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Tese - Reneo Pedro Prediger.
Tese - Reneo Pedro Prediger.
IJUÍ
2020
RENEO PEDRO PREDIGER
IJUÍ – RS
2020
Catalogação na Publicação
P923d
Prediger, Reneo Pedro.
Dados abertos como indutores da transparência em municípios brasileiros:
um estudo a partir de municípios gaúchos / Reneo Pedro Prediger. – Ijuí,
2020.
272 f. ; il. ; 30 cm.
CDU: 321.7
À Isa pelo permanente incentivo, ajuda, compreensão, paciência e carinho demonstrados desde
antes da realização deste trabalho.
Aos meus filhos Pedro, Priscila e Paula pelo apoio e torcida para a conclusão desta tese.
Ao professor Sérgio Luís Allebrandt, amigo, colega e orientador deste e de muitos outros
trabalhos, pelo incentivo, pelos conselhos e ensinamentos e pela confiança na capacidade e no
trabalho de seus orientandos.
À Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) pela concessão de afastamento das atividades,
o que propiciou a disponibilidade de tempo, fundamental para uma tarefa como esta.
Às amigas e colegas Denize, Iara e Tatiane pela amizade e por continuarem “trabalhando”,
mantendo a tradição da sala.
Ao professor Airton Müeller pelos debates e conversas quase diárias e que resultaram em muitas
ideias e trabalhos realizados em conjunto.
A todos os técnicos-administrativos da UNIJUI, em especial a Kátia, Elisa e Jaciele que
exercem suas atividades no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional
(PPGDR), que representam a segurança e eficiência necessárias ao trabalho de todos nós.
Às amigas Roseli e Taciana, colegas de sala, pela elaboração conjunta de trabalhos, projetos e
eventos, além das viagens e compartilhamento de experiências.
Aos entrevistados que cederam seus conhecimentos e experiências, além de seus tempos em
agendas geralmente complicadas.
Ao amigo Evandro Blume pelo apoio técnico em vários momentos deste percurso.
Aos amigos Luiz Weber, Paulo Poma e Jesildo Moura de Lima pelo inestimável auxílio no
agendamento de entrevistas.
A todos que de alguma forma contribuíram para que este trabalho fosse concretizado.
Foi um privilégio realizar este curso e desenvolver este trabalho. Não seria possível sem o apoio
de cada um e de todos, também daqueles não citados nestes agradecimentos.
RESUMO
Esta tese trata dos Dados Governamentais Abertos em nível municipal, tema associado à
transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos. O movimento de dados
abertos, surgido em 2007, tem obtido adeptos principalmente a nível de governo nacional.
Existem poucas evidências mostrando a associação de municípios, principalmente no Brasil, a
esta atividade. O trabalho objetiva identificar e analisar os fatores políticos, burocráticos e
tecnológicos que dificultam ou impedem a disponibilização de dados abertos municipais. A
investigação emprega metodologia qualitativa de análise permeada com instrumentos
quantitativos que contribuem para a caracterização estrutural, e espacial, dos municípios
gaúchos, principalmente. Os municípios do Estado do Rio Grande do Sul constituíram o locus
deste estudo. O trabalho contextualiza, em um primeiro momento, os regimes democráticos no
mundo moderno e os modelos pelos quais podem ser observados. Apresenta, também, a
transparência pública e participação cidadã como atributos fundamentais dos regimes
democráticos. Ainda neste tema a transparência é também abordada enquanto política pública
e a legislação Brasileira que a regulamenta. Os Dados Governamentais Abertos são
particularmente importantes nos Governos Abertos, filosofia de governos baseada na
transparência pública, participação e colaboração dos cidadãos. Os dados abertos podem
contribuir para uma abordagem diferente sobre os dados públicos podendo resultar em visões
que acrescentam qualidade e efetividade aos processos de transparência. A construção destas
visões pressupõe tanto a participação quanto a colaboração da sociedade visto que são os
próprios cidadãos quem as elaboram. O trabalho, na sequência, exibe o panorama, internacional
e brasileiro, em relação ao oferecimento e uso de Dados Governamentais Abertos. São
facilmente percebidas as atuações dos governos nacionais e regionais, além de algumas cidades
de maior porte. No Brasil os exemplos são menos numerosos. O elo mais frágil tem sido a
participação e colaboração da sociedade, principalmente na produção de aplicativos. Foram
observados, por um lado, o tratamento dispensado pelos 497 municípios à transparência
pública, por meio de seus portais da transparência, e a percepção de atores sociais em relação
ao tema da transparência pública, participação e colaboração dos cidadãos, governos e dados
abertos. As dificuldades dos municípios estão localizadas nas limitações de suas estruturas
governamentais e na ausência de qualquer organização da área responsável pelo tratamento da
informação. Os motivos principais, entretanto, estão relacionados à ausência de legislação
específica e ao desconhecimento do assunto.
This thesis is about municipal level Open Government Data, subject associated with public
transparency, citizen participation and collaboration. The open data movement, appeared in
2007, has gained adherents mainly at national government level. There is little evidence
showing the municipality's association, mainly in Brazil, with this activity. The work aims to
identify and analyze the political, bureaucratic and technological factors that hinder or prevent
the availability of municipal open data. The investigation uses quantitative analysis
methodology permeated with quantitative instruments that contribute to the structural and
spatial characterization of the municipalities of Rio Grande do Sul, mainly. The municipalities
of the State of Rio Grande do Sul constituted the locus of this study. The work contextualizes,
initially, the democratic regimes in the modern world and the models by which they can be
observed. It also presents public transparency and citizen participation as fundamental attributes
of democratic regimes. Still on this topic, transparency is also addressed as a public policy and
the Brazilian legislation that regulates it. Open Government Data is particularly important in
Open Governments, government philosophy based on public transparency, citizen participation
and collaboration. Open data can contribute to a different approach on public data and can result
in visions that increases quality and effectiveness to transparency processes. These visions’
construction presupposes both the participation and collaboration of society since is the citizen
themselves who elaborate them. The work, following that, shows the overview, international
and Brazilian, about Open Government Data offer and use. It is easy to notice the actions of
national and regional governments, as well as some larger cities. In Brazil, the examples are
less numerous. The weakest link has been society participation and collaboration, mainly in
applications production. It was observed, on the one hand, that the 497 municipalities’ treatment
of public transparency, through their transparency portals, and the social actors' perception in
relation to the issue of public transparency, citizen participation and collaboration, governments
and open data. The difficulties of the municipalities are in their governmental structure
limitations and in the absence of any organization in the field responsible for information
processing. The main reasons, however, are related to the absence of specific legislation and
the lack of knowledge on the subject.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 17
2 DEMOCRACIA, TRANSPARÊNCIA E ACESSO À INFORMAÇÃO ........................ 32
2.1 A DEMOCRACIA E SUAS FORMAS ............................................................................. 39
2.1.1 A democracia direta ...................................................................................................... 40
2.1.2 A democracia representativa ........................................................................................ 42
2.1.3 As democracias participativa e deliberativa ............................................................... 47
2.2 A TRANSPARÊNCIA COMO UM ATRIBUTO FUNDAMENTAL DA DEMOCRACIA
.................................................................................................................................................. 53
2.2.1 A transparência e suas manifestações .......................................................................... 58
2.2.2 A transparência como política pública ........................................................................ 62
2.2.3 O acesso à informação e a legislação brasileira .......................................................... 68
2.3 DEMOCRACIA E TRANSPARÊNCIA EM SÍNTESE .................................................... 74
3 DADOS ABERTOS, DEMOCRACIA E GOVERNOS ABERTOS ............................... 78
3.1 DADOS ABERTOS E DEMOCRACIA ............................................................................ 84
3.2 DADOS ABERTOS E GOVERNOS ABERTOS .............................................................. 89
3.3 CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS DOS DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS
.................................................................................................................................................. 96
3.4 A CARTA INTERNACIONAL DE DADOS ABERTOS ............................................... 100
3.5 A PUBLICAÇÃO DE DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS .............................. 102
3.6 UTILIZAÇÃO DE DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS ................................... 108
3.7 DEMOCRACIA E DADOS ABERTOS EM SÍNTESE .................................................. 111
4 TRANSPARÊNCIA E DADOS ABERTOS NA ESFERA LOCAL ............................. 113
4.1 DADOS MUNICIPAIS ABERTOS NO CONTEXTO INTERNACIONAL .................. 117
4.2 TRANSPARÊNCIA E DADOS ABERTOS NO BRASIL.............................................. 121
4.2.1 Dados municipais abertos no contexto nacional ....................................................... 123
4.3 A UTILIZAÇÃO E OS IMPACTOS DOS DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS
................................................................................................................................................ 126
4.4 BARREIRAS E DIFICULDADES PARA OS DADOS GOVERNAMENTAIS
ABERTOS .............................................................................................................................. 132
5 TRANSPARÊNCIA E DADOS ABERTOS NOS MUNICÍPIOS GAÚCHOS ........... 136
5.1 OS MUNICÍPIOS GAÚCHOS E SUAS REGIÕES GEOGRÁFICAS ........................... 137
5.2 OS MUNICÍPIOS GAÚCHOS E SUAS CARACTERÍSTICAS .................................... 141
5.3 OS MUNICÍPIOS E SEUS PORTAIS NA INTERNET.................................................. 143
5.3.1 A estrutura de TI e os Sistemas de Informação ........................................................ 145
5.3.2 O portal municipal na internet ................................................................................... 146
5.3.3 A transparência pública e o portal da transparência............................................... 148
5.3.4 A participação cidadã.................................................................................................. 151
5.3.5 Os dados abertos .......................................................................................................... 153
5.4 OS MUNICÍPIOS GAÚCHOS EM SÍNTESE ................................................................ 156
6 TRANSPARÊNCIA, PARTICIPAÇÃO E DADOS ABERTOS: ANÁLISE A PARTIR
DA PERCEPÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS, TÉCNICOS E ATORES SOCIAIS ... 158
6.1 OS SUJEITOS, A COLETA E A ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA ................ 158
6.1.1 O Universo e os locus da Pesquisa.............................................................................. 158
6.1.2 As entrevistas em profundidade ................................................................................. 162
6.1.3 As categorias de análise............................................................................................... 165
6.2 A TRANSPARÊNCIA MUNICIPAL E SEUS CONTEXTOS ....................................... 169
6.3 A PERCEPÇÃO DOS ENTREVISTADOS À LUZ DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE
................................................................................................................................................ 172
6.3.1 A transparência pública .............................................................................................. 172
6.3.2 A participação dos cidadãos ....................................................................................... 180
6.3.3 A colaboração dos cidadãos ........................................................................................ 190
6.3.4 Governo aberto ............................................................................................................ 194
6.3.5 Dados abertos ............................................................................................................... 196
6.4 BARREIRAS E DIFICULDADES NOS MUNICÍPIOS GAÚCHOS ............................ 200
6.4.1 Os municípios e a Tecnologia de Informação ........................................................... 201
6.4.2 A visão das empresas ................................................................................................... 206
6.4.3 A legislação ................................................................................................................... 207
6.4.4 Os usuários de dados abertos ..................................................................................... 209
6.5 RAZÕES PARA O NÃO OFERECIMENTO DE DADOS ABERTOS ......................... 212
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 218
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 229
APÊNDICE A – ESTRUTURA DE TI, SOFTWARES E DADOS ABERTOS NOS
MUNICÍPIOS ....................................................................................................................... 244
APÊNDICE B – DADOS ABERTOS NOS CURSOS SUPERIORES EM
COMPUTAÇÃO ................................................................................................................... 256
APÊNDICE C – ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - PREFEITOS
MUNICIPAIS ....................................................................................................................... 261
APÊNDICE D - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA –
VEREADORES .................................................................................................................... 263
APÊNDICE E - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA -
SERVIDORES PÚBLICOS ................................................................................................. 265
APÊNDICE F - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA -
PROMOTORES PÚBLICOS .............................................................................................. 267
APÊNDICE G - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - CONSELHOS
MUNICIPAIS E REGIONAIS ............................................................................................ 269
APÊNDICE H - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - EMPRESAS
DE SOFTWARE ................................................................................................................... 271
17
1 INTRODUÇÃO
Esta tese tem como objeto de estudo os Dados Governamentais Abertos em nível municipal,
tema associado à transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos. É objetivo
deste trabalho identificar e analisar os fatores políticos, burocráticos e tecnológicos que
dificultam ou impedem a disponibilização de dados abertos em municípios do Estado do Rio
Grande do Sul.
O ser humano sempre registrou informações. Desde as pinturas rupestres, aos alfabetos atuais,
o homem procurou registrar os fatos significativos de sua existência. Se nos tempos pré-
históricos o suporte era as paredes das cavernas, hoje empregam-se toda a sorte de
equipamentos eletrônicos para tais registros. As Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs), que compreendem os recursos tecnológicos para captura, armazenamento,
processamento e disseminação de informações, são viabilizadoras da etapa mais mensurável da
história, tanto pelo volume de informações disponíveis quanto pelo crescimento acelerado e
rapidez com que é possível obter e compartilhar estas informações (LÓPEZ; SAGOL, 2012).
Algumas estimativas apontavam, em 2012, para a geração diária de 2,5 exabytes1 de dados
(BARNES, 2013; MCAFEE; BRYNJOLFSSON, 2012). Outro relatório, disponibilizado pela
empresa de consultoria Racounter (2019), estima que, em 2025, 463 exabytes de dados serão
gerados diariamente no mundo. Um terceiro documento, produzido pela International Data
Company (IDC), citado por Marr (2019), aponta que o volume de dados criados, capturados ou
replicados atingiu a 18 zettabytes2. É importante ressaltar, ainda, que 90% deste total foi
registrado apenas nos dois últimos anos. Esta quantidade de dados é tão significativa que uma
nova área de estudos, denominada de big data, foi criada com o objetivo de explorar todo o
potencial nas mais diversas áreas da atividade humana. A sociedade, assim, cada vez mais
produz, consome e é regida por dados. A vida dos indivíduos, e das organizações, é permeada
por dados (GARCIA, 2014).
1
1 Exabyte (EB) corresponde a 1018 bytes.
2
1 Zettabyte (ZB) corresponde a 1021 bytes.
18
de informações, não estão tirando o esperado proveito dos recursos das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC).
Atingir os objetivos da legislação estabelecida, desta forma, exige mais do que simplesmente
tornar públicos um conjunto de relatórios e oferecer mecanismos para acessá-los. Não se pode
imaginar que apenas aqueles com algum tipo de formação específica, nas áreas contábeis e
administrativas, possam compreendê-los. Não se pode conceber, também, que apenas o poder
público seja capaz de produzir informações sobre si mesmo. É fundamental, assim, que a
linguagem e os formatos empregados na apresentação destas informações sejam adequadas e
compreensíveis a qualquer cidadão. Não basta replicar o acesso ao mesmo instrumento
tecnológico usado pelos servidores públicos, na execução de suas atividades técnicas, para o
público em geral e afirmar que, desta forma, se está sendo transparente.
20
O simples acesso à informação, tal como apresentada, não é o suficiente para a transparência
governamental (RIBEIRO; ALMEIDA, 2011). As administrações públicas mantém sob sua
guarda uma grande massa de dados e informações não compartilhadas ou tratadas e
disseminadas parcialmente, incorretamente ou, até mesmo, tendenciosas (GARCIA, 2014;
ROSA, 2012). O tratamento destes dados, a produção de informações, pode ser diferente em
diferentes instituições públicas. A necessidade dos cidadãos, organizados ou não, também
podem não ser as mesmas. Assim o elemento em comum e que pode atender a diferentes
capacidades e expectativas são os dados brutos produzidos, mantidos e armazenados pelo poder
público. A transparência poderia ser abordada, deste modo, por meio da disponibilização destes
dados configurando os chamados Dados Governamentais Abertos (VAZ; RIBEIRO;
MATHEUS, 2011).
A informação é um bem público. De acordo com Gorman (2009, p. 9, tradução nossa) “Na
economia, o conceito de bem público descreve uma situação na qual o consumo de um bem ou
21
serviço por um indivíduo não reduz a disponibilidade do bem ou serviço para outro”. À
inteligência das administrações públicas junta-se a inteligência coletiva para produzir
conhecimento, filtrá-lo, melhorá-lo e atualizá-lo (LÓPEZ; SAGOL, 2012). Silva (2010, p. 123)
reforça dizendo que “O conceito de dados governamentais abertos, portanto, se relaciona com
o entendimento de que a maneira como os governos disponibilizam suas informações deve
permitir que a inteligência coletiva crie melhores formas de trabalhá-las do que os próprios
governos poderiam fazer”.
A política de dados abertos no Brasil pode ser observada a partir do ano de 2011 quando,
juntamente com outros 7 países, tornou-se membro fundador da Open Government Partnership
(OGP). No mesmo ano foi aprovada a Lei de Acesso à Informação (LAI) (Lei nº 12.527/2011).
Além destas ações também podem ser citadas a instituição da Infraestrutura Nacional de Dados
Abertos (INDA)3, a criação do Portal de Dados Abertos do governo federal4 e a definição de
padrões oficiais de interoperabilidade, definindo, dentre outros, a forma de intercâmbio de
dados entre sistemas (FGV, 2015). É bastante visível o fato de que o Poder Executivo Federal
está em um nível mais avançado em relação aos Estados e Municípios pois, em relação a estes
últimos, somente podem ser verificadas poucas e pontuais iniciativas (ISSA, 2013).
Uma pesquisa realizada pelo Projeto Democracia Digital (FGV, 2015), da FGV, envolveu o
exame dos portais do governo federal, dos estados, das prefeituras das capitais brasileiras e dos
34 municípios acima de 400 mil habitantes, totalizando 88 governos. A intenção foi investigar
a disponibilização de dados abertos, seja por meio de um portal específico, do portal da
transparência ou do portal do próprio ente público. O resultado apontou que aproximadamente
70% dos Estados possui dados abertos em algum dos três portais pesquisados. Nas capitais este
percentual é de 55,5% e nos municípios de grande porte é de 44,1%. A pesquisa apresenta ainda
resultados bem menos animadores se forem considerados apenas os dados abertos localizados
em portais específicos.
3
Compreende a política nacional para dados abertos estabelecida em abril de 2012. Pode ser acessada em
https://www.governoeletronico.gov.br/eixos-de-atuacao/cidadao/dados-abertos/inda-infraestrutura-nacional-de-
dados-abertos
4
Portal onde são apresentados os dados abertos de ministérios, secretarias e outros entes públicos. Pode ser
acessado em http://dados.gov.br/. Reúne, atualmente, 7298 conjuntos de dados.
22
Existem poucas evidências de que os demais municípios brasileiros, aqueles com população
inferior a 400 mil habitantes, disponibilizem dados abertos. Alguns trabalhos ilustram a
atividade em um ou outro município, geralmente as mesmas capitais estaduais ou aqueles de
grande porte. De qualquer forma o que se observa, naqueles que apresentam, são conjuntos de
dados pouco numerosos e com atualização irregular. Estes municípios “estão seguindo uma
tendência mundial (de disponibilização de bases de dados on-line) sem ter claramente definido
o objetivo e a motivação institucional deste movimento” (REIS; ARAÚJO; SAMPAIO, 2015,
p. 21).
Estes dois últimos elementos, tanto a pesquisa realizada pelo Projeto Democracia Digital
quanto a evidência de que pouquíssimos municípios disponibilizam dados de forma aberta,
provocam a seguinte questão: por que os municípios, principalmente por parte dos poderes
executivos, não disponibilizam, ou o fazem de forma muito tímida, suas informações segundo
a iniciativa de dados abertos? Concha e Naser (2012, p. 10, tradução nossa) apontam para alguns
fatores que direcionam pesquisas nesta área:
Parece fácil colocá-lo em prática, mas engloba uma série de complexidades, tanto
técnicas quanto de gestão, bem como uma mudança nas regulamentações vigentes e,
sobretudo, envolve a necessidade de uma vontade política para realizá-la. Sabemos
que, em suma, este último geralmente é o gargalo mais difícil de resolver.
Os estudos que abordam o tema, já realizados por diversos pesquisadores, apresentam, via de
regra, duas características semelhantes. Em alguns casos analisam a atuação dos governos a
nível federal, estadual ou de municípios de grande porte e, em outros, abordam o assunto por
meio de critérios técnicos, puramente conceituais, não considerando um conjunto restrito de
atores e dimensões que produzem e podem se beneficiar ou contribuir para a produção de
conhecimento a partir de dados públicos abertos. Este trabalho pretende seguir nesta última
direção, procurando identificar e analisar, além dos elementos conceituais, os fatores políticos,
burocráticos e tecnológicos que impõe barreiras ao oferecimento de dados abertos nos
municípios brasileiros. Pretende, ainda, explorar os potenciais empregos dos dados municipais
abertos tanto pelos próprios agentes públicos quantos pelos cidadãos, individualmente ou
associados em algum tipo de instituição.
Para Alves-Mazzotti (1998) o debate atual nas Ciências Sociais apresenta três paradigmas: o
construtivismo social, influenciado pelas correntes filosóficas da fenomenologia e do
relativismo; o pós-positivismo, com preferência por modelos experimentais e quase-
experimentais com teste de hipóteses, com vistas a formular teorias explicativas de relações
causais; e a teoria crítica, que enfatiza o papel da ciência na transformação da sociedade e cuja
5
O índice global de dados abertos (GLOBAL OPEN DATA INDEX, 2016) apresenta relação com 94 países com
alguma forma de disponibilização de dados abertos.
24
abordagem é essencialmente relacional, já que procura investigar o que ocorre nos grupos e
instituições relacionando as ações humanas com a cultura e as estruturas sociais e políticas,
visando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas
(ALLEBRANDT, 2007). Este estudo inscreve-se neste último paradigma.
De acordo com Godoy (1995), ao contrário das pesquisas quantitativas que trabalham
fundamentalmente com informações obtidas por medições ou contagens e que empregam
ferramentas estatísticas, as pesquisas qualitativas envolvem "a obtenção de dados descritivos
sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação
estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja,
dos participantes da situação em estudo". Segundo Goldenberg (2004) "os dados qualitativos
consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos
em seus próprios termos". Ainda, segundo Goldenberg (2004), o fato dos dados não serem
passiveis de padronização obriga "o pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento
de coletá-los e analisá-los".
Nesse contexto, para entender-se a Hermenêutica de Profundidade que lança seu olhar
principalmente sobre a maneira como as formas simbólicas são produzidas, transformadas e
transmitidas na sociedade, um dos elementos prioritários a serem conhecidos são justamente as
formas simbólicas: “fenômenos significativos que são tanto produzidos como recebidos por
pessoas situadas em contextos específicos”, (THOMPSON, 1995, p. 23), ou ainda “amplo
espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por
eles e outros como construtos significativos (THOMPSON, 1995), sendo que sob essa
perspectiva, não somente textos, imagens e falas podem ser interpretadas, mas também
opiniões, crenças, juízos, atitudes, ideologias e formas de dominação.
Após a Interpretação da Doxa – que deve ser entendido como um ponto de partida, e não como
um fim - Thompson sugere outras três fases que, embora colocadas como etapas a serem
cumpridas e que possuem uma ideia de ligação e complementaridade, não são necessariamente
26
etapas cronológicas pré-definidas. A forma como as etapas deverão ser cumpridas pode ser
definida conforme o contexto, os objetivos da análise e o espírito crítico do pesquisador, sendo
que muitas vezes poderá haver a necessidade de se voltar e complementar uma análise que por
algum momento tenha se dado como finalizada. Ir além é o que diferencia a Hermenêutica da
Profundidade (THOMPSON, 1995). Na ilustração da Figura nº 1 é possível visualizar as
relações entre as fases e possíveis técnicas a serem utilizadas para a compreensão da realidade
em cada uma delas.
A Análise Sócio Histórica, para Prediger, Scherer e Allebrandt (2018, p. 5), parte
desse pressuposto - de que as formas simbólicas não ocorrem no vazio, mas num
espaço social e histórico especifico, e que também estão em um contexto político
27
estratégias que, por um lado dificultam ou inibem e, por outro, resultem em possibilidades
concretas de oferecimentos de dados abertos nos municípios.
Diversos instrumentos foram utilizados para a realização da pesquisa. Um primeiro grupo, que
inclui questionários on-line e observações in loco, foram submetidos à totalidade das
administrações municipais do Estado do Rio Grande do Sul. Um segundo expediente
compreendeu a realização de entrevistas em profundidade em 8 municípios. De um lado foram
entrevistados integrantes dos governos municipais em diversas funções: prefeitos, vice-
prefeitos, presidentes de câmaras de vereadores, vereadores, servidores comissionados e
servidores públicos efetivos. Além destes membros dos governos foram também considerados
representantes, principalmente os presidentes, dos Conselhos Municipais e dos Conselhos
Regionais de Desenvolvimento. Ainda, com a intenção de construir uma interpretação
abrangente e adequada em relação ao tema, foram também entrevistados Promotores Públicos
que atuam em casos de improbidade administrativas e gestores e analistas de sistemas que
trabalham em empresas desenvolvedoras de software para a administração pública municipal.
Apesar do estudo ser caracterizado como qualitativo, algumas análises e caracterizações foram
suportadas por dados quantitativos. Estes dados, alguns primários construídos em levantamento
de informações e nos questionários semiestruturados e outros secundários, obtidos em diversas
instituições, principalmente o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram
objeto de manipulação estatística com o suporte de softwares adequados como o Statistical
Package for the Social Sciences6 (SPSS), o Excel7 e o R8 em combinação com o R Studio9.
Estes instrumentos estatísticos, fundamentalmente descritivos, foram empregados na
caracterização do tema em análise e dos municípios abrangidos.
6
O Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) é um software para tratamento estatístico de dados
desenvolvido e disponibilizado pela DMSS, subsidiária da IBM. Mais informações podem ser obtidas em
https://www.dmss.com.br/index.html
7
O Excel é uma planilha eletrônica produzida e disponibilizada pela Microsoft e que incluí funcionalidades para
tratamento estatístico de dados. Mais informações podem ser obtidas em https://www.microsoft.com
8
O R é um software livre que compreende uma linguagem e ambiente para computação estatística e gráficos. Mais
informações podem ser obtidas em https://cran.r-project.org/
9
O R Studio é um ambiente visual e constitui-se em uma interface simples para utilização do R. Mais informações
podem ser obtidas em https://rstudio.com/
29
No que se refere ao processo de análise das entrevistas, a mesma não foi realizada de forma
independente da condução da pesquisa, já que aspectos como o tipo de transcrição de entrevistas
a ser realizado (se integral, parcial, utilizando códigos etc.) é parte integrante do processo de
análise. Como se trata de uma abordagem essencialmente qualitativa, a natureza da análise é
circular e iterativa. É comum voltar aos dados várias vezes. Ao mesmo tempo em que vão sendo
ouvidas as gravações de entrevistas e/ou lidas transcrições, os questionários e os documentos,
vão se anotando características e aspectos de interesse que se realçam. Em suma, e
principalmente em função da metodologia adotada, os dados foram trabalhados durante um
longo período, voltando a eles várias vezes, buscando padrões e os significados dos mesmos.
Para o processo de análise dos documentos coletados e das entrevistas realizadas foi utilizado
o software NVivo11. Este software é normalmente empregado em análises textuais e permite a
codificação de palavras ou segmentos do texto em categorias ou grupos além de produzir um
conjunto bastante amplo de relatórios para auxílio ao pesquisador. Pode propiciar, desta forma,
suporte adequado ao pesquisador nas diversas fases previstas na Hermenêutica de Profundidade
e, de modo particular, na Análise Formal onde foi empregada a Análise de Conteúdo em suas
três etapas: a organização da análise, a codificação e a categorização e o tratamento dos
resultados, inferência e a interpretação dos resultados.
A tese está organizada, além desta introdução, em cinco capítulos, mais as considerações finais,
as referências bibliográficas e os apêndices que acrescentam alguns formulários utilizados na
pesquisa.
Os dois primeiros capítulos, após esta introdução, recuperam os fundamentos teóricos que
norteiam este trabalho. No capítulo 2 são discutidas as formas elementares da democracia, ao
10
O ArcGis é um ambiente, desktop e online, voltado a elaboração de mapas e análises espaciais. Mais informações
podem ser obtidas em https://www.esri.com.
11
O NVivo é um software para análise de dados produzido pela QSR International e desenvolvido para auxílio em
pesquisas qualitativas. Mais informações podem ser obtidas em https://www.qsrinternational.com/
30
longo da história e também nos dias atuais. Este capítulo traz, ainda, a importância e as formas
pelas quais um dos principais atributos da democracia, a transparência pública, se manifesta.
No quinto capítulo o foco concentra-se nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. O
propósito é, a partir de suas características geográficas e populacionais, exibir a forma como
obtém os instrumentos que compões seus portais na internet bem como os recursos disponíveis
para tanto. Estes portais compreendem todo o tratamento dispendido pela grande maioria dos
municípios em relação à transparência pública e a participação dos cidadãos. Este capítulo
mostra, ainda, as acanhadas iniciativas para a disponibilização de Dados Governamentais
Abertos.
O último capítulo apresenta a percepção demonstrada por diversos atores sociais em relação ao
tema específico da pesquisa e também vinculadas aos fundamentos conceituais que o sustentam.
Estas percepções são interpretadas à luz de um conjunto de categorias e critérios de análises, as
quais incluem a transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos e os
elementos relacionados aos Governos Abertos e Dados Governamentais Abertos. O capítulo
incorpora, também, os diversos motivos, ou razões, para o não oferecimento de dados abertos
pelos poderes executivos dos municípios gaúchos.
A última parte deste trabalho é constituída pelas considerações finais onde apresenta-se uma
síntese final do trabalho, com a recuperação de alguns elementos fundamentais para a
compreensão da democracia, transparência, participação e dados abertos e, de forma
31
“Pode o mundo inteiro ser democrático?”. Esta questão norteou trabalho desenvolvido por
Larry Diamond em artigo publicado no ano de 2003 (DIAMOND, 2003, p. 9). Para o autor a
resposta poderia ser positiva e independeria do nível cultural, história e grau de pobreza da
população. Diamond esboça uma resposta dizendo:
Entretanto, a partir da distribuição das democracias pelas diversas regiões do mundo e de fatores
que contribuem para a democratização dos Estados ou para a resistência daqueles países não
democráticos, o autor ressalva:
Mas continuarão a fazê-lo por uma década ou duas, se uma nova geração - sem
experiência direta nos custos e falsas ilusões de um governo autoritário - encontrar-se
sem educação, sem emprego, sem justiça e praticamente sem esperanças? A
democracia só será mantida se continuar a ser o menos ruim dos sistemas. Se a
deterioração for severa e for mantida por um longo período de tempo, alguma nova
alternativa aparecerá [...] O triunfo total da democracia no mundo está, portanto, longe
de ser inevitável. Uma onda reversa de rupturas democráticas não pode ser descartada.
(DIAMOND, 2003, p. 37–38) (Tradução nossa)
Diamond faz referências ao comportamento passado dos regimes democráticos pelo mundo
como forma de alerta para suas possibilidades no futuro. A democracia somente atingiu uma
dimensão significativa durante o desenrolar do século XX e, mesmo assim, sem uma trajetória
de desenvolvimento constante e crescente. Huntington ilustra estes fenômenos em sua obra
clássica, “A terceira onda: a democratização no final do século XX”. Para o autor
O quadro nº 1 reflete estas idas e vindas, ou ondas, da distribuição da democracia até o ano de
1990. O que Huntington procura mostrar é, inicialmente, o fato de que estas ondas de
33
democratização não significam movimentos repentinos e de curta duração, mas sim que
constituem períodos da história em que os movimentos, em uma direção ou outra, ocorreram.
Huntington também ressalva que a cada onda corresponde uma contra onda onde se verificaram
reversões no processo democrático.
Passadas quase duas décadas do estudo de Diamond, citado inicialmente, o mundo, obviamente,
mudou. Diamond baseou suas análises em dados disponibilizados pela Freedom House12. Esta
mesma organização disponibilizou para o ano de 2017 dados relativos a 195 países. A tabela nº
1 compara estas informações com o ano de 2002, último ano apresentado por Diamond em seu
artigo. Estes dados parecem confirmar algumas das conclusões de Diamond visto que, embora
sejam números bastante semelhantes, o número de países democráticos em 2017 diminuiu em
relação ao ano de 2002.
12
A Freedom House, de acordo com o seu portal na internet, implementa programas que apoiam os defensores dos
direitos humanos e da democracia em seus esforços para promover o governo aberto, defender os direitos humanos,
fortalecer a sociedade civil e facilitar o livre fluxo de informações e ideias. Fundada em 1941, com escritórios em
diversos locais, publica informações relacionadas, principalmente, com a liberdade e a democracia. Pode ser
acessada em http://freedomhouse.org.
34
A evolução do número de países democráticos pode ser acompanhada por meio de dados
produzidos por dois projetos dedicados ao estudo e mensuração de regimes democráticos. O
primeiro é o projeto Polity IV mantido pelo Center for Systemic Peace (CSP)14. O conjunto de
dados do projeto Polity IV considera os principais Estados independentes, com população igual
ou superior a 500.000 habitantes, durante o período de 1800 a 2018. O projeto monitora
constantemente as características do regime em todos os principais países e “prevê um espectro
de autoridade governante que se estende de autocracias totalmente institucionalizadas através
de regimes de autoridade mistos, ou incoerentes, (denominados "anocracias") para democracias
plenamente institucionalizadas.” (CSP, 2019)
13
A Freedom House trabalha, em suas pesquisas, com o conceito de democracia eleitoral.
14
O CSP foi fundado em 1997 e monitora continuamente o comportamento político em cada um dos principais
Estados do mundo, ou seja, todos aqueles com populações atuais maiores que 500.000 pessoas (167 países em
2014) e disponibiliza informações sobre questões emergentes e condições persistentes relacionadas aos problemas
de violência política e "fracasso do Estado". Pode ser acessado em hrrp://www.systemicpeace.org
15
O Instituto V-DEM é um Instituto de pesquisa independente e sede do projeto V-Dem e está baseado no
Departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo, Suécia. Pode ser acessado em https://www.v-
dem.net
35
Os cinco princípios citados são combinados para a construção de um índice que caracteriza o
regime de um país em 4 níveis distintos: Autocracias fechadas, Autocracias eleitorais,
Democracias eleitorais e Democracias liberais.
O gráfico da figura nº 2 foi elaborado a partir dos dados fornecidos por ambos os projetos, com
alguns ajustes e transformações. No primeiro caso, com os dados do projeto Polity IV, o número
de países anocráticos foi adicionado ao número de países autocráticos totalizando o que está
referenciado como países não democráticos. Já para os dados do projeto V-Dem o número de
autocracias fechadas e o número de autocracias eleitorais foram somados e formaram, no
gráfico, o número de países não democráticos. Também o número de democracias eleitorais e
o número de democracias liberais foram somados e resultaram no número de democracias.
Fonte: Elaborado pelo autor - Dados obtidos em Polity IV (CSP, 2019) e V-Dem (V-DEM, 2019)
Os dados obtidos nos dois projetos abordam o mesmo fenômeno de formas e metodologias
diversas, principalmente àquelas relativas aos métodos para definir se um determinado país é
ou não democrático ou o quão democrático é um país. Outras duas diferenças, que não
interferem no processo de interpretação, são mais visíveis. A primeira é relativa ao período
apurado. Enquanto o projeto Polity IV fornece dados para um período que inicia em 1800 o
projeto V-Dem apresenta 1900 como ano inicial. A outra diferença é relativa ao número de
36
países pesquisados. Até o ano de 1900 o projeto Polity IV considerou, no maior caso, 59 países.
No ano de 1900 pesquisou 54 países contra 113 do projeto V-Dem. Nos últimos 5 anos, a partir
de 2014, o número de países tem se mantido constantes (166 países no projeto Polity IV e 179
no projeto V-Dem).
Chama a atenção a proximidade apresentada pelos dados dos dois projetos em relação ao
número de democracias. Graficamente tem-se a impressão de linhas sobrepostas, com poucos
períodos onde estes dados mostram uma divergência um pouco maior. Os dados divergem de
forma acentuada quando referentes ao número de não democracias. Há uma diferença maior até
próximo ao ano de 1980 quando, inclusive, as linhas apresentam comportamentos diferente. O
número de países não democráticos, registrados pelo projeto Polity IV, estão em linha
ascendente enquanto que os do projeto V-Dem já apresentam tendência de queda. A partir de
1977, entretanto, o comportamento dos números é semelhante permanecendo apenas a
diferença oriunda do número de países pesquisados em cada um dos projetos.
