da formação profi ssional do treinador esportivo no Brasil.

Os programas e cursos de formação de treinadores esportivos no


Brasil tradicionalmente vêm ocorrendo no âmbito das federações esportivas,
contudo são desenvolvidos de modo disperso, com frequência variada
e em modalidades específi cas. De acordo com Ciampolini et al. (2014),
apenas 14 federações esportivas nacionais, de modalidades olímpicas,
têm desenvolvido algum tipo de programa regular de qualifi cação de
treinadores. A estrutura dos cursos oferecidos varia entre programas com
apenas um nível de formação e outros com cursos de até quinze níveis
distintos. Como exemplo, destaca-se o caso da Confederação Brasileira
de Tênis (CBT) que possui 10 módulos em seu nível inicial ou básico, e
outros 5 módulos em seu nível avançado, que complementam a formação

291
do treinador, com conhecimentos de psicologia, preparação física e
biomecânica. Dentre os cursos que apresentam uma estrutura curricular
distribuída em mais de um nível, bem como maior complexidade em sua
progressão, destacam-se os programas oferecidos pelas confederações
de Atletismo, Badminton, Basquetebol, Futebol, Hóquei sobre Grama e
Indoor, Remo, Tênis, Triathlon e Voleibol.
Mais recentemente, impulsionado pelo movimento olímpico no
país, o Instituto Olímpico Brasileiro (IOB) dedicou-se à estruturação de
um programa de capacitação de treinadores, denominado de Academia
Brasileira de Treinadores (ABT). A ABT oferece o Curso de Esporte de
Alto Rendimento para dois contextos de intervenção, o Desenvolvimento
Esportivo e o Aperfeiçoamento esportivo. Este curso possui duração de
aproximadamente dois anos (total de 840 horas) e está organizado em
três módulos: presencial, à distância e, ainda, os estágios nacionais e
internacionais. De modo geral, estes cursos de formação de treinadores
buscam capacitar e aprimorar os conhecimentos e competências acerca
do treinamento esportivo, caracterizando-se como um programa voltado
aos treinadores que já estejam atuando nesse ambiente de atividade
profissional.
Embora a ABT seja considerada um programa de formação
continuada destinado aos treinadores com experiência reconhecida, o
formato dos cursos desenvolvidos nessa organização é muito similar ao
dos cursos de formação inicial em Educação Física. Na proposta vigente
que terá início em 2015 para a terceira turma da ABT (modalidades de
Atletismo, Canoagem, Ciclismo e Remo), os treinadores terão módulos
presenciais e à distância de disciplinas tradicionais como: Pedagogia
do Esporte, Aprendizagem Motora, Fisiologia, Cinesiologia, Filosofia,
entre outras. Os estágios com renomados treinadores internacionais serão
realizados no período de cinco dias e após essa atividade de imersão, os
treinadores devem apresentar seus relatórios em formato de seminários
(COB, 2015).
Características do Ensino Centrado do Aprendiz (Lerner-Centered
Teaching)
Independentemente das frequentes mudanças nas formas de

292
organização, comunicação e aprendizagem dos indivíduos na sociedade
atual, verifica-se que grande parte das instituições de formação ainda
se organiza sob o paradigma tradicional e fragmentado de ensino,
reconhecido como Paradigma Instrucional (BARR; TAGG, 1995). Nesta
perspectiva, cuja finalidade principal é a de que os instrutores ensinem
algo aos aprendizes, os métodos e as estratégias de ensino (baseados na
instrução) são idênticas ao próprio resultado almejado (instrução), o que
faz com que os conteúdos sejam apresentados pelos instrutores de maneira
fragmentada e descontextualizada das experiências prévias dos aprendizes.
A aprendizagem, neste caso, se caracteriza por ser mecânica e baseada
na memorização dos conteúdos, ao invés de se pautar na estimulação do
pensamento divergente e na autonomia de pensamento e ação (BARR;
TAGG, 1995; COUTINHO, LISBÔA, 2011).
Na tentativa de superar o processo tradicional de ensino-
aprendizagem, surgiu o Paradigma da Aprendizagem, cuja finalidade
principal é promover a aprendizagem. Considerando que, neste paradigma,
o resultado (aprendizagem) justifica os meios utilizados para atingi-lo, os
métodos e as estratégias podem e devem ser construídos conjuntamente
por instrutores e aprendizes, no intuito de se adequar às necessidades
individuais para potencializar a significância da aprendizagem e o resultado
final do processo (BARR; TAGG, 1995).
O Quadro 1, a seguir, elucida as principais diferenças entre o
Paradigma Instrucional e o Paradigma da Aprendizagem:
Quadro 2. Principais diferenças entre o Paradigma Instrucional e o Paradigma da
Aprendizagem.

Paradigma Instrucional Paradigma da Aprendizagem


Descoberta e construção conjunta
Transferência de conhecimento do
do conhecimento entre instrutor e
instrutor ao aprendiz
aprendiz

As estratégias (métodos) são


O resultado (aprendizagem) orienta a
mais importantes que o resultado
organização das estratégias (métodos)
(aprendizagem)

Disciplinas entrelaçadas e ministradas


Disciplinas e conteúdos isolados
em regime de colaboração

293
Avaliações diagnóstica (antes),
Avaliação somativa, apenas (ao fim do
processual (durante) e somativa (ao
curso ou programa)
fim)
Graduação é consequência da Graduação é consequência dos
quantidade de créditos acumulados em conhecimentos e habilidades
disciplinas demonstradas
Conhecimento existe no interior de
Conhecimento possui existência
cada um, e é formatado conforme as
independente, externa ao aprendiz
experiências individuais
Aprendizagem é centrada e controlada Aprendizagem é centrada e controlada
pelo instrutor pelo aprendiz
Ambiente e aprendizagem são Ambiente e aprendizagem são
competitivos e individualistas cooperativos e colaborativos
Instrutores e aprendizes possuem Instrutores e aprendizes trabalham em
papeis independentes e isolados regime colaborativo
Distribuição hierarquizada do poder Distribuição partilhada do poder

Fonte: Adaptado de Barr e Tagg (1995).

O ensino centrado no instrutor parte do princípio de que o


conhecimento é algo fechado, compartimentalizado e externo ao aprendiz
e que, portanto, deve ser ensinado ou transmitido por um especialista no
assunto. Este poder aumentado do instrutor, automaticamente, destina-o
à função de único responsável pela aprendizagem dos estudantes, o que
implica na centralização das decisões relacionadas ao planejamento,
à condução e à avaliação do processo. Considerando que a função da
avaliação, neste paradigma, é fundamentalmente classificatória, torna-
se possível caracterizar o ambiente de ensino-aprendizagem como
competitivo e individualista, o que não favorece a troca de experiências e
a construção coletiva de novos desafios e saberes.
Por outro lado, em propostas centradas no aprendiz, compreende-
se que o conhecimento é essencialmente experiencial, derivado do
conjunto de experiências vivenciadas individualmente e, também,
da interpretação particular conferida a tais experiências. Ao partir
dessa lógica, o centro do processo formativo deixa de ser o instrutor
(que detém o único e verdadeiro conhecimento) e passa a ser o próprio
aprendiz, motivo pelo qual as novas aprendizagens necessitam estar
alinhadas às suas necessidades e expectativas. O papel do instrutor, neste

294
caso, é o de auxiliar os aprendizes a desenvolver as potencialidades e a
superar as limitações existentes em si mesmos, o que se torna possível
graças à distribuição compartilhada do poder e ao estímulo à autonomia e
à reflexão do aprendiz.
Com base nos mesmos princípios do paradigma da aprendizagem
(BARR e TAGG, 1995), Weimer (2002, 2012) identificou cinco
dimensões fundamentais que devem ser reestruturadas de programas
tradicionais (centrados no instrutor) para alcançar uma proposta de ensino
centrada no aprendiz: (a) função do conteúdo; (b) papel do instrutor;
(c) responsabilidade pela aprendizagem; (d) objetivos e processos de
avaliação; (e) equilíbrio de poder. Para a autora, a reorganização desses
cinco elementos permite que haja um “empoderamento” do aprendiz em
seu próprio processo de aprendizagem, sendo as instituições de ensino
responsáveis em oferecer condições para que essas alterações ocorram.
No entanto, Cullen, Harris e Hill (2012) alertam que o planejamento e
a implementação destas novas propostas de educação não são tarefas
simples. A cultura tradicional de ensino presente na educação de adultos
apresenta grande resistência à mudança, assim como a descentralização
do controle do processo educativo e o aumento da responsabilidade dos
estudantes por sua aprendizagem são barreiras a serem ultrapassadas. A
seguir são apresentados com mais detalhes os cinco elementos propostos
por Weimer (2012) e situados na lógica da formação de treinadores.
Função do conteúdo
Tradicionalmente, os programas de formação definem estruturas
rígidas de conteúdos, as quais necessitam ser seguidas por instrutores
e aprendizes. Alicerçada na lógica do “quanto mais conteúdo, melhor”,
esta opção acaba sendo a mais comumente adotada pelos instrutores,
pois propicia maior conforto e segurança aos mesmos em função da
expertise que possuem, derivada das repetidas experiências de leitura e de
ministração de tais blocos de conteúdos ao longo dos anos. Além disso, a
própria estrutura linear dos programas de formação, em que determinados
blocos de conteúdos são interpretados como sendo “pré-requisitos” para
outros, acabam reforçando a necessidade de se “cobrir todo o conteúdo”
programado para a disciplina ou curso, o que estimula os aprendizes a
simplesmente memorizarem o necessário para sua aprovação (WEIMER,
295
2002).
As principais funções do conteúdo, na perspectiva centrada no
aprendiz, são construir a base de conhecimentos aos estudantes e auxiliá-
los na resolução de problemas práticos que encontram em seu cotidiano
profissional (BLUMBERG, 2009). Considerando a elevada quantidade
de informação atualmente disponível, é impossível aos instrutores ensinar
aos aprendizes tudo que eles necessitam saber a respeito de determinado
tópico. Assim, o mais importante é que os conteúdos ministrados sejam,
ao invés de extensos e complexos, instrumentalizadores da ação prática e
motivadores da aprendizagem contínua do aprendiz, contribuindo para o
desenvolvimento de sua reflexão e autonomia (WEIMER, 2002).
É importante ressaltar que, nos programas de formação centrados
no aprendiz, a própria aprendizagem é um conteúdo a ser discutido. Neste
sentido, os aprendizes são constantemente questionados sobre o que eles
estão aprendendo, como estão aprendendo, e sobre qual é o significado
de determinada aprendizagem para eles, no intuito de torná-los mais
conscientes a respeito de si mesmos e de promover o desenvolvimento
de habilidades de aprendizagem. Outro aspecto a destacar é que, no
ensino centrado no aprendiz, um dos conteúdos a serem explicitados
são as habilidades de aprendizagem. Neste caso, os instrutores auxiliam
os estudantes a pensar, resolver problemas, avaliar evidências, analisar
argumentos e gerar hipóteses (WEIMER, 2002).
No âmbito da formação de treinadores, a utilização de estratégias
de ensino que estimulem os aprendizes a refletir sobre os problemas da
própria prática tem sido capaz de desenvolver competências pedagógicas
como a organização do ambiente do treino, a condução dos treinamentos e a
liderança dos atletas (MCCULLICK; BELCHER; SCHEMPP, 2005), bem
como competências reflexivas e de resolução de problemas, o que resulta
em maior autonomia aos treinadores aprendizes (LEDUC; CULVER;
WERTHNER, 2012; PAQUETTE et al., 2014). Estratégias como a
resolução de problemas situados, a experimentação contextualizada e a
interação entre os participantes também têm se apresentado eficazes para
o desenvolvimento de competências pedagógicas, pois reforçam a noção
de aprendizagem como processo simultaneamente individual (baseado nas
experiências individuais e, portanto, significativo) e coletivo (alicerçado
296
em um regime de colaboração e de compartilhamento de ideias) (JONES;
MORGAN; HARRIS, 2012; MORGAN et al., 2012).
Papel do instrutor
Na perspectiva centrada no aprendiz, o instrutor não é centralizador,
mas sim mediador, facilitador e guia da aprendizagem. De acordo com
Blumberg (2009), as atribuições do facilitador envolvem a criação
de situações e de ambientes agradáveis de aprendizagem, bem como o
estímulo às reflexões e o apoio aos aprendizes no processo da construção
individual do conhecimento.
As opções filosóficas e as escolhas didático-metodológicas dos
instrutores estão fortemente relacionadas às suas biografias e crenças
epistemológicas (POLISH, 2007; LINDBLOM-YLÄNNE; NEVGI;
TRIGWELL, 2011). Tais opções e escolhas, por sua vez, necessitam estar
alinhadas aos objetivos dos programas de educação, de modo que se atinja
a qualidade necessária para a boa formação dos treinadores (PAQUETTE
et al., 2014). Considerando que as crenças profissionais dos instrutores
são constituídas a partir de suas próprias experiências, a mudança de tais
opções, escolhas e comportamentos de longa data (os quais, normalmente,
estão alicerçados em princípios tradicionalistas) é referida como sendo
o maior desafio para que se consiga assumir a adoção de estratégias de
ensino centradas no aprendiz (BLUMBERG, 2009, WEIMER, 2012), o
que reforça a necessidade de que os instrutores sejam cuidadosamente
preparados para assumir papeis de facilitadores na preparação de
treinadores (WERTNHER; CULVER; TRUDEL, 2012).
Dentre as possíveis estratégias de ensino a serem utilizadas pelo
instrutor, considerando seu papel mediador e facilitador, destacam-se,
primeiramente, a necessidade de conhecer as biografias dos treinadores
aprendizes, a fim de oferecer suporte relevante às suas dificuldades e
de motivá-los para que se envolvam efetivamente no próprio processo
de aprendizagem (LEDUC; CULVER; WERTHNER, 2012; TRUDEL;
CULVER; WERTHNER, 2013). Outra estratégia valiosa que pode
ser utilizada pelos instrutores para potencializar o aprimoramento das
competências profissionais dos treinadores aprendizes é a promoção de
momentos e de atividades que favoreçam a interação dos mesmos para

297
a solução de problemas reais encontrados em suas práticas cotidianas
(JONES; MORGAN; HARRIS, 2012; MORGAN et al., 2012; TRUDEL;
CULVER; WERTHNER., 2013). Por fim, os instrutores necessitam se
esforçar para o seguinte: conceder maior responsabilidade e autonomia
aos aprendizes nas diferentes etapas do curso ou disciplina ministrada;
palestrar menos e estimular mais os aprendizes a descobrirem as respostas
para os problemas apresentados; planejar e implantar estruturas e formatos
de apresentação dos conteúdos de maneira a extrair o essencial, de maneira
a instigar os aprendizes a querer assimilá-lo; servir como exemplo de
aprendiz e demonstrar determinadas habilidades de aprendizagem aos
estudantes; criar ambientes positivos de aprendizagem; diversificar as
formas de apresentar feedback de desempenho aos estudantes, explorando
avaliações escritas, recursos audiovisuais, conversas informais, entre
outras possibilidades (WEIMER, 2002).
Responsabilidade pela aprendizagem
Como já mencionado, em programas de formação organizados sob
a lógica tradicional, os instrutores exercem papel central no processo de
ensino-aprendizagem, pois são responsáveis por toda a organização das
aulas ou sessões. Nesta concepção em que os resultados de curto prazo
conferem a falsa sensação de sucesso, os instrutores decidem o que os
aprendizes devem aprender, a forma como eles aprendem, o ritmo
de aprendizagem, as condições em que o processo é desenvolvido e,
finalmente, como avaliar se o aprendiz aprendeu ou não. Os aprendizes,
por outro lado, possuem responsabilidades mínimas, pois suas atribuições
se resumem, basicamente, em memorizar os conteúdos ministrados e
em responder os eventuais questionamentos propostos pelo instrutor. As
principais consequências disso são a falta de motivação intrínseca do
aprendiz e sua dependência do instrutor, o que contribui para agravar
ainda mais a situação (WEIMER, 2002).
Na perspectiva centrada no aprendiz, o instrutor possui a obrigação
de mostrar aos aprendizes o valor e a necessidade da aprendizagem, bem
como que o conteúdo apresentado é relevante para o desenvolvimento
de competências pessoais e profissionais. A partir do instante em que o
interesse dos aprendizes pelo conteúdo é conquistado, os instrutores
possuem as responsabilidades de conduzi-los em direção aos recursos que
298
necessitam para prosseguir com a aprendizagem e, ao mesmo tempo, de
monitorar o processo e de fornecer feedback e avaliação do desempenho
(WEIMER, 2002)
A reorganização de disciplinas, a mudança ou ampliação dos
métodos/estratégias de ensino, a redução da rigidez das regras impostas
ou mesmo a discussão conjunta de tais regras e o uso de avaliações
autônomas e pareadas são possibilidades para aumentar a responsabilidade
dos estudantes (WEIMER, 2002). Além disso, a promoção de momentos e
atividades reflexivas que envolvam efetivamente os aprendizes na discussão
e na criação de novas estratégias de resolução dos problemas apresentados
favorece o desenvolvimento da responsabilidade dos estudantes no
processo de construção do próprio conhecimento (TRUDEL; CULVER;
WERTHNER, 2013).
Um aspecto a salientar é que, para que a estratégia de partilha das
responsabilidades pela aprendizagem se torne norteadora de um programa
de formação de treinadores, é fundamental reconhecer a mesma como
processo contínuo e individual, que serve como base das estratégias de
ensino (LEDUC; CULVER; WERTHNER, 2012; TRUDEL; CULVER;
WERTHNER, 2013). Embora seja uma tarefa trabalhosa, cujos resultados
objetivos possam demorar a aparecer, a iniciativa de engajar ativamente
os aprendizes, conferindo-lhes maior responsabilidade sobre seu próprio
processo de aprendizagem, é necessária para que os mesmos percebam
maior significância e tenham maior controle sobre sua formação (PIERCE;
KALKMAN, 2003), oportunizando o desenvolvimento de sua autonomia
e de competências que extrapolem os limites da sala de aula.
Objetivos e processos de avaliação
A avaliação deve ser a sustentação da aprendizagem dos treinadores
em formação, envolvendo atividades teóricas e práticas que contribuam
para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes. Normalmente, as
avaliações seguem a cultura educacional estabelecida no programa de
formação e as características individuais dos instrutores, reduzindo seu
papel à classificação dos aprendizes de acordo com as notas obtidas ao
longo da disciplina ou do curso (BULLOCK, 2011; WEBBER, 2012).
Na perspectiva centrada no aprendiz, a avaliação permanece com

299
o propósito de gerar notas, mas sua principal função é promover reflexão
e aprendizagem, especialmente porque a busca incessante por melhores
notas (cujos valores motivacional e social são inegáveis) pode desencadear
atitudes antiéticas, tais como a trapaça e a “cola”. Ao adotar estratégias que
ampliam a função da avaliação para além da geração de notas (como, por
exemplo, atividades de autoavaliação e de avaliação pareada), a perspectiva
centrada no aprendiz contribui para que os estudantes percebam maior
significância no processo avaliativo, em detrimento de constatarem que a
nota obtida foi mero resultado da memorização de conteúdos que não são
necessariamente relevantes para sua prática (WEIMER, 2002).
No programa canadense de formação de treinadores, que possui
fundamentos de um ensino centrado no aprendiz, o uso de avaliações ocorre
desde antes da entrada dos treinadores no programa (CAC, 2009). Portfólios
individuais são usados para compreender a trajetória profissional e o nível
de conhecimento de cada treinador (PAQUETTE et al., 2014). Da mesma
forma, ao longo do programa, estratégias como a autoavaliação e a avaliação
centrada na ação pedagógica dos treinadores incentivam os participantes
a refletir sobre si e sobre a sua própria prática, demonstrando um processo
avaliativo que estimula a aprendizagem profissional (PAQUETTE et al.,
2014). Essas estratégias avaliativas utilizadas em programas de formação
têm sido reconhecidas como fundamentais pelos próprios treinadores,
pois auxiliam-nos a se situarem na prática profissional e a se estimularem
a refletir sobre suas decisões (MCCULLICK; BELCHER; SCHEMPP,
2005).
Equilíbrio do poder
A lógica em que a instituição determina o quê, como e
quando o conteúdo deve ser aprendido caracteriza a concepção tra-
dicional de educação (BLUMBERG, 2009). Esta concepção está
enraizada, fundamentalmente, nas premissas de que um bom ins-
trutor é aquele que domina a classe e o contexto de aprendizagem
que ali se desenvolve, assim como na desconfiança, por parte dos
instrutores, em relação ao potencial intelectual, às habilidades de
aprendizagem dos aprendizes e à suposta falta de interesse pelos
conteúdos apresentados (WEIMER, 2002).

300
No entanto, na nova sociedade do conhecimento, em que a
informação é facilmente acessada, a educação deve ser orientada
para impulsionar as necessidades de aprendizagem dos estudantes
(JARVIS, 2006). A distribuição do poder necessita ser partilhada
entre instrutores e aprendizes, de modo que os últimos tenham
oportunidade de decidir, juntamente com os primeiros, onde, como
e quando o processo de aprendizagem deve ocorrer.
A adoção de tal iniciativa aumenta a motivação do aprendiz
e, consequentemente, amplia a aprendizagem. No entanto, para que
seja aplicada com efetividade, é necessário compreender o ambien-
te de aprendizagem na perspectiva de uma comunidade de apren-
dizagem. Ao reconhecer que a aprendizagem provém, em grande
medida, da troca de experiências e do compartilhamento de ideias e
soluções para problemas reais que se apresentam no cotidiano pro-
fissional dos treinadores em formação, abre-se a possibilidade de
que os estudantes aprendam uns com os outros, bem como que os
instrutores também aprendam com eles. O equilíbrio do poder em
programas de formação, portanto, torna o ambiente de aprendiza-
gem agradável e colaborativo, permitindo que a mesma ocorra in-
dividual e coletivamente e potencializando o desenvolvimento das
competências pessoais e profissionais tanto dos aprendizes quanto
dos próprios instrutores (WEIMER, 2002; PIERCE; KALKMAN,
2003).
Ressalta-se que, na perspectiva de ensino centrada no
aprendiz, o compartilhamento do poder não ocorre de maneira au-
tomática e irracional, mas sim de forma gradual, considerando os
níveis progressivamente mais elevados de maturidade e de autono-
mia apresentados pelos aprendizes. Neste sentido, o instrutor con-
tinua tomando determinadas decisões-chave acerca do processo de
ensino-aprendizagem, mas os estudantes também passam a ter a
oportunidade de participar nas tomadas de decisão a respeito de as-
pectos específicos do programa, tais como prazos para a entrega de
tarefas, tipos de tarefa a serem realizadas para se atingir a nota ou
conceito desejado, aprofundamento em determinados conteúdos
do plano de ensino da disciplina, formas de organização para as

301
atividades em sala e fora de sala, formas de avaliação, entre outras
possibilidades (WEIMER, 2012).
Apesar do equilíbrio do poder não ter sido ainda discuti-
do em profundidade em investigações sobre a formação de trei-
nadores, especialistas têm sugerido sua redefinição em contextos
formais, dando mais oportunidades para os treinadores decidirem
sobre o delineamento dos programas (NELSON et al., 2012). Des-
te modo, o engajamento dos treinadores nos cursos é aumentado e
amplia as suas oportunidades de aprendizagem durante as ativida-
des de ensino (LEDUC; CULVER; WERTHNER, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na sociedade contemporânea globalizada, em que tudo muda
rapidamente, os profissionais devem ser capazes de se adaptar às novas
demandas, por isso devem ser reconhecidos como aprendizes ao longo da
vida. A mudança do ensino centrado no instrutor para o ensino centrado no
aprendiz, de fato, parece compreender a chave para a construção de efetivos
programas de formação de treinadores esportivos em uma era marcada
por constantes avanços. Diante das lacunas decorrentes da perspectiva
tradicional presente nos programas de preparação profissional, torna-
se necessário conferir maior atenção às características e às necessidades
particulares de aprendizagem dos treinadores, buscando adequar as
estratégias formativas às demandas por eles apresentadas.
Certamente, o planejamento e a implementação destas novas
propostas de educação não são tarefas simples, considerando a existência
das barreiras histórico-culturais enraizadas sob a lógica do paradigma
instrucional, dentre as quais se pode destacar a grande resistência à
mudança, à descentralização do controle do processo educativo e ao
aumento das responsabilidades dos aprendizes por sua aprendizagem
(HARRIS; CULLEN, 2010). Portanto, o processo de transição entre os
paradigmas de ensino é lento e envolve a reorganização não apenas da
estrutura de cursos e das estratégias de ensino, mas também mudanças em
crenças e perspectivas de gestores, instrutores e estudantes (BLUMBERG,
2009; WEIMER, 2012).
No sentido de minimizar as barreiras da implementação do

302
ensino centrado no aprendiz, Paquette e Trudel (2015) sugerem algumas
estratégias a serem utilizadas em programas de formação de treinadores,
dentre as quais se destacam:
- Compreender os princípios do ensino centrado no aprendiz – A lite-
ratura atual oferece informações detalhadas para a mudança de pa-
radigmas em cada um dos cinco elementos apresentados ao longo
do presente texto (BLUMBERG, 2009; HARRIS; CULLEN, 2010;
CULLEN; HARRIS; HILL, 2012; WEIMER, 2012). Assim, ao se
familiarizarem com os conceitos e práticas do novo paradigma de
ensino, gestores e instrutores podem compreender as mudanças ne-
cessárias em seus programas e em suas aulas.
- Realizar pequenas mudanças incrementais: Gestores e instrutores
deve ser encorajados a percorrer os componentes de cada dimensão
e cuidadosamente selecionar aqueles que eles acreditam que será
mais fácil fazer a transição para abordagens centradas no aprendiz.
- Trabalhar com colegas: O paradigma da aprendizagem é colabora-
tivo. O trabalho com um parceiro pode oferecer não apenas apoio,
mas também, ampliar as oportunidades de aprendizagem por meio
de insights complementares e experiências compartilhadas.
- Partilhar objetivos e estratégias de mudança – A comunicação fre-
quente e explícita com as pessoas envolvidas podem encorajar um
senso de visão compartilhada, promovendo o reforço positivo e o
diálogo aberto acerca das suas experiências e recomendações no
sentido de avançar na implementação das estratégias de ensino
centrado no aprendiz.
As instituições/organizações brasileiras responsáveis pela
formação de treinadores, preocupadas em alcançar níveis de exce-
lência na preparação dos profissionais do esporte, necessitam rever
urgente as suas estruturas e processos de ensino-aprendizagem. A
preparação de um treinador esportivo na atualidade deve ir muito
além de apenas desenvolver conhecimentos técnicos específicos
da sua atividade profissional, os treinadores devem ser prepara-
dos para resolver problemas advindos de seu trabalho, se comuni-
car de forma eficiente com seus atletas e outros atores do cenário

