Professional Documents
Culture Documents
O Estado Da Arte Da Gestão Pública - Modelos de Gestão - Criticas À Abordagem Gerencial NPM
O Estado Da Arte Da Gestão Pública - Modelos de Gestão - Criticas À Abordagem Gerencial NPM
https://rae.fgv.br/node/47217
I S SN 0034-7590 © R AE n Sã o Pa ul o n v. 5 3 n n. 1 n j a n/fev. 2 0 1 3 n 0 8 2 - 0 9 0 83
pensata O ESTADO DA ARTE DA GESTÃO PÚBLICA
I S SN 0034-7590 © R AE n Sã o Pa ul o n v. 5 3 n n. 1 n j a n/fev. 2 0 1 3 n 0 8 2 - 0 9 0 85
pensata O ESTADO DA ARTE DA GESTÃO PÚBLICA
são negociados com os diversos ção pública aparece, ilusoriamente, sistema político, mais ligado às ex-
grupos de poder, envolvendo, in- como um instrumento capaz de pectativas da sociedade, mais con-
clusive, os termos de seu próprio contornar a política; procura-se gruente com valores e menos para
trabalho (MOTTA, 1987). resolver problemas de conflitos fins preferenciais ou tecnocráticos.
Após os insucessos de pro- típicos do pluralismo do sistema Como a gestão privada é, tam-
postas trazidas pelo NPM, alguns de grupos políticos por meio de bém, mais rápida na produção de
dilemas da Administração Pública esquemas administrativos (MOT- novas ideias gerenciais, ela conti-
ainda precisam ser enfrentados. TA, 1987). Qualquer instrumento nua ser uma referência atrativa e
Entre eles, estão a integração das gerencial inspirado na área privada promissora para inovar o serviço
dimensões políticas e administra- esbarra nos limites políticos. público. Os movimentos pós- NPM
tivas no mesmo espaço de decisão Possibilidades de convívio continuam a ter os modelos de
e ações públicas e a insistência mais adequado e eficiente exigi- gestão privada como base de refor-
nas perspectivas e práticas descen- riam maior profissionalização da mas. O NPM não morreu (VERHO-
tralizadoras da gestão privada na política antes de se pensar em EST e LAEGREID, 2010), mas passa
Administração pública. profissionalizar a Administração. por transformações e ajustes, re-
As práticas privadas são, por de- sultando em maior complexidade
finição, fragmentadas conforme e turbulência no ambiente das or-
Dilemas do pós-NPM objetivos, limitadas por busca de ganizações públicas, pela tentativa
Integrar dimensões políticas e ad- lucros e descentralizadas para se de maior consideração do contexto
ministrativas no mesmo espaço de aproximar de clientes e enfrentar político institucional.
decisão e ações públicas é um dile- competidores. A nova centralização surge
ma que recupera, para os estudio- A introdução de dimensões como resposta à necessidade de
sos e praticantes, as dificuldades privadas na gestão pública exige melhor resolver crises econômicas
relacionadas não só à formação grande fragmentação e uma va- e como tentativa de recompor a
de uma ciência da Administração riedade muito ampla de formas integração de políticas públicas,
Pública como também a como ul- organizacionais. Como há pelejas fruto da excessiva descentralização
trapassar problemas de ineficiên- políticas, a fragmentação induz e fragmentação imposta pelo NPM.
cia da gestão pública. A legítima ao aumento de formas de contro- Há, também, a justificativa de re-
função política é fazer funcionar le. Com frequência, sistemas de tomar parcelas do poder político.
as organizações públicas, segun- controle visam menos à defesa Enquanto a centralização está
do diretrizes, democraticamente de ambiguidades e incertezas do no cerne da Administração pública,
conquistada em eleições, e não se ambiente socioeconômico e mais a descentralização atrai atenção em
imiscuir no seu funcionamento. à proteção contra adversários polí- termos de participação dos cida-
Impor diretrizes políticas no expe- ticos. Fazer as ideias de um grupo dãos (WAGENAAR, 2004). A maior
diente das organizações públicas é prevalecerem sobre as de outros descentralização e autonomia do
o preço que se paga para se ter de- acaba por dominar todas as formas gestor público pretende deixá-
mocracia fora dele (WALDO, 1948). de gestão, desde o planejamento à -la numa relação mais poderosa
A gestão pública carrega prin- avaliação de desempenho. e próxima às comunidades. Na
cípios e práticas centrais de ordem, A contemporaneidade admi- verdade, cria-se a possibilidade
uniformidade e equidade, além de nistrativa reforça a necessidade de retirar parcelas de poder e de
objetivos múltiplos para garantir de flexibilidade e da mentalidade influência da classe política junto
consenso e apoio político. A Ad- da mudança cotidiana, dos resul- aos cidadãos.
ministração Pública é pública, e, tados e do desempenho eficiente
portanto, dissociá-la da política é e eficaz das organizações públi- Oportunidade de transcender
praticamente impossível e demo- cas. Mas práticas administrativas
craticamente indesejável. Ademais, são produto direto da natureza da
o NPM e rever as concepções
o poder político é sempre superior interligação entre a Administração de gestão
ao administrativo, sendo impossí- e a política. Só se pode obter uma Como transcender o NPM, se per-
vel ou inocente tentar contorná-lo Administração mais eficiente e siste a crença na inserção de mais
(SHARKANSKY, 1979). A organiza- eficaz com uma interação com o práticas de gestão empresarial?