Finalmente, para efeitos de comparação inclusive com os números obtidos na Freedom House,
as informações obtidas no projeto Polity IV, relativas ao ano de 2018, representam um conjunto
de 166 nações, das quais 99 são democracias. Neste ano o projeto contabiliza 67 paises não
democráticos sendo 21 autocracias e 46 anocracias. O projeto V-Dem, em contrapartida,
totaliza 179 países sendo 99 democracias e 80 autocracias.
Uma característica bastante frequente nos regimes retratados até aqui, principalmente as
democracias, é o fato de terem uma duração que não lhes permitam estabilidade e consolidação.
Com base nos dados disponibilizados pelo projeto Polity IV (CSP, 2019), das 99 democracias
atuais, 60 nações (60,6%) obtiveram este status de 1990 para cá. Em outras palavras estas
democracias tem menos de 30 anos de duração. Este comportamento, que compreende
mudanças frequentes no regime político, pode ser ressaltado pela observação de que desde 1800
37
(ano inicial de coleta de informações pelo projeto Polity) houve 124 avanços de Autocracias
para Anocracias e 75 avanços de Anocracias para Democracias. Pelo lado oposto observam-se
94 retrocessos de Democracias para Anocracias e 187 retrocessos de Anocracias para
Autocracias.
Uma forma diferente de abordagem é proporcionada por Max Roser em trabalho de compilação
de dados e informações sobre democracia (ROSER, 2019). Os dados produzidos pelos projetos
Polity IV e V-Dem são relativos a países, não importando as eventuais diferenças entre eles,
principalmente populacional. O gráfico da figura nº 3 exibe, para o período de 1816 a 2015, o
número de pessoas em relação ao tipo de regime em que vivem em seus respectivos países.
Roser buscou informações em diversas fontes. A população de cada país até o ano de 1950 foi
acessada em Gapminder16. Após esta data Roser usou dados populacionais das Nações Unidas.
Os dados referentes ao regime político foram obtidos no projeto Polity IV e isto permite
16
O site Gapminder oferece dados e indicadores referentes a diversos temas e locais. Pode ser acessado em
https://www.gapminder.org/data/
38
A escolha dos períodos foi determinada pela intenção de comparação dos dados com as
informações apresentadas até agora. Em 1816, ano inicial dos números apresentados por Roser
(2019), o número de habitantes no único país considerado democrático era aproximadamente
60 vezes menor que os habitantes de países não democráticos. Em 2015, último ano
disponibilizado por Roser, este quadro transformou-se completamente, tanto em relação ao
número de países quanto à população residente em cada um dos grupos de países. A maior parte
da população mundial, quase 56% em 2015, vivia sob um regime democrático.
O ano de 1973 coincide com a véspera da terceira onda de democratização. Neste ano, de
acordo com Huntington (1994), haviam 30 nações democráticas e 92 não democráticas. Embora
estes números não sejam exatamente iguais, também não constituem diferenças significativas.
Neste período, de 1973 a 2015, a população que vive sob democracia aumentou em 185% contra
um aumento de apenas 45% na população dos países não democráticos. O número de países
democráticos aumentou quase três vezes neste período, em contraposição ao decréscimo de 30
países não democráticos.
Pode-se, baseado nos dados até aqui apresentados, dar uma resposta à indagação de Diamond
(2003). O mundo, pelo menos até este momento da história, não se tornou inteiramente
democrático. Independente do conceito e da forma de democracia que se considere ainda restam
muitas nações e muita gente vivendo fora de democracias. Olhando novamente para Lührmann
(2019) e Fukuyama (2015) existem possibilidades, neste momento, de novos retrocessos. A
democracia está, portanto, longe de ser um valor universal.
39
Uma das poucas características em comum destes 99 países consiste no fato de terem sido
considerados democráticos no ano de 2018 (CSP, 2019; V-DEM, 2019). De outra forma estão
situados em todos os continentes, ocupam áreas geográficas de tamanhos diversos, possuem
história, população e capacidade econômica distintas e seus governos, seguidamente,
implementam projetos e ações muito diferentes entre si. Neste emaranhado cultural como cada
nação entende o que é a democracia? Dizendo diferente, é a mesma democracia? Ou ainda,
pode-se conceituar a democracia? Held ilustra com clareza este contexto:
Primeiro, quase todos hoje em dia dizem que são democratas, não importando se
adotam uma visão de esquerda, de centro ou de direita. Regimes políticos de todos os
tipos, por exemplo na Europa Ocidental, no bloco Oriental e na América Latina,
afirmam ser democracias. Contudo, os discursos e ações de cada um destes regimes é
radicalmente diferente dos demais. A democracia parece emprestar uma “aura de
legitimidade” à vida política moderna: regras, leis, políticas e decisões parecem
justificadas e apropriadas quanto são “democráticas”. (HELD, 1987, p. 1)
Nobre (2004, p. 21), discorrendo sobre Democracia, coloca que o “sentido do termo parece
fluído e escorregadio”. Todos estes países que agora são, ou foram, considerados democráticos
não implementaram suas democracias da mesma forma e com as mesmas características. Por
esta razão pode fazer sentido referir-se, não a um único, mas a diferentes modelos, ou tipos, de
democracia. Estes países adotam formatos diversos e empregam soluções distintas para muitas
questões, principalmente a representação. São formas diferentes de representação (majoritário,
proporcional ou misto), sistemas partidários, a periodicidade das eleições e as restrições ao
sufrágio universal. Embora todos remetam ao termo “democracia”, podem representar correntes
de pensamento e concepções políticas diversas bem como visões e compreensões teóricas
distintas. (CABRAL NETO, 1997).
40
São muitos os termos utilizados por diversos autores e teóricos para caracterizar os tipos de
democracia, muito possivelmente as mesmas democracias. Held (1987), explica que,
dependendo do rigor com que se queira analisar as semelhanças, ou diferenças, os modelos
podem ser agrupados de um modo ou outro de forma a poder perceber, ou desprezar, detalhes
de cada um deles. Para Held (1987), ainda, existe um relacionamento muito forte entre muitos
dos modelos apresentados ao argumentar sobre variações teóricas e padrões de influência entre
eles. O quadro nº 3 mostra um apanhado destas diversas classificações.
É evidente que esta lista é bastante limitada e outros autores poderiam ser acrescentados. Muito
possivelmente haveria uma nova profusão de termos para catalogar e caracterizar o tipo de
democracia praticado, tanto no presente quanto em toda a história deste regime.
As origens da democracia remontam à Grécia antiga. A mais conhecida foi aquela posta em
prática em Atenas onde foi instaurada por volta do século V a.C. (BOBBIO, 1997a; HELD,
1987). Para Loraux (1979, p. 13) “Nas origens, a democracia é ruptura”. A autora cita Heródoto
para continuar
Atenas estava, então, em pleno crescimento. Isto bem prova que, não só um caso
isolado, mas em todo lugar, a igualdade entre cidadãos é uma coisa preciosa:
governados pelos tiranos, os atenienses não eram superiores na guerra a nenhum dos
povos que habitavam à sua volta; libertos dos tiranos, eles, ao contrário, passaram, de
muito, para o primeiro lugar. Isto prova que, na servidão, eles se conduziam,
voluntariamente, como covardes, pensando que trabalhavam para um senhor,
enquanto, uma vez liberados, cada um encontrava seu próprio interesse em cumprir
sua tarefa com zelo. (Heródoto (V, 78) apud LORAUX, 1979, p. 13)
41
A expressão “governo do povo, pelo povo e para o povo” tem sua origem, evidentemente, no
significado resultante da junção destas duas palavras gregas com a contribuição do Presidente
Americano Abraham Lincoln (MELO; MIKUSKA, 2015). A força destas palavras perde
sentido, contudo, quando simplificadas para meros processos eleitorais. “Trata-se não somente
de como um governo é eleito mas também de como se governa e, sobretudo, para quem se
governa” (SUÁREZ-IÑIGUEZ, 2005, p. 40).
A democracia de Atenas era direta. Como diz Arblaster (1988, p. 39) “a democracia e o debate
aberto eram inseparáveis“. As decisões eram tomadas diretamente pelos cidadãos, ou pelo
menos, por um conjunto de cidadãos aptos a participar dos processos decisórios. De qualquer
forma não existiam representantes, pois:
Um cidadão com plenos direitos, para os Atenienses, era uma pessoa do sexo masculino, adulta
e livre. Isto significava a exclusão das mulheres, crianças e jovens, escravos e estrangeiros.
Mesmo não havendo uma discriminação por motivos econômicos ou patrimoniais, apenas uma
pequena parcela participava das assembleias. Em outras palavras, se no presente existe um
considerável esforço por uma maior participação dos cidadãos, nos tempos da Grécia antiga a
participação, ou possibilidade dela, também era limitada (HELD, 1987).
A população das cidades gregas era, evidentemente, pequena em relação ao tamanho atual das
cidades e, principalmente, dos países. É muito simples de imaginar as dificuldades operacionais
para a prática dos mesmos métodos empregados em Atenas. O número de pessoas aptas a
participar, no tempo presente, é exponencialmente maior. A escolha de representantes dos
cidadãos, para a tomada de decisão e execução das funções de governo, proporcionou a
viabilidade de um governo popular nos tempos modernos (BOBBIO, 1994; CABRAL NETO,
1997).
43
Para Markoff (2013, p. 20) a “história da democracia nunca foi continua ou simples”. A
democracia Ateniense durou pouco menos de 200 anos e até a extraordinária expansão
verificada no século XX foram poucos os momentos da história da humanidade em que foi
empregada. No intermédio destes períodos, de concreto, as democracias romana, inglesa,
americana e francesa. Estas duas últimas inaugurando o que convencionou chamar de as
primeiras experiências da moderna democracia (BOBBIO, 1997a; HELD, 1987).
Em grande parte das democracias o conceito de “governo do povo, pelo povo e para o povo”
passou a significar, tão somente, a escolha, em eleições periódicas, dos representantes. Estes
processos, via de regra, resultaram na criação de elites políticas que competem regularmente
pela preferência dos cidadãos. “Desde este ponto de vista a condição mínima para a existência
de uma democracia é que os governantes sejam selecionados pelo conjunto do povo, mediante
eleições livres, sinceras e realmente competitivas” (REY, 1992, p. 7).
Mill identifica alguns dos princípios que reforçam a teoria do governo representativo. Dentre
eles a diversidade econômica da sociedade, a soberania popular e a igualdade política dos
cidadãos e o princípio da proporcionalidade como parte ideal da democracia representativa. O
voto, para Mill, é a principal condição da institucionalidade democrática (MILL, 1981).
Ao contrário das cidades Gregas a democracia moderna considera, além dos cidadãos e da
sociedade, a existência de estrutura institucional e administrativa que é denominada de Estado.
A democracia, deste modo, diz respeito ao relacionamento entre a sociedade (os cidadãos) e o
Estado. Assim a soberania popular está delegada às instituições governamentais que exercem a
autoridade em nome do povo, caracterizado como a quase totalidade dos cidadãos, sem
exclusões por razões de gênero e classe social.
44
A competição pelo voto é o único momento destinado à soberania popular. De outro modo,
para Schumpeter, resta pouco espaço para a participação democrática. Esta, segundo ele, deve
ficar restrita ao sufrágio, o qual inclusive, deve constituir-se no mínimo necessário para
manutenção da máquina eleitoral. O conjunto de cidadãos, para Schumpeter, é desinformado,
desinteressado, alienado e apático, sem capacidade de observação e interpretação adequadas
em relação às questões políticas. (SCHUMPETTER, 1961)
O raciocínio de Schumpeter é decorrente da crítica que faz à ideia de se chegar ao bem comum
e à chamada soberania ou vontade popular. Não existe um bem comum verdadeiro pois não
existe uma consciência coletiva e um valor atribuído a este bem. Assim não pode existir também
uma vontade popular. Para Schumpeter o que existe é simplesmente a vontade da maioria.
(SCHUMPETTER, 1961)
45
Robert Dahl é outro teórico que também compreende a democracia como um arranjo para
tomada de decisões políticas a partir da competição pelo voto dos eleitores. Dahl, divergindo
de Schumpeter, considera que a participação tem papel significativo na tomada de decisão
política. Esta participação, entretanto, não considera a atuação dos indivíduos e sim sua inserção
nas associações políticas. Os cidadãos, desta forma, participam por meio das instituições e
nunca fora delas. (DAHL, 1997)
Dahl considera a democracia sob duas visões. Como ele mesmo apresenta “usamos a palavra
democracia tanto para nos referirmos a um objetivo ou ideal como a uma realidade que é apenas
uma consecução parcial desse objetivo” (DAHL, 2001, p. 97). Para o autor não existem
instâncias reais de democracia e sim o que ele denomina de “poliarquia”, o que consiste nos
modelos empíricos existentes nos diversos países. Assim Dahl diferencia a democracia,
referenciada em termos normativos e que considera utópica, das poliarquias quando se refere à
prática democrática com a existência de múltiplos centros de poder na sociedade. (DAHL,
1997)
Para Dahl a democracia requer um governo responsivo em relação ao povo. Os líderes que
exercem um mandato que lhes foi confiado são responsáveis pela efetivação da expectativa das
pessoas. Os governantes não possuem direitos sobre os governados. Possuem, por outro lado,
deveres. Na democracia os cidadãos devem ser capazes, e ter oportunidades, de formular e
manifestar suas preferências e receber tratamento igualitário por parte das estruturas
institucionais e administrativas do Estado. Para que estas oportunidades possam ser exercidas
Dahl (2001, p. 99–100) considera necessárias as seguintes condições institucionais:
e) Autonomia para associações. Para obter seus vários direitos, até mesmo os necessários
para o funcionamento eficaz das instituições políticas democráticas, os cidadãos
também têm o direito de formar associações ou organizações relativamente
independentes, corno também partidos políticos e grupos de interesses.
Dahl ainda trabalha uma classificação dos regimes políticos, a partir de duas dimensões: a
inclusão, ou a participação dos cidadãos, e a competição que pode ser caracterizada também
como a oposição ou contestação. Esta competição reflete as disputas de poder na sociedade. As
poliarquias, desta forma, constituem regimes com disputas de poder e participação política
ampliada. Os demais casos, para Dahl, ou constituem oligarquias (quando existe competição,
mas com baixa participação) ou constituem hegemonias (inclusivas quando da existência de
ampla participação, mas contestação tímidas e fechadas quando não se verificam nem
participação nem oposição). (DAHL, 2001)
47
A participação dos cidadãos é um dos elementos centrais quando se analisa a democracia. Se,
na Grécia antiga, os cidadãos aptos participavam diretamente em todos os debates e tomada de
decisões, na democracia representativa permitiu-se ao povo apenas o instrumento do voto como
momento de participação ao escolher seus representantes. Algumas correntes, notadamente
Shumpeter (1961), Dahl (2001) e Sartori (2000) afirmam categoricamente a inconveniência de
se permitir maior envolvimento dos cidadãos. Pateman (1992, p. 10) , inclusive, coloca que “[a
participação] não apenas tem um papel menor, como nas teorias democráticas atuais um dado
predominante é a ênfase colocada nos perigos inerentes à ampla participação popular em
política”.
Para outros teóricos, como Rousseau, John Stuart Mill e Cole, a democracia não pode estar
limitada à seleção de líderes políticos ou uma simples competição entre as elites. Como na
democracia Ateniense, a participação dos cidadãos nas decisões do cotidiano é estimulada.
Pateman (1992, p. 35) considera Rousseau “o teórico por excelência da participação”. A autora
argumenta que, nas teorias de Rousseau, a participação não tem apenas uma função
complementar aos arranjos institucionais como também estimula um inter-relacionamento
contínuo entre os indivíduos e o funcionamento das instituições e ainda a sensação de
pertencimento à comunidade decorrente desta integração.
Para Rousseau a participação tem caráter educativo. Como coloca Pateman (1992, p. 38):
Rousseau também entende que a participação está vinculada com a ideia de liberdade, presente
em seus estudos. Como as leis são prescritas pelos próprios indivíduos estes devem então
48
obedecer a si mesmos. A liberdade de todos, a vontade geral, somente poderá ser assegurada
por lei construída através do processo participativo (PATEMAN, 1992).
Pateman (1992, p. 45) entende que J. S. Mill, em um primeiro momento, reforça as teorias de
Rousseau acerca do papel educativo e integrador da participação na vida pública. “Quando o
indivíduo se ocupa somente de seus assuntos privados, argumenta, e não participa das questões
públicas, sua autoestima é afetada, assim como permanecem sem desenvolvimento suas
capacidades para uma ação pública responsável”.
Mill, entretanto, foi além ao considerar como inócuas a participação eleitoral se o indivíduo não
está apto a participar em nível local. É neste nível que acontece o real efeito educativo da
participação. As questões locais são aquelas que interferem diretamente com as pessoas. Mill
acrescenta que é “somente praticando o governo popular em pequena escala que o povo terá
alguma possibilidade de aprender a exercitá-lo em maior escala” (Mill apud PATEMAN, 1992,
p. 46).
Por outro lado, Mill e Rousseau tem visões diferentes sobre a igualdade política dos cidadãos e
da necessidade destes também se constituírem em legisladores. Rousseau entendia que as
diferenças sociais e culturais não deveriam conduzir à desigualdade política enquanto Mill
acreditava que as funções deveriam ser preenchidas por pessoas sábias, melhores e com boa
educação (PATEMAN, 1992) .
Ao discorrer sobre os estudos de Cole, Pateman relata as dificuldades impostas pelas formas de
representação existentes. No estudo das associações Cole afirma que a representação ignora o
conceito de função, de forma que o representante representa o indivíduo em todos propósitos e
ocasiões. Ainda, para o autor, esta representação deveria ter uma função bem definida. Um
segundo problema está relacionado ao fato de que o eleitor não faz escolhas reais e muito menos
controla seus representantes. O papel do cidadão, no sistema representativo, acaba ao escolher
seu representante (PATEMAN, 1992).
Como J. S. Mill e Rousseau, Cole, de acordo com Pateman, também destacou a importância da
função educativa da participação. “Como Mill, Cole sustentava que seria apenas pela
participação a nível local e em associações locais que o indivíduo poderia aprender democracia”
49
Cole também dedicou atenção à questão da igualdade política, a qual, segundo ele, dependia
substancialmente da igualdade econômica. Continuando, a igualdade advinda do direito de voto
não implicava em uma igualdade política real. O sufrágio universal, para Cole, era somente
formal e escondia a imensa desigualdade de poder político e poderiam ser fatais para qualquer
democracia (PATEMAN, 1992).
Pateman (1992, p. 61) finaliza dizendo que “para que exista uma forma de governo democrática
é necessária a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade onde todos os
sistemas políticos tenham sido democratizados e onde a socialização por meio da participação
pode ocorrer em todas as áreas”. Isto implica, ainda de acordo com Pateman, que
Um passo adiante nas teorias democráticas, já que pressupõe a participação dos cidadãos, é a
teoria da democracia deliberativa. Habermas, Cohen e Rawls são apontados como os teóricos
principais no desenvolvimento deste conceito (AVRITZER, 2000; LUCHMANN, 2002;
MIGUEL, 2005). O ponto fundamental, como coloca Avritzer, é a forma como as decisões
são tomadas, superando um “modelo decisionístico de deliberação” (AVRITZER, 2000, p. 27).
Luchmann (2002, p. 1) complementa “Trata-se de um conceito que está fundamentalmente
ancorado na ideia de que a legitimidade das decisões e ações políticas deriva da deliberação
pública da coletividade de cidadãos livres e iguais”. Para Miguel (2005, p. 8) a democracia
deliberativa
Habermas desenvolve sua teoria a partir dos modelos normativos que ele denomina de
concepções “Liberal” e “Republicana” de democracia (HABERMAS, 1995). Habermas
50
considera também dois outros conceitos desenvolvidos ao longo de sua obra: a esfera pública e
a teoria da ação comunicativa. O conceito de esfera ou espaço público, para Habermas
tem, desde sua origem, algumas das suas características centrais ligadas ao debate
democrático contemporâneo: a primeira delas é a ideia de um espaço para interação
face-a-face diferenciado do Estado. Nesse espaço, os indivíduos interagem uns com
os outros, debatem as decisões tomadas pela autoridade política, debatem o conteúdo
moral das diferentes das diferentes relações existentes ao nível da sociedade e
apresentam demandas em relação ao Estado. Os indivíduos no interior de uma esfera
pública democrática discutem e deliberam sobre questões políticas, adotam estratégias
para tornar a autoridade política sensível às suas deliberações. Nesse sentido o
conceito de publicidade estabelece uma dinâmica no interior da política que não é
movida nem por interesses particularistas nem pela tentativa de concentrar poder com
o objetivo de dominar outros indivíduos. Pelo contrário, a ideia aqui presente é de que
o uso público da razão estabelece uma relação entre participação e argumentação
pública. (AVRITZER, 2000, p. 36)
Deste modo a esfera pública independe do Estado e consiste no espaço, até mesmo virtual, onde
ocorre a participação, a interação e a prática discursiva dos sujeitos e onde qualquer tema, ou
reinvindicação, pode ser incorporado à agenda de discussões e deliberações. Esta última,
principalmente, norteada pelo caráter racional da argumentação. Sobre as instâncias destes
espaços públicos Habermas complementa dizendo que:
Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por
exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou
espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se toma a abstração
que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a
generalização da esfera pública. (HABERMAS, 1997, p. 93)
Habermas, ao desenvolver a sua teoria da ação comunicativa, considerou-a como uma forma
de contraposição à ação estratégica e à ação instrumental. Como diz Araújo:
51
Araújo (2010, on-line), ao tratar dos conceitos básicos referentes à Teoria da Ação
Comunicativa, coloca num primeiro momento que “Nas expressões linguísticas há um saber e
nas ações dirigidas por um fim (teleológicas) há um saber implícito. Uma afirmação comunica
algo e uma ação visa um fim, isso significa que nelas se usa um saber confiável, vinculado a
uma racionalidade” e acrescenta a título de conclusão “Essa razão comunicativa permite o
consenso, pois não se vê coagida nem impelida apenas pelo ponto de vista inicial de cada
participante. Eles irão trocar convicções que asseguram a unidade do mundo objetivo e a
intersubjetividade do contexto em que vivem.”
Joshua Cohen também voltou sua atenção à democracia deliberativa. Para Held (1987, p. 34)
Cohen “apresentou aquela que é provavelmente a primeira formulação explícita do cerne dessa
corrente teórica.” Cohen parte de alguns pressupostos sobre a democracia e a forma como é
conduzida. A política democrática implica na deliberação pública sobre o bem comum e requer
alguma igualdade manifesta entre os cidadãos. Significa também estar em conformidade com a
identidade e os interesses dos cidadãos (COHEN, 2007).
Cohen prossegue dizendo que a deliberação ideal deve ser fundamentada, sendo que as partes
devem declarar suas razões ao apresentar, defender ou criticar propostas. Para reforçar esta ideia
Cohen (2007, p. 133) cita Habermas que diz “somente se exerce a força do melhor argumento”.
Também, na deliberação ideal, os participantes são formal e substantivamente iguais. São
53
formalmente iguais quando as regras que regulam o procedimento não distinguem entre
indivíduos e são substantivamente iguais quando a distribuição de poder e recursos não interfere
nas oportunidades de contribuição à deliberação. Finalmente, para Cohen, a deliberação ideal
busca um consenso racionalmente motivado. Isto é, encontrar razões que sejam persuasivas
para todos aqueles comprometidos a agir segundo os resultados de uma avaliação livre e
fundamentada de alternativas entre indivíduos iguais (COHEN, 2007).
Bobbio (1997b, p. 10), ao analisar o futuro da democracia, afirma que “Pode-se definir a
democracia das maneiras as mais diversas, mas não existe definição que possa deixar de incluir
em seus conotativos a visibilidade ou transparência do poder”. Em uma nação democrática não
apenas as decisões, mas também suas razões, devem estar à vista de todos. Assim, para Bobbio
(1997b, p. 83, grifos do autor), um “dos lugares-comuns de todos os velhos e novos discursos
sobre a democracia consiste em afirmar que ela é o governo do poder visível. Que pertença à
natureza da democracia o fato de que nada pode permanecer confinado no espaço do
mistério”. Um poder opaco, salienta Bobbio, não é uma democracia.
A democracia, em contraposição aos estados absolutos, trouxe como uma de suas promessas a
transparência do poder. As decisões deixariam de serem tomadas em locais e momentos
distantes dos cidadãos, no segredo dos gabinetes. Loraux, sobre a transparência na democracia
Ateniense, acrescenta:
Mas o que, mais que tudo, caracteriza a democracia direta de Atenas é, para tomar
emprestada uma expressão de Jean-Pierre Vernant, a “plena publicidade da vida
política”: a circulação da palavra no seio da assembleia de cidadãos; a obrigação, para
os magistrados, de prestar contas de seu cargo diante do povo; a escritura das leis, de
todas as leis, de todos os decretos, a fim de que qualquer um, até mesmo o primeiro
que apareça, possa informar-se das decisões do “démos” soberano. (LORAUX, 1979,
p. 15, grifos da autora)
A democracia moderna trouxe consigo uma estrutura estatal não existente nos tempos de
Atenas. Naqueles tempos tanto o Estado como suas instituições eram incipientes, sem nenhuma
relação com a complexidade do aparelho Estatal contemporâneo. Mesmo assim era
fundamental para o exercício da Isonomia e da Isegoria o conhecimento pleno, por todos os
cidadãos, dos assuntos públicos e comuns.
O papel do cidadão resume-se, então, à simples escolha de líderes políticos para representá-lo.
No entanto, e independente das considerações de Schumpeter que ignora a participação popular
55
cidadãos dispõem para elaboração de opinião em matéria política são muito frágeis. (MANIN,
1995)
A participação dos cidadãos nos assuntos públicos, principalmente quando está incluído em
processo deliberativos, imprime um significado ainda mais expressivo para a transparência do
Estado e dos governos. A “corrente participacionista”, para Miguel (2005, p. 27), considera que
todas as pessoas tem condições de entender e de ter papel ativo nas discussões dos assuntos
públicos mesmo que esta população se mostre apática, desinformada e desinteressada. A apatia
é “somente um efeito da ausência de oportunidades e do desestímulo estrutural” (MIGUEL,
2005, p. 27). Luchmann (2002), sobre transparência pública, acrescenta que a deliberação
requer cidadãos capazes de formular juízos informados e racionais.
uma maior quantidade e melhor qualidade da informação. Stiglitz argumenta, em favor de maior
empoderamento dos cidadãos e de incentivo à participação ao afirmar que:
Muitas vezes falamos de governo ser responsável, responsável perante o povo. Mas
para que seja alcançada uma supervisão democrática eficaz, então os eleitores têm de
ser informados: têm de saber que ações alternativas estavam disponíveis e quais
poderiam ter sido os resultados. (STIGLITZ, 1999, p. 7, tradução nossa)
Para Bobbio a democracia é um regime cujas expectativas ainda restam por serem efetivadas.
A transparência pública é apenas uma delas:
Duas questões são fundamentais neste processo e são apresentadas por López-Ayllon: a
democracia somente será exercida na sua plenitude quando de parte dos cidadãos, por um lado,
houver a demanda por informação e prestação de contas e por outro, funcionários políticos
convencidos da necessidade de entregá-las. (LÓPEZ-AYLLÓN, 2006) O Comitê Nolan no
Reino Unido, citado por Heald (Nolan, apud HEALD, 2006, p. 25), formulou sete princípios
da vida pública os quais deveriam ser inerentes a qualquer pessoa no serviço público:
“altruísmo, integridade, objetividade, responsabilidade, abertura, honestidade e liderança”.
Embora não listado de forma explicita, o termo “abertura”, para Heald, tem um sentido muito
próximo ao termo “transparência”.
58
A transparência é uma relação que envolve três elementos. Em primeiro lugar qual servidor
político, organização ou instituição está envolvida ou tem domínio sobre um processo,
documentos ou informações. Em segundo lugar quais atividades, procedimentos, documentos
ou informações devem ser transparentes ou, em outras palavras, não podem permanecer sob
segredo. Finalmente, o cidadão, organizações e instituições que demandam e têm o direito de
obter tais informações. É preciso analisar, então, como materializar a transparência pública e
sob que contextos ela deve acontecer como uma forma de política pública.
Batista apresenta, com termos distintos, aproximadamente as mesmas questões. Para a autora
os problemas relacionados à transparência pública concentram-se em três dimensões: as
dimensões física, intelectual e comunicacional. Quando existem dificuldades em acessar
fisicamente a informação as questões referem-se à dimensão física. A dimensão intelectual está
associada às dificuldades relativas à compreensão intelectual das informações. Finalmente a
falta de eficácia na comunicação entre o Estado e os cidadãos, e até o excesso de informação,
compreendem a dimensão comunicacional. (BATISTA, 2010)
caso, a transparência vertical pode se dar tanto para cima quanto para baixo. Heald considera a
transparência no sentido ascendente quando algum agente, superior hierarquicamente, pode
observar a conduta, o comportamento, as ações e os resultados produzidos por subordinados.
No sentido contrário, para baixo ou descendente, ocorre quando alguém, subordinado ou
governado, pode observar os mesmos elementos de seus superiores, ou governantes. (HEALD,
2006)
Heald coloca também que horizontalmente a transparência pode ocorrer para fora e para dentro.
A transparência para fora ocorre quando, em qualquer organização ou instituição, se pode
visualizar o que está acontecendo no seu exterior. Esta capacidade, de acordo com Heald, é
importante para a capacidade de entender o contexto em que esta organização ou instituição
está inserida e, também, para acompanhamento de seus pares. O sentido inverso, a transparência
para dentro, ocorre quando qualquer pessoa, em ambiente exterior a uma organização ou
instituição, pode observá-la e monitorá-la. (HEALD, 2006)
Heald considera ainda outras formas para análise das questões envolvendo a transparência. Com
relação às suas variedades o professor apresenta a distinção entre transparência de eventos e
transparência de processos, como ilustrado na figura nº 4.
A transparência também pode ser classificada em relação ao momento em que ela ocorre. Heald,
neste sentido, fala em transparência em retrospecto e transparência em tempo real. A
transparência em retrospecto diz respeito a acontecimentos ou fatos passados, já ocorridos. Esta
situação enquadra-se, normalmente, nos episódios característicos de prestação de contas. A
transparência em tempo real, por sua vez, significa que as ações são continuamente exibidas
permitindo um acompanhamento e vigilância constante. (HEALD, 2006)
O último critério utilizado por Heald, na sua abordagem sobre transparência, está associado à
efetividade das ações e instrumentos empregados. O autor especifica a existência de uma
transparência nominal e de uma transparência efetiva. Estes dois contextos, para Heald,
61
Berrones analisa a transparência pública identificando em suas ocorrências três dimensões: uma
dimensão técnica, associada à complexidade dos processos necessários à sua implementação;
uma dimensão política, como favorecedora do diálogo entre governantes e governados e, em
terceiro lugar, uma dimensão institucional, que definem a transparência como uma política
pública. Assim, para que as informações não sejam ocultadas dos cidadãos, os espaços públicos
devem imprimir às suas iniciativas de transparência características de acessibilidade, evidência,
visibilidade e publicidade. (BERRONES, 2016a)
Podem ser apresentadas distintas visões relativas à transparência pública. A primeira, mais
tradicional, é aquela que se confunde com o princípio da publicidade (VAZ; RIBEIRO;
MATHEUS, 2011). Uma referência pode ser obtida na Constituição Federal de 1988 (BRASIL,
1988) no seu artigo 37. A legislação complementar prevê que as informações governamentais
sejam divulgadas para a sociedade. Para diversos pesquisadores muitas das ações tidas pelos
governantes como ações que visam a transparência nada mais são do que a busca pelo
espetáculo (ABDALA; TORRES, 2016; ANJOS; EZEQUIEL, 2011).
Fuentes (2009) e Vaz, Ribeiro e Matheus (2011) apresentam uma segunda visão em relação à
transparência. Ela pode ser comparada ao conceito de accountability que se refere, de maneira
geral, à prestação de contas e a responsabilização das decisões e ações dos agentes públicos.
62
Pode também ser vinculada a ideia de governança e de controle social sobre o estado (VIEIRA,
2005).
Uma terceira possibilidade é o olhar sobre transparência com o sentido de openness. O termo
pode ser interpretado como a abertura para o fornecimento de informação e entendida como o
fornecimento livre e universal de informações para os cidadãos (VAZ; RIBEIRO; MATHEUS,
2011) O conceito está associado à informação disponível e às facilidades existentes para acessá-
las. “O governo não deve apenas promover a transparência pela disponibilidade das
informações, mas deve proporcionar que estas informações cheguem aos cidadãos e sejam
compreendidas” (VAZ; RIBEIRO; MATHEUS, 2011, p. 52)
A estas três formas de se olhar a transparência Vaz, Ribeiro e Matheus (VAZ; RIBEIRO;
MATHEUS, 2011) acrescentam a transparência como sinônimo de dados abertos. Para o W3C
Brasil (W3C BRASIL, 2017) os dados governamentais abertos promovem maior transparência
porque as “informações do setor público abertas e acessíveis melhoram a transparência, pois as
partes interessadas podem usá-las de maneira adequada ao seu propósito, obtendo uma ideia
melhor do governo”.
Pode-se entender a democracia como um conjunto de regras para a decisão de como governar
com a participação e a intervenção dos cidadãos. Na democracia o exercício do poder não é
perpétuo e deveria estar sob vigilância e sujeito a sanções que impeçam abusos, arbitrariedades
e, eventualmente, a recondução dos governantes. A transparência pública pode constituir-se em
um conjunto destas regras e instrumentos, visto que as ações de transparência não podem
depender exclusivamente do espirito ético, e da boa vontade, dos agentes públicos. De outra
forma, é fundamental que a transparência pública seja vista como uma política de Estado.
Bobbio justifica
[...] existe sempre uma diferença entre autocracia e democracia, já que naquela o
segredo de estado é uma regra e nesta uma exceção regulada por leis que não lhe
permitem uma extensão indébita. Não me detenho aqui nem mesmo sobre um outro
problema que entretanto mereceria alguma reflexão, qual seja, o problema do
reaparecimento dos arcana imperii sob a forma do governo dos técnicos ou da
tecnocracia: o tecnocrata é depositário de conhecimentos que não são acessíveis à
massa e que, caso o fossem, não seriam sequer compreendidos pela maior parte ou
então, no mínimo, a maior parte (isto é, os sujeitos do poder democrático) não poderia
63
dar qualquer contribuição útil à discussão a que eventualmente fosse chamada. [...] O
que distingue o poder democrático do poder autocrátíco é que apenas o primeiro, por
meio da livre crítica e da liceidade de expressão dos diversos pontos de vista, pode
desenvolver em si mesmo os anticorpos e consentir formas de "desocultamento"
(BOBBIO, 1997b, p. 101)
Esta passagem resume, com clareza, o caminho da transparência pública ao longo da história
mundial. A exemplo da democracia, foi apenas no século XX17 que um número crescente de
países estabeleceu leis e procedimentos regulamentando o direito e o acesso às informações
públicas. A expansão da democracia motivou o florescimento de demandas com objetivos de
controle, fiscalização, participação, governança e, em última análise, a própria cidadania. De
outro lado, embora não tenha produzido efeitos imediatos, um dos primeiros estímulos para que
as nações reconheçam e definam politicamente o direito à informação foi dado pela
Organização das Nações Unidas (ONU), em 1946, quando aprovou a Resolução 59 onde consta
que “a liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e a pedra de toque de
todas as liberdades a que se dedica a ONU”. (MENDEL, 2009, p. 17) Esta declaração foi
17
A Suécia, em 1766, foi o primeiro país a criar legislação específica em relação ao acesso à informação. É preciso
notar, entretanto, que a Suécia, na época, era uma monarquia.
64
ratificada, dois anos mais tarde, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. (MENDEL,
2009)
Uma série de tratados e acordos internacionais têm, em suas pautas, referências e estímulos à
liberdade e acesso à informação. Podem ser listados, em ordem cronológica, a Convenção
Europeia de Direitos Humanos (1953), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(1966), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1986), a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (1992), a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de
Expressão (2000), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2005) e a Declaração
de Atlanta e Plano de Ação para o Avanço do Direito de Acesso à Informação (2008).