303
esportivo, além de ser criativo e conseguir refletir de forma eficaz
sobre sua própria prática.
A formação universitária, responsável pela preparação ini-
cial dos treinadores esportivos, deve, antes de tudo, ensinar os fu-
turos profissionais a aprender. Os instrutores necessitam ter a cla-
reza de que a aprendizagem é produto das mudanças nas estruturas
cognitivas do treinador, sendo um processo contínuo que ocorre
ao longo da vida. Por isso, é necessário considerar, inicialmente,
o aprendiz e sua biografia, a partir da qual poderão ser propostos
momento e situações de aprendizagem que sejam significativas e,
a partir daí, oferecidas condições para que os futuros treinadores se
debrucem sobre os novos conteúdos e tenham a possibilidade de
discutir, experimentar e refletir sobre a novas informações.
Os cursos oferecidos pelas federações esportivas e pelo
IOB, responsáveis pela formação continuada dos treinadores es-
portivos, devem também considerar os treinadores como aprendi-
zes. Por se tratarem de profissionais que já estão atuando no con-
texto esportivo, os treinadores possuem perfis heterogêneos, sendo
fundamental considerar suas experiências no inicio dos cursos de
formação. A presença excessiva de situações mediadas de apren-
dizagem necessita ser revista para que as situações não-mediadas
de aprendizagem possam assumir papel central no desenvolvimen-
to de treinadores nesses ambientes. Essa alteração nos programas
deve ocorrer no sentido de dar maior responsabilidade aos próprios
treinadores sobre sua aprendizagem, vivenciando e discutindo pro-
blemas reais da sua prática, os quais permitem o fortalecimento de
competências como liderança, comunicação, pensamento crítico e
capacidade de reflexão sobre as próprias experiências.
Por fim, devem ser reconhecidas as responsabilidades de
preparação de ambas as vias de formação (universitária e esportiva),
e isso parece um ponto crucial para que não se instaure uma concepção
de que “uma substitui a outra”. Acredita-se que a proximidade entre os
contextos (formal e não-formal) de formação dos treinadores implica,
objetivamente, na possibilidade dos estudantes se vincularem às entidades
esportivas ainda durante a formação inicial, possibilitando a construção
304
de significados a partir dos conhecimentos trabalhados na universidade;
e também, viabiliza o acesso de treinadores que já atuam no ensino desta
modalidade, aos conhecimentos das ciências do esporte, atribuindo uma
robustez teórica às experiências de prática profissional.
REFERÊNCIAS
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309
310
A COGNIÇÃO EM AÇÃO
PROPOSTA DE UM MODELO DE TREINAMENTO TÁTICO-
TÉCNICO DATOMADADE DECISÃO NOS JOGOS DESPORTIVOS
COLETIVOS

Pablo Juan Greco

Juan Carlos Perez Morales

Henrique de Oliveira Castro

Gibson Moreira Praça

INTRODUÇÃO
Nos jogos esportivos coletivos (JEC) – a exemplo do basquetebol,
futebol, futsal, handebol, hockey, voleibol, etc.- as situações de jogo
apresentam uma elevada imprevisibilidade, aleatoriedade e complexidade
(GARGANTA, 2009). Assim, demandam do praticante um permanente
ajuste decisional, isto é, um ajuste tático-técnico para a solução das situações-
problema que emergem do jogo (MATIAS; GRECO, 2010). Os processos
cognitivos tais como atenção, memória, antecipação e percepção (AFONSO
et al., 2012), presentes na ação do jogador concretizam-se mediante recurso
à fabulosa velocidade do processamento das informações, sejam estas do
ambiente externo (colegas, adversários, bola, meta), quanto interno (stress,
motivação, etc.). Esse processamento decorre em paralelo com a elaboração
de opções de decisão tático-técnica e de ajuste da mesma a situação de
jogo. Os processos de Tomada de Decisão nos JEC são dinâmicos dentro de
um marco socioambiental delimitado situacionalmente com alta exigência
ecológica, portanto, específicos, dificilmente reproduzíveis. Conforme
Sternberg (2000) a cognição humana se explica em termos de “tratamento
em série, mas grande parte envolve tratamento da informação em paralelo,
no qual múltiplas operações acontecem juntas”. Isto indica que sempre
que usamos o conhecimento (função) mudamos nossa representação dele.
A representação do conhecimento não é realmente um produto final, mas
sim um processo, ancorado na memória (estrutura).
311
A ação em esportes solicita uma Tomada de Decisão que é definida
pelo sujeito com base na interação com o ambiente, e de acordo com o
grau de dificuldade de realização da tarefa especifica (conforme a situação
de jogo escolha de uma decisão e a realização motora para concretizar
a mesma, por exemplo, no handebol, realizar um passe ao pivô). Nesse
contexto Nitsch (1975, 1986, 2009), define que a ação em esportes, decorre
em fases, como produto da interação da tríade Pessoa-Tarefa-Ambiente.
O comportamento do jogador está impregnado de intencionalidade, ou
seja, se define como eminentemente tático, portanto, está organizado com
propósitos subjetivos, é intencional, dirigido e regulado psiquicamente
pelos sistemas: social-cognitivo-emocional-automático (NITSCH, 2009).
A Ação em esportes se estrutura com base na finalidade tática, ou seja, o
comportamento dos atletas é caracterizado pela sua intenção tática que
delimita e determina a sua resposta no marco ecológico –isto é, situacional-
do jogo (GARGANTA, 1995, 2002; MEMMERT, 2003; RAAB, 2002;
ROTH, 1989, 1991; TAVARES, 1994; TAVARES et al., 2006).
Embora no contexto de ação nos jogos esportivos coletivos o
treinador diariamente “descubra” a importância dos processos cognitivos,
a manifestação desses é menos aparente do que a investigação acerca da
ação motora em si (MANN et al., 2007). Tal lacuna na literatura e na práxis
é ampliada ao considerar-se o baixo volume de informações disponíveis
em língua portuguesa acerca deste assunto, o que representa aparentemente
uma limitação na formação de estudantes de Educação Física, treinadores
esportivos e outros profissionais que lidam diretamente com o processo de
Ensino-Aprendizagem-Treinamento (E-A-T) dos Jogos Esportivos.
Exterioriza-se, assim, a necessidade da práxis para definir
quais processos subjazem a Tomada de Decisão nos Jogos Esportivos
Coletivos, bem como relacionar a ação tática e o processamento cognitivo
no momento do treinamento, associá-lo a um modelo de ensino-
aprendizagem-treinamento da Tomada de Decisão tático-técnica. O
desafio de pesquisadores e treinadores consiste em compreender quais os
aspectos relevantes relacionados com processos cognitivos como Atenção,
Percepção, Memória e Tomada de Decisão nos Jogos Esportivos, para a se
elaborar adequadamente o processo de ensino-aprendizagem-treinamento
desses componentes na práxis?

312
Por fim, objetiva-se neste aporte discutir a relação entre o
processamento cognitivo e a ação nos jogos esportivos, a partir da
proposta de um modelo de ensino-aprendizagem-treinamento da Tomada
de Decisão nos jogos esportivos coletivos. Cabe, portanto, analisar como
é possível estabelecer relações concretas e específicas entre o processo
de treinamento tático – técnico, o processamento cognitivo e a ação
caracterizada pela Tomada de Decisão do jogador durante as situações que
defronta no jogo.
REVISÃO TEÓRICA
Prévio a se apresentar uma resumida revisão de literatura, torna-se
importante salientar que quando se deseja compreender um mecanismo,
deve-se primeiramente explicar quais são suas tarefas e, em que condições
e limitações este deve trabalhar. (NEUMANN, PRINZ 1992). Seguiremos
esse percurso, resumindo os processos cognitivos que interagem na Tomada
de Decisão, e como estes se organizam em um modelo para o treinamento
tático-técnico da mesma nos jogos esportivos coletivos.
Neste aporte consideram-se as teorias cognitivas como a base da
proposta explicativa do modelo para treinamento da Tomada de Decisão
tático-técnica e da sua justificativa para se organizar processos de ensino-
aprendizado-treinamento. Considera-se que para a tomada de decisão
subjaz a cognição, entendida como o conjunto dos processos que se
relacionam com a consciência e o conhecimento (COSTA; CARDOSO,
2013). Diante de situações de jogo – as que não permitem que a tomada de
decisão seja planejada com antecedência-, os contextos nos que o jogador
desenvolve sua ação se caracterizam por apresentar elevada pressão
(OUDEJANS; NIEUWENHUYS, 2009). Assim, a pressão na motricidade
(coordenativa) diferencia-se em temporal, de precisão, de organização, de
complexidade, de variabilidade ou de carga (NEUMAIER; MECHLING,
1995; KRÖGER; ROTH, 1999). A mesma influencia os atletas, tanto
no plano individual quanto coletivo (GARGANTA; GRÉHAIGNE,
1999) decidir “o que fazer”, escolher e elaborar a solução mental para a
situação-problema, e “como fazer”, execução motora, o gesto técnico em
si (GRECO, 2006) são como dois lados da mesma moeda. Tais decisões
apresentam-se como a manifestação do conhecimento tático (declarativo ou
conhecimento verbalizável dos fatos relevantes de uma tarefa; e processual
313
ou procedimental), isto é, saber em ação, resultante do engajamento na
prática de uma habilidade ou atividade (ANDERSON et al., 2004; CHI;
GLASSER, 1980).
A manifestação do nível de rendimento do conhecimento tático-
técnico evidencia-se na Tomada de Decisão (TD) nas situações de jogo
(AFONSO et al., 2012; DAVIDS et al., 2013; ROCA et al., 2011). Embora
didaticamente o “como fazer” e o “o que fazer” sejam conceitualmente
diferenciáveis, restrições temporais e a elevada complexidade da ação
tática demandam permanente bidirecionalidade entre percepção e
ação (HOSSNER, 2009; OLIVEIRA et al., 2009). Assim, no esporte,
manifestações do processamento cognitivo e da ação motora são uma
via de mão-dupla, retroalimentando-se permanentemente (HOSSNER,
2009) e evidenciando o coupling “Cognição & Ação” nos jogos esportivos
coletivos (BEILOCK, 2009; MATIAS; GRECO, 2010). Assim, a cognição
não pode ser dissociada da ação (MORIN; LE MOIGNE, 2000, 2007).
Em uma situação de jogo no esporte, por exemplo, no movimento
de engajamento no handebol, o jogador em posse da bola avança observa
o defensor direto, o colega, o pivô, o defensor deste, o espaço para
finta, o goleiro, etc., o mecanismo senso-perceptivo inerente à recepção
de informação tem relação com a experiência dos atletas (JÚNIOR;
ALMEIDA, 2013; PIZZERA; RAAB, 2012), com a detecção dos
estímulos, a memória de longo prazo (PIRAS; LOBIETTI; SQUATRITO,
2014), com o conhecimento tático (ARROYO et al., 2008) com a atenção
seletiva, a interpretação das informações, a ativação, a vigilância (VILA-
MALDONADO et al., 2012) e com a antecipação (LIU, 2015). Evidências
empíricas suportam que diferentes habilidades perceptivas, tais como
pistas visuais avançadas, reconhecimento de padrões ou conhecimento das
probabilidades situacionais diferenciam os níveis de perícia (MEMMERT,
2006; WILLIAMS; GRANT, 1999). No entanto, apesar do grande
número de pesquisas com foco nas habilidades perceptivo-cognitivas no
esporte, ainda não está claro se os anos de experiência de treinamento
na modalidade estão associados a um desempenho superior em testes de
processos perceptivos e cognitivos básicos, mesmo sendo observados
melhores resultados dos atletas de elite devido aos efeitos combinados
de treinamento físico e estimulação cognitiva proporcionada pelo próprio

314
jogo (ALVES et al., 2013).
Na literatura apresentam-se duas posições inicialmente antagónicas
em relação ao processo de Tomada de Decisão em esportes. Por um lado,
um grupo de pesquisadores defende que a Tomada de decisão ocorre com
a participação dos processos cognitivos, das representações mentais, com
o envolvimento da memória (de trabalho e de longo prazo), decisões
tomadas de forma deliberativa. Pela sua vez, outro grupo postula que a
Tomada de Decisão em esportes ocorre de forma espontânea, emerge do
ambiente, depende do ambiente, que determina a mesma. Os defensores
dessa posição apoiam-se nas teorias ecológicas, dos sistemas dinâmicos
e da percepção direta). Consideram que a Tomada de Decisão é impelida
pelo ambiente, sem participação de processos cognitivos, de representações
mentais. Destarte que ocorre uma dicotomia, entre as decisões via
participação de processos “Top-down” (de cima para baixo, como nas
decisões deliberativas) e de tipo “Botton-up” (de baixo para cima, como
nas decisões impelidas pelo ambiente). Os autores que seguem essa linha
de pensamento, consideram que todos os elementos necessários a Tomada
de Decisão estão presentes no ambiente. Esta concepção teórica recebe
também a designação de “abordagem baseada nos constrangimentos”
(ARAÚJO, 2005; DAVIDS, et al. 2003).
Uma pergunta frequentemente realizada sobre o que produz melhores
decisões: deliberar ou confiar na intuição? As pesquisas até a presente
data mostram resultados inconclusivos (DIJKSTRA; DER PLIGT; VAN
KLEEF, 2012), mas parece haver evidências de que ambos os modos de
processamento sejam importantes e interajam na Tomada de Decisão.
Neste capitulo descartam-se posições dicotômicas como a
diferenciação entre Tomada de Decisão: deliberativa X intuitiva os embates
Botton-up X top-down. Tomam-se como pontos de referência a “Teoria
da ação (NITSCH, 1986, 2009), a Teoria do comportamento antecipatório
(HOFFMAN,1993), a Teoria da Modularidade da mente (FODOR, 1983;
HOSSNER, 1995), e de Raab, sobre o “Situation Model of Anticipated
Response-consequences in Tactical decision” cuja abreviatura se
define com a sigla “SMART” (traduzido livremente como “Modelo de
Antecipação das Consequências das Respostas em Situação de Decisões

315
Táticas”) (2003, 2007). Particularmente esta proposta relaciona ambas
as alternativas, destaca uma interação e uma unidade de processamento
de informação nas vias “Top-down e Botton-up”, ou seja, uma proposta
integrativa que conforme a situação temporal, permite o reconhecimento
da situação de forma implícita ou explicita, isto é, “Top-down e Botton-up”.
O modelo SMART descreve uma interação bidirecional entre a
Tomada de Decisão e o complexo Percepção-Ação-Tomada de Decisão
considerando os diferentes aspectos dificultadores (constraints), ou fatores
de pressão da Tomada de Decisão. Oliveira et al. (2009), descrevem como
se realiza a aprendizagem tática e como se capta experiência ao longo do
tempo para melhorar a Tomada de Decisão. Nota-se no desenho da figura
1, a seguir, o reforço das interações entre a tríade percepção-ação para se
melhorar a Tomada de Decisão e também se favorecer consequentemente
as possibilidades de que a pessoa realize uma Tomada de Decisão intuitiva,
com alto percentual de probabilidade de sucesso. Para tal, solicita-se que o
conhecimento tático se consolide na memória de longo prazo.
As interações entre os componentes do complexo Tomada de
Decisão-Percepção-Ação são influenciadas pelas restrições impostas
pelo meio ambiente, os “constraints”. As relações de causas e efeitos, de
resultados de ações etc., com o tempo se fortalecem e consequentemente
são armazenadas na memória de curto, médio e longo prazo.
Destaca-se que nesse modelo da integração bidirecional entre
percepção-ação e tomada de decisão os elementos centrais que levam
a um armazenamento das informações se caracteriza conforme os
constrangimentos que a pessoa enfrenta ao longo do processo. Esses
elementos armazenados são pela sua vez os fatores chaves da Tomada de
Decisão Intuitiva.
Figura 1: Modelo de interação bidirecional entre a Tomada de
Decisão, percepção e ação. Observa-se que este processo se consolida ao
longo do tempo (representado pelas linhas mais grosas) (OLIVEIRA et al.,
2009).

316
Na psicologia do esporte a intuição é considerada uma capacidade que
permite ao sujeito entender, identifi car e também antecipar fatos que não
dependem de um conhecimento empírico, ou de conceitos racionais, isto
é, de uma avaliação mais aprofundada. A intuição depende da experiência,
do conhecimento especifi co que a pessoa detém nessa área, os substratos
para respostas intuitivas estão armazenados na memória de longo prazo
e via processos atencionais em interação com a memória de trabalho são
trazidos para o momento.
Tanto o SMART (RAAB, 2003; 2007) bem como o modelo de
interação bidirecional entre a Tomada de Decisão-percepção-ação sugerido
por Oliveira et al., (2009) permitem que professores e treinadores planejem
processos de ensino-aprendizagem-treinamento considerando atividades
direcionadas a concretizar a interação entre duas formas distintas de
aprendizagem: explícita (decisões deliberativas, tipo top-down) e implícita
(decisões intuitivas, tipo botton-up). Com isso, os processos de Tomada de
Decisão são modelados de forma que tanto a recepção e a elaboração de

317
informações via top-down e bottom-up ocorram concomitantemente e sobre
uma perspectiva interligada (RAAB, 2003). Embora a memória de longo
prazo seja efetiva para uma capacidade de tomar decisões, ela afigura-se
insuficiente para resolver as situações de jogo (AFONSO; GARGANTA;
MESQUITA, 2012), portanto, necessária mente os aspectos relevantes
presentes em um contexto muito próximo da situação de Tomada de Decisão
estão imediatamente disponíveis na memória de trabalho (SHARPS;
HESS; RANES, 2007). Ressalta-se, assim, que a memória é um processo
contínuo de manifestações que interage com a Tomada de Decisão de uma
forma flexível e dinâmica, podendo exercer um papel relevante (decisão
deliberativa), ou até mesmo irrelevante na decisão (decisões intuitivas)
(AFONSO; GARGANTA; MESQUITA, 2012).
O “Situation Model of Anticipated Response-consequences in
Tactical decision” - “SMART”-, se relaciona com as teorias de aprendizado
conforme o mecanismo de “controle antecipativo do comportamento”
formulada por Hoffmann (1993) e a proposta da Tomada de Decisão
conforme a heurística do “Take The First” (ou “pegue a primeira” –
EPO-), formulada por Johnson e Raab (2003), e as pesquisas realizadas
posteriormente por esse último autor.
Recentemente, Raab e Laborde (2011) verificaram se a preferência
por uma Tomada de Decisão intuitiva, em comparação à deliberativa,
resultaria em escolhas melhores e mais rápidas. Foi empregado um teste
laboratorial, que consistia de vídeos contendo situações ofensivas no
handebol. Os resultados mostraram que os atletas com preferência pela
intuição na Tomada de Decisão escolheram melhor e mais rapidamente.
Além disso, e principalmente, os jogadores experts foram mais intuitivos
que os quase-experts e os não-experts, apoiando a utilização da heurística
“pegue a primeira-EPO-” na definição de como ocorre a busca pelas opções,
e de como uma opção é escolhida. A conclusão básica foi que experts
utilizam pouca informação e confiam em uma opção gerada intuitivamente,
que é frequentemente melhor que as opções geradas subsequentemente.
Figura 2: SMART: Situation Model for Anticipated Response
consequences of Tactical Decisions (RAAB; TIELEMANN, 2005)
318
Diferentes metodologias de treinamento tático-técnico apresentaram
efeitos relacionados a mudanças na capacidade tática no decorrer do
tempo (MENDONÇA, 2014). Variáveis relacionadas à capacidade tática
são frequentemente testadas por meio de parâmetros como a competência
de tomar decisões em situações reais de jogo (COSTA et al., 2007).
Embora existam diferenças entre esportes devido à natureza
específi ca do jogo, considera-se que o conhecimento está relacionado à
capacidade de análise de informações relevantes e, por isso, jogadores
mais experientes são capazes de antecipar mais adequadamente a ação do
adversário (VANSTEENKISTE et al., 2014). No modelo a interação entre
a atenção e a memória na geração de opções destaca que nos esportes
319
rápidos com bola se exige do atleta uma grande variedade de processos
relacionados à atenção (HÜTTERMANN; MEMMERT, 2014b). Estudos
recentes sugerem que a percepção consciente requer processos de atenção
(MEMMERT, 2006), constatou-se que a atenção visual afeta a antecipação
e a interação com a memória de trabalho (FURLEY; MEMMERT, 2015;
SILVA; OLIVEIRA; HELENE, 2013). Os processos atencionais são
necessários para agregar diferentes valores às dimensões visuais em um
determinado local (POLLMANN et al., 2014).
A grande dificuldade do professor na área do treinamento tático
está caracterizada pela identidade, as características informacionais
presentes nos esportes abertos. Fatores como a variabilidade da técnica,
a imprevisibilidade do contexto ambiental, a aleatoriedade, a riqueza de
possibilidades táticas que se apresentam reunidas à emoção do placar
do jogo justificam o conceito de Garganta (1995) que destaca o “apelo
à inteligência, enquanto capacidade de adaptação a um contexto em
permanente mudança”. Ou seja, para se melhorar a tomada de decisões
no jogo é necessário desenvolver a capacidade de solucionar problemas.
Mesmo quando o atleta seja “bombardeado” por diversos fatores de pressão
para tomar sua decisão.
No modelo pendular proposto (veja figuras 3 e 4 a seguir) se estabelece
uma interação entre a atenção e a memória –com a participação da memória
de trabalho e memória longo prazo-, que acompanha temporalmente a
ação e permite a geração de opções. Elas emergem da relação entre esses
dois processos, como o elo ou ponto fulcral para o processo de treinamento
tático – técnico nos jogos esportivos. Pesquisas mostraram que memória
de trabalho influencia diretamente no comportamento de busca visual e
focalização da atenção (KREITZ et al., 2014) direcionando os estímulos
para o que está armazenado na memória de longo prazo (MORIYA;
KOSTER; RAEDT, 2014). Pessoas com maior capacidade de memória de
trabalho são mais rápidas e precisas em tarefas atencionais (KREITZ et al.,
2014; McCULLICK et al., 2006).
A decisão motora decorre de forma simultânea nas interações
do tratamento da informação conforme os processos de “Top-down e
Botton-up” (RAAB, 2003). O conhecimento tático assume o papel do
eixo de um pêndulo entre ambos os processos (Top-down e botton-up)
320
(ABURACHID; GRECO, 2010; PEREZ MORALES; GRECO, 2007). As
relações entre estes processos ocorrem de forma pendular, oportunizando
se construir a Tomada de Decisão. As relações do conhecimento com a
Tomada de Decisão representam uma via de mão dupla que estabelecem
condicionantes e facilitadores para ambos os processos, modifi cando,
criando mais ao mesmo tempo recriando as alternativas do sujeito para
tomar decisões.
Assim, apresenta-se na sequência o modelo de treinamento da tática
e da técnica, respectivamente - visando a estruturação e planejamento dos
conteúdos específi cos dos jogos esportivos. A partir do modelo pendular
proposto por Greco (2006, 2009), pretende-se oferecer uma alternativa
ou sugestão para abordagem do processo de ensino – aprendizagem e
treinamento tático - técnico. A fi gura (3) abaixo apresenta o modelo de
treinamento da tática.
Figura 3: Modelo pendular para o treinamento da tática (com base
em Roth, 1989)

321
No modelo proposto se estabelece como base para o processo de
E-A-T a atenção e a memória de longo prazo - com a intervenção da
memória de trabalho -, possibilitando a geração de opções, que emerge
da relação entre esses dois processos, como o elo ou ponto fulcral para o
processo de treinamento tático – técnico nos jogos esportivos.
No processo de treinamento tático–técnico o modelo propõe três
momentos específicos no treinamento da tática e da técnica em que os
processos de atenção, memória e geração de opções se destaquem
conforme as tarefas realizadas. Entende-se que a atenção seja um processo
direcionado tanto pelas possibilidades de ação presentes no ambiente
(bottom-up), quanto pela memória de longo prazo e os conhecimentos
prévios adquiridos e retidos (processos top-down). Este processo de
interação entre topdown e botton-up conduz, do ponto de vista da cognição,
à geração de respostas intuitivas e deliberativas, discutidas anteriormente
no capítulo, e que desembocam na tomada de decisão, a escolha por uma
resposta.
Especificamente, o modelo pendular para o ensino da tática (figura
3) propõe três momentos, não hierarquicamente organizados, mas sim
distribuídos em forma pendular. Ou seja, sugere-se que o processo de
ensino da tática a partir do modelo contemple permanentemente três fases,
nas quais diferentes construtos, isto é, atividades, devem ser apresentados.
Por uma proposta em pêndulo, entende-se um movimento de “vai e vem”
no sentido horizontal, e também no vertical, pois o pêndulo se amplia
com o decorrer da aquisição de conhecimento, entre conteúdos tático-
coordenativos em um extremo do pêndulo, para tático-técnicos – no outro
extremo-, nos quais se direciona a atenção para o oferecimento de sinais
relevantes e decisões tático-técnicas.
Ainda em relação ao treinamento tático, dentre os três momentos
propostos, sugere-se realizar atividades que levem ao desvio da atenção
prévio à TD, oferecendo o denominado treinamento tático-coordenativo.
Nessa proposta, problemas táticos do jogo devem ser resolvidos pelos
praticantes com a adição de tarefas coordenativas – incluindo elementos
de pressão para a realização motora, i.e., tempo, precisão, organização,
322
complexidade, carga, variabilidade – responsáveis por levar os praticantes
a desviar a atenção da tomada de decisão no contexto do jogo, permitindo
assim o desenvolvimento da atenção distributiva. Na outra ponta do pêndulo,
sugerem-se atividades tático-técnicas, nas quais as ações demandam
técnicas para resolver as situações táticas e também representem o desvio
da atenção. Como exemplo, no handebol pode-se solicitar ao praticante
a realização, durante o jogo, de lançamentos em suspensão com duplo
ritmo de movimento do braço. No outro lado do pêndulo, com objetivo da
melhoria do pensamento convergente –busca da melhor resposta- e com o
intuito de aprofundar o conhecimento declarativo do atleta, se explicam e
se treinam a descoberta dos sinais relevantes. Assim sugerem-se processos
de focalização da atenção, através do entendimento dos sinais relevantes –
posição dos segmentos corporais, distância do defensor, posição do goleiro
(ou do bloqueio adversário), dentre outras – para melhora do conhecimento
tático que sustenta capacidade de tomada de decisão no contexto do jogo.
O primeiro momento se caracteriza pelo desvio da atenção, em que
são propostas tarefas técnico – coordenativas para o treinamento da técnica
e tarefas tático – coordenativas para o treinamento da tática. Trata-se de
apresentar tarefas duplas para que o praticante possa desviar a atenção
para diferentes estímulos, ativando sua memória de trabalho. Na medida
em que as atividades técnico – coordenativas ou tático – coordenativas
são realizadas, os critérios de execução da técnica e dos meios táticos são
armazenados na memória de longo prazo. O processo de geração de opções
estaria relacionado com os processos de bottom up e top down deliberativos
e determinados pela escolha da melhor opção (inteligência). Na medida em
que o praticante avança no processo de ensino – aprendizagem a geração
de opções teria uma conotação de criatividade mediada também pelos
processos intuitivos de Tomada de Decisão. No caso do basquetebol, por
exemplo, o professor propõe uma tarefa técnico – coordenativa em duplas,
em que os praticantes deverão realizar passe com duas mãos sobre a cabeça
e ao mesmo tempo passar uma bola de futsal com os pés. Um exemplo de
tarefa tático – coordenativa é quando o jogador com bola se posiciona
de costas para a tabela entre a linha de três pontos e a área restritiva. Na