I S SN 0034-7590 © R AE n Sã o Pa ul o n v. 5 3 n n. 1 n j a n/fev. 2 0 1 3 n 0 8 2 - 0 9 0 87
pensata O ESTADO DA ARTE DA GESTÃO PÚBLICA
Discursos oficiais sobre mudanças pel e a proatividade do governo (OLLAIK e MEDEIROS, 2011). A
na gestão pública continuam a in- tendem a se reduzir (SANTOS e busca da equidade, por base distri-
sistir no ideal gerencialista. Como PINHEIRO, 2011). butiva, será prioritária entre os paí-
qualquer outra ideologia, é uma Por isso, as propostas moder- ses emergentes, com a recuperação
concepção normativa, idealizada, nas de transcendência levam para da classe média e os avanços da
e aparece como positiva e natural. a localização do controle e parti- distribuição da riqueza. Há, ainda,
Entretanto, a pressão da socieda- cipação comunitária, e não para controvérsias importantes sobre as
de por novos valores e padrões de a formalização de mais controles possibilidades do NPM como causa
eficiência propostos no pós-NPM centrais. Parecem tentar resolver ou resposta à equidade social e a
procura aproveitar as expectativas primeiro o problema da demo- concomitância da eficiência e equi-
da comunidade para envolvê-la cracia e, por meio desta, ter mais dade (TAYLOR, 2002; HARROW,
direta e indiretamente na gestão. e melhores serviços. Ademais, o 2002). Assim, a forma sobre como
Atualmente, há uma grande excesso de propostas essencial- a Administração Pública adapta-se
decepção com a representação po- mente gerencialistas na última ao processo de governança de uma
lítica, desfavorecendo o seu maior década parece ter desconsidera- sociedade mais democrática e mais
papel na solução de problemas. do, inadvertidamente, dimensões consciente de seu poder de influ-
Correndo o risco de enfraquecer democráticas do serviço público. ência deverá direcionar o estilo de
instituições políticas de represen- Uma opção seria encontrar novas gestão a ser praticado.
tação, por excesso de democracia formas de envolver a sociedade Por fim, a recuperação de va-
direta nas bases, reativa-se um civil e mercados no governo e lor dos conhecimentos adminis-
novo tipo de competências e de enfraquecer os aspectos políticos trativos reflete a necessidade de
interligação com o sistema político, de governar (PETERS, 2010), bus- contraposição às práticas políticas.
por meio do poder comunitário. cando, obviamente, o equilíbrio na Cabe conciliar lições aprendidas no
Pretende-se, com isso, favorecer a aplicação dos interesses de todos meio privado com o meio público,
democracia com o uso de recursos os envolvidos. respeitando, porém, características
comunitários para maior eficiência O pós-NPM parece ter melhor inerentes à Administração pública.
da gestão pública e a minimização consciência sobre os limites da Nessa preservação das dimensões
de ideias de voltar a expandir as inserção de mecanismos privados públicas como reação ao NPM,
funções do Estado. na gestão pública. A inviabilização aparecem novas perspectivas sobre
Abrucio (2007) sugere que a fica demonstrada pela tentativa de a qualidade do governo. As ideias
Administração Pública eficiente adoção na totalidade. Algumas con- sobre nova governança pública
e efetiva emerge como fruto da cepções e instrumentos de gestão trazem propostas de maior forma-
cobrança e do controle pela so- praticados na empresa privada – lidade no estilo weberiano e uma
ciedade. Denhardt e Denhardt como a perspectiva sobre a quali- justificativa mais acentuada sobre
(2007) recomendam um novo ser- dade da despesa e o foco no cliente eficiência (CHRISTENSEN e LAE-
viço público, baseado menos no – podem dar mais consistência e GREID, 2011). Na verdade, essas
direcionamento político e mais na produtividade às ações públicas, propostas implicam novo papel do
prestação do serviço. Muitos indi- mas também danificar valores fun- Estado na sociedade, talvez mais
cam a forma cooperada como base damentais do serviço público. direcionador e fiscalizador, com
da eficiência e da democracia ad- Em contrapartida, valores clás- repercussões significativas sobre a
ministrativa: aumentar cooperação sicos da Administração Pública – gestão pública. Na época atual, as