(MENDEL, 2009)
O século XX, além do extraordinário avanço da democracia em todo o mundo, exibe uma
segunda característica que é fundamental tanto no crescimento das demandas por informação
pública quanto no aumento no número de nações a reconhecer este direito e disponibilizar estas
informações: o também extraordinário desenvolvimento das tecnologias de informação e
comunicação. O acesso à informação, como forma prática de viabilizar processos e ações de
transparência, representa “um dos mais rápidos processos de disseminação global de uma
legislação”. (BARCELOS, 2012, p. 6)
O programa Global Right to Information Rating18 relaciona 128 nações com algum tipo de
política ou legislação específica relacionada à transparência pública (RTI RATING, 2019). Por
se tratarem de nações soberanas não se observa, evidentemente, um mesmo nível de alcance e
profundidade entre estes instrumentos legais. A implementação, por outro lado, deixa a desejar
em quase todos estes países. “Sem a plena implementação, as leis têm pouca chance de
sucesso”. (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2019)
O mapa da figura nº 5 apresenta os 128 países e seus estágios em relação à legislação sobre
acesso à informação. A classificação global mede o estágio do quadro jurídico para o direito de
18
O programa Global Right to Information Rating é um programa fundado pela Access Info Europe (AIE) e pelo
Centre for Law and Democracy (CLD). A ideia central por trás da classificação dos direitos à informação é fornecer
aos defensores destes direitos, reformadores, legisladores e outros uma ferramenta confiável para avaliar
comparativamente a força geral de um quadro jurídico para o direito à informação. A classificação indica os pontos
fortes e fracos do quadro jurídico, e fornece um meio útil para identificar áreas que precisam de melhorias. (RTI
RATING, 2019)
65
acesso às informações detidas pelas autoridades públicas com base em 61 indicadores discretos
- cada um dos quais analisa uma característica particular de uma das sete categorias principais:
Direito de Acesso, Escopo, Procedimento de Solicitação, Exceções e Recusas, Recursos,
Sanções e Proteções, e Medidas Promocionais. O mapa mostra uma dispersão do desempenho
dos países em todas as 5 faixas. Na primeira estão 6 países os quais obtiveram, no máximo, 50
pontos ou 33% dos indicadores avaliados. Nas faixas intermediárias, com pontuação de 51 a
75, de 76 a 100 e de 101 a 125 pontos estão, respectivamente, 38, 44 e 32 países. Finalmente, a
faixa com pontuação mais alta, de 126 ao máximo de 150 pontos, contém apenas 8 países. (RTI
RATING, 2019)
A Suécia, em 1766, foi o primeiro país a definir legislação para o acesso à informação. De
acordo com o programa Global Right to Information Rating somente em 1951 o segundo país,
a Finlândia, estabeleceu legislação para o tema. Na sequência os Estados Unidos da América,
em 1966. Consolidando os dados do programa, até o final do século XX, apenas 32 países
haviam estabelecido a sua legislação específica. Este número corresponde a 25% do grupo de
nações que atualmente possuem algum tipo de legislação em relação ao acesso à informação.
Isto mostra que o estabelecimento de políticas oficiais é um movimento recente, característico
do século XXI. (RTI RATING, 2019)
66
19
A organização reúne informações sobre o marco constitucional e legal para o direito de acesso à informação,
bem como jurisprudência de mais de 80 países, organizada e analisada por tópico. Pode ser acessada em
https://www.right2info.org/.
67
Nesta mesma direção, porém mais atualizada, a Organização Não Governamental Article 19,
sediada na Inglaterra, a partir de uma série de elementos, dentre os quais declarações
internacionais, costumes e expectativas diversas, estabeleceu um conjunto de padrões que
devem embasar a legislação sobre direito a informação. São 9 princípios cujo objetivo é prover
subsídios para a elaboração e acompanhamento de instrumentos legais de apoio ao direito à
informação e à transparência pública. (ARTICLE 19, 2016) São eles:
a) Máxima divulgação - A legislação sobre liberdade de informação deve ser guiada pelo
princípio da máxima divulgação.
f) Custos - As pessoas não devem ser impedidas de fazer pedidos de informação em razão
dos altos custos envolvidos.
h) A divulgação tem precedência - As leis que não estejam de acordo com o princípio da
máxima divulgação devem ser revisadas ou revogadas.
i) Proteção para os denunciantes - Os indivíduos que trazem à público informações sobre atos
ilícitos – os denunciantes – precisam ser protegidos.
Alguns destes princípios não estão relacionados apenas como orientações ao estabelecimento
de legislação. A ideia de Governo Aberto e reuniões abertas, por exemplo, considera o direito
de acesso à informação como somente um dos pontos fundamentais em seus conceitos.
Governo Aberto pressupõe governos baseados não apenas na transparência, mas também, e
principalmente, na participação e na colaboração dos cidadãos.
O Brasil, em quase toda a sua história, praticamente não incluiu o acesso à informação em seu
ordenamento jurídico. Existem muitas explicações para tal contexto, pois, quando o País não
estava sob algum tipo de ditadura, a forma de administração pública, patrimonialista e
burocrática, não permitiram o florescimento de qualquer iniciativa de estímulo à transparência
pública. (LOPES, 2007)
Alguns instrumentos foram criados, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com
o propósito de organizar e disciplinar o acesso e a guarda de informações. São exemplos a lei
nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991 e a lei nº 11.111 de 5 de maio de 2005. Estas leis, entretanto,
não fazem referência ao emprego das Tecnologias de Informação e Comunicação. A primeira
dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados (BRASIL, 1991), e o segundo
instrumento legal, a lei nº 11.111 de 5 de maio de 2005 (BRASIL, 2005a), regulamenta alguns
dispositivos constitucionais relacionados ao acesso à documentos públicos. Em ambos os casos,
69
senão totalmente, existiram disposições relacionadas ao acesso destes documentos que foram
revogadas pela Lei nº 12.527, de 2011.
A Lei nº 9.755 (BRASIL, 1998), de 16 de dezembro de 1998, foi uma das primeiras iniciativas
legais para promoção da transparência e do acesso à informação. Ela dispõe sobre a divulgação
de dados pelo Tribunal de Contas da União na internet. Estes dados abrangiam todos os entes
da federação, autarquias e outras entidades e compreendiam as operações de receita e despesa,
do orçamento, dos balancetes, das compras e dos contratos. O prazo para divulgação deste rol
de informações era condizente com a época e com a operacionalidade definida pela lei, não
sendo inferiores, contudo, a 30 dias. É preciso observar que esta lei atribuía ao Tribunal de
Contas da União os encargos para a divulgação destas informações. Os demais integrantes da
federação, os municípios, os estados, o distrito federal e o governo federal não eram
responsabilizados diretamente.
Outra iniciativa do governo federal foi a Lei nº 10.683 de 28 de maio de 2003. O objetivo básico
do instrumento jurídico foi a definição da estrutura governamental. Nesta nova estrutura,
entretanto, está presente a criação do cargo de Ministro de Estado do Controle e da
Transparência e, afeto a este, o Conselho da Transparência Pública e Combate a Corrupção.
Esse órgão elaborou o esboço de uma lei de acesso à informação cujos resultados, contudo,
somente apareceriam algum tempo depois. (BRASIL, 2003)
públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal". Uma seção específica foi dedicada
à transparência fiscal trazendo a obrigatoriedade de disponibilizar, em tempo real, informações
sobre a execução financeira e orçamentária. Para registro e aplicação neste trabalho podem ser
destacados os artigos 48 e 48-A os quais relacionam os instrumentos de gestão financeira e
orçamentária que devem estar à disposição da sociedade por meios eletrônicos de acesso
público.
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla
divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos
e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer
prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão
Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os
entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a
informações referentes a:
O decreto nº 7.185 de 27 de maio de 2010 (BRASIL, 2010) atende o disposto no inciso III do
parágrafo único do artigo 48 da Lei Complementar nº 101 e define padrão mínimo de qualidade
do sistema integrado de administração financeira e controle no âmbito de cada ente da
federação. Este decreto, no seu artigo 2º, define que o sistema integrado "deverá permitir a
71
VII - indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se, por via
eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio; e
Tanto as leis complementares 101 e 131 quanto a lei 12.527, complementadas com o decreto
7.185, estabelecem claramente os elementos que devem ser contemplados nos recursos
oferecidos pela administração pública, seja da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios, bem como de suas autarquias, fundações ou empresas estatais, ao cidadão. Desta
forma podem se constituir em parâmetros para avaliação dos portais de transparência e de
acesso à informação de cada ente público.
Estes instrumentos legais, combinados, permitem comportamentos distintos por parte da gestão
pública. Por um lado, um comportamento ativo ao divulgar espontaneamente, ou por força da
lei, as informações de sua competência e por outro uma atitude passiva atendendo às
solicitações dos cidadãos. De qualquer forma fica evidente que a informação, ou os dados que
a compõe, ressalvando-se as exceções previstas nas próprias leis, não são de propriedade ou de
uso exclusivo do poder público ou de seus administradores.
Cabe ressaltar, por fim, o constante no artigo 5º da lei 12.527 (BRASIL, 2011a) quando
estabelece que "É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será
73
Os dois últimos instrumentos legais são mais recentes. O primeiro deles é o Decreto nº 8.777
de 11 de maio de 2016 (BRASIL, 2016) e que institui a Política de Dados Abertos do Poder
Executivo federal. Este decreto, a exemplo dos mencionados acima, também tem abrangência
74
restrita ao Governo Federal, embora trate especificamente do tema em estudo, os dados abertos
governamentais. Este decreto foi regulamentado e complementado com a Resolução nº 3, de 13
de outubro de 2017 (COMITÊ GESTOR - INDA, 2017) a qual aprova as normas sobre
elaboração e publicação de Planos de Dados Abertos.
Deve-se propor que o cidadão possa conhecer suas estruturas e suas decisões. Deve
haver uma diminuição da opacidade administrativa. O governo não deve apenas
promover a transparência pela disponibilidade das informações, mas deve
proporcionar que estas informações cheguem aos cidadãos e sejam compreendidas.
Por exemplo, o orçamento e a prestação de contas podem ser disponibilizados
integralmente no Portal eletrônico do órgão público. Pela facilidade do acesso via
Internet, em tese, qualquer cidadão pode verificar. Contudo, será que o cidadão médio
consegue entender os termos técnicos presentes nestes documentos? Esse órgão não
será totalmente transparente, pois dispõe os dados, mas não há a compreensão destes
por seu público-alvo, ou seja, a sociedade como um todo. O Poder Público mesmo
que disponibilize seus dados em um portal não será mais transparente se as
informações forem difíceis de encontrar ou não sejam atualizados constantemente.
Atingir os objetivos da legislação estabelecida, desta forma, exige mais do que simplesmente
tornar públicos os dados e oferecer mecanismos para acessá-los. Não se pode imaginar que
apenas aqueles com algum tipo de formação específica, nas áreas contábeis e administrativas,
possam compreendê-los. É fundamental, assim, que a linguagem e os formatos empregados na
apresentação destas informações sejam adequados e compreensíveis a quem não é técnico. Não
basta replicar o acesso ao mesmo instrumento tecnológico usado pelos servidores públicos, na
execução de suas atividades técnicas, para o público em geral e afirmar que, desta forma, se
está sendo transparente.
A democracia, enquanto regime de governo, pode ser encontrada na maior parte dos países do
mundo. Apesar deste fato foi apenas no século XX que alcançou tamanha abrangência e, mesmo
assim, em diversas séries de avanços e retrocessos. Em cada uma destas ondas, positivas ou
75
As democracias não são iguais. A tradicional definição de “governo do povo, pelo povo e para
o povo” resume-se, na prática, ao simples ato de votar em eleições periódicas para a escolha de
diversos cargos, em diversos níveis de governo. Muitos pesquisadores, entre eles Schumpeter,
apregoam ser este o único momento e oportunidade para a participação dos cidadãos. Outros
teóricos, como Rousseau e Habermas, entendem que a democracia só se concretiza com o
envolvimento dos cidadãos. Para o primeiro estudioso a participação é educativa pois estimula
um maior relacionamento e integração entre os cidadãos e as instituições. Já, para Habermas,
os processos deliberativos públicos conduzem à legitimação das decisões e ações políticas.
A democracia necessita que suas instituições, e seus governantes, sejam transparentes. De todos
os atributos e características dos regimes democráticos a transparência é fundamental para a
formação da opinião pública. O conhecimento que o cidadão possui sobre as organizações
governamentais, seus funcionários, e a classe política como um todo, é um ponto fundamental
na escolha de seus representantes, ou de sua participação nos processos públicos e deliberativos.
Transparência efetiva Para que a transparência seja eficaz, deve haver receptores capazes
de processar, digerir e usar as informações. Compreende a
informação adequada a ser processada, debatida e empregada nos
processos de acompanhamento, avaliação, participação e
deliberação
Atributo Característica que toda pessoa ou organização apresenta
Posse de informações Imprescindível para que o assunto seja claramente compreendido
NAESSENS, claras e precisas
2010 Realização de É necessário o desenvolvimento da capacidade de compreensão,
qualquer pessoa vigilância e comunicação
enquanto cidadão
Fonte: Elaborado pelo autor
normatizam tanto as obrigações dos diversos entes públicos, quanto os direitos dos cidadãos
em relação ao acesso à informação. A mais significativa destas medidas é a Lei nº 12.527 de
2011 que regula o acesso à informação, e abrange “os órgãos públicos integrantes da
administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e
Judiciário e do Ministério Público bem como as autarquias, as fundações públicas, as empresas
públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou
indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (BRASIL, 2011a).
O Estado moderno, por meio de sua estrutura política e administrativa, constitui-se num dos
grandes produtores e depositários dos dados existentes. As ações e atividades estatais
produzem, recebem, manipulam e disseminam informações de e para a sociedade. Esta grande
quantidade de dados, que é gerada diariamente, está armazenada em formatos relacionais, como
planilhas eletrônicas e bancos de dados, em formatos de textos, por meio de editores ou
visualizadores de textos, ou mesmo na forma de audiovisuais com o armazenamento de sons e
imagens. (POSSAMAI, 2016)
Estes conjuntos de dados, retidos no emaranhado dos sistemas de informações das instituições
governamentais, nem sempre são tratados adequadamente e, via de regra, não são
compartilhados, nem com a sociedade e nem mesmo com outros órgãos da administração
pública. De forma adicional é frequente o fato de que dois ou mais órgãos públicos usem as
mesmas informações sem qualquer estratégia em comum, ocasionando redundância e
duplicação desnecessária de esforços e recursos. (POSSAMAI, 2016; WEERAKKODY et al.,
2017)
Gorman (2009) reafirma a ideia de que dados e informações são bens públicos. O Estado,
representando a sociedade, não é seu proprietário exclusivo. Para este autor a utilização de
79
dados pelo Estado não os inutiliza para o uso do restante da sociedade e do próprio governo.
Estes dados, deste modo, podem ser abertos e disponibilizados para que a sociedade possa
reutilizá-los. A inclusão do contexto governamental à ideia de dados abertos resulta em três
elementos fundantes dos chamados Dados Governamentais Abertos (DGA), como pode-se
observar na figura nº 6.
Um dado, como definido por Setzer (2001), é “uma sequência de símbolos quantificados ou
quantificáveis”. Deste modo, para o autor, textos, números, figuras, imagens, sons gravados e
animações são considerados dados. Todos, ainda de acordo com Setzer, podem ser
quantificados. O autor acrescenta:
Neste trabalho, até o momento, tem-se usado de forma indiscriminada os termos “dados” e
“informações” como possuindo o mesmo significado. Setzer define informação como uma
abstração que representa alguma coisa para uma pessoa. A informação é representada na forma
de dados e, como tal, pode ser processada. Assim quando alguém recebe um conjunto de dados
há a tentativa de atribuir significado interpretando-os como informação. Uma informação
consiste de dados os quais constituem sua representação simbólica. Um texto, por exemplo, é
formado por caracteres (letras e algarismos) e sinais gráficos. Ao ser lido por uma pessoa pode
transmitir informações, desde que seja compreendido. (SETZER, 2001)
Uma forma de efetivação da transparência pública dá-se por meio do acesso à informação.
Baseado nos conceitos apresentados, o que as instituições governamentais oferecem, na
verdade, são conjuntos de dados já processados os quais podem significar, para um cidadão,
uma informação concreta e compreendida. De outra forma pode não despertar em quem acessa
estes dados nenhum entendimento e compreensão.
A Open Definition define que o termo “Aberto” significa “que qualquer pessoa pode acessar
livremente, usar, modificar e compartilhar para qualquer finalidade (sujeito, no máximo, a
preservação da proveniência e manutenção da abertura)” (OPEN DEFINITION, 2017). O
conceito é empregado de forma muito intensa no denominado Movimento pelo Software Livre.
80
É adotado também para outras formas de criação, além do software. O Open Access, que visa à
formação de repositórios de literatura científica disponíveis de forma gratuita, e o sistema de
licenças Creative Commons, orientado ao compartilhamento e a reutilização de materiais e
trabalhos de artistas e autores são exemplos de abertura ao conhecimento (POSSAMAI, 2016).
O conceito de Dados Abertos (DA), desta forma, implica que “Dados abertos são dados que
podem ser livremente usados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa, sujeitos, no
máximo, à exigência de atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras” (OPEN
KNOWLEDGE INTERNATIONAL, 2017a). Estes dados podem ser disponibilizados por
qualquer organização seja pública, privada, social, e/ou sem fins lucrativos.
O terceiro elemento fundante diz respeito ao Governo, de uma forma geral, e a partir do qual
podem ser feitas três associações. A primeira, como já mencionado anteriormente, diz respeito
aos dados governamentais. Com um olhar superficial, de imediato, podem-se distinguir duas
categorias de dados públicos. Esta categorização relaciona-se ao sigilo das informações, que
pode determinar a publicização dos mesmos para todos os cidadãos. A legislação,
especialmente a que regula o acesso à informação, estipula categorias e critérios para o acesso
restrito de parte delas incluindo questões de privacidade, segurança e controle. A abertura dos
dados públicos, segundo o seu movimento, deve naturalmente respeitar estas restrições.
Possamai consolida estes elementos e apresenta uma definição para Dados Governamentais
Abertos, dizendo que
O objetivo da abertura de dados é que a sociedade pode tirar proveito destes dados. Um
pressuposto importante é que o ente público que os mantém eventualmente não sabe, não pode,
não quer ou não tem a capacidade de analisá-los. Colocá-los à disposição da sociedade faz com
qualquer pessoa ou organização possa construir sobre eles novas ideias que resultem em novos
dados, conhecimentos ou serviços (CONCHA; NASER, 2012). Ramírez-Alujas (2011)
complementa que os impulsos ao movimento de dados abertos, por um lado, promovem a
inovação pois os dados públicos são catalisadores de novas aplicações e serviços e, por outro,
devolvem aos cidadãos seus próprios dados e informações sobre as ações governamentais
aumentando, desta forma, a transparência pública. Os dados públicos abertos podem ser
considerados como um instrumento para a transparência, a participação e a colaboração,
elementos fundamentais dos governos abertos.
Concha e Naser (2012) apresentam uma relação de benefícios, tanto para os cidadãos, quanto
para o próprio poder público resultantes da adoção de política de abertura de dados:
82
− Tornar a população parte do processo pode fazer com que as decisões adotadas sejam
percebidas como legítimas e, assim, elevar os níveis de aceitação ao governo;
− Melhorar a eficácia das políticas públicas por serem mais específicas e atenderem às
necessidades dos cidadãos.
Alguns benefícios adicionais, principalmente para o poder público, são apontados pelo
Observatorio Regional de la Sociedad de la Información de Castilla y León (ORSI, 2010):
− A exposição dos dados públicos aumenta a qualidade e integridade dos mesmos já que
podem ser contrastados pelos cidadãos e por outras organizações;
− Pode diminuir a carga de trabalho dos funcionários públicos pela colaboração entre os
mesmos e a comunidade;
Uma outra visão pode ser apresentada a partir dos conceitos defendidos pela comunidade de
software livre aplicados aos dados governamentais. A ideia é a de que os cidadãos possam usar
livremente os dados públicos colhidos e divulgados pelos governos. Do mesmo modo que na
filosofia Open Source, do software livre, os cidadãos podem contribuir para o desenvolvimento
do próprio conjunto de dados. O valor dos dados está no seu processamento e, por meio de sua
abertura, permite diferentes perspectivas contribuindo para o debate democrático (REIS;
ARAÚJO; SAMPAIO, 2015).
Os Dados Governamentais Abertos podem ser analisados sob diferentes prismas, de acordo
com Gonzales-Zapata e Heeks (2015): Burocrática, Tecnológica, Política e Econômica. Sob o
ponto de vista burocrático concebe-se os DGA como parte das escolhas políticas do governo,
de forma que possam resultar em prestação de serviços públicos além de melhor manipulação
dos dados do setor público. Esta busca por maior eficiência no tratamento dos dados pode,
ainda, contribuir na redução de custos e em maior qualidade dos processos internos, como por
exemplo a formação de políticas públicas.
São dois grupos de atores que interagem e compartilham dos dados e de seus resultados. Por
um lado, evidentemente, o governo com todas as suas instituições (Administração direta,
20
A figura acompanha alguns comentários feitos por Henri Verdier, especialista digital, ele foi o diretor de
tecnologia do estado francês de 2015 a 2018. Os comentários são uma resposta à entrevista concedida por Evelyn
Ruppert, socióloga Britânica, sobre a política de dados abertos no Reino Unido.
87
O Governo é quem disponibiliza os dados pelos quais tem responsabilidade. Em boa parte dos
casos são dados já estruturados e que são mantidos pelos sistemas informatizados empregados
pelo ente público. Por outro lado, estas mesmas instituições possuem dados armazenados em
locais diversos (nos computadores e arquivos dos servidores públicos) e em meios diversos
como planilhas eletrônicas, editores de textos e imagens além de material na forma de áudios e
vídeos. É preciso destacar ainda que, não raro, muita informação ainda é armazenada
exclusivamente em papel. É possível imaginar, a partir deste contexto, as dificuldades que
podem ser encontradas para o processo de seleção, preparação, documentação e
disponibilização destes dados.
colaboração dos cidadãos podendo resultar em maior controle social sobre as administrações
públicas.
Para Janssen, Charalabidis e Zuiderwijk (2012) são vários os benefícios que podem ser obtidos
pela abertura de dados governamentais e, para os autores, compõe três grupos distintos. O
primeiro grupo é de ordem político e social e agrega questões relacionadas à transparência
pública, democracia e promoção da cidadania. O segundo grupo, de benefícios econômicos,
abrange o estímulo à inovação, a geração de novos produtos e serviços e uma maior integração
entre governos e sociedade. O último grupo, por fim, relaciona-se a benefícios operacionais e
técnicos e pode apresentar uma maior cooperação entre governos e sociedade, pela melhoria de
processos e pela utilização de conhecimento e capacidade coletiva.
− Usuários: Todos aqueles que, de alguma forma, consomem e se beneficiam dos dados e
informações disponíveis a partir da abertura dos dados governamentais. O cidadão
comum é o componente mais evidente deste grupo. De qualquer forma também os
89
Schrock e Shaffer (2017, p. 2) definem intermediários de dados como “atores que traduzem,
usam ou mediam a comunicação usando dados produzidos por ou para o governo”. O propósito
de tais mediações é democratizante pois, claramente, há uma preocupação com o acesso e
auxilio a análise dos dados disponíveis. Compreendem cidadãos atuando individualmente,
empresas privadas em busca de retribuição econômica além de startups cívicas formadas a partir
de oportunidades surgidas pela disponibilização de dados governamentais. Estes
intermediários, na quase totalidade das vezes, empregam novas maneiras para processamento
dos dados e conectam entidades, principalmente em relação ao governo, que nunca tiveram
qualquer contacto. (SCHROCK; SHAFFER, 2017)
Muitos dos resultados destas novas visões sobre os dados, principalmente quando integrados
com outros conjuntos de dados da própria comunidade, podem também retornar ao governo.
Os dados governamentais podem ser enriquecidos com o tratamento dispensado pela
comunidade. Os processos de inovação desencadeados com o uso de dados abertos podem
resultar em novos e mais eficientes serviços públicos.
Uma das primeiras referências à ideia de Governo Aberto (em inglês Open Government) foi
apresentada por Chapman e Hunt (1987) ao debaterem diversas questões relacionadas à
segredos de governo e à abertura do setor público no Reino Unido, com o objetivo de reduzir a
opacidade. O parlamento Inglês já debatia o assunto em 1993 ao receber documento do Duque
de Lancaster (1993, p. 1) que na sua introdução apresentava:
90
Um governo aberto é parte de uma democracia efetiva. Os cidadãos devem ter acesso
adequado à informação e análises em que se baseiam os negócios do governo.
Ministros e funcionários públicos tem o dever de explicar suas políticas, decisões e
ações ao público. (Tradução nossa)
21
A campanha eleitoral de Barack Obama foi fortemente baseada no uso das TICs e na interação com os eleitores
por meio das redes sociais e da internet.
91
Muitas outras nações seguiram esta política de Governo Aberto. Em 2011 foi constituída a
Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership) (OPEN GOVERNMENT
PARTNERSHIP, 2017) que, de acordo com Possamai (2016, p. 10) consiste em
Calderón e Lorenzo (2010, p. 11) também apresentam uma definição para Governo Aberto:
Governo Aberto é aquele que realiza um diálogo permanente com os cidadãos, com o
objetivo de ouvir o que dizem e solicitam, que toma decisões baseadas em suas
necessidades e preferências, que facilita a colaboração destes mesmos cidadãos e
funcionários no desenvolvimento dos serviços que presta e que comunica tudo o que
decide e faz de uma forma aberta e transparente. (Tradução nossa)
Pode se afirmar que um Governo Aberto contém uma relação de mão dupla entre a
cidadania e o Estado, possibilitada pela disponibilidade e emprego das TICs que
facilitam múltiplas interações entre os atores sociais e estatais, as quais se traduzem
em vínculos mais transparentes, participativos e colaborativos. (Tradução nossa)
Por fim Cruz-Rubio (2015, p. 51), ao apresentar a sua definição, a caracteriza como um
paradigma em construção:
Um dos elementos presentes nas diversas definições é a decisiva participação das TICs no
processo. O que há de novo nas ações propostas por Barack Obama, em relação ao debate que
ocorria na Inglaterra, é o aproveitamento das TICs, e da internet, para a interação entre governo
92
e sociedade. O pressuposto, segundo Alderete (2016), é que estas tecnologias, como nunca antes
na história da humanidade, permitem:
Neste sentido, os termos Governo Aberto, Governo Eletrônico, e-Governo, Governo 2.0, ou
outros neologismos que descrevem o uso das tecnologias digitais, para muitos pesquisadores,
são sinônimos. Oszlak (2016, p. 32), por sua vez, compara conceitualmente estes elementos e
delimita suas diferenças fundamentais:
O conceito apresentado não corresponde a uma simples questão de reforma da burocracia estatal
mas mostra que o Governo Aberto está relacionado à mudança da democracia representativa
em direção à uma democracia participativa (CALDERÓN, 2012; OSZLAK, 2016). Ainda “o
governo aberto transcende o governo eletrônico em um aspecto crucial: enquanto o governo
eletrônico é uma questão de gestão, o governo aberto é uma questão de poder” (OSZLAK, 2016,
p. 34).
Governos Abertos também podem ser pensados pela ótica da gestão social, que caracteriza-se
pelo comando da razão comunicativa, pelo agir comunicativo; enfatiza a ação gerencial
dialógica, participativa; o processo decisório é exercido por meio dos diferentes sujeitos sociais;
baseada no entendimento mútuo entre os atores/sujeitos, na harmonização interna dos planos
de ação pelos atores; exige a presença do discurso argumentativo sujeito às três pretensões de
validade: veracidade, correção normativa e autenticidade; e a atuação dos atores com base na
cidadania deliberativa (ALLEBRANDT et al., 2016).
94
O conceito de gestão social também está associado à cidadania deliberativa, na qual o processo
participativo de deliberação ocorre baseado essencialmente no entendimento (e não no
convencimento ou negociação) entre as partes e o procedimento da prática da cidadania
deliberativa na Esfera Pública é a participação. O propósito do Interesse Bem Compreendido
(CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2015), pode ser obtido pelo incremento da transparência
e pela existência de dados e informações para construção dos argumentos necessários ao seu
entendimento e convencimento de outros ou de si mesmos. Uma das bases da gestão social é a
tomada de decisão coletiva. A transparência surge como condição necessária para as outras
características, pois o segredo e a assimetria de informação tornam inviável a tomada de decisão
coletiva baseada no entendimento esclarecido (CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011).
Não se pode pensar a gestão social do desenvolvimento local/regional sem articular os conceitos
de participação, cidadania, democracia e descentralização, já que os mesmos estão imbricados
nas práticas sociais desenvolvidas tanto pelos governos como pela sociedade civil. Assim,
desconsiderar um deles ou tomar um pelo outro pode gerar entendimentos parciais
(ALLEBRANDT et al., 2016).
A gestão pública participativa deve considerar um novo desenho a partir da universalização das
Tecnologias de Informação e Comunicação entre a população, governo e organizações. Novos
canais de comunicação, bidirecionais e independentes, ultrapassam as barreiras dos meios de
comunicação tradicionais. Garcia (2014, p. 80) complementa:
Quem sabe pela primeira vez a cidadania dispõe de vias de comunicação e diálogo
que lhe permite organizar-se e expressar seus argumentos para poder ser ouvida como
um corpo único por parte das elites governantes, reduzindo as assimetrias
informativas e integrando-a ainda mais na estrutura de poder das sociedades
democráticas (Tradução nossa).
Linders (2012) apresenta uma tipologia dos relacionamentos entre cidadãos e governos
facilitados pelas TICs a partir de revisão da literatura que envolve as coproduções com os
cidadãos, governança colaborativa, parcerias público-privada, ações coletivas, dentre outras. O
resultado deste trabalho foi o agrupamento destes tipos de participação em três categorias:
A participação cidadã nos assuntos públicos é resultado de governos participativos, isto é, que
promovem o direto dos cidadãos de participar ativamente na formulação de políticas públicas
além de contribuir com a administração pública com conhecimento, ideias e experiências. Os
governos devem mobilizar a sociedade para que participação e contribuição ao
desenvolvimento de uma governança mais responsiva (CRUZ-RUBIO, 2015; RAMÍREZ-
ALUJAS, 2012).
Arnstein, citado por Calderón (2012, p. 34) define que a participação cidadã se constitui em um
elemento de redistribuição do poder. Assim, além do começo e do final do processo político o
cidadão pode-se constituir no próprio poder.
Uma referência frequente e que, possivelmente, marca um dos momentos iniciais do movimento
de dados abertos foi um encontro realizado em Sebastopol, Califórnia, em dezembro de 2007.
O objetivo do encontro foi debater e desenvolver o entendimento de por que os dados abertos
são essenciais. Para os pesquisadores, pensadores e ativistas participantes22 do encontro
a internet é o espaço público do mundo moderno e, por meio dele, os governos tem a
oportunidade de melhor entender as necessidades de seus cidadãos e os cidadãos
podem participar de forma mais completa em seus governos. A informação torna-se
um bem mais valorizado quando é compartilhada e menos valiosa quando é guardada.
Os dados abertos promovem mais debate cívico, melhor bem-estar público e um uso
mais inteligente dos recursos públicos. (TAUBERER, 2017) (Tradução nossa)
22
O encontro realizado nos dias 7 e 8 de dezembro de 2007 reuniu cerca de 30 participantes que são oriundos,
principalmente, de movimentos culturais e de software livre. Dentre eles podem ser citados Tim O'Reilly e
Lawrence Lessig. O'Reilly, autor e editor americano, é o criador de muitos movimentos de vanguarda na
computação e na Internet, como exemplos a definição e popularização de expressões como o código aberto e Web
2.0. Lawrence Lessig é professor de Direito da Universidade de Stanford (Califórnia) e fundador da Creative
Commons, padrão de licenças com base na ideia de copyleft e divulgação gratuita de conhecimento. (CHIGNARD,
2013)
97
− Completos - Todos os dados públicos são disponibilizados. Dados públicos são dados
que não se submetem a limitações válidas de privacidade, de segurança ou de privilégio;
− Primários - Os dados são coletados na sua fonte, com o maior nível possível de
granularidade, não estando em formas agregadas ou modificadas;
− Atualizados - Os dados são disponibilizados tão rápido quanto seja necessário para
preservar seu valor;
− Acessíveis - Os dados estão disponíveis para o maior escopo possível de usuários e para
o maior escopo possível de finalidades;
− Livres de licenças - Os dados não estão sujeitos a nenhuma forma de direito autoral,
patente, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições razoáveis de
privacidade, de segurança e de privilégio podem ser permitidas.
A este conjunto inicial outros 7 princípios foram acrescentados pela observação do trabalho
realizado por diversas organizações (TAUBERER, 2017):
− Dados abertos por padrão – Toda informação pública é considerada apta a ser
disponibilizada a menos que instrumentos legais digam especificamente o contrário;
a. Se o dado não pode ser encontrado e indexado na web, ele não existe. Encontrar
dados abertos unicamente pelo acesso aos portais especializados não é suficiente.
Deve ser possível encontrar dados por meio de ferramentas de buscas na internet
como o Google23 e o Bing24, por exemplo.
b. Se não estiver aberto e disponível em formato compreensível por máquina, ele não
pode ser reaproveitado. Dados abertos são, necessariamente, processados por meio
de programas de computador. Assim devem estar dispostos de forma estruturada e
suas especificações e documentações também deverão ser livremente acessadas.
23
O Google é o site de pesquisa na internet mais utilizado no mundo. É desenvolvido pela empresa de mesmo
nome.
24
O Bing é um site de pesquisa na internet desenvolvido pela Microsoft.
99
c. Se algum dispositivo legal não permitir sua replicação, ele não é útil. Os dados
devem estar sob licença aberta ou não proprietária, do contrário os resultados de seu
processamento não poderão ser compartilhados.
Para Garcia (2014) a simples disponibilização de dados pode não provocar uma melhora
instantânea na gestão pública. O autor faz algumas observações sobre a abertura de dados e
considera importante:
− Independência – As opiniões dos indivíduos não devem ser afetadas pelas opiniões dos
demais;
Um segundo conjunto de princípios foi estabelecido a partir de julho de 2013. Nesta ocasião os
líderes do G825 assinaram a Carta de Dados Abertos do G8 a qual continha uma ideia inicial de
cinco princípios de dados abertos fundamentais. A estes países se somaram outros tantos de
forma que, acompanhados de um grupo de organizações e especialistas, expandiram a proposta
inicial estabelecendo então 6 princípios gerais sobre a abertura de dados governamentais
(OPEN DATA CHARTER, 2020).
− Abertos por padrão. Esta é uma mudança concreta na forma como os governos atuam e
como se relacionam com os cidadãos. Dados abertos por padrão (Open By Default)
significa uma presunção de publicação para todos. Inverte-se todo o processo com a
necessidade de justificativas para dados mantidos fechados, por exemplo, por razões de
segurança ou proteção de dados.
− Oportunos e abrangentes. Dados abertos só são úteis e capazes de gerar valor se forem
relevantes. Tão importante quanto o fornecimento de dados em sua forma original e não
modificados, ou tratados, a obtenção de informações atualizadas rapidamente e de forma
abrangente é fundamental para seu real aproveitamento.
− Acessíveis e utilizáveis. Os dados devem ser facilmente localizáveis e aptos para leitura,
e processamento por máquinas além, é claro, de estarem sob licenças que permitam sua
reutilização.
25
A sigla G-8 corresponde ao grupo dos 8 países mais ricos e influentes do mundo. Fazem parte os Estados Unidos,
Japão, Alemanha, Canadá, França, Itália, Reino Unido e Rússia
101
− Contribuir para uma melhor governança e engajamento dos cidadãos. Os dados abertos
podem permitir que os cidadãos, e mesmo os integrantes dos governos, tenham uma
ideia melhor do que funcionários públicos e políticos estão fazendo.
Esta lista de princípios, combinados, pode de acordo com os membros do Open Data Charter
estimular a transparência pública, responsabilizando os governos e melhorando os serviços
públicos. Pode contribuir, também, para o desenvolvimento econômico inclusivo e inovações,
por meio de empreendimentos que sejam rentabilizados pelas suas atividades envolvendo dados
abertos (OPEN DATA CHARTER, 2020).
A exemplo das ações envolvendo a transparência pública os entes públicos têm, na maior parte
dos casos, disponibilizado dados abertos por meio de portais específicos na internet. Em alguns
casos, quando da não existência de um portal de dados abertos, empregam o portal da
transparência ou seu portal principal para tal função (FGV, 2015). Uma observação que pode
ser feita em tais situações é a de que a localização e o entendimento sobre os dados
disponibilizados podem ser, à primeira vista, mais complexos.