323
área restritiva se posicionam dois jogadores marcados por dois defensores,
configurando uma situação de dois contra dois (2x2). Um jogador deverá
estar na posição de pivô baixo e o outro jogador de pivô alto. O jogador
com bola ao sinal do professor deverá girar rapidamente e passar a bola
para o jogador que estiver livre de marcação, deslocar-se em direção à
tabela e receber o passe novamente para finalizar.
O segundo momento no treinamento se caracteriza pela focalização
da atenção para o aprendizado da tomada de decisão – a partir do estímulo
para se concretizar o pensamento convergente. Nesta fase, cabe aos
professores/treinadores elaborar atividades que permitam ao jogador
descobrir as regras para a ação tática dos alunos do tipo “quando – então”.
Como exemplo, no jogo de futebol, em uma situação de contra-ataque,
“quando” a defesa se encontrar em igualdade/inferioridade numérica
“então” o comportamento adequado é retardar a tentativa de roubada da
bola e esperar o retorno defensivo dos demais companheiros. Por outro
lado, “quando” a defesa se encontra em superioridade numérica, “então” os
defensores têm a possibilidade de sair para marcar diretamente ao portador
da bola. Tarefas táticas com situações de igualdade numérica (3vs.3, 4vs.4)
e superioridade numérica (4vs.3, 5vs.3) podem auxiliar aos treinadores e
professores no estabelecimento destas regras de ação tática.
Por fim, na terceira fase propõem-se tarefas tático-técnicas, nas
quais solicita-se o desvio da atenção a partir das diferentes possibilidades
de execução da técnica para resolver a situação-problema do jogo. Neste
momento, cabe ao treinador explorar diferentes tipos de passe, tipos de
contato da bola com o pé (no futebol) ou de posições angulares do braço
(handebol/basquetebol) durante a realização de situações-problema do
jogo, nomeadamente através da prática de estruturas funcionais.
Na sequência, apresenta-se a figura 4 com a proposta do modelo
pendular para o treinamento da técnica.
Figura 4: Modelo pendular para o treinamento da técnica (Com base
em Roth, 2007)

324
Já no que se refere ao modelo pendular para o treinamento técnico
(fi gura 4), entende-se a necessidade de se incluir os processos cognitivos
para aprendizagem da técnica (ou seja, o gesto ideal, com base em um
modelo comprovado, que permite uma realização com sucesso, com
máximo de efi ciência e efi cácia, bem como economia de energia), no
esporte. Assim, adota-se o mesmo marco teórico apresentado acima
concernente aos processos de treinamento tático apoiados na interação
entre atenção, memória e geração de opções. Especifi camente em
relação à técnica, acredita-se que sua manifestação nas modalidades
esportivas seja direcionada a automatização da mesma – permitindo,
consequentemente, a liberação da atenção para percepção do contexto de
jogo – ou seja solicita-se por um lado uma técnica automatizada, porém
que esteja estabilizada – que seja realizada com menor perturbação
possível apesar dos constrangimentos do jogo – e variável – isto é, que
seja facilmente adaptável às modifi cações na dinâmica do jogo. Assim,
no processo de treinamento sugerem-se tarefas que levem ao desvio da

325
atenção, ou seja, tarefas duplas. Estas tarefas se relacionam com aspectos
tático-coordenativos por um lado do pêndulo, e tático-técnicas no outro
lado desse movimento. Objetiva-se com as tarefas duplas observar quanto
do decorrer do movimento está adequadamente automatizado – ou seja
realizado sem erros, ou estabilizado-. As tarefas duplas são colocadas de
forma a permitir o desenvolvimento da atenção distributiva no contexto
das modalidades esportivas. Objetiva-se, assim, o desenvolvimento de
comportamentos técnicos com automatização e variação -, bem como
adotar-se tarefas de direcionamento da atenção e divisão do movimento
para permitir a estabilização da técnica.
Segundo Raab (2002), o processo de Tomada de Decisão nos
esportes abertos deve considerar não somente o número de probabilidades
de sucesso que o atleta imagina para resolver uma situação, mas também
dos valores que ele atribui à cada situação, como conforme sua experiência
de aprendizado, analisa o marco situacional e os fatores constitutivos da
tarefa. Esses aspectos integram-se no processo de treinamento tático, para
caracterizar a dinâmica do ensino-aprendizado-treinamento. Apresenta-
se o desafio sobre “o que” e “como” um esportista deve aprender para
se comportar de forma inteligente e adequada à situação, para decidir de
forma correta a situação de jogo (ROTH, 1989, 1991). Como deve ser
treinado um atleta de forma que na competição consiga desenvolver suas
potencialidades, impor suas capacidades, responder às expectativas? Essa
resposta será sugerida a partir do modelo pendular de treinamento da
Tomada de Decisão, explicado a seguir.
Porém, resulta importante destacar que o presente modelo precisa
de uma validação empírica. Sua aplicação na práxis se apoia na visão
ecológica e dinâmica do desenvolvimento do conhecimento tático
na realidade situacional característica dos jogos esportivos coletivos.
Porém, o desenvolvimento do conhecimento táctico-técnico assume um
papel relevante no processo de ensino-aprendizagem-treinamento tático,
particularmente na iniciação esportiva, solicitando uma reestruturação
na construção da história de aprendizado dos iniciantes. Postula-se no
modelo pendular a aquisição de experiências principalmente por meio
do jogo, do deixar jogar, do desenvolvimento da capacidade tática em
situações similares ao jogo para formar a base de conhecimento necessário

326
à Tomada de Decisão , isto é, favorecer atividades e jogos que se apoiem
em processos de ensino-aprendizagem-treinamento incidentais (GRECO,
1998; KRÖGER e ROTH, 1999; ROTH et al. 2002) para, a posteriori,
enfatizar processos intencionais, pautados no desenvolvimento da
consciência de jogo e da capacidade de Tomada de Decisão (MESQUITA
e GRAÇA, 2006).
No modelo pendular considera-se que a Tomada de Decisão nos
esportes, particularmente nos jogos esportivos coletivos, ocorre sob
condições de pressão de tempo (CAUSER; FORD, 2014). A capacidade
cognitiva é limitada (RAAB, 2012), o que demanda conhecimento tático
adquirido previamente, ou seja, solicitam-se as funções executivas no
intuito de extrair informações relevantes do ambiente de jogo e buscar a
solução tática adequada para os diferentes cenários (SANFEY, 2007). A
seleção da resposta correta em uma situação de jogo é tão importante quanto
à execução motora (VILA-MALDONADO et al., 2012). O conhecimento
tático orientando a Tomada de Decisão é um componente essencial dos
jogos esportivos coletivos, refletindo a competência do participante de
planejar com antecedência e influenciar as decisões dentro de uma situação
(RAAB, 2007). Nos esportes, os peritos utilizam menos informações têm
um menor número de fixações (RAAB; LABORDE, 2011), conseguem
gerar um número menor de opções com maior qualidade (JOHNSON;
RAAB, 2003) e obtêm respostas mais rápidas (RAAB; JOHNSON,
2007) do que os novatos na TD (OLIVEIRA; LOBINGER; RAAB, 2014;
PIZZERA; RAAB, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste capítulo foram apontados aportes teóricos que
justificam a relevância dos aspectos cognitivos para a ação em atividades
esportivas. Processos como atenção, percepção, memória e tomada decisão
são frequentemente abordados na literatura, dada sua importância para o
sucesso esportivo (AFONSO et al., 2012; OUDEJANS; NIEUWENHUYS,
2009) em modalidades de elevada pressão de tempo, complexidade,
organização, carga e variabilidade (GRECO; BENDA, 1998; KROGER;
ROTH, 2002). Embora do ponto de vista acadêmico tais processos
possuam lugar consolidado na investigação acerca do sucesso esportivo,
sua aplicação no ensino esportivo ainda é superficialmente discutida.
327
Nas últimas décadas, propõem-se diferentes abordagens
construtivistas para o ensino do jogo (MESQUITA, 2013). Nelas, a
modelação do processo de Ensino-Aprendizagem-Treinamento não
enfatiza o desenvolvimento e a continuidade de situações rígidas,
estereotipadas e previamente planejadas – distantes do contexto real do
jogo. Baseia-se no oferecimento de situações-problema que instigam os
praticantes a tomarem decisões cognitivas e motoras e adaptarem seus
planos às mudanças ambientais (GARGANTA et al., 2013; MESQUITA
et al., 2006). Nestas condições, a execução técnica passa a possuir um
importante significado, inserindo-se no processo de solução de problemas
assentes via processos cognitivos.
Para permitir o fortalecimento da relação entre o saber como fazer
– execução motora – e o saber o que fazer – Tomada de Decisão, sugerem-
se na literatura diferentes abordagens metodológicas. Propostas como o
Teaching Games for Understanding (BUNKER; THORPE, 1982), Sports
Education (SIEDENTOP, 1987), Iniciação Esportiva Universal (GRECO;
BENDA, 1998) e Escola da Bola (KROGER; ROTH, 2002) preconizam o
ensino do esporte a partir de métodos relacionados com a apresentação de
situações de jogo, com permanente exposição dos praticantes a situações-
problema. Uma maneira de operacionalizar a aplicação deste método é a
inclusão de Pequenos Jogos no processo de E-A-T, os quais podem ser
manipulados quanto ao tamanho do campo, número de jogadores, regras
técnicas, jogadores adicionais e número e formato das balizas (AGUIAR
et al., 2012; PRAÇA et al., 2015).
Por fim, sugere-se que o desenvolvimento dos processos
cognitivos seja objetivo permanente de treinadores e professores de
diferentes modalidades esportivas. O desenvolvimento da capacidade de
jogo passa pela formação de atletas inteligentes e criativos, características
de praticantes que possuem elevado conhecimento tático, capacidade de
atenção, percepção e Tomada de Decisão.

328
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334
INICIAÇÃO ESPORTIVA UNIVERSAL: O JOGO DO “ABC” NA
ALFABETIZAÇÃO ESPORTIVA

Pablo Juan Greco (1)

Juan Carlos Pérez Morales(1)

Layla Campos Aburachid(2)

Mariana Calábria Lópes(3)

Schelyne Ribas da Silva (2)

Rodolfo Novellino Benda(1)

1 INTRODUÇÃO
Neste aporte será descrito um modelo de ensino-aprendizagem-
treinamento dos esportes (com ênfase nas modalidades coletivas) para
aplicação na iniciação esportiva não só na escola, bem como em escolinhas
de esportes e clubes. Pesquisas recentes têm comprovado a importância da
sequência dos conteúdos a serem oferecidos aos praticantes, independente
da instituição em que o processo metodológico seja aplicado, visando o
engajamento do praticante, sua adesão, a melhoria da sua práxis e sua
cultura esportiva, ao longo do tempo (GRECO, 2004; KRÖGER; ROTH,
1999; ROTH et al., 2002; 2005). A concepção de ensino-aprendizagem-
treinamento descrita a seguir apresenta-se como alternativa aos métodos
tradicionais (analítico, global, misto) de ensino dos esportes, assim como as
correntes pedagógicas que priorizam a aprendizagem formal-intencional,
os denominados modelos de ensino pela compreensão, por exemplo,
dos modelos relacionados com o “Teaching Games for Understanding”
(BUNKER; THORPE, 1982; THORPE, BUNKER, ALLMOND, 1986;
GRIFFIN, MITCHEL, OSLIN, 1997), traduzido livremente como modelos
de “ensino pela compreensão”; ou dos relacionados com o Modelo da
Educação Esportiva (MED), (DYSON, et .al, 2004; SIEDENTOP, 1994,
1998; HASTIE, 1998, 2004), entre outros.

335
Na literatura na área da Pedagogia do Esporte, relacionada a processos
de ensino-aprendizagem utiliza-se atualmente o conceito de modelo em
substituição ao de método (GRAÇA, MESQUITA, 2013; METZLER,
2000). Conforme Metzler (2000) a fundamentação para essa mudança
conceitual apoia-se em dez aspectos entre os quais se destacam: a noção
de modelo permite observar um plano global e abordagem coerente do que
se ensina e se aprende, nele se estabelecem claramente as prioridades (o
por quê?, o que?, o como?, o quando?, etc.), e consequentemente também
se oportuniza uma avaliação coerente, e com tomadas de decisão rápidas
e adequadas do professor em uma estrutura de ensino que lhe é conhecida.
Neste aporte, amplia-se o conceito de ensino-aprendizado, já que se considera
importante destacar a interação ensino-aprendizagem-treinamento. Uma
trilogia na qual as interações entre estes processos tornam-se indivisíveis
as suas partes, o que leva a considerar inevitavelmente uma sequência do
ensino e da aprendizagem. Estes se complementam ao longo do tempo
com o treinamento planejado, sistemático, cientificamente orientado e
avaliado de forma a permitir os ajustes pedagógicos conforme os objetivos
e níveis de rendimento que se almejam. Em outras palavras, propõe-se
um modelo de ensino-aprendizagem-treinamento, que considera os três
momentos como um processo contínuo, um “A-B-C”, que visa oportunizar
o desenvolvimento das capacidades, habilidades e competências do ser
humano.
Ao analisar diferentes abordagens pedagógicas deve-se considerar
o desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem-treinamento
independente do modelo teórico em que elas se amparam, pois implica
em ensinar mais do que esporte. Portanto, é necessário relacionar o “como
ensinar o esporte” com os aspectos vinculados a “ensinar pelo esporte”
(FREIRE, 2003; DARIDO, 2009; GRECO; SILVA; SANTOS, 2009).
Ao se ensinar esportes (no sentido estrito) se influenciam os processos
de desenvolvimento motor, os padrões de movimento e as tomadas de
decisão. Mas é necessário também oportunizar uma formação ampla, uma
visão crítica e humanística dos valores do esporte. Tal postura se vincula
com o desenvolvimento de competências, capacidades, habilidades,
comportamentos, atitudes, valores, de forma crítica e reflexiva, ou seja,
favorecer o processo de formação da personalidade (ensinar pelo esporte).

336
Portanto, quando se ensina o esporte, ensina-se muito mais do
que uma modalidade esportiva, desenvolve-se cidadania, humanidade,
personalidade (BENTO, 2004, 2006). Assim, destaca-se que as investigações
em Pedagogia do Esporte “têm apresentado diferentes formas de ensinar
os esportes e apontado a necessidade de realizar alterações curriculares
na formação inicial em Educação Física para fomentar uma nova cultura
esportiva” (NASCIMENTO et al., 2009).
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
A estruturação da Iniciação Esportiva Universal como um processo
de ensino-aprendizagem-treinamento (um “A-B-C”) em longo prazo,
visa o desenvolvimento da capacidade de jogo de praticantes de esportes.
Aqui inicia-se a reflexão sobre as diferentes manifestações e vivências
que as crianças adquirem na infância e adolescência. Considera-se
imprescindível, também, identificar os diferentes momentos históricos,
sociais e culturais nos quais o processo pedagógico se insere. Isto é, deve-
se compreender a transformação da sociedade ao longo das décadas,
bem como em uma visão focada projetar a evolução tático-técnica das
modalidades no futuro. Por exemplo, em décadas passadas a prática de
atividades físicas e esportivas ocorria de forma espontânea, as crianças
brincavam livremente em diferentes espaços: rua, campo de várzea, os
pátios de escola, “playground” de apartamentos, jardins e praças, etc.
Em todos esses espaços era possível ver as crianças utilizar seu tempo,
fazendo desses espaços o “seu espaço” e o “seu tempo”, para se divertir,
para jogar. Um aspecto importante de se destacar está relacionado com a
intencionalidade do jogar dessas crianças. A motivação de jogar levava
as crianças a se divertirem juntas, mas elas não sabiam que dessa forma
também estavam aprendendo! Este processo em que se aprendia de forma
prazerosa e descompromissada parece ter sido perdido.
Todo processo de ensino-aprendizado-treinamento apoia-se nas
interações estabelecidas entre pessoa–tarefa-ambiente (NITSCH, 2009).
Assim, na ação de ensino-aprendizagem-treinamento, sua organização deve
responder às perguntas: para que? e por que?. Paralelamente deve-se refletir
sobre: o que ensinar? (conteúdos, estrutura substantiva ou de conteúdos
337
“A”), como ensinar (estrutura metodologia “B”), especificamente qual o
modelo de ensino-aprendizado-treinamento a seguir, em interação com os
aspectos relacionados ao quando ensinar? (estrutura temporal “C”). Estes
são os três elementos constitutivos que caracterizam as relações humanas
em situações de ensino-aprendizagem-treinamento, e que se relacionam
com o “A-B-C” da Iniciação Esportiva Universal.
Os modelos pedagógicos da “Iniciação Esportiva Universal”
(GRECO, BENDA, 1998, GRECO, 1998;2003, 2005), e da “Escola da
Bola” (KRÖGER, ROTH, 2002, KRÖGER, ROTH MEMMERT, 2005;
ROTH, SCHUBERT, MEMMERT, 2006), apresentam uma estruturação do
processo de iniciação esportiva, dos quatro-seis anos em diante, seguindo
uma concepção pedagógica que enfatiza os valores da aprendizagem
incidental, do “jogar para aprender” e posteriormente “aprender jogando”.
Uma integração de ambas as propostas como modelo pedagógico para a
formação em longo prazo emerge como plausível, e se sugere neste espaço
com a metáfora do “A-B-C” da alfabetização esportiva. Nessa linha de
pensamento consideram-se os aspectos comuns das bases filosóficas,
pedagógicas, psicológicas e metodológicas que ambas as propostas
refletem. Os modelos da Iniciação Esportiva Universal e da “Escola da
Bola” se apoiam em um “A-B-C” de princípios pedagógicos: a) jogar
para aprender e aprender jogando, b) oportunizar ambientes criativos de
experimentação motora, c) o jogo como exercício e o exercício como jogo.
O objetivo dessa concepção consiste em afastar qualquer possibilidade
de uma especialização precoce, bem como de um modelo orientado
pelo esporte competitivo, ou de rendimento. Portanto as aulas decorrem
com a premissa de deixar os praticantes experimentar na práxis, no
jogo, variar as ofertas de atividades e possibilitar que a mesma atividade
ou jogo seja realizado com a mão, o pé, uma raquete ou bastão. Nesse
contexto o processo de ensino-aprendizagem-treinamento se assemelha
a um A-B-C da “alfabetização esportiva”. Assim, três estruturas são
definidas para constituir o processo pedagógico de desenvolvimento das
capacidades, habilidades e competências em longo prazo, as estruturas:
(A) substantiva (B) metodológica e (C) temporal. A estrutura substantiva

338
(A) visa desenvolver quais as capacidades a serem trabalhadas? Quais os
conteúdos? A estrutura metodológica (B) considera “como” concretizar o
processo de ensino-aprendizagem-treinamento o qual decorre ao longo do
tempo, em uma sequência planejada em longo prazo, assim diferentes fases
para desenvolver essas capacidades podem ser observadas, resultando num
decorrer temporal, denominado de estrutura temporal (C), ou seja, quando
desenvolver as capacidades, quais serão os estágios (e suas fases) a serem
consideradas nesse desenvolvimento.
A Figura (1) a seguir apresenta as três estruturas constitutivas do
processo pedagógico idealizado na Iniciação Esportiva Universal.
Na Estrutura Substantiva “A”, três elementos se relacionam entre
si: “a” as capacidades necessárias e inerentes a realização de ações em
esportes (com ênfase no desenvolvimento das capacidades táticas e
coordenativas), “b” as habilidades (famílias de habilidades esportivas) que
o individuo desenvolve à medida que suas capacidades são potencializadas
e “c” as competências que o praticante adquire por meio da prática do
esporte (saber o que e como fazer).
Na Estrutura Metodológica “B”, por sua vez os três elementos
constitutivos são: “a” o principal conteúdo “o jogo”, isto consequentemente
solicita sistematizar o processo de aprendizagem tática, ou seja, do saber
“o que fazer”, do jogar para aprender por meio do jogo; o “b” representa
o processo de aprendizagem motora, ou seja, saber “como fazer”
desenvolvendo as capacidades coordenativas e as famílias de habilidades
esportivas; e o “c” representa o momento de abordagem da consolidação,
de tornar robusto o ensino-aprendizagem por meio do processo de
treinamento (principalmente tático-técnico nos jogos esportivos coletivos
e nos esportes de combate).
Figura 1: As estruturas pedagógicas da Iniciação Esportiva Universal
(com base em GRECO, 1998).

339
Na Estrutura Temporal “C”, também são apresentados três estágios
que a constituem e se caracterizam por apresentar diferentes fases. Destaca-
se que nesta estrutura existe uma ordem cronológica e pedagógica a ser
seguida: “a” o estágio de formação, “b” o estágio de transição/fi xação, e
“c” o estágio de decisão.
Portanto, nesse “A-B-C, o “elo” entre as relações dessas estruturas
(do A-B-C, e de seus respectivos conteúdos) deve se apoiar em formas
de jogo, que caracterizam uma aprendizagem incidental. Emergem assim
os denominados Jogos de Inteligência e Criatividade (“D”). Jogos que
além de oportunizar momentos de aprendizagem incidental, têm entre
340
outros objetivos, o resgate da cultura da rua, de recuperar o “jogar para
aprender” (jogar sem saber que se está aprendendo), e assim (re-)construir
bases sólidas para oportunizar o desenvolvimento da criatividade. Neste
aporte, por questões especificamente de espaço será tratada com mais
profundidade a estrutura metodológica.
3 AS ESTRUTURAS DA “ALFABETIZAÇÃO ESPORTIVA” OU
UM “A-B-C” DA INICIAÇÃO ESPORTIVA UNIVERSAL
Os conteúdos relacionados com o que desenvolver?, como ensinar?
e quando ensinar? são reunidos didaticamente em estruturas que permitem
diferenciar seus elementos constitutivos, bem como descrever estes de
forma mais detalhada, facilitando a compreensão do processo de ensino-
aprendizagem-treinamento ao longo do tempo sugerido neste modelo de
alfabetização esportiva.
3.1 Estrutura Metodológica
Seguindo a ideia de um “A-B-C” da alfabetização na iniciação
esportiva esta estrutura também se compõe de três conteúdos “A” da
aprendizagem tática ao treinamento tático-técnico, “B” da aprendizagem
motora ao treinamento tático-técnico, e “C” o treinamento tático-técnico.
Na Iniciação Esportiva Universal as formas de aprendizagem
incidental emergem da intencionalidade pedagógica do professor, que
se constitui como agente mediador do processo de ensino-aprendizado-
treinamento. Assim, por meio do planejamento sistematizado e da
avaliação periódica das atividades, o professor estará sempre atento ao
desenvolvimento da sua turma. No modelo pedagógico da Iniciação
Esportiva Universal também se reconhece – conforme destaca Garganta
(1995), a natureza aberta, imprevisível, e Portanto, tática da tomada de
decisão sobre o que fazer para resolver uma situação de jogo. Nessa
decisão sobre o que fazer, os aspectos táticos e técnicos se confluem. Assim,
para facilitar o processo de ensino-aprendizagem-treinamento torna-se
importante reconhecer os elementos comuns dos jogos esportivos (Bayer,
1986), bem como agrupá-los a partir das suas semelhanças, considerando,
por exemplo, os jogos de invasão (com lançamento/arremesso ou chute),
os jogos de rede e raquete, e os jogos de campo e parede, entre outras
341
formas de classificação (HAVERKAMP, ROTH, 2006). Nesse sentido
se recomenda que todos os jogos sejam jogados – sem apontar aqui uma
ordem de prioridade - com a mão, pé, raquete ou bastão (conforme jogo),
oportunizando vivencias temporais diferentes para a tomada de decisão.
Porém, ao se tomar a decisão sobre “o que fazer” solicita-se realizar
técnicas específicas inerentes a cada um dos Jogos Esportivos Coletivos,
para isso torna-se necessário criar previamente um variado arcabouço
motor variado, amplo, uma verdadeira gramática de movimentos. Em
outras palavras, desenvolver a Capacidade Coordenativa e as “Famílias
de Habilidades Esportivas” conteúdos que constituem a base para uma
iniciação ao treinamento do gesto especifico (técnica) das modalidades.
A Figura (2), a seguir, descreve as interações do “A-B-C” da estrutura
metodológica.
Na figura 2, destaca-se que os Jogos de Inteligência e Criatividade
Tática (JICT) estão presentes em cada um dos elementos constitutivos
do “A-B-C” do processo de Iniciação Esportiva Universal. Os JICT são
mediadores, facilitadores das relações entre os diferentes momentos
do “A-B-C”, e por meio do qual se concretiza o princípio de jogar para
aprender e de aprender jogando. Os JICT são aqueles jogos que as crianças
brincam espontaneamente na rua, na praia, nas praças, enfim, jogam sem
pensar no esporte, jogos da cultura popular. São jogos tradicionais, como
mãe da rua ou rouba-bandeira e outros que são jogados nos pátios das
escolas, nos momentos de diversão, inclusive sem a presença de adultos.
Convém destacar que tais jogos apresentam, na sua estrutura, diferentes
exigências táticas (particularmente dos processos cognitivos de percepção,
atenção, memória/conhecimento, pensamento, entre outros) e exigências
motoras (coordenativas principalmente) que conformam uma base de
experiências, de vivências inigualáveis para o desenvolvimento das
crianças e dos iniciantes.
Figura 2: A estrutura metodológica da Iniciação Esportiva universal
(com base em GRECO, 2012).