entre órgãos e entidades externas como a equidade e igualdade – po- justificativas são, ainda, de medidas
e considerar com mais ênfase as dem ser usados para justificar ine- temporárias e pontuais, baseadas
sugestões comunitárias (BINGHAM ficiências por simples contradição na necessidade de enfrentar crises
e O’LEARY, 2008; O’LEARY e BIN- com o espírito privado. A equidade econômicas. Porém, permanece
GHAM, 2009; WILLIAMS, 2012). possui uma dupla conotação: a de a expectativa de essas medidas
Com a aproximação dos diversos distribuição uniforme de custos e possuírem o vigor de ultrapassar
agentes públicos e da comunidade, benefícios entre todos os cidadãos as crises e configurar uma nova
e a inserção da forma cooperada e a de distribuição não uniforme, reconstrução da Administração
em toda a cadeia produtiva, o pa- privilegiando os mais necessitados pública
I S SN 0034-7590 © R AE n Sã o Pa ul o n v. 5 3 n n. 1 n j a n/fev. 2 0 1 3 n 0 8 2 - 0 9 0 89
pensata O ESTADO DA ARTE DA GESTÃO PÚBLICA
in health, social services and housing. analysis. Oxford: Oxford Universi- VERHOEST, K; LAEGREID, P. Organi-
New York: Palgrave MacMillan, 2005. ty, 2004. zing public sector agencies: challen-
ges and reflections. In: LAEGREID, P;
KISSLER, L; HEIDEMANN, F. G. Go- POLLITT, C. Managerialism and the VERHOEST, K. (Coords). Governance
vernança pública: novo modelo regu- public services: the Anglo-Saxon expe- of public sector organizations: proli-
latório para as relações entre Estado, rience. Oxford: Basil Blackwell, 1990. feration, autonomy and performan-
mercado e sociedade? Revista de Ad- ce. Hampshire: Palgrave MacMullan,
ministração Pública, v. 40, n. 3, p. SANTOS, M. S. dos; PINHEIRO, I. 2010.
479-499, 2006. A. Governo: um aliado nem sempre
lembrado pelas empresas na hora de WAGENAAR, H. Knowing” the Rules:
MOTTA, P. R. Modernização adminis- desenvolver as atividades de P&D. Administrative Work as Practice. Pu-
trativa: propostas alternativas para o Revista de Administração Pública, v. blic Administration Review, v.64, n.6,
Estado latino-americano. Revista de 45, n. 5, p. 1463-1483, 2011. p. 643–656, 2004.
Administração Pública, v. 21, n. 4,
p. 31-61, 1987. SASS, S. A. Pragmatic imagination: a WALDO, D. The administrative state.
history of the Wharton School, 1881- New York: Ronald, 1948.
O’LEARY, R; BINGHAM, L. B. (Coor- 1981. Philadelphia: University of
ds). The collaborative public manager: Pennsylvania, 1983. WILLIAMS, P. Collaboration in public
new ideas for the twenty-first century. policy and practice. Bristol: The Po-
Washington DC: Georgetown Univer- SCHEDLER, K; PROELLER, I. The new licy, 2012.
sity, 2009. public management: a perspective
from mainland Europe. In: McLAU- WILSON, W. O estudo da Administra-
OLIVEIRA, J. A. P. de. Desafios do GHLIN, K; OSBORNE, S; FERLIE, E. ção. Rio de Janeiro: FGV, 1955.
planejamento em políticas públicas: (Coords). The new public manage-
diferentes visões e práticas. Revista ment current trends and future pros-
de Administração Pública, v. 40, n. pects. Londres: Routledge, 2002.
1, p. 273-288, 2006.
SECCHI, L. Modelos organizacionais
OLLAIK, L. G; MEDEIROS, J. J. Ins- e reformas da Administração pública.
trumentos governamentais: reflexões Revista de Administração Pública, v.
para uma agenda de pesquisas sobre 43, n. 2, p. 347-369, 2009.
implementação de políticas públicas
no Brasil. Revista de Administração SHARKANSKY. I. Wither the state?
Pública, v. 45, n. 6, p. 1943-1967, Politics and public enterprise in three
2011. countries. Chathan, New Jersey: Cha-
tham House, 1979.
OSBORNE, S. The new public gover-
nance? Londres: Routledge, 2010. TAYLOR, M. The new public mana-
gement and social exclusion: cause
OSBORNE, D; GAEBLER, T. Reinven- or response. In: MCLAUGHLIN, K;
tando o governo. 6. ed. Brasília: MH OSBORNE, S; FERLIE, E. (Coords).
Comunicação, 1995. The new public management current
trends and future prospects. Londres:
PETERS, B. G. The new public gover- Routledge, 2002.
nance? Emerging perspectives on the
theory and practice of public gover- The Economist, 2012. Over regu-
nance. Londres: Routledge, 2010. lated America.