O Brasil iniciou a criação de um portal de dados abertos26 a partir do ano de 2012. Diversas
unidades da federação também possuem o seu portal como é o caso do Estado do Rio Grande
do Sul. O portal funciona como um grande catálogo que facilita a busca e uso de dados
publicados pelos órgãos do governo. Deste modo o portal apenas indexa os conjuntos de dados
disponíveis, centralizando as buscas, e remete para o endereço do órgão que o disponibiliza. No
caso do Governo Brasileiro o portal faz parte da chamada Infraestrutura Nacional de Dados
Abertos instituída pela Instrução Normativa Nº 4 de 12 de abril de 2012 a qual contempla “um
conjunto de padrões, tecnologias, procedimentos e mecanismos de controle necessários para
atender às condições de disseminação e compartilhamento de dados e informações públicas no
modelo de Dados Abertos” (MPOG, 2012). O portal mantém ainda, em formato wiki27, um
conjunto de informações e orientações sobre os conceitos envolvidos28.
26
http://dados.gov.br/
27
Os sites Wiki adotaram este nome a partir de um dos primeiros sites da internet denominado de WikiWikiWeb
cujas iniciais são idênticas à World Wide Web (WWW) e também a partir da palavra Havaiana Wiki que significa
rápido.
28
http://wiki.dados.gov.br/
103
A publicação de dados abertos deve, evidentemente, estar atenta e alinhada às leis e princípios
estabelecidos, além da legislação específica à qual o ente público está submetido. No caso
brasileiro, no âmbito do Governo Federal, a Cartilha Técnica para Publicação de Dados Abertos
(MPOG, 2011) publicada pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)
apresenta uma lista de elementos que devem ser respeitados e/ou observados na publicação de
dados abertos:
1. Os dados devem estar em seu formato mais bruto possível, ou seja, antes de qualquer
cruzamento ou agregação. Mesmo que o órgão ou entidade ache importante e já tenha
publicado alguma visão de agregação desses dados, existe grande valor no dado
desagregado. Dessa forma o órgão ou entidade pode publicar esses dados nas duas
formas;
2. Os dados devem estar em formato aberto, não proprietário, estável e de amplo uso;
3. Não deve existir nenhum instrumento jurídico que impeça sua reutilização e
redistribuição por qualquer parte da sociedade;
4. Para os dados que são estruturados ou estão em planilhas na sua fonte, deve-se preservar
ao máximo a estrutura original;
29
URL é uma sigla correspondente a Uniform Resource Locator ou Localizador Uniforme de Recursos. Um URL
identifica um endereço na rede (por exemplo a internet) no qual se localiza algum recurso de informática.
104
9. Considerando que é desejável facilitar a indexação dos dados por motores de busca, uma
importante forma do cidadão encontrar os dados que procura, é recomendável que os
nomes dos arquivos sigam as boas práticas de formação de um slug30;
10. Cada conjunto de dados deve ter informações sobre seus dados e metadados. Deve ser
possível recuperar o significado dos dados;
11. Para conjunto de dados muito grandes, recomenda-se a divisão em conjuntos menores,
permitindo uma fácil manipulação. Recomenda-se fazer a divisão pela dimensão
temporal (ano ou mês), pela dimensão geográfica (estado ou município), ou por outra
dimensão;
12. É desejável que o repositório dos dados possibilite a composição de filtros dentro da
URL, seguindo algum padrão de API31, permitindo que o usuário restrinja o volume dos
dados para aqueles que ele deseja.
30
Slug é parte de um URL que pode ser legível tanto por humanos quanto por computadores, no caso, mecanismos
de buscas. URLs com estas características são denominados de URLs amigáveis.
31
É a sigla para Application Programming Interface. É um conjunto de rotinas e padrões de programação para
acesso a aplicativos de software ou plataforma baseada na web.
105
Um recurso, ou fonte de dados, está associado à forma de acesso aos dados disponibilizados.
Em parte dos portais observados estão disponíveis API’s32, ou webservices33, que podem ser
usados pelos aplicativos que consomem estes dados, para acesso direto às bases onde os dados
estão armazenados. Estes aplicativos, via de regra, apresentam informações em tempo real e
com maior nível de atualização dos dados.
De outro modo a quase totalidade dos portais de dados abertos oferecem seus dados sob forma
de arquivos a serem baixados pela internet. Estes arquivos podem estar em formatos
compatíveis com aplicativos normalmente utilizados, tal como as planilhas eletrônicas, ou em
outros formatos que necessitarão do desenvolvimento de programas específicos para o seu
tratamento.
Um exemplo que não atende aos requisitos estabelecidos são os arquivos em formato PDF34.
Dentre as suas finalidades não está a possibilidade (pelo menos de forma simples e eficiente)
de ser acessado por um programa de computador qualquer de forma que os dados nele
armazenados possam ser extraídos e novos resultados e informações sejam produzidos. Em
outras situações o desenvolvimento de um programa de computador que acesse e extraia dados
de uma planilha eletrônica EXCEL, por exemplo, é totalmente viável e razoavelmente simples.
Este formato, entretanto, é proprietário e exige pagamento de licenças para sua utilização, o que
também implica em quebra dos requisitos fundamentais. Por outro lado, uma planilha
EXCEL35, ou algum outro software semelhante como por exemplo o Libreoffice CALC36, ou
ainda um Sistema Gerenciador de Banco de Dados (usados nos sistemas informatizados das
organizações) podem estruturar e exportar dados em formatos abertos como XML (eXtensible
Markup Language), JSON (JavaScript Object Notation) e CSV (Comma Separated Values), ou
32
API – Application Programming Interface corresponde a um conjunto de rotinas e padrões para acesso a
aplicativos ou plataformas baseadas na internet.
33
Webservices – conjunto de métodos invocados por programas de computador utilizando a tecnologia web. São
usados para transferência de dados permitindo a integração entre sistemas e compatibilidade de aplicações.
34
PDF (Portable Document Format) é um formato de arquivo desenvolvido pela Adobe e com padrões mantidos
pela International Organization of Standardization (ISO). É empregado para exibir e compartilhar documentos de
forma independente do software que os criou.
35
EXCEL – Planilha eletrônica desenvolvida pela Microsoft
36
O LibreOffice CALC – Planilha eletrônica de uso livre o código aberto desenvolvido pela The Document
Foundation, organização sem fins lucrativos. Disponível em https://www.libreoffice.org/
106
ainda API’s (Application Programming Interface) podem ser disponibilizadas de forma que
programas desenvolvidos pelos cidadãos possam ter acesso aos dados governamentais.
Estes diversos formatos para estruturação de dados abertos podem ser melhor compreendidos
por meio de um exemplo hipotético. A figura nº 10 apresenta um relatório extraído de um
conjunto de dados fictícios de uma instituição qualquer.
O aplicativo que produziu este relatório pode ter obtido os dados sob diferentes formas. Um
primeiro modelo é a estruturação destes dados em formato XML que é derivada de um formato
padrão antigo, denominado de SGML37, e que também deu origem ao HTML38. É totalmente
baseado em texto e tem como objetivo fundamental a simplicidade e expansibilidade para a
representação de informações estruturadas. O XML é um dos formatos mais utilizados para o
compartilhamento de informações estruturadas hoje entre programas e entre computadores,
tanto localmente quanto na internet. (W3C, 2019) A figura nº 11 mostra uma possível
estruturação em XML dos dados apresentados no relatório da figura nº 10.
37
SGML consiste na Linguagem de Marcação Generalizada Padrão (em inglês Standard Generalized Markup
Language) e foi definida pela norma ISO8879. É uma linguagem para definir linguagens de marcação cujo
principal exemplo e a linguagem HTML.
38
HTML (HyperText Markup Language) é uma linguagem de marcação, derivada do padrão SGML, e sobre a
qual são construídos os sites na internet.
107
Os arquivos em formato CSV são mais antigos e também foram projetados para troca de dados
entre aplicações distintas. Sua estrutura segue um formato sequencial, linear e sem o emprego
de qualquer tipo de marcador. Cada linha do arquivo corresponde a um registro e, dentro desta,
as colunas são separadas por um carácter qualquer. Normalmente são empregados os caracteres
ponto e vírgula (;), vírgula (,) ou a marca de tabulação (obtida pela tecla TAB do teclado). São
muito úteis para grandes quantidades de dados, mas, devido à sua estruturação, são de difícil
legibilidade por seres humanos e qualquer omissão ou equívoco em uma linha pode impedir a
correta interpretação da mesma. (FERNANDES; CORDEIRO, 2016) A figura nº 12 mostra
uma possível estruturação em formato CSV, usando o ponto e vírgula como separador, dos
dados apresentados no relatório da figura nº 10.
O formato JSON compreende, também, uma formatação de arquivos para troca de dados entre
aplicativos, principalmente na internet. Apresenta muitas semelhanças com o formato XML,
mas sua notação é diferente. Sua principal vantagem reside no fato de que o tamanho dos
108
arquivos gerados é menor em relação aos arquivos XML pois seus marcadores são mais
simples. (FERNANDES; CORDEIRO, 2016) A figura nº 13 mostra uma possível estruturação
em formato JSON dos dados apresentados no relatório da figura nº 10.
Diferentemente dos modelos anteriores, uma API constitui uma forma de comunicação direta e
on-line entre duas aplicações computacionais. De outra forma uma API pressupõe a
disponibilidade de um conjunto de rotinas e padrões estabelecidos por um software para a
utilização das suas funcionalidades por outros softwares. Este conceito, assim, é simplesmente
uma forma de comunicação entre sistemas. Elas permitem a integração entre dois aplicativos,
em que um deles fornece informações e serviços que podem ser utilizados pelo outro, sem a
necessidade de o software que consome a API conhecer detalhes de implementação do software
que fornece os dados. (FERNANDES; CORDEIRO, 2016)
O Governo Basco especifica em seu portal de dados abertos (IREKIA, 2010) que
a informação, da mesma forma que outros insumos ou matérias primas, é um bem que
é necessário processar, em torno do qual se pode criar valor econômico e de cuja
escassez se derivam relações assimétricas de poder. (Tradução nossa).
Davies (2010), por sua vez, complementa dizendo que os dados não são apenas para
desenvolvedores pois qualquer cidadão, com qualquer software que lhe for familiar e adequado
aos objetivos propostos, pode produzir relatórios ou analisar os dados para tomada de decisão.
Para Davies, ainda, os dados abertos provocam mudanças no papel dos atores cívicos ao
109
O percurso dos dados governamentais abertos, desde a sua disponibilização até a sua efetiva
apropriação, tanto pela sociedade quanto pelo próprio governo, constitui uma verdadeira cadeia
de valor, com benefícios monetários e econômicos e, principalmente, sociais e de melhorias na
governança dos entes públicos. No primeiro caso porque permitem a geração de renda por meio
da comercialização das análises, resultados e aplicativos desenvolvidos com e para os dados
governamentais, o que não infringe nenhum conceito ou princípio em relação aos dados
governamentais abertos. No aspecto social uma suposição é que contribuem para um auto
empoderamento do cidadão, resultando em um maior engajamento e participação cidadão nos
assuntos públicos. Na área governamental, finalmente, são muitos os benefícios que podem
advir pelo caminho da disponibilização de dados governamentais abertos. O tratamento dos
dados abertos, não apenas pelo próprio governo, pode proporcionar informações distintas
daquelas costumeiramente empregadas como também contribuir para uma nova geração de
servidores públicos além de fomentar a colaboração entre setores distintos do governo
(UBALDI, 2013).
Esta cadeia de valor tem como ponto significativo o processo pelo qual os Dados
Governamentais Abertos são manipulados e processados pela comunidade de usuários. Este
processamento, por um lado, pode ser realizado por meio de aplicativos computacionais de uso
generalizado e já existentes como por exemplo os softwares estatísticos e as planilhas
eletrônicas. Estas situações normalmente buscam responder a questões específicas, em
trabalhos acadêmicos ou de pesquisa, de cidadãos, pesquisadores ou de organizações civis. Os
resultados destas pesquisas, certamente, constituirão relatórios e documentos que serão
apresentados à sociedade podendo contribuir, desta forma, com a melhoria dos processos de
transparência pública ao complementar as informações já disponibilizadas pelos governos.
A forma como estes aplicativos são apresentados depende do ambiente operacional onde serão
executados. O maior número deles são direcionados aos smartphones, independente de seus
sistemas operacionais, pois atingem um maior contingente de usuários devido à facilidade de
acesso a estes dispositivos. Outra modalidade refere-se à disponibilização de sites na internet
onde, com uma linguagem visual mais aprimorada, permitem maior interatividade e facilidade
de leitura das informações apresentadas. Uma terceira alternativa são os programas para
computadores tradicionais e que, devido às características destes equipamentos, representam
uma parcela muito pequena dos aplicativos disponíveis.
Os Dados Governamentais Abertos podem ser usados para muitas finalidades. Davies
(DAVIES, 2010), ao analisar o portal de dados abertos do Governo da Austrália, apresenta
cinco diferentes processos pelos quais estes dados podem ser submetidos quando obtidos pela
sociedade. Estes processos e os elementos que os constituem, são:
− Dados para fatos – Processos podem pesquisar, navegar e extrair elementos referentes
a fatos específicos;
Uma terceira forma de criação de valor a partir dos dados abertos dá-se por meio da geração de
alianças entre o governo e os atores externos para a geração de ideias e implementação de
soluções, geralmente materializadas em novos organismos do tipo laboratórios de inovação.
Um exemplo com estas características são os eventos do tipo hackathon ou maratonas de
programação.
39
Palavra inglesa empregada com o significado de contribuição colaborativa ou colaboração coletiva.
112
Os diversos níveis de governo (nacional, estadual ou municipal), em grande parte dos países,
desenvolvem ações que lhes concedem transparência em seus atos e, em não tão grande parte
assim, mantém portais específicos para disponibilização de dados abertos. É relativamente
simples obter informações sobre a abrangência e qualidade dos portais relacionados aos
governos regionais e federais, como apresentado na introdução deste trabalho. Para a esfera
local, entretanto, a obtenção de informações estatísticas representa um alto grau de dificuldade.
O número de municipalidades no mundo é um fator que explica tal insucesso. Um segundo
fator é constatação de que não existe uma associação à filosofia de Dados Governamentais
Abertos de forma ampla pelos municípios de qualquer país do mundo.
O barômetro foi produzido, pela primeira vez, no ano de 2013. Outras edições seguiram-se nos
anos de 2015, 2016, 2017 e 2018. A metodologia, com algumas modificações ao longo do
período, considera a avaliação de especialistas, e também dos próprios governos, sobre o
contexto de dados abertos, sua política, implementação e impacto, além da verificação
detalhada sobre a disponibilidade, formato, licenciamento, descoberta e atualidade de 15
diferentes tipos de dados. (WORLD WIDE WEB FOUNDATION, 2017, 2018)
A quarta edição foi publicada em 2016 e envolveu 115 países. A figura nº 14 exibe o mapa onde
estes países são mostrados com distinção de cores que correspondem ao índice obtido por cada
nação. Mais significativo, contudo, que um eventual ranqueamento das nações participantes é
a ausência de índices para um número significativo de países. Isto não significa necessariamente
que estes governos não ofereçam Dados Governamentais Abertos, mas que eventualmente, não
estabeleçam políticas que incentivem tal disponibilização.
A quinta edição do indicador, publicada no ano de 2018, denominada de “Edição dos líderes”,
apresenta apenas um conjunto de trinta países. Os resultados, e os países, são divididos em três
grupos. Em um grupo superior estão Canadá, Reino Unido, Austrália, França, Coreia do Sul,
México, Japão e Nova Zelândia. Em um nível intermediário estão Estados Unidos, Alemanha,
Uruguai, Colômbia, Rússia, Brasil, Itália, Índia, Argentina, Ucrânia e Filipinas. No último
grupo estão Chile, Indonésia, África do Sul, Paraguai, China, Costa Rica, Turquia, Panamá,
Guatemala, Arábia Saudita e Serra Leoa. Estas nações, ainda, têm apresentado uma maior
evolução em seus resultados quando comparadas com os demais 85 países avaliados em edições
anteriores (WORLD WIDE WEB FOUNDATION, 2018). O estudo mostra, adicionalmente, a
evolução dos países. Àqueles que obtiveram maiores avanços, ao longo dos 5 anos, estão
dispostos no gráfico da figura nº 15.
Fonte: Barômetro Open Data – Edição dos Líderes (WORLD WIDE WEB FOUNDATION, 2018)
No outro extremo encontram-se alguns países que, se não diminuíram os índices de avaliação
obtidos, permaneceram estagnados durante as cinco edições da pesquisa. A figura nº 16
apresenta estes países e as avaliações obtidas. Sobre o Reino Unido verifica-se o fato de que
seu índice em 2018, embora tenha diminuído em relação à 2013, permanece em nível superior
a todos os países apresentados no gráfico da figura nº 15. Sobre os Estados Unidos da América,
além de uma explicação muito próxima à atribuída ao Reino Unido, pesam algumas ações
adotadas pelo governo Trump40 as quais provocaram algumas alterações no relacionamento
envolvendo Dados Governamentais Abertos.
40
Em 2017, quando do início do governo Trump, o site open.whitehouse.gov foi modificado por questões de
segurança. (EAVES; MCGUIRE; CARSON, 2019)
116
Fonte: Barômetro Open Data – Edição dos Líderes (WORLD WIDE WEB FOUNDATION, 2018)
O Brasil situa-se no grupo dos países que exibiram algum nível de progresso pois, entre a
primeira e a última edição do Barômetro Open Data, apresentou uma diferença positiva em seus
indicadores. Na primeira edição, em 2013, o Brasil obteve 35 pontos contra 50 recebidos na
edição de 2017. Apesar desta evolução os resultados intermediários não se mostram tão
animadores visto que em 2014 a avaliação foi de 46 pontos, em 2015 de 52 e em 2016
regredindo para 47 pontos. Esta oscilação, entretanto, é característica de um grande número de
países (WORLD WIDE WEB FOUNDATION, 2017).
Outra instituição que acompanha a evolução dos países é a Open Knowledge International. O
Global Open Data Index é um índice que mede o grau de abertura de 15 conjuntos de dados41
comparando-os com o disposto na definição de dados abertos (OPEN KNOWLEDGE
INTERNATIONAL, 2017b). A edição de 2016 avaliou 94 governos nacionais sendo que
Taiwan, Austrália, Reino Unido, França, Finlândia, Canadá, Noruega e Brasil ocupam as 8
primeiras posições. Um fato a destacar é que, destes países, Taiwan, Finlândia e Noruega sequer
constam da relação produzida pelo Barômetro Open Data. Isto mostra, por um lado, as
diferentes metodologias empregadas pelas instituições, mas também, as dificuldades e o estado
embrionário em que se encontram, tanto os processos de avaliação quanto a disponibilização,
pelos governos, de dados abertos.
41
Estes conjuntos de dados estão relacionados ao orçamento do governo, estatísticas nacionais, compras e
licitações, leis nacionais, limites administrativos, projetos de legislação, qualidade do ar, mapas nacionais, previsão
do tempo, registros de empresas, resultados das eleições, localização, qualidade da água, gastos do governo e
propriedade da terra. (OPEN KNOWLEDGE INTERNATIONAL, 2017b)
117
Os países do mundo, mesmo aqueles em que seu tamanho geográfico não é significativo,
estabeleceram, ao longo de suas histórias, subdivisões territoriais como forma de descentralizar
e simplificar a administração das coisas públicas (MILL, 1981). Nas democracias isto é
particularmente significativo pois estende, para todos os níveis de governo, as possibilidades
de escolha de seus representantes e do envolvimento e participação dos cidadãos. Bobbio, sobre
a visibilidade e proximidade dos governos, acrescenta:
(2016) “um governo subnacional é uma entidade descentralizada eleita através de sufrágio e
que possuí responsabilidades gerais e alguma autonomia no que diz respeito ao orçamento,
pessoal e bens”. Em 100 destes países42, de acordo com a pesquisa para o ano de 2015, foram
encontrados um total de 271.923 governos subnacionais, dos quais 257.428 correspondem ao
nível municipal. Estes números, ainda que parciais, evidenciam outras dificuldades em estudos
relacionados à implementação de serviços, recursos ou políticas públicas nos municípios. Deste
modo as diversas instituições que acompanham o estado e a evolução do oferecimento de dados
abertos, principalmente, geralmente o fazem a nível nacional, estadual ou das capitais regionais.
Muitas das atividades realizadas e controladas pelos municípios produzem dados semelhantes
aos governos estaduais e nacionais. É o caso, por exemplo, do orçamento e sua execução, os
servidores públicos e suas remunerações, dentre outros. Outras iniciativas locais, ao contrário,
geram dados somente existentes ao nível local. O planejamento urbano, na solução de
problemas de trânsito e deslocamento de pessoas, é um exemplo típico desta situação. Dados
abertos, desta forma, não apenas podem contribuir para uma maior transparência públicas como
também oferecer benefícios adicionais aos habitantes das cidades conduzindo para uma melhor
qualidade de vida. (CARRARA et al., 2016)
42
Os números relativos à Índia, em função de suas magnitudes, foram desconsiderados. Este país apresenta um
total de 250.706 governos subnacionais dos quais 250.671 correspondem aos municípios.
43
O Portal Europeu de Dados Abertos reúne os metadados das informações do setor público disponíveis em portais
de dados públicos em todos os países europeus. As informações relativas ao fornecimento de dados e aos benefícios
da reutilização de dados também estão incluídas. Pode ser acessado em https://www.europeandataportal.eu/
119
Uma característica em comum, embora básica, é que todas estas cidades possuem um portal de
dados abertos. Estes portais, além de publicarem os dados disponíveis, também são utilizados
para divulgação de notícias e eventos e para o relacionamento com os usuários. Estes eventos,
tanto locais quanto nacionais ou internacionais, são organizados para o envolvimento e
conscientização dos usuários, principalmente as universidades e os universitários, bem como o
desenvolvimento de aplicativos que reutilizem os dados disponíveis. (BERENDS; CARRARA;
VOLLERS, 2017; CARRARA et al., 2016)
As iniciativas de dados abertos nos municípios são muitas vezes parte ou vinculadas a
estratégias mais amplas de cidades digitais ou inteligentes. A cidade de Tessalônica, por
exemplo, implantou postes de iluminação equipados com sensores, os quais fornecem dados
sobre as condições de tráfego e, também, ambientais. Estas tecnologias, relacionas à internet
das coisas (IoT), resultam em uma grande quantidade de dados úteis que podem ser usados para
melhorar a qualidade de vida na cidade e assim impulsionar a disponibilização de dados por
parte do poder público. O gerenciamento de dados precisa ser robusto e focado em estimular a
reutilização desses dados para aproveitar o valor que se encontra dentro deles. (BERENDS;
CARRARA; VOLLERS, 2017; CARRARA et al., 2016)
O Open Data Census, produzido pela Open Knowledge Foundation, apresenta um panorama
referente a cidades da América do Norte. No México, baseado em dados de 2016, são listadas
16 cidades. As melhores avaliações são atribuídas a Monterrey, San Nicolas, Guadalajara, o
Distrito Federal e Puebla. No Canadá são 65 cidades embora o estudo não estabeleça o
ranqueamento entre elas. Nos Estados Unidos da América, com dados do ano de 2018 e ainda
120
Outro trabalho, mais recente, desenvolvido por David Eaves, Ben McGuire e Audrey Carson,
avalia o período de 10 anos desde as primeiras publicações de Dados Governamentais Abertos
nos Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia. Os autores destacam que, após um
período inicial onde diversas cidades como Washington (2007), Vancouver (2009), São
Francisco (2009), Nova York (2012) e Chicago (2012) passaram a oferecer dados sob formatos
abertos, e de muitas outras cidades que as seguiram, o estado atual demonstra uma certa
estagnação do seu desenvolvimento. (EAVES; MCGUIRE; CARSON, 2019)
Para Eaves, Mcguire e Carson (2019) o progresso não acompanhou as expectativas iniciais mas,
por outro lado, muitos casos de sucesso foram constatados. Os atores da sociedade entrevistados
para o trabalho citado acima concordam que a adoção de Dados Governamentais Abertos tem
se espalhado gradualmente, embora de forma irregular, e que alguns benefícios, como por
exemplo uma maior transparência governamental e uma maior eficiência administrativa, foram
produzidos.
Existem algumas referências em relação a municípios na América Latina que possuem ou para
o qual existe alguma intenção ou proposição envolvendo abertura de dados (BONINA, 2015;
DÍAZ et al., 2019; FERNÁNDEZ-RUIZ et al., 2011; GÓMEZ, 2015; HERRERA CÁCERES,
2017; NASER; ROSALES, 2016; OPEN KNOWLEDGE INTERNATIONAL, 2017c;
PALUMBO, 2014; PATIÑO, 2014; VÁZQUEZ; ZAMORANO, 2017).
121
O trabalho de Nasser e Rosales (2016) apresenta o cenário nos países da América Latina e
Caribe. Relaciona, por um lado, um conjunto de nações onde algumas cidades participam do
movimento para Dados Governamentais Abertos. É o caso da Argentina, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Equador, Guatemala, México, Peru e Uruguai. Em alguns casos são,
principalmente, as capitais e grandes cidades. Em outros há uma relação maior de municípios.
Já em outros países, como a Bolívia, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai e
República Dominicana, nenhuma municipalidade foi identificada como integrante deste
movimento.
O Open Data Census apresenta uma segunda visão sobre alguns destes países. Na Argentina,
com informações de 2017, são listados 37 municípios onde se destacam, de acordo com o
estudo, a capital Buenos Aires e as cidades de Córdoba, Rio Segundo e Bahia Blanca. No
Equador são apresentadas, além da capital Quito, os municípios de Cuenca, Guayaquil, Loja e
Milagro. No Uruguai, por fim, com dados de 2016, 19 localidades são mostradas, com ênfase
para Montevideo, a capital do país. (OPEN KNOWLEDGE INTERNATIONAL, 2017c)
O Brasil conta atualmente com 5.570 municípios. Segundo as estimativas populacionais para
o ano de 2019 (IBGE, 2019), quase a metade dos municípios (44,02%) tem menos de 10.000
habitantes. Cigolini e Cachatori (2012) e Magalhães (2007) ao abordarem o processo de criação
de municípios nos últimos trinta anos, mostram que grande parte destes pequenos municípios
são resultado da divisão de outros municípios, também com pequeno número de habitantes.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério Público Federal (2016), nos anos de 2015 e 2016,
identificou portais da transparência em 5.568 prefeituras municipais o que, praticamente,
equivale ao total de municípios existente no Brasil. Sob este ângulo a Lei Complementar
122
Os portais municipais da transparência têm sido estudados sob diversas óticas. Uma delas,
talvez a que predomine entre as demais, é essencialmente quantitativa sendo que as
metodologias empregadas conduzem à construção de índices de transparência e às categorias
onde estes índices se enquadram. Exemplos deste viés são à Escala Brasil Transparente (CGU,
2018), da Controladoria Geral da União, e o Ranking Nacional da Transparência
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2016), produzido pelo Ministério Público Federal. Estas
pesquisas, entretanto, procuram basicamente verificar o cumprimento da legislação e o
atendimento a questões eminentemente técnicas. Assim podem-se visualizar relatórios e artigos
enaltecendo os excelentes índices obtidos pelos entes públicos.
Os resultados destas pesquisas são, na maioria dos casos, coincidentes. Existem dificuldades de
localização e navegação. Além dos fatores tecnológicos associados às buscas nos portais da
transparência somam-se como dificuldades relacionadas à linguagem e termos empregados nos
portais. Somente estão familiarizados àqueles que, ou trabalham em áreas afins, ou os
123
O Brasil iniciou a criação de um portal de dados abertos a partir do ano de 2012. O portal
(BRASIL, 2019) funciona como um grande catálogo que facilita a busca e uso de dados
publicados pelos órgãos do governo. O portal indexa os conjuntos de dados disponíveis,
centralizando as buscas, e remete para o endereço do órgão que o disponibiliza. No caso do
governo brasileiro o portal faz parte da chamada Infraestrutura Nacional de Dados Abertos,
instituída pela Instrução Normativa nº 4 de 12 de abril de 2012, a qual contempla “um conjunto
de padrões, tecnologias, procedimentos e mecanismos de controle necessários para atender às
condições de disseminação e compartilhamento de dados e informações públicas no modelo de
Dados Abertos” (MPOG, 2012).
O portal apresenta, atualmente, 7.226 conjuntos de dados, oferecidos por 169 órgãos e
instituições ligados tanto ao poder público federal quanto aos demais níveis e esferas de
governos. O Banco Central do Brasil, com 3.104 conjuntos, está no topo desta relação, com
uma distância muito grande dos demais. Estes conjuntos estão distribuídos, pelo menos, em 20
grupos distintos sendo governo e política, saúde, educação, agricultura, economia e Finanças e
meio ambiente os mais populares. O portal oferece, ainda, 32 aplicativos que atuam sobre
alguns dos dados disponíveis no portal sendo a maior parte oferecida pela Câmara dos
Deputados (10), Ministério do Planejamento (6), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (4) e Ministério da Saúde (3). (BRASIL, 2019)
O cenário nos demais níveis de governo, pelo menos no poder executivo, não é muito promissor.
Uma busca, realizada a partir dos portais principais e dos portais da transparência, abrangendo
o Distrito Federal, os estados e suas capitais, na tentativa de localização do respectivo portal de
124
dados abertos ou, até mesmo, da simples disponibilização de dados abertos, mostra que
praticamente a metade destas unidades federativas não disponibilizam dados abertos, conforme
ilustrado na tabela nº 2.
Uma informação complementar aos dados apresentados na tabela é o fato de que são
praticamente iguais aos observados pelo autor em novembro de 2018. A única diferença é a
cidade de Macapá, capital do Amapá, que integrou o grupo neste período. Os conjuntos de
dados oferecidos, nestes 27 portais, também permanecem praticamente os mesmos. O estado
do Rio Grande do Sul, por exemplo, passou de 1104 para 1142 conjuntos de dados. Os demais,
de um modo geral, indicam a disponibilidade de um número inferior a uma centena de
conjuntos. Embora não se possa mensurar o número total de conjuntos de dados existentes,
incluindo os não disponibilizados, em cada um destes governos os números apresentados nos
portais são pouco significativos, mesmo naqueles mencionados como destaques.
Algumas das capitais estaduais como Belo Horizonte, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro,
Salvador, São Paulo, mais a capital federal (Brasília) e a cidade de Uberlândia, em Minas
Gerais, fizeram parte de estudo desenvolvido no âmbito da Open Knowledge Brasil, Open
Knowledge International e Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação
Getúlio Vargas (FGV). A pesquisa, executada com a participação de voluntários nestas cidades,
procurou responder à pergunta “como os governos publicam dados abertos?”. Nesta direção
foram avaliadas a existência e a forma como estão disponíveis dados nas categorias de
orçamento público, gastos públicos, compras públicas, resultados eleitorais, registros de
empresas, propriedade da terra, mapas da cidade, limites administrativos, localizações,
estatísticas socioeconômicas, atividade legislativa, leis da cidade, qualidade do ar e da água,
escolas públicas, transporte público e estatísticas de criminalidade. Deve-se salientar que nem
todos estes grupos são de competência exclusiva dos governos municipais, mas foram incluídos
por estarem afeitos às cidades. (RUEDIGER; MAZZOTTE, 2018)
125
Dentre os gargalos apresentados dois tipos sobressaíram: a usabilidade dos dados e o processo
de acesso aos dados, com dificuldades de localização e omissão ou ausência de licenças de que
os dados estejam em domínio público, principalmente nas dimensões propriedade da terra,
registro de empresas, qualidade do ar e qualidade da água. Em relação à usabilidade dos dados,
ou capacidade de transformá-los em informação, os problemas mais comuns foram dados
incompletos, desatualizados, em formatos não abertos e dificuldades gerais de trabalhar com
estes dados. No segundo grupo de problemas estão dados com acesso restrito, dificuldades de
localização, impossibilidade de download da base completa e licença não transparente.
(RUEDIGER; MAZZOTTE, 2018)
Para a cidade de São Paulo, detentora do maior índice, o número de bases de dados que atende
a todos os critérios do Open Data Index não atinge à metade. Em números absolutos apenas
“oito dos 17 datasets avaliados para São Paulo atendem a todos os critérios da metodologia,
mas não necessariamente apresentam todas as características”. (RUEDIGER; MAZZOTTE,
2018, p. 43) Nas demais cidades o raciocínio deve ser similar. Isto mostra, entretanto, que
apesar do pequeno número de conjuntos de dados em avaliação muito ainda falta para que os
princípios estabelecidos sejam atendidos. É o caso da cidade de Natal, por exemplo, onde
somente dois conjuntos de dados foram considerados abertos sendo que nenhum deles foi
fornecido pela administração municipal.
126
Existem poucas evidências de que os demais municípios brasileiros, afora as capitais e outros
com grande número de habitantes, disponibilizem dados abertos. Alguns trabalhos ilustram a
atividade em um ou outro município, geralmente as mesmas capitais estaduais ou aqueles de
grande porte. De qualquer forma o que se observa, naqueles que apresentam dados abertos, são
conjuntos de dados pouco numerosos e com atualização irregular. Estes municípios “estão
seguindo uma tendência mundial (de disponibilização de bases de dados on-line) sem ter
claramente definido o objetivo e a motivação institucional deste movimento” (REIS; ARAÚJO;
SAMPAIO, 2015).
O esforço para disponibilização de dados abertos somente adquire significado uma vez que
estes dados sejam utilizados pelos cidadãos e pela sociedade. Um dos desafios, em primeiro
lugar, é a publicação de dados abertos por parte da administração pública o que somente tem
sentido quando um segundo obstáculo, relacionado ao aproveitamento e consumo destes dados,
é superado. A sociedade, deste modo, precisa ser mobilizada e incentivada a conhecer e
compreender, num primeiro momento, e participar nos processos de reutilização dos Dados
Governamentais Abertos.
O impacto que os dados abertos podem provocar, tanto para a sociedade quanto para o governo,
ocorrem, em uma análise imediata, a partir e ao redor dos aplicativos desenvolvidos e análises
promovidas pelos intermediários de dados. A partir dos aplicativos e análises por que é desta
forma que o cidadão comum pode ser beneficiado e ter acesso diferenciado às informações
governamentais. Ao redor dos aplicativos e análises por que as ações de participação e
colaboração dos intermediários de dados resulta em processos inclusivos de atores, e cidadãos,
que normalmente estão alijados dos processos democráticos.
Berends, Carrara e Vollers (2017) definem três formas pelas quais os impactos produzidos pela
disponibilização e uso dos dados abertos podem ser analisados. Os benefícios das políticas de
dados abertos podem ser significativos nas áreas políticas, sociais ou econômicas. Nas duas
primeiras áreas, políticas e sociais, este impacto pode ser um tanto difícil de ser quantificado.
No aspecto social, por exemplo, o uso de dados abertos contribui para a inclusão de grupos
marginalizados na elaboração de políticas e acesso a novos ou melhores serviços
governamentais.
127
Existem estimativas relacionadas aos impactos no campo econômico. Shaw (2018) relaciona
algumas delas:
− Estima-se que a redução de custos para a administração pública na União Europeia, até
2020, seja da ordem de 1.7 bilhões de Euros.
Pode-se observar que os valores monetários apresentados são significativos. Estes, por si só,
consistem em um incentivo muito grande para uma maior participação e envolvimento,
principalmente, de empreendedores e empresas.
Em nível internacional dois exemplos foram escolhidos para ilustrar, principalmente, o número
de aplicativos, sob quais plataformas operam e sobre quais dados atuam. O primeiro é o portal
de dados abertos da União Europeia. Assim como a maioria dos portais de dados abertos, este
portal relaciona aplicativos, de diversas origens e desenvolvedores e que atuam sobre diversas
fontes de dados. Dos 110 aplicativos apresentados 96 são aplicações que são executadas na
web, 12 são aplicativos para smartphones e 2 são programas para computadores tradicionais.
(EU OPEN DATA PORTAL, 2019)
O mesmo sitio na internet (LINKED DATA CENTER, 2019) exibe, em destaque, 4 destas
aplicações:
129
− Illustreet - Esta aplicação web fornece informações sobre localização de imóveis, para
compra ou aluguel, em qualquer lugar na Inglaterra. A aplicação exibe, sobre um mapa
interativo, as carências, estatísticas criminais, informações sobre educação, meio
ambiente e transporte além de dados censitários relacionados ao local pesquisado. A
página web da aplicação pode ser acessada em https://illustreets.com/.