342
3.2“A” – Da Aprendizagem Tática ao Treinamento Tático-Técnico:
Utilizando uma metáfora das formas de aprendizagem da língua
nativa de uma criança, e fazendo sua comparação com o aprendizado
do jogo considera-se que um jogador deve ter uma “leitura” adequada
da situação que se defronta, mas também saber “escrever” o jogo
(metaforicamente falando seria saber realizar a técnica), portanto precisa
de vasto “vocabulário”. Assim, para compreender e interpretar o jogo é
necessário que o jogador saiba reconhecer não só as letras precisa também
apreender as palavras, conceber as frases, e explanar sobre elas. No jogo
torna-se necessário ler o contexto, absorver o ambiente, depreender a
situação, ou seja, interpretar o jogo. No esporte se tomam constantemente
decisões, por exemplo, no handebol, passar ou lançar a gol, o que implica
na participação de diferentes processos cognitivos, de recepção/elaboração
343
de informação, que permitam essa tomada de decisão. Na literatura na
área da psicologia do esporte, diferentes teorias abordam o tema (ALLEN,
REEBER, 1980; ARAUJO, 2005), sendo que no presente texto segue-se
o posicionamento da teoria da ação (NITSCH, 2009); do comportamento
antecipatório (HOFFMANN, 1993); do conhecimento implícito (REBER,
1989); da criatividade (GUILFORD,1950); e a teoria da modularidade da
mente (FODOR, 1986).
Ao se considerar as decisões necessárias à eficácia do participante
no jogo, torna-se necessário organizar temporalmente o processo de
aprendizagem tática. A “leitura” da situação de jogo, é uma forma de
pensamento tático. Portanto, para que o principiante aprenda a “ler” o
jogo, e tenha compreensão do mesmo, devem-se organizar os conteúdos
inerentes à aprendizagem tática. Quem joga na rua aprende de forma
incidental as regras táticas do jogo que está jogando, o que vai facilitar sua
compreensão e orientação tática no esporte. Mas para jogar, é necessário
que o principiante desenvolva sua capacidade de “escrever” o jogo, ou seja,
de saber fazer, torna-se necessário organizar o processo de aprendizagem
motora (“B”). Os conteúdos do processo de aprendizagem tática se
organizam via desenvolvimento das: a) capacidades táticas básicas, b)
Estruturas Funcionais Gerais, c) Estruturas Funcionais Direcionadas.
Conforme descrito a seguir:
(a) Capacidades Táticas Básicas
No processo compreendido da aprendizagem tática ao treinamento
tático, os jogos e atividades direcionados ao desenvolvimento das
capacidades táticas (KRÖGER, ROTH, 2002) têm por finalidade a
compreensão da lógica do jogo, particularmente dos Jogos Esportivos
Coletivos, pelo praticante. Kröger e Roth (2002) apresentam uma
sistematização da lógica do jogo, para que a criança compreenda a
dinâmica dos Jogos Esportivos Coletivos (basquetebol, futebol-futsal,
handebol, hockey, etc.), e neste aporte temos organizado e modificado
levemente essa proposta. Em um jogo, o time em ataque controla o objeto
do jogo (a bola), e o outro tenta interceptá-lo ou impedir os movimentos do
adversário. Assim, os integrantes de cada equipe desenvolvem estratégias
para, por exemplo, conquistar o gol, para fazer o gol (acertar o alvo). Para
isso é necessário: transportar a bola para o objetivo, que pode ser feito
344
de forma individual, por exemplo, no futebol ou no futsal, conduzindo a
bola, ou passando aos colegas. Dependendo da situação, uma destas opções
terá mais sucesso, portanto é importante se compreender a importância
de jogar coletivamente ou jogar em conjunto, já que assim as chances
de sucesso aumentam. Para isso, quem tem a bola deve reconhecer os
espaços que se apresentam no jogo para avançar, aproximar-se do alvo
passar a bola a quem esteja em melhor posição. Quem não tem a bola
precisa oferecer-se, orientar-se, ou seja, como se diz geralmente no
esporte, “sair da marcação”, facilitando a ação de passe do colega, criando
opções para o sucesso do passe. Ainda, pode-se também, ao passar a bola,
criar superioridade numérica, visto que após o passe é importante se
deslocar para ser novamente opção de recepção, o que facilita a obtenção
do gol, não deixando o adversário proceder a defesa na ação. Mas caso
seja necessário, para superar a ação do adversário, quem está com a bola
pode fintar, criar chance de gol.
(b) Estruturas Funcionais Gerais
O segundo conteúdo presente na aprendizagem tática se refere às
Estruturas Funcionais Gerais, que apresentam a finalidade de reduzir a
complexidade que o esporte formal apresenta, em que há muitos jogadores
solicitando decisões simultaneamente. Por exemplo, jogar handebol com
seis jogadores em quadra mais um goleiro é difícil para os iniciantes,
é muita gente em campo, muitos jogadores querendo a bola ao mesmo
tempo, jogar futebol 11 x 11 no campo também tem muita gente, muito
espaço, muitas dificuldades no manejo da bola, etc.
Nas Estruturas Funcionais Gerais em um primeiro momento o jogo é
simplificado em relação à quantidade de jogadores e, portanto, simplificam-
se as alternativas de combinações táticas no mesmo jogo, serão trabalhados
aspectos motores e de organização das formas de tomada de decisão em
situações que se apresentam semelhantes, mas requerem temporalmente
diferentes “tempos” para a decisão.
Nas Estruturas Funcionais Gerais joga-se com uma quantidade menor
de participantes (por exemplo, no basquete 2 x 2; ou handebol 3 x 3 com ou
sem goleiro (goleiro fixo ou goleiro “móvel”), com ou sem curinga (fixo ou
“móvel”, dentro ou fora do campo, etc.), mas mantendo as características

345
das modalidades esportivas (situações com ataque-defesa, colaboração e
oposição) e, quando existe igualdade numérica, incentiva-se a marcação
individual. Desta forma os jogadores têm mais oportunidades de contato
com a bola, de interagir com colegas e adversários, o que proporciona mais
participação. Os problemas dos iniciantes ao jogar qualquer modalidade
esportiva consistem na dificuldade e na complexidade das ações que
decorrem simultaneamente – muitos colegas para se relacionar, muitas
coisas para se observar em uma mesma ação e paralelamente como
expresso acima, as dificuldades lógicas no manejo da bola, dos elementos
necessários à realização da técnica. Isso deve ser evitado na iniciação para
melhor compreensão da lógica do jogo, para poder “pensar, ver, escrever
e ter vocabulário” no jogo. Quando o número de participantes no jogo
é diminuído, as alternativas táticas de tomada de decisão também são
diminuídas, mas as soluções táticas e técnicas são preservadas, ou seja, a
ideia do jogo é mantida.
As Estruturas Funcionais Gerais foram propostas com o objetivo
de se apresentar o jogo para as crianças da mesma forma como elas o
praticavam sem a presença de adultos. O jogo nas Estruturas Funcionais
Gerais pode ser praticado em diferentes constelações, ou seja, numero
de jogadores, por exemplo: 1 x1 +1; 1 x1; 2 x1; 2 x2 + 1; 2 x2; 3 x2;
3 x3 + 1; 3 x3 (entre outras formas. Essas formas de organização do
jogo, semelhante ao jogo na rua, apresentam situações com igualdade,
inferioridade ou superioridade numérica (as atividades com curinga “+1”
são ofertadas antes que as situações de igualdade numérica como forma
de facilitar o processo de aprendizado). Para facilitar a compreensão do
jogo e sua prática, sugere-se a sistematização da ação do “curinga”. Os
curingas, que podem ser vários colegas, ou somente um colega para ambas
as equipes, sempre apoiam a ação do atacante (ou do defensor), mas não
podem fazer gol; são somente apoios. Eles “jogam” na realidade, realizam
a função do meio fio/guia (ou parede) nas brincadeiras de futebol na rua.
Os curingas podem estar em locais fixos, dentro ou fora do campo (nas
laterais, em espaços demarcados, em espaços abertos, etc.), ou seja, existem
diferentes alternativas didáticas e metodológicas de emprego dos curingas.
Os procedimentos “deixar jogar” e “aprender fazendo” são priorizados.

346
“C” Estruturas Funcionais Direcionadas.
Nas estruturas funcionais direcionadas o jogo nessas pequenas
sociedades se realiza sempre em uma modalidade especifica. Assim,
oportuniza-se a exercitação de situações nas que se praticam as ações táticas
individuais e de grupo de ataque e defesa específicas das modalidades em
pequenos espaços de jogo, solicitando diferentes formas de comportamento
dos jogadores, seja da defesa (por exemplo, em situação de defender
somente colocando o corpo na frente do atacante, ou do ataque, por
exemplo, realizar ações em velocidade reduzida).
Conforme solicitado por Gréhaigne e Godbout (1995, citados por
GARGANTA, 2005), e Garganta e Gréhaigne (1999), a aprendizagem
tática se apoia no desenvolvimento de “regras de ação” do tipo “if-so”(Se
-Então). Nas Estruturas Funcionais Direcionadas objetiva-se desenvolver o
conhecimento tático (declarativo e processual) por meio do conhecimento
das “Regras de Ação”, oportunizando orientações básicas acerca do
conhecimento declarativo e processual sobre a lógica interna da atividade,
aspectos sobre “O que Perceber”, aprender regras táticas, por exemplo, no
handebol, quando o defensor sai para marcar, ver a movimentação do pivô.
Na aplicação das “Estruturas Funcionais” é possível se auxiliar
o aluno na construção dessas regras táticas, das regras de ação. Esse
aprendizado será apresentado de forma incidental para o aluno, sem saber
que por meio do jogar ele está aprendendo a resolver situações de jogo
colocadas intencionalmente em uma sequência metodológica adequada
pelo professor.
3.3 “B” – Da Aprendizagem Motora ao Treinamento Técnico:
O processo da aprendizagem motora ao treinamento técnico visa
desenvolver a capacidade do praticante de “saber fazer”. Mas este processo
decorre ao longo do tempo e portanto torna-se necessário organizar a
planificação do mesmo ao longo do tempo. Nesse contexto as capacidades
coordenativas são consideradas basilares para o posterior desenvolvimento
das técnicas. Principalmente nos dias de hoje, que apenas 21% das crianças
alcançam o nível de atividade física recomendado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), e ainda 15 % das crianças brasileiras são obesas,
e que aumentou consideravelmente o numero de crianças com diabetes tipo

347
I (OMS). Isto é, deve-se estruturar um processo de ensino-aprendizagem-
treinamento que permita o desenvolvimento amplo, variado e profuso, das
capacidades, habilidades e das competências. As capacidades caracterizam
as diferenças individuais no nível de “potencialidades” do indivíduo, no
nível das suas funções nos processos internos que permite a regulação
motora das suas ações. Elas constituem o pré-requisito para mais de
uma estrutura de diferentes movimentos e apresentam uma amplitude e
generalização variada. Em relação as capacidades coordenativas estas
caracterizam diferenças individuais no nível de comando e da regulação
de movimentos (processamento de informações).
“A” Capacidades coordenativas (os condicionantes da motricidade e a
recepção de informação)
O primeiro conteúdo a ser desenvolvido no processo de aprendizagem
motora se relaciona com as capacidades coordenativas, estas podem
ser melhoradas em qualquer idade, porém, a faixa etária considerada
fundamental para proceder ao seu desenvolvimento abrange até os 12-14
anos. Assim, torna-se necessário apresentar atividades, principalmente
exercícios e posteriormente formas de jogadas dos mesmos nos quais
o praticante relacione a informação oriunda dos receptores sensoriais
(modalidades perceptivas) e a motricidade (a ação motora resultante),
em condições de pressão. Isto é, via percepção se recebe a informação do
ambiente no qual o organismo deve concretizar uma tarefa motora em
resposta à situação apresentada. Esta resposta motora deve ser balizada
pelos mesmos elementos de dificuldade que se encontram presentes nas
modalidades esportivas no momento de responder a situação de jogo. São
os denominados condicionantes da motricidade ou fatores de pressão da
motricidade presentes em todas as modalidades esportivas, de forma isolada
ou em combinações. A fórmula para o ensino-aprendizagem-treinamento
das capacidades coordenativas consiste em se apresentar habilidades
simples (com/sem bola), relacioná-las com os elementos de pressão da
percepção, das modalidades perceptivas, a recepção da informação, e
que a resposta motora a ser realizada seja colocada também em situação
de pressão semelhante às que acontecem nas modalidades esportivas.
No quadro (1), a seguir observam-se os analisadores (caracterizados
pelos órgãos dos sentidos), com os fatores de pressão da motricidade em

348
situações em esportes. Estas situações de pressão da motricidade podem
se apresentar de forma isolada, ou em interação. A ação esportiva sempre
terá um desses aspectos de pressão mais presente, em destaque, ou uma
combinação deles. .

Quadro 1: elementos aferentes e eferentes para se realizar uma


ação coordenada em esportes (modificado com base em NEUMAIER,
MECHLING, 1995, e KRÖGER, ROTH, 1999)
Receptores de informação Fatores de pressão da Motricidade, tarefas
(analisadores) coordenativas nas que é necessário:

Visual Tempo: minimizar o tempo, maximizar a velocidade


de execução.

Acústico Precisão: solicita-se a maior exatidão possível.

Tátil Organização: superar exigências simultâneas, ao


mesmo tempo.

Sinestésico Complexidade: resolver sequências de exigências


sucessivas, uma depois de outra.

Vestibular (equilíbrio) Variabilidade: superar exigências ambientais


variáveis e situações diferentes.
Carga: superar exigências de tipo físico-
condicionais ou psíquicas.

A estes aspectos cruciais da organização das ações motoras nos


esportes, apresentados por Kröger e Roth (1999), e também por Neumaier
e Mechling (1995) para se planificar um treinamento da coordenação
temos agregado uma visão orientada para as modalidades esportivas
coletivas, que além de se coordenar o movimento conforme as exigências
internas e externas de recepção de informação, e dos elementos de pressão
da motricidade é necessário também se coordenar com outros colegas. Por
exemplo, um passe no handebol, além de ser realizado no momento certo
(pressão de tempo) com a precisão adequada (pressão de precisão), se
observando o adversário, o colega, etc. (pressão de organização), deve-se
coordenar com este, com outro, e com o objeto (Veja a figura 3).

349
Figura 3: a coordenação de movimentos no tempo-espaço-energia
nos jogos esportivos coletivos.

“B” Famílias de Habilidades Esportivas


No processo de aprendizagem motora ao treinamento técnico
o segundo conteúdo a ser desenvolvido se relaciona com a melhoria
das habilidades, denominadas com base em Kröger e Roth (1999) de
“Famílias de Habilidades Esportivas”. . As “Famílias de Habilidades
Esportivas” consistem em um conjunto de atividades direcionadas à
melhoria da coordenação que servirá de base para o domínio das técnicas.
No seu ensino-aprendizagem-treinamento Kröger e Roth (1999) sugerem
as faixas etárias de 4-6 aos 10 anos de idade. Parte-se do conceito de se
apresentar exercícios que desenvolvam as potencialidades das crianças a
partir das semelhanças na realização dos movimentos e seus objetivos, de
forma próxima às solicitações para se realizar as técnicas nas diferentes
modalidades. As habilidades técnicas constituem-se de uma sucessão
específi ca de movimentos, completos ou parciais, que podem ser utilizados
como solução a um problema observado numa situação de jogo esportivo.
No quadro dois (2) a seguir são descritas as famílias de habilidades
esportivas conforme comprovadas por Hossner (1995) e reagrupadas por
Kröger e Roth (1999).

350
Quadro 2: Famílias de Habilidades Esportivas e seus objetivos
(modificado de KRÖGER,ROTH, 1999).
Habilidades Técnicas Objetivo: (definição)

Organização dos ângulos Organizar, regular e conduzir de forma precisa à


direção de uma bola lançada, chutada ou rebatida.

Controle (regulação) da Controlar, conduzir, regular de forma precisa a


força força de uma bola lançada, chutada ou rebatida.

Determinar o tempo de Determinar o momento espacial para passar, chutar


passe e da bola. ou rebater uma bola de forma precisa.

Determinar linhas de Determinar com precisão a direção e a velocidade de


corrida e tempo da bola. uma bola que é enviada na sua direção no momento
de correr e pegar.
Se oferecer para realizar a O importante é se oferecer, se preparar ou iniciar a
ação (se preparar). condução de movimento no momento certo.

Antecipar a direção e Determinar a correta direção e distância de uma


distância do passe. bola passada prevendo-a corretamente.

Antecipação da posição Antecipar, prever, a real posição de um ou vários


defensiva. defensores.

Observar deslocamentos. Perceber os movimentos, deslocamentos de um ou


vários adversários.

Fonte: Greco, 2005.


4 “C” A Estrutura Temporal
Uma das proposições da Iniciação Esportiva Universal, que tem
apelo direto à intervenção profissional é aquela que se refere à estrutura
temporal. Um modelo de nove fases, organizado em três grandes seções
(A, B, e C). Assim sugere-se o conteúdo a ser aplicado de acordo com
cada estágio e fase do modelo, bem como a compreensão do que deve ser
objetivo da prática esportiva em cada período da vida. A figura quatro (4)
resume as fases desse processo em longo prazo.
A presente proposta se justifica principalmente pela sua
fundamentação nas clássicas sequências de desenvolvimento motor, pois
busca fundamentar-se nas possibilidades de ação motora de crianças, para
351
assim contribuir para o seu desenvolvimento e a diversifi cação motora.
Dentre diversas sequências propostas, observa-se alguma similaridade
entre elas, especialmente as categorias de movimentos e a faixa etária
em que elas são predominantes (GALLAHUE; OZMUN, 2005;
HAUBENSTRICKER; SEEFELDT, 1986; SEEFELDT, 1980; TANI;
MANOEL; KOKUBUN; PROENÇA, 1988). De forma geral, todas as
sequências anteriormente citadas apresentam o início do desenvolvimento
dos movimentos fundamentais em torno de 2 anos de idade.
A expectativa é que estes movimentos fundamentais se desenvolvam
até cerca de 7-8 anos. Ao analisar a fase Pré-Escolar, de 3 a 6 anos, espera-
se que as crianças tenham contato com os movimentos fundamentais e
possam participar de atividades que contêm tais movimentos. Não se
espera que aos 6 anos todas as crianças tenham alcançado um padrão
de excelência nos movimentos fundamentais, mas que possam ter tido
diversidade para ampliar seu repertório motor.
Figura 4: Fases e níveis de rendimento esportivo. Duração e
relação com a idade e frequência de treinamento (GRECO; BENDA,
1998).

352
A etapa seguinte da fase dos movimentos fundamentais trata da
combinação destes movimentos e está prevista para a segunda metade
da infância. Na fase Universal, proposta para a faixa etária entre 6 e 12
anos, deve-se promover o refinamento dos movimentos fundamentais e
iniciar a sua combinação, por meio de brincadeiras e jogos populares. Em
desenvolvimento motor, espera-se que o processo de combinação (até 10-
12 anos) a criança possa diversificar as possibilidades de integrar diferentes
movimentos fundamentais e, em combinação, as séries motoras possam
ocorrer de modo fluente e coordenado.
Após 10-12 anos de idade, o desenvolvimento motor apresenta
um período em que a criança está em prontidão para a aprendizagem
de habilidades especializadas, isto é, habilidades motoras determinadas
culturalmente, dependentes de um processo de ensino para que possam
ser incorporadas ao repertório motor. Na fase de orientação (12-14 anos)
a criança tem acesso às habilidades motoras praticadas nas modalidades
esportivas, pautadas nas técnicas esportivas.
As três fases iniciais da Iniciação Esportiva Universal (Pré-
Escolar, Universal e Orientação) compõem o Sistema de Formação, que
acompanha o processo de desenvolvimento motor, seguindo as categorias
de movimentos preponderantes em cada fase de vida. No sistema de
formação, promove-se o desenvolvimento dos movimentos fundamentais,
a sua combinação e o início da aprendizagem de habilidades esportivas.
Após o sistema de formação, tem início o sistema de transição, que conduz
a passagem de um período voltado para a generalização de movimentos,
buscando a ampliação do repertório motor, para um período voltado para
a especialização motora, buscando o aperfeiçoamento da técnica de uma
modalidade esportiva específica.
A partir de 14 anos em diante, os modelos de desenvolvimento
motor sugerem a aplicação destas habilidades no contexto cotidiano, tanto
no esporte quanto nas atividades de vida diária. Assim, foi proposta a
fase de direção (14-16 anos) em que o adolescente passa a enfatizar as
técnicas esportivas de uma modalidade, buscando seu aprimoramento e
sua aplicação no contexto de jogo. A fase de direção já se aproxima mais
de métodos de treinamento, que visam o esforço físico e sobrecarga do que
o trabalho realizado com crianças realizado de forma espontânea.
353
No que se refere à sequência de desenvolvimento motor, observa-
se que, mesmo com fases diferentes, limitadas por idades distintas, a
proposta da Iniciação Esportiva Universal é compatível com a expectativa
do processo que está ocorrendo na criança. Apesar de se pautar no ensino
do esporte, considera-se que o conteúdo a ser ofertado não deve se limitar
às técnicas esportivas de cada modalidade, não há necessariamente nem
modalidade esportiva durante a infância. Pelo contrário, busca-se ampliar
o espectro motor permitindo que esta criança desenvolva todos os recursos
e bases necessárias para, quando na sua juventude, e não precocemente,
estar preparada para o desempenho nos diferentes níveis de rendimento em
que se pratique o esporte!.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direcionamento do processo de ensino descrito neste texto se apoia
no conceito de oportunizar ao aluno vivências de movimentos e formas
de aprendizagem incidental. Porém, de uma forma sistematicamente
planejada pelo professor, de forma intencional, consciente, direcionada a
promover a interação entre “como ensinar o esporte” e “ensinar por meio
do esporte”, em outras palavras, de forma a ensinar mais do que esporte.
Esta proposta se estrutura ao longo do tempo, ou seja, em um processo
idealizado em longo prazo, configurado em fases e etapas
No texto resgata-se a importância do jogo da rua, do jogar, daquelas
formas que a criança vivenciava no pátio da escola no recreio, com seus
colegas ou como era na várzea. Considera-se nestas junções de propostas
(IEU e Escola da Bola), que o tipo e qualidade da realização dos movimentos
(técnicas) não são o tema central do processo de aprendizagem na iniciação
esportiva. Logo, a maior relevância descrita pelas propostas “jogar para
aprender em primeiro momento e aprender jogando em segundo momento,
para ser seguido de um processo de aprendizagem motora, que desenvolva
as capacidades e habilidades o falado de outra forma do “saber fazer”.
Objetiva-se que a criança aprenda rápida e adequadamente os
conteúdos táticos das modalidades esportivas e suas regras táticas básicas,
porém não pela via da repetição mecanizada de dribles, exercícios,
técnicas e jogadas programadas. O aprendizado por meio de “jogos
para desenvolvimento da inteligência tática”, de “Estruturas Funcionais”

354
(Gerais em primeiro momento e posteriormente Direcionadas) sempre
com a orientação do professor, oportunizam que o praticante jogue de
forma variada e lhe seja solicitada uma solução tática e motora adequada
a cada situação de jogo que defronta. Constrói-se assim uma sólida
passagem das formas de aprendizagem incidental para os métodos de
aprendizagem intencional-formal (que serão importantes no momento
“C”, do treinamento técnico-tático).Ao jogar, as crianças estão aprendendo
por meio da transformação dos jogos e das atividades em experiências,
vivências que ficam na sua memória. Conforme o momento e a situação
experimentada, elaboram informações do ambiente, ou seja, decorrem
mentalmente processos perceptivos e decisórios, que se relacionam com
a cognição e a ação.
Na escola, especificamente na disciplina de Educação Física, é
fundamental proporcionar aos alunos meios para desenvolverem seu
conhecimento esportivo, oportunizando a apropriação de uma cultura
esportiva. Toda metodologia de ensino deve estar integrada em um Sistema
de Formação e Treinamento Esportivo.
Os princípios da Iniciação Esportiva contemplam os conceitos
de “jogar para aprender, e aprender jogando”. O desenvolvimento da
capacidade de jogo se inicia com a aprendizagem tática. Jogar é um evento
dinâmico que requer conhecimento tático, solicitando certa qualidade
técnica. Há características táticas similares entre as modalidades esportivas,
mesmo que a solicitação de técnicas de gestos motores seja especificas
a cada uma destas modalidades. Esse aspecto revela a importância do
desenvolvimento das capacidades coordenativas e das habilidades técnicas
que servem de base motora para a realização da técnica especifica em
fases mais avançadas, bem como facilitam a tomada de decisão tática no
jogo. Assim, através do jogar, almeja-se construir alternativas para que as
crianças e adolescentes aprendam a ser, a fazer, a conhecer e a conviver.
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359
360
ACTUACIÓN DOCENTE DEL ENTRENADOR PARA EL
DESARROLLO DE LA TOMA DE DECISIONES DE JUGADORES
DE VOLEIBOL EN ETAPAS DE FORMACIÓN

M. Perla Moreno Arroyo

Doctora en Ciencias del Deporte

Profesora Titular de Universidad

Facultad de Ciencias del Deporte

Universidad de Extremadura (España)

El rendimiento en el deporte depende fundamentalmente de cuatro


parcelas o dominios fundamentales: físico-fisiológico, técnico, cognitivo
y emocional (JANELLE & HILLMAN, 2003). La importancia que cada
una de ellas adquiere en los diferentes deportes depende de las propias
exigencias de la modalidad deportiva.
Así, en el caso del voleibol, deporte colectivo de carácter abierto,
con gran incertidumbre, donde es necesario tomar decisiones en un entorno
cambiante, y en muchas ocasiones, con déficit de tiempo, las destrezas
cognitivas adquieren una importancia fundamental (MCPHERSON, 2008;
THOMAS, 1994). De este modo, el conocimiento que el deportista posea
de su modalidad deportiva, la percepción e interpretación del entorno de
juego y la toma de decisiones, adquieren una gran relevancia.
Por tanto, se considera que en este tipo de deportes, los componentes
cognitivos y técnicos son determinantes de la pericia deportiva (THOMAS,
1994). Así, la capacidad del deportista de seleccionar una acción entre
una serie de alternativas y la propia ejecución de dicha acción motriz,
son fundamentales en la pericia (DEL VILLAR, IGLESIAS, MORENO,
CERVELLÓ & RAMOS, 2003).
De acuerdo con ello, numerosos estudios han tratando de analizar
la relación existente entre conocimiento, toma de decisiones y ejecución.
Los resultados de los mismos ponen de manifiesto la existencia de relación
entre el conocimiento, la toma de decisiones y el rendimiento (FRENCH
361
& THOMAS, 1987; GARCÍA-GONZÁLEZ, MORENO, MORENO,
IGLESIAS & DEL VILLAR, 2009). Específicamente en voleibol esta
relación se ha constatado en diferentes estudios (ARAÚJO, AFONSO &
MESQUITA, 2011; MORENO, DEL VILLAR, GARCÍA-GONZÁLEZ,
GIL & MORENO, 2011; MORENO, MORENO, UREÑA, IGLESIAS
& DEL VILLAR, 2008c). Desde la perspectiva cognitiva, el proceso
de selección de la respuesta en una situación determinada de juego está
mediatizado por las estructuras de conocimiento almacenas en la memoria,
y estos aspectos afectan al rendimiento en juego.
Pese a ello, debemos considerar, siguiendo a Raab y Laborde (2011),
la posibilidad de que, en el deporte, dependiendo de las características
concretas de la situación o del nivel de dominio de los deportistas, se
lleven a acabo estrategias de decisión intuitivas o deliberativas. Así, la
toma de decisiones intuitiva haría referencia a las elecciones impulsivas
(DEUTSCH & STRACK, 2008), basadas fundamentalmente en un
conocimiento implícito y no verbalizable. Se considera que las decisiones
que se toman con mayor déficit temporal son más intuitivas, requiriendo
un menor procesamiento de la información y adquiriendo una mayor carga
emocional, mientras que las decisiones con mayor tiempo para decidir, son
menos intuitivas, con mayor procesamiento de la información proveniente
de los estímulos presentes.
Sin lugar a dudas, para un óptimo desarrollo y formación en
el ámbito deportivo, como en cualquier otro ámbito, es prioritario y
totalmente imprescindible y necesario practicar. Así, desde la Teoría de
la Práctica Deliberada se indica que un individuo llega a ser experto si
entrena durante 10.000 horas o acumula 10 años de práctica sistemática
(ERICSSON, 2003). Desde esta teoría se considera que el ambiente es
el único determinante para llegar a ser experto. Sin embargo, el tipo de
práctica o tareas realizadas durante ese tiempo, así como la consideración
de las características del sujeto, son cuestiones que, unidas al entorno o
ambiente, deben ser consideradas desde la perspectiva ecológica, para la
consecución de pericia deportiva (ARAÚJO, 2006). Cualquier práctica no
es adecuada, sino que existen diferentes tipos de práctica o condiciones de
la práctica, que pueden hacer que la misma sea más o menos apropiada.
A este respecto, Araújo (2014), basándose en trabajos anteriores

362
(DAVIDS, ARAÚJO, HRISTOVSKI, PASSOS & CHOW, 2012), indica
las características o criterios que deben cumplir las tareas para que éstas
supongan un diseño representativo. Así, debe tratarse de: diseño de tareas
complejas; tareas que proporcionan acceso a fuentes de información
relevantes; tareas dinámicas; tareas que permiten una percepción activa;
objetivos conseguibles (ARAÚJO, 2014:57).
Pese a la importancia fundamental de las características del tipo
de práctica planteada, cuestiones relativas a la actuación docente del
entrenador, principalmente estrategias instruccionales (NEWELL &
RANGANATHAN, 2010), como la presentación de las tareas o el feedback
(GIL, ARAÚJO, GARCÍA-GONZÁLEZ, MORENO & DEL VILLAR,
2014), afectan a la eficacia de dichas tareas y, por tanto, del proceso de
enseñanza-aprendizaje (HERBERT, LANDIN & SOLMON, 2000).
Igualmente, recientes estudios realizados desde la perspectiva
cognitiva han puesto de manifiesto que la aplicación de programas
de intervención, basados en el empleo de diferentes herramientas,
fundamentalmente video-feedback y cuestionamiento, se han manifestado
eficaces para optimizar las destrezas cognitivas de los deportistas,
fundamentalmente de etapas de formación (GARCÍA-GONZÁLEZ,
MORENO, MORENO, GIL & DEL VILLAR, 2013; IGLESIAS, SANZ,
GARCÍA, CERVELLÓ & DEL VILLAR, 2005; MORENO, DEL VILLAR
et al., 2011).
A pesar estos hallazgos y resultados de la investigación en relación
al desarrollo decisional, consideramos que en el entrenamiento deportivo
no se está haciendo, en términos generales, una elevada aplicación
de los mismos, quizá debido a diversos motivos. Entre estos motivos
consideramos que podrían estar los siguientes: estudios que no llegan a los
entrenadores, quedando en un ámbito más académico y de investigación;
necesidad de empleo de recursos tecnológicos que no están al alcance de
los entrenadores; requerimiento de aplicación de protocolos específicos
que pueden resultar complejos; recomendaciones o indicaciones difíciles
de aplicar, por parte de los entrenadores, en el contexto de entrenamiento.
De acuerdo con lo indicado, el objetivo fundamental que perseguimos
con el presente capítulo es incidir en algunas actuaciones docentes concretas