− CrashMap – O site usa dados coletados pela polícia sobre acidentes de trânsito que
ocorrem em estradas britânicas, compilados em um formato fácil de usar mostrando
cada incidente em um mapa. É o único mapa on-line atualizado do banco de dados de
acidentes do Reino Unido e contém mais de um milhão de incidentes. Pode ser acessado
em https://www.crashmap.co.uk/.
No Brasil, somente uma parte dos 28 portais de dados abertos observados44 apresentam, de
forma complementar, aplicativos desenvolvidos, sejam pelo próprio ente público, sejam por
terceiros. A tabela nº 4 resume estas ocorrências.
44
O portal do Distrito Federal, de 15 Estados Brasileiros e de 11 capitais estaduais, conforme o disposto na tabela
nº 1, além do portal de dados abertos do Governo Federal.
130
O número de aplicações apresentadas na tabela é aquele declarado pelo respectivo portal. Estas
aplicações, eventualmente, podem não estar disponíveis ou, dependendo da forma como sejam
analisadas, não utilizam dados abertos de acordo com os conceitos e princípios estabelecidos.
Das 32 aplicações relacionadas no portal de dados abertos do Governo Federal (BRASIL, 2019)
nem todas acessam, exclusivamente, os dados disponíveis no próprio portal. Por exemplo:
− Para onde foi o meu dinheiro - Aplicativo para smartphones que, a partir do Despesas
diretas do Executivo Federal, demonstra de uma forma gráfica e interativa como
orçamento foi executado, na esfera federal e no estado de São Paulo. Desenvolvido por
terceiros.
− Onde Acontece - Aplicativo para smartphones que, a partir das ocorrências criminais no
estado do Rio Grande do Sul e da malha geométrica dos municípios brasileiros, estimula
a divulgação de dados sobre segurança pública dos estados, município e do país para
45
Este é o número de aplicações declaradas no portal. Existe uma certa dificuldade em classificar as aplicações
listadas neste portal como aplicações que empregam dados abertos.
131
− Siga seu vereador - Aplicativo para web que, a partir das votações dos Vereadores da
Câmara Municipal de São Paulo, o site tem como objetivo criar uma plataforma de linha
do tempo com as ações realizadas pelos atuais vereadores. Desenvolvido por terceiros
em um hackathon.
− Basômetro - O Basômetro é uma ferramenta interativa que permite medir o apoio dos
parlamentares ao governo e acompanhar como eles se posicionaram nas votações
legislativas. Desenvolvido por terceiros em um hackathon.
− SetaBus – O aplicativo para smartphone, que utiliza dados de roteiros culturais, turismo
e lazer, é destinado para aqueles cidadãos que tem dificuldade em saber quais são os
pontos de ônibus que seus ônibus param.
− FreeDA - O aplicativo para smartphone, que utiliza dados de roteiros culturais, turismo
e lazer, contribui com a segurança da mulher em espaços públicos.
Um segundo trabalho foi desenvolvido por Moreira (2015). O autor trabalhou a partir dos
aplicativos disponíveis no portal de dados abertos do Governo Brasileiro. Os números
apresentados no trabalho são praticamente os mesmos observados atualmente o que mostra uma
certa estagnação no desenvolvimento de novas aplicações.
Para um relatório produzido no âmbito da União Europeia, analisando os dados abertos, foram
realizadas entrevistas em profundidade com representantes das equipes encarregadas de dados
abertos nas cidades de Dublin, Florença, Gdansk, Ghent, Helsinque, Lisboa, Tessalônica e
Vilnius. Estas entrevistas apontaram motivos que estes especialistas entendiam como causas
deste vagaroso e irregular avanço. A figura nº 18 exibe gráfico elaborado pelos autores do
trabalho categorizando e ordenando estas barreiras.
133
As dificuldades de ordem técnica foram as mais mencionadas nas respostas das cidades. As
maiores preocupações estão relacionadas à qualidade e atualização dos dados que podem
resultar em conjuntos de dados não corretos e incompletos. Na maioria dos casos os processos
envolvendo disponibilização de dados abertos são realizados manualmente e, deste modo,
sujeitos à qualificação, habilidade e disponibilidade dos servidores encarregados. Um ponto
significativo é a impossibilidade dos atuais sistemas administrativos das administrações
públicas destas localidades não permitirem exportação de dados em formatos abertos e, assim,
tornar este processo automático.
As barreiras de ordem financeiras e políticas foram citadas por poucas cidades. Ao contrário de
outras regiões do mundo, como a América Latina, na Europa há ampla gama de financiamento
tanto a nível nacional como da Comunidade Europeia, para suporte às atividades envolvendo
dados abertos (BERENDS; CARRARA; VOLLERS, 2017).
Algumas razões, na visão dos pesquisadores, podem ser de responsabilidade tanto dos
desenvolvedores quanto dos governos, ou mais especificamente, das agências que coordenam
as atividades envolvendo Dados Governamentais Abertos. O quadro nº 7 resume estes motivos.
As cidades, por seu turno, pouco fizeram para a divulgação destes aplicativos. Basta ver o
exemplo dos portais brasileiros de dados abertos, citados anteriormente, onde um número muito
pequeno apresenta algumas aplicações. As lojas de aplicativos, adicionalmente, não estruturam
suas categorias para a ordenação destes aplicativos dificultando as buscas por parte dos
cidadãos.
O Estado do Rio Grande do Sul conta, atualmente, com 497 municípios. Este número
corresponde a 8,9% dos municípios Brasileiros e, no Brasil, somente os Estados de Minas
gerais, com 853 municípios, e São Paulo, com 645 municípios, suplantam o estado gaúcho
(IBGE, 2018a). O gráfico da figura nº 19 apresenta o número de municípios do Estado do Rio
Grande do Sul agrupados, em função da data de criação, em diversos períodos ao longo de sua
história.
Em 2013, finalmente, a emancipação de Pinto Bandeira cujo processo esteve envolto com
questões judicias durante algum tempo (MUNICÍPIO DE PINTO BANDEIRA, 2017).
Existem, no Estado do Rio Grande do Sul, inúmeras formas pelas quais os municípios podem
ser agrupados regionalmente. Basta citar os critérios de regionalização que podem ser
observados em diferentes Secretárias de Estado como a Secretária de Educação e a Secretaria
da Saúde, com suas coordenadorias e a Secretaria de Planejamento com suas Regiões
Funcionais Programáticas. A estes modelos somam-se os de natureza mais genérica como os
produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e aquele nascido a partir
da organização da Sociedade como os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes).
O IBGE publicou em 2007 o estudo Região de Influência das Cidades onde caracteriza a
hierarquia dos centros urbanos e a delimitação das regiões de influência associadas a cada uma
destas cidades (IBGE, 2007). Este estudo do IBGE tipifica e enquadra os centros urbanos
brasileiros de acordo com a tabela nº 5.
Tabela 5 Regiões de influência das cidades - 2007 - Cidades por nível e subnível no
Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul
Nível Subnível Cidades no Brasil Cidades no Rio Grande
do Sul
Metrópoles Grande metrópole nacional 1 -
Metrópole nacional 2 -
Metrópole 9 1
Capital regional A 11 -
B 20 3
C 39 3
Centro sub-regional A 85 8
B 79 3
Centro de zona A 192 26
B 364 38
Centro local 4473 415
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados em (IBGE, 2007)
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de malhas digitais obtidas em (IBGE, 2015)
O processo inicial de instalação dos Coredes foi concluído em 1996, quanto então existiam 22
conselhos regionais. Uma série de movimentos e ajustes entre os municípios levou, no ano de
2011, aos 28 Coredes atuais (BÜTTENBENDER; SIEDENBERG; ALLEBRANDT, 2011). O
mapa na figura nº 21 exibe estas subdivisões.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de malhas digitais obtidas em (IBGE, 2015)
Sob o ponto de vista dos Coredes a grande maioria insere-se integralmente dento de uma única
região geográfica. Os que fogem a esta regra são o Corede Alto da Serra do Botucaraí,
Campanha, Central, Fronteira Oeste, Sul, Vale do Caí, Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari.
Em cada um destes Coredes, entretanto, a esmagadora maioria dos municípios permanecem
numa mesma região geográfica.
140
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de malhas digitais obtidas em (IBGE, 2015) e estimativas populacionais do
IBGE (2019)
Na menor faixa populacional, até 5.000 habitantes, encontram-se 231 municípios. Distribuem-
se em todas as regiões, mas predominam, de forma muito nítida, na metade superior do Estado.
Podem ser observados, inclusive, diversos grupos de pequenos municípios lado a lado. A
segunda faixa, maiores do que 5.000 e menores que 10.000 habitantes, compreende 99
municípios e apresenta um contexto bastante semelhante, com menor intensidade, entretanto.
As duas faixas seguintes, de acima de 20.000 e 50.000 habitantes, contém municípios em todas
as regiões do Estado. Estes municípios chamam a atenção, sobretudo, na metade sul. Isto é
devido, contudo, à maior área territorial ocupada por estas localidades. Finalmente, na última
categoria, os dois maiores municípios do Estado: Caxias do Sul e Porto Alegre. A tabela nº 7
demonstra esta distribuição populacional nas faixas estabelecidas e nas Regiões Geográficas
Intermediárias.
142
Sob o aspecto territorial é conveniente deslocar o foco para a metade Sul do Estado pois são
nas regiões ali localizadas que se encontram um maior número de grandes municípios. O gráfico
da figura nº 23 apresenta, além da área territorial média em cada região geográfica, o tamanho
dos municípios de acordo com as Regiões Geográficas Intermediárias. O gráfico permite
também um comparativo entre as diferentes regiões.
As regiões se enquadram em dois blocos distintos. Em um lado, aquelas formadas quase que
exclusivamente por municípios com extensão territorial pequena. É o caso das regiões de Caixas
do Sul, Ijuí, Passo Fundo, Porto Alegre e Santa Cruz do Sul – Lajeado. Nestas regiões,
conforme mostram as caixas achatadas no gráfico, não existem grandes diferenças entre os
municípios, apesar da existência de valores atípicos em algumas cidades. Estas mesmas regiões
possuem, ainda, outra característica em comum. As médias aritméticas das áreas municipais,
representadas pelos pontos em vermelho no gráfico, situam-se, quando não no limite superior,
acima do intervalo interquartil.
As três regiões restantes apresentam um comportamento inverso. Seus municípios são maiores,
não apresentam valores fora do normal e suas médias aritméticas encontram-se bastante
próximos à mediana. Observa-se, adicionalmente, que nestas regiões as diferenças entre as
áreas municipais são maiores.
143
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados obtidos em (IBGE, 2017, 2018b)
Uma explicação para tal conjuntura pode ser buscada a partir de fatores da estrutura, da
organização e dos recursos empregados pelos municípios, principalmente àqueles relacionados
às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), servidores públicos, fornecedores e
prestadores de serviços de informática e softwares empregados, tanto nas atividades internas da
administração municipal, quanto os utilizados para os portais municipais, notadamente o portal
da transparência. A investigação relativa a estas informações foi realizada por meio de dois
instrumentos distintos: a verificação direta dos portais municipais na internet e dos portais da
144
transparência dos 497 municípios gaúchos (em abril de 2019) e o envio de questionário para os
gabinetes dos Prefeitos Municipais de todas as localidades do Estado.
Associado ao ponto anterior, a pesquisa procurou verificar se estes portais empregam, ao menos
de forma adicional, uma linguagem capaz de ser assimilada por quem não seja técnico ou
qualificado a compreender os termos e padrões comuns a área fiscal, financeira e contábil.
Também foi importante observar a organização destes portais no que se refere à localização e
apresentação das informações exigidas pelas leis referenciadas no capítulo 2. Assim o acesso
aos portais, por meio da navegação em todo o seu conteúdo, proporcionou uma visão geral,
relativa ao cumprimento da legislação e dos elementos relacionados à transparência pública e
participação popular.
As respostas para estas questões foram procuradas a partir do site oficial do município e do
portal da transparência. De um modo geral os problemas, ou as virtudes, dos portais são quase
que comuns a todos ou, pelo menos, à maioria deles. Se pode verificar, em todos os municípios,
a divisão das responsabilidades de desenvolvimento do portal municipal e do sistema integrado
145
46
O questionário foi elaborado com o auxílio do software Limesurvey, hospedado em servidor contratado para tal
finalidade e com domínio próprio (http://www.reneo.com.br). O Limesurvey pode ser obtido em
https://www.limesurvey.org.
146
o índice de resposta ao questionário não permita nenhuma forma de inferência, este fato pode
ser muito mais comum do que inicialmente se possa concluir. Um estudo desenvolvido por
Brandi e Silva (2018), comparando governança municipal de TI entre municípios Brasileiros e
Portugueses, mostra que 70% dos gestores municipais desconhecem, ou não adotam, qualquer
modelo de governança.
A aquisição de softwares, também, aparenta não seguir qualquer tipo de política ou estratégia
nas prefeituras dos municípios gaúchos. Algumas prefeituras declararam um único fornecedor
para todos os sistemas adquiridos, enquanto outras apresentam uma espécie de “Torre de Babel”
onde cada sistema é fornecido por empresa diferente. Isto permite supor, ainda, a quase que
completa falta de integração e interoperabilidade entre estes softwares. É necessário lembrar,
ainda, que a lógica de aquisição por parte de entes públicos deve seguir os procedimentos
definidos na legislação específica (BRASIL, 2011b), onde via de regra, o critério preponderante
é o menor preço.
Todos os 497 municípios do Estado do Rio Grande do Sul possuem um sitio oficial na internet
onde divulgam sua estrutura física e administrativa, seus contatos, suas ações e seus eventos.
Em muitas localidades este portal também é usado para o oferecimento de serviços aos
cidadãos. No questionário enviado às prefeituras, 44 delas apontaram alguns serviços que
podem ser realizados ou encaminhados por meio do site municipal. A tabela nº 8 exibe alguns
destes serviços e o número de prefeituras que os oferecem.
147
Embora os números não representem a totalidade das prefeituras, as maiores incidências foram
obtidas por serviços como ouvidoria e licitações, sobre os quais recaem algumas exigências
legais e que impelem ao seu oferecimento. Na sequência estão as solicitações de serviços aos
órgãos municipais, tais como as solicitações de obras e reparos por parte da municipalidade, e
àqueles associados aos sistemas utilizados internamente, principalmente os relacionados à
tributação municipal, onde é possível a emissão de boletos de pagamento, certidões negativas
e obtenção de documentos.
O desenvolvimento destes portais foi realizado por inúmeras empresas e, em grande parte dos
casos, por servidores da própria administração municipal. Em 41 municípios, entretanto, não
foi possível este reconhecimento, pela ausência de identificação do desenvolvedor no portal e
também no código fonte da página principal. A tabela nº 9 apresenta o resultado da observação
direta nos 497 portais municipais.
A iniciativa privada, em número de 114 empresas, forneceu para as demais 376 localidades.
Esta pulverização é ilustrada pelo fato de que 56 empresas fornecem para apenas uma prefeitura
e outras 22 empresas fornecem para dois municípios. No outro extremo sete destas empresas
devem ser destacadas por concentrarem o desenvolvimento do portal para 141 municípios.
Apenas uma delas forneceu para 45 Prefeituras o que representa quase 10% do total.
A maioria dos portais tem problemas de organização. Estes problemas não se relacionam apenas
aos aspectos referentes ao layout, a acessibilidade, responsividade ou qualquer outro elemento
que caracterize tecnicamente a ferramenta "portal". Referem-se, também, à organização dos
menus, aos links inexistentes ou incorretos, à nomenclatura dos elementos e à eventual confusão
com termos duplicados ou nominados incorretamente.
De que formas os municípios podem ser mais transparentes? Quais os instrumentos que podem
ser empregados para se possa avançar além dos expedientes legais? O questionário submetido
47
O Joomla é um sistema de gerenciamento de conteúdo (CMS), que permite a criação de sites e aplicativos on-
line. Pode ser obtido em https://www.joomla.org/
48
O WordPress é um projeto de código aberto que pode ser usado para criação de sites, blogs ou aplicativos. Pode
ser obtido em https://br.wordpress.org/
149
aos municípios apresentou algumas alternativas, as quais foram selecionadas por 38 prefeituras
respondentes. As que se sobressaem estão apresentadas na tabela nº 10.
O portal municipal e as redes sociais são elementos novos no caminho para a transparência
pública. As observações aos portais mostram que o emprego desta alternativa está direcionado
a mera publicidade. O uso das redes sociais, embora o questionário não as tenha discriminado,
é uma alternativa cada vez mais frequente. Estas ferramentas permitem tanto a manifestação do
poder público quanto as dos cidadãos. A questão que surge é de que forma este diálogo é
conduzido ou mediado pela administração municipal e quais as ações que dele resultam.
O portal da transparência é uma exigência legal. Todos os municípios possuem o seu portal,
mas, em função da estrutura e recursos disponíveis, pouquíssimos o desenvolvem. A
observação dos 497 portais de transparência no poder executivo dos municípios do Estado do
Rio Grande do Sul mostra um cenário fortemente concentrado. São apenas 22 empresas
fornecendo para 494 municípios e somente três municípios desenvolvem as próprias
ferramentas. A tabela nº 11 apresenta esta distribuição, exibindo as empresas que fornecem para
mais do que 10 municípios. A concentração é evidente, pois somente 12 empresas são
fornecedoras de portais da transparência para 465 municípios, que correspondem a quase 94%
150
das localidades analisadas. A tabela permite observar, ainda, que uma única empresa está
presente em quase um quarto dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Esta empresa
juntamente com as três que a seguem desenvolvem os portais de transparência de 308
prefeituras ou 62% dos municípios.
Uma constatação imediata é o fato de que os portais da transparência são idênticos em alguns
grupos de municípios. Este fato permite supor que suas funcionalidades e qualidades bem como
suas dificuldades e defeitos, são comuns a diversos municípios. De qualquer forma todos
oferecem praticamente as mesmas funções. Os portais apresentam informações em tempo real
e são relativamente abrangentes em termos do conjunto de informações disponibilizadas. A
grande dificuldade, entretanto, é que por se tratar de uma extensão do mesmo sistema
empregado na administração financeira e fiscal da prefeitura municipal, utiliza uma linguagem
e termos excessivamente técnicos. Não se verificam evidências de qualquer iniciativa que
contemple àquele cidadão não qualificado tecnicamente para esta área do conhecimento.
49
HTML – Hyper Text Markup Language. Linguagem de marcação empregada para a construção de páginas na
internet.
50
PDF – Portable Document Format.
151
As questões envolvendo a transparência pública também podem ser atendidas por meio de
ferramentas relacionadas à Lei de Acesso à Informação (BRASIL, 2011a). As administrações
públicas implantaram portais na internet para viabilizar os pedidos, os atendimentos e os
controles das solicitações de informações. Os números disponíveis são relativos à 34 Prefeituras
municipais que, em resposta ao questionário submetido, informaram a origem deste portal.
Cinco municípios declararam o desenvolvimento desta ferramenta por técnicos da própria
administração enquanto os outros 29 informaram a aquisição deste software.
Um detalhe adicional sobre os portais da LAI consiste da não coincidência entre as empresas
fornecedoras deste portal e àquelas que forneceram os portais da transparência. Embora a
amostra não seja representativa, em 20 prefeituras os fornecedores não foram os mesmos. É
evidente que ambas as ferramentas possuem requisitos distintos e, desta forma, não precisam
estar integradas. Por outro lado, isto aponta para um número grande e distinto de fornecedores
de softwares para uma mesma prefeitura municipal.
51
XML - eXtensible Markup Language
152
No questionário enviado aos municípios, 36 prefeituras relataram a forma pela qual permitem
e incentivam a participação dos cidadãos. A tabela nº 12 apresenta a síntese das alternativas
apontadas.
O emprego das redes sociais foi o item assinalado por um maior número de prefeituras. Não
houve, no questionário, a discriminação individual das diversas redes existentes e nem
investigações, ou análises, do conteúdo dos diálogos realizados nestes instrumentos. O próximo
capítulo, entretanto, incluirá análises produzidas a partir da percepção dos agentes públicos
sobre a importância e efetividade das redes sociais nos processos de participação e transparência
pública.
A ouvidoria municipal é o segundo item mais escolhido nas respostas ao questionário. Este
instrumento não faz parte das obrigações definidas nas Leis de Transparência (BRASIL, 2009)
e de Acesso à Informação (BRASIL, 2011a) e só recentemente passou a ser obrigatório para
todos os entes públicos, em qualquer nível e esfera governamental. A Lei nº 13.460 disciplina
a “participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da
administração pública” (BRASIL, 2017). Embora a participação faça parte dos objetivos da lei,
os serviços de ouvidoria tradicionalmente existem para reclamações ou denúncias envolvendo
fatos específicos.
Os dois últimos grupos constituem alternativas onde os municípios possuem pouco poder de
escolha. As ferramentas definidas nas Leis de transparência (BRASIL, 2009) e de Acesso à
informação (BRASIL, 2011a), além do próprio portal municipal, são apontadas por muitos
municípios mas, não incorporam funcionalidades voltadas à participação popular. São citadas,
por fim, àquelas mídias tradicionais como emissoras de rádio, televisão e jornais. Estas mídias
caracterizam, contudo, formas de comunicação unidirecionais onde, praticamente, não existem
possibilidades de interação, com exceção, talvez, do rádio onde, eventualmente, os cidadãos
podem se manifestar.
O menor índice de respostas, no questionário enviado aos municípios, foi ao grupo de questões
relacionadas ao tema dados abertos. A primeira questão indagava o nível de conhecimento do
respondente sobre o assunto. As respostas são apresentadas na tabela nº 13.
abertos em seus portais municipais e da transparência. Esta informação foi confrontada com as
observações diretas realizadas aos portais municipais sendo que, em nenhuma destas
localidades, foi encontrada qualquer referência ao tema dados abertos.
O segundo grupo de municípios, em número de 23, cujo portal da transparência tem origem no
mesmo fornecedor, permitem o acesso às suas bases de dados por meio de uma API52. Estes
municípios não implantaram um portal específico para dados abertos e nem há um destaque
expressivo para esta possibilidade, mas, o conceito e os princípios que regem os dados abertos
são, geralmente, respeitados. Por outro lado, não foram realizados testes, com o
desenvolvimento de aplicações, de acesso a esta API e nem foram localizadas estatísticas de
uso da mesma. Estes municípios53, juntamente com a localização da sede da empresa que
fornece o portal da transparência, estão ilustrados na figura nº 24.
52
API – Application Programming Interface corresponde a um conjunto de rotinas e padrões para acesso a
aplicativos ou plataformas baseadas na internet.
53
Os 23 municípios são: Ajuricaba, Almirante Tamandaré do Sul, Camargo, Casca, Caseiros, Colorado, David
Canabarro, Gentil, Guabiju, Itapuca, Montauri, Nicolau Vergueiro, Nova Alvorada, Nova Araçá, Paraí, Protásio
Alves, Santo Antônio do Palma, São Domingos do Sul, São Jorge, São Valentim do Sul, União da Serra, Vanini e
Vila Maria.
155
O último grupo compreende apenas dois municípios. As prefeituras municipais de Porto Alegre
e Pelotas mantém um portal específico e disponibilizam dados governamentais abertos. O portal
de dados abertos da cidade de Porto Alegre disponibiliza 33 conjuntos de dados originários de
diversos órgãos, secretarias e empresas municipais, nas áreas de administração e finanças,
mobilidade, saúde, serviços urbanos, meio ambiente, indústria e comércio e educação. O portal
está sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria.
Este fato indica, pelo menos, a intenção para a disponibilização de dados abertos e o
funcionamento efetivo do portal, pelo menos no passado.
Foram poucas as respostas dos municípios quando questionados das razões do não oferecimento
de Dados Governamentais Abertos. As mais comuns estão relacionadas à motivos já abordados
anteriormente: o desconhecimento do assunto e a disponibilidade de estrutura e recursos
humanos qualificados para tal atividade. A questão envolvendo os recursos humanos é,
possivelmente, o mais difícil de ser superado em função do tamanho dos municípios e das
limitações financeiras a que normalmente estão submetidos.
O Rio Grande do Sul é dividido em 497 municípios. São, na sua maioria, municípios com
pequena extensão territorial, população reduzida e localizados na metade norte do Estado.
Aproximadamente 55% dos municípios gaúchos situam-se nas regiões geográficas
intermediárias de Caxias do Sul, Ijuí e Passo Fundo. Nestas três regiões no mínimo a metade
de seus integrantes tem até 5.000 habitantes. Este fato é mais significativo na região geográfica
intermediária de Passo Fundo onde quase 65% das localidades não atingem este número de
habitantes.
Uma segunda característica da maior parte dos municípios gaúchos é a pequena extensão
territorial. Esta particularidade, aliada à população reduzida, produz reflexos nas estruturas
administrativas dos municípios afetando, notadamente, as atividades relacionadas às
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Os municípios empregam poucos
servidores públicos e têm dificuldade de acesso à fornecedores e prestadores de serviços de
informática. São poucas as alternativas para desenvolvimento e aquisição de softwares tanto os
utilizados nas atividades internas da administração municipal, como àqueles empregados nos
portais municipais, notadamente o portal da transparência.
O quadro nº 8 exibe distintos cenários nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Estes
elementos foram obtidos com o emprego de dois instrumentos distintos. O primeiro foi um
questionário on-line enviado às 497 administrações municipais e respondido por,
aproximadamente, um terço destas prefeituras. O segundo instrumento consistiu na observação
157
direta, tanto dos portais municipais quanto dos portais da transparência, em cada um dos
municípios.
Este trabalho de pesquisa, embora tenha a pretensão de que seus resultados possam ser também
considerados em todos os municípios Brasileiros, esteve circunscrito ao Estado do Rio Grande
do Sul. As justificativas são, evidentemente, aquelas normalmente utilizadas nas situações em
que os recursos são extremamente escassos. No caso específico desta pesquisa o recurso mais
limitado está relacionado à figura do autor, executor individual do projeto.
Mesmo com este recorte, reduzido em relação ao território nacional, foi necessário a condução
de um processo de amostragem, a qual, mesmo não sendo probabilista, procurou abranger
diversas localidades, com características diversas e, principalmente, a identificação de pessoas
em cargos ou funções alinhadas às questões levantadas pelo projeto de pesquisa.
Esta seção, desta forma, descreve este processo de escolha das localidades e a caracterização
das pessoas entrevistadas. Apresenta, ainda, além das categorias e critérios de análise
empregadas e definidas a partir dos fundamentos teóricos apresentados nos capítulos iniciais
deste trabalho, a forma pela qual as análises destas entrevistas foram conduzidas.
Para a realização da pesquisa, tanto a aplicação das entrevistas em profundidade quanto dos
questionários on-line, foram considerados cenários distintos e relacionados com o tema em
questão. Desta forma os municípios do Estado do Rio Grande do Sul, as empresas
desenvolvedoras de software para a área pública, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento
159
O Estado do Rio Grande do Sul, dividido territorialmente em 497 municípios, foi a área
geográfica delimitada para o trabalho de pesquisa. Considerou-se que a realização de entrevistas
em profundidade, envolvendo diversos atores, em todas estas localidades era uma tarefa
impossível de ser realizada no contexto deste trabalho. A realização das entrevistas em
profundidade, envolvendo os Prefeitos Municipais, Presidentes de Câmaras de Vereadores,
Servidores municipais e representantes do Ministério Público, exigiram a constituição de um
espaço amostral o qual, pelas características da pesquisa, foi não probabilístico e intencional.
O critério inicial neste processo de escolha dos municípios foi a definição de estratos, ou grupos,
de municípios. Empregou-se, para esta finalidade, as formas de regionalização descritas
anteriormente. Os dois critérios iniciais foram as Regiões Geográficas Intermediárias e as
Regiões de Influência das Cidades, ambas estabelecidas pelo IBGE e, adicionalmente, os
Conselhos Regionais de Desenvolvimento.
54
Algumas prefeituras contam com equipes próprias de desenvolvimento de software enquanto que em outras não
foi possível identificar a origem das aplicações.
161
Podem ser caracterizados como utilizadores de dados abertos, conforme Davies (2010), os
cidadãos com seus softwares, seus objetivos e as parcerias necessárias para manipulação e
análise dos dados. Um locus de pesquisa que remeta a todos os cidadãos, entretanto, é
demasiadamente amplo e genérico e, portanto, precisou ser definido de forma mais específica.
Este trabalho, deste modo, considerou como uma classe de utilizadores a representação da
sociedade civil nos diversos conselhos municipais, principalmente os Conselhos Municipais e
Regionais de Desenvolvimento, como fonte para percepção das possibilidades de participação,
colaboração e gestão social decorrentes da disponibilização de dados abertos. Estes Conselhos
estão localizados nos municípios incluídos no espaço amostral referenciado anteriormente.
Um segundo grupo de utilizadores compreende àqueles que podem produzir diferentes análises
e resultados a partir dos dados disponíveis. Normalmente denominados como hackers cívicos
os programadores de computadores podem desenvolver programas, páginas da web e
aplicativos para finalidades específicas. Nesta pesquisa, contudo, não foram incluídos os
programadores enquanto pessoas físicas, mas os cursos superiores de graduação que os
qualificam. Assim, analisou-se os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) de cursos superiores na
área de computação (principalmente nas modalidades de Sistemas de Informação e Ciência da
Computação), além de entrevistar, por meio de questionário on-line, os coordenadores destes
cursos, de forma a perceber o eventual potencial de uso de dados abertos em um futuro próximo.
No estado do Rio Grande do Sul estão em atividade, segundo informações constantes no sistema
de registro (MEC, 2018) do Ministério da Educação, 37 cursos de Sistemas de Informação e
33 cursos de Ciência da Computação. Em buscas iniciadas nos portais na internet das
instituições de ensino superior gaúchas houve a tentativa de localização de cursos na área
pretendida além da disponibilidade, para acesso e download, do respectivo Projeto Político
Pedagógico destes cursos. Resultaram, neste processo, um curso de Análise e Desenvolvimento
162
No período transcorrido entre outubro de 2018 e agosto de 2019 foram realizadas 48 entrevistas
envolvendo 55 pessoas. A tabela nº 14 detalha o número de entrevistados em cada um dos
municípios. A tabela exibe seis novos municípios, além daqueles selecionados para a pesquisa
e ilustrados no mapa da figura nº 25. Nestes novos municípios estão localizadas empresas de
software (Frederico Westphalen, Marau, Porto Alegre e Três de Maio) e a Presidência de
Coredes que atuem em cidades não escolhidas originalmente (Porto Vera Cruz e Rolador).
Estas atividades, para efeitos de análise, foram agrupadas em 6 categorias, como mostra a tabela
nº 16. Um menor número de categorias, com um maior número de integrantes em cada uma,
contribui para o processo de análise e permite referir-se aos entrevistados de forma anônima,
sem identificá-los. Serão referidos, deste modo, pela sigla e por um número atribuído
aleatoriamente dentro da categoria.
de sistemas, com 10 ocorrências. A área jurídica, com o curso de Direito, vem na sequência
com 9 entrevistados. Os cursos de Ciências Contábeis, Engenharia Civil e Letras foram
declarados por 3 pessoas, em cada um deles. Em duas oportunidades foram citados os cursos
de Administração de Empresas, Economia, Jornalismo e Publicidade. Os cursos de
Desenvolvimento Rural, Educação Física, Enfermagem, Filosofia, Geografia, Gestão de TI,
Gestão Pública, Medicina, Medicina Veterinária e Teologia foram apontados por um
entrevistado. Por fim nove entrevistados declararam ter concluído apenas o ensino médio.
Alguns deles, contudo, disseram estar cursando ou concluindo um curso superior.
O projeto de pesquisa norteador deste trabalho foi submetido ao Comitê de Ética na Pesquisa
(CEP) da UNIJUI por meio do Processo nº 90954618.0.0000.5350 e aprovado pelo Parecer nº
2.790.853. Desta forma, precedendo a realização de todas as entrevistas em profundidade, foi
apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas somente
foram conduzidas após a aceitação dos termos e concordância do sujeito de pesquisa.
A segunda categoria de análise adotada neste trabalho está associada à participação dos
cidadãos nos assuntos de interesse público, de forma voluntária ou em conjunto com a
administração pública. Ao contrário de teóricos que atribuem pouco sentido à participação,
Pateman, a partir de Rousseau e Cole, prega a necessidade de que a sociedade seja participativa.
A democracia representativa considera apenas os processos eleitorais como momentos
reservado a todos os cidadãos e impõe diversas dificuldades para a participação.
O propósito desta categoria de análise foi captar a forma pela a participação dos cidadãos é
percebida pelos entrevistados. Também se buscou identificar o estado atual e, principalmente,
que ações foram e estão sendo desenvolvidas para incentivo e incremento à participação.
167
Procurou-se olhar, de maneira especial, qual a percepção acerca dos conselhos públicos
instalados nos municípios, sua composição e sua atuação.
A terceira categoria de análise está fundamentada nos conceitos e nas práticas relacionadas à
colaboração dos cidadãos. Embora os estudiosos da democracia não referenciem a colaboração
de forma direta, a coprodução de serviços públicos é, também, uma forma de participação dos
cidadãos. A colaboração, por outro lado, corresponde, juntamente com a transparência pública
e a participação dos cidadãos, em um dos fundamentos dos denominados Governos Abertos.
Pretendeu-se, nesta categoria, perceber qual o entendimento em relação a este conceito, como
observam o estado atual e que ações são, ou foram desenvolvidas, para fomento e incentivo à
cocriação de serviços públicos.
A quinta categoria de análise contempla os dados abertos, tema específico deste trabalho. As
informações apresentadas nos capítulos anteriores, sobre o oferecimento de dados abertos, tanto
no contexto nacional quanto nos municípios gaúchos, evidenciam baixas adesões ao
movimento. Por representar um assunto recente a maior preocupação, nesta categoria, foi a
compreensão de como este movimento é conhecido, entendido e o como é percebido no âmbito
dos entrevistados.
As pesquisas qualitativas, da mesma forma que as quantitativas, devem ser implementadas com
rigor e o emprego de softwares no processo de análise contribui para a qualificação do trabalho.
O NVivo é um software do tipo Computer-aided qualitative data analysis software (CAQDAS)
e permite que o pesquisador reúna “todos os seus materiais de pesquisa num só lugar e de
maneira segura, desde os materiais de origem até os pensamentos analíticos” (MOZZATO;
GRZYBOVSKI; TEIXEIRA, 2018, p. 582). Este processo de organização contribui para a
construção de novas interpretações a partir dos dados coletados e analisados.
O software NVivo permite representar as categorias e critérios de análise sob uma estrutura
hierárquica de nós. As entrevistas transcritas são adicionadas ao NVivo como fontes e
correlacionadas a casos, os quais representam os entrevistados. Uma primeira etapa consiste na
leitura das entrevistas (fontes) e trechos selecionados destas podem ser associados a um ou mais
destes nós. Cada nó, ou grupo de nós desta hierarquia, pode, posteriormente, ser acessado de
modo que os segmentos assinalados anteriormente, de todas as fontes, podem ser revisitados.
Por fim o software “não substitui o trabalho analítico e criativo do pesquisador, mas
potencializa os resultados da pesquisa, pois força o envolvimento do pesquisador com o
material empírico, estimulando-o a pensar acerca das informações” (MOZZATO;
GRZYBOVSKI; TEIXEIRA, 2018, p. 584).
169
Transparência. Neste período inicial, que inclui os primeiros movimentos das prefeituras em
direção às Tecnologias de Informação e Comunicação, a moda (no sentido estatístico) era o
segredo e a quase que completa ausência de atos dos poderes executivos municipais com o
objetivo de divulgar informações. Um Servidor Público (SP 02), com mais de 40 anos de
serviço público, foi enfático ao dizer que “nenhuma Prefeitura do Brasil tinha transparência”.
Este servidor estava se referindo, certamente, ao fato de que não eram empregados
instrumentos, principalmente de natureza tecnológica, para divulgação ativa das ações
executadas pelos entes públicos.
iniciativas a avaliação destes portais, tanto por pesquisadores (PRADO; GARCIA LOUREIRO,
2006; RIBEIRO, 2009), quanto por órgãos da imprensa (TRIBUNA DO NORTE, 2012), já
antecipavam parte dos problemas que ainda hoje são observados.
A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe consigo algumas exigências sendo que, parte delas,
estão dispostas no caput do artigo 48
São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla
divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos
e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer
prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão
Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. (BRASIL, 2009)
Estes relatórios já eram produzidos pelos sistemas internos de controle das prefeituras e
compunham o rol de documentos que eram apresentados pelas Prefeituras Municipais aos
órgãos de controle como, por exemplo, o Tribunal de Contas do respectivo Estado da federação.
Um Servidor Público entrevistado (SP 09) confirma ao dizer “não existia quase nada, existia
muito pouco. A única... o que a gente tinha era publicações, tudo publicações. A gente já
publicava no site, já entregava toda essa prestação”.
A maior dúvida das áreas contábeis das Prefeituras Municipais estava relacionada ao inciso II
do parágrafo único do mesmo artigo 48, o qual ordenava a “liberação ao pleno conhecimento e
acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a
execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público” (BRASIL, 2009)
Um Servidor Público (SP 09) relembra os receios da época: “Bah, mas como que isso vai
acontecer em tempo real? O que é tempo real? Então, tudo isso a gente pensou. E como que os
sistemas vão trabalhar isso? até para se adaptar foi bem complicado”.
O terceiro cenário indicado inicialmente tem seu início na vigência da Lei do Acesso à
Informação e persiste até os dias atuais. Neste período de pouco mais de 7 anos, embora não
se possa afirmar categoricamente, todos os municípios Brasileiros implementaram os seus
portais (municipal, de transparência e de acesso à informação) na internet. O panorama dos
municípios gaúchos, ao menos, foi apresentado no capítulo 5 deste trabalho.
O Servidor Público (SP 03) diz que “Sem a lei - Com certeza, eu acho que não teria um. Sim,
tranquilamente não”. Um Agente Político (AP 15) acrescenta que “pela lei, que é exigido, e aí
foi... foi implantado”. Um entrevistado da Sociedade Civil (SC 09) conclui dizendo “se todos
os municípios têm o seu portal, foi porque a lei obrigou”.
Algumas definições propostas, por outro lado, trazem alguns elementos importantes. Como a
apresentada pelo Agente Político (AP 03) que considera uma visão relacionada ao acesso à
informação:
Então, é deixar de forma bem visível e aos olhos e às mãos da população o que
acontece no dia-a-dia do poder público.
O Agente Comissionado (AC 04), por sua vez, vai na mesma direção da citação anterior e
acrescenta as possibilidades, decorrentes da transparência, de empoderamento e participação
dos cidadãos.
Esta fala poderia muito bem ser continuada pela declaração do Agente Político (AP 07) quando
diz que “só participar sem conhecimento não significa transparência”. Por fim a fala do Servidor
Público (SP 09), que representa, acima de tudo, o reconhecimento das dificuldades encontradas
em identificar, compreender e atender os anseios dos cidadãos:
Transparência pública é isso... uma parte é isso que a gente está fazendo, que a gente
está tentando entrar e mostrar, para a população, aquilo que a gente está fazendo
aqui dentro, e, por outro lado, eu vejo que é mais, mais do que isso. Teria que
aumentar esse processo de transparência. Para ser uma coisa mais transparente não
é só mostrar salário, só mostrar relatórios. É você conseguir mostrar mais aquilo que
você faz aqui dentro, daqui a pouco a população pode buscar aquilo que ela precisa,
que... muitas vezes, a gente vê o pessoal reclamando que não consegue chegar. Pede,
pede, pede e não consegue. Talvez, a transparência também fosse isso, tu conseguir
dar mais voz para o cidadão e fazer com que ele consiga dizer o que ele quer, o que
ele está precisando hoje, e a gente consiga atender mais rápido. E também mostrar
tudo aquilo que está acontecendo.
Então a gente tem que cuidar para realmente cumprir a lei, desde... normas são leis,
e essas leis todo mundo deveria cumprir de acordo com o que a lei estabelece. Então,
eu entendo mais ou menos assim, que a transparência para fazer as coisas certas,
transparente, é fazer o que é certo.
Outras manifestações são muito semelhantes pois também remetem à ideia de que a
transparência é uma obrigação só que, desta vez, em função dos desgastes imputados à classe
política. O Agente Político (AP 05) argumenta que “tem que botar para a rua o que está sendo
feito, porque o povo, ele contribui, e hoje o desgaste político está muito grande”.
Apesar das declarações acima, principalmente aquelas que pretendem definir o que significa a
transparência pública e o conjunto de ações, atitudes e intenções para viabilizá-la, um mesmo
instrumento é apontado por todos como o facilitador deste processo: o portal da transparência.
Os municípios e seus administradores, via de regra, delegam e concentram suas práticas de
transparência em seus portais os quais, relembrando, na sua quase totalidade, são desenvolvidos
por empresas privadas e adquiridos pelas regras que regem as licitações públicas.
Questionados sobre o uso deste portal em seus municípios alguns atores responderam
negativamente. O mais preocupante, contudo, é o fato de que dos cinco que assim se
manifestaram dois são Prefeitos Municipais e dois são Presidentes de Câmaras de Vereadores.
Não é uma parcela significativa, mesmo em relação aos 55 atores entrevistados, mas
representam indícios que, de fato, as políticas de transparência nos municípios são apenas
aquelas definidas na legislação e as quais são obrigados a cumprir.
As avaliações mais negativas são dedicadas aos portais de transparência. Todas as categorias
de entrevistados dedicaram comentários sobre diversos aspectos referentes aos portais e que
vão desde o acesso ao portal, passando pelo modo como a informação é disponibilizada e
localizada e até a interpretação das informações disponíveis.
Para muitos dos entrevistados, pertencentes às categorias dos Servidores Públicos, Sociedade
Civil e Ministério Público, os portais da transparência são incompletos pois exibem
informações por demais sintetizadas e omitem detalhes importantes. O Servidor Público (SP
09) apresenta uma situação corriqueira: “E daí, o cidadão vai olhar lá e diz: Mas... bom,
conforme anexo... eu comprei tal coisa conforme anexo. Daí, como que o cidadão vai olhar isso
e vai dizer que comprou tal bem?”. O anexo a que se refere o servidor não está disponível. O
entrevistado pertencente à categoria da Sociedade Civil (SC 05) coloca outro exemplo.
175
a gente não consegue ver o objeto específico, acho que dava para expandir um pouco
mais, para se ter maior acesso. Poderia ter além do acesso de informações
financeiras, orçamentárias, por vezes uma transparência maior do ponto de vista
documental. Então, por exemplo, para a gente poder chegar ao... o governo do Estado
pagou um valor em virtude do convênio tal. Poderia ter lá a cópia do convênio,
entendeu? Um suporte maior até em termos de... de documento, eu acho que iria
agregar mais
O Agente Comissionado (AC 01) ilustra estas situações e identifica na estrutura administrativa
dos municípios, nas questões culturais e na qualificação dos servidores públicos algumas
possíveis razões para fatos como este:
A questão é de que eu não consigo organizar aqui na gestão com todas as Secretarias
envolvidas o fluxo, por exemplo, de diárias, porque a lei diz que a diária, ela tem que
sair da Secretaria X e tem que ter lá... pelo sistema ela vai ir para a Secretaria da
Fazenda, Secretaria da Fazenda vai dar ok, vai para o gabinete do prefeito; gabinete
do prefeito vai dar ok; vai para a contabilidade; contabilidade vai lançar no sistema
e vai para o empenho, vai pagar no banco. É um fluxo que cada ponta tem um papel
nela. Mas o que acontece? Aqui na Secretaria o cara imprime... vai no sistema que
ele poderia fazer de forma on-line, aí ele pega aquele mesmo formulário que está no
sistema e ele imprime. Daí ele pega a caneta, e ele preenche o formulário todo como
ele quer, o número de diárias, para onde ele vai, o que ele vai fazer, etc., eu vou levar
o paciente em Porto Alegre, não sei o que e tal. Aí ele pega aquele formulário, leva
no secretário dele, o secretário dele assina, autoriza, ele pega, bota no memorando,
bota o negócio do protocolo e vai para a Secretaria da Fazenda, protocola e deixa
lá. Aí o secretário da Fazenda pega aquele papel, faz um outro processo, manda para
o gabinete do prefeito, o gabinete do prefeito assina, autoriza e tal, volta para a
contabilidade. Um trâmite totalmente analógico, que poderia ser digital. E quando
chega na ponta, no seu [...], que é a pessoa na tesouraria responsável por botar as
informações dentro do sistema que vão para o portal da transparência, ele olha todas
aquelas informações da diária, de onde veio, para onde foi, o que fez e o que não foi,
com um calhamaço de 500 coisas para fazer e botar, porque é só ele que bota as
ordens de pagamento para dentro do sistema. E ele vai preencher todas as
informações do portal? Não. Ele só vai preencher as importantes que não travam o
sistema. Ou seja, ele tem que dizer quem é o servidor que receber a diária, para onde
ele vai, quantas diárias são – uma e meia, meia diária, duas diárias – quando vai
voltar, quem autorizou, o valor e ponto.
Uma segunda classe de problemas, e talvez mais significativa, pode ser denominada de
dificuldades operacionais. O Agente Político (AP 01), em poucas palavras, caracteriza esta
situação ao dizer que “é que é cheio de cliques, tu tem que ir procurando onde tu quer chegar”.
O Agente Comissionado (AC 01) apresenta um exemplo:
Eu acho que para o cidadão comum, aquele cara que não tem uma facilidade com
informática como a gente tem que trabalha com isso e tal. Ele tem muita dificuldade
de achar a informação que ele está procurando ali, porque ele vai numa aba que é
sobre pessoal, ele vai outra sobre despesa, daí dentro daquela de despesa ele vai ter
que achar exatamente o assunto que ele quer, daí ele vai ter que pesquisar. Hoje, por
exemplo, o Tribunal de Contas nos obriga a colocar os contratos em outro portal.
Então se eu quiser saber sobre contratos de licitação vou ter só um link do portal da
Prefeitura, vai ter que ir lá para o Licitacom do Tribunal de Contas e pesquisar no
176
Licitacom. Então se eu quiser dados de outra questão vou ter que ir em um terceiro
portal.
até é possível tu consultar, mas a... tem que ser mais prático, mas – como é que eu
vou dizer, assim? – sem muito “clique ali, clique lá”, aí pede informações tipo CPF
e endereço, coisas, enfim... que eu acho desnecessário. Tem que ser mais… mais
linear
É porque só os jovens eu acho que para acessar e captar, e mesmo muitos não vão
nem saber porque ai são códigos, números, então em si, eu acho que assim... claro,
tem o pessoal que entende, mas outros vão ter muita ((enfatizou)) dificuldade, nem
vão saber o que estão lendo.
Os portais não são “didáticos” como diz o representante do Ministério Público (PJ 01). O
espírito da legislação, novamente referindo-se à Lei 12.527 (BRASIL, 2011a), quando
estabelece o emprego de procedimentos objetivos e ágeis e em linguagem de fácil compreensão,
na opinião dos entrevistados, não estão sendo respeitados. O resultado de todas estas
interferências nos processos de transparência pode ser extraído da fala do Agente Político (AP
08). Todos os recursos investidos e o eventual esforço dispendido não atingem os objetivos de
tornar o cidadão consciente e conhecedor das questões que envolvem sua comunidade:
Na grande maioria das pessoas, pela minha experiência, agora acompanhando, por
exemplo, a questão orçamentária, [...] de algumas comissões importantes que nós
temos na Câmara, que discutem questões relacionadas a sociedade, a gente percebe
assim, que a linguagem muitas vezes usada é uma linguagem que não permite o
cidadão formar um juízo real e verdadeiro sobre aquele assunto
Diversos argumentos foram apresentados sendo que a maior parte deles na direção de transferir
os encargos, ou explicações, tanto para a legislação quanto para os cidadãos. As mais comuns
dizem respeito à falta de conhecimento e interesse do cidadão, bem como suas deficiências para
interpretar e entender o conteúdo dos portais de transparência. Embora a democracia moderna
aparente considerar como cidadãos a grande maioria das pessoas, sem distinção de gênero e
classe social, a exclusão acaba se concretizando pelo nível cultural e de conhecimento. Na
democracia a igualdade política dos cidadãos é, como coloca Mill (1981), um de seus princípios
fundamentais.
Com exceção da Sociedade Civil, entrevistados das demais categorias referiram-se ao fato de
que os cidadãos não possuem nem conhecimento e nem interesse para buscar e entender as
informações disponibilizadas pela administração pública e que esta condição, de certa maneira,
justificaria todas as deficiências do portal e do próprio governo, como exemplifica o Servidor
Público (SP 02):
178
E, também, como complementa o representante do Ministério Público (PJ 02) quando fala que
“Agora, tem que ver duas coisas: se tem interesse por isso, tem interesse por isso, e também se
a população tem o grau de cultura para acessar esses dados”. Se observada por este ângulo esta
é, certamente, uma equação difícil de resolver.
Outras justificativas são um pouco mais específicas. Como por exemplo as alegações referentes
à idade e ao conhecimento e experiência em informática dos cidadãos. O representante da
Sociedade Civil (SC 07) é sucinto quando diz que “Principalmente pessoas já da... média idade
para cima eu acho difícil” complementado pelo entrevistado da mesma categoria (SC 09) que
declara:
E que o pessoal se entende. E você entende, mas as outras pessoas que estão
acessando não conseguem entender aquele processo. E eu acho, eu acho que ninguém
parou para pensar ainda do lado da pessoa que... do leigo – digamos assim –, e nós
temos... toda uma... uma – digamos assim – uma década, uma faixa etária que eu
considero quase leigos, ou ((acha graça)) eu sempre digo, analfabetos de informática.
A partir de situações como estas, bem como as demais relatadas anteriormente, desponta uma
questão que, certamente, precisa ser respondida. A fala do representante dos Agentes
Comissionados (AC 01) apresenta esta mesma pergunta: “E aquele cidadão da cidade que não
consegue, ele nunca vai ter direito à informação, ele nunca vai ter o direito à transparência?
Como é que funciona assim... a transparência só vale para uns e não para outros?”.
Algumas respostas são apresentadas. Algumas, mais decorosas, alegam que os portais são
dirigidos a um público restrito. O Servidor Público (SP 02), por exemplo, é direto ao dizer que
“O cara que deveria consultar o Portal da Transparência que seria, esse no meu entendimento,
os presidentes de núcleo comunitário, ou... até o próprio... CDL, essas instituições de classe,
para ver se o município está indo para uma direção de gastos”. Já o representante das Empresas
de Software automaticamente exclui a parcela da população com dificuldades de acesso e
entendimento quando diz:
casa, lá, ela não sabe interpretar essas informações, não é obrigada, e muito
dificilmente ela vai se interessar por esse assunto. Diferente de um processo
licitatório, que ela quer saber quem ganhou, que ela quer saber que produtos a
Prefeitura está comprando, diferente da informação de cargos e salários... não é? A
dona Maria, a dona de casa, lá, ela quer saber quanto é que a vizinha dela, que é
funcionária do poder público, está ganhando. Quais os benefícios que a vizinha, ali,
que trabalha lá na Prefeitura, tem, trabalhando na Prefeitura. Então, a gente
visualiza informações que uma legislação obriga publicar, porém para públicos
específicos. Então, o entendimento que a gente tem é esse. O que nos mantêm
tranquilos nesse desafio... que nem você comentaste, aí, do paradoxo, o que nos
mantêm tranquilos nesse desafio é isso. É entender que determinadas informações
são para determinado público. Por mais que seja aberto a todos, mas nem todos vão
em busca, vão querer procurar informações sobre dotações orçamentárias, se tem ou
não tem dinheiro, não é?
Outras declarações, entretanto, parecem retroceder no tempo. São todas aquelas que orientam
os cidadãos a procurar ajuda. Todas as atividades de apoio, auxilio ou tutoria sempre serão bem-
vindas, em qualquer contexto. O que os entrevistados se referem, entretanto, é aquela associada
à prestação de favores ou paternalistas, típicas de diversos períodos políticos Brasileiros. A
declaração do Agente Político (AP 04) é muito clara:
Eu acho que o cidadão comum, em certas áreas, não teria como acessar essa
informação. Mas, aí nos entramos em ação também, não é professor? Aí nos temos...
nos procura... nos temos como buscar. E se nós não conseguirmos buscar esta
informação na ação direta, nos vamos buscar pela Câmara. Nos vamos buscar
informações junto a Prefeitura Municipal buscando pedidos de informações pela
Câmara Municipal de Vereadores.
E, na mesma direção, a fala do Agente Político (AP 15) pois “tem que ter esse conhecimento,
claro, que o cidadão comum. Se ele tiver, se ele tiver alguma outra dúvida, ou pode comparecer
na Prefeitura, pode se dirigir à Câmara de Vereadores, que com certeza...”. Como já colocado
anteriormente parece não ter sido superado o tempo em que a obtenção de informações somente
era possível por meio das relações pessoais, de amigos ou de parentes, ou ainda pela ação de
contatos políticos como os vereadores, por exemplo.
De qualquer forma o que parece ser importante, em primeiro lugar, é obedecer a legislação e
obter o reconhecimento dos órgãos fiscalizadores. O Agente Político (AP 11) ilustra este
comportamento:
E uma coisa que eu já peguei é com o Tribunal de Contas os quesitos, porque eles
fazem aquela avaliação do site, das informações. Enfim. E a gente, durante esse ano,
trabalhou para que todos os itens do tribunal estejam lá respondidos, que eles fazem
uma avaliação de vários problemas do ano passado. Então esse ano a gente trabalhou
para que respondesse os quesitos de acesso à informação
180
O objetivo principal está registrado nas palavras do Agente Político (AP 01) quando diz que “O
próprio Portal da Transparência que temos hoje aberto, [...], no estado, ficou em 2º lugar no
Portal da Transparência”. Ou nos dizeres do representante de uma das Empresas de Software
(TI 01):
De uma forma muito simples a participação dos cidadãos nos assuntos da comunidade poderia
ser definida a partir das palavras do Servidor Público (SP 09) quando diz que “Participar, é,
trocar ideias. Porque é um encontro. É um encontro assim, pessoalmente, é um lugar que tu
pode falar, dizer o que tu pensa”. Não envolve, necessariamente, a deliberação, mas contribui,
significativamente, nos processos de tomada de decisão. Tenório acrescenta:
O que se precisa entender é que participar é fazer política e esta depende das relações
de poder percebidas. Que participar é uma prática social na qual os inter-relações de
poder percebidas. Que participar é uma prática social na qual os interlocutores detêm
conhecimentos que, apesar de diferentes, devem ser integrados. (TENÓRIO, 1990)
Por sua vez o Agente Político (AP 16) manifesta-se a partir da ideia estabelecida por Rousseau
(PATEMAN, 1992) de que a participação tem caráter educativo:
As expectativas, entretanto, parecem não estar se confirmando. Com exceção dos profissionais
que atuam nas Empresas de Software, que argumentaram não possuir informações para tanto,
quase que a totalidade dos demais (13 Agentes Políticos, 2 Agentes Comissionados, 2
Servidores Municipais, 5 representantes da Sociedade Civil e 2 Promotores Públicos) fazem
coro com a afirmação do Agente Político (AP 04) que diz “nós não temos ainda uma
participação efetiva da comunidade”
Uma situação concreta são as audiências públicas promovidas pelas administrações municipais.
Algumas são obrigatórias, como por exemplo a apresentação periódica dos resultados das
contas municipais, e outras são eletivas e abordam questões eventuais importantes nas
localidades. As do primeiro tipo evidenciam, na opinião dos entrevistados, os resultados pífios
de tal método. Na fala do Agente Comissionado (AC 07)
... tu faz audiência pública para discutir o orçamento do município, vai 5 ali. Tu faz
audiência pública para discutir o plano plurianual, vai 2 pessoas. Agora nós estamos
discutindo aqui o plano diretor da cidade, atualização do plano diretor, e, assim, a
gente vê muito pouca participação da população.
182
Em outra localidade a mesma situação. Mesmo com uma celeuma a respeito da atualização de
valores do IPTU do município o resultado não foi diferente. O Agente Político (AP 15) descreve
a situação:
Nós tivemos há poucos dias uma audiência pública que era sobre o IPTU, mas poucas
pessoas compareceram. Nós achamos que ia vir muita gente, para explicar os efeitos
desse ano na atualização de dados do IPTU. Então veio pouca gente. Mas assim, tem
outras que... as pessoas, em geral, não participam muito de audiências públicas. Nós
temos realizado várias, mas as pessoas não... não participam muito.
Este cenário pode ser apresentado de maneira mais completa. Os poucos participantes destas
audiências, em boa parte das oportunidades, são funcionários públicos cuja atividade
profissional geralmente está associada ao tema em discussão no evento. O Servidor Público (SP
09) discorre sobre casos desta natureza:
Mas, hoje, muito pouca gente vai. A gente vê que é uns gato pingado, vereador estão
lá, alguns vereadores estão... esse ano passado, a gente viu que mais se integraram a
estar lá, se integraram ao grupo, mas, antes, não tinha quase ninguém. A gente tinha,
praticamente, só o pessoal da contabilidade olhando lá. E a gente chama as entidades
e um que outro vai. E, hoje, tem um que outro vereador, ali, que vai e, ainda, já está
bem melhor. Mas ainda falta muito a população.
O Agente Político (AP 14) complementa dizendo que “chega ao ponto de, muitas vezes, não ter
pessoas da sociedade, a não ser os assessores e funcionários da própria casa para discutir um
problema que é de fundamental importância para a sociedade. Uma decisão que vai ter um
reflexo imediato ou, a médio ou a longo prazo, direto na sociedade”.
Nesse sentido, oscila muito. Assim, eu dizia, por exemplo, nós aqui fizemos uma
alteração do perímetro urbano. Então fizemos audiências públicas para ouvir as
pessoas que de alguma forma iam ser, passariam de zona rural para zona urbana.
Então, houve participação muito intensa de... chegava a ter 300 pessoas nas
audiências públicas.
fazer uma pressão psicológica naquela reunião, ou naquele encontro. E... e inclusive,
eles me falaram que isso surte efeito nas pessoas que estão decidindo. Então, veja só,
essa... até as pessoas... não, não vou julgar ninguém que estão lá decidindo se deixam
se influenciar por uma pressão de um determinado grupo. E isso é complicado.
Sim. É, olha, a gente pode dividir a participação em diferentes frentes, digamos assim,
a gente vai fazer essa análise. E eu sempre vou partir do pressuposto de que a
participação, ela é uma questão que a gente precisa analisar dentro de uma forma
pontual ((enfatizou)). Eu acredito que as pessoas se organizam para participar de
forma pontual. Então, em relação a um determinado tema, a uma demanda, a um
programa de governo, uma... uma temática enfim, é pouco... é pouco... as pessoas
participam pouco do dia a dia da administração pública e é isso que faltaria mais.
Mas, por exemplo, o Estado do Rio Grande do Sul há muitos anos existe um processo
de participação para a construção do orçamento para o exercício posterior que já foi
orçamento participativo, já foi consulta popular, já foi processo de participação,
enfim, vamos usar o termo “consulta popular” que é mais comum. Então, as pessoas
se organizam a partir da sua demanda. Então segurança pública a partir das suas
necessidades, a saúde, a educação. Então a gente vê que aí... a partir daí as próprias
lideranças desse segmento acabam mobilizando as pessoas para participar por conta
da demanda, e não por conta da importância que seria o cidadão ir lá e participar
da construção do orçamento como um todo. Acho que faltaria... falta ainda esta visão
das pessoas compreender. Bom, eu estou ali para construir o orçamento do Estado,
que tem diversas frentes, diversos olhares, diversas... formas de manifestação na
minha vida, na vida do meu bairro, da minha rua, da minha cidade, enfim. Mas não
é por esta... não é por este viés que as pessoas se mobilizam, elas se mobilizam pela
sua demanda específica: “Ah, pela minha escola; pela brigada militar, pelos
bombeiros; pela universidade”... Então a gente vê que a participação se dá desta
forma.
As opiniões dos entrevistados relatam muitos motivos para tais contextos, os baixos índices de
participação. Uma parte destas razões podem estar alinhadas ao descrédito das ações dos
governos. O representante da Sociedade Civil (SC 07) apresenta um caso específico.
o que mais a gente sente é falta de recursos por parte do governo, que nós temos
consultas populares de 2017-2018, que ainda não foram pagas. De 2018-2019 que
seria para pagar esse ano, o governo nos disse na última reunião que vai pagar dos
R$ 80 milhões, R$ 47 milhões e os outros R$ 33 milhões não vai ser pago. Definitivo,
foi categórico disse: “Os R$ 33 milhões esquece”. Então, a gente sente, a gente faz
184
A conjuntura política também é usada para explicar o porquê de tão pouco interesse,
demonstrado pelos cidadãos, em participar. O representante da Sociedade Civil (SC 08)
manifesta
acho que perdeu bastante a credibilidade por conta do contexto todo, geral, assim,
do País, de corrupção, de falcatrua, de privilégios pessoais, ... Então as pessoas
desacreditam um pouco e elas participam pouco. Eu vejo assim. E a gente tem
participado muito dos processos da participação popular, da consulta popular, do
orçamento participativo do próprio município, ele tem uma participação pequena se
comparada há alguns anos atrás. Então, prá nós conseguir mobilizar a sociedade a
participar desses fórum e até mesmo do processo da consulta popular que traz
recursos, nós temos que motivar muito e a gente só consegue uma adesão um pouco
maior porque as áreas buscam para ter proveito próprio por área, a educação, a
saúde, a segurança,... algumas áreas que mobilizam mais, elas vão buscar no próprio
setor ... a saúde mesmo, quem é vinculado à saúde vai votar, quem é vinculado à
educação mobiliza através dos alunos que são muitos, a segurança, que eles fazem
corpo a corpo na rua, se mobilizam nas empresas,... Mas a espontaneidade das
pessoas de ir como um dever de cidadão, como exercício de cidadania, caiu muito.
Existe um descrédito, hãnn... em função do contexto geral.
Eu acho que não há assim, um maior... até talvez eu acho que se acentuou... acho que
houve aquela explosão daqueles movimentos de 2013 ali, mas depois a interpretação
que eu tenho assim, é... que houve um desencanto com a política, e me parece assim,
que se pudesse traduzir, a minha percepção pessoal, é que cada um foi cuidar da sua
vida. Acho que houve um desencanto com a questão pública de uma forma geral, de
que isso não tem jeito, que isso não tem... Então, porque eu noto assim, eu vou viver,
eu vou trabalhar, eu vou cuidar da minha vida, do meu ganha-pão... e vou aguardar
as eleições. Me parece que foi isso lá atrás que desembocou agora nessa eleição
geral. Acho que... me parece que não há... eu não sei como é que vai ficar daqui para
frente. Mas eu acho assim que a participação da... da cidadania, ela podia ser bem
superior. Bem superior
As questões culturais, que incluem motivos que vão além dos episódios mais recentes da
história do País, também foram lembradas. A fala do Agente Político (AP 08) traz referências
assim.
qualquer outra entidade, você elege e deixa para o presidente resolver; nós não temos
muita cultura da participação, do querer interferir, e não se estimula mesmo, os
próprios poderes acabam não estimulando muito isso, então isso dificulta.
Eu acho que nós estamos c... com um grande problema de... de participação, tá? Eu
sou [...], eu já fui presidente de clube de futebol, já fui presidente de associação de
estudante, já participei de tudo. E eu verifico que sempre são as mesmas pessoas que
estão participando nos mais diversos grupos. Então assim, aquela pessoa que está
participando do Rotary, é a mesma que participa do Conselho de Trânsito. Aquela do
Rotary é a mesma que participa do... da Associação Comercial, do COREDE. Tá? Eu
acho que a nossa sociedade, ela não tem um sentimento de pertencimento da
administração pública, nós não temos... a gente não desenvolveu ainda o... o interesse
público. Tá? Eu vejo isso... muito por quê? Não há um sentimento de participação,
de pessoas que querem participar.
Os próprios entrevistados sugerem algumas alternativas para superação de tal quadro. Algumas
opiniões indicam a adoção de ferramentas tecnológicas para viabilização de uma maior
participação dos cidadãos. Houve, nesta linha, manifestações apontando a implementação, nos
sites municipais, de funcionalidades que permitissem a interação entre o poder público e os
cidadãos. Em outros casos, alguns municípios já adotam esta solução, foram adquiridos e
disponibilizados à população aplicativos para smartphones. Estes programas, via de regra,
permitem acessar serviços oferecidos pelo poder público além de encaminhar demandas para
diversos setores da administração municipal. Embora estas ferramentas, tanto os sites quanto
os aplicativos, se constituam em mecanismos mais modernos de relacionamento entre a
população e os administradores municipais, desponta uma preocupação, a partir do
entendimento de muitos entrevistados, de que solicitar serviços e encaminhar demandas não
são sinônimos de participação.
As redes sociais também foram muito lembradas. E podem ser identificados tanto aqueles que
concordam de que podem viabilizar uma maior participação, quanto os que se mostram
preocupados, principalmente pela dificuldade de controlar estes instrumentos. Como um
exemplo do primeiro grupo o representante da sociedade civil (SC 05) diz:
A gente... eu identifico novas ferramentas, por exemplo, se eu pegar hoje uma rede
social como uma forma de controle, eu acho que existe. Porque se nós formos pensar
assim: “Ah, a sociedade civil, como é que ela vai controlar as ações do agente público
hoje? Vai fazer um protocolo no município?” Vai fazer... o que é que ela vai fazer?
Vai chamar uma reunião? Hoje eu acredito que as pessoas utilizam muito essas novas
ferramentas mesmo para... para fazer pressão no governo, para denunciar algo que
186
está errado. [...] Mas está ocorrendo um empoderamento dessas redes sociais como
forma de controle da administração.
O Servidor Público (SP 04) acrescenta, referindo-se à amplificação dos assuntos por meio das
redes sociais:
No que eu vejo que tem bastante participação é através do Facebook, mas o jornal lá
lança uma... uma manchete com determinado assunto relacionado a... à Câmara ou
à Prefeitura, e eu vejo que daí tem bastante repercussão ali na... no Facebook, essas
notícias. Aí a população realmente contribui bastante.
Apesar destas possibilidades envolvendo o emprego das redes sociais como instrumentos de
participação elas são utilizadas, pelo menos do ponto de vista dos administradores públicos, de
forma muito incipiente e cautelosa. Os entrevistados apontam alguns motivos para conduzirem-
se de forma moderada. Para um deles, o Agente Político (SP 02), as manifestações dos cidadãos
pelas redes sociais, em parte das vezes são influenciadas e nem sempre representam o real
pensamento da sociedade. O entrevistado diz:
Mas também, hoje, as mídias sociais, elas nos preocupam muito, porque as pessoas
têm... têm participado – digamos assim – tido uma participação muito em redes
sociais que o primeiro comentário que vem, se ele é positivo, todos vão na
positividade; se ele é negativo, todos vão num comentário negativo, sem conhecer
muitas vezes as duas versões do que é positivo ou do que é negativo.
Uma outra preocupação, e um pouco mais radical, é dada com palavras diferentes por um
entrevistado da Sociedade Civil e por um Agente Político. O primeiro, praticamente resume e
coloca tons mais suaves na fala do segundo. O representante da Sociedade Civil (SC 05) declara
dizendo que “claro que a gente tem que cuidar também para não chegar num ponto de exposição
demasiada das pessoas, cometimento de algum ilícito, algum insulto”. O Agente Político é mais
explícito:
Eu digo que hoje a internet está aí para ser usada. Tem os órgãos de oitiva, as
ouvidorias, só que isso tem um outro lado. Isso veio para dar vez e voz para a
sociedade e eu não discordo disso. Só que está sendo muito mal-usado. Estão usando
internet para ofender, para agredir, para macular pessoas de bem e isto não dá para
aceitar. Isso não dá para aceitar. A internet é um instrumento valioso, mas tem que
ser bem usado. E deu voz a pessoas inescrupulosas, que não têm nada a perder. O
seu caráter muitas vezes duvidoso, e se auto revelando o que tem no seu interior.
A questão do emprego das redes sociais, ou o seu pequeno uso, pode ser reflexo de causas mais
simples que a animosidade ou a falta de tolerância das pessoas. Uma delas é aquela muito
comum ao serviço público de um modo geral e que se concretiza, como o caso dos portais da
187
Na verdade, assim, olha, essa é uma falha nossa, porque a gente publica as matérias
a... e... tem o feedback da comunidade. Eles... só nós temos um problema sério que...
como nós temos poucos recursos humanos aqui, eu não tenho condições de... porque
a... de responder. Alguma coisa eu respondo, tento resolver, só que por nossa equipe
muito reduzida, é muita correria, então às vezes eu fico devendo.
Outro encaminhamento, mais tradicional, mas nem sempre lembrado, está presente nas falas de
muitos entrevistados. São todas as ações tanto à conscientização da sociedade quanto à
educação das pessoas, principalmente crianças e jovens em idade escolar. O Agente político
(AP 05) exemplifica
então ali a gente botou, fez um resumo do que é a Câmara, do que é Executivo, do
que é Judiciário. E aí a gente dividiu os vereadores e fomos para as escolas
municipais e estaduais explicar a função do vereador, do prefeito, do judiciário, coisa
e tal. E então, o objetivo disso era conscientizar as pessoas para que venham para a
Câmara de Vereadores para que conheçam um pouquinho e também que se
sensibilizem, que venham, porque não basta votar. Tu tem que cobrar do... eu dizia
na minha campanha: “Não adianta só votar em mim, mas tem que saber o que é que
eu estou fazendo, tem que me cobrar também”. Então esse é um desafio grande, eu
acho que tem que fazer um trabalho de base, um trabalho de campo, ir para as
escolas.
O Agente Comissionado (AC 01) não apenas discorre sobre a conscientização em relação à
importância da participação dos cidadãos como também sugere a inclusão de conhecimentos
referente a administração pública nas escolas:
Então eu acho que isso é o que nos desafia a criar ferramentas, criar formas, criar
sensibilizações e criar metodologias do cidadão entender o que é um PPA, de ele
entender o que é uma LOA, de ele entender o que é uma LDO, o papel de cada uma
dessas leis no processo orçamentário. [...]. Então de ele entender, de a gente criar e
nós não temos muito uma cultura de ensinamento de gestão, não temos, por exemplo,
a gente pega na educação, qual é a disciplina que trata de questões de gestão, de
coisas, que a gente tem no ensino médio, por exemplo, que poderia ser o primeiro
passo, primeiro momento para as pessoas já irem se acostumando com isso. A gente
só vai falar em gestão se a gente for fazer um técnico em administração, se for fazer
uma universidade que vai precisar disso, estudar isso, mas na nossa educação o tema
de gestão, como é uma lei, como não é, como tu aprova uma lei, essas questões de
cidadania não perpassam pelo currículo da educação, e a gente sempre fica nessa de
ter que estar avançando um passo e retrocedendo dois, e assim a gente vai tentando
caminhar.
188
Os entrevistados também se manifestaram sobre a prática de controle dos governos por meio
dos Conselhos Municipais. A existência destes conselhos, como exemplifica Allebrandt (2003),
remonta a períodos pré-constituição de 1988. A partir Constituição Federal em vigor,
entretanto, e de instrumentos específicos na legislação posterior, o número de conselhos nos
municípios cresceu vertiginosamente. A participação, neste caso, não envolve todos os
cidadãos, mas somente alguns representantes de entidades, associações e órgãos
governamentais. Mesmo assim, como afirma o representante da Sociedade Civil (AC 09), “acho
que essa é uma análise profunda que nós precisamos fazer, que os conselhos foram criados
como uma forma efetiva da participação da população”.
O representante da Sociedade Civil (SC 03) refere-se à importância dos conselhos municipais
ao dizer que
O Agente Político (AP 07) também manifesta uma opinião positiva embora reconheça que
muitas pessoas tem uma visão e opinião bem diversa sobre os conselhos:
Conselhos têm... são... são um espaço de atuação muito grande da sociedade, onde
nós... porque eu vim com o... eu sou hoje, eu sou [...], mas eu participei muito de
Conselhos representando a sociedade civil, e vejo da importância que tem o Conselho
na vida do poder público. Então essa parceria toda nós não temos que enxergar os
Conselhos como nossos adversários. Nós temos que enxergar os Conselhos como
nossos apoiadores, mesmo que a crítica venha, sendo críticas construtivas.
Outros, contudo, referem-se aos conselhos de uma forma um pouco mais negativa, quase que
afirmando não serem úteis e nem auxiliarem a administração municipal. Um exemplo está na
fala do Agente Comissionado (AC 08):
aconselhar, como diz o próprio nome. Poderia sugerir, poderia ter ideias novas para
apresentar. Mas, na prática, não se nota muito isso.