363
del entrenador que pueden contribuir a un óptimo desarrollo de las destrezas
cognitivas de sus jugadores, aportando pautas o recomendaciones concretas
que faciliten su aplicación. Así mismo, queremos mostrar cómo algunas
herramientas, aplicadas en investigaciones previas, y diversos recursos
tecnológicos básicos pueden ser empleados, de manera viable, en el proceso
de entrenamiento de equipos de voleibol de etapas de formación, con el
fin de mejorar las destrezas cognitivas de sus jugadores. De este modo,
queremos facilitar la aplicación de los avances en el conocimiento sobre
este tópico de investigación, a las condiciones reales de entrenamiento de
equipos de categorías de formación.
ACTUACIÓN DOCENTE DEL ENTRENADOR PARA EL
DESARROLLO COGNITIVO DE SUS JUGADORES.
La finalidad fundamental del entrenamiento decisional es optimizar
la toma de decisiones del jugador, con la intención de provocar mejoras
en el rendimiento deportivo. Para contribuir a dicho objetivo, la actuación
docente del entrenador es un factor relevante que contribuirá a que la
aplicación de las diferentes tareas de entrenamiento sea óptima, tratando
con ello de aprovechar el potencial formativo de las mismas.
Como hemos indicado anteriormente, entre las diferentes destrezas
docentes del entrenador, el aporte de instrucciones y feedback apropiado,
adquieren una importancia fundamental en el entrenamiento decisional
(VICKERS, 2000, 2007). A este respecto, Vickers (2007) indica que
las instrucciones dentro del modelo de entrenamiento decisional deben
fomentar que el deportista atienda a cuestiones externas a sí mismo, y que
sean relevantes.
En este sentido, es importante que los objetivos de cada tarea o
actividad sean indicados por el entrenador a sus jugadores, de manera que
éstos conozcan de forma clara, específica y sin ambigüedades, lo que se
persigue con la tarea y la utilidad de la misma (MORENO, JIMÉNEZ &
CLAVER, 2014). Dar a conocer los objetivos, facilitará que el jugador
pueda centrarse en ellos, y tenga claro lo que se pretende que trate de
conseguir en una tarea determinada, pudiendo incluso reflexionar o valorar
su actuación durante la misma. Cuando se plantean objetivos medibles o
referentes de control en las distintas actividades (BAACKE, 1996) (e.g.,

364
asignación de puntos a actuaciones tácticas concretas), los jugadores
pueden acceder a un primer indicador de conocimiento de resultados, que
será completado posteriormente, en su caso, con un conocimiento de la
ejecución.
De la misma forma, cuando se tiene claro el objetivo, se entienden
y se asumen mejor determinados requisitos o requerimientos de la tarea
(SILVERMAN, KULINNA & CRULL, 1995, se refieren a esta indicación
de las condiciones para el cumplimiento de la tarea y recursos materiales
necesarios para la misma, con el término situación), tanto por parte del
jugador que está tratando de conseguir el objetivo principal de la tarea,
como de aquellos otros jugadores que están haciendo posible el trabajo de
dicho jugador, jugadores de apoyo, según Baacke (1996).
Hastie y Vleisavljevic (1999) ya enfatizaron la importancia de
realizar una presentación de las tareas con elevado nivel de responsabilidad
(acountability), para que éstas puedan ser realmente practicadas por los
deportistas.
Unido a los aspectos indicados en los párrafos anteriores, la
indicación de los aspectos o elementos clave a los que atender durante
la realización de una tarea es un referente de información explícita y no
ambigua (SILVERMAN et al., 1995), que contribuirá a incrementar la
calidad de la información transmitida por el entrenador.
A este respecto, en tareas específicas orientadas al entrenamiento
decisional en jugadores de voleibol en etapas de formación, se debería
orientar a los jugadores sobre los elementos fundamentales a los que
atender o considerar en su toma de decisiones en las distintas acciones
de juego. Diversas investigaciones realizadas en voleibol, en las que se
han aplicado protocolos verbales a los jugadores tras su intervención
en determinadas acciones de juego, así como las indicaciones recogidas
en bibliografía específica de voleibol, permiten mostrar los elementos
considerados prioritariamente por los deportistas expertos en su toma
de decisiones en acciones concretas de juego en voleibol. Estos aspectos
pueden suponer un referente para orientar el proceso de entrenamiento en
etapas de formación, garantizando que se adecue el nivel de exigencia al
propio nivel de desarrollo de los jugadores. Plantearemos a continuación

365
algunos ejemplos de acciones de juego en voleibol, indicando los aspectos
que han sido priorizados por jugadores expertos en su toma de decisiones,
aportando, en función de ello, algunas orientaciones para el desarrollo
decisional de los jugadores de etapas de formación, en dichas acciones de
juego.
Así, diferentes investigaciones han puesto de manifiesto que los
jugadores de voleibol expertos en su toma de decisiones en distintas
acciones de juego (saque, colocación, ataque, defensa), consideran
fundamentalmente los aspectos que seguidamente se detallan (MORENO
& MORENO, 2014):
- Saque:
o Son selectivos y centran su atención en un número
limitado de aspectos significativos de la situación de juego
(SZADE & SZADE, 2005). En ocasiones un sólo aspecto
(MORENO, MORENO, GARCÍA-GONZÁLEZ, GIL,
CLAVER & DEL VILLAR, 2011; MORENO, MORENO,
GARCÍA-GONZÁLEZ, GIL & DEL VILLAR, 2008a).
o Tratan de crear confusión y dificultar la recepción, mediante
el envío a zonas de interferencia entre jugadores (MORENO
et al., 2008a), o considerando la disposición y ubicación
del oponente en recepción (MORENO, MORENO et al.,
2011). Igualmente, tratan de dificultar acciones de ataque
del equipo contrario (BIZZOCCHI, 2008; KENNY y
GREGORY, 2008; PETERSON, 2006), fundamentalmente
enviando el saque al jugador receptor delantero (MORENO
et al., 2008a). También consideran las tendencias del sacador
y el estado del juego, para asumir, en función de ello, más
o menos riesgo en el saque (MORENO, MORENO et al.,
2011).
En el entrenamiento táctico y decisional de la acción de
saque en voleibol, en etapas de formación, es fundamental incidir
en que el jugador siempre saque con alguna intención o finalidad
(bien sea sacar a una zona o jugador, conseguir seguridad en una
serie de saques, realizar una trayectoria de saque concreta, realizar

366
un nuevo tipo de saque, etc.). Seguridad y precisión deben ser
características fundamentales del saque en etapas de formación.
La precisión permitirá enviar saques a zonas/jugadores concretos,
debiendo atender el jugador a cuestiones como las zonas de
interferencia entre jugadores, o los jugadores con peor nivel de
recepción. Estas variables se han manifestado como los principales
predictores de la eficacia del saque en voleibol de categorías de
formación (FERNÁNDEZ-ECHEVERRÍA, GIL, MORENO,
CLAVER & MORENO, 2015). Unido a lo indicado, el estado del
juego, es un aspecto que debe ser considerado por el jugador, para
graduar el riesgo en función de ello.
- Colocación:
o Tratan de minimizar la respuesta del bloqueo para aumentar
las posibilidades de conseguir punto con el ataque. Para ello,
consideran fundamentalmente la implicación del bloqueador
lateral en el bloqueo, la implicación del bloqueador central
en el bloqueo, y las características y limitaciones físico-
técnicas de los bloqueadores (MORENO et al., 2008c).
o Colocadoras de distinto nivel y experiencia (Under-14,
Under-19), atienden a cuestiones diferentes para decidir.
Así las jugadoras Under-14 consideran fundamentalmente
la recepción, y las Under-19 las características y
disponibilidad de sus atacantes (MORENO, MORENO,
UREÑA, GARCÍA-GONZÁLEZ & DEL VILLAR,
2008b).
En el entrenamiento táctico y decisional de la acción de
colocación en voleibol, en categorías de formación, es fundamental
conocer el nivel en el que se encuentra el jugador, diferenciando
así si su prioridad es levantar el balón sin cometer una falta
técnica, si realiza colocaciones con precisión, aunque con escasa
intencionalidad táctica, o si es capaz de obtener información del
contrario y realizar la distribución del pase en función de ello.
Dependiendo de dicho nivel, las indicaciones en relación a los
aspectos fundamentales a los que atender serán diferentes, e irán

367
evolucionando progresivamente.
- Ataque:
o Atienden a cuestiones significativas de la situación de juego
(SZADE & SZADE, 2005), fundamentalmente relativas al
oponente (ARAÚJO, AFONSO & MESQUITA, 2012).
o Consideran fundamentalmente las características de la
colocación, la mejor opción de ataque y la disposición
o ubicación del oponente en bloqueo (MORENO, GIL,
MORENO, HERNÁNDEZ & UREÑA 2013).
En el entrenamiento táctico y decisional de la acción de
ataque en voleibol, en categorías de formación, debemos tener
en cuenta que se trata de una acción que: se realiza con déficit
temporal, por lo que el tiempo requerido para tomar la decisión
es reducido (décimas de segundo), y su velocidad de ejecución
elevada; con presencia de gran número de estímulos a atender;
con altos requerimiento coordinativos y de estructuración espacio-
temporal en su ejecución; así como con elevados requerimientos
físicos (UREÑA & GONZÁLEZ, 2006). Debido a estos aspectos
su dificultad es elevada, por lo que podría darse el caso de que, en
jugadores de voleibol en etapas de formación, un nivel más elevado
de toma de decisiones no fuera acorde con el nivel de dominio
técnico en esta acción, condicionando este hecho la obtención de
un óptimo rendimiento (aspecto que quedó de manifiesto en el
estudio de Gil, (2013). Por ello, en todas las acciones de juego en
general, pero en la acción de ataque en particular, es conveniente
garantizar una evolución paralela a nivel técnico-táctico. Como
indicamos en el caso de la colocación, es necesario considerar el
nivel de juego concreto que posee el jugador, para poder orientar
su atención hacia cuestiones o elementos acordes con su desarrollo,
bien sea la colocación, la realización de su ataque o el bloqueo
contrario.
- Defensa:
o Atienden a aspectos relevantes de la construcción del
ataque del equipo contrario (AFONSO, GARGANTA,
368
MCROBERT, WILLIAMS & MESQUITA, 2012;
LYSKEVICH, 2002), como son la actuación del atacante y
las características de la colocación contraria (CARRASCO,
MORENO, GIL, GARCÍA-GONZÁLEZ & MORENO,
2013). También consideran cuestiones de su posicionamiento
y disponibilidad para defender, concretamente, posición
del defensor, mejor opción de defensa y disponibilidad del
defensor (CARRASCO et al., 2013).
En el entrenamiento táctico y decisional de la acción de
defensa en voleibol, en categorías de formación, se debe partir de
considerar las características concretas de esta acción de juego,
condicionadas por el desequilibrio existente entre la defensa y el
ataque en voleibol, a favor de éste último. La defensa se caracteriza
por un elevado rigor táctico y déficit temporal, estableciendo los
entrenadores usualmente sistemas de defensa concretos, y hasta
cierto punto, más o menos cerrados, que deben ser aplicados por
los jugadores. Para la elección de dichos sistemas se suele tener en
cuenta la capacidad ofensiva del contrario, las características del
propio equipo, así como la organización de un posible contraataque
(BIZZOCCHI, 2008). De acuerdo con ello, Macquet (2009),
indica que en la defensa, los jugadores pueden no tener tiempo
para considerar todas las opciones y elegir una para solucionar una
determinada situación. Esto puede explicar la relevancia de que
los jugadores en defensa se centren en diversas cuestiones propias,
relacionadas con su posicionamiento y disponibilidad (precedidas
por una predisposición positiva y deseo de defender, Ureña &
González 2006), que debe ir acorde con la construcción del ataque
contrario. Unido a todo ello, debemos recordar que la defensa en
campo se realiza, a partir de cierto nivel de juego, con bloqueo, por
lo que será necesario considerar este aspecto en el entrenamiento.
Un requisito fundamental en el entrenamiento decisional es
garantizar la implicación cognitiva del deportista. De acuerdo con ello,
el uso del cuestionamiento, por parte del entrenador, posibilita que los
jugadores traten de buscar formas de solucionar el problema motriz que
se les haya planteado (VICKERS, 2007). Cuando dichas cuestiones son

369
de tipo táctico, las mismas se han manifestado útiles para mejorar el
conocimiento del jugador (KING, 1994), y su eficacia en juego (Ismail
y Alexander, 2005). Un adecuado uso de preguntas o interrogantes a los
jugadores requiere individualizar las mismas (GOOD & BROPHY, 2000),
atendiendo tanto a lo que el deportista conoce, como a los comportamientos
que suele tener cuando se enfrenta a una situación concreta. De acuerdo
con ello, en función de las características concretas de los jugadores, el
entrenador debería considerar el tipo de preguntas que puede ser más
adecuado emplear.
De este modo:
- Con jugadores muy previsibles, que normalmente consideren poca
variedad de condiciones de la situación de juego para decidir, que
valoren pocas opciones de acciones a emplear, y que no suelan
estar adaptadas a la situación o momento de juego, no tratándose
de condiciones o acciones relevantes, el empleo de preguntas
divergentes, de síntesis o creatividad puede ser apropiado. De esta
forma, preguntas divergentes, que requieren soluciones a nuevas
situaciones a través de la resolución de un problema (según la
clasificación de SIEDENTOP & TANNEHILL, 2000), o preguntas
de síntesis o creatividad, basadas en crear algo nuevo, construir,
diseñar (según la clasificación de CHAMBERS, 2007), podrían ser
empleadas en este tipo de jugadores. Un ejemplo de ello podría ser:
¿de qué formas podrías superar un bloqueo doble bien formado y
con un alcance muy superior al de tu ataque?
- Con jugadores que suelen tomar decisiones inapropiadas, que
repiten la misma decisión sin obtener eficacia, y que suelen
considerar de manera prioritaria condiciones de la situación que no
son relevantes o bien emplean acciones que no son óptimas, con
la intención de tratar de fomentar otras soluciones (RUIZ, 2014),
podría ser recomendable el empleo de preguntas convergentes
o de aplicación. Las preguntas convergentes requieren analizar
e integrar lo aprendido previamente con el razonamiento y
resolución del problema (SIEDENTOP & TANNEHILL, 2000),
y las preguntas de aplicación usan información para resolver
problemas, pero aplicando la información de una nueva o diferente
370
forma (Chambers, 2007). Un ejemplo de ello podría ser: ¿qué
tipo de saque emplearías con una puntuación de 23 a 23, en un set
definitivo?
- Con jugadores que no son capaces de identificar las cuestiones
relevantes de una situación de juego, el uso de preguntas de
comprensión, que suponen interpretar el significado e indicarlo con
las propias palabras, o preguntas de análisis, que implica romper
en partes, examinar relaciones, preguntar porqué (CHAMBERS,
2007), podrían ser apropiadas. Así por ejemplo: ¿por qué crees que
tu compañero X es más eficaz en defensa que tú?, ¿puedes explicar
qué efecto provoca que consigas generar una situación de 1X1 en
el ataque, tras tu pase de colocación?
- Con jugadores que se distraen y dispersan fácilmente, y que suelen
tener falta de atención, podría ser recomendable emplear preguntas
evocadoras, que requieren acceder a la memoria (SIEDENTOP &
TANNEHILL, 2000), o preguntas de conocimiento, que requieren
atender y recordar hechos y detalles (CHAMBERS, 2007). Así
por ejemplo: ¿qué debes tratar de conseguir al decidir sobre la
distribución de tu pase de colocación?, ¿a qué deberías atender
cuando estás defendiendo?
- Para fomentar que los jugadores comprendan los factores que
afectan al rendimiento y mejoren la toma de decisiones, podría
ser recomendable, en sentido general, plantear preguntas de
valoración, que requieren expresar la evaluación de una elección,
actitud u opinión (SIEDENTOP & TANNEHILL, 2000), o de
evaluación, que suponen emitir juicios, asignar evaluaciones,
justificar opiniones (CHAMBERS, 2007). Así por ejemplo: ¿cómo
te ha parecido tu elección de la acción de ataque que has empleado?,
¿qué piensas del uso de un ataque a primer tiempo en esta situación
concreta de juego?
INCORPORACIÓN Y EMPLEO DEL VIDEO-FEEDBACK PARA
LA MEJORA DECISIONAL EN EL ENTRENAMIENTO EN
VOLEIBOL
Como indicamos al inicio del capítulo, terminaremos el mismo

371
haciendo referencia a algunas sugerencias y posibilidades para la
incorporación y empleo de la herramienta de video-feedback para el
desarrollo decisional de jugadores de voleibol de etapas de formación.
De acuerdo con Vickers (2007), el video-feedback es una herramienta,
de aporte de feedback, que puede ser empleada en el entrenamiento
decisional. Dicha herramienta contribuye al desarrollo cognitivo de los
deportistas (CHAMBERS & VICKERS, 2006; RAAB, MASTERS &
MAXWELL, 2005), al permitir analizar diversas cuestiones relacionadas
con el comportamiento táctico (por ejemplo: factores contextuales,
debilidades del oponente, etc.) (GROOM, CUSHION & NELSON, 2011).
De hecho, la aplicación de un programa de intervención basado en el video-
feedback y cuestionamiento, en jugadores de categorías de formación,
ha mostrado mejoras en: la toma de decisiones y ejecución del pase y
lanzamiento en baloncesto (IGLESIAS et al., 2005); el conocimiento
táctico y la toma de decisiones en los golpeos hechos después del saque
en tenis (GARCÍA-GONZÁLEZ et al., 2013); la toma de decisiones en el
ataque en voleibol (GIL, 2013; MORENO, DEL VILLAR et al., 2011).
Sin embargo, el empleo del video-feedback fuera del contexto
de investigación, es poco frecuente en el entrenamiento de equipos en
categorías de formación. Este hecho consideramos que puede estar motivado
por tres aspectos fundamentales: el posible desconocimiento concreto de
las características de aplicación de esta herramienta de forma eficaz; los
requerimientos tecnológicos necesarios para su empleo; los requerimientos
y exigencias temporales para su aplicación. Con la intención de facilitar la
aplicación de esta herramienta en el proceso de formación de los jugadores
de voleibol de categorías de formación, nos referiremos a continuación a
estas tres cuestiones o aspectos.
Un óptimo empleo del video-feedback requiere (VICKERS, 2007):
usarlo con deportistas de nivel intermedio (a este respecto, recomendamos
su empleo a partir de categoría Under-16 en voleibol, donde se ha puesto
de manifiesto su eficacia, Gil, 2013, Moreno, Del Villar et al., 2011) y
avanzado; con presencia de un supervisor/mentor que oriente la atención
del deportista hacia señales concretas y relevantes; con un duración mínima
de la intervención de 5 semanas.

372
Los recursos tecnológicos que pueden emplearse para aplicar el video-
feedback no requieren de una elevada complejidad, ni coste económico,
siendo posible el empleo de diferentes tipos de cámaras y soportes para el
registro de la imagen. Así, debemos valorar la posibilidad de empleo de los
siguientes medios tecnológicos:
- Cámaras inalámbricas con almacenamiento y control remoto en
ordenador, que serían las más costosas y sofisticadas.
- Cámara de video con retardo limitado, que permite grabar y poder
acceder inmediatamente a un intervalo concreto de grabación
(usualmente entre 3 y 8 segundos).
- Cámaras con proyector integrado, que permiten proyectar
directamente desde la cámara la grabación realizada con
anterioridad.
- Tabletas que permiten grabar y acceder directamente a la grabación
realizada.
- Teléfonos móviles, que aunque con pantalla más pequeña, permiten
registrar cómodamente la actuación de los jugadores y plantear el
análisis de la misma.
La utilización de los distintos recursos tecnológicos en el contexto
del entrenamiento deportivo es viable, cumpliendo características de:
portabilidad, es decir, fácil transporte, al no requerir un aparataje pesado,
grande o sofisticado; fácil manejo, al ser muy intuitivos y con un uso
bastante extendido y generalizado en la actualidad; funcionalidad, al
posibilitar recoger lo que se necesita; perdurabilidad, es decir, se trata de
un registro duradero en el tiempo, y al que podemos recurrir tantas veces
como consideremos necesario.
Finalmente, la última cuestión comentada estaba referida a los
requerimientos y exigencias temporales para la aplicación del video-
feedback en la dinámica real de entrenamiento de un equipo. A este
respecto, creemos conveniente recordar que las distintas herramientas
o estrategias deben ser empleadas cuando sean necesarias, debido a que
exista un problema, una cuestión mejorable, un jugador que requiera
de ayuda para mejorar su comprensión del juego, etc. De esta forma, el

373
video-feedback resulta útil a nivel decisional para estimular el aprendizaje
de los jugadores, mejorar la comprensión del juego y la toma de decisiones;
o reconocer y mejorar fortalezas y debilidades individuales y de equipo
(GROOM & CUSHION, 2005; NELSON, POTRAC & GROOM, 2014).
De acuerdo con lo indicado, el propio entrenador del equipo, debe
decidir, en función de la realidad de su equipo y de cada uno de los
jugadores, la acción o acciones concretas de juego que serán analizadas
mediante el video-feedback. Es conveniente seleccionar la acción donde
los jugadores están teniendo más dificultades, o donde no están siendo
capaces de aprovechar todo su potencial, y basar el análisis en las mismas.
Incluso, dichas acciones podrían ser diferentes en función de cada jugador,
ya que cada uno presenta características diferentes y puede necesitar ayuda
adicional en acciones distintas.
Además, incluso el entrenador podría seleccionar jugadores concretos
del equipo a los que aplicar el video-feedback, no siendo obligatoria su
aplicación igualitaria con todos los jugadores, ya que, probablemente unos
jugadores tengan principalmente carencias físicas, otros técnicas, otros
tácticas, por lo que debemos tratar de darle a cada lo que necesite, más que
hacer un tratamiento igual para todos, pero no individualizado.
Igualmente, el entrenador debe elegir el momento de la temporada
donde puede ser más útil o conveniente el empleo del video-feedback, no
siendo necesaria, y tal vez ni siquiera recomendable, su aplicación durante
toda la temporada.
Por otra parte, a nivel temporal, la aplicación del video-feedback no
requiere de un tiempo elevado, sino que podría ser realizado en sesiones
de 12-15 minutos por jugador. De acuerdo con ello, el entrenador, en
función de los recursos humanos y del tiempo disponible, podrá hacer
una organización coherente de las sesiones (así, si el cuerpo técnico
cuenta con un segundo entrenador, éste y el primer entrenador podrían
compartir la función de mentor/supervisor en distintas sesiones; se podrían
establecer sesiones de video-feedback de 15 minutos antes o después del
entrenamiento; se podría establecer un sistema rotatorio en el que cada
día de entrenamiento se aplicara el video-feedback a un jugador diferente;
etc.).

374
De acuerdo con lo indicado, la realidad de cada equipo, sus
características, recursos disponibles, etc., posibilitan hacer un adecuado
empleo del video-feedback, sacando óptimo partido a su aplicación.
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380
LA INTERVENCIÓN DEL ENTRENADOR A TRAVÉS DEL
ANÁLISIS DE LAS TAREAS DE ENTRENAMIENTO

Sergio J. Ibáñez, Doctor, FCD-UEx

Sebastián Feu, Doctor, FE-UEx

María Cañadas, Doctora, FCD-UM

Javier García, Doctor, UACh

INTRODUCCIÓN
El proceso de entrenamiento deportivo, a diferencia del proceso de
enseñanza deportiva escolar, es más complejo, cambiante y poco definido
formalmente, en el que intervienen múltiples factores interaccionados
entre sí. Además, el entrenamiento deportivo en el contexto deportivo se
puede producir en diferentes ámbitos de aplicación: Ámbito Recreativo;
Ámbito Formativo; Ámbito Rendimiento. Cada ámbito posee un conjunto
de características que lo hacen diferente del otro. A modo de resumen, en
la tabla 1 se muestran algunas de las características las cuales definen estos
ámbitos de aplicación y que condicionan la intervención del entrenador.

Tabla 1. Características básicas de los ámbitos de aplicación del entrenamiento


deportivo.
Recreación Formación Rendimiento
Objetivo Divertir Aprender Rendir
Contenidos Habilidades Habilidades Habilidades
Motrices Básicas Motrices Especificas Motrices
Especializadas
Edad Deportistas Toda la vida 8-18 años* +18*
Carácter Deportistas Voluntario Amateur Profesionales
Dedicación al Voluntario Alta Absoluta
entrenamiento
Competición Motivacional Formativa Profesionaliza
Motivación deportista Intrínseca Intrínseca Extrínseca

381
Interacción Participativa Participativa Directiva
entrenador-deportista
Formación Entrenador Dinamizador Especialista Multifactorial
Intervención Entrenador Promotor Conductor Director
Carácter entrenador Animador Guía Exigente
Motivación entrenador Mixta Intrínseca Extrínseca
Modelos de enseñanza Alternativos Alternativos Tradicionales
Estilo de enseñanza Descubrimiento Descubrimiento Resolución de
Guiado Guiado Problemas
Resolución Resolución Asignación de
Problemas Problemas Tareas
Asignación de Asignación Tareas Individualizadores
Tareas
Individualizadores
Medios de Entrenamiento Juegos Simples Juegos Simples Ejercicios de
y Complejos y Complejos Aplicación. Simples
Inespecíficos y Específicos. y Complejos.
Específicos.
Predeporte y Juegos Complejos
Predeporte. Deporte. Específicos.
Predeporte y
Deporte.
Práctica Mental
Instalaciones y Recursos Indiferente Específica Especializada
Materiales

Los entrenadores durante su intervención desarrollan múltiples


funciones. El entrenamiento deportivo es un proceso resultado de una serie
de tomas de decisiones, en el que entrenador tiene un papel fundamental
(ABRAHAM; COLLINS; MARTINDALE, 2006; NASH; COLLINS,
2006). Son muchos los elementos, y de diferente índole, que intervienen
en este proceso de toma de decisiones. Tomando como referencia las
dimensiones profesionales del entrenador planteadas por Sánchez (1994),
se pueden agrupar este gran número de funciones complejas en: factores
humanos (relación con deportistas, entrenadores, padres, directivos,
medios de comunicación, etc.); factores psicopedagógicos (conocimiento
de los modelos de enseñanza, modelos de aprendizaje, desarrollo motor,
maduración, etc.); factores deportivos (dominio de los principios de
entrenamiento generales, de contenidos específicos, estructura formal y

382
funcional del deporte, competición, etc.); factores de gestión (confección
del equipo, selección del cuerpo técnico, gestión del desarrollo deportivo
de los deportistas, organización de los recursos materiales y deportivos,
planificación de viajes, gestión del presupuesto, etc.); y factores de
liderazgo (dirección de equipo deportivo, coordinación del cuerpo técnico,
cohesión del equipo, motivación del grupo, etc.). Como se puede apreciar,
el entrenador deportivo tiene múltiples funciones y éstas son fundamentales
dentro de los procesos de entrenamiento-aprendizaje deportivo.
La intervención del entrenador estará en consonancia con el
paradigma de entrenamiento/enseñanza en el que se posicione. No existe un
posicionamiento único y fijo por parte de los entrenadores a la hora de abordar
los procesos de entrenamiento, existiendo múltiples posicionamientos en
el continuum que se puede establecer entre los paradigmas Tradicionales
y los paradigmas Alternativos de la enseñanza deportiva. La intervención
del entrenador será más directiva, demostrativa, explicativa y transmisora
de conocimientos cuando el entrenador se posicione más cerca de los
Modelos más Tradicionales, frente a intervenciones más democráticas,
propositivas, orientadoras y conductoras del proceso de entrenamiento-
aprendizaje deportivo cuando se posicione próximo a los Modelos más
Alternativos.
La evolución constante de la sociedad en general, y a nivel
deportivo en particular, está provocando un incremento en los niveles de
productividad, tanto en la cantidad como en la calidad de los aprendizajes
deportivos.
Esta exigencia se dirigirá hacia la obtención de unos procesos
de entrenamiento cada vez más eficientes (optimización de
los elementos materiales, humanos y contextuales en los que
se desarrolla el proceso de entrenamiento) y más eficaces
(incrementar los niveles de aprendizaje deportivo y de
rendimiento de los jugadores, desarrollo de sus máximas
potencialidades) (IBÁÑEZ, 2009, p. 12).