O Agente Político (AP 01) tem uma opinião diferente ao dizer que os conselhos, no município
em que reside, são atuantes embora reconheça que, às vezes, os administradores do município
e os conselhos enfrentam-se no debate de questões mais polêmicas:
O poder público tem responsabilidades nestas questões pois a atuação dos conselheiros, como
a de qualquer outro cidadão, a participação popular nas ações dos governos pressupõe a
existência de informações confiáveis e oportunas. Stiglitz (1999), ressalta o interesse e a
capacidade de participação dos cidadãos é minada pela ausência ou redução da quantidade de
informações disponíveis. Os representantes governamentais nestes conselhos normalmente são
detentores de uma maior quantidade e melhor qualidade da informação. Os processos de
deliberação nestes conselhos, requerem cidadãos capazes de formular juízos informados e
racionais (LÜCHMANN, 2002). O representante da Sociedade Civil (SC 03) esclarece:
O conselho poderia ser mais atuante. Mas o poder público ele não facilita também.
Ele... como se pode dizer que ele dificulta? Ele dificulta porque ele traz as prestações
de conta muito em cima da hora, com prazos exíguos prá aprová. Então, não se tem...
aliás, aliado a falta de tempo dos conselheiros e o prazo pequeno,... acaba que...
vamos aprová assim ... e vai se passando.
um caso concreto ao dizer ”até porque tem entidades na cidade, eu cito uma, por exemplo, que
não é segredo, que é o [...] aqui é presidente há... sei lá, 20 anos.”
E pessoas que participem, agora nós estávamos discutindo aqui um conselho com 27
membros. Não vai funcionar. 27 membros, onde 11 ((enfatizou)) membros são
indicados pelo prefeito municipal, mas toda a sua base administrativa faz parte,
secretário de saúde, secretário de... Todas as secretarias, e 16 da sociedade.
Primeiro, nós não recebemos, por exemplo, um documento dizendo que a [...], por
exemplo, vai participar do conselho, porque pode chegar lá, por exemplo, aprovar a
lei, chegar lá. Mas eu não... Quem autorizou colocar essa instituição aqui no meio do
conselho? E vai. Aí 11 da Prefeitura, que, com certeza, esses 11... porque são
subordinados, vão participar das reuniões. Agora os 16 da sociedade? Será que
sempre vão participar? E aí tendo 11 do prefeito, e participa 5-6 da sociedade. Quem
é que vai ganhar voto ou nas decisões? Quem é que vai ter autonomia? Ou vai ter a
soberania? Então é esse o problema que eu vejo dos conselhos, sabe?
Uma situação ainda mais preocupante é apresentada pelo representante da Sociedade Civil (SC
04) referindo-se ao fato de que muitos conselhos somente existem para legitimar ações do poder
público:
Prefeitura hoje é movida a conselhos. Tem conselho para tudo, tem que criar, e a
maioria dos conselhos a gente é frio e franco, é um livro de atas. Tenho aqui, o
Conselho de Desenvolvimento Rural, que funciona bem. O da saúde, da educação,
tem que criar conselho de habitação, conselho de saneamento básico, conselho do
meio ambiente. Eu nem me lembro mais de todos eles, mas muitos são livros de atas,
só com atas.
Dos conceitos que sustentam a ideia de Governos Abertos, a colaboração dos cidadãos tem sido
pouco explorada, tanto no sentido acadêmico quanto no universo social e político. A parceria
entre os governos e os cidadãos é, além da vontade política, uma decorrência de administrações
públicas transparentes e da participação dos cidadãos. As dificuldades observadas nos
191
processos de participação, tanto para existirem quanto para a sua viabilidade, mostram o longo
caminho que deve ser percorrido.
Eu acho que isso é que as pessoas têm que... ser os gestores, eles conseguirem fazer
com que as pessoas se sintam donas de determinados processos, elas acabam
participando. Se o administrador público, se o prefeito municipal, cria um conselho
e deixa essas pessoas decidirem, elas acabam sentindo que elas têm pertencimento a
aquelas decisões, a aquele... a aquele local, e elas acabam tendo um esforço maior,
tá? Por isso que, como eu disse antes, eu acho que as nossas administrações públicas,
elas são muito fechadas. Se eles conseguirem abrir e a população verificar que tem
resultado, elas acabam... que era também... a consulta popular, a participação
popular, a ideia é essa, a ideia é que as pessoas possam decidir, isso o Boaventura
de Sousa Santos já disse várias vezes: “Deixe as pessoas... dá a possibilidade que as
pessoas decidam e elas vão... vão decidir”.
... pela sua história e tal, eu vejo que há uma... Existe uma carência nesse sentido. Eu
vejo que as pessoas... que a comunidade em si, ela delega muito ao poder público a
iniciativa e a execução das coisas. Não quer participar muito, não gosta de colaborar
muito. É uma percepção que a minha pouca trajetória de vida enxerga assim. Mas a
gente cria canais, cria possibilidades, tenta... tenta fomentar às vezes não... não tem
aquele... o resultado esperado mas eu acho que é uma... isso é uma questão que
muitos, muito se tem que avançar e muitos, muitos, muitos locais enxergar a...
enxergar a coisa pública também como parte, parte da... da sua responsabilidade
também.
Estes dois depoimentos não significam que os cidadãos, e também as administrações, estão
completamente alienados e alheios às possibilidades de ações conjuntas. Elas apenas ocorrem
em momentos muito específicos, esporádicos e envolvendo poucas pessoas e organizações.
192
Exemplos nesta direção são todas as ações sociais, ou solidárias, realizadas por voluntários e
organizações em ocasiões, geralmente, pontuais. O representante da Sociedade Civil (SC 08)
ilustra uma situação:
Aqui na nossa cidade nós inclusive... a gente tem... hoje é até difícil falar, porque tem
muito voluntário que trabalha mais em ações sociais do que o próprio cidadão que é
funcionário público, a gente vê em várias árias, aqui em [...] é assim, eu falo o meu
munícipio e sou vereador dessa cidade, mas eu acho que as pessoas de [...], na
verdade elas são bem prestativas quanto a esse serviço, e muitas vezes talvez até não
fazem mais por não receber um convite, e diferente das ações da Câmara, é bem
engraçado isso, eu falo que as pessoas não vem até a Câmara, mas quando tem um
serviço voluntário as pessoas estão prontas, é uma diferença que a gente muitas vezes
não consegue dimensionar essas diferenças, mas se tu olhar várias áreas de Rotary,
clube de mães, terceira idade, se tu hoje falar com qualquer grupo dessas pessoas,
elas sempre estão prontas para ajudar.
Episódios desta natureza, combinando serviços ou atribuições dos governos municipais com
instituições e/ou cidadãos, tem ocorrido, também, de forma mais coordenada, rotineira e
incluindo, além das questões sociais, solidárias ou humanitárias, a conservação e o
melhoramento do patrimônio público. Como caracteriza o Agente Político (AP 01) “uma
espécie de PPP, Parceria Público-Privada meio informal”.
A organização e realização de eventos constitui um dos formatos destas parcerias. Estes casos
envolvem, além do próprio poder público, empresas privadas, associações de classe ou
organizações sociais. A Agente Político (AP 01), mais uma vez, ilustra ao dizer que “a [...], por
exemplo, é um caso típico. São pessoas que se envolvem, são centenas de pessoas que se
envolvem, às vezes por meses preparando, e de forma absolutamente voluntária sem receber”.
nesse sentido assim, que adotam, adotam praças, adotam... Nós temos o caso do proprietário da
[...] que ele tem... ele tem o trevo da entrada da cidade, é ele que cuida.” As pessoas, na busca
por melhores instalações e equipamentos públicos, também são lembradas. O Agente Político
(AP 16) ilustra um caso
Por outro lado, em muitas oportunidades, estas parcerias sofrem inibições ou limitações em
decorrência de impedimentos legais que vigoram em determinadas cidades. O Agente Político
(AP 05) relata:
Aquilo foi doado por empresários, por construtores. Inclusive, passou... foi aprovado
na Casa agora, um... um projeto de... de que vem de encontro a isso que tu falaste
agora, da colaboração. As pessoas por exemplo, um município que poder receber
patrocínio, doações, porque ah, o [...] quer ajudar, quer colaborar com o município,
ele quer fazer a doação de uma praça. Ele quer fazer a doação de uma academia ao
ar livre, vamos botar numa praça. É isso. Eu acho que essa é a participação, eu acho
que isso é importante para [...], e para esse projeto, enfim. Na casa, no município,
podendo receber esse tipo de doação, as pessoas, a comunidade querendo ajudar,
querendo entrar. Nós temos várias praças que são cuidadas pelos moradores. Nós
temos canteiros centrais que são adotados pelos comerciantes. Então, o povo de [...]
já vem trabalhando nesse sentido, já vem querendo ajudar nesse sentido. E é... já
estão fazendo. São boas iniciativas, são boas iniciativas.
Um terceiro modelo em que estas parcerias são executadas relaciona-se, mais diretamente, a
ações de caráter assistencial e humanitário. Em muitos municípios o governo municipal delega,
às vezes de maneira informal, as ações de acolhimento de pessoas em tratamento de saúde e os
cuidados com animais abandonados a entidades ou associações e pessoas da comunidade. O
Agente Político (AP 08) demonstra com clareza ao dizer que
em alguns temas específicos da cidade, nós temos acho que um espírito colaborativo
grande do nosso povo. Vamos pegar, por exemplo, essa questão do cuidado com os
animais, o que tem de gente envolvida nisso, é um público muito grande, muitas vezes
fazendo coisas que é atribuição do Poder Público fazer, pô, vamos pegar questões
assistenciais, essa área de cuidado com a saúde, quantas ligas, quantos... entidades
que nós temos nessa linha, e a colaboração da sociedade normalmente é presente
nisso, ou campanhas de agasalhos e etc., que se fazem, normalmente com grande
194
A última frase da citação estabelece um dos pontos fundamentais da colaboração dos cidadãos.
Esta atitude pressupõe ausência de remuneração direta pelo poder público. Caso contrário
constituir-se-iam em um contrato de negócios ou serviços e, como tal, acarretariam obrigações
para quem executa as ações estabelecidas. O representante das Empresas de Software (TI 01)
reforça o poder da sensibilização das pessoas:
As pessoas, elas estão mais dispostas a ajudar a construir, desde que tenham o devido
apoio. Simplesmente, o poder público só esperar para que as pessoas cuidem do seu
meio-fio, então, o exemplo que a gente está usando aqui, isso não vai acontecer.
Precisa ter um estímulo, precisa ter uma motivação a mais para acontecer. E quando
o administrador público consegue fazer isso, flui mais do serviço, dentro da
comunidade.
O que falta é direcionar eles: “Ó, vamos caminhar por aqui, que isso aqui é o que a
sociedade hoje está pedindo”. Esse pessoal produtor de software, principalmente as
startups, eles produzem pelo prazer de construir, pelo prazer de fazer algo. E se der
certo, se emplacar alguma coisa, show. Agora, se não emplacar, ficou lá o produto.
Nós conversávamos, agora, esses dias, com um desenvolvedor, onde ele fez N
produtos e estavam engavetados. Ele disse: “Não, eu tenho esse aqui, que está
engavetado, que na minha época de acadêmico, lá, eu desenvolvi e tal... “, eu: “Cara,
isso aí, nós temos que dar continuidade nesse produto, aí. O produto tem uma linha
de mercado esperando por ele, aí.”. Então nós somos, nós estamos nos tornando e a
cada vez mais aventurando isso aqui dentro da empresa, de ser um incentivador
dessas iniciativas. A gente precisa dessas pessoas, precisa dessas ideias que estão na
cabeça desses jovens aí, entende? [...] Falávamos, há poucos dias, numa reunião,
da... das startups. A startup, ela produz sem a mínima pretensão de ganhar dinheiro,
e sim pela satisfação de produzir algo. Agora, se ela... se tiver alguém que direcione
essa capacidade produtiva, para produzir algo que seja uma necessidade da
sociedade, acho que a gente ganha muitos quilômetros por hora, aí, na solução de
alguns problemas ou na implementação de softwares que agreguem para a sociedade.
A adesão do Brasil, como um dos fundadores, da Parceria para Governo Aberto (OPEN
GOVERNMENT PARTNERSHIP, 2017) tem ocasionado uma série de medidas com o objetivo
de, principalmente, aumentar as ações e os índices de transparência pública. Os demais pilares
que fundamentam o conceito de Governo Aberto, a participação e a colaboração dos cidadãos,
195
Um governo aberto? Bom aí gente pode estar... tem diversas possibilidades, mas
pragmaticamente falando, eu acho que é um... é um governo que... dá transparência
aos seus atos, dá transparência às despesas e aos processos que desencadeiam... aos
processos legais que desencadearam essas despesas, eh... E também o governo que
dê ferramentas para as pessoas participarem, seja para decisões orçamentárias, e
seja para decisões pontuais de política pública, enfim, de diversas áreas. Um governo
aberto para mim seria um governo que de forma participava e colaborativa, envolva
a sociedade e dê possibilidade para a sociedade não só participar como também se
apropriar das decisões e das políticas públicas que estão sendo desenvolvidas. Eu
acho que... definindo, seria isso.
196
O cenário relativo ao conhecimento do tema relacionado aos dados abertos pode ser descrito
como um pouco mais sombrio do que aquele envolvendo governos abertos. A exemplo das
respostas dadas ao questionário enviado às administrações municipais, com poucas exceções,
o momento de questionamento na entrevista, foi a primeira vez em que se depararam com tal
ideia. Para ilustrar numericamente apenas oito entrevistados admitiram conhecer o assunto. Os
demais, ou foram taxativos em negar, ou responderam de forma que não permitiu interpretar
como ciência do conceito.
As tentativas para conceituação foram quase tão diversas quanto as pessoas que as
manifestaram, mas podem ser identificadas duas associações. De um modo geral o termo remete
à ideia de transparência, novamente influenciados pela palavra “aberto”. A segunda
aproximação traz, novamente, o ditado “nós estamos de portas abertas, nossos dados estão
abertos”. Este nível de conhecimento não é exclusivo do território gaúcho nem brasileiro. Um
estudo desenvolvido por Said-Hung, Valencia Cobos e Cancino Borbón (2019b) mostra uma
situação praticamente igual na Colômbia. O mesmo, muito possivelmente, ocorre nas demais
nações.
O conceito de dados abertos é muito pouco conhecido. Embora se possa argumentar que, por
ser um assunto relativamente técnico, não existe a expectativa de que todas as pessoas,
independentes de suas atividades e qualificações, o conheçam. Ele constitui-se, por outro lado,
em um tema social e político e, desta forma, deveria, ao menos, estar na agenda de debates.
Algumas manifestações, entretanto, são fortemente alinhadas aos princípios estabelecidos pela
comunidade de dados abertos. Como relata o Agente Comissionado (AC 01)
eu pensava, “mas o que é esse negócio de dados abertos, o que é isso de dados
abertos?”. Aí eu fui ver, “mas claro, lógico”, tu deixa tudo aberto, as pessoas vão
pegar, os programadores com aqueles dados naqueles formatos, vão conseguir criar
mecanismos e ferramentas para ajudar. E depois que a gente começou a trabalhar
com a transparência, fui estudar lei da transparência e tudo mais, fui ver o que era o
dados abertos, o conceito de dados abertos que o Governo Federal estabeleceu na
regulamentação da lei e tal, os formato de arquivos, tudo como tem que ser. Eu acho
que é o caminho, porque se eu botasse só um pdf ali, aquela informação vai ter uma
atividade para aquela pessoa só que foi buscar ela. Agora se ela tiver disponível em
pdf, em texto, em html, em xml, no formato que for, a pessoa pode pegar aquela
informação e transformar ela numa linguagem, em um jeito que vai ajudar outras
pessoas a ter aquela informação. Então eu acho que não custa nada a gente salvar
197
E também como se manifesta o representante das Empresas de Software (TI 02) quando diz que
dados abertos é um conceito que não significa apenas um maior conjunto de ações referentes à
transparência pública:
Se a gente falar em transparência, não. Transparência é um dado, uma coisa que hoje
se discute muito a forma da transparência, como é que eu vou mostrar isso... agora,
dados abertos, que é uma coisa, no meu modo de ver, diferente de transparência, não
é? Porque transparência está dando a informação porque as pessoas querem auditar.
A transparência é você... é quase uma... é auditar o que está sendo feito com o
dinheiro público, na verdade, é isso. Pode resumir alguma coisa, mas é isso. O dado
aberto, não. O dado aberto é diferente, ele é mais profundo do que... ele... a ideia...
ele provoca uma discussão econômica, ele gera produto, ele é diferente do que a
transparência. Mas a transparência, eu acho que, nos últimos tempos, tem sido muito
falada e quem não tiver a transparência sofre muito na mídia e coisa. Agora, dados
abertos eu não vejo, sinceramente, eu não vejo hoje nenhuma... é uma pena, porque
eu acho que seria um processo, inclusive, importante para o país, mesmo.
As reações dos entrevistados, também aqueles que não conheciam o assunto, foram em direções
distintas. De um lado uma espécie de euforia pelas potencialidades percebidas e, de outro,
receios e preocupações com as dificuldades atuais e futuras, além das questões éticas que
certamente existirão no processo.
Uma opinião negativa é dada pelo Agente Político (AP 13): “Então, Dados Abertos para mais
gente ver, para quem entende muito bom, para quem entende? Não sei qual será a reação”. O
pequeno conhecimento sobre o tema talvez tenha motivado esta fala. É, no entanto, significativa
pois mostra também o desconhecimento em relação às atuais ações de transparência e dos seus
impactos nos cidadãos.
Outras declarações, contrárias ao tema, têm a intenção de encerrar o assunto antes mesmo de
ser conhecido e debatido pelos cidadãos. O Agente Político (AP 02) generaliza ao dizer “na
verdade eu já tinha ouvido falar nesse projeto, acho que os municípios ainda têm muito pouco...
digamos assim, interesse”. O Agente Comissionado (AC 08) é mais direto ao afirmar que “é
algo que pode até ser pensado futuramente. Mas não vejo, hoje, isso como prioridade”. É
necessário lembrar que o movimento de dados abertos tem sido conduzido, até o momento, pela
sociedade. As prioridades, assim, devem ser estabelecidas conjuntamente.
198
Se essa abertura de dados, ela chega em determinado nível, onde... maduro, o nosso
concorrente, ou nós mesmos podemos pegar da concorrência, de uma forma muito
fácil, os dados, e acabar convertendo dados da outra empresa para a nossa de uma
forma muito mais leve. Se nós olharmos pelo viés empresarial, nós não gostaríamos
de facilitar a vida do nosso concorrente, e o nosso concorrente não tem interesse
mínimo em facilitar a nossa vida. E uma política de dados abertos, nesse formato,
iria abrir o jogo, entende? Então, ou seja, hoje você ganha um processo licitatório,
você vai lá, ganha outro processo. O cliente não precisa fazer um contrato
emergencial com o concorrente, até para nos dar tempo de converter.
Estes temores, como coloca o Servidor Público (SP 03) podem ser apenas temporários em
função, justamente, do desconhecimento em relação à dados abertos. O entrevistado faz
referências à receios manifestados anteriormente, com os portais da transparência, e que foram,
pouco a pouco, superados:
É isso aí, e você, se a gente olhar assim, desde que saiu a lei até a implantação, a
cabeça, a gente... vamos supor, em conversas aqui você via a dificuldade e o medo de
como essas informações seriam recebidas, avaliadas... então isso... e isso se vê assim
esse tipo de coisa, então é um pouco da consciência, da consciência por que não
abrir? Porque pode ser malvisto, pode ser interpretado de forma negativa, desde os
salários, como determinados gastos e não serviços. Mas que isso aos poucos foi
mudando, hoje já não se vê isso como um malefício, pelo menos, não enxergamos
tanto pelos colegas essa coisa, essa parte negativa da informação aberta. Pelo menos
em partes, isso está gradualmente alterando. Eu acho que a intenção dos dados
abertos pode vir, daqui a pouco não é tão difícil de imaginar que isso aconteça, isso
vai ser mais claro até com todos os benefícios que podem vir, como tu disse, de
aplicativos, de formas de serviços que a população poderia estar trazendo para
dentro, contribuindo para o município.
Alguém que pudesse usar essa informação e provocar negócio com ela, também.
Alguma coisa que o Estado não está fazendo, que tu, corretamente, honestamente,
está pegando aquele dado e vendendo aquela informação, porque também não é
proibido, a partir daquilo ali, tu trabalhar. Até tinha um compromisso... uma vez eu
vi essa discussão, não sei se isso se configurou em alguma norma. Quando começou
a se fazer discussões dos dados abertos, eu me lembro que eu cheguei a ser procurado
por algumas pessoas de Brasília, que me disseram o seguinte: “Tá bom, mas vamos
lá. Tu está me dizendo que vai postar o dado mensal”, vamos dizer. “Mensalmente,
tu vai me atualizar essa informação, diariamente”, sei lá. “Mas qual é o teu
compromisso de fazer isso? Porque, o que... esse é um compromisso de estado ou é
um compromisso de governo?”. O que eu quero dizer, agora eu vou lá, construo uma
empresa, nós três nos juntamos, e eu vivo, construo aquilo ali a partir daquele dado
que tu me informa. Muda o governo e tu diz o seguinte: “Não, eu não... não vai ser
mais desse jeito”.
O Servidor Público (SP 02) faz uma ressalva, um pouco mais genérica, mas igualmente
importante. A preocupação, neste caso, está relacionada ao grande número de municípios
existentes e das diferentes empresas de software que prestam serviços a estes municípios. Mais
uma vez, entretanto, relacionada à existência de regulamentos que disciplinem e organizem o
oferecimento de Dados Governamentais Abertos e, principalmente, estabeleçam padrões para
esta disponibilização. O servidor diz:
Fica fácil para tu padronizar o negócio no Brasil inteiro. Essa é uma ideia. E aí o
que ocorre? Saía lá no Portal da Transparência “aperte”, “pum”, “clica aqui”, ó,
aí aparecia lá umas 10 tabelas, tu baixa a tabela que tu quer, já naquele formato. É
um melzinho na chupeta para fazer isso, é muito fácil, só que enquanto não houver...
tu sabe, que o município, tudo só funciona com a espada nas costas, sem uma
legislação, não sai. Muito difícil tu chegar e dizer: “Ah, eu vou disponibilizar”, daí
eu disponibilizo de um jeito, você de outro jeito, outro de outro jeito, e daí, o que é
que ocorre? Até para os usuários, vai ser muito complexo, seria muito mais simples
tu ter um padrão e aí, o cara estuda um padrão, automaticamente serve para todos
os municípios.
Mas a questão técnica, acho que... com os próprios sistemas, eles são complexos e...
esse foi a maior briga que eu tenho no meu serviço, porque eu preciso de informações
para trabalhar, para poder fazer uma análise. E quando eu... e muitas informações,
elas vem de uma forma que eu não consigo mexer com elas, ou que eu preciso fazer
um... montar... fazer um trabalho enorme para as vezes para poder somar uma
determinadas informações com determinadas condições, e uma... e isso é um trabalho
extremamente exaustivo para poder pegar algumas informações para poder fazer
uma análise. E aí, eu vejo essa dificuldade interna, que seria tipo, para quem está
aqui dentro, deveria ser mais fácil. Então, imagina disso para... para abrir facilmente.
200
O representante das Empresas de Software (TI 07) resume este reaproveitamento ao dizer que
“a questão dos dados abertos, ele tem uma questão muito importante, que não é só de
fiscalização. Ele é de compartilhamento de informações”. Estes aspectos relacionados ao
compartilhamento provocaram manifestações extremamente positivas por parte de um grupo
de entrevistados. Uma delas, na linha da transparência pública, é apresentada pelo Agente
Político (AP 05) ao dizer que
tu vai colocar, que tu vai disponibilizar que a sociedade, que o cidadão, ele possa
pegar isso, esse material, e disponibilizar ele, compartilhar, e que esse material ele
seja... seja lido por... por qualquer sistema operacional, qualquer sistema, que eles
chamam, eu acho que é linguagem de máquina que eles chamam. Então eu acho
importante. Eu acho que é um tema... importante, e é uma maneira de tu reforçar a
transparência de todo o processo
Ou ainda na direção da participação dos cidadãos como afirma o Agente Comissionado (AC
07) quando diz que a “população com informação, ela vai ter mais vontade de participar”. E
também na expectativa da colaboração dos cidadãos que pode ser percebida na fala do Agente
Comissionado (AC 01)
eu acho que a tecnologia vem para nos ajudar, porque nós precisamos é fazer as
pessoas se convencerem disso e colaborarem para que ela possa funcionar, porque a
tecnologia não funciona sozinha. É que nem o portal da transparência, se não tiver o
seu João botando as informações para dentro não vai ter transparência. Então juntar,
e os dados abertos [...]. Quando a gente abre os dados, qualquer pessoa pode ajudar.
Se todos os dados da Prefeitura estiverem abertos...
Por fim a declaração mais simples, mas talvez a mais promissora de todas, foi dada pelo
Promotor Público (PJ 02): “Isso vai ao infinito. Não, isso vai ao infinito”.
informática, a questão cultural que permeia os servidores públicos, as formas como as empresas
de software tratam estas questões, os aspectos legais, principalmente àqueles não existentes e,
por fim, os usuários dos dados disponibilizados.
As Prefeituras Municipais não seguiram os mesmos modelos adotados por outras organizações,
principalmente as da iniciativa privada, em suas estruturas administrativas. Isto adquire maior
relevância quando se olha para as cidades menores e, juntamente, para a organização das áreas
tecnológicas, especificamente das Tecnologias de Informação. Como coloca o representante
das Empresas de Software (TI 03) o “nível de informatização das prefeituras pequenas é
incipiente”. O Agente Comissionado (AC 06) concorda e acrescenta:
Ela é uma organização muito incipiente. Muito incipiente. Hoje, o nosso setor de
tecnologia da informação, ele é muito mais operacional do que estratégico. Digamos,
faltou a palavra, além do estratégico. Mas ele é muito mais operacional, hoje. Ele é
muito mais responsivo, ele é muito mais na área de atuar na parte de infraestrutura.
Ele não é algo que tu pense a tecnologia da informação para o governo de uma forma
estratégica, como eu lhe disse, e talvez porque também ele, dentro dessa cultura um
pouco obsoleta da administração pública, ele também sempre foi um setor que se...
que foi delegado para ele isso: “Vocês vão ser o operacional, estragou o computador,
vocês vão lá, vão lá ver”, entendeu? Talvez falte visão nossa como gestor, para isso,
de enxergar como algo estratégico e... e não somente operacional. Mas vejo hoje ele
como algo muito incipiente.
202
[...] é o nome dele. Trabalha ali embaixo. Faz o quê? Eu já lhe digo, foi em setembro,
se eu não me engano, que ele foi nomeado. Antes, não tinha. Recém ele está... ele está
entrando no... no meio de tudo, que era... eu sei que é complicado, é bem complicada
essa questão aqui, na Prefeitura.
As atividades que estes servidores executam também contribui para este estado primitivo de
organização tecnológica, onde as questões estratégicas não fazem parte das atribuições normais
destes técnicos em informática. Um exemplo de casos assim é dado pelo Servidor Público (SP
07) ao dizer que
a gente não tem aquele tempo de estar acompanhando todas as tarefas. Então, a gente
apaga o fogo a hora que chega aqui, já no limite. Eu brinco que a gente faz um
pouquinho, um pouquinho de tudo e tudo de nada, porque é muita demanda. É muita
demanda de todas as áreas. Todas, todas. Então, assim, tu não consegue focar para
conseguir, sabe? Ser efetivo em determinado ponto, sabe?
olha se isso é estrutura para uma equipe tocar transparência numa cidade como [...].
Esse computador aqui é só para olhar dentro do sistema os pedidos, porque ele não
faz nada. E esse computador e essa impressora. Essa é a nossa estrutura. E tem
setores que é pior que nós, porque não tem. E no dia que a gente estava refletindo
sobre por que as pessoas não usavam o sistema, a pessoa dizia, “mas mano, não tem
nem um computador aqui na minha sala, eu não tenho nem internet no meu posto de
saúde”. Então se tivesse um TI organizado, articulado e com planejamento, fazia esse
mapeamento e começava a operar para tentar resolver esses problemas. Mas como o
TI é muito pequeno e tem que resolver os incêndios diários, acaba faltando tempo pra
planejamento. Talvez se tivesse um TI com alguém responsável em cada Secretaria,
daria para ter alguém aqui na Prefeitura no todo só pensando isso. Mas como eles
têm que resolver os problemas das Secretarias, de todas as máquinas da Prefeitura,
acaba não tendo tempo também de eles planejarem essa outra parte que é
fundamental.
203
Quando foi criado o [...] – e depois eu tive até um problema para transformar isso
numa superintendência – isso é questão política, foram trocando, trocando, hoje o
[...] é um mero departamento subordinado à Fazenda, mas nós fizemos tudo ainda
isso. Foi solicitado à administração, no que diz respeito a tudo o que se compra passa
pelo nosso departamento. E é feito em relativos, não... nós não temos, devido ao
sistema político instaurado, cada prefeito faz do jeito que ele achar interessante.
Então hoje, até a administração passada, o [...] não tem a incumbência, mas fazia.
Entendeu? “Ah, vamos comprar tal coisa”, “Não, pergunta para o cara que
entende”. Hoje não, hoje já estão cobrando, o que é que eu vou fazer? Não tem, não
existe, porque eles tiraram antes o meu [...], ele era um... quando foi criado, ele foi
criado a nível de secretaria. Então, era até acima de uma secretaria, era prefeito,
tecnologia e as secretarias, então tudo o que passava tinha ligação direta com o
prefeito. Aí, com o tempo, passou, eles colocaram debaixo de uma secretaria, mas
por causa da cultura, que tudo perguntava, nós continuamos mantendo, mas às vezes
mais, conforme o político, ou às vezes menos, nessa administração nós estamos um
pouquinho menos.
E a mesma situação é explicitada em outras cidades dando a entender que, contextos assim,
podem ser mais comuns do que se imagina. O Servidor Público (SP 08) reforça a fala anterior:
Outra deficiência dos municípios, talvez como decorrência das limitações anteriores, diz
respeito aos softwares necessários para suporte às atividades administrativas. O cenário
apresentado, em relação à área de TI, fornece pistas muito claras sobre qual a forma encontrada
pelos municípios para tanto. Com poucas exceções, os municípios adquirem softwares de
empresas especializadas. Como diz o Agente Político (AP 08)
204
veja que eu acho que tem um pouco essa dependência que limita, mas também tu tens
como fugir dela, na minha opinião, ou até estimular por conta disso outras, que
venham a suprir essas que... nós vivemos em um país capitalista, nós não temos a
obrigação de fazer a ferramenta porque tem uma empresa que faz ela.
Estas aquisições, evidentemente, precisam seguir seu curso legal. O formato destes processos
licitatórios, porém, aparenta não ser adequando para compras de produtos com tais
características. Por exemplo, como julgar a questão imposta pela legislação quando diz que o
“acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma
transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão” (BRASIL, 2011a)?
As questões não são apenas de ordem subjetivas. São práticas e, boa parte delas, decorrentes,
mais uma vez, das dificuldades estruturais enfrentadas pelos municípios. Apesar dos obstáculos
existentes, a fase inicial é, normalmente, a mais tranquila. O Agente Comissionado (SP 07)
exemplifica:
O resultado final, de acordo com o Servidor Público (SP 07) não é animador pois:
Essas empresas aí, praticamente 99% das empresas no mercado, eles já vêm com um
pacote pronto, entende? Eles não vão desenvolver alguma coisa exatamente como a
Prefeitura de [...], a Prefeitura de [...] quer. Daí teria que pegar, daí uma coisa
diferente, porque eles já vêm com aquele pacote pronto deles. Se o senhor analisar,
isso ocorre com 99% das empresas. Então, muitas vezes, tem que acabar se
sujeitando, mas...
Uma atitude dos servidores em direção contrária nem sempre é estimulada visto que, até de
forma inconsciente e sem más intenções, os desenvolvedores de software têm uma resposta de
difícil contestação. Como diz, mais uma vez, o Servidor Público (SP 07):
É. Tem que ser na hora da licitação, mas daria, que nem o senhor falou ali, de fazer
uma descrição bem elaborada, pedindo o que realmente a Prefeitura quer. Corre-se
205
o risco, muitas vezes, a gente já escutou: “Ah, não. Não vamos participar porque nós
não temos o produto que vocês querem”
Uma vez implementado o produto adquirido, o cenário pode ser, de acordo com o Agente
Comissionado (AC 01), algo como “a gente paga talvez de 15 a 17 módulos desse sistema e usa
quatro ou cinco, e os outros a gente está pagando não sei por que, mas está pagando”.
Mas é bastante difícil de tu avançar com essas empresas de tecnologia porque elas
sempre acham uma forma de te desviar. E a gente contrata os serviços por módulos.
Então módulo da transparência, módulo do serviço lá, módulo de atendimento, da
contabilidade, da não sei o quê. E é tudo engessado. Então o mesmo portal que a [...]
usa em [...] que é uma cidade totalmente diferente da nossa, é aqui em [...]. Então
essa coisa do engessado e a gente tem muita dificuldade de qualificação de pessoas
que trabalhem essa coisa do desenho, dos códigos para desenhar as páginas. [...]
quando tu quer botar uma coisa a mais para dar transparência, por exemplo, a gente
a cada 3 meses tem um relatório de gestão de cada Secretaria para as pessoas
saberem quais as dificuldades, os problemas de cada Secretaria e tal, mas nunca
funcionou, nunca deu certo. Em um ano a gente conseguiu que duas Secretarias
fizessem, a gente disponibilizou, mas eu tive que criar um pdf, botar numa aba
escondida que talvez as pessoas nem tiveram acesso, porque o portal não está
estruturado para ter essa coisa. E se for fazer pelas Secretarias, a [...] vai nos cobrar
mais uma beirada para ter aquela aba e como a gente tem problema de finanças
sempre fica para trás.
O mesmo Agente Comissionado (AC 01) apresenta uma última consideração que reforça este
contexto e que questiona o modelo atualmente empregado:
Então é um desafio. Eu acho que o próprio setor dessas empresas de softwares, eles
estão muito acostumados e acomodados nesse jeito. Então como nunca houve por
parte do poder público uma pressão para que eles melhorassem e tal, eles chegam,
vem primeiro vendedor, vende ideia, bota mirabolantes estratégias na hora de vender
ideia, depois vem os caras para instalar e tal, e depois quando tu precisar que venha
para ti, quando está em funcionamento, tu tem que pagar uma taxa X para ter uma
assessoria mais presencial.
206
Nas empresas que desenvolvem softwares para a administração pública, ao contrário do que se
poderia prever, o conhecimento sobre dados abertos não é generalizado. É certo que, dos grupos
de entrevistados analisados, foi o que mais demonstrou entendimento do assunto. Dos oito
entrevistados desta categoria, entretanto, apenas a metade respondeu afirmativamente se
conhecia o tema.
Por outro lado, aqueles que declararam conhecer dados abertos já os oferecem em seus
produtos. Não cabe, neste momento, analisar a forma como esta disponibilização ocorre e o
respeito, ou não, aos princípios do movimento. É importante a percepção de que iniciativas
foram produzidas e a demonstração de que as razões para o não oferecimento, principalmente
culturais e comerciais, não são verificadas em todos os lugares.
Os motivos de ordem comercial e estratégico existem e são defendidos pelas empresas. Uma
atividade que tem consumido uma grande parcela dos recursos humanos e financeiros
disponíveis por estas empresas estão sendo, ou serão, consumidos com o propósito de atualizar
seus produtos de forma a usarem a nuvem como plataforma principal de armazenamento e
operações. O representante das Empresas de Software ilustra, ao dizer que “Hoje, na verdade,
a gente tem 2 prioridades, porque a gente está migrando isso para a internet, para web, para a
nuvem”. O representante das Empresas de Software (TI 01) confirma:
É importante frisar que este comportamento não é nem ilegal nem ilegítimo. Ele apenas torna
evidente que movimentos como o de dados abertos, nascidos na sociedade, necessitam de muito
mais que boas intenções e receptividade para prosperarem.
A maior preocupação das empresas é o atendimento à legislação. Esta atenção representa muito
mais do que uma simples questão de respeito patriótico. Os elementos definidos nos
regulamentos legais constituem os itens mais importantes das licitações em que participam.