Estas nuevas dinámicas de comportamiento social persiguen


una mejora de la calidad de los servicios y productos que consumimos.
El deporte, el entrenamiento deportivo y la intervención del entrenador

383
también se están incorporando a la cultura de la calidad. El entrenador
debe ser evaluado para comprobar si su intervención es correcta y
produce los resultados programados. En el contexto deportivo se produce
continuamente una confusión conceptual entre el resultado productivo
programado con el resultado deportivo. Quizás esta confusión esté ligada a
uno de los factores deportivos anteriormente mencionados, la competición.
Este factor no se encuentra presente en el contexto deportivo escolar y por
tanto no condiciona y altera la intervención de los docentes al enseñar
una modalidad deportiva para el desarrollo del currículum escolar. La
intervención del entrenador no puede evaluarse solamente por el resultado
deportivo por varios motivos:
- La evaluación del entrenador deberá realizarse atendiendo a los objeti-
vos del trabajo que realiza. Los entrenadores realizan su actividad pro-
fesional en ámbitos de intervención con características muy diferentes
(recreativo, formativo, rendimiento). El peso de la competición varía
notablemente de uno a otro. Mientras en el ámbito de intervención del
rendimiento su peso es mayor, en los ámbitos de intervención de recrea-
ción o formación es menor.
- El proceso de entrenamiento deportivo está compuesto, al menos, de
dos grandes intervenciones, una durante el entrenamiento y otra durante
la competición. El tiempo que el entrenador interviene en el entrena-
miento es muy superior al de la competición. La capacidad de competir
del deportista y su resultado, independientemente del efecto del azar,
depende de la calidad y cantidad de aprendizajes adquiridos en el en-
trenamiento. No obstante, a competir se aprende compitiendo. Por ello,
en la fase formativa del deportista no es sólo una mera aplicación de
lo aprendido, sino que es una fase en la que el sujeto continúa apren-
diendo. Por otro lado, antes de aprender a competir, el deportista debe
entrenar para divertirse (FUNdamental; Mujeres de 6-8 años; Hom-
bres de 6-9 años), aprender a entrenar (Learning to Train; Mujeres de
8-11 años; Hombres de 9-12 años) y entrenar para entrenar (Training
to Train; Mujeres de 11-15 años; Hombres de 12-16 años), por último y
tras aprender a competir (Training to Compete; Mujeres de 16-23 años;
Hombres de 15-21 años), vendrá el entrenar para ganar (Training to
Win; Mujeres > 18 años; Hombres >19 años) (BALYI; HAMILTON,
2004).

384
- El resultado deportivo es la consecuencia del enfrentamiento de dos gru-
pos de deportistas que poseen características de desarrollo psicoevoluti-
vo, experiencias de aprendizaje u objetivos de aprendizaje diferentes. A
veces, se obtiene un resultado deportivo óptimo sin haber desarrollado
al máximo la potencialidad del deportista, porque el rival tenía un nivel
inferior en cualquiera de los aspectos anteriormente mencionados. En
otras ocasiones no se obtiene éxito, a pesar de desarrollar al máximo esa
potencialidad, cuando el oponente tiene un nivel superior.
- El valor del resultado de la competición tiene un peso di-
ferente en función del ámbito de intervención en el que se desarrolle la
actividad profesional del entrenador.
Para evaluar la intervención del entrenador ajustándose a criterios
de calidad, Ibáñez (2009) e Ibáñez et al. (2013) proponen que la evaluación
del entrenador se realice empleando el Círculo Continuo del Sistema de
Calidad aplicado a la intervención del entrenador. La intervención del
entrenador se debe estructurar en cinco fases: Decir lo que hacemos;
Hacer lo que decimos; Registrar lo que hacemos; Evaluar lo que hacemos;
Actuar sobre las diferencias. Estas fases se desarrollan de forma continua y
cíclica (Figura 1), conformando este Círculo de Calidad de la Intervención
del Entrenador, CCIE.
Figura 1. Círculo Continuo del Sistema de Calidad aplicado a la
intervención del entrenador (Adaptado de IBÁÑEZ, 2009).

385
Si se analiza con detenimiento el CCIE, se puede apreciar que
los entrenadores realizan la primera fase, Decir lo que Hacemos, pues en
mayor o menor medida, planifican sus entrenamientos. Los documentos
en los que plasman sus intenciones son muy heterogéneos, registrando
desde sólo el tiempo y la representación gráfica de la tarea con alguna
anotación, hasta documentos muy precisos con número sustancial de datos
o variables. Igualmente, los entrenadores ejecutan sus planificaciones,
desarrollan la segunda fase, Hacer lo que decimos. El entrenamiento
(planificación y ejecución) es la intervención del entrenador que mayor
tiempo ocupa dentro de su actividad profesional. La aplicación práctica
del entrenamiento se ve afectada por múltiples circunstancias que pueden
provocar su adaptación o modificación.
A partir de la tercera fase del CCIE es donde la intervención del
entrenador flaquea, Registrar lo que hacemos. El registro de las incidencias
de lo acontecido durante el entrenamiento, así como el registro de otra serie
de variables que se producen durante el entrenamiento, son imprescindibles
para un control y análisis del entrenamiento que permita mejorar la calidad
del trabajo del entrenador, realizando la cuarta y quinta fase, Evaluar lo que
hacemos y Actuar sobre las diferencias. Como unidad básica de registro
del entrenamiento se puede emplear la tarea. La definición de una tarea
durante la primera fase del CCIE debe incluir al menos información sobre
Datos Contextuales, Datos de la Sesión, Variables Pedagógicas y Variables
Organizativas. Este tipo de datos serán presentados posteriormente.
Durante la tercera fase del CCIE se terminará de recoger información
sobre Variables Organizativas y Variables de Carga Externa. Cuando el
entrenador dispone de recursos tecnológicos podrá registrar información
sobre Variables de Carga Interna y Variables Cinemáticas. Todos estos
datos facilitarán el análisis exhaustivo de la intervención del entrenador
aplicando el CCIE.
Funciones del entrenador
La actividad que desarrolla el entrenador ha sido analizada en
diversos trabajos, intentando clarificar y organizar las funciones que
desarrolla el entrenador (GASALLA, 2003; JIMÉNEZ; LORENZO, 2010;
ROSADO; 2000; SÁNCHEZ, 1994; VALES; ARECES, 2000). Haciendo
un análisis de las propuestas sobre las funciones del entrenador realizadas
386
por diversos autores y atendiendo a la realidad deportiva actual, las
funciones del entrenador se pueden situar en las siguientes dimensiones:
− Dimensión Técnica: El entrenador debe tener conocimientos
como técnico especialista, de los principios del entrenamiento
deportivo en general, del deporte que entrena, de la técnica,
táctica, estrategia, acondicionamiento físico, de las características
de la competición de su modalidad deportiva, etc.
− Dimensión Educativa: El entrenador es un educador en el pleno
sentido de la palabra, tanto en el contexto educativo, recreativo
como en el desarrollo de los jóvenes deportistas con talento que
transitan hacia el alto rendimiento y de los deportistas formados
como imagen pública que son del deporte. Es por ello que debe
tener conocimientos psicopedagógicos para encauzar de la forma
más efectiva los contenidos del entrenamiento, desarrollar valores
y para favorecer el desarrollo del talento deportivo.
− Dimensión de Planificación y Diseño del Proyecto Deportivo:
Una de las de las principales funciones del entrenador deportivo
es la planificación, evaluación y antes, durante y después de la
puesta en práctica del proyecto deportivo, así como su gestión
para adaptarse a los cambios que se suceden en la temporada.
Así mismo, el entrenador debe gestionar los recursos materiales e
instalaciones necesarios para llevar a cabo el proyecto deportivo.
− Dimensión de Gestión del Grupo: En un grupo deportivo
se suceden relaciones afectivo-emocionales que deben ser
gestionadas por el entrenador para que todos los agentes
relacionados con el proceso de entrenamiento (ayudantes,
deportistas, padres, directivos, trabajadores del club, etc.) vayan
en la misma dirección. El entrenador debe liderar el proceso
manteniendo la cohesión y motivación del grupo, con habilidades
para crear un clima de entrenamiento adecuado, con empatía,
buen carácter, paciencia, sentido del humor y muestras de afecto
cuando es necesario.
− Dimensión de Comunicación: El trabajo del entrenador se
realiza de cara al público, las sesiones de entrenamiento en la

387
mayoría de ocasiones son de acceso libre para los padres, medios
de comunicación, directivos, espectadores, así como los partidos
y las ruedas de prensa. Es necesario que el entrenador tenga las
habilidades de comunicación necesarias para expresarse en público
en diversos contextos con un estilo de comunicación coherente y
adaptada al foro que le escucha y observa, controlando además la
información que transmite a través de su imagen y comunicación
no verbal.
− Dimensión de Respeto y Ética en el trabajo: El entrenador
debe afrontar su trabajo con espíritu de sacrificio y entrega, pero
siempre bajo el principio de respeto a la dignidad de sus empleados
y colaboradores, tomando sus decisiones con independencia y
respeto a las normas y ética de la competición.
− Dimensión de Investigación e Innovación: En el entrenamiento
deportivo es fácil caer en la rutina o incluso no tener los medios
y recursos deseados para afrontar un contenido. Por ello, el
entrenador tendrá que emplear la creatividad e innovar para
buscar medios, recursos, tareas, situaciones que logren mantener
la motivación del deportista y facilitar su acceso a los contenidos.
Por otro lado, el entrenamiento como ciencia no está exento de
la investigación como medio para analizar y progresar en las
Ciencias del Deporte. El entrenador aplicará los conocimientos
derivados de las investigaciones aplicadas para la mejora de sus
deportistas.

Tanto en el ámbito del rendimiento deportivo como en el ámbito de


las etapas de formación estas dimensiones van a estar presentes, aunque
algunas van a tomar más importancia que otras en función de cada nivel.
En la tabla 2 se propone una valoración sobre la importancia que estas
funciones tienen dependiendo del ámbito de aplicación en la que se trabaje,
a través de una escala Likert de cinco puntos.
Tabla 2. Importancia de las cualidades del entrenador en función del
ámbito de aplicación.

388
Dimensión Intervención Recreación Formación Rendimiento
Dimensión Conocimiento sobre el entrenamiento
+++ +++++ ++++
Técnica en general
Conocimiento de los contenidos
++ +++++ +++++
del deporte
Conocimiento de la competición + ++++ +++++
Dimensión Educar al grupo deportivo +++++ +++++ ++++
Educativa Capacidades pedagógicas ++++ +++++ ++++
Desarrollar el talento deportivo + +++++ ++++
Dimensión Planificación del Proyecto deportivo +++ ++++ +++++
Planificación Gestión del proyecto deportivo ++ ++++ +++++
y Diseño del
Proyecto Gestión de los recursos materiales +++ ++++ +++++
Deportivo Gestión del presupuesto ++ +++ +++++
Dimensión Relaciones Humanas Primarias
Gestión del ++++ +++++ +++++
(Deportistas, Ayudantes)
Grupo
Relaciones Humanas Secundarias
(Padres, Directivos, Medios de +++ ++++ +++++
comunicación, etc.)
Liderazgo +++ ++++ +++++
Motivación y animación ++++ +++++ ++++
Paciencia ++++ +++++ ++++
Buen carácter, afecto +++++ +++++ ++++
Sentido del humor +++++ +++++ ++++
Dimensión de Habilidades de comunicación
+++ ++++ +++++
Comunicación
Estilo de comunicación ++++ ++++ +++++

Imagen y comunicación no verbal +++ ++++ ++++


Dimensión Implicación y Espíritu de trabajo ++++ ++++ +++++
de Respeto Respeto a la dignidad deportistas
y Ética en el +++++ +++++ +++++
y colaboradores
trabajo
Respeto a la normas y ética de
++++ +++++ +++++
competición
Aceptar el resultado +++++ +++++ +++++
Independencia en la toma de
decisiones ++++ ++++ +++++

389
Dimensión de Creatividad e Innovación +++++ ++++ ++++
Investigación e Investigación Aplicada +++++ ++++ +++
Innovación
Aplicación de la Investigación
+++ ++++ +++++

Leyenda: Nivel de importancia de cada función. Escala Likert de cinco rangos.


Muy Baja (+.), Baja (++), Media (+++), Alta (++++), Muy Alta (+++++.)

Perfiles de entrenador
En la literatura científica que analiza el perfil de los entrenadores
se encuentra un buen número de trabajos que se ha centrado en el estilo de
liderazgo del entrenador. Estos estudios se centran en tres aproximaciones
(CHELLADURAI; RIEMER, 1998): el modelo multidimensional de
dirección (CHELLADURAI, 1978; CHELLADURAI, 1990), el modelo
medicional de liderazgo (SMOLL; SMITH; CURTIS; HUNT, 1978); y el
modelo normativo de estilos de decisión (CHELLADURAI; HAGGERTY,
1978; CHELLADURAI; QUEK, 1995).
Con la intención de analizar el perfil del entrenador desde una
perspectiva más amplia e integradora de las funciones que realiza el
entrenador, y entendiendo que no todos los entrenadores son iguales,
Ibáñez (1996) definió seis perfiles de entrenador (Entrenador Tradicional,
Entrenador Tecnológico, Entrenador Innovador, Entrenador Colaborador,
Entrenador Dialogador y Entrenador Crítico) que se obtenían a partir de
seis parámetros: la Filosofía de entrenamiento; el Estilo de entrenamiento;
los Medios de entrenamiento y los Recursos materiales; el Clima
de entrenamiento; la Relación Entrenador-Ayudantes; y la Relación
Entrenador-Jugadores. Posteriormente, los parámetros que definían el
perfil del entrenador el modelo de Ibáñez (1996) fueron ampliados por
Feu (2004) para adaptarlo aún más las funciones que realiza el entrenador,
incluyendo tres nuevos parámetros: Métodos de entrenamiento,
Planificación del entrenamiento, Evaluación del entrenamiento, para cada
uno de los seis perfiles. Además, se eliminó la dimensión Filosofía del
entrenamiento, obteniendo un total de ocho parámetros para definir los
perfiles de entrenador.
A partir de la actualización de Feu (2004), se valida un cuestionario

390
para medir las orientaciones del entrenador, Coach Orientation
Questionnaire (COQ), utilizándose una población de entrenadores de
balonmano (FEU et al., 2007). Los resultados de este trabajo constatan
que cada entrenador adopta un perfil de entrenador en las seis dimensiones
propuestas y que algunos perfiles no son puros sino que se solapan
características de otros perfiles.
Por otro lado, hay que indicar que el entrenador no se posiciona en
un perfil u otro en función de su forma de ser o personalidad. Feu, Ibáñez
y Gozalo (2010) y Parejo et al. (2014) encontraron que el nivel formativo
del entrenador, formación formal y no formal, así como las experiencias
como deportista y como entrenador condicionan la adopción de los perfiles
de entrenador. Por lo tanto, a través de las actividades formativas y la
participación en programas de “buenas prácticas” se puede reconducir el
perfil del entrenador para afrontar de forma más efectiva sus funciones
como entrenador.
El Coach Orientation Questionnaire (COQ) permite identi-
ficar los perfiles de entrenador desde una perspectiva multidimen-
sional y atendiendo a las diversas funciones que realiza el entre-
nador. Además, se puede obtener un perfil individualizado de cada
entrenador a partir de sus respuestas al cuestionario para posterior-
mente, con la ayuda de los datos y del perfil gráfico que se genera,
analizar como entrena y poder compararlo con otros entrenadores.
En el ejemplo de la figura 2 se puede observar el perfil gra-
fico de dos entrenadores empleando el cuestionario COQ (FEU et
al., 2007). El entrenador A tiene un perfil con fuertes connotacio-
nes de entrenador Crítico, Tradicional y Dialogador, con un menor
uso de los componentes tecnológicos. Por su parte, el entrenador B
tiene un fuerte componente de entrenador Tecnológico, Innovador,
y Colaborativo pero más bajo en el resto de perfiles. Este perfil grá-
fico también puede obtenerse por cada parámetro analizado para
los seis perfiles.
Figura 2. Perfil de entrenador obtenido a partir del cuestionario
COQ (FEU et al., 2007)

391
LA TAREA DE ENTRENAMIENTO
La tarea de entrenamiento es la actividad que proponen los
entrenadores en la que se plasman y concretizan todas las ideas e
intenciones para el desarrollo de los objetivos deportivos mediante la
práctica de los contenidos deportivos. En ellas, se implementan las
concepciones metodológicas del entrenador sobre el entrenamiento
deportivo. En los deportes de invasión las tareas de entrenamiento recogen
la propia complejidad de estas modalidades deportivas. Las tareas permiten
al entrenador alterar alguno/s de los componentes de las condiciones
de juego, para simplificar o dificultar la misma, con la intención de
favorecer la motivación del deportista y el acceso a los conocimientos
y habilidades motrices propias del juego, o incluso parar preparar a los
jugadores y equipos para la competición (GARCÍA et al., 2015). En ellas,
se desarrollan al mismo tiempo la enseñanza de los contenidos deportivos
como el desarrollo de los factores condicionantes del deportista. Por
ello, es necesario un análisis integral de estas tareas, pues el deporte es
indisoluble, todas las variables están interrelacionadas y al aprendizaje de
los deportistas es global.
El análisis de las tareas de entrenamiento adquiere importancia para
392
la optimización de los procesos de entrenamiento y la formación de los
deportistas. Los factores vinculados con la organización de las sesiones de
entrenamiento son estudiados en el ámbito de la pedagogía deportiva. Los
entrenadores manifiestan su preocupación por el incremento del tiempo
disponible para la práctica, el tiempo de compromiso motor de la sesión,
así como del tiempo empleado en la tarea.
El tiempo de práctica es el factor determinante para que se produzca
el aprendizaje motor de los deportistas. Con el objeto de identificar los
diferentes tiempos que se pueden dar en una sesión, Tinning (1992) realiza
una aproximación conceptual interesante. Para aprovechar al máximo el
tiempo de práctica, habrá que disminuir en la medida de la posible los
tiempos de agrupación, el tiempo de explicación y evitar las organizaciones
complejas.
Dentro de la organización del espacio, el factor a tener en cuenta
va a ser el tipo de organización que se utilice durante la tarea, entendiendo
como tal la manera con la que los deportistas cambian de rol durante la
ejecución de la tarea una vez terminado el objetivo principal de la misma,
ocupando una posición en el espacio diferente al inicial. Por otro lado,
dentro de la organización del grupo, las variables que van a influir en el
tiempo de participación son: la forma de agrupación de los deportistas, y
la forma de participación del deportista en relación con los compañeros de
su mismo grupo.
En el contexto deportivo se han desarrollado investigaciones con
el objeto de conocer cuál es el tiempo de práctica y la organización que se
utilizan en las sesiones de enseñanza-aprendizaje deportivo (CALDERÓN;
PALAO; ORTEGA, 2005). El uso del tiempo y los tipos de información
durante el proceso de enseñanza-aprendizaje, son considerados por
los entrenadores como los dos puntos clave para lograr un adecuado
entrenamiento.
El análisis de la intervención del entrenador debe realizarse a partir
de datos objetivos, válidos y fiables. Esta información puede provenir
de las planificaciones del entrenamiento que los entrenadores realizan
diariamente, de la observación sistemática de su proceso de intervención,
o de ambas a la vez. Para llevar a cabo este análisis es preciso contar con

393
la mayor cantidad de información posible en los documentos que registren
el entrenamiento. Además de los datos contextuales que permiten situar
el entrenamiento en el contexto (fecha, hora…), una buena planificación
del entrenamiento debe recoger una serie de datos, que se pueden agrupar
según su naturaleza. Ibáñez (2008) indica los elementos mínimos que debe
tener una planificación de entrenamiento para que pueda ser analizada:
La correcta planificación del entrenamiento que permita
un posterior análisis deberá incluir como mínimo los
tres elementos mencionados anteriormente, i) tiempo
previsto para cada actividad, ii) representación gráfica y
iii) descripción de la tarea a realizar. Estos datos básicos se
complementan con iv) la situación de entrenamiento, v) el
contenido de entrenamiento, vi) los medios de entrenamiento
y vii) la fase de juego que pretendemos potenciar. Otros
elementos que permiten tener una información más precisa
de las actividades a realizar y facilitan la organización de
las actividades son; viii) la organización del grupo, ix) el
material a emplear, x) los objetivos para los jugadores en
fase de ataque, y xi) los objetivos para los jugadores en fase
de defensa (IBÁÑEZ, 2008, p. 307).

El SIATE, Sistema Integral para el Análisis de las Tareas de


Entrenamiento
La preocupación por el análisis de la intervención del entrenador a
través del estudio de la planificación del entrenamiento comenzó hace varios
años. Esta propuesta inicial ha ido evolucionando y mejorando con el paso
del tiempo y el desarrollo de investigaciones que el grupo de investigación
GOERD de la Universidad de Extremadura (Grupo de Optimización
del Entrenamiento y Rendimiento Deportivo) viene desarrollando y que
tienen por objeto el análisis de la tareas de entrenamiento y la intervención
del entrenador (CAÑADAS; IBÁÑEZ; LEITE, 2015; CAÑADAS et al.,
2013a; CAÑADAS et al., 2013b; CAÑADAS et al., 2009; GARCÍA et
al., 2014). En este sentido se han desarrollado herramientas para que
colaboren en los procesos de planificación y control del entrenamiento.
Los entrenadores emplean herramientas ofimáticas básicas para la
planificación y control del entrenamiento y herramientas específicas de
394
cada modalidad deportiva. Así surgió dentro del grupo GOERD el PYC
Basket, herramienta para la planificación y control del entrenamiento en
baloncesto (IBÁÑEZ; SÁNCHEZ; BLÁZQUEZ, 2010).
Una buena planificación y control del entrenamiento debe incluir
un conjunto de datos y variables que permitan un análisis integral. Ibáñez,
Feu y Cañadas (2015) presentan un Sistema Integral para el Análisis
de las Tareas de Entrenamiento, SIATE (Figura 2), en el que se recoge
información sobre: Datos Contextuales; Datos del Entrenador; Datos de
la Sesión; Variables Pedagógicas; Variables Organizativas; Variables de
Carga Externa; Variables de Carga Interna; Variables Cinemáticas.
Los Datos Contextuales recogen información genérica sobre
las características del equipo y de los deportistas. Dentro de este tipo de
información, registramos los siguientes datos: i) Temporada; ii) Ámbito de
Intervención; iii) Equipo; iv) Club; v) Categoría deportiva; vi) Sexo de los
deportistas; vii) Edad de los deportistas.
Es importante registrar Datos del Entrenador que realiza la
intervención. Estos datos permiten caracterizar al entrenador que lleva
a cabo el entrenamiento. La información que se registra atiende a: i)
Formación Federativa; ii) Formación Académica; iii) Años de Experiencia
como Entrenador; iv) Años de Experiencia como Deportista.
Para encuadrar/posicionar/localizar correctamente la sesión, se
precisa registrar los Datos de la Sesión. Los datos de la sesión permiten la
contextualización de la misma dentro de la temporada deportiva. En estos
datos se recoge información sobre: i) Fecha de realización; Mesociclo en
el que se incluye, iii) Microciclo en la que se incluye, iv) Número de la
Sesión, v) Número de la Tarea dentro de la Sesión.
Las Variables Pedagógicas son aquellas que ofrecen información
al profesor y al entrenador sobre las características de la tarea, contenido
que se desea trabajar durante la actividad, tipo de actividad y explican
cómo se ha de organizar/estructurar la tarea. Dentro del grupo de
Variables Pedagógicas las cuales definen una tarea podemos identificar
diez: i) Descripción de la Tarea, ii) Representación Gráfica; iii) Objetivos
o Consignas para los deportistas de la Fase de Ataque; iv) Objetivos o
Consignas para los deportistas en Fase de Defensa; v) Situación de Juego;

395
vi) Fase de Juego; vii) Tipo de Contenido; viii) Contenido Específico; ix)
Medio de Entrenamiento; x) Nivel de Oposición.
Las Variables Organizativas son las que ofrecen información a
los entrenadores sobre aspectos organizativos del grupo de deportistas,
de la estructura espacial a utilizar, de la distribución temporal de la tarea
y de la organización de los recursos materiales. Dentro de este grupo
de variables, empleamos las siguientes: i) Tiempo Total de la Tarea; ii)
Tiempo de Explicación; iii) Tiempo Útil; iv) Aprovechamiento; v) Tipo de
Participación.
Las Variables de Carga Externa son aquellas que permiten al
entrenador disponer de una cuantificación de la carga de entrenamiento
que provocan las tareas, y por extensión la sesión de entrenamiento, sin
la necesidad de disponer de recursos materiales complejos. Para conocer
la carga del entrenamiento con esta metodología se registran seis variables
primarias: i) Grado de Oposición; ii) Densidad de la Tarea; iii) Número de
Ejecutantes Simultáneos; iv) Carga Competitiva; v) Espacio de Juego; vi)
Implicación Cognitiva. A partir de ellas, y de su relación con las Variables
Organizativas, obtenemos cuatro variables secundarias: vii) Carga de la
Tarea; viii) Carga Total por segundos; ix) Carga Total por minutos; x)
Cociente Carga Total Segundos / Participación.
Las Variables de Carga Interna son aquel conjunto de indicadores
que ofrecen información objetiva sobre cómo se está comportando el
organismo del deportista ante el estímulo del entrenamiento. Cuando
podemos disponer de recursos tecnológicos para la recogida de esta
información, empleamos las siguientes variables: i) Frecuencia cardíaca
individual; ii) Zona o porcentaje de intensidad individual a la que se
trabaja; iii) Frecuencia Cardíaca Media del equipo; iv) Zona de Intensidad
Colectiva en la que se trabaja.
Finalmente, las Variables Cinemáticas recogen información
objetiva sobre los movimientos de los deportistas durante la ejecución
de las tareas. Dentro del grupo de variables que se pueden registrar, el
grupo de investigación GOERD emplea las que aporta los Wimü de la
marca Realtrack, junto con unos pulsómetros de la marca Garmin. Las
variables cinemáticas que empleamos dentro del SIATE son: i) Distancia

396
recorrida; ii) Velocidad media; iii) Número de aceleraciones; iv) Número
de desaceleraciones; v) Número de pasos; vi) Número de saltos. El
posicionamiento del deportista sólo se registra cuando el deporte analizado
se realiza en el exterior, por los problemas de señal del GPS en espacios
interiores.
Figura 2. Datos y Variables que recoge el Sistema Integral para
el Análisis de las Tareas de Entrenamiento, SIATE (IBÁÑEZ; FEU;
CAÑADAS, 2015).

INVESTIGACIONES QUE ANALIZAN LAS TAREAS DE


ENTRENAMIENTO
Las investigaciones sobre el análisis de las tareas de entrenamiento
es una línea de investigación de gran actualidad. Esta línea de investigación
se posiciona a caballo entre las disciplinas científica de Sport Pedagogy
y Coaching Science (BORMS, 2008). De forma más específica, dentro
de ámbito de investigación de Teachers, Teaching and Coaching, de la
primera disciplina, y en el ámbito del Performance Analysis in Sport de
la segunda. Se trataría del tópico de investigación de Analysis of Coach
Behaviour (O’DONOGHUE, 2010).
Las investigaciones que emplean la información que proviene de

397
la estructura de las tareas deben obtenerla a partir de datos objetivos y
válidos. A través de la investigación sobre las tareas de entrenamiento
se puede analizar cómo es la intervención del entrenador. La mayoría de
los trabajos que analizan las tareas de entrenamiento lo hacen sobre la
bases de variables de orden fisiológico para el control del entrenamiento.
Sin embargo, son escasos los trabajos que hacen referencia al control
del entrenamiento a través del estudio de las tareas, los procesos de
planificación y la intervención del entrenador.
Los entrenadores manipulan, modifican, adaptan los parámetros
estructurales de las tareas para mejorar los procesos de aprendizaje. Una de
las variables que suelen adaptar son las Situaciones de Juego (agrupación
de deportistas). Los juegos modificados o reducidos son denominados
Small Sided Games. Gracía et al. (2014) comprobaron que la intervención
del entrenador, con existencia o no de feed-back, durante el trabajo en
situaciones reducidas, incrementaba la respuesta de la carga interna de la
tarea, medida a través de la frecuencia cardíaca, al igual que el número de
jugadores que participaban en la tarea.
En esta línea, Reina e Ibáñez (2015) estudiaron las relaciones entre
las Situaciones de Juego reducidas (Small Sided Games, 2 x 2, 3 x 3…)
y de equipo (Full Games) con las Variables Pedagógicas, Variables de
Carga Externa, Variables Organizativas y Variables de Carga Interna en las
tareas planificadas por un entrenador durante toda una temporada. En esta
ocasión se emplea la información que el Sistema Integral para el Análisis
de las Tareas de Entrenamiento, SIATE, facilita.
Los resultados demostraron la existencia de asociaciones entre la
Situación de Juego y las Variables Pedagógicas de la Fase de Juego (2 x 2
para Defensa; 3 x 3 para Ataque; 4 x 4 y 5 x 5 para trabajo Mixto), Tipo de
Contenido (2 x 2 se asocia con Conductas Grupales de Defensa; 3 x 3 con
Conductas Grupales de Ataque; 4 x 4 y 5 x 5 con Conductas Colectivas
de Ataque), y Medio de Entrenamiento (2 x 2 y 3 x 3 se asocian con los
Juegos; 4 x 4 y 5 x 5 se asocia con el Deporte). También se encontraron
relaciones en las Variables de Carga Externa de Densidad (2 x 2 se asocia con
ejercicios intensos con descanso). En las variables Número de Ejecutantes
simultáneos, Carga Competitiva, Espacio de Juego e Implicación
Cognitiva se comprobó que se obtenían valores superiores a medida que
398
la Situación de Juego es más compleja (Full Game). Igualmente, sólo se
encontró relación en la Variable Organizativa de Participación (2 x 2 y 3
x 3 se realizan con participación alternativa; 4 x 4 y 5 x 5 la participación
es simultánea). No se encontró diferencia en las respuestas de la Variable
de Carga Interna de Frecuencia Cardíaca entre Small Sided Games y Full
Games. Estos resultados ponen de manifiesto de forma objetiva cómo es la
intervención del entrenador.
Serra-Olivares et al. (2015) modificaron la estructura de una tarea
de juego reducida en fútbol (Small Sided Games, 3 x 3) sobre la base de
principios pedagógicos y objetivos de la tarea. Sus resultados no fueron
concluyentes, pero reclaman la necesidad de profundizar en este tipo de
investigaciones, desde el punto de vista de la dinámica ecológica, para
determinar cómo se deben utilizar los juegos reducidos en los enfoques
metodológicos basados en el juego.
Por su parte, Aguiar et al. (2012), realizaron una revisión de
las investigaciones sobre la modificación de las situaciones de juego
reducidas en fútbol (Small Sided Games), encontrando que los estudios
que analizaban las respuestas fisiológicas de los deportistas (frecuencia
cardiaca, concentración de lactato en sangre y valoración del esfuerzo
percibido), la adquisición de habilidades tácticas y técnicas puede
modificarse alterando factores tales como el número de jugadores, el
tamaño de la cancha, las reglas del juego. Sin embargo, debido a la falta de
consistencia en el diseño de juegos reducidos, aptitud del jugador, edad,
capacidad, nivel de estímulo del entrenador y modificación de las reglas,
era difícil sacar conclusiones precisas sobre la influencia de cada uno de
estos factores por separado.
Cañadas e Ibáñez (2010) analizaron como era la planificación del
entrenamiento de un entrenador novel a través de dos variables pedagógicas:
contenidos de entrenamiento y medios de entrenamiento. Mediante la
relación entre estas variables identificaron que el entrenador objeto de
estudio empleaba en el diseño de sus tareas los ejercicios como medio de
entrenamiento para el trabajo de los contenidos vinculados con los gestos
técnicos, mientras que los juegos como medio de entrenamiento para los
contenidos asociados a las conductas tácticas. Igualmente, analizando
la variable pedagógica medio de entrenamiento, Cañadas et al. (2011)
399
estudiaron la influencia que un programa formativo podía ejercen en el
empleo de los diferentes medios. Un programa formativo orientado hacia
metodologías de aprendizaje alternativas, comprensivas y constructivistas,
modifica la selección de los medios de entrenamiento, aumentando la
utilización del juego como medio de entrenamiento prioritario. Igualmente
se comprobó un aumento progresivo de la complejidad de las propuestas
con el objeto de favorecer el aprendizaje.
La variable pedagógica Fase de Juego también ha sido estudiada
(CAÑADAS et al., 2013a), identificando sus relaciones con los Medios
de Entrenamiento y las Situaciones de Juego en la planificación del
entrenamiento en deportistas en categorías de formación. Los resultados
pusieron de manifiesto que el predominio en el diseño de tareas que
desarrollan los entrenadores se produce en la fase de ataque sobre la de
defensa. Para el entrenamiento de los contenidos de ataque el entrenador
emplea el Medio de Entrenamiento de los ejercicios y con Situaciones de
Juego sin oposición (1 contra 0), mientras que para el entrenamiento de la
Fase de Juego de defensa el entrenador diseña tareas clasificadas dentro
de los Medios de Entrenamiento como juegos en Situaciones de Juego de
oposición reducida (1 contra1).
La evolución en el tratamiento las variables pedagógicas en
diferente categorías deportivas también ha sido estudiada por Cañadas et
al. (2013b), a través del análisis de la Situación de Juego. Identificaron
que durante la temporada el entrenador del equipo con deportistas sub’12
conseguía evolucionar las situaciones de juego durante la temporada desde
situaciones más simples a más complejas. Igualmente, el tratamiento en
el tipo de situación y número de veces que eran empleadas, permitió
identificar que el entrenador de la categoría sub’12 se posicionaba más
cerca de un modelo alternativo, constructivista, mientras que el entrenador
del equipo sub’14 lo hacía en un modelo tradicional, técnico.
LA INTERVENCIÓN DEL ENTRENADOR
Los resultados de las investigaciones presentadas anteriormente
ponen de manifiesto que la información que se obtiene es de gran utilidad
para el conocimiento de la intervención de cada entrenador, llegando
incluso a establecerse comparaciones entre las diferentes metodologías

400
empleadas por los entrenadores. Para complementar estos estudios es
necesario realizar aproximaciones conceptuales al perfil de entrenador
que es estudiado, con herramientas como el COQ (Coach Orientation
Questionnaire), así como mediante el estudio del proceso de intervención.
No solo es necesario contrastar lo que hace con herramientas como el
SIATE (Sistema Integral para el Análisis de las Tareas de Entrenamiento)
sino saber cómo lo hace (intervención).
El análisis de las tareas permite conocer qué hace el entrenador durante
su intervención profesional. Para sistematizar el control del entrenamiento
se pueden emplear aplicaciones específicas para la planificación y control
del entrenamiento (PYC Basket) o mediante ofimática básica. El siguiente
reto es comprobar cómo realiza la intervención el entrenador. Para ello
será necesario cruzar la información, triangulando los datos provenientes
del proceso de planificación con los que provienen del estudio de su
actuación durante el entrenamiento. Finalmente, habrá que proponer un
plan de mejora para cada una de las variables analizadas con la finalidad
de optimizar el entrenamiento.
Siguiendo a Alarcón et al. (2010) se pueden agrupar las tareas de
índole docente que realiza un entrenador en tres apartados: la progresión
de la enseñanza, el diseño de tareas y el tipo de comunicación. Las dos
primeras tareas pueden ser analizadas empleando herramientas similares
al SIATE. Para poder analizar que los planteamientos teóricos que
implementa el entrenador en sus planificaciones de entrenamiento se
ajustan a un modelo de entrenamiento es preciso analizar la intervención
del entrenador a través de su comunicación.
La utilización de un método de enseñanza implica la elección de un
determinado tipo de intervención didáctica, estilo de enseñanza, técnica de
enseñanza y estrategia en la práctica, sobre la base de las características de
ese método. Además, todo ello determinará la forma de planificar, diseñar
y llevar a cabo las sesiones de entrenamiento. Cuando un entrenador diseña
una sesión bajo un enfoque de aprendizaje determinado, debería planificar
antes de la práctica los aspectos organizativos de la tarea, las condiciones de
la tarea y la comunicación con los deportistas (la presentación de la tarea,
el feedback y los refuerzos). Las decisiones preactivas del entrenador, lo
que dice que va a hacer, deben ser contrastadas con lo que realmente hace,
401
para ello es necesario analizar su conducta a través de su comunicación
verbal y no verbal.
Durante el entrenamiento la transmisión de la información a los
deportistas debe realizarse conforme a lo planificado y al supuesto modelo
de enseñanza en el que el entrenador se posiciona. Sin embargo, es posible
que el entrenador modifique su conducta verbal por circunstancias que
surjan en el desarrollo de la sesión o simplemente de forma inconsciente.
Por ello, es necesario analizar la conducta verbal del entrenador durante la
transmisión de la información inicial, el feedback que da a sus deportistas
y el tipo de refuerzo que administra, pues estos aspectos pueden modificar
o alterar el modelo de enseñanza-aprendizaje que utiliza y su estilo de
enseñanza (ALARCÓN et al., 2010).
La conducta verbal del entrenador es una variable importante
para analizar la intervención del entrenador. La información verbal del
entrenador se considera que es aquella que muestra cómo es la información
que transmite el entrenador a sus deportistas y el tipo de información que
solicita de éstos. Esta variable se relaciona directamente con los modelos y
estilos de enseñanza. Dentro de este tipo de variables podemos diferenciar
dos momentos claves: la información transmitida al explicar la tarea en
relación a la solución de la misma (información inicial); y el feedback
utilizado: momento de impartición del feedback (durante y al finalizar
la tarea), el tipo de feedback (descriptivo, prescriptivo, interrogativo,
motivacional, etc.) y el número de personas al que va dirigido (individual,
grupal, todo el grupo).
La información proporcionada por el entrenador o discurso
docente es uno de los indicadores que los entrenadores consideran más
relevantes. Dentro de la fase de actuación frente al grupo de deportistas, el
estilo de comunicación del entrenador condiciona los efectos de este tipo
de tareas en el deportista. La trasmisión de información al deportista, las
condiciones de la tarea, y el feedback que le proporciona el entrenador se
sustenta en el modelo de enseñanza-aprendizaje intrínseco que subyace
en el entrenador. Por otro lado, se ha demostrado que con el feedback
motivacional se condiciona la intensidad con la que practica el deportista
(GRACIA et al., 2014). Todos los mensajes, verbales y no verbales, que
transmite el entrenador deben ser planificados antes de que se produzcan
402
para conseguir una mayor eficacia del proceso de enseñanza-aprendizaje
(ALARCÓN et al., 2010)
El tipo de feedback, el momento, a quién va dirigido o la distancia
en la que se transmite la información son algunas de las perspectivas
desde las que se plantea el estudio del feedback. En cuanto a los tipos de
feedback, desde una perspectiva del modelo de enseñanza comprensiva, el
feedback interrogativo es considerado como el más idóneo. La búsqueda
de la comprensión por parte del deportista, de entender qué y cómo tiene
realizar la práctica por sí mismo invita a utilizar un feedback en el que
es él mismo el que busca el error y la solución más adecuada (HOLT;
KINCHIN; CLARKE, 2012; PEREIRA; MESQUITA; GRAÇA, 2010).
En el modelo tradicional, técnico, la comunicación es unidireccional,
utilizando información visual y verbal para describir la tarea e informar de
lo acontecido. El feedback es masivo, general y de naturaleza descriptiva.
Se emite sobre el contenido de la ejecución, durante o al finalizar la acción,
para manifestar las carencias observadas o para mostrar el modelo de
ejecución ideal (ALARCÓN, et al, 2010).
En los modelos alternativos el entrenador presentará las condiciones
de la práctica con la intención de que el deportista indague y descubra
la solución al problema planteado intentando favorecer la reflexión del
deportista a través de un feedback interrogativo (ALARCÓN, et al., 2010;
CONTRERAS; DE LA TORRE; VELÁZQUEZ, 2001).
Anteriormente entre las funciones del entrenador se presentó la
Dimensión Comunicación. Para analizar esta importante función del
entrenador es necesario analizar la comunicación verbal y no verbal
del entrenador en las sesiones de entrenamiento y así poder constatar
que lo que hace se corresponde con lo que dice. El Coach Analysis and
Intervention System, (CASI) (CUSHION; HARVEY; MUIR; NELSON,
2012), es un instrumento de observación sistemática que se utiliza para
recoger información sobre el comportamiento del entrenador en los
entrenamientos y la competición. El CAIS permite codificar las siguientes
conductas o categorías que se agrupan en dos núcleos categoriales:
a.- Conductas primarias: Patrones de comportamiento que
el entrenador utiliza en la interacción con sus deportistas, tanto en

403
los entrenamientos como en las competiciones. Las categorías son:
Comportamientos físicos, Feedback o retroalimentación, Instrucción,
Conducta verbal/ no verbal, Silencio, Pregunta, Organización, Otros.
b.- Conductas secundarias: Detalles secundarios del
comportamiento del entrenador con sus deportistas. Las categorías son:
Estado del entrenamiento o partido (periodo de entrenamiento, partido
y descansos, El receptor del mensaje (Individual, Grupo o Equipo),
Momento en el que se emite la información (antes, durante o después),
Contenido o naturaleza del mensaje (Técnico, Táctico u otros), Silencio
(no involucrado en tarea).
CONSIDERACIONES FINALES
La intervención del entrenador en su desarrollo profesional
es de gran complejidad, pues su labor es desarrollada en ámbitos de
intervención con características muy diferentes, el recreativo, el formativo
y el de rendimiento. Las funciones o actuaciones que debe ejecutar son
múltiples y variadas, que afectan a diferentes dimensiones: Técnica,
Educativa, Planificación y Diseño del Proyecto Deportivo, Gestión del
Grupo, Comunicación, Respeto y Ética en el trabajo, Investigación e
Innovación. Cada una de estas grandes dimensiones y sus funciones tienen
un peso diferente en función del ámbito de aplicación que condiciona la
intervención del entrenador.
Para que su labor sea desarrollada con calidad, sus actuaciones
tienen que seguir las fases del Círculo de Calidad de la Intervención del
Entrenador, CCIE. La planificación y ejecución del entrenamiento son
fases que habitualmente realiza el entrenador. El gran reto del entrenador
moderno es abordar las fases de registro, análisis y modificación de sus
comportamientos.
Para analizar la intervención del entrenador la unidad de análisis
que emplea el grupo GOERD es la tarea de entrenamiento. El Sistema
Integral para el Análisis de las Tareas de Entrenamiento, SIATE,
colabora en el conocimiento de cómo es el proceso de entrenamiento,
recogiendo información sobre el Contexto, el Entrenador, la Sesión,
Variables Pedagógicas, Variables Organizativas; Variables de Carga
Externa, Variables de Carga Interna, Variables Cinemáticas. Parte de esta

404
información es recogida durante el proceso de planificación de la sesión y
otros datos serán necesarios recogerlos durante la ejecución de las tareas.
El SIATE permite conocer qué hace el entrenador durante su
intervención, pero para realizar un estudio más exhaustivo de su labor será
necesario conocer cómo lo hace. En este sentido, es interesante analizar
el discurso que realiza el entrenador durante su intervención profesional
mediante herramientas como el CAIS. Esta información permitirá triangular
la información obtenida por el SIATE, CAIS y el perfil del entrenador,
COQ, verificando que lo que dice, lo que hace y su posicionamiento
conceptual están en consonancia.
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410
TALENTO ESPORTIVO: TEORIA E PRÁTICA

Adroaldo Gaya

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ESEFID/UFRGS

Projeto Esporte Brasil (PROESP-Br)

Vinícius Denardin Cardoso

Universidade Estadua de Roraima - UERR

Projeto Esporte Brasil (PROESP-Br)

Anelise Reis Gaya

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ESEFID/UFRGS

Projeto Esporte Brasil (PROESP-Br)

Alberto Reinaldo Reppold Filho

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ESEFID/UFRGS

acgaya@esef.ufrgs.br

INTRODUÇÃO
Este é um estudo de revisão sistemática de literatura sobre talento
esportivo. Trata de desenhar o estado da arte e propor novas sínteses e
sugestões no que se refere: (1) às definições de talento esportivo e; (2)
aos modelos de intervenção. Assentamos as definições na rubrica da teoria
e, os modelos de intervenção na rubrica da prática, daí o título: Talento
Esportivo: teoria e prática.
Como ponto de partida reconhecemos que, embora todas as pessoas
tenham a possibilidade de praticar alguma modalidade esportiva no seu
tempo de lazer, poucas estão capacitadas para o alto rendimento esportivo.
Portanto, quando se planejam políticas para o esporte de alto rendimento
parece lógico incluir estratégias para a seleção, mais ou menos precoce,
411
dos futuros atletas de elite. É uma exigência econômica (VAEYENS et al.,
2009; ABBOT & COLLINS, 2003; REGINIER, SALMELA & RUSSEL,
1993).
Investir em pesquisas e programas capazes de identificar e promover
talentos esportivos com elevada eficiência é o que fazem os mais destacados
países da elite esportiva mundial. É parte relevante nas pesquisas em
ciências do esporte.
Entretanto, como pudemos concluir desta revisão da literatura,
os modelos de identificação de talentos esportivos são pouco eficientes
(VELENCZEI & ANDREA, 2011; ADLER, 2006; VAEYENS et al., 2009;
REGINIER, SALMELA & RUSSEL, 1993; MACNAMRA E COLLINS,
2012). Devido à complexidade das relações entre os diversos indicadores
de desempenho esportivo, os modelos de intervenção não dão conta de
prever com a desejada antecedência e necessária eficiência, quem serão, a
médio e a longo prazo, os atletas de sucesso.
Decorre da afirmação acima que os pesquisadores e especialistas
das ciências do esporte que fazem uso extensivo das definições de talento
esportivo para prever antecipadamente as habilidades excepcionais e
explicar suas causas, incorrem em riscos consideráveis de verem seus
esforços resultarem insignificantes.
É necessário salientar que quando se trata de definir talento esportivo
nas ciências do esporte as exigências e o rigor do conhecimento científico
impõe critérios lógicos e empíricos. O que é exigido do conhecimento
científico é que além da capacidade de propor conjeturas logicamente
justificadas, elas resistam às refutações provenientes da experiência vivida,
enfim, exige-se que a coerência teórica seja respaldada pela consistência
dos dados empíricos.
Como tal, se consideramos como premissa a reconhecida relativa
ineficiência dos modelos de identificação de talentos esportivos (as
práticas), ainda assim, devemos insistir em operar com definições
(teorias), que embora possam ser formalmente coerentes e consensuais,
não apresentam validade empírica?
Nas linhas seguintes apresentamos argumentos para fundamentar
nossa hipótese de trabalho assim formulada: (a) Premissa: se as práticas
412
de identificação de talentos esportivos são relativamente ineficientes para
reconhecer antecipadamente um atleta de sucesso ou, em outras palavras,
se podemos identificar um talento esportivo somente à longo prazo, ou
seja, quando ele já é um atleta de sucesso; (b) conclusão: as definições
de talento esportivo se tornam abstrações teóricas sem sentido prático e
portanto sem validade operacional e, por suposto sem validade científica.
É o que pretendemos demonstrar.
Nossos argumentos se constituem a partir: (1) das definições mais
recorrentes na literatura internacional (teoria); (2) dos principais modelos
de identificação e desenvolvimento do talento esportivo (prática) e, por
fim; (3) da necessidade de sugerirmos em forma de síntese, algumas
recomendações para a atualização dos discursos sobre talento esportivo
nas ciências do esporte.
METODOLOGIA
Revisão sistemática da literatura, com corte temporal nas publicações
disponíveis entre 1980 a 20141. Foram utilizados os seguintes motores
de busca: Google Acadêmico; Pubmed, Portal da CAPES, Science
Direct, SPORTDiscus. Foram utilizadas as seguintes palavras chaves:
talento esportivo; detecção de talento; programa de desenvolvimento de
talentos esportivos, “sport talent”; ‘talent detection”; “talent development
programmes in sport”. Como resultado das buscas foram, inicialmente
relacionados um total de 2600 títulos em português, espanhol e inglês.
Nas análises preliminares através da leitura dos títulos e resumos foram
excluídos estudos que não se relacionavam diretamente com os objetivos
da pesquisa, títulos repetidos, citações dispersas, sites de divulgação
comercial, artigos incompletos ou com falta de dados, restando 227
artigos. Na segunda triagem, levando em consideração tratarem-se de
artigos originais e de reconhecido rigor metodológico foram selecionados
e analisados 92 artigos. Finalmente, dos 92 artigos pelo princípio da
exaustão2 (repetição de conteúdos) foi selecionada uma amostra de 57
1
Inicialmente o corte temporal estava previsto para o período entre 2000 e 2014. Todavia,
ao analisarmos os artigos deste período constatamos que houve um relevante debate
nos anos iniciais da década de 1990, desta forma alargamos nosso corte temporal para
contemplar os estudos que foram publicados neste período.
2
O critério de exaustão ou saturamento permite selecionar amostras representativas entre
vários trabalhos que tratam do mesmo tema como a mesma abordagem. Trabalhos com
413
estudos tendo como critério de seleção os autores recorrentemente citados
ou aqueles autores que tratavam de informações originais relevantes.
DEFINIÇÕES SOBRE TALENTO ESPORTIVO (TEORIA)
Senso lato, é evidente que todas as pessoas compreendem o que é
um talento esportivo. Perguntemos aos aficionados do esporte quem são
os atletas que reconhecem como talentos e, certamente teremos uma lista
deles: Pelé, Michel Jordan, Usain Bolte, Cristiano Ronaldo, e nos esportes
para pessoas com deficiência: Trischa Zorn, Daniel Dias, Alan Fonteles. Os
talentos esportivos são os atletas que se destacam pela sua performance.
Aqueles cujos resultados estão muito além da média da maioria dos atletas
de alto-rendimento. São os “fora de série”. Mas no âmbito das ciências
do esporte o que é um talento esportivo? Embora pequenas nuances, há
consensos. A expressão é genericamente utilizada para designar algo raro
e valioso no domínio esportivo. Todavia, embora haja consenso quando
a definição genérica de talento esportivo, o mesmo não ocorre quanto
à natureza deste talento. Da revisão da literatura conclui-se que em
relação à natureza do talento os cientistas do esporte e de áreas afins, se
agrupam em três principais perspectivas filosóficas: (1) talento esportivo
como uma característica naturalmente determinada (naturalismo); (2)
talento esportivo como uma característica adquirida por intervenção de
programas de treinamento e condições adequadas de envolvimento social
e cultural (culturalismo) e; (3) Talento esportivo como uma potencialidade
naturalmente determinada e desenvolvida através de adequado processo
de treinamento e condições de envolvimento (construcionismo).
A corrente naturalista pressupõe que o talento é um dom. São
características inatas. “O talento nasce pronto”. Traz em sua natureza
propriedades genéticas que definem seu destino. Embora, ao longo do
tempo esta corrente tenha reduzido sua pretensão em constitui-se em
modelo hegemônico de detecção de talentos esportivos e, como tal,
restringindo sua relevância, ela tem retornado nos tempos atuais respaldada
na notoriedade científica proveniente das pesquisas em genética. Insistem
alguns pesquisadores da área da biologia e da genética que serão capazes, à
curto prazo, de identificar um atleta de sucesso por mapeamento do DNA.
Muitos investimentos estão sendo feitos nesta área de pesquisa nas ciências
temas recorrentes.
414
do esporte (LIPPI, LONGO & MAFFULLI, 2009). Todavia, o que sabemos
sobre associações entre mapeamento genético e desempenho esportivo é
descrito por Dias et al. (2007) como rastreamento dos genes candidatos a
associar-se ao desempenho esportivo em atletas de elite. São informações
sobre marcadores e variantes genéticas que podem levar certos indivíduos
a sobressaírem-se em modalidades esportivas específicas. Segundo Silva
et al. (2014) e Baker (2012), entre outros, até o presente momento, sabe-se
que no mapa genético humano existem por volta de duzentas sequências
variantes de genes e de marcadores genéticos que estão relacionados aos
fenótipos de performance física e de boa condição física relacionada à
saúde.
A identificação de talentos parece estar sendo influenciada por essas
descobertas, com a caracterização gênica do indivíduo pesando como
parte significativa na decisão da seleção de jovens talentos3. Dias et al.,
(2007) e Baker (2012) descrevem alguns polimorfismos identificados com
desempenho da força, potência muscular e resistência:
O Polimorfismo R577X do Gene da a-ACTININA 3 (ACTN3)
associado às fibras musculares do tipo II; Polimorfismo C34T do gene
da AMP DEAMINASE (AMPD1) associado à fadiga prematura da
musculatura esquelética; Polimorfismo I/D da Enzima Conversora de
ANGIOTENSINA (ECA) associado à captação de glicose e ao fluxo
sanguíneo muscular; Polimorfismo 985+185/1170 do Gene da Enzima
Creatina Quinase M (CK-M) associado ao aumento da capacidade
oxidativa.
Enfim, admite-se que um talento esportivo detenha variantes
genéticas (polimorfismos) que possam associar-se ao alto desempenho de
força de velocidade, e de resistência e de outras capacidades, todavia, ainda
é precoce afirmar que exclusivamente através do mapeamento genético
seja possível identificar precocemente o atleta de sucesso.
Acreditamos que o mapeamento genético, assim como os testes de
capacidades somatomotoras, apenas podem identificar sujeitos com alta
potencialidade de desempenho em algumas variáveis de desempenho, mas
3
Entretanto, os autores ressaltam que múltiplos fatores biológicos e ambientais são
determinantes da performance e que a análise de um único gene, isoladamente, não
necessariamente determina o fenótipo de um atleta.
415
daí a considerá-los talentos esportivos vai uma longa distância.
O quadro 1, identifica alguns dos principais pesquisadores e suas
publicações que partilham da concepção naturalista sobre o talento.