Também porque são os itens cobrados de forma explicita pelos órgãos de fiscalização. Como
diz o representante das Empresas de Software (TI 01):
6.4.3 A legislação
Ele cumpre o que a lei diz: “Ó, se a lei diz eu fazer isso, é isso que eu vou fazer, é o
mínimo que eu vou fazer”. Infelizmente. Eu acho que falta a gente... fazer mais,
porque se não tivesse lei de transparência, não existia o Portal da Transparência até
hoje. Se não é a lei, ter um Portal da Transparência, nenhum município ia ter Portal
da Transparência. Ou um ou outro grande. Senão não ia, infelizmente os nossos
governantes, eles cumprem o mínimo legal, e isso é ruim. Isso acaba... como não tem
uma lei que diz, que obriga o município a ter uma... uma gestão compartilhada, ter
uma gestão de... participação popular, muitos não fazem. Não fazem. Só vão fazer a
partir do momento que tiver uma Emenda Constitucional, alguma coisa assim.
Uma questão que deve ser respondida está relacionada a estes mesmos instrumentos legais e foi
apresentada em diversas oportunidades neste trabalho: como julgar a questão imposta pela Lei
12.527/2011 quando diz que o “acesso à informação, que será franqueada, mediante
procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil
compreensão”? (BRASIL, 2011a)
208
As respostas dos representantes da Promotoria Pública não são conclusivas. É possível que, de
fato, representem o pensamento dos demais integrantes da classe porque desde a implantação
da legislação, e dos portais, nenhuma atitude foi tomada para modificar a forma de apresentação
das informações. O representante da Promotoria Pública (PJ 03) demonstra este quadro:
É que isso é uma questão, acho que daí vai ser interpretativa, não é? É. E aí, daqui
a pouco é uma questão que teria que se discutir melhor, eu acho, porque, por ser uma
questão interpretativa, daqui a pouco vai surgir do outro lado a interpretação de que
não, de que a informação está de forma clara, mas que é uma informação técnica.
Outro questionamento, em relação aos instrumentos legais citados, foi ventilado: eles também
disciplinam, ou conduzem, ao oferecimento de Dados Governamentais Abertos? Os
Promotores Públicos entrevistados não têm uma posição sobre a dúvida por não terem,
fundamentalmente, se dedicado ao estudo do problema. A resposta aparenta ser, novamente,
negativa visto que tão poucos portais de Dados Governamentais Abertos existem.
Uma última interrogação vai na direção oposta das até aqui apresentadas. A legislação existente
inibe os administradores públicos de realizarem alguma atividade que a lei, explicitamente, não
obrigou? As respostas são divididas. O representante da Promotoria Pública (PJ 03) argumenta
dizendo que
acho que faz sentido se a gente compreender a lei como algo abrangente, que envolva
esses princípios. Ao agente público, só é autorizado fazer o que permite a lei, até
porque ele está atuando, não em nome próprio, em nome de uma coletividade. Acho
que sim. Isso até... tu vê, essa, esse pensamento, essa frase nos livros de direto
administrativo eles trazem. Todos eles. A gente vai ler os livros, ali, dos grandes
professores de direito administrativo, ali, Lopes Meirelles, a Maria Sylvia di Pietro,
todos trazem... o Celso Antônio Bandeira de Mello, que é um dos mais conhecidos aí,
todos trazem essa frase, agora um pouco mais modernizada, que é, aqui,
209
compreendendo, nesse conceito de legalidade da lei, não só a lei stricto sensu, mas
os princípios da administração pública. Mas eu acho que ainda é atual essa...
Faz sentido. Mas acontece que tu tem que interpretar isso. Antigamente isso tinha um
sentido estrito e formal, hoje dá para dizer o seguinte, ó: não é que o administrador
só pode fazer tudo o que a lei permite, é tudo o que o princípio da juridicidade
permite. Porque a lei tem um sentido muitas vezes muito restrito, muito formal, e ela
não pega toda a principiologia do sistema. Entendeu? Não tenho nenhum exemplo
para te dar aqui, mas a ideia é essa. Então às vezes tu te apega na lei, por exemplo,
uma lei, e na verdade tu está esquecendo o princípio da proporcionalidade, está
esquecendo o princípio da razoabilidade, está esquecendo o princípio da eficiência,
está esquecendo o princípio da moralidade administrativa. Tu entendeu? Sim, o
balizamento é isso aí. Só que a lei não, num sentido antigo que diziam, a lei no sentido
formal. Hoje dá para dizer o seguinte, modernamente, que a administração não está
vinculado ao princípio da legalidade, está vinculado ao princípio da juridicidade. Tu
tem que ver a lei e aí tu vê se essa lei está de acordo com toda a ordem incondicional
dos valores.
Este trabalho optou por examinar uma pequena parcela que representa aqueles capazes e
qualificados para a tarefa de programar computadores sendo esta uma atividade significativa
dentro do movimento de dados abertos. Uma nova restrição foi acrescentada em função da
abrangência desta classe ficando a investigação, desta forma, circunscrita à atividade de
formação destes profissionais por meio da análise e questionamento aos cursos superiores na
área de informática.
O questionamento básico em relação ao PPP foi se, e de que forma, o curso o projeto faz
referências às questões sociais, comunitárias e relacionadas à cidadania e ao desenvolvimento
local e regional. Pode-se imaginar que estas são as condições necessárias para a formação de
cidadãos e que os estudantes destes cursos, uma vez formados, farão parte daquele grupo que
participa e colabora nas questões públicas.
Entende-se que os cursos de graduação têm por função preparar indivíduos para o
exercício de uma profissão, porém, aliado ao conhecimento técnico, está a formação
humanística, sendo ambos o compromisso da instituição para a formação de um
cidadão crítico, reflexivo e consciente de seu papel na sociedade. (PPP 07, 08)
O curso tem como missão educativa capacitar indivíduos para exercer a cidadania,
promovendo a consciência social, formando profissionais competentes e atuantes na
sociedade, colaborando assim para o desenvolvimento de novas tecnologias para a
resolução de problemas nas mais diversas áreas do conhecimento. (PPP 12)
Incentivar a atuação do aluno junto à comunidade regional, como forma de, não
apenas prover o atendimento às necessidades da comunidade, mas também de tomar
consciência da importância da Computação como instrumento de transformação
social e de construção da cidadania; (PPP 14)
Estas definições e especificidades dos cursos de graduação parecem fazer parte de um texto
padrão. A pergunta que surge, a partir de então, é de que forma o curso pretende dar conta de
tais proposições. As respostas aqui são mais raras. Em poucos casos há a apresentação de um
ou outro componente curricular genérico como, por exemplo, as disciplinas cuja ementas são:
É legítimo esperar que componentes curriculares como estes possam imprimir o desejo e a
inspiração de participação e colaboração nos processos democráticos. São, entretanto,
demasiados amplos e não relacionados aos demais elementos do curso.
Os estágios e os projetos especiais presentes nos currículos dos cursos superiores podem,
também, constituírem espaço para o desenvolvimento, no respectivo curso, de trabalhos que
visem a formação de cidadãos conscientes e responsáveis. Por exemplo, extraído do (PPP 09):
Como a própria citação afirma, contudo, não são obrigatórios e dependem, portanto, do
interesse manifestado pelos alunos antes de que uma atividade incentivada pelo curso.
Algumas respostas são diretas: o curso não trabalha, ou não tem previsão de trabalhar, com
práticas ou eventos envolvendo Dados Governamentais Abertos. Outras respostas repetem o
que já havia sido observado nos PPP dos cursos. As discussões relacionadas aos dados abertos
podem, eventualmente, ocorrer nos projetos de pesquisa e de extensão, palestras, atividades
complementares e, com maior probabilidade, nas semanas acadêmicas. A participação,
entretanto, sempre será opcional e decidida pelo discente.
212
Apenas uma das respostas trouxe uma perspectiva diferente, embora aparente não ser uma
atividade constante. A declaração abaixo foi apresentada por um curso de Engenharia da
Computação:
O uso de dados abertos é ainda limitado, tipicamente feito dentro das disciplinas de
Projeto Integrador I, II e III. É nessas disciplinas que um projeto com duração de um
semestre inteiro é desenvolvido por pequenos grupos de alunos, quando algumas
vezes demandas da sociedade e de organizações do poder público são trabalhadas.
Em outros momentos o uso de dados abertos ocorre por iniciativa individual de
alunos, em seus Trabalhos de Conclusão de Curso.
Há uma dissonância clara entre o que se diz nos Projetos Políticos Pedagógicos, e nos demais
documentos produzidos pelas instituições de ensino superior e as práticas de implementação e
realização destes cursos. A formação de cidadãos comprometidos com suas comunidades,
participantes das decisões comunitárias e colaborativos nas ações de responsabilidade do poder
públicos exigirá ações mais concretas, nesta direção.
O conjunto de razões, ou motivos, pelos quais os municípios, na sua grande maioria, não
disponibilizam dados abertos pode ser estabelecido a partir das percepções dos entrevistados
sobre os diversos temas abordados. Uma tentativa de sintetizar estas percepções, em relação à
transparência pública, a participação e colaboração dos cidadãos, governos e dados abertos,
bem como referentes às barreiras e dificuldades apresentadas pelos municípios pode ser
visualizada nos quadros a seguir.
O quadro nº 14, por fim, condensa a percepção dos entrevistados sobre possíveis barreiras e
dificuldades existentes nos municípios e que tornariam a disponibilização de dados abertos uma
tarefa complexa e de difícil encaminhamento, mesmo que o conhecimento sobre dados abertos
fosse maior e envolvesse mais pessoas, principalmente nas administrações municipais. Estas
barreiras estão situadas na organização e recursos existentes para a área de TI, na forma que as
prefeituras municipais adquirem seus softwares, na forma como as empresas estabelecem suas
estratégias e desenvolvem seus produtos, nas características da legislação e no pequeno
contingente e na formação de usuários aptos a utilizar estes dados.
Não são muitos os municípios que investiram em recursos humanos qualificados e estruturaram
adequadamente a área de tecnologia de informação. De um modo geral os servidores públicos
desta área dedicam-se a atividades operacionais, notadamente a manutenção de equipamentos
e instalação de softwares. Os municípios foram conduzidos para tal padrão em função das
exigências e dos prazos impostos pela legislação, principalmente a Lei de Acesso à Informação.
216
A aquisição de softwares por órgãos públicos deve seguir, e respeitar, o regramento legal em
vigor. Os processos de licitação orientam-se, fundamentalmente, por meio de critérios
essencialmente objetivos, tal como o menor preço verificado. Por outro lado, avaliar um
software requer, em muitas oportunidades, considerar elementos subjetivos, como por exemplo
a utilização de linguagem de fácil compreensão. A forma como a lei disciplina as licitações, no
Brasil, não considera aspectos desta natureza.
O pequeno, ou nenhum, conhecimento em relação aos dados abertos, por si só, não explicam
um nível tão pequeno de ocorrências nos municípios gaúchos e brasileiros. Exemplos como a
transparência pública e participação cidadã corroboram a ideia de que outros elementos são
necessários, além do conhecimento, para que as administrações públicas municipais
implementem políticas públicas. Em um dos exemplos, os administradores públicos, bem como
os demais atores políticos, apresentam opinião formada sobre a participação popular e se
declaram favoráveis e esperançosos de que ela ocorra com maior intensidade. São raras as ações
concretas, contudo, que oferecem novas e melhores oportunidades e canais para que aconteçam.
O exemplo relacionado à transparência, por sua vez, é mais elucidativo. O cenário anterior à
Lei de Acesso à Informação, contraposto ao contexto atual, e mesmo com todas as deficiências,
ilustra a forma com que as administrações públicas se movimentam.
Todas as declarações, nas entrevistas, deixam claro de que estes portais foram criados e
mantém-se ativos por conta de imposições legais. Pode-se tentar um paralelo entre os portais
da transparência dos municípios e a disponibilização de dados abertos. Os primeiros, sem a lei,
como estariam? De outra forma, quantos seriam? O oferecimento de dados abertos, sem
legislação específica, sabe-se como está.
218
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem sido percebido, por outro lado, um movimento com origem na sociedade e que preconiza
a disponibilização, principalmente pelos governos, dos conjuntos de dados sob sua
responsabilidade. Os chamados dados abertos dizem respeito à livre utilização, reutilização e
redistribuição destes dados por qualquer pessoa. Estes princípios permitem associar a adesão
dos governos a este movimento a um incremento da transparência, participação e colaboração
dos cidadãos.
São muitos os conceitos pelos quais a democracia pode ser caracterizada. A partir da tradicional
referência ao governo do povo, pelo povo e para o povo são inúmeros os modelos pelos quais
a democracia se manifesta. Para os objetivos deste trabalho, entretanto, é suficiente tipificá-la
nas suas formas mais elementares: a democracia direta, nascida com os Gregos, a democracia
representativa, surgida em função das características e dificuldades do mundo moderno e as
democracias participativas e deliberativas, tidas como formas socialmente justas de governo.
A transparência tem sido objeto de políticas públicas em grande parte das nações. O avanço
destes conjuntos de regras e determinações conduziu, rapidamente, ao estabelecimento de que
a informação é um direito humano fundamental e condicionante da democracia. O Brasil,
alinhado a estes princípios, definiu, já no século XXI, um conjunto de instrumentos que
norteiam todos os entes públicos no tocante à disponibilização e ao acesso à informação.
A transparência pública também pode ser concretizada por meio dos Dados Governamentais
Abertos. O movimento, que nasceu na primeira década do século XXI, tem se expandido e hoje
um número significativo de governos, notadamente nacionais, tem aderido e disponibilizado
dados sob esta perspectiva. A sociedade pode reutilizar, modificar e compartilhar estes dados,
de forma livre e sem qualquer tipo de restrição, como também para qualquer finalidade. Assim,
podem ser esperados benefícios relacionados a inovações comerciais e econômicas, bem como
novas formas de exibição dos dados públicos que possam contemplar e atender um maior
número de pessoas, independendo de suas qualificações e habilidades técnicas, conhecimentos
e nível cultural.
O desenvolvimento dos Dados Governamentais Abertos ocorre com maior intensidade entre os
governos nacionais e visíveis em todos os poderes. Estas evidências são notadas com este viés
principalmente porque as diversas organizações que monitoram estas iniciativas o fazem quase
que exclusivamente para o nível mais alto dos governos. Nas administrações subnacionais,
entretanto, o progresso do movimento se fez com menor intensidade, especialmente em se
tratando dos municípios e governos locais. Mesmo no âmbito internacional sobressaem
somente as cidades de grande porte. Do lado da sociedade a evolução também foi modesta. O
uso dos dados abertos disponibilizados não tem seguido qualquer modelo de organização nem
contemplado uma variedade muita grande de áreas beneficiadas pelos aplicativos
desenvolvidos.
O cenário brasileiro é ainda mais incipiente. Afora o próprio governo nacional, tanto a
administração direta quanto a indireta, bem como os poderes legislativo e judiciário, são
restritos os casos onde a disponibilização de dados abertos é aparente. Podem ser citados alguns
governos estaduais, algumas capitais de estados e poucas cidades, notadamente aquelas com
maior população. O desenvolvimento de aplicativos no Brasil, também, é quase nulo, com
pouquíssimas iniciativas e escassos casos de sucesso.
O Estado do Rio Grande do Sul, assim como os demais Estados Brasileiros, é constituído,
sobretudo, por pequenos municípios tanto sob o ponto de vista populacional quanto com base
em suas extensões territoriais. Estes 497 municípios que tão pouco aparecem nas estatísticas
envolvendo Dados Governamentais Abertos, apresentam diversas limitações, além daquelas de
caráter financeiro. Os municípios demonstram severas restrições na composição e qualificação
dos recursos humanos que compõe seus quadros de servidores públicos, as quais refletem-se
nas suas estruturas de Tecnologia de Informação e na forma como seus sistemas administrativos
e demais ferramentas de software são obtidas, principalmente os seus portais na internet, em
221
A abordagens destas questões foi aprofundada por meio de entrevistas com atores sociais que,
de algum modo, estão relacionados aos temas propostos. A opinião, e a percepção, de Prefeitos
e Vereadores municipais, servidores públicos efetivos e comissionados, integrantes de
conselhos municipais e regionais, promotores públicos e representantes das empresas que
produzem os softwares utilizados nos municípios, confirmou muitas das concepções já
existentes, bem como trouxeram novos elementos associados às ações de transparência pública,
participação e colaboração dos cidadãos. Também deixaram mais claros os motivos pelos quais
tão poucos municípios estão engajados no movimento de dados abertos.
o vilão deste quadro, sendo necessário acrescentar que muitos não tinham conhecimento pelo
simples fato de que não acessam, ou nunca acessaram, este tipo de portal.
Boa parte dos governos visitados afirmam serem participativos, embora reconheçam a apatia
dos cidadãos. Em outras palavras, a responsabilidade é da população. As iniciativas que
apontam, entretanto, são aquelas que, ou permitem que a população demande serviços via
aplicativos, por exemplo, ou as redes sociais que não são monitoradas, acompanhadas e nem
respondidas pelo poder público. A falta de pessoas e as preocupações políticas impedem um
uso mais adequado destes instrumentos.
O primeiro objetivo diz respeito à caracterização dos dados abertos governamentais no contexto
municipal, identificando possibilidades de sua aplicação na promoção da transparência pública,
da participação, do controle social e da cidadania. O segundo capítulo deste trabalho aborda o
contexto democrático no mundo atual de forma a descrever algumas linhas fundamentais em
seus conceitos e, principalmente, discute a importância destes atributos (transparência pública
e participação) nos regimes e formas de democracia existentes. Os Dados Governamentais
Abertos constituem uma alternativa concreta aos instrumentos disponíveis e empregados para
a transparência, tal como os portais da transparência. Esta possibilidade não deve ser encarada
como uma escolha e sim como uma complementação. Se os portais da transparência exibem
muitas informações, as aplicações e análises desenvolvidas sobre os dados brutos
223
disponibilizados podem fazer com que estas informações cheguem aos cidadãos de forma mais
simples e mais compreensíveis.
Se os portais se tornaram obrigatórios em função das leis vigente não se pode afirmar o mesmo
em relação aos Dados Governamentais Abertos. As leis estabelecidas até fazem referência à
formatos abertos, mas, pelo menos até o momento, nenhuma interpretação foi na direção de que
os entes públicos devem, obrigatoriamente, disponibilizar seus dados sob formatos abertos,
como pressupõe os princípios estabelecidos pelo movimento. Esta é, certamente, uma das
razões pelo qual os municípios, e muitos outros entes públicos, não abrem seus dados.
municipais. Algumas percepções são categóricas. Todos os municípios são transparentes, todos
os agentes políticos desenvolveram ou desenvolvem ações que conduzem a uma maior
transparência no ente público em que desempenham suas funções políticas. A impressão,
ouvidos estes agentes políticos, é a de que os portais da transparência, principal instrumento
para efetivação da transparência pública, é resultado de ações pessoais. A legislação, entretanto,
aparece nos depoimentos dos demais atores restaurando a veracidade em relação a estas
ferramentas.
Os dados e governos abertos, assim como o movimento que ocorre no exterior e no Brasil, não
são de domínio público. Não existe, evidentemente, a exigência de que atores políticos e sociais,
principalmente estes últimos, o conheçam. O fato de destes conceitos não serem conhecidos,
entretanto, constitui, provavelmente, o principal fator para que sejam oferecidos por tão poucos
entes públicos, notadamente os municípios.
A mobilização em torno dos Dados Governamentais Abertos deve abranger outros atores, além
dos simpatizantes que hoje se aglutinam em torno da ideia. A adesão dos municípios somente
será possível com o conhecimento e o convencimento de uma maior parcela da sociedade. É
conveniente, talvez, mais do que simplesmente investir em eventos específicos, com o objetivo
de desenvolvimento de soluções, construir um caminho pela educação. Há um terreno fértil nos
cursos superiores de áreas tecnológicas, políticas, administrativas e da comunicação.
225
Finalmente o quinto e último objetivo secundário conduziu à identificação das dificuldades dos
municípios e que levaram ao atual estado da transparência pública e não oferecimento de Dados
Governamentais Abertos. Mesmo que o conceito de dados abertos fosse de entendimento de
uma fatia maior, ou de toda a população, as restrições observadas na estrutura administrativa e
tecnológica dos municípios seria um fator bastante complexo e custoso para ser superado. O
fato de as administrações municipais não conduzirem, por conta própria, o processo de
desenvolvimento de softwares ocasiona a dependência das empresas das quais adquirem estes
produtos.
O objetivo principal desta pesquisa foi estabelecido como identificar e analisar os fatores
políticos, burocráticos e tecnológicos que dificultam ou impedem a disponibilização de dados
abertos municipais. As respostas são muitas e envolvem todos os atores envolvidos. A mais
evidente delas, e que é percebida nas administrações municipais, nas empresas de software e na
sociedade civil, é o escasso conhecimento acerca do tema. Este fator é fundamental para que
haja evolução no movimento de Dados Governamentais Abertos. As pessoas, de um modo
geral, não sabem que existe, o que significa e quais as finalidades deste movimento. O debate
sobre dados abertos está apenas ao alcance de poucas pessoas.
atender aos funcionários públicos servindo como estação de trabalho pessoal. De qualquer
forma suas configurações não permitem o seu uso de forma direta na atividade de
disponibilização de dados abertos. Mesmo que os equipamentos fossem atualizados o modelo
adotado pelas administrações municipais, adquirindo softwares de terceiros, não criaria as
condições necessárias para tal oferecimento.
Por fim, os fatores políticos, os quais, em conjunto com o desconhecimento do tema, são
determinantes da pequena adesão ao movimento de dados abertos. Estes motivos envolvem,
certamente, a vontade dos agentes públicos, a formação de profissionais comprometidos com
as questões da cidadania e o interesse da sociedade. Todos estão em níveis muito baixos. É a
legislação, entretanto, a maior responsável por este quadro, ou por não existir instrumento legal
específico, ou pelo arcabouço legal existente não estar suficientemente claro. A legislação em
vigor em vigor, principalmente a Lei 12.527/2011, não referência de forma explícita os dados
abertos e, como tal, é passível de interpretações. Por outro lado, tanto as administrações
municipais, quanto as empresas que produzem software, baseiam-se fundamentalmente na lei
para a tomada de decisões e para a execução de qualquer ação específica.
A superação destas dificuldades exigirá não uma única, mas um conjunto de ações de parte de
todos os atores. Um dos aspectos principais consistirá no combate ao desconhecimento do tema.
Este papel caberá, fundamentalmente, aos ativistas que devem incrementar e interiorizar os
debates e às instituições de ensino superior pela inclusão, nos currículos de seus cursos, de
conteúdos relacionados à cidadania e aos dados abertos. Quanto maior for o número de pessoas
que conheçam o assunto maior será a demanda por disponibilização e maior será a utilização
de Dados Governamentais Abertos.
As empresas privadas que desenvolvem estas aplicações visam, via de regra, o lucro. Assim
não é possível esperar que, sem incentivos financeiros, principalmente das administrações
municipais, os produtos que comercializem reflitam os princípios pregados pelo movimento de
dados abertos. Uma alternativa que poderia ser considerada é a união dos municípios, formando
consórcios. Este agrupamento pode ser formado naturalmente pelas localidades que adquirem
suas aplicações de uma mesma empresa. Este custo, desta forma, poderia ser significativamente
diluído.
227
Na mesma direção pode ser considerado o princípio de aberto por padrão. Esta opção, muito
possivelmente, somente será possível por meio de iniciativas legais, vide o reflexo causado pela
legislação atual e o estabelecimento de portais de transparência em todos os entes públicos. A
abertura por padrão traria como consequência a concepção de que qualquer dado armazenado
nos sistemas administrativos, excetuando-se àqueles protegidos pela legislação referentes ao
sigilo e à proteção de dados, pudesse automaticamente ser fornecido com os princípios,
características e formatos prescritos pelo movimento de dados abertos.
Os dados governamentais abertos podem constituir um novo percurso para a qualificação dos
processos de participação, de colaboração e de controle social. A base para tanto é construída
sobre uma maior transparência dos atos da administração pública. Um dos pressupostos da
disponibilização de dados abertos é o incremento da transparência pública como resultado de
novos processos e novas perspectivas a partir dos dados públicos.
A participação dos governos não é suficiente para a obtenção de benefícios a partir de dados
abertos. Se assim fosse estaria se replicando os atuais portais da transparência. É fundamental,
neste tema, a participação e a colaboração da sociedade, tanto os cidadãos operando de forma
individual quanto o envolvimento das organizações civis ou mesmo empresariais e comerciais.
É a visão e a atuação da sociedade que adiciona valor a estes dados públicos. Não é possível,
desta forma, um comportamento passivo esperando que os entes públicos tudo forneçam,
principalmente as informações sobre eles mesmos.
Ainda são muito poucos os dados e aplicativos disponíveis. Também são poucos, e assíncronos,
os movimentos para que mais entes públicos participem deste movimento. A adesão voluntária,
como vem ocorrendo, num universo de 26 estados e 5570 municípios exigirá espaço de tempo
significativo para a obtenção dos benefícios imaginados. O engajamento de novos atores é
228
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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<https://opendatabarometer.org/leadersedition/report/?lang=es#introduction>.
244
Seja bem-vindo. Este questionário deve ser respondido por V. Sa. (ou por quem V. Sa. delegar),
de forma on-line, sendo que as respostas não serão divulgadas e nem tratadas individualmente.
A pesquisa compreende, além deste questionário, diversos outros instrumentos. Para não
comprometer a realização das próximas etapas solicitamos que a sua resposta ocorra nas
próximas duas semanas. Na ocorrência de qualquer dificuldade por favor entre em contato por
e-mail ou por telefone.
1 Este questionário faz parte de uma pesquisa cujo título é “DADOS ABERTOS COMO
INDUTORES DA TRANSPARÊNCIA E DO CONTROLE SOCIAL EM MUNICÍPIOS
BRASILEIROS: UM ESTUDO A PARTIR DE MUNICÍPIOS GAÚCHOS” e é fruto de
trabalho de doutoramento (Tese) em Desenvolvimento Regional na Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUI.
O pesquisador (Reneo Pedro Prediger) e seu orientador (Prof. Dr. Sérgio Luís Allebrandt)
245
• Sim
• Não
2 Agradecemos a sua participação, mesmo que V. Sa. tenha declinado do convite. Caso
mude de ideia e queira responder o questionário basta modificar a resposta da questão
anterior ou entrar em contato por e-mail ou por telefone que enviaremos novamente o
convite.
3 Nome do município *
http://www.municipio.rs.gov.br
5 Nome do respondente
6 Cargo/Função
7 Telefone
8 E-mail
• Unidade específica (Uma unidade concentra todas, ou grande parte, das atividades que
envolvem as Tecnologias de Informação)
• Dispersas em diversas unidades/Secretarias
Defina se existe uma única unidade (ou unidade central) que gerencia e dá suporte às
atividades envolvendo as Tecnologias de Informação ou se estas atividades estão dispersas em
diversas unidades ou secretarias
Informe o nome da unidade (ou secretaria, departamento, etc) onde estão concentradas as
atividades de TI
11 Subordinação da unidade
• Sim
• Não
A unidade que concentra as atividades de TI, ou qualquer das demais unidades, desenvolve
softwares ou aplicações (Sistemas de informação, Sites, aplicativos para smartphones, etc.).
16 Armazenamento de dados
• Sim
• Não
18 Periodicidade do backup
21 Portal da transparência
• Ouvidoria
• Enquete de projetos
• Segunda via de boletos (IPTU, ISS, etc.)
• Contas públicas
• Licitações
• Acompanhamento escolar
• Matricula escolar
• Pesquisa de opinião
• Agendamento de consultas
• Solicitação de serviços
• Agenda de projetos
• Outros (Especificar abaixo)
Marque os diversos serviços que podem ser acessados pelos cidadãos por meio da internet
Informe outros serviços ou atividades não listadas na questão anterior que podem ser
acessados pelos cidadãos
• Portal municipal
• Portal da transparência
• Serviço de Informações ao Cidadão (LAI)
• Blog´s
• Wiki´s
• Redes sociais
• Whatsapp
• Emissoras de rádio
• Jornais
• Televisão
• Outros (especificar abaixo)
• 1
• 2
• 3
• 4
• 5
250
• Portal municipal
• Portal da transparência
• Serviço de Informações ao Cidadão (LAI)
• Blog´s
• Wiki´s
• Redes sociais
• Whatsapp
• Emissoras de rádio
• Jornais
• Televisão
• Outros (especificar abaixo)
34 Atribua uma nota às ações de participação cidadã em seu ente público. (1 para nada
exitosas e 5 para totalmente exitosas)
• 1
• 2
• 3
• 4
• 5
• Sim, em profundidade
• Sim, superficialmente
• Não conheço
36 O Open Data Handbook (ODH), portal que reúne conceitos, exemplos e possiblidades
envolvendo dados abertos governamentais mostra que as instituições governamentais
coletam quantidades significativas de dados. Dados governamentais, pela legislação, são
públicos e, deste modo, podem ser abertos e disponibilizados para que a sociedade possa
utilizá-los. Para o ODH “Dados abertos são dados que podem ser livremente usados,
reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa, sujeitos, no máximo, à exigência de
atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras” (OPEN KNOWLEDGE
INTERNATIONAL, 2017)
251
O objetivo da abertura de dados é que a sociedade pode tirar proveito destes dados. Um
pressuposto importante é que o ente público que os disponibiliza não pode, não quer ou
não tem a capacidade de analisá-los. Colocá-los à disposição da sociedade faz com
qualquer pessoa ou organização possa construir sobre eles novas ideias que resultem em
novos dados, conhecimentos ou serviços (CONCHA; NASER, 2012). Ramírez-Alujas
(2011) complementa que os impulsos ao movimento de dados abertos, por um lado,
promovem a inovação, pois os dados públicos são catalisadores de novas aplicações e
serviços e, por outro, devolvem aos cidadãos seus próprios dados e informações sobre as
ações governamentais aumentando, desta forma, a transparência pública. Os dados
públicos abertos podem ser considerados como um instrumento para a transparência, a
participação e a colaboração, elementos fundamentais dos governos abertos.
Referências bibliográficas
• Sim
• Não, mas está na agenda de discussões
• Não
• Não sei
• Desconhecimento do assunto
• Indisponibilidade da equipe técnica
• Não há benefícios
• Falta de interesse
• Pressão sobre o sistema
• Dificuldades relacionadas aos fornecedores de software
252
Identifique o(s) motivo(s) pelos quais não são disponibilizados dados municipais abertos
• Finanças e economia
• Meio ambiente
• Saúde
• Energia
• Educação
• Emprego
• Transporte
• Infraestrutura
• População
• Eleições
• Legislação
• Planos governamentais
• Outros (Especificar abaixo)
253
• Consulta à comunidade
• Consulta a potenciais usuários
• Facilidades para liberação dos dados
• Custo para produção e adequação dos dados
• Base em outros entes públicos
• Outros (Especificar abaixo)
Assinale a(s) alternativa(s) adequadas à forma como foram escolhidos os conjuntos de dados a
serem disponibilizados.
• CSV
• TXT
• XML
• JSON
• ODS
• Outro (Especificar abaixo)
Assinale a(s) alternativa(s) adequadas em relação ao padrão dos arquivos que contêm dados
municipais abertos.
Assinale a alternativa que representa o período de atualização dos dados disponibilizados sob
o formato aberto,
Informe a periodicidade adotada para atualização dos dados disponibilizados de forma aberta.
53 A Prefeitura Municipal exige identificação do usuário para acesso aos dados abertos?
• Sim
• Não
Identifique a necessidade, ou não, de identificação para acesso aos dados municipais abertos.
Seja bem-vindo. Este questionário deve ser respondido por V. Sa. (ou por quem V. Sa. delegar),
de forma on-line, sendo que as respostas não serão divulgadas e nem tratadas individualmente.
A pesquisa compreende, além deste questionário, diversos outros instrumentos. Para não
comprometer a realização das próximas etapas solicitamos que a sua resposta ocorra nas
próximas duas semanas. Na ocorrência de qualquer dificuldade por favor entre em contato por
e-mail ou por telefone.
1 Este questionário faz parte de uma pesquisa cujo título é “DADOS ABERTOS COMO
INDUTORES DA TRANSPARÊNCIA E DO CONTROLE SOCIAL EM MUNICÍPIOS
BRASILEIROS: UM ESTUDO A PARTIR DE MUNICÍPIOS GAÚCHOS” e é fruto de
trabalho de doutoramento (Tese) em Desenvolvimento Regional na Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUI.
O pesquisador (Reneo Pedro Prediger) e seu orientador (Prof. Dr. Sérgio Luís Allebrandt)
257
• Sim
• Não
2 Agradecemos a sua participação, mesmo que V. Sa. tenha declinado do convite. Caso
mude de ideia e queira responder o questionário basta modificar a resposta da questão
anterior ou entrar em contato por e-mail ou por telefone que enviaremos novamente o
convite.
3 Nome do respondente
4 Formação acadêmica
5 E-mail
6 Nome do curso
7 Instituição
http://www.universidade.edu.br/curso
258
9 Área do curso
• Ciência da computação
• Engenharia da computação
• Sistemas de informação
• Engenharia de software
• Licenciatura em computação
• Cursos Superiores de Tecnologia (Descreva a seguir)
• Outra (Descreva a seguir)
12 Localização do curso
13 Número de semestres:
14 Carga horária:
• Sim
• Não
Informe quais atividades complementares realizadas pelos alunos do curso estão relacionadas
à temática da cidadania, participação e colaboração cidadã previstas no currículo do curso.
29 Relacione os eventos promovidos pelo curso onde os temas relacionados aos dados
governamentais abertos são trabalhados
Bloco: Transparência
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a transparência?
Que ações são realizadas pelo ente público para incremento da transparência
governamental?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da transparência no ente público?
Como obtém as informações?
Usa o portal da transparência?
Qual o seu envolvimento no incremento da transparência pública?
Bloco: Participação
Qual a sua opinião (o que entende) sobre participação cidadã?
Que ações são realizadas (canais de interação) pelo ente público para incremento da
participação cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da participação no ente público?
Bloco: Colaboração
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a colaboração dos cidadãos?
Que ações são realizadas (Canais de interação e oportunidades) pelo ente público para
incremento da colaboração cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da colaboração no ente público?
Bloco: Transparência
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a transparência?
Que ações são realizadas pelo ente público para incremento da transparência
governamental?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da transparência no ente público?
Como obtém as informações?
Usa o portal da transparência?
Bloco: Participação
Qual a sua opinião (o que entende) sobre participação cidadã?
Que ações são realizadas (canais de interação) pelo ente público para incremento da
participação cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da participação no ente público?
Bloco: Colaboração
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a colaboração dos cidadãos?
Que ações são realizadas (Canais de interação e oportunidades) pelo ente público para
incremento da colaboração cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da colaboração no ente público?
Que ações são realizadas pelo ente público para incremento do controle social pela
comunidade?
Qual a sua percepção sobre o estado atual do controle social no ente público?
Bloco: Transparência
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a transparência?
Que ações são realizadas pelo ente público para incremento da transparência
governamental?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da transparência no ente público?
Bloco: Participação
Qual a sua opinião (o que entende) sobre participação cidadã?
Que ações são realizadas (canais de interação) pelo ente público para incremento da
participação cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da participação no ente público?
Bloco: Colaboração
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a colaboração dos cidadãos?
Que ações são realizadas (Canais de interação e oportunidades) pelo ente público para
incremento da colaboração cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da colaboração no ente público?
Bloco: Transparência
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a transparência?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da transparência no ente público?
Como obtém informações?
Usa o portal da transparência?
Bloco: Participação
Qual a sua opinião (o que entende) sobre participação cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da participação no ente público?
Bloco: Colaboração
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a colaboração dos cidadãos?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da colaboração no ente público?
Bloco: Transparência
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a transparência?
Que ações são realizadas para incremento da transparência governamental?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da transparência do ente público?
Como obtém informações?
Usa o portal da transparência?
Bloco: Participação
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a participação cidadã?
Que ações são realizadas (Canais de interação) para incremento da participação cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da participação no ente público?
Bloco: Colaboração
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a colaboração dos cidadãos?
Que ações são realizadas (Canais de interação) para incremento da colaboração cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da colaboração no ente público?
Que ações são realizadas para incremento do controle social pela comunidade?
Qual a sua percepção sobre o estado atual do controle social no ente público?
Bloco: Transparência
Qual a sua opinião (o que entende) sobre transparência pública?
Que funções são disponibilizadas nos produtos da empresa para a transparência
governamental?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da transparência dos entes públicos?
Bloco: Participação
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a participação cidadã?
Que funções são disponibilizadas nos produtos da empresa para a participação cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da participação nos entes públicos?
Bloco: Colaboração
Qual a sua opinião (o que entende) sobre a colaboração dos cidadãos?
Que funções são disponibilizadas nos produtos da empresa para a colaboração cidadã?
Qual a sua percepção sobre o estado atual da colaboração nos entes públicos?
2 – Portal da transparência
272
3 – Acesso à informação