Quadro 1. Algumas referências de concepção naturalista


David Henry Feldman; Natural talents: an argument for the
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2001,147 – 67

416
A corrente culturalista não admite que um talento esportivo decorra
de estruturas biológicas. Para seus adeptos o que determina o sucesso
esportivo são as condições ambientas, culturais, o tempo deliberado da
prática esportiva e a qualidade dos programas treinamento, etc. Portanto,
para os culturalistas um talento esportivo não depende de propriedades
naturais (genéticas) que os discriminariam dos demais sujeitos. O sucesso
esportivo é fruto de muito esforço, dedicação e adequado ambiente e
práticas pedagógicas.
Howe et al. (1998) afirmam que as diferenças entre as prévias
experiências, preferências e oportunidades, hábitos, treinamento e prática
são os reais fatores que levam ao sucesso esportivo. Entre os culturalistas
destaca-se o psicólogo e pesquisador K Anders Ericsson. Para Ericsson
(2001), embora algumas características naturais possam ser facilitadoras
para a seleção em determinados esportes (por exemplo a estatura para
basquetebol, ou para ginástica), o que realmente determina um talento
é o envolvimento deliberado com a prática. O autor e colaboradores
(ERICSSON, KRAMPE, & TESCH-ROMER, 1993) publicaram, entre
tantos outros, um artigo com dois estudos que se tornaram referência
entre os culturalistas. No primeiro estudo com violinistas foram formados
três grupos: um com professores de música, e dois grupos de violinistas
considerados excelentes e bons. Foram entrevistados e preencheram
questionários sobre duas dimensões: biografia (início da prática,
participação em recitais e competições...) e; prática e concentração
(estimativa do tempo de exercícios, horas por semana em cada ano de
prática...). Os resultados sugerem que as variáveis que descriminam
os grupos referem-se ao tempo de prática deliberada. Noutro estudo,
os pesquisadores requisitaram pianistas provenientes de dois grupos:
amadores e profissionais. Além das entrevistas realizaram testes motores
não relacionados com a arte da performance instrumental. Foram testes de
coordenação motora fina e ampla. Os resultados sugerem que não houve
diferença estatisticamente significativa entre os testes de coordenação,
mas houve entre o tempo de prática deliberada.
Decorrente das informações provenientes destas e outras pesquisas
os culturalistas defendem a tese de que um talento (em artes, esportes e
outras áreas) é produto de um longo percurso de prática deliberada e que

417
este período é de aproximadamente 10 anos ou 10.000 horas de prática.
Duas críticas interessantes, entre outras, são propostas por
pesquisadores das concepções naturalista e construcionista à hipótese da
prática deliberada de Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993). A primeira
diz respeito aos sujeitos precoces. Sujeitos que em tenra idade apresentam
performances extraordinárias. O exemplo clássico é Mozart que aos cinco
anos já compunha e interpretava ao piano. A resposta dos culturalistas,
em nossa opinião, é por demais simplista. Eles afirmam que a obra de
Mozart só foi considerada genial após seus 20 anos, portanto desta forma
validando, através de hipótese ad hoc, a conjetura de dez anos de prática
deliberada. Os culturalistas parecem pretender nos convencer que antes
disso Mozart era uma criança comum ou que, por outro lado, qualquer
criança desde que se submetesse a dez anos de prática deliberada teria a
mesma genialidade de Mozart.
A outra crítica de ordem metodológica e é expressa por MacNAMARA
e COLLINS (2011). O pesquisadores do Institute of Coaching and
Performance da University of Central Lancashire, questionam o fato de
que Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993) não pesquisaram violinistas
e pianistas que, embora com dez ou mais anos de prática deliberada
não se tornaram bons ou excelentes músicos. Eles perguntam: quantos
pretendentes a carreira de talentos após 10 anos de prática não atingiram
tal nível de excelência? Enfim, do nosso ponto de vista, se constitui uma
visão filosófica idealista, imaginar que qualquer sujeito possa se tornar
Mozart ou Michel Jordan.
O quadro 2, identifica alguns dos principais pesquisadores e suas
publicações que partilham da concepção culturalista sobre o talento.
Quadro 2. Algumas referências de concepção culturalista
AUTORES ARTIGOS
ERICSSON KA, KRAMPE RT, The role of deliberate practice in the
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A corrente construcionista assume uma posição dialética entre o
naturalismo e o culturismo. Considera tanto a relevância das características
naturais ou genéticas como os fatores culturais como parte do processo de
formação de um talento esportivo. Portanto, o talento não nasce pronto, mas
também não é uma qualidade presente em todos os sujeitos, bastando para
desenvolvê-las, por exemplo, dez anos de prática deliberada. Os talentos
apresentam qualidades genéticas que se constituem em potencialidades
419
a serem (ou não) desenvolvidas pelo envolvimento dos sujeitos num
ambiente propício.
Da análise criteriosa dos argumentos apresentados pelos
construcionistas decorre a hipótese de que as capacidades naturais ou
genéticas não são determinantes de um talento esportivo. Todavia, parece
evidente, que um talento esportivo não pode prescindir destas capacidades
naturais. Essas características genéticas encontradas em alguns sujeitos
são identificadas como pré-requisitos, como qualidades que potencializam
o desempenho em determinadas performances.
O construcionismo, por sua vez não nega a relevância da prática
deliberada. Esta prática é da maior relevância na formação de um atleta
de sucesso. O que está em causa na concepção dos culturalistas é não
aceitarem que um talento detenha determinadas características naturais
que o predisponha ao sucesso.
Provavelmente o pesquisador que tenha melhor desenvolvido
teoricamente a concepção construcionista seja François Gagné. O Franco-
canadense de Montreal afirma a diferença entre altas habilidades ou
superdotação (Giftedness) e talento (Talent). De acordo com Gagné (1993),
altas habilidades ou superdotação é o desempenho superior em habilidades
naturais (forças, resistência, motivação, inteligência) ao passo que um
talento é um desempenho superior numa tarefa no âmbito das atividades
humanas (música e esporte, por exemplo) que foi excepcionalmente
desenvolvida por um processo de ensino, aprendizagem e treino a partir
das habilidades naturais. Uma criança ou jovem pode ser identificado como
superdotado ou com altas habilidades motoras, mas se tais potencialidades
não forem adequadamente desenvolvidas possivelmente seu talento não se
revelará.
Gagné concebeu uma teoria: o Modelo Diferenciado de Superdotação
ou Altas Habilidades (Giftedness) e Talento (Talent). Como se observa na
Figura 1, o modelo de Gagnê propõe três colunas: na primeira estão as
Altas Habilidades naturais ou genéticas (giftetness). Podem ser habilidades
intelectuais, criativas, sociais e somatomotoras ou um conjunto delas. A
elipse abaixo da primeira coluna sugere que estes sujeitos podem (ou não)
terem a chance de participar de um processo de desenvolvimento destas

420
habilidades visando uma competência especial. São programas de ensino,
aprendizagem e treino formais ou informais que, todavia sofrem o impacto
de variáveis intervenientes (catalizadores). Tais variáveis, que podem
influenciar positivamente ou negativamente a performance, são de origem
intrapessoal (características físicas e mentais, auto-gestão e motivação) e
de envolvimento (influência da cultura, do envolvimento com pessoas e
grupos, oportunidade de participar de programas, competições). Enfim,
será a partir das habilidades naturais e através de um adequado programa
de desenvolvimento que se poderá reconhecer um talento.
Figura 1 - Adaptado de Gagné (1993)

Quadro 3. Algumas referências de concepção construcionista


Construct and models pertaining to exceptional
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DAVIDS, K., BAKER, the nature-nurture dualism is no longer relevant.
Jo Sports Medicine. 2007: 37, 961 – 980.

Embora, tenhamos apresentado uma breve síntese da teoria de


Gagné como um exemplo de concepção construcionista, queremos firmar
nossa convicção sobre sua capacidade de representar de maneira mais
próxima a realidade do esporte de alto rendimento. Acreditamos que
tanto o naturalismo como o culturalismo não podem dar conta daquilo
que pretendem, ou seja, constituírem-se em doutrinas exclusivas para
fundamentar a definição de talento esportivo. Não nos parece sensato, por
um lado, supor que um talento esportivo já tenha nascido pronto. Que seu
mapa genético é determinante de seu sucesso como esportista de elite como
pretendem os naturalistas. Por outro lado, também não é sensato imaginar

422
que todas as crianças e jovens possam revelar-se talentos esportivos desde
que submetidos a dez anos ou dez mil horas de prática deliberada, como
sugerem os culturalistas. Portanto, se por um lado, não devemos negar
as condicionantes genéticas, por outro também não devemos negar a
relevância dos programas de treinamento a médio ou longo prazo. Como
tal, o mais sensato, em nossa opinião, é definir um talento esportivo
como um sujeito que tem capacidades naturais (genéticas) excepcionais
que potencializam sua capacidade de desempenho esportivo, desde que
adequadamente desenvolvidas por programas de treinamento a médio e
longo prazo.
Se esta conjetura estiver correta, encontramos um primeiro
argumento (teórico) para sustentar nossa hipótese do trabalho. Se só
podemos identificar um talento esportivo à longo prazo, ou seja, se
só identificamos efetivamente um talento quando ele já é um atleta de
sucesso, parece lógico que os conceitos usuais como: detecção, seleção,
promoção e desenvolvimento de talentos esportivos tornam-se inoperantes.
Permanecem como Hipóteses Ad Hoc, ou seja, são hipóteses auxiliares
que não se pode validar empiricamente, fato que para o conhecimento
científico é uma limitação da maior relevância.
MODELOS DE DETECÇÃO DE TALENTOS ESPORTIVOS
(PRÁTICA)
No parágrafo anterior concluímos que os termos detecção, seleção,
promoção e desenvolvimento de talentos esportivos tornam-se inoperantes
se não houver modelos eficientes capazes de identificá-los. É a questão
relevante deste artigo: os modelos de detecção de talentos esportivos são
eficientes? Responder tal questão, todavia, exige uma clara definição
operacional do termo detecção de talentos esportivos.
Definimos a detecção de talentos esportivos como os procedimentos
ou modelos de avaliação capazes de, a partir de um conjunto de indicadores
ou características pessoais, efetuar um prognóstico de médio ou longo
prazo sobre as possibilidades de uma criança ou jovem tornar-se integrante
de uma população de atletas de excelência esportiva.
Nossa conclusão, como pretendemos demonstrar, é que os modelos
de detecção (ver GULBIN et al., 2013), embora possam ser bem

423
fundamentados teoricamente não são eficientes na prática. Aliás, em todos
os modelos seus adeptos referem às dificuldades da tarefa de reconhecer
precocemente um talento esportivo devido à multiplicidade de variáveis
intervenientes e a complexidade das relações entre elas. Como referem
Collins & MacNamara (2012) o caminho para o alto rendimento percorre
uma estrada de pedras.
O modelo tradicional de detecção de talentos esportivos obteve
sucesso nos países do leste europeu. A antiga União Soviética e Alemanha
Oriental (VAEYENS et al., 2009), com suas numerosas medalhas Olímpicas,
chamaram atenção do mundo e revelaram uma excelente organização de
seu sistema esportivo. Muito dos méritos foram atribuídos aos modelos
de detecção precoce de crianças e jovens com altas habilidades naturais
que eram encaminhados a núcleos de treinamento onde eram rigidamente
orientados por treinadores e cientistas do esporte. Este modelo se propagou
pelo mundo e muitos são as potências esportivas que apostam em seus
resultados (Inglaterra, Austrália, EUA, Rússia, Cuba...). O princípio teórico
é muito simples e é, em grande parte, baseado na concepção naturalista
de talento. Através de medidas e teste antropométricos, fisiológicos, de
aptidão física e habilidades motoras são selecionados jovens com níveis
elevados de desempenho. O pressuposto é que estas qualidades naturais se
manteriam estáveis ao longo do tempo e se constituiriam em pré-requisitos
fundamentais na detecção de um talento esportivo. Esse modelo tradicional,
embora ainda hoje muito utilizado, recebe críticas. Vejamos as principais:
(1) O modelo pressupõe que características de elevado desempenho
detectadas em crianças ou adolescentes permaneceriam até a idade adulta.
Em outras palavras, acredita-se que haja estabilidade no comportamento
dessas competências. No entanto, vários estudos demonstram que
esta estabilidade na maioria das competências é relativa e sofre forte
influência da maturação sexual (COLLINS et al., 2014; MACNAMARA
E COLLINS, 2012; ABBOT e COLLINS, 2002; HOWE, DAVIDSON
e SLOBODA,1998; ABERNETHY e RUSSEL, 1987; WILLIANS e
FRANKS, 1998) e do envolvimento cultural (HENRIKSON, 2010;
HERIKSON e et al. 2010; MARTINDALE et al. 2010).
(2) A eficiência do modelo não é satisfatória. Güllich apud Vayens
et al. (2009), mostra resultados bastante convincentes sobre alguns estudos
424
em diferentes países e esportes que demonstram que entre crianças e
jovens precocemente detectados como talentos apenas em torno de 2%
chegam ao alto desempenho esportivo, portanto, sugerindo uma relação
custo-benefício muito baixa. Se considerarmos as previsões de Gagné
(1993) de que 10% da população apresenta altas habilidades e neste grupo
seleto apenas 10% se tornam talentos, isto representa que apenas 1% da
população com altas habilidades chegam a revelarem-se atletas de sucesso.
(3) Há evidências que atletas de sucesso esportivo não
necessariamente foram precedidos por altas performances nas categorias
de base (BLOOM, 1985; COLLINS et al., 2014). Em pesquisa realizada
nos Jogos Olímpicos de Atenas, Güllisch refere que somente 44% dos
atletas Olímpicos obtiveram sucesso esportivo nas categorias de base
Güllich apud Vayens et al. (2009)
Este modelo tradicional, na versão construcionistas é incluído
como uma parte inicial integrando um sistema mais a longo prazo de
identificação de talentos.
O Modelo australiano (TALENT SEARCH) é um bom exemplo
(GULBIN, 2001). Daí surgem os conceitos auxiliares de: detecção,
seleção, promoção e desenvolvimento do talento esportivo. Nestes
modelos a detecção (modelo tradicional) constitui-se na primeira fase da
identificação do talento. Através de testes e medidas somatomotoras os
atletas são selecionados para participarem das fases procedentes (seleção).
Se forem selecionados passarão a fase seguinte (promoção) e, ao final, se
tudo ocorrer bem serão reconhecidos como talentos esportivos. Todavia,
isso só saberemos ao final, quando o atleta se revela efetivamente como
um talento.
Nesta mesma perspectiva de desenvolvimento do talento esportivo
ao longo do tempo a UK Sport Team propõe o “Confirmed Talent System”
(VAEYENS et al., 2008). Levando em conta o construcionismo de Gagné
(1993), os autores sugerem baterias de medidas e testes para detectar
crianças e adolescentes com altas habilidades motoras nas escolas.
Estas baterias de medidas e testes consideram as especificidades de cada
modalidade esportiva, selecionando as capacidades físicas e motoras
que os pesquisadores em ciências do esporte consideram relevantes

425
para o desempenho esportivo. As crianças e adolescentes selecionados
são convidados a participar de um programa de treinamento intensivo
com duração entre 3 a 6 meses onde são observados por uma equipe
multidisciplinar. Este período é considerado como fase de suporte e
validade das medidas e testes de detecção (de altas habilidades). Ao
final deste período a equipe de profissionais seleciona os que deverão
permanecer integrados à programas de treinamento de longo prazo.
Provavelmente, este modelo reduza os prejuízos na relação risco-
benefício, todavia, mantém alguns sérios problemas operacionais. Talvez,
um dos mais relevantes seja a possibilidade concreta de desconsiderar os
efeitos da maturação biológica (HOWE, DAVIDSON e SLOBODA, 1998;
MALINA, BOUCHARD e BAR-OR, 2004; ERICSSON, 1998; MOORE,
COLLINS e BURWITZ, 1998; VAEYENS, COUTS e PHILIPPAERTZ,
2005). Jovens com maturação biológica tardia seriam precocemente
excluídos do programa, embora com elevado potencial de performance,
pois seriam comparados com o desempenho de seus colegas biologicamente
mais velhos e, portanto com dimensões de estatura e desempenho em testes
de força, velocidade..., aparentemente mais promissoras.
A Equipe UK Sport, também sugere o “Structured recycling of
talent” (cf. COLLINS et al., 2014). O modelo possibilita a transição de
atletas de esportes cujos atributos (físicos, mentais e de habilidades...) são
semelhantes (VAEYENS et al. 2009), por exemplo: da ginástica artística
para saltos ornamentais; do voleibol de quadra para voleibol de praia; de
provas de atletismo para esportes de velocidade, força ou resistência. Na
mesma concepção teórica há o modelo australiano “Mature-age talent
identification”.
Uma das principais características destes modelos é o de evitar as
armadilhas tão vigorosamente explícitas pela literatura sobre os efeitos da
maturação biológica como variável interveniente na detecção precoce de
um talento esportivo.
“Sporting Giants” é um projeto nesta perspectiva levado à termo
pela UK Sport Team (2008). Foram selecionados os seguintes esportes
para receberem os talentos maduros: handebol, voleibol e remo. Através
de intensa publicidade divulgou-se o recrutamento de atletas com as

426
seguintes características: estatura mínima de 1,90m para homens e
1,80m para mulheres; idade entre 16 e 25 anos; ter competido em nível
regional em algum esporte e; ter praticado pelo menos dois esportes. Em
fevereiro de 2007, entre mais de 4000 voluntários inscritos, responderam
a um segundo questionário 2000 atletas, destes 1500 foram testados em
provas de performance motora e, entre maio e agosto 101 atletas foram
recrutados (no handebol 15 de 131; no voleibol, 7 de 77, no remo 69 de
1131 e outros 10 foram selecionados para canoagem e um para o ciclismo).
No ano seguinte em 2008 havia 48 atletas nos programas de treinamento
e, em 2014 (cf.www.uksport.gov.uk) 7 atletas se tornaram medalhistas em
campeonatos e torneios internacionais. Entre esses medalhistas: 3 são do
handebol (2 mulheres oriundas hóquei e basquete e 1 homem proveniente
futebol); 2 são do remo (mulheres provenientes atletismo/hóquei e saltos
ornamentais); 1 mulher na canoagem proveniente do tênis/hóquei e 1
homem no ciclismo proveniente do futebol.
Críticas a este modelo foram publicadas por MacNamara e
Collins (2011) e Collins et al., (2014). Segundo esses pesquisadores
estes procedimentos seguem caminho inverso às pesquisas sobre talentos
esportivos e fazem um desserviço às ciências do esporte ao sugerirem
que a transferência de talentos reduz as incertezas da identificação de
talentos através dos modelos tradicionais. Para contrapor esta hipótese os
autores salientam como argumento os resultados da própria experiência da
campanha “Sporting Giants” cujos resultados apontam apenas 4% de atletas
recrutados para os programas de treinamento e, nós acrescentaríamos,
apenas 7 atletas que se confirmaram como medalhistas em campeonatos e
torneios internacionais. MacNamara e Collins (2011 e 2012), reafirmam
que a descoberta de talentos emerge de uma complexa e única coreografia
entre diferentes grupos de causas intervenientes e, discordam que a
transferência de talentos possa reduzir esta complexidade.
Do nosso ponto de vista a partir do conceito operacional de talento
esportivo, os modelos de transferência de talentos não serão considerados
como tal. Parece pertinente afirmar que trata-se de uma estratégia capaz
de evitar os obstáculos inerentes aos fenômenos da maturação biológica,
de identificar características motoras e psicológicas já bem consolidadas
(em outros esportes), e oportunizar outras experiências esportivas aos seus

427
candidatos. Provavelmente, uma estratégia que reduza a relação custo
benefício, o que, todavia, é contestado empiricamente por Collins et al.,
(2014). Entretanto, do nosso ponto de vista, pelos resultados anunciados
pelo Sporting Giants, o modelo além de ser pouco eficiente, não sugere
uma forte evidência teórica. Analisando os atletas de sucesso nesta
campanha observa-se que entre os atletas confirmados as três remadoras
(2 em remo e 1 em canoagem) uma delas é proveniente do atletismo e
hóquei, outras dos saltos ornamentais e outra do tênis e hóquei; Nos três
atletas de handebol (1 homem e duas mulheres) o primeiro era futebolista
e as mulheres provenientes, uma delas do basquete e a outra do hóquei
e, por fim um ciclista proveniente do futebol. Portanto, parece não haver
uma forte consistência lógica para assegurar associações entre habilidades
exigidas nos esportes doadores e nos esportes receptores.
CONCLUSÃO
Por tudo que foi aqui discutido, em relação à teoria (definições)
e a prática (modelos de detecção de talentos), há argumentos suficientes
para reafirmar nossa hipótese de trabalho: Detecção, seleção, promoção,
desenvolvimento, identificação de talentos esportivos e outros termos afins
não são operacionais. Pouco servem para subsidiar uma teoria científica
do talento esportivo. Se, pelos conhecimentos que detemos atualmente,
só saberemos quem é um talento realmente (identificação) quando ele
se tornar um atleta excepcional, qual o sentido de lidar com definições
que sugerem um trajeto esportivo para um talento que ainda não existe e
tampouco saberemos se existirá?
Não obstante, o que ainda podemos reunir como conhecimentos
científicos relevantes no âmbito das pesquisas científicas sobre a formação
de atletas para o esporte de alto rendimento? Vejamos alguns exemplos:
1. Dos modelos tradicionais das pesquisas sobre detecção de talentos
e das pesquisas biológicas, atualmente com muita ênfase nas
pesquisas em genética humana, parece evidente que alguns sujeitos
são especiais. Detêm qualidades, atributos e capacidades muito
além das médias das populações. Da mesma forma, as pesquisas
genéticas evidenciam que muitas dessas capacidades especiais
estão associadas a padrões genéticos ou polimorfismos. São

428
características inatas. Nós apresentamos algumas evidências no
decorrer deste ensaio e somos convictos de sua pertinência.
2. Decorre deste pressuposto que se possa identificar sujeitos com
altas habilidades naturais. Não obstante, ainda assim, estaremos
longe da pretensão de identificar precocemente um atleta de
sucesso. Mas, se por um lado não podemos prever quem serão os
atletas de sucesso mesmo que detenha altas habilidades, é possível
supor, pelo menos, que sem elas, provavelmente não teremos
atletas de sucesso.
3. Se esta conjectura está correta, talvez possamos inferir que os
pressupostos teóricos propostos por Gagné (1993) parecem
adequados. Assim, rejeitamos conceber altas habilidades e talentos
como sinônimos. Tampouco, altas habilidades como indicadores
de talentos. Reconhecemos que identificar crianças e adolescentes
com altas habilidades é uma possibilidade clara e pertinente,
todavia, consideramos que crianças e jovens com altas habilidades
necessitam de múltiplas competências para tornarem-se atletas de
sucesso e, por suposto, as condições relacionadas ao envolvimento
social, cultural e, especificamente as condições adequadas de
treinamento a longo prazo, são condições indispensáveis.
4. As múltiplas exigências para a identificação de um atleta de sucesso
e a complexidade de suas relações, como referem MacNamara
e Collins (2011 e 2012) e Collins et al., (2014) configuram uma
única coreografia entre diferentes grupos de causas intervenientes
e, como tal, torna-se improvável que se possa detectar com a
precocidade desejada um talento esportivo, o que portanto, exige
novas formas de abordar o tema possivelmente com novas tarefas
e abordagens da pedagogia do esporte no âmbito da formação
esportiva a longo prazo.
IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Se, por ventura, tivermos o privilégio de que este ensaio chegue às
mãos de alguns gestores do esporte, provavelmente teremos que responder a
seguinte pergunta: E então, o que fazer? Devemos abandonar preocupações
com a busca de talentos esportivos? A resposta é simples e objetiva: não,

429
não devemos abandonar tal projeto. Neste ensaio, absolutamente não
negamos a existência de talentos esportivos e tampouco queremos impedir
a tentativa de encontrá-los. O que afirmamos é que o quadro teórico com
o qual operamos nas ciências do esporte não é pertinente. Os modelos de
intervenção não são eficientes. As teorias que pressupõe o percurso que
se inicia com a detecção, e prossegue com a seleção, desenvolvimento
e identificação são teoricamente inconsistentes, pelo simples motivo, já
inúmeras vezes reiterado neste texto, que só saberemos quem é talento ao
fim da estrada.
Portanto a melhor alternativa teórica é abandonar a perspectiva
do talento como ponto de partida e, consideramos a necessidade de
pesquisarmos no âmbito de programas eficientes de formação de atletas
para o esporte de alto rendimento4.
Todavia, se fossemos convidados para assessorar algum clube,
federação ou confederação nossa proposta estaria muito próxima ao
modelo do talento confirmado (“Confirmed Talent System”), sugerido pela
“UK Sport Team”. Sugeriríamos a formação de uma equipe transdisciplinar
de cientistas do esporte (nas várias áreas do conhecimento), treinadores e
gestores e criaríamos um perfil das exigências (morfológicas, fisiológicas,
de aptidão física e técnica, psicológica...) requeridas para a prática do
esporte que se pretende atender um comitê de especialistas. Trataríamos
de criar um sistema de avaliação (válido e fidedigno) capaz de identificar
crianças ou adolescentes com perfis semelhantes ao requerido pelo sistema
de avaliação. Posteriormente através de um bom sistema de divulgação
aplicaríamos ou ofereceríamos este sistema às escolas, clubes, comunidades
envolvidas com educação física, projetos esportivos e projetos sociais.
Da análise dos resultados recrutaríamos as crianças ou adolescentes com
desempenho pretendido e submeteríamos aqueles que se prontificassem a
permanecer num programa de treinamento intensivo por um ou dois meses,
acompanhados de perto por uma equipe de treinadores, preparadores
físicos, fisiologistas, psicólogos, médicos, nutricionista, fisioterapeutas...,
que pudessem avaliar de forma multidisciplinar as diversas competências
para o alto desempenho esportivo. Após este período a equipe selecionaria,
4
Neste sentido, é interessante consultar o modelo heurístico sugerido por GULBIN et al.
(2013) para o Instituto Australiano de Esportes. Um modelo para optimização do esporte
e desenvolvimento de atletas. (FTEM framework- in. www.ausport.gov.au)
430
provavelmente, alguns poucos atletas que permaneceriam treinando com
as categorias de base no clube ou centro de treinamento. Certamente, a
eficiência de nossa proposta não iria muito além dos resultados obtidos
pelos modelos tradicionais, todavia arriscaríamos afirmar aos gestores
esportivos que a relação custo-benefício seria provavelmente mais
equilibrada.